Você está na página 1de 188

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO

ESCOLA DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

Carla Beatriz Campos

Entre profissionais da saúde e profissionais do sexo:

Um estudo sobre prostituição e direitos sexuais em um serviço de saúde


especializado em IST-HIV/Aids

Guarulhos
2022
1

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO


ESCOLA DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

Entre profissionais da saúde e profissionais do sexo:


Um estudo sobre prostituição e direitos sexuais em um serviço de saúde
especializado em IST-HIV/Aids

Carla Beatriz Campos

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Ciências Sociais da Universidade
Federal de São Paulo como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre.

Área de concentração: Ciências Sociais


Orientadora: Profª. Drª. Cynthia Andersen Sarti
Coorientador: Prof. Dr. Julian Simões Cruz de Oliveira

Guarulhos
2022
2

Na qualidade de titular dos direitos autorais, em consonância com a Lei de direitos


autorais nº 9610/98, autorizo a publicação livre e gratuita desse trabalho no Repositório
Institucional da UNIFESP ou em outro meio eletrônico da instituição, sem qualquer
ressarcimento dos direitos autorais para leitura, impressão e/ou download em meio eletrônico
para fins de divulgação intelectual, desde que citada a fonte.

Campos, Carla Beatriz.

Entre profissionais da saúde e profissionais do sexo: Um estudo sobre


prostituição e direitos sexuais em um serviço de saúde especializado em IST-
HIV/Aids/ Carla Beatriz Campos. – 2022. – 171 f.

Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais – Guarulhos : Universidade


Federal de São Paulo. Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas.

Orientadora: Profa. Dra. Cynthia Andersen Sarti.


Coorientador: Prof. Dr. Julian Simões Cruz de Oliveira

Among health care workers and sex workers: a study on prostitution and
sexual rights in a health care service specialized in STI-HIV/Aids.

1. Ciências Sociais. 2. Antropologia Social. 3. Sexualidade. I. Profa. Dra.


Cynthia Andersen Sarti. II. Entre profissionais da saúde e profissionais do sexo.
3

CARLA BEATRIZ CAMPOS

Entre profissionais da saúde e profissionais do sexo: Um estudo sobre prostituição e


direitos sexuais em um serviço de saúde especializado em IST-HIV/Aids

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Ciências Sociais da Universidade
Federal de São Paulo como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre.

Aprovação: ____/____/________

Prof. Dra. Cynthia Andersen Sarti


Universidade Federal de São Paulo

Prof. Dra. Tatiana Savoia Landini


Universidade Federal de São Paulo

Dra. Elisiane Pasini


4

AGRADECIMENTOS

Uma andorinha só não faz verão. E aqui aproveito para agradecer a todas as pessoas
que me ajudaram e que fizeram parte dessa jornada rumo à obtenção do título de mestre
em Ciências Sociais. Começo por quem veio primeiro, meus pais: Joana e André.
Agradeço à minha mãe por ter me ensinado ao longo de todos esses anos o caminho da
educação, do ensino e da pesquisa, e por todo o apoio que me foi dado durante minha
trajetória na pós-graduação. Ao meu pai, agradeço por ter me ensinado o gosto pelas
ciências sociais, pelo desenvolvimento do senso crítico e por uma boa dose de idealismo,
além de sua escuta compreensiva em todas as vezes que eu precisei. Agradeço também
ao Felipe, por ter sido nestes últimos anos meu companheiro e melhor amigo, a pessoa
que mais me ouviu falar sobre minha pesquisa, sempre com muita paciência e carinho.
Sem vocês o caminho teria sido muito mais cinza, com certeza.
Me dirigindo propriamente àqueles que me ajudaram a construir essa pesquisa: Não
posso deixar de agradecer minha orientadora, Cynthia, pela confiança depositada no meu
trabalho e por todas as trocas e aprendizados proporcionados, não apenas sobre a
pesquisa, mas sobre todo o caminhar pela vida acadêmica. Agradeço também ao Julian,
meu coorientador que muito me ajudou com indicações de leitura e com orientações
trocadas via áudios de Whatsapp. Recordo também de todos os amigos e colegas que
compõem o nosso grupo de estudos Corpo e Violência, e que ao longo de nossos
encontros ajudaram a tornar a rotina de trabalho pandêmica mais leve e solidária.
Agradeço ainda por minha participação no grupo Puta Diálogos, a convite da Lis, que
também se tornou um espaço fundamental de diálogo e de trocas. Talvez eu tenha sorte
em poder dizer que encontrei no ambiente acadêmico um lugar de cooperação e amizade.
Não posso deixar de agradecer também à toda a equipe do CRT-DST/Aids-SP por
viabilizar e colaborar com a pesquisa. Agradeço a cada um dos profissionais citados nesse
trabalho, especialmente Cezar, Renata e Maísa, por compartilharem comigo parte de sua
rotina de trabalho e pela disposição em me ajudar na pesquisa. Por fim, mas de maneira
alguma menos importante, agradeço a todas as mulheres que eu entrevistei, pelo tempo
cedido a mim e pela confiança em compartilhar comigo algumas de suas experiências de
vida. Espero que com esse trabalho eu possa retribuir a vocês de alguma forma. Aqui fica
o meu “Muito Obrigada!”.
5

RESUMO
Esta pesquisa de mestrado teve como objetivo pensar o encontro entre mulheres que trabalham
com sexo e profissionais de saúde em um serviço público de saúde especializado em IST-
HIV/Aids, tendo como referência o discurso dos direitos sexuais, assim como os discursos das
políticas de saúde, dos movimentos feministas e dos movimentos de prostitutas. Para isso, foi
realizada uma etnografia em um ambulatório do CRT-DST/Aids-SP, na zona sul da cidade de
São Paulo, de setembro a novembro de 2020, na qual foram feitas observações e entrevistas
tanto com mulheres identificadas como trabalhadoras sexuais como com os profissionais de
saúde do local. Deste trabalho de pesquisa sucederam-se questões relativas à percepção da
prostituição no interior do campo da saúde, a percepção dos profissionais de saúde sobre as
mulheres atendidas e as demandas em gênero e sexualidade que surgem no ambulatório.
Sucederam-se ainda questões sobre a pluralidade de nomes e práticas que integram os mercados
do sexo e qual a relação das mulheres entrevistadas perante eles, bem como os saberes e práticas
que elas desenvolvem em relação ao corpo e à saúde, a partir da compreensão da singularidade
de suas experiências.
Palavras-chave: prostituição, saúde, direitos sexuais, sexualidade, CRT-DST/Aids-SP.

ABSTRACT
This master's research aimed to reflect on the encounter between women who work with sex
and health care professionals in a public health care service specialized in STI-HIV/Aids,
having as a reference the discourse of sexual rights, as well as the discourses of the policies of
health care, feminist and prostitute movements. For such purpose, an ethnography was carried
out in an outpatient clinic of the CRT-DST/Aids-SP, in the south zone of the city of São Paulo,
from September to November 2020, in which observations and interviews were carried out with
both women identified as sex workers and with local health care professionals. This research
work led to questions related to the perception of prostitution within the field of health care, the
perception of health care professionals about the women attended and the demands in gender
and sexuality that arise in the clinic. There were also questions about the plurality of names and
practices that compose the sex markets and how the interviewed women relate to them, as well
as the knowledge and practices they develop in relation to their bodies and health care,
comprehending the uniqueness of their experiences.
Keywords: prostitution, health care, sexual rights, sexuality, CRT-DST/Aids-SP.
6

GLOSSÁRIO

AIDS Sigla para a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida

BDSM Sigla para Bondage, Dominação, Disciplina, Submissão, Sadismo e Masoquismo.

CEP Comitê de Ética em Pesquisa.

CTA Centro de Testagem e Acolhimento

CRT-DST/AIDS-SP Centro de Referência e Treinamento em DST/AIDS

DST Doenças sexualmente transmissíveis.

IST Infecções sexualmente transmissíveis.

HIV Sigla para “Human Immunodeficiency Virus”.

HPV Sigla para "Papiloma vírus humano".

HSH Homens que fazem sexo com homens.

PEP Profilaxia Pós-Exposição ao HIV.

PrEP Profilaxia Pré-Exposição ao HIV.


7

ÍNDICE

Apresentação 9

1. O problema da pesquisa 12

2. Metodologia

2.1. Primeiras incursões no campo 18


2.2. Iniciando as observações: o processo etnográfico e as questões do campo 24
2.3. Sobre as entrevistas 29

PARTE I – VIVÊNCIAS DAS MULHERES NOS MERCADOS DO SEXO

3. A diversidade de dinâmicas de trabalho nos mercados do sexo 38

3.1. Nas clínicas, nas boates, nas ruas e nos apartamentos: Catarina, Alice,
Irina, Laís e Carolina 43
3.1.1. Diferenças entre as clínicas de massagem e as boates 52
3.2. Nas redes, no pornô e nos programas: Carine, Luana, Raíssa e Natália 54
3.3. Sobre a pandemia 66

4. Garota de programa, acompanhante e profissional do sexo: A pluralidade


de nomenclaturas 69

4.1. Os sentidos de ser acompanhante 72


4.2 Sobre o termo “Trabalho Sexual” 75

5. Os afetos e o exercício da sexualidade no âmbito do trabalho sexual

5.1. A separação entre a vida profissional e a vida pessoal 77


5.2. A vivência da sexualidade 91

6. “Eu escolhi, mas eu não aceito”: Sobre agência e sofrimento na prostituição 96

PARTE II – A RELAÇÃO ENTRE A PROSTITUIÇÃO E AS POLÍTICAS DE SAÚDE EM


IST/HIV-AIDS NA PERSPECTIVA DO CTA.

7. As percepções dos profissionais de saúde do CTA do CRT-DST/Aids-SP

7.1. Moralidades dos profissionais de saúde 103


7.2. Percepções sobre o público atendido no CTA 105
8

7.3. Percepções dos profissionais de saúde sobre a transexualidade 107


7.4. Percepções dos profissionais de saúde sobre as mulheres profissionais
do sexo 109
7.5 Sobre o perfil socioeconômico dos usuários do CTA do CRT-DST/Aids 113

8. O encontro entre profissionais de saúde e profissionais do sexo: autocuidado, políticas


de saúde em IST-HIV/Aids e a produção de outras demandas 111

8.1. A vinculação histórica da prostituição às IST-HIV/Aids 112


8.2. A aplicação da PEP e da PrEP no CTA 117
8.3. Práticas de prevenção e de autocuidado entre as mulheres 124
8.4. A demanda por atendimento ginecológico no CTA 137
8.5. O desvelamento de outras demandas no CRT-DST/Aids-SP 144

Considerações Finais 150

Referências bibliográficas 152

ANEXO 1: Tabela descritiva das mulheres entrevistadas e interlocutoras da pesquisa


ANEXO 2: Tabela descritiva dos profissionais de saúde entrevistados
ANEXO 3: Roteiros de entrevista
ANEXO 4: Pareceres dos Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs)
9

APRESENTAÇÃO

Pensar a sexualidade em suas dimensões sociais e simbólicas, sempre foi um objetivo


de pesquisa para mim. Se o referencial teórico das ciências sociais, e especialmente da
antropologia, permite-nos pensar a sexualidade como constituinte da vida social, não sendo um
fenômeno meramente anatômico/biológico ou psíquico, pode-se, assim, pensar como a
sexualidade incide sobre a criação de sujeitos, identidades, comunidades (Foucault, 1978;
Rubin, 2017), e, sobretudo, moralidades. Logo, pensar a dimensão moral que está presente na
sexualidade sempre foi um dos meus interesses de pesquisa. Trata-se, na abordagem das
ciências sociais, de pensar a moral, além do olhar do senso comum, com os julgamentos morais
e convenções que se dirigem às práticas sexuais consideradas dissidentes, para refletir antes
sobre o efeito que práticas e identidades sexuais atribuídas podem ter em nós mesmos, pensar
como somos atravessados por afetos, por questões que direcionam nosso olhar à sexualidade,
independentemente de sermos adeptos de valores liberais ou conservadores. Somos todos
atravessados por uma moral que dirige o nosso olhar ao corpo, ao sexo.
Assim, perguntei a mim mesma por que dirigi meu interesse a esse tema, se haveria algo
ou algum evento que tivesse orientado meu olhar para isso. Acredito que sim. Minha biografia
pode explicar. A minha trajetória familiar, ainda que oriunda de um ambiente aparentemente
dentro dos padrões convencionais, permitiu-me desde cedo conviver com pessoas cuja
sexualidade poderia ser interpretada como dissidente. Desde um familiar que se revelou não
hétero e “saiu do armário” ainda durante minha infância, passando por anos de convivência na
adolescência com uma madrasta (que mais parecia uma irmã mais velha) que, apenas alguns
anos depois, fui descobrir ser garota de programa, além de oportunidades de saber que outras
mulheres da família, ou mesmo dos meus círculos de amizade, já haviam passado ou cogitado
passar pelos mundos dos mercados do sexo. Quando se tem na própria biografia essa
proximidade, ao se pensar sobre o outro, pensa-se sobre si também. E isso, sem dúvida, levou-
me a pensar o olhar que nós, como indivíduos e sociedade, dirigimos à sexualidade.
Mais do que isso, no que se refere à prostituição e à imagem da Puta (que falo aqui
sobretudo de forma simbólica), sempre tive um interesse em me aproximar deste tema por ser
eu mesma uma mulher. Com isso quero dizer que, a despeito das diferenças que nos atravessam,
acredito que toda mulher lida ou alguma vez já lidou com a figura da Puta. Todas nós
convivemos com a imagem da Puta de alguma forma: Seja lidando com o julgamento de ser
vista como uma Puta, lidando com o estigma de ser efetivamente uma Puta (isso é, uma
10

prostituta ou trabalhadora sexual), ou fugindo a todo custo da Puta, como foi o meu caso. De
toda forma, a Puta sempre está à espreita. Ela aparece no momento de escolher o tamanho da
sua saia, a cor do seu batom e também no quão desinibida você aparenta ser em relação à sua
sexualidade e à maneira como se dirige aos homens. A qualquer momento a Puta pode aparecer
na sua vida, ou melhor dizendo: Você pode parecer uma Puta!
Sendo, portanto, a Puta uma figura com a qual eu sempre tive de conviver, eu queria ir
até esse lugar. Eu queria ver, afinal, o que era a Puta. O que era essa imagem que representa a
minha completa falência moral enquanto mulher? E é por este motivo que eu decidi adentrar
nos estudos sobre a prostituição feminina e realizar uma pesquisa etnográfica neste tema.
E o que eu encontrei ao realizar esta pesquisa de mestrado com mulheres prostitutas,
garotas de programas, acompanhantes e afins? Ora, eu encontrei mulheres. E como mulher,
eu me identifiquei com elas. Sem ter a intenção aqui de afirmar que a experiência de ser mulher
é universal, e, ao contrário, reconhecendo todas as diferenças (inclusive materiais, como da
ordem de classe e de raça) que nos atravessam, penso que existem sim algumas experiências
comuns entre nós mulheres, e, sendo assim, eu me reconheci em algumas das experiências de
minhas interlocutoras.
Quando interlocutoras como Raíssa (nome fictício) falavam do assédio que recebia de
homens em suas redes sociais e de como não tinha paciência para lidar com isso, eu me
identificava. Quando outras interlocutoras, como Natália, Laís, Morgana ou Carolina (todas
de nome fictício), falavam nos cuidados que tinham a cada programa e no medo de que os
clientes não respeitassem seu consentimento e suas condições, ou violassem sua integridade
física, eu também me identificava. Afinal, você não precisa ser uma mulher que trabalha com
sexo para ter que lidar com assédio, agressão ou qualquer outro tipo de violência de gênero.
Você tampouco precisa estar em um contexto de um encontro sexual para temer que o seu
consentimento e sua integridade física sejam violados. Essas são experiências de gênero que
não se restringem ao universo da prostituição. E foi desta forma que eu descobri, ao longo da
pesquisa e do processo etnográfico, que falar sobre prostituição feminina se trata antes de falar
sobre experiências vividas por mulheres, apenas por uma outra perspectiva.
Voltando ao início, posso dizer que minha trajetória de pesquisa começou ainda em
2013, ao ingressar no curso de Ciências Sociais, já disposta a tomar a sexualidade e as relações
de gênero como problema de pesquisa. Era um desejo meu começar a pesquisar, ainda na
graduação, questões relacionadas à prostituição. Porém, me questionava se seria o momento
certo para tanto. Considerando que se trata de um tema complexo e ao mesmo tempo
controverso, que suscita afetos e reações tão distintas (inclusive dentro de um mesmo universo
11

de referências, como no pensamento feminista, o que será discutido mais adiante), e que se não
for tomado o devido cuidado, pode cair em generalizações simplistas, moralizantes ou
condescendentes, provavelmente não fosse realmente a hora. Pensava que talvez pudesse
adentrar aos poucos esse campo de estudos que se abria à frente. Foi por essa razão que, de
início, dirigi o meu olhar a outro tema, a sexualidade na adolescência. Um tema também denso
do ponto de vista moral, mas ao mesmo tempo mais cotidiano, ou aparentemente mais acessível
a mim naquele momento.
Foi assim que desenvolvi entre os anos de 2017 e 2018 uma monografia, que resultou
em meu TCC (Trabalho de Conclusão de Curso), que visava compreender a relação entre
direitos sexuais e adolescência.1 Tendo como objetivo inicial compreender como os
adolescentes significavam sua própria sexualidade, elegi o conteúdo dos direitos sexuais como
um referencial comparativo, de forma a investigar como os adolescentes apreendiam tal noção
de direitos, e posteriormente, de sexualidade. Para tanto, realizei pesquisa de campo com
observação participante em um serviço público de saúde especializado em atenção à saúde do
adolescente, pertencente à Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, no qual observei a
realização de grupos de conversa sobre sexualidade, com o objetivo de entender como o seu
conteúdo se relacionava aos princípios dos direitos sexuais e o que revelava sobre eles,
considerando sobretudo a relação entre os adolescentes e os profissionais de saúde do local.
Desde a realização da monografia durante a graduação, e depois durante a construção
do projeto de mestrado, a pesquisa bibliográfica realizada visava pensar e problematizar a noção
de direitos sexuais. A começar pelo que eles representam e como foram historicamente
constituídos, considerando que surgem no Brasil a partir de debates dos movimentos LGBT e
feminista, e especialmente a partir da concepção dos direitos reprodutivos (Ávila, 2003). Ainda
que atualmente em disputa, eles podem ser brevemente descritos como direitos que “dizem
respeito à igualdade e liberdade no exercício da sexualidade” (Idem, p. S466), e permitem
“tratar a sexualidade e reprodução como dimensões da cidadania e consequentemente da vida
democrática” (Ibidem, p. S466).
A conclusão à qual chegamos nessa pesquisa foi a de que, ainda que a noção de direitos
sexuais represente o ideal do exercício livre e igualitário da sexualidade, com acesso à
informação e a serviços de acolhimento (Ávila, 2003; Ventura, 2005), o que foi observado no
interior do serviço estudado foi uma abordagem alarmista e por vezes culpabilizante das

1
Direitos sexuais na Adolescência: Um estudo em uma unidade da Casa do Adolescente. Trabalho de Conclusão
de Curso. Graduação em Ciências Sociais, Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), 2018. Orientação: Profª.
Drª. Cynthia Andersen Sarti.
12

práticas sexuais entre os adolescentes, assim como a falta de espaço para a participação e escuta
dos mesmos. Tal conclusão foi elaborada a partir da ideia de que a agenda dos direitos sexuais,
em princípio emancipadora, pode ser mobilizada de modo a prescrever e regulamentar práticas
e sujeitos sexuais considerados adequados de acordo com determinada moralidade. Tendo isso
em vista, os direitos sexuais poderiam ser compreendidos enquanto um campo moral (Foucault,
1984), produtor de verdades e subjetividades sobre a sexualidade, o que, no caso estudado,
permitiria entender como estes são atravessados pelas expectativas e representações sociais que
recaem sobre a adolescência (Knauth, Heilborn, Bozon, Aquino; 2006).
Adotando, então, este olhar que problematiza a noção de direitos sexuais, bem como a
própria noção de direitos humanos, podemos refletir o papel que estes desempenham na
produção de uma moralidade sobre a sexualidade. Em outras palavras, adotar essa perspectiva
me permitiria investigar o olhar moral que a plataforma dos direitos humanos dirige a
determinados sujeitos e práticas sexuais. Esta seria, então, uma premissa para pensar um novo
problema de pesquisa, que, agora a nível de mestrado, me possibilitaria tomar a prostituição
como objeto. Foi dessa forma que desenvolvi o projeto de pesquisa propondo pensar a
prostituição em sua relação com os direitos sexuais.
Mais uma vez, pode-se perguntar por que meu interesse em pesquisar justamente
temáticas relativas à prostituição. Ora, se as relações e interlocuções que tive a oportunidade de
estabelecer com pessoas que já haviam de alguma forma se engajado com o trabalho sexual me
deram a motivação inicial, os debates sobre o tema que se instituíam na sociedade, por meio
dos movimentos sociais e do pensamento feminista também me inquietavam 2.Interrogava as
posições dicotômicas sob as quais a figura da prostituta era colocada, ora como vítima, ora
como transgressora. Não seriam essas posições morais também? Uma leitura vitimizante,
condescendente de uma mulher prostituta, ainda que dentro de um paradigma feminista, não
partiria de uma determinada moralidade, tanto quanto uma leitura assumidamente pejorativa?
O que a discussão sobre direitos sexuais para prostitutas pode revelar sobre o modo como
concebemos a sexualidade e a própria prostituição? Residia aí meu interesse na questão. Desde
o início, meu interesse estava, sobretudo, no aspecto simbólico deste debate, que retomarei mais

2
A discussão sobre como a prostituição feminina é compreendida no campo dos direitos humanos e,
especialmente, no interior do movimento feminista também foi um importante ponto de reflexão para a construção
do projeto e para o desenvolvimento inicial da pesquisa. Tive a oportunidade de visitar esse debate por ocasião do
VI Congresso da Associação Latino-americana de Antropologia (VI Congresso ALA), em novembro de 2020, no
qual apresentei um texto (Campos, 2020a) discorrendo sobre a tensa relação entre os direitos humanos e sexuais e
a prostituição, a partir de pesquisa bibliográfica e de alguns dados preliminares da pesquisa de campo.
13

à frente. Dessa maneira, interessava-me pensar a relação entre prostituição e direitos sexuais
atentando não apenas ao aspecto programático dessa discussão, que se refere à própria aquisição
de direitos, mas atentando às gramáticas morais e emocionais que esse discurso revela.
14

1. O PROBLEMA DA PESQUISA

O problema desta pesquisa é pensar o encontro entre mulheres que trabalham com sexo
e profissionais de saúde em um serviço público de saúde especializado em Infecções
Sexualmente Transmissíveis (IST) e questões relativas a HIV/Aids. O objetivo foi apreender
este atendimento tendo como referência as problemáticas que envolvem os discursos dos
direitos sexuais, os discursos das políticas de saúde, dos movimentos feministas e dos
movimentos de prostitutas, considerando como tais discursos enquadram e produzem
normatizações, cada um à sua maneira, sobre a prostituição e sobre a figura da prostituta, a
partir de produções simbólicas e morais. As reflexões e os dados produzidos pela pesquisa
abriram espaço para novos problemas, permitindo refletir sobre quais as potencialidades e os
limites contidos no discurso dos direitos sexuais no que se refere ao entendimento da
prostituição e das demais formas de sexo comercial, atentando para as formas pelas quais essa
discursividade se dirige à sexualidade.
O projeto da pesquisa, porém, tinha outra formulação. O meu problema inicial consistia
em investigar o processo de construção e implementação de uma agenda de direitos sexuais
para prostitutas, a partir de seu atendimento nesse serviço de saúde. A partir da pesquisa
desenvolvida na graduação, antes mencionada, a ideia era compreender quais as possibilidades
de se pensar direitos sexuais para essa população, considerando as tensões que constituem esse
campo de direitos e a diversidade de práticas, identidades e significados que podem ser
compreendidas dentro da prostituição.
O contexto para formulação inicial do problema de pesquisa foi o processo de
“cidadanização” pelo qual a prostituição passa desde a década de 1980. Esse processo se traduz
pela sua entrada na esfera da cidadania, na qual ela começa a ser pensada em termos de direitos
sociais, trabalhistas e sexuais, a partir da articulação dos movimentos de prostitutas, e no bojo
das lutas dos movimentos sociais em torno da epidemia de HIV/Aids (Olivar, 2012; Corrêa &
Olivar, 2010; Teixeira Rodrigues, 2009). Esse movimento representa uma inflexão no modo
como a prostituição é discutida, uma vez que a figura da prostituta deixa de ser objeto apenas
de uma vigilância penal, política e sanitária (Rago, 1991; Gaspar, 1988) e passa a adentrar a
esfera da ordem, começando a ser representada como cidadã.
Foi partindo desta discussão que me propus a refletir as possibilidades de se debater e
construir uma agenda de direitos sexuais para prostitutas, desde a perspectiva local e etnográfica
de seu atendimento em um serviço de saúde especializado na temática de IST-HIV/Aids. A
escolha do campo da saúde, inclusive, se justifica pela vinculação história da prostituição a esse
15

tema. Mas o que mudou, afinal, no problema de pesquisa? Qual foi o deslocamento produzido
na maneira de refletir e tomar os direitos sexuais como referência no desenrolar da pesquisa?
Eu diria que o cerne da pesquisa se manteve o mesmo desde sua idealização. O que
mudou foi a maneira de apresentá-lo, à medida que as questões do trabalho de campo foram
sendo enunciadas e apreendidas. Como já afirmado, ainda no momento da escrita do relatório
de qualificação, o meu objetivo foi se deslocando do foco no processo de construção e
reivindicação propriamente dito dos direitos sexuais para prostitutas, por um movimento de
distanciamento dessa perspectiva, ao entendê-la em sua dimensão ideológica ou pragmática,
parte de uma agenda política, no campo de disputas de processos políticos de reivindicação ou
aquisição de direitos. Meu interesse foi caminhando no sentido de atentar para as implicações
desses processos discursivos, não para sua análise em si. Voltei meu olhar e minha atenção para
os lugares sociais da prostituta e da prostituição implicados nesses diversos discursos, no
sentido de investigar as moralidades e produções simbólicas que recaem sobre ela, a partir da
perspectiva das prostitutas e dos profissionais da saúde. Tal questão envolve pensar de maneira
mais ampla a dimensão da sexualidade e como ela é percebida moralmente, de modo que os
propósitos dessa pesquisa convirjam com a ideia de uma antropologia da moral, isso é, “uma
antropologia que tenha a moral como objeto... que explore como as sociedades ideológica e
emocionalmente fundam sua distinção cultural entre bem e mal, e como os agentes sociais
concretamente operam essa separação em seu cotidiano” (Fassin, 2018).
Além disso, ao pensar na ideia de prostituição feminina, desde o início da pesquisa eu
objetivei não apenas compreender as vivências concretas das mulheres entrevistadas, mas
buscar entender também o que há de simbólico (Mauss, 2003) na prostituição, considerando os
significados e representações contidos nela, bem como a carga simbólica e moral que diz
respeito ao ser “puta” (Moraes, E. R. 2013). Em suma, me interessava investigar qual era essa
imagem da “puta”3, e o que ela tem a dizer sobre a sexualidade da mulher.
Assim, meu interesse no discurso dos direitos sexuais reside em compreender a forma
como eles orientam um olhar sobre a sexualidade e sobre os sujeitos sexuais, apresentando-se
como um campo moral (Foucault, 1984; Carrara, 2015). Daí o interesse em discutir como esse
discurso se dirige à prostituição e demais formas de sexo comercial. Porém, esse não é o único

3
Ao usar aqui a palavra puta entre aspas, meu objetivo é chamar a atenção para os sentidos que essa palavra
carrega, visando questionar o que está contido neles e enfatizando que falo de puta como uma imagem simbólica.
Ao longo do texto, citarei algumas palavras entre aspas, visando ora ressaltar sua historicidade, e ora questionar
seus significados. As palavras grafadas em itálico, por sua vez, indicam os termos usados em campo por minhas
interlocutoras e pelos profissionais de saúde, sendo, portanto, termos êmicos. Vale ressaltar que o termo puta foi
usado em alguns momentos específicos por minhas interlocutoras e também por alguns profissionais de saúde.
Discorrerei sobre esses momentos mais adiante.
16

discurso que fala sobre a prostituição. As políticas de saúde em IST-HIV/Aids, considerando


especialmente a forma como elas vinculam a prostituição a tais infecções (Gaspar 1985; Rago,
1991; Martin, 2003) são também um discurso relevante, assim como os discursos dos
movimentos de prostitutas e movimentos feministas, que também produzem uma verdade sobre
a prostituição, na qual estão contidos valores sobre o corpo, o gênero e a sexualidade (Gregori,
2003; Piscitelli, 2005, 2007, 2012; Rubin, 2017; Bonomi, 2019). Os discursos destes
movimentos quando se centram sobre a figura da prostituta partem de concepções particulares
sobre a sexualidade da mulher.
O que proponho, portanto, é tomar os discursos mencionados como economias morais
(Fassin, 2018), que estão em disputa e que se dirigem à prostituição, tendo como efeito a
produção de formas de regulação sobre ela. Neste sentido, convém enfatizar que a discussão
sobre a prostituição é também uma discussão sobre a sexualidade feminina, e quais os lugares
que ela ocupa. Por isso a importância de discutir as questões que decorrem da pesquisa de
campo à luz destes discursos. Afinal, o encontro entre mulheres que estão nos mercados do sexo
e profissionais da saúde suscitam questões que atravessam todos eles. E é discutir estas questões
o objetivo desta pesquisa.
Falo em encontro, porque a relação entre as mulheres e os profissionais de saúde não
podem ser resumidas ao seu atendimento em saúde. Trata-se antes do encontro entre sujeitos
sociais que partem de lugares distintos e trazem consigo uma rede de valores. É um encontro
que presume relações de alteridade e troca, com as tensões nelas envolvidas, no qual me incluo
como pesquisadora, uma vez que também o componho (Geertz, 1989; Clifford, 2002). E é este
o caráter propriamente etnográfico da pesquisa.
Após meses de contato e negociação com a instituição de saúde escolhida (CRT-
DST/Aids-SP), dois meses e meio de observações no seu Centro de Testagem e Acolhimento
(CTA) em IST-HIV/Aids, e treze entrevistas realizadas com profissionais de saúde e mulheres
que afirmaram trabalhar com sexo, pude chegar a dois grandes blocos de questões que me
ajudaram a refletir sobre o problema de pesquisa. O primeiro bloco corresponde às experiências
das mulheres com as distintas formas de sexo comercial, e o que essas revelam sobre as suas
vivências com a sexualidade, com o corpo e a gestão de suas vidas pessoais e profissionais. Já
o segundo bloco diz respeito ao atendimento prestado no serviço de saúde estudado, pensando
em como a política de saúde em IST-HIV/Aids se dirige à prostituição e como ela é apreendida
pelos profissionais de saúde do local, para a partir disso refletir a respeito de como as mulheres
entrevistadas parecem responder a essa política, e quais questões e demandas elas trazem sobre
a sua saúde e o cuidado com o corpo.
17

No que diz respeito ao primeiro bloco, minha experiência de pesquisa de campo me


mostrou que eu não estava lidando apenas com o conceito de prostituição. Na verdade, minhas
interlocutoras dificilmente se identificavam como prostitutas, preferindo nomes como
acompanhante ou garota de programa. Porém, além de denotar uma diversidade de nomes,
elas denotavam também uma pluralidade de práticas, sentidos e formas de se trabalhar com
sexo. Enquanto algumas delas trabalhavam em lugares que podem ser entendidos como
“tradicionais” de prostituição, como boates e clínicas de massagens, outras trabalhavam com a
presença nas redes sociais e com a produção de filmes pornográficos, para além da realização
de programas sexuais. O que esta diversidade de nomes e práticas enunciou, pois, foi a
necessidade de compreender, para além da “prostituição”, a existência de mercados sexuais
mais amplos (Agustín, 2005; Piscitelli, 2005; Gregori, 2011).
A partir disso, ao longo da pesquisa tratei de falar em prostituição, sobretudo para
referir-me às discussões teóricas das quais esse trabalho parte, mas passo a falar também em
trabalhos sexuais, a fim de ressaltar a pluralidade nas formas de se trabalhar com sexo, sem
desconsiderar, porém, os usos políticos e morais que esse termo assume/encerra (Bonomi;
2019; Moraes, 2020). Igualmente não deixo de me referir a profissionais do sexo,
acompanhantes, garotas de programa e quaisquer outros nomes, tomando-os como dados
empíricos obtidos pela pesquisa de etnográfica, que revelam algumas das identidades e
significados presentes nos mercados do sexo.
O que a diversidade de mercados sexuais observados em campo me mostrou foi,
portanto, como a partir deles é produzida uma pluralidade de formas de se relacionar com o
corpo, com a sexualidade e com o trabalho sexual. Isso foi expresso de diversas formas entre
minhas interlocutoras. Havia aquelas, por exemplo, que buscavam separar totalmente sua vida
pessoal da profissional, ao passo que outras exploravam a própria sexualidade a partir do
trabalho com sexo. Do mesmo modo, havia aquelas que faziam uma gestão estratégica de sua
carreira, enquanto outras pensavam o trabalho com sexo de forma passageira.
No que se refere ao segundo bloco de questões, eu início minha reflexão a partir do
entendimento de que a política de saúde de prevenção às IST-HIV/Aids olha para as
profissionais do sexo4 como população-chave ou população vulnerável, de modo que elas
estejam ligadas à noção de risco. Essa é a forma pela qual a prostituição se insere historicamente
no campo da saúde pública, sendo uma das poucas temáticas, quando não única, através da qual

4
Termo comumente usado pelos profissionais de saúde do serviço estudado. Mais adiante, discorro melhor sobre
os termos utilizados pelas mulheres entrevistadas e pela equipe profissional do serviço de saúde para se referir ao
engajamento na prostituição e no trabalho sexual.
18

ela é discutida no interior desse campo (Rago, 1991; Martin, 2003; Rodrigues, 2009; Corrêa &
Olivar, 2014). Tendo isso em vista, o que as observações e as entrevistas indicaram foi como
as mulheres pareciam familiarizadas com as práticas e tecnologias de prevenção, demonstrando,
por exemplo, uma boa aderência ao uso do preservativo durante os programas. Além disso, elas
em geral me afirmaram ter uma boa relação com o serviço de saúde estudado, sentindo-se
satisfeitas com o atendimento prestado.
Contudo, o que pude notar no ambulatório foi um efeito de espelhamento. Isto é, assim
como a política de prevenção em IST-HIV/Aids parecia olhar para prostitutas apenas como
população-vulnerável, as mulheres com quem conversei pareciam privilegiar no contato com
os profissionais de saúde as demandas relativas à prevenção. Outros tipos de cuidado com o
corpo e com a saúde, como as práticas de higiene, as técnicas de evitação corporal durante os
programas (Gaspar, 1988; Pasini, 2000) ou mesmo a preparação para certas práticas sexuais
(como no caso das mulheres que trabalhavam com BDSM), eram saberes que essas mulheres
aprendiam sobretudo na prática do trabalho sexual e compartilhavam com outras pessoas de seu
meio. Quando, porém, essas mulheres levavam outras demandas de saúde para o serviço, como
a demanda por atendimento ginecológico (que era relevante), elas evidenciavam como sua
expectativa de atenção à sua saúde não se restringia à prevenção em IST-HIV/Aids. Os
profissionais de saúde, por sua vez, pareciam reconhecer essas demandas e, por vezes,
prestavam atendimento ou aconselhamento para além dos serviços inicialmente previstos no
ambulatório.
A seguir, assim, discorro sobre todas estas questões, conforme elas apareceram ao longo
da realização da pesquisa. Dando sequência à apresentação do trabalho, definido o problema de
pesquisa, passo a seguir à metodologia, que compõe o Capítulo 2, no qual descrevo o processo
de negociação com a instituição de saúde e a subsequente incursão na rotina do ambulatório
estudado, onde realizei o trabalho de observação e de realização de entrevistas. Introduzo
também a organização e os termos usados no ambulatório, bem como o processo de
interlocução com a equipe de profissionais de saúde e as estratégias traçadas para chegar até
mulheres engajadas no trabalho sexual. Se trata, pois, da descrição do processo etnográfico que
constituiu essa pesquisa.
Nas Parte I e II, apresento os resultados aos quais a pesquisa chegou, a partir dos dados
obtidos e de sua interpretação de acordo com o aporte teórico escolhido.
Os capítulos que compõem a Parte I têm como objetivo discutir algumas das vivências
das mulheres entrevistadas nos mercados do sexo, abrangendo, no capítulo 3, a diversidade de
dinâmicas de trabalho sexual observadas a partir do serviço de saúde estudado (CRT-DST/Aids-
19

SP) e, no capítulo 4, os diferentes nomes (e significados) mobilizados pelas mulheres para


identificar tais trabalhos. No capítulo 5, discorro sobre o exercício da sexualidade e as relações
afetivas de minhas interlocutoras no âmbito do trabalho sexual, e, no capítulo 6, trago o relato
de uma delas, Morgana, para refletir sobre experiências de dor e sofrimento na prostituição.
A Parte II tem como objetivo discutir a relação entre as políticas de IST-HIV/Aids e a
prostituição, também a partir da perspectiva do serviço de saúde estudado. No capítulo 7 são
introduzidas algumas das percepções de seus profissionais de saúde sobre o público atendido,
sobre a prostituição e sobre temáticas relativas à transexualidade. O capítulo 8, por sua vez,
reflete propriamente sobre as políticas de saúde em IST-HIV/Aids, a partir da relação observada
em campo entre os profissionais de saúde e as profissionais do sexo, atentando especialmente
para as práticas e saberes de autocuidado com a saúde demonstradas pelas mulheres
entrevistadas e para as demandas relativas à sexualidade e saúde que surgem no ambulatório,
com especial atenção para a demanda por atendimento ginecológico.
Para encerrar o trabalho, busco, nas Considerações Finais, refletir sobre os direitos
sexuais e a forma como eles se relacionam aos resultados aos quais esta pesquisa chegou.
Espero, assim, a partir das questões apresentadas aqui, conseguir trazer elementos para
refletir sobre possíveis aproximações entre a plataforma dos direitos sexuais e a prostituição
(assim como demais formas de trabalho sexual), considerando as discursividades que
contribuem para este debate. É um trabalho motivado e empreendido a partir do anseio de
refletir sobre questões de gênero, saúde, feminismos e direitos no estudo da sexualidade,
pensando todas as potencialidades, tensões e limites que nela residem.
20

2. METODOLOGIA

1.1. Primeiras incursões ao campo

O que expus acima foi o caminho percorrido para a idealização e construção do projeto
de pesquisa, assim como as primeiras reflexões e perspectivas que dele partiram. A partir daqui,
irei discorrer sobre a metodologia e nas primeiras negociações com a instituição escolhida para
a realização da pesquisa de campo, para em seguida relatar a própria entrada em campo, com
as questões que ela trouxe.
Desde a concepção inicial do projeto de pesquisa, já tinha em mente a instituição na
qual gostaria de realizar a pesquisa. Se trata de um serviço de saúde inteiramente voltado a
questões relativas a IST-HIV/Aids5, que eu já havia tido a oportunidade de conhecer como
usuária: o Centro de Referência e Treinamento-DST/AIDS-SP (CRT-DST/AIDS), serviço
ligado à Secretaria de Estado de Saúde de São Paulo e localizado na zona sul de São Paulo, no
bairro da Vila Mariana.
O CRT-DST/AIDS se caracteriza como uma unidade de referência no que tange a
prevenção, tratamento e controle de IST-HIV/Aids, além de ser a instituição responsável por
coordenar o Programa Estadual de DST/AIDS-SP (PE-DST/Aids), e que tem como objetivo
“elaborar e implantar normas relativas às DST/Aids, no âmbito do SUS/SP; elaborar propostas
de prevenção; prestar assistência médico-hospitalar, ambulatorial e domiciliar a pacientes com
DST/Aids; propor e executar ações de vigilância epidemiológica e controle das DST/Aids”
(SÃO PAULO, 2019). Considerei esta instituição particularmente apropriada para a realização
da pesquisa, tendo em vista a relevância que ela assume na política estadual de prevenção,
tratamento e controle de IST-HIV/Aids, o que contribui para a investigação e a reflexão das
questões relativas à sexualidade e à saúde que propus desde o projeto.
A instituição conta com um Centro de Testagem e Acolhimento (CTA) 6 que oferece
serviços ambulatoriais de testagem e acolhimento em IST-HIV/Aids. Há também o ambulatório

5
Conforme consta no site do Ministério da Saúde, “A terminologia Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST)
passa a ser adotada em substituição à expressão Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST), porque destaca a
possibilidade de uma pessoa ter e transmitir uma infecção, mesmo sem sinais e sintomas”. Não obstante, a sigla
DST ainda pode vir a aparecer ao longo do texto, seja nas bibliografias consultadas ou nas falas retiradas das
entrevistas e do diário de campo.
Disponível em: <https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z-1/i/infeccoes-sexualmente-
transmissiveis-ist> Acesso em: 11 de fevereiro de 2021.
6
Ao longo do texto irei me referir ao ambulatório estudado como CTA. Do mesmo modo, em alguns momentos
me referirei à instituição apenas como CRT, modo pelo qual ela também é comumente chamada pelos seus
profissionais de saúde e demais funcionários.
21

especializado em HIV/Aids, cujo objetivo é oferecer tratamento e acompanhamento a pacientes


portadores do vírus do HIV, incluindo uma ala hospitalar para internação de pacientes com
quadros de Aids. O CRT-DST/AIDS é também centro de pesquisa e formulador de políticas
públicas de prevenção em IST-HIV/Aids. A instituição acomoda ainda um Ambulatório de
Saúde Integral para Travestis e Transexuais (Ambulatório TT), com atendimento especializado
e encaminhamento para cirurgia para redesignação sexual para pessoas transexuais, o que é um
dado importante, visto que a inclusão de mulheres trans na pesquisa e a percepção dos
profissionais de saúde sobre elas veio a se tornar uma importante questão do campo.
A realização da pesquisa de campo se deu nos espaços do CTA, acompanhando os seus
serviços ambulatoriais, que se organizam a partir de duas frentes iniciais de acolhimento: a
testagem e atendimento para sintomas de IST. Este acolhimento desdobra-se também no
atendimento para aplicação da PEP (Profilaxia pós-exposição ao HIV) e da PrEP (Profilaxia
pré-exposição ao HIV). O uso dessas quatro modalidades de atendimento como objeto de
observação foi decidido nas primeiras reuniões junto aos responsáveis da instituição.
Considerando ser uma pesquisa etnográfica, a metodologia da pesquisa de campo
consistiu na observação participante (Becker, 1999) dos espaços da recepção, dos consultórios
e da sala de espera que compõem o ambulatório, e na realização de entrevistas semiestruturadas
(Minayo, 2010) com as mulheres identificadas como profissionais do sexo e os profissionais de
saúde do local7. Ao longo da pesquisa de campo, foram identificadas cerca de 24 mulheres;
dentre elas, foram entrevistadas sete, as quais detalho a seguir. Entre os profissionais de saúde
foram realizadas seis entrevistas. Todas as entrevistas foram gravadas e posteriormente
transcritas, após a autorização dos entrevistados mediante assinatura do termo de compromisso.
Antes, porém, de prosseguir com relato da minha entrada em campo, acredito ser
importante revisitar aqui um episódio que serviu de inspiração para elaborar o projeto de
mestrado e para propor a realização de uma etnografia com prostitutas neste local. Em uma
ocasião em que fui ao serviço como usuária, tive a oportunidade de conhecer uma mulher na
sala de espera do CTA (que mais tarde viria a se tornar um dos principais espaços ocupados por
mim na pesquisa), que logo de início se revelou garota de programa8, e perguntou se eu seria
garota também. Disse que não e começamos a conversar, quando ela revelou a situação que a
levou para aquele ambulatório. Um cliente havia tirado o preservativo durante o programa sem

7
Os roteiros de entrevistas usados com as mulheres e os profissionais de saúde entrevistados estão em anexo
(Anexo I).
8
Posteriormente, pude concluir que o termo garota de programa era bastante comum entre as interlocutoras do
meu campo. Discorro sobre a questão das nomenclaturas no capítulo 4.
22

que ela visse, ou seja, sem seu consentimento. Ela estava esperando para receber uma PEP
(Profilaxia de Pós-Exposição), isso é, um tratamento medicamentoso de urgência pós-exposição
ao vírus do HIV.
Naquele momento vimos que conversar uma com a outra seria uma maneira de aliviar
a atmosfera cercada de ansiedade que ronda a sala de espera nos serviços de saúde. E, assim,
conversamos. Ela me falou sobre sua vida, sobre os motivos que a levaram a começar a fazer
programas, sobre como ela via o seu trabalho, os pontos positivos, negativos... na prostituição,
o dinheiro que você faz aqui você não faz em nenhum outro emprego, lembro de ouvi-la dizer,
entre tantas outras coisas. E eu a ouvia fascinada. Fascinada por poder me ver ali numa situação
tão aberta conversando com uma mulher cuja experiência era em alguns sentidos tão distante
da minha, mas com quem ainda assim eu podia ter uma conversa numa casual proximidade.
Duas mulheres na mesma situação, na sala de espera de um ambulatório. Naquele dia
conversamos, voltamos juntas até a estação de metrô mais próxima, nos abraçamos, nos
despedimos, e nunca mais soube dela. Porém, a semente estava plantada.
Considerando o meu interesse já mencionado em pesquisar questões relativas à
prostituição, esse episódio serviu como um evento inspirador. Por que não entender como essas
mulheres, que se dizem garotas de programa, são recebidas em serviços como este? Como elas
o significam? Como os profissionais de saúde a recebem? Como o trabalho com sexo é
entendido nesse contexto? Por todas essas perguntas, desde o início da concepção do projeto eu
tive em mente a realização de uma etnografia neste serviço. Eu queria ouvir mais histórias como
a dela, queria poder ter mais interlocuções com mulheres como ela.
Após entrar na pós-graduação, cheguei a considerar realizar a pesquisa em outras
instituições. Entrei em contato com outras duas ou três que também prestavam serviços
ambulatoriais em IST, sem muito sucesso. Nessa, porém, que eu já conhecia, tive um retorno
positivo. A assessora de pesquisa do local, Lilian 9, leu o projeto, disse que estava interessada
na minha pesquisa e me convidou para uma primeira reunião. Assim, realizamos duas reuniões
ainda no final de 2019 para discutir o projeto e combinar as condições nas quais a pesquisa seria
realizada.
Neste primeiro encontro que tivemos com ela e também com a diretora do serviço,
Renata, elas reiteraram o interesse na pesquisa, e, considerando que a instituição em questão é
também centro de pesquisa especializado em IST-HIV/Aids, manifestaram interesse em

9
Todos os nomes citados ao longo do texto são fictícios, para preservar o anonimato das pessoas mencionadas,
conforme indica a resolução CNS nº 510/2016 da CONEP (Comissão de Ética em Pesquisa), relativa a pesquisas
das ciências humanas e sociais.
23

participar cientificamente da mesma, o que significaria que o serviço não apenas seria citado
no texto final, mas seria também creditado como coautor. Esta pauta da coautoria acabou por
me deixar receosa desde o início, pois não sabia como ela poderia afetar minha autonomia sobre
a pesquisa. Na realidade, logo evidenciou-se que esta era também uma questão do campo e um
problema metodológico, que envolvia discutir quanta autonomia eu teria sobre o
desenvolvimento da minha pesquisa de campo e quanto a instituição poderia delimitá-la.
O que me ficou claro nas primeiras reuniões com as responsáveis pelo serviço foi, então,
o fato de que elas representaram não um momento anterior à pesquisa, mas sim o início dela,
isso é, minha primeira entrada em campo e as primeiras interlocuções nele. O que o encontro
entre mim, pesquisadora, e a equipe técnica evidenciou é como esta relação entre nós é dotada
de delicadeza e complexidade. Ela é construída em meio à minha necessidade de criar um
vínculo e uma relação de confiança com a equipe e de obter livre acesso aos espaços escolhidos
para a pesquisa, mediante os acordos feitos entre nós, mas de, ao mesmo tempo, conseguir me
posicionar como pesquisadora, tendo a autonomia necessária para levantar as questões
pertinentes para a pesquisa, assim como para contatar pessoas e estabelecer interlocuções que
julgasse apropriadas, e sobretudo para produzir a minha interpretação e reflexão sobre os dados
obtidos.
Voltando à primeira reunião, ela começou a partir da discussão do projeto, na qual fui
solicitada a detalhar a metodologia, acrescentando os dados corretos da instituição e
descrevendo minuciosamente o meu plano para realização da pesquisa de campo, bem como
para a análise dos dados, para o que projeto pudesse ser submetido aos comitês de ética não
apenas da universidade, mas também do próprio serviço. Nada estava fora do previsto, não
fosse o desencontro entre perspectivas de pesquisa de campo na área da saúde e nas ciências
humanas. Lilian e Renata falavam em termos de pesquisas quantitativas e exatas, insistindo
para que eu definisse o meu “n de pessoas”, isto é, o número de pessoas a serem entrevistadas,
e o tamanho da “amostra”. Especialmente na segunda reunião, senti a necessidade de afirmar o
foco qualitativo e etnográfico da minha pesquisa, reiterando o meu interesse em entender as
relações estabelecidas no serviço em sua profundidade, e indicando a necessidade do aval delas
para que eu pudesse explorar diferentes espaços do ambulatório, sem que fosse possível, nessa
abordagem, definir previamente o número de interlocutores da pesquisa.
Talvez a questão mais relevante que surgiu relativa a esse desencontro de perspectivas
diz respeito à escolha do público-alvo. Lilian e Renata mostraram preocupação em fazer um
recorte das trabalhadoras sexuais que seriam abrangidas na pesquisa. Na visão delas, os perfis
de mulheres cisgêneras, mulheres trans e homens na prostituição seriam muito distintos entre
24

si, e estudar mais de um deles poderia ser dispendioso demais para o que a pesquisa propunha.
Elas também mostraram estar mais interessadas no estudo das prostitutas cisgêneras, uma vez
que, segundo elas, já havia muitos projetos voltados para mulheres trans no serviço.
Posteriormente, encontrei certa resistência dos profissionais na tentativa de abordar e
entrevistar as mulheres trans, expressa sobretudo por Lilian, que veio a mobilizar o argumento
de que elas não se encaixariam no meu problema de pesquisa. Assim, relembrar que havia um
interesse da instituição em produzir pesquisa com mulheres cis foi um detalhe importante para
compreender melhor esse impasse. Parecia haver, portanto, um intento das profissionais de me
conformar a suas próprias expectativas para a pesquisa, uma vez que ela poderia trazer
contribuições para o serviço.
Ainda assim, num primeiro momento a ideia de centrar-me nas mulheres cis me pareceu
interessante. Contudo, após conversa com a orientadora, concordei com ela que esta
representaria antes de tudo a visão das profissionais sobre a instituição e seu público. Inclusive,
algumas falas de Lilian e Renata sugeriam algumas representações e valores distintos ligados
às mulheres cis e trans na prostituição, tópico que será discutido mais à frente.
Após as primeiras reuniões em 2019, as devidas alterações no projeto foram feitas, e,
com isso, demos início ao processo de submissão da pesquisa nos comitês de ética (CEP) da
universidade e da instituição de saúde. Contudo, pouco tempo após termos finalizado o processo
de submissão na Plataforma Brasil, com o levantamento de todos os documentos necessários10
(já no final de fevereiro de 2020), veio a pandemia da Covid-1911, o que implicou na mudança
de planos.
Com a quarentena decretada na cidade de São Paulo, e tendo em vista o risco sanitário,
tornou-se inviável pensar em iniciar a pesquisa de campo naquele momento, nos termos
previstos e acordados com a instituição. Em conversas posteriores, Renata e outros funcionários
chegaram a afirmar que durante o início da pandemia e durante todo o período em que a cidade
esteve na fase vermelha do Plano São Paulo12, o serviço funcionou de maneira bastante restrita,
limitando o número de pessoas atendidas e priorizando os atendimentos para aplicação da PEP.
Ademais, com a chegada da pandemia, o processo de análise e aprovação em ambos os CEPs

10
Os pareceres dos comitês de ética (CEP) estão em anexo (Anexo II).
11
A Covid-19 é uma infecção respiratória aguda causada pelo coronavírus SARS-CoV-2, potencialmente grave,
de elevada transmissibilidade e de distribuição global. Disponível em: <https://www.gov.br/saude/pt-
br/coronavirus/o-que-e-o-coronavirus> Acesso em: 27 fevereiro de 2022.
12
Conforme consta no site oficial do governo estadual, o Plano São Paulo consiste numa estratégia de retomada
gradual das atividades econômicas no estado. Dividido em fases, a fase vermelha é a mais restritiva, na qual
funcionam apenas serviços essenciais. Disponível em: <https://www.saopaulo.sp.gov.br/planosp/> Acesso em: 19
de fevereiro de 2021.
25

também se tornou muito mais lento, de forma que eu consegui a aprovação da pesquisa apenas
em setembro de 202013, quando de fato pude entrar em campo 14.
Contudo, os entraves impostos pela pandemia estavam longe de serem exclusivamente
técnicos e/ou burocráticos. Ao contrário, a nova e inesperada crise colocou-me uma série de
dúvidas sobre a viabilidade da pesquisa, relacionadas a quanto tempo tal situação iria perdurar,
e quais as possibilidades de realizar uma pesquisa presencial neste contexto. Durante os meses
de quarentena, me ocorreu ainda o medo de perder ou “esfriar” todo o trabalho de interlocução
estabelecido com a instituição até aquele momento, ou mesmo o medo de ser oficialmente
impedida de realizar a pesquisa. Ainda assim, desistir nunca foi, de fato, uma questão. Nós já
estávamos em um estágio avançado da pesquisa, com todos os arranjos do campo
encaminhados. Mudar a metodologia e suspender a pesquisa presencial significaria a essa altura
mudar toda a proposta e estrutura do projeto.
A solução, portanto, foi esperar o desenrolar do processo nos CEPs e esperar também
um momento em que fosse efetivamente mais seguro entrar em campo. Consegui fazê-lo entre
os meses de setembro e novembro de 2020, período em que a cidade foi classificada nas fases
amarela e verde do Plano São Paulo, com maior flexibilização das atividades econômicas e
funcionamento dos serviços públicos, sendo o único período da pandemia em 2020 em que
houve queda no número de casos e mortes decorrentes da Covid-19 em São Paulo15.
Posteriormente, até alguns dos profissionais do serviço de saúde confessaram terem ficado
receosos quanto à pesquisa. Cezar (de quem falarei a seguir) e Renata, por exemplo, chegaram
a me contar que estavam com medo de que eu não conseguisse conversar com um número
suficiente de mulheres, uma vez que a demanda de usuários no serviço havia caído bastante
desde o início da pandemia. Assim, tomados os devidos cuidados em relação a todas as medidas
de segurança definidas nos protocolos da saúde para frequentar o local durante a pandemia, dos
quatro meses inicialmente previstos para a realização da pesquisa de campo, consegui fazer
pouco mais de dois.
Não obstante todas essas limitações, uma vez aprovado o projeto pelos CEPs, foi o
momento de acertar a minha entrada em campo. Para tanto, realizei reuniões online

13
Números dos pareceres de aprovação do projeto nos CEPs da universidade e da instituição de saúde:
4.099.383/4.253.739, conforme documentos em anexo
14
Por volta de maio cheguei a enviar um email a Lilian e Renata perguntando sobre a situação da pesquisa nesta
nova conjuntura, ao qual elas responderam afirmando que assim que eu obtivesse a aprovação dos CEPs eu poderia
entrar em campo, mas recomendavam que eu esperasse o momento em que a quarentena na cidade fosse
flexibilizada. Nesta época, São Paulo ainda se encontrava na fase vermelha.
15
Conforme noticiado na época. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2020/09/mortes-por-
covid-19-em-sao-paulo-caem-e-chegam-ao-indice-mais-baixo-desde-maio.shtml> Acesso em: 19 de fevereiro de
2021.
26

primeiramente com Lilian e Renata, e depois apenas com Renata. Em encontros anteriores, elas
já haviam pontuado a necessidade de que houvesse um profissional de saúde do ambulatório
que me acompanhasse durante a pesquisa, realizando um papel de mediador entre mim e o
serviço. Além disso, ele representaria ainda a participação da instituição na pesquisa. O
escolhido por elas foi o psicólogo Cezar, por considerar que, por sua atuação e experiência, ele
teria mais afinidade com o tema de minha pesquisa. Cheguei a trocar alguns emails com ele
ainda antes da quarentena, e ele veio de fato a se tornar um importante interlocutor em campo.
Ainda assim, por conta da pandemia, ele estava indo ao ambulatório apenas às sextas-feiras.
Por esta razão, Renata cogitou que eu tivesse o apoio de outro profissional no restante dos dias.
Dessa forma, Maísa, também psicóloga, acabou por cumprir este papel, vindo também a ser
uma importante interlocutora da pesquisa.
A propósito da questão da participação dos profissionais de saúde na pesquisa, durante
as conversas com Renata abordei a questão do mérito da coautoria. Expliquei-lhe que tinha
dúvidas em compartilhar a autoria do trabalho, visto que ele iria compor minha dissertação de
mestrado e a responsabilidade da escrita seria, portanto, minha. Ela pareceu concordar, explicou
que essa era uma necessidade apontada pela Lilian e que, portanto, representaria uma posição
oficial da instituição. Ficamos, então, de discutir sobre como seria possível creditar a instituição
e os funcionários participantes no nosso trabalho, de forma a garantir a autoria da mestranda.
Não houve, porém, uma resolução para esta questão até o final da pesquisa. Após o exame de
qualificação, mantive o contato com Lilian e Cezar por email e apresentei os resultados
preliminares da pesquisa para os profissionais do CTA no início de setembro de 2021, o que
resultou em um debate produtivo e que trouxe mais dados, mas no qual a discussão da coautoria
não voltou a ocorrer.

1.2. Iniciando as observações: o processo etnográfico e as questões do campo

Após as reuniões virtuais, Renata me convidou para uma reunião presencial, com ela e
Cezar, no próprio serviço, para que pudéssemos acertar os detalhes de realização da pesquisa
de campo. Logo após essa reunião, ocorreram minhas primeiras visitas e observações no
ambulatório. Este foi, portanto, o momento de retomada oficial da pesquisa pós-quarentena. As
primeiras visitas ao campo representaram meu intento de me situar no serviço16, estabelecer os

16
A palavra serviço, como utilizada aqui, refere-se à serviço de saúde, e é a maneira mais comum pela qual os
profissionais de saúde chamam o CTA da instituição, de modo que eu também me acostumei a identificá-lo dessa
27

primeiros contatos com os profissionais de lá e conhecer o espaço em sua organização e em


suas dinâmicas. Delas, sucederam-se as primeiras questões de pesquisa.
Nestas primeiras conversas com Cezar e Renata, debatemos sobre quais dias seriam os
melhores para a observação, como realizar as entrevistas, como identificar as mulheres para a
pesquisa em profundidade. O modo de se referir a essas mulheres (como prostituta, profissional
do sexo, garota de programa etc.), mostrou-se desde o início uma questão importante. Na
primeira semana de observação, participei de uma das reuniões semanais feitas com a equipe
do ambulatório para que me apresentasse aos profissionais de saúde e introduzisse a minha
pesquisa. O intuito era convencê-los a colaborar com a pesquisa, me ajudando a identificar
contatos e mediando as relações em campo.
Os espaços ambulatoriais do CTA se dividem entre a recepção, a mesa de acolhimento
inicial com a enfermeira, a sala de espera interna e externa, as salas de coleta de exames e de
teste rápido, os consultórios médicos, e as salas de aconselhamento com os psicólogos. A minha
observação se deu, principalmente, nas salas de espera e na mesa de acolhimento das
enfermeiras, que após certo tempo me permitiam sentar junto a elas, o que veio a se tornar um
ponto privilegiado de observação e também de interlocução ao longo da pesquisa17. As salas de
coleta de exames e os consultórios médicos eram espaços aos quais tive pouco acesso, apenas
quando autorizados pelos profissionais. Ainda assim, cheguei a utilizar alguns dos consultórios
para realizar entrevistas, mas apenas quando eles se encontravam vazios, e com a autorização
de algum profissional do serviço.
No que diz respeito às observações, foi conversado sobre como elas deveriam ser
adaptadas à imprevisibilidade das dinâmicas no ambulatório. Cezar e Renata afirmaram que os
fluxos de atendimento variavam, e com eles, as possibilidades de realizar as entrevistas e
observações. Após testar diversos dias e horários, terminei por frequentar o serviço em geral às
segundas, terças (quando Maísa estava presente), e sextas-feiras (com Cezar), no final da manhã
e durante a tarde. Renata e Cezar haviam afirmado que as sextas-feiras eram bastante
procuradas por profissionais do sexo, que buscavam testes rápidos de HIV para trabalhar no
final de semana (geralmente em filmagens de filmes pornográficos). De fato, eu pude verificar

forma. Nas minhas observações, o uso desse termo pelos profissionais de saúde me pareceu ser ainda uma maneira
de diferenciar o ambulatório de outros departamentos da instituição que não lidam diretamente com o público,
como os setores de pesquisa e políticas de prevenção, por exemplo.
17
Isso porque me permitia uma maior interação com os profissionais de saúde e usuários do serviço, além de me
possibilitar observar e acompanhar o atendimento prestado. Entretanto, por razões éticas, me distanciava do local
nos momentos em que o atendimento requeria maior privacidade, como quando os usuários começavam a relatar
sintomas nas regiões genitais, ou se mostravam tímidos e falando com voz baixa.
28

alguns casos, dos quais resultaram duas entrevistas, de mulheres que trabalhavam com
pornografia e buscaram o serviço no final da semana para realizar teste rápidos.
Foi discutido também o protocolo adotado na pandemia. Uma sala de espera foi criada
na área externa do serviço, e havia agora um controle do número de pessoas que pode ficar na
sala de espera normal. Também foi colocada uma barreira sanitária na entrada da instituição, e
os usuários que relatavam ter sintomas para a Covid-19 eram direcionados para a parte externa
da instituição, numa área chamada “gripário”, para serem testados antes do atendimento. Além
disso, foi adotado o uso obrigatório de máscaras durante toda a presença no local, a instalação
de barreiras de acrílico na recepção, a necessidade de manter as salas e consultórios ventilados
durante todos os atendimentos, a disposição de álcool em gel e a manutenção do distanciamento
de um metro e meio entre as pessoas. Segui, por conseguinte, todos estes protocolos durante
minha permanência no CTA.
Acredito que seja relevante detalhar aqui também os tipos de atendimento oferecidos no
CTA e como eles são organizados. Dentre os diferentes atendimentos disponibilizados, os
primeiros são a realização de testes rápidos18,19 (com resultado no mesmo dia) e testes
convencionais para HIV, sífilis e hepatites. É também oferecido atendimento médico para
aqueles que apresentam sintomas associados à IST. A partir dessas duas frentes iniciais de
acolhimento, desdobram-se ainda os atendimentos para PEP e PrEP. A PEP (profilaxia pós-
exposição ao HIV) consiste:

[...] no uso de medicamentos antirretrovirais por pessoas após terem tido um


possível contato com o vírus HIV em situações como: violência sexual; relação sexual
desprotegida (sem o uso de camisinha ou com rompimento da camisinha), acidente
ocupacional (com instrumentos perfurocortantes ou em contato direto com material
biológico). Para funcionar, a PEP deve ser iniciada logo após a exposição de risco, em
até 72 horas; e deve ser tomada por 28 dias. (BRASIL, 2021).

Ao passo que a PrEP (Profilaxia Pré-Exposição ao HIV) consiste no:

18
Renata me informou que durante os primeiros meses da quarentena o serviço de teste rápido foi suspenso e
substituído pela distribuição de autotestes para HIV (com número de contato do serviço), na parte externa da
instituição. Os testes rápidos, segundo ela, voltaram a ser ofertados apenas em agosto.
19
Uma das psicólogas, Cecília, e Cezar me relataram que antes da pandemia havia um número limitado de senhas
para realização de teste rápido por dia, mas que atualmente estava por livre demanda, o que começou a ocasionar
em uma sobrecarga de atendimentos desse tipo.
29

[...] uso preventivo de medicamentos antes da exposição ao vírus do HIV,


reduzindo a probabilidade da pessoa se infectar com vírus. A PrEP, deve ser utilizada
se você acha que pode ter alto risco para adquirir o HIV. A PrEP não é para todos e
também não é uma profilaxia de emergência, como é a PEP. Os públicos prioritários
para PrEP são as populações-chave, que concentram a maior número de casos de HIV
no país: gays e outros homens que fazem sexo com homens (HSH); pessoas trans;
trabalhadores/as do sexo e parcerias sorodiferentes (quando uma pessoa está infectada
pelo HIV e a outra não). (BRASIL, 2021).

A PEP e/ou a PrEP podem ser indicadas pelo profissional de saúde no momento da
consulta/acolhimento ou pode ser solicitada pelo próprio usuário. Era comum, por exemplo,
que o usuário chegasse procurando pelo teste rápido, mas fosse encaminhado para a PEP pelas
enfermeiras ou aconselhadoras, após o relato de uma relação desprotegida.
No que diz respeito aos fluxos de atendimento, estes em geral se iniciam com a chegada
do usuário na recepção, onde ele/a relata o motivo de sua ida ao serviço. Em seguida, ele/a é
direcionado/a ao acolhimento com a enfermeira, que fará algumas perguntas sobre parceiros
sexuais recentes e uso de preservativo, visando entender qual a sua demanda e se é um caso
para indicação de PEP, que deve ser iniciada o quanto antes. A partir daí, o usuário é
direcionado para a sala de coleta de exames, para o consultório médico ou para o
aconselhamento com os psicólogos. O aconselhamento geralmente é a primeira etapa de
atendimento para a realização da PEP, mas ele ocorre também após a realização dos testes
rápidos, com o intuito de passar orientações sobre o cuidado com a sexualidade e proteção
contra as IST.
Tendo dito isso, Cezar relatou que a identificação das mulheres como prostitutas em
geral se dá em algumas das fases do atendimento, mas às vezes elas já são percebidas pelas
recepcionistas20. Há uma ficha cadastral preenchida inicialmente na recepção, na qual consta o
campo “profissão”, mas raramente a identificação como profissional do sexo aparece aí.
Segundo ele, é comum que as mulheres se identifiquem como autônomas, acompanhantes ou
cabeleireiras. A estratégia de identificação sugerida por ele e Renata seria então através da

20
Isto é, pelo modo de se vestir ou falar (ainda que ele não tenha especificado exatamente como esse modo seria)
algumas mulheres tendem a serem percebidas já na recepção como prostitutas, o que, segundo ele, geraria de
antemão uma reação de estranhamento por parte dos recepcionistas. Esse tipo de ocasião, por sua vez, poderia ser
representativo de uma tensão moral existente neste campo. Contudo, ao longo das observações, não presenciei
nenhuma cena deste tipo.
30

mediação dos profissionais de saúde. Segundo eles, era mais comum que as mulheres falassem
sobre seu trabalho no momento privado do atendimento, principalmente durante o
aconselhamento. Por isso, sua sugestão foi a de que os profissionais de saúde me passassem o
contato das mulheres após identificá-las como profissionais do sexo e lhes apresentarem a
pesquisa, obtendo seu consentimento para serem contatadas.
De fato, essa foi uma das principais maneiras pela qual consegui o contato da maioria
das mulheres. Além de Cezar e Maísa, outros profissionais do CTA me ajudaram a identificar
mulheres para a pesquisa. Contudo, diante do receio de que a dependência da ajuda dos
profissionais pudesse representar uma limitação à pesquisa, busquei também traçar estratégias
para não depender deles nesse processo. Assim, aproveitei os momentos nos espaços do CTA
para conhecer e introduzir a pesquisa diretamente com as mulheres. Como estratégia, dizia de
início que a pesquisa era sobre as mulheres que frequentavam o serviço, e em seguida iniciava
uma conversa, fazendo algumas perguntas como: os motivos de sua ida, se já conheciam o
serviço, o que pensavam sobre ele, e, finalmente, sobre sua ocupação. Quando elas revelavam
trabalhar com sexo, falava que este era o foco da pesquisa e perguntava sobre o seu interesse
em participar. Foi desta forma que consegui identificar algumas mulheres, o que resultou em
três entrevistas, dentre elas a única mulher trans que tive a oportunidade de entrevistar.
As entrevistas, por sua vez, foram realizadas nos consultórios e salas do ambulatório
que estivessem vazias no momento. Quando não era possível usá-las, nos dirigíamos à parte
externa da instituição, próximo ao gripário, onde havia um jardim com alguns bancos, e era
possível conversar de maneira mais reservada. Cheguei a levantar a possibilidade de também
fazer as entrevistas em outros locais e horários, de acordo com a vontade das mulheres. Porém,
a grande maioria preferiu ser entrevistada no espaço do serviço, e, em geral, logo após o
primeiro contato e conversa. Mesmo aquelas com quem agendei previamente também
preferiram se encontrar na instituição. Isso está relacionado, em certo grau, a uma resistência
das mulheres em dar entrevista, sentida durante a pesquisa.
Durante minhas primeiras semanas em campo, uma das minhas principais preocupações
foi me apresentar aos profissionais e tornar familiar minha presença no ambulatório, visando
obter a sua colaboração. Em alguns casos, essa abordagem foi produtiva, em outros nem tanto.
Ainda que muitos profissionais fossem receptivos e solícitos, nem sempre eu conseguia
mobilizar seu interesse. Além disso, por vezes havia a dificuldade em explicar como eles
poderiam colaborar efetivamente. Certo dia, por exemplo, uma enfermeira me contou que havia
atendido duas mulheres que se identificaram como garotas de programa. Quando a perguntei
se havia anotado o contato delas, ela se mostrou surpresa: mas eu podia ter falado com elas
31

sobre sua pesquisa21? Ainda assim, pude contar com a colaboração mais direta de alguns
profissionais, como Cezar, Maísa, Vanda, Cecília (todos psicólogos, que me indicaram ao
menos um contato) e Estela, enfermeira.

2.3. Sobre as entrevistas

Ao longo da pesquisa de campo, foram identificadas, entre as mulheres com quem tive
alguma interlocução, cerca de vinte e quatro mulheres que, de alguma forma, afirmaram
trabalhar com sexo (em geral fazendo programas e/ou filmes pornográficos). Destas, consegui
ter conversas mais detalhadas com dez delas, das quais decorreram sete entrevistas gravadas,
seguindo o roteiro apresentado em anexo. Houve sete mulheres cujos contatos me foram
passados pelos profissionais de saúde, e com quem tentei me comunicar via WhatsApp22, mas
sem grande sucesso. Houve ainda cerca de outras sete mulheres identificadas no ambulatório,
por mim ou pelos profissionais, que não aceitaram participar da pesquisa, cujas razões comento
a seguir. A maioria das mulheres com quem conversei tinham idades entre 22 e 34 anos, e as
duas mais velhas tinham entre 37 e 40 anos.
Consegui entrevistar apenas uma mulher trans, devido às dificuldades e resistências por
parte do serviço em compreendê-las como público-alvo da pesquisa. Como já mencionado, no
momento das reuniões iniciais, Lilian e Renata sugeriram-me que a pesquisa abrangesse apenas
as mulheres cisgêneras, ainda que não tenhamos chegado a um consenso quanto a isso.
Contudo, no momento em que iniciei as observações, Lilian afirmou que as mulheres trans não
estavam contempladas no meu projeto de pesquisa e que eu deveria escrever um e-mail ao CEP
da instituição pedindo autorização para poder entrevistá-las. Porém, nunca recebi uma resposta
do CEP, e resolvi centrar a pesquisa nas mulheres cis, para evitar desentendimentos. Ainda
assim, como pude conhecer e ter uma boa interlocução com uma mulher trans, Alice, realizei a
entrevista, estabelecendo uma perspectiva comparativa importante para a análise das mulheres
cis, objeto do estudo.
Como já mencionado, para identificar as mulheres em campo contei com a ajuda dos
profissionais de saúde. Foi desta forma que conheci as três primeiras mulheres na pesquisa,

21
As citações que aparecem ao longo do texto – todas em itálico - foram retiradas das entrevistas realizadas e das
anotações do diário de campo. As anotações do diário de campo, por sua vez, são aproximações das falas
observadas em campo.
22
Whatsapp é o atualmente muito difundido aplicativo de mensagens instantâneas que também possibilita o envio
de arquivos de mídia como fotos, vídeos e documentos. Foi uma das formas pelas quais consegui contatar e
interagir com parte das minhas interlocutoras. Disponível em: <https://www.whatsapp.com/about/?lang=pt_br>.
Acesso em: 31 de janeiro de 2022.
32

com quem pude conversar já no ambulatório, logo após o atendimento e no início da pesquisa
no CTA. Neste momento ainda não pretendia iniciar as entrevistas. Àquela altura, o meu
objetivo era entender quais eram os perfis dessas mulheres que chegavam ao serviço, e ter um
maior tempo para conversar com elas, para então realizar as entrevistas em um outro momento,
com maior profundidade. Contudo, essa estratégia logo se mostrou não ser eficiente.
As três primeiras mulheres com quem conversei (Carine, Irina e Luana) se mostraram
muito receptivas a participar da pesquisa. Nas conversas que tive com cada uma, elas
prontamente me falaram sobre seus trabalhos, como se sentiam fazendo programas, além de
entrar em alguns pontos de suas vidas pessoais, como família e filhos. Entretanto, em contatos
posteriores por rede social e WhatsApp, tornava-se um pouco mais difícil conseguir marcar um
segundo encontro.
Quando contatei Carine por mensagem, já alguns dias após nosso primeiro encontro,
convidei-a para darmos continuidade à conversa e marcarmos um segundo encontro. Ela, de
início, mostrou-se receptiva, disse que queria participar da pesquisa e que poderia, inclusive,
me encontrar em algum lugar que eu escolhesse. Ficamos de definir uma data e um local exato,
mas o encontro acabou não acontecendo. Tempos depois entrei em contato de novo, e ela foi
novamente bastante simpática, mas desta vez disse que havia começado a trabalhar em uma
clínica de massagens, e que já estava sem horários disponíveis. Com Luana, a situação foi
parecida. Apesar de muito aberta no ambulatório, quando entrei em contato com ela novamente,
através de mensagem de texto duas semanas depois, ela também me disse que estava muito
ocupada e sem disponibilidade.
Na verdade, houve apenas uma delas, Irina, com quem consegui efetivamente marcar
um segundo encontro, que seria em um bar na zona sul de São Paulo. Porém, no dia marcado
caiu uma grande chuva na cidade, e ficamos de remarcar. Após isso, chegamos a marcar mais
uma vez, mas no dia do encontro ela parou de responder as mensagens. Tentei contato mais
uma vez, mas logo ela parou de me dar qualquer resposta.
A partir destas experiências, conclui que talvez devesse fazer as entrevistas logo em
seguida do primeiro contato e da conversa inicial no ambulatório. Foi desta forma, pois, que
consegui entrevistar cinco mulheres. Duas delas, Carolina e Clarice, me foram encaminhadas
pela Maísa no momento do atendimento. Outras duas, Alice e Larissa, eu consegui abordar
diretamente no ambulatório. Com a última, Morgana, tive uma conversa prévia na recepção, e
depois Maísa foi quem a encaminhou para mim.
Não tive problema em realizar as entrevistas nesses primeiros encontros. Ao contrário,
essas mulheres também se demonstraram bastante abertas e responderam às minhas perguntas
33

sem muita resistência23. Inclusive, era comum elas falarem coisas como: me pergunta o que
você quer saber que eu te respondo. O que pude perceber, portanto, é que no momento em que
elas estavam ali no ambiente do ambulatório, elas se mostravam abertas a participar da pesquisa.
Porém, tentar acessá-las em outros horários, em suas vidas pessoais, era algo mais difícil.
Houve apenas duas mulheres com quem conseguir agendar a entrevista previamente.
Uma delas, Natalia, foi uma mulher indicada por Cezar, com quem conversei ainda no
ambulatório, e que veio a ser minha primeira entrevistada. Nos conhecemos e conversamos
numa sexta-feira, e fizemos a entrevista já na segunda-feira seguinte. No momento em que a
conheci, percebi que não poderia demorar muito para marcar a entrevista. A pedido dela,
encontramo-nos no serviço.
A outra entrevistada foi a única mulher, Raíssa, com quem consegui marcar um encontro
sem conhecê-la previamente, tendo conversado apenas via WhatsApp. A psicóloga Cecília
havia me passado seu contato, e, após algumas conversas online iniciais, ela me procurou e
pediu para participar da pesquisa. Ela mandou-me uma mensagem numa quinta-feira, avisando
que estava no serviço, e que iria fazer um teste rápido para fazer uma filmagem naquele mesmo
dia. Perguntou-me se eu estava lá e se poderíamos conversar. Acabamos realizando a entrevistas
no dia seguinte. Lembro de sua reação quando passei o Termo de Consentimento para ela
assinar: ai que chique! Posso divulgar no meu Twitter?!
Além de Raíssa, também contatei as outras mulheres cujos contatos me foram passados
pelos profissionais de saúde, mediante a autorização delas. Pelo aplicativo de mensagens,
busquei me apresentar e introduzir brevemente a pesquisa, para então convidá-las para marcar
uma conversa em algum lugar de sua preferência (ou mesmo virtualmente). Duas delas se
mostraram interessadas em participar da pesquisa de início, de forma que até marcamos de nos
encontrar no serviço. Contudo, nenhuma delas compareceu no dia marcado, sob a alegação de
estar chovendo ou de haver viajado. Após certo tempo, elas pararam de responder as
mensagens.
Igualmente, outras duas mulheres que contatei me disseram que estavam viajando, mas
que eu poderia entrar em contato posteriormente. Porém, quando tentei retornar o contato, elas
não mais me responderam. Contatei ainda outras duas mulheres, que logo me perguntaram qual
seria o formato da pesquisa: se seria um questionário ou entrevista, se haveria gravação, etc.
Quando lhes expliquei que gostaria de conversar e fazer uma entrevista, elas não mais
responderam.

23
Os roteiros de entrevistas com as mulheres e os profissionais de saúde se encontram em anexo ao final do texto.
34

Dentre aquelas que logo de início não aceitaram participar da pesquisa, se destacam
duas. A primeira delas, ainda nos primeiros dias em campo, foi uma mulher trans, encaminhada
por Maísa. Para Maísa, essa mulher havia afirmado fazer programas. Contudo, quando eu a
abordei, ela negou tal afirmação. A outra mulher foi uma jovem que encontrei no ambulatório
numa tarde, e que estava junto a um rapaz. Os dois me contaram que faziam programas, mas
tudo no sigilo. Quando convidei a menina para fazer a entrevista, ela disse que não faria nada
gravado, ainda que sob anonimato. Percebi que permanecer no sigilo era algo que parecia
fundamental não apenas a ela, mas a outras mulheres com quem conversei.
A dificuldade em estabelecer interlocuções com as mulheres identificadas na pesquisa
e a resistência que senti de algumas delas em marcar encontros e entrevistas, ou mesmo de ter
uma conversa, logo tornaram-se uma questão relevante, dados etnográficos a serem
considerados. Como já assinalou Malinowski (1984), é importante refletir sobre as dificuldades
e os “imponderáveis da vida real” encontrados em campo, expressos tanto nas interlocuções
com as mulheres, como nas estratégias para obter a colaboração dos profissionais de saúde, para
compreender como se deu o processo etnográfico. Se trata de mostrar o “Anthropological
Blues”, como afirmaria Da Matta, (1978), isso é, as condições e os eventos (por vezes
extraordinários) sob os quais se deu a pesquisa. Afinal, se o conhecimento produzido a partir
da pesquisa etnográfica é resultado das interações e interlocuções estabelecidas em campo com
nossos sujeitos de pesquisa (Clifford, 2002), resgatar em quais condições se deram essas
relações é fundamental para entendermos como se deu a construção desse saber.
Durante e após o trabalho de campo me questionei quais fatores poderiam ter
influenciado as situações de recusa. Para tentar entender a questão, busquei relembrar as
conversas e encontros que pude ter com estas mulheres, recorrendo aos registros do diário de
campo e aos históricos das mensagens trocadas pelo celular. A partir disso, elaborei algumas
hipóteses que pudessem explicar o que ocorreu.
No caso das três primeiras mulheres com quem conversei no ambulatório, acredito que
a demora em retornar o contato com elas e marcar um novo encontro, com uma proposta de
lugar e horário definidos, foi um ponto chave. Como dito, estava no início da pesquisa de
campo, e estava refletindo ainda qual seria a melhor forma de me aproximar delas. Talvez se
houvesse proposto uma segunda reunião ainda no primeiro encontro, fazendo uma sugestão de
local e horário, como fiz com Natalia, a abordagem teria sido mais bem sucedida. Suponho,
portanto, que a falta de timing pode ter sido crucial para não conseguir levar adiante essas
primeiras interlocuções.
35

A questão do tempo, por sinal, também pode ter tido influência nos casos das mulheres
com quem cheguei a marcar um encontro, incluindo Irina. Elas haviam manifestado o interesse
inicial em participar da pesquisa. Contudo, uma vez que o encontro não é oficializado (seja pelo
não comparecimento delas, ou por questões externas, como a chuva), o interesse delas também
parece diminuir e a comunicação aos poucos foi cessando.
Há possivelmente outras duas hipóteses que nos permitem pensar essa dificuldade na
comunicação. A primeira remete ao questionamento de algumas mulheres, que logo nos
contatos iniciais perguntaram se o que eu queria era uma entrevista, se a identidade delas seria
revelada ou se haveria gravação. Percebe-se nessas falas uma insegurança, um receio de ser
exposta. Como pude notar em campo, manter o anonimato e o sigilo sobre sua atividade era
fundamental, e isso possivelmente afastou muitas mulheres de dar continuidade à pesquisa.
Contudo, esse fator ganha força quando somado a outro, que é a impessoalidade. A
pesquisa não foi realizada em um espaço de sociabilidade dessas mulheres, em que houvesse a
oportunidade delas se familiarizarem com a minha presença, e de construirmos uma relação aos
poucos, como ocorreu com os profissionais de saúde, por exemplo. Ali na instituição, nem eu,
nem elas erámos nativas. Além disso, para grande parte delas a pesquisa foi introduzida pelos
profissionais de saúde do serviço, ou seja, por terceiros, o que talvez tenha dificultado a minha
aproximação, e contribuiu para que elas criassem uma maior desconfiança e um filtro a respeito
da minha presença, possivelmente identificada com o serviço. A impessoalidade, por fim,
também está nas conversas conduzidas via WhatsApp, o que dificulta a criação de vínculo, e,
portanto, de interesse. Eu mesma não me sentia confortável em fazer uma ligação sem ao menos
conhecer ou ter o consentimento dessas mulheres.
É notório que o envolvimento dos profissionais de saúde teve influência sobre as minhas
interlocuções com as mulheres. Nesse sentido, me questionei se a dificuldade sentida ao me
aproximar delas poderia ser justificada por isso, e se haveria alguma fala ou atitude específica
por parte dos profissionais que tenha contribuído para o afastamento e a resistência percebidas
nas mulheres. Após algum tempo terminadas as observações, percebi que esta dificuldade
colocada na interlocução com a mulheres foi, na verdade, constitutiva do trabalho etnográfico
realizado neste campo, pelas razões que menciono mais adiante.
Na entrevista realizada com a Maísa, que foi uma das colaboradoras mais efetivas
durante o trabalho de campo, perguntei-lhe como ela abordou a pesquisa com as usuárias do
serviço. Segundo ela:
36

Ah então, quando eu tô falando aqui da... falo da PrEP e tudo,


"ah então eu vou te falar uma outra... algo importante também. Existe
uma pesquisadora, da Unifesp, né? Ela está aqui no nosso serviço. Ela
é pra fazer, realizar uma pesquisa junto a vocês, e eu vou te mostrar o
papelzinho, tem toda a identificação dela", eu mostro... o papelzinho
que você traz com toda a sua identificação, de que é o curso, de seu
telefone. Eu falo, "oh, eu posso te deixar o nome dela completo, o
telefone, tá? Porque assim, você coloca nos seus contatos, quando ela
te ligar, você já vai ver lá: Carla. Você coloca como assim, 'Carla
Unifesp', 'Carla [nome da instituição]', 'Carla pesquisa'". Porque
assim, como você pode... falo assim, "como você pode receber ligação
dos clientes, quando você ver, você já sabe quem é. ‘Eu já sei do que se
trata’". Aí faz mais, fica mais fácil, então eu faço desse jeito. Mostro o
papelzinho, falo "essa é a pesquisa que ela tá realizando, se você tiver
o interesse, eu vou te dar o nome dela, somente o nome dela e o telefone.
Porque ela entrará em contato com você pra vocês realizarem a
pesquisa". Quando você tá aqui, eu falo, "se você aceitar, ela já está
aqui, eu apresento, aí ela vai te explicar tudo", aí mostro o papelzinho,
"ela vai te explicar tudo, aí você ver se você quer ou não". (Maísa)

Em seguida, perguntei-lhe como foi a reação das mulheres com quem ela falou sobre a
pesquisa. De acordo com ela: Ah, noventa por cento quis. Das que eu atendi, noventa por cento
quis. Umas duas, três não quiseram. Fiz a mesma pergunta a Cezar, que me disse que atendeu
apenas duas mulheres que trabalhavam com sexo, das quais uma aceitou participar da pesquisa.
Buscando entender ainda essa dificuldade de interlocução com as mulheres, perguntei a
Cezar e Maísa ao que eles atribuíam tal dificuldade, como forma de compreender a percepção
(e influência) deles sobre a pesquisa. Maísa também sugere que o problema poderia surgir da
minha falta de familiaridade com elas:

“Tá ligando um telefone, não sei quem é...”, né? "Não a


conheço, quem está me ligando no telefone?". "Eu não a vi aqui, e vou
ter contato por telefone", entendeu? Aí quando eu explico pra ela, e
você está aqui... então eu estou contando o que é, eu vou ter contato da
37

pessoa que está na instituição, e que eu tô conhecendo, e que depois


também ligará pra mim. Entendeu? (Maísa)

Já na percepção de Cezar, a recusa pode estar ligada ao desejo de se desvincular da


identidade de puta:

Possivelmente pra você, em algum momento essas meninas


chegaram e falaram: "cara, eu não quero saber do ambulatório, da
Carla do ambulatório, da Carla... que vai me entrevistar porque eu sou
puta. Aqui eu sou a fulana, moro no flat, tô com um resultado legal,
com um encaminhamento... daqui a pouco tem um cliente... segue a
vida"... Então a Carla nesse contato talvez retome isso, "você veio do
ambulatório, você é uma puta...” (Cezar)

Não obstante, se realizar as entrevistas com as mulheres mostrou-se uma tarefa


atravessada pelas dificuldades expressas até aqui, o processo de entrevistar os profissionais de
saúde fluiu melhor, sendo um pouco mais tranquilo. Foram entrevistados um total de seis
profissionais, dentre eles: dois psicólogos (Maísa e Cezar) e uma enfermeira (Elis) que atuam
no aconselhamento; dois enfermeiros (Cora e Júlio) que atuam nas demais etapas do
atendimento; e uma médica (Daniela). As entrevistas foram realizadas ao final do trabalho de
campo, nas duas últimas semanas de novembro de 2020, depois das entrevistas com as
prostitutas.
Meu objetivo era o de realizar as entrevistas com os profissionais de saúde em um
momento posterior às observações, possivelmente em dezembro, quando já os conhecesse bem
e entendesse melhor a dinâmica do serviço. Pretendia entrevistar a princípio aqueles
profissionais com quem tive mais contato ao longo da pesquisa. Contudo, já no meio de
novembro, com a nova subida no número de casos da Covid-19 e o recrudescimento da
pandemia, me vi pressionada a encerrar o trabalho de campo antecipadamente. Por conta disso,
optei por deixar as duas últimas semanas de observações para a realização das entrevistas com
os profissionais, durante o horário de trabalho deles no ambulatório. Acabei, então,
entrevistando aqueles que estavam disponíveis nos momentos em que eu me encontrava em
campo, e não necessariamente aqueles com quem eu tinha mais proximidade. Não consegui
entrevistar Renata, por exemplo, pois ela entrou de férias no período. Acabei também por
conseguir entrevistar um número menor do que pretendia inicialmente. Ainda assim, busquei
38

priorizar aqueles com quem havia feito boas interlocuções, e procurei entrevistar um número
proporcional de enfermeiros, médicos e psicólogos. Não consegui entrevistar mais do que uma
médica, visto que, os médicos eram aqueles com quem tinha menos proximidade, visto que eles
ficavam a maior parte do tempo em seus consultórios, não circulando nas áreas onde a
observação foi mais intensa.
Minha abordagem consistiu basicamente em conversar com os profissionais a respeito
da pesquisa, e depois perguntar se eles gostariam de participar dela 24. Naquele momento, a
maior parte deles já haviam me visto ao menos uma vez no ambulatório e sabiam que eu estava
lá para desenvolver uma pesquisa. Quando eles aceitavam participar, geralmente fazíamos a
entrevista na mesma hora, ou então eles me chamavam em um momento em que estivessem
fazendo uma pausa do trabalho.
As entrevistas foram feitas nos consultórios e salas onde eles trabalhavam. Em alguns
casos, como no de Maísa, fizemos a entrevista dividida em dois dias diferentes, de acordo com
a sua preferência. Em outros, como com Cora, fomos conversando e fazendo as perguntas
enquanto ela trabalhava no acolhimento, entre o atendimento de um usuário e outro. O objetivo
ali era o de viabilizar as interlocuções com os profissionais de saúde da maneira que fossem
possíveis, dentro do curto prazo e dos limites impostos pela pandemia. Ainda assim, não senti
resistência por parte da equipe do serviço em colaborar com a pesquisa, como aconteceu com
as usuárias do serviço.
Por fim, cabe mencionar que, após algumas semanas de pesquisa de campo, optei por
fazer algumas alterações nos roteiros de entrevista, tendo em vista as entrevistas que ainda
pretendia fazer. Além do que fora captado nas observações, algumas conversas com Cezar me
motivaram a acrescentar ou modificar questões dos roteiros. Primeiramente, busquei incluir no
roteiro direcionado aos profissionais de saúde questões específicas sobre os tratamentos da PEP
e da PrEP, e elaborar mais perguntas sobre as políticas atuais de saúde em IST, visto que esses
eram temas que se revelaram centrais no funcionamento do serviço. Também acrescentei
questões sobre a percepção dos profissionais em relação à prostituição, buscando refletir com
maior profundidade a respeito de seu olhar sobre essas mulheres.
No roteiro direcionado às mulheres, alterei e adicionei algumas questões visando
aprofundar a dimensão da saúde e de seu cuidado com o corpo, sobretudo a partir da conversa
que tive com Cezar e das sugestões dadas por ele, de abordar a saúde num espectro mais amplo,
além da sexualidade. Contudo, no momento em que fiz as alterações no questionário, já havia

24
Conforme roteiro em anexo.
39

entrevistado a maior parte das mulheres. Após isso, entrevistei apenas mais uma, Raíssa. As
entrevistas com os profissionais de saúde, por outro lado, foram todas feitas com o roteiro
atualizado.
Resta mencionar que fica claro que os resultados da presente pesquisa derivam das
condições em que ela foi realizada, com os entraves colocados, em particular pela
excepcionalidade da pandemia, as relações pontuais e por vezes distanciadas estabelecidas com
as mulheres, e o sentimento de “negociação” com os profissionais da instituição. A propósito,
ao falar nas dificuldades impostas pela pandemia, pode-se mencionar um universo de outras
questões. Fazer uma pesquisa etnográfica presencial utilizando máscaras e aplicando medidas
de distanciamento social impacta diretamente as interlocuções feitas em campo. Não se vê bem
os rostos das pessoas, e às vezes é difícil ouvi-las. Não se sabe ao certo como cumprimentar o
outro e ao mesmo tempo evitar o contato físico. Qualquer conversa é antecedida por alguns
minutos de aplicação de protocolos: garantir a ventilação do local, a distância mínima de 1,5
metro, etc. Em suma, as interações se tornam mais distantes e estranhadas.
40

PARTE I – VIVÊNCIAS DAS MULHERES NOS MERCADOS DO SEXO

3. A diversidade de dinâmicas de trabalho nos mercados do sexo

Como já afirmado, a pesquisa teve início com a proposta de pensar a prostituição feminina,
compreendida aqui como trabalho que envolve a realização de encontros sexuais mediante
compensação financeira ou material. O projeto, então, dialogava e pretendia se somar à
bibliografia e o campo de estudos nas ciências sociais que há décadas estuda a prostituição
exercida por mulheres (Gaspar, 1984; Fonseca, 2004; Piscitelli, 2005; Pasini, 2000, 2015).
Estas bibliografias que me serviram de referência produziram estudos em zonas tradicionais de
prostituição em diferentes cidades brasileiras, além de se dedicarem à prostituição exercida em
ruas, boates e apartamentos. Eram esses os territórios e modalidades de trabalho que eu também
esperava encontrar em minha experiência de campo, através de minhas interlocutoras, e de fato
eu pude encontrá-los. Entretanto, também encontrei outras dinâmicas e modos de vida que os
extrapolavam.
O que pude notar, primeiramente, é que o trabalho de algumas das minhas interlocutoras
não se limitava a realizar programas, além de ser apoiado grandemente no uso das tecnologias
e das mídias sociais digitais 25, seja para a produção e promoção de conteúdo
erótico/pornográfico, para a sua auto divulgação, ou para a mediação do contato com os clientes
e com o público que as acompanham. Isso significa que mesmo a realização de programas e
encontros era por vezes intermediada por essas tecnologias. No caso dessas mulheres, além dos
programas, seu trabalho incluía participar de filmes pornográficos, realizados por produtoras
profissionais ou feitos de maneira independente, visando a postagem em sites e canais da
internet. Elas mobilizavam ainda suas redes sociais como plataforma de divulgação de seu
trabalho, em especial aquelas que permitem conteúdos explícitos, como o Twitter26. Havia,
porém, mulheres que não estavam engajadas com produção de pornografia, mas que utilizavam

25
Por mídias sociais digitais compreendo aqui espaços de comunicação existentes na internet, especialmente a
partir de sites e aplicativos, que permitem a conexão, a interação e a produção de conteúdo entre seus usuários.
Por propiciarem maior capacidade interativa entre os usuários, as mídias sociais digitais são compreendidas no
marco da “Web 2.0” (Parreiras, 2012), sobre a qual discorro mais adiante.
26
Twitter é uma mídia social digital que permite o compartilhamento em tempo real de mensagens curtas (de até
280 caracteres) entre seus usuários. O que a diferencia em relação a outras redes sociais populares (como o
Instagram e o Facebook) é o fato de nela também serem autorizadas a postagem e o compartilhamento de conteúdo
sexual explícito. Por esse motivo, o Twitter se mostrou uma mídia popular entre minhas interlocutoras que
trabalham com a produção e com a divulgação de pornografia. Disponível em:
<https://pt.wikipedia.org/wiki/Twitter>. Acesso em: 31 de janeiro de 2022.
41

sites específicos para o anúncio e agendamento de programas, como o vivalocal.com e o


photoacompanhantes.com27.
Ainda assim, como dito, também encontrei mulheres cujo trabalho não estava
diretamente relacionado à internet, e que atuavam em locais de prostituição que podem ser
considerados mais tradicionais. De modo geral, entre as mulheres com quem conversei e que
entrevistei, a diversidade de dinâmicas de trabalho pode ser assim descrita: havia uma que
trabalhava em boates, uma que trabalhava na rua, duas que atendiam em apartamentos ou flats,
três que trabalhavam ou já trabalharam em clínicas de massagem, cerca de quatro que subiam
anúncios na internet ou utilizavam as redes sociais para marcar programas, e cinco mulheres
que fazem ou já fizeram filmes pornográficos e conteúdos eróticos. Destas, havia duas mulheres
que, por razões distintas, trabalhavam com um nicho específico de práticas sexuais: O BDSM
(sigla para Bondage, Dominação, Disciplina, Submissão, Sadismo e Masoquismo), também
chamado por elas de sado ou Bondage.
Além disso, pude observar que, entre as mulheres entrevistadas, ao menos cinco não
eram naturais de São Paulo e começaram a fazer programas após chegar aqui (tendo migrado
com esta intenção ou não). Em contrapartida, entrevistei também uma mulher brasileira que
imigrara para a Itália com o objetivo de fazer programas lá, e que, na ocasião da entrevista,
havia recém voltado ao Brasil, após quase vinte anos.
A diversidade nas dinâmicas de trabalho sexual observadas, por sua vez, foi algo que
percebi como uma consequência positiva da escolha pelo serviço de saúde como campo. Se por
um lado houve dificuldade em estabelecer interlocuções com as mulheres, ao optar por não
realizar a pesquisa em uma zona ou local (físico ou digital) específico de prostituição, por outro
lado, estar na instituição de saúde me permitiu chegar a mulheres que trabalham em diferentes
lugares e com diferentes dinâmicas, além de me permitir aproximar de outras questões, como a
transexualidade e o trabalho sexual nos meios digitais. Nesse sentido, é importante atentar para
importância de articular os meios digitais ao processo de pesquisa etnográfica em lugares
físicos, dada a intersecção entre eles (Parreiras, 2012; Silva, 2016). Assim, essa experiência de
trabalho de campo me possibilitou compreender ao menos parte da dimensão e da pluralidade

27
Tanto o site “vivalocal.com” quanto o “photoacompanhantes.com” foram mencionados por minhas
interlocutoras como espaços digitais para a postagem de anúncios de programas sexuais. Enquanto o
“vivalocal.com” se caracteriza como um site gratuito onde são postados quaisquer tipos de anúncios, o
“photoacompanhantes.com” oferece versões gratuitas e pagas, e funciona exclusivamente para a postagem de
anúncios de programas sexuais. Disponível em: <https://www.photoacompanhantes.com/> e
<https://www.vivalocal.com/>. Acesso em: 31 de janeiro de 2022.
42

das trocas sexuais-comerciais existentes na cidade, e alguns dos arranjos que elas assumem
atualmente.
Considerando a pluralidade de formas de trabalho observadas na pesquisa de campo,
tornou-se evidente que eu não poderia me limitar a uma definição única de prostituição
feminina. Meu problema de pesquisa teve de se deslocar para uma compreensão dos diferentes
tipos de trabalho sexual exercidos por mulheres, cis ou trans, cuja diversificação se acentuou
diante das possibilidades do mundo digital. Trabalhos estes que trazem consigo novas práticas,
identidades e significados.
Agustín (2005) atenta para a necessidade de que pensemos não apenas na noção de
prostituição, visando suas formas mais comuns, mas que consideremos a existência de uma
indústria do sexo (sex-industry), que abrange “todos os bens comerciais e serviços de natureza
erótica e sexual” (p. 618, tradução minha), e que seja pensada dentro de contextos culturais
amplos. Isso implica debater não apenas sobre os sujeitos que ofertam serviços sexuais, mas
também quem os consome, assim como os lugares ocupados por essa indústria e os produtos e
serviços que a compõem, incluindo as novas ferramentas tecnológicas e digitais. É nesse sentido
que a autora aponta que “nos deparamos não com a prostituição, mas com uma diversidade de
trabalhos sexuais” (p. 618). Ademais, Gregori (2003, 2011) nos mostra como essa indústria, ou
esses mercados sexuais e eróticos, como ela os chama, não se limitam à oferta de sexo
comercial, mas se articulam em torno também de outros bens e serviços 28.
A reflexão que busco trazer aqui trata, pois, de compreender essa diversidade de
trabalhos sexuais que compõe os mercados do sexo, a fim de apreender as vivências de minhas
interlocutoras no interior deles. Isso significa dizer que diferentes dinâmicas de trabalho sexual
adquirem variados sentidos dados pelas mulheres que os exercem. Dessa forma, o objetivo ao
discutir as dinâmicas de trabalho relatadas em campo não é apenas o de ressaltar a sua
pluralidade, mas, sobretudo, o de atentar para como elas influem sobre as experiências destas
mulheres. Por isso a importância de trazer aqui não apenas os dados que identificam essa
diversidade de dinâmicas de trabalho sexual, mas também refletir quais os efeitos que elas
produzem, e como a partir delas as mulheres formulam perspectivas sobre suas vidas pessoais
e profissionais, sua identidade e sua sexualidade. Para tanto, é importante partir de uma
perspectiva que privilegie a singularidade das experiências das mulheres nos mercados do sexo,

28
A autora investiga, por exemplo, a formação de novos mercados sexuais voltados para mulheres de camadas
médias, como a disseminação de sex-shops para este público, não associados à prostituição e, sim, em torno de
noções de prazer sexual amparadas em discursos que advogam uma sexualidade politicamente correta.
43

problematizando as narrativas universalizantes sobre a prostituição, como explicitado no início


deste trabalho.
Simmel (2006), ao trabalhar com o problema clássico nas ciências sociais da relação
entre indivíduo e sociedade, compreende o indivíduo como aquele cujas ambições e
comportamentos se destacam e se diferenciam do que é comum à toda sociedade. Se o social
representa o comum, o indivíduo representa a diferença. Se a sociedade implica na
determinação de comportamentos e modos de vida, no nível do indivíduo reside o que é
instável, o que é novo e singular, de forma que “as ações da sociedade teriam um propósito e
uma objetividade muito mais definidos que o indivíduo” (Idem, p. 40).
A leitura de Simmel é importante porque nos permite pensar as relações sociais a partir
do que há de singular nelas, sem desconsiderar, porém, seu potencial normativo. Pensando a
partir de uma perspectiva antropológica, considerar o nível individual nas relações sociais nos
permite olhar mais atentamente à maneira como os sujeitos dão sentido às suas experiências,
além dos valores que nelas eles mobilizam. Essa perspectiva nos permite, portanto, nos afastar
de concepções generalizantes e universalizantes acerca de determinados fenômenos sociais, e
compreendê-los em sua complexidade.
Igualmente importante para a discussão traçada aqui é considerar uma perspectiva social
e política de poder que não pressuponha a sujeição completa dos sujeitos em relação a ele.
Foucault (1999) defende uma concepção descentralizada de poder, no qual este não apenas
submete os sujeitos, mas antes os atravessa, em uma ação compreendida como
“assujeitamento”. Na mesma medida em que o sujeito assujeitado é submetido pelo poder, ele
também o exerce, o reivindica e o desestabiliza. O sujeito social que pode ser apreendido a
partir da noção de poder foucaultiana é, pois, um sujeito que é constituído, negocia e se constituí
com o poder e cuja relação com ele não é marcada pela passividade. O conceito de
assujeitamento nos permite aqui problematizar e contrapor algumas discursividades que tratam
da prostituição e da mulher prostituta a partir de posições estanques, especialmente aquelas que
entendem a prostituta como inerentemente submissa ou explorada. Nesse sentido, é válido
mencionar como estas discursividades não deixam de representar enquadramentos sociais de
algumas das vivências existentes na prostituição, que, por sua vez, dirigem um olhar específico
a ela (Butler, 2015).
Pensando nestas discursividades, é notório como o pensamento feminista historicamente
se dividiu em posições antagônicas sobre o entendimento da sexualidade, que contribuíram para
diferentes leituras da prostituição. As discussões feministas sobre a sexualidade se iniciaram no
contexto internacional, sobretudo norte-americano, a partir das chamadas “sex wars” (ou
44

batalhas do sexo) que se desenvolveram a partir da década de 1980, nas quais a prostituição e
a pornografia ocuparam um espaço central (Piscitelli, 2005, 2007). Em linhas gerais pode-se
afirmar que este debate se centrou em torno de duas posições fundamentais. Enquanto uma
delas se caracterizava pelo entendimento da sexualidade enquanto fonte da opressão patriarcal
e elemento de objetificação e subjugação das mulheres, através da qual o movimento de
liberação sexual era percebido como mera extensão dos privilégios masculinos, a outra posição,
pertencente à tradição feminista de defesa da liberdade sexual, propôs uma crítica às restrições
do comportamento sexual das mulheres, e por isso entendeu a sexualidade como uma arma para
a liberação feminina, com o potencial de ser mobilizada como fonte de prazer e poder na vida
das mulheres (Gregori, 2003; Piscitelli, 2005, 2007, 2012; Rubin, 2017).
Nestas discussões, a figura da prostituta ocupou então “tanto o lugar da escrava sexual
como o do agente mais subversivo dentro de uma ordem sexista” (Piscitelli, 2005, p.13). Isso
significa que a prostituição foi debatida no interior destes movimentos a partir de representações
do que seria a figura da prostituta. Representações essas que frequentemente caem em lugares
dicotômicos de vítima ou heroína, e que, portanto, se constituem mais como “tipos ideais”
(Weber, 1949) da imagem da prostituta do que caracterizam identidades e vivências reais de
mulheres na indústria do sexo, “uma vez que que as realidades das inserções no mercado do
sexo são infinitamente mais variadas” (Piscitelli, p.14). Há de se mencionar, porém, que este
tipo de interpretação feminista tem dividido espaço nas últimas décadas com outras linhas de
discussão sobre o tema, que privilegiam a visão dos sujeitos engajados no trabalho sexual e
frequentemente colaboram com estes.
Ainda assim, as representações a partir das quais frequentemente se discute a
prostituição não estão dissociadas do estigma que ela carrega. Pheterson (2019), por exemplo,
demonstra como o estigma associado à figura da puta (whore stigma) permeia os discursos
sobre a prostituição, seja no campo da lei, da psicologia ou na vida social, de forma a trazer
implícitos neles os valores depreciativos relacionados à prostituta. A autora afirma que muitas
das representações e discursos comuns sobre a prostituição não apenas reforçam o estigma
associado a ela, como também se apoiam nos estereótipos de gênero vigentes. Ela demonstra,
por exemplo, que o estereótipo do cafetão como uma figura violenta e o da prostituta como
mulher vitimizada e desprovida de escolha, antes de representarem relações reais existentes nos
mercados do sexo, “correspondem a um modelo de masculinidade (homens como brutos) assim
como a um modelo de feminilidade (mulheres como vítimas)” (p. 49, tradução minha). A partir
disso, a autora defende justamente “que também se examine características individuais quando
objetivar compreender a prostituição” (p. 53, tradução minha). Neste sentido, vale lembrar
45

como há vários séculos a etimologia da palavra puta carrega sentidos negativos, que a associam
à sujeira, impureza e vergonha (Moraes, E. R. 2013).
Considerando a carga simbólica que a palavra puta carrega, cabe aqui ressaltar os
momentos em que essa palavra foi usada pelas minhas interlocutoras em campo. Enquanto os
profissionais da saúde pareciam usar o termo puta para se referir ao estigma que acompanha a
prostituição, como quando Cezar diz: Então a Carla nesse contato talvez retome isso, “você
veio do ambulatório, você é uma puta”; As mulheres entrevistadas pareciam usar o termo após
algum tempo de conversa, quando começavam a falar com mais abertura sobre sua vida e
trabalho, em frases como: As pessoas acham que puta é puta em todo lugar (Alice), ou a puta,
ela sofre assim, do início ao fim (Morgana). Elas podiam falar em puta também como uma
forma de rebater o estigma, em falas como: Sou puta mesmo (Raíssa). De modo geral, a palavra
puta parecia ser usada em campo como a maneira mais direta e menos polida de se referir à
prostituição29.
No que diz respeito ao olhar dirigido à prostituição, ao analisar o modo como diferentes
práticas e identidades sexuais são hierarquizadas, a partir de uma linha imaginária que delimita
as formas de “sexo bom” e “sexo mau”, Rubin atenta para o fato de que as sexualidades
dissidentes, que escapam à norma sexual, não são consideradas em sua complexidade moral,
mas são sempre lidas como negativas e violentas:

Somente são reconhecidos como moralmente complexos os atos sexuais que ficam do
lado bom da linha. Por exemplo, os encontros heterossexuais podem ser sublimes ou
desagradáveis, livres ou forçados, restauradores ou destrutivos, românticos ou
mercenários. Desde que não viole outras regras, a heterossexualidade é reconhecida
por expressar o amplo espectro da experiência humana. Em contrapartida, todos os
atos sexuais no lado “mau” da linha são considerados totalmente repulsivos e
desprovidos de qualquer nuance emocional. Quanto mais afastado da linha estiver um
ato sexual, mais ele se mostra uma experiência consistentemente má (2017, p.87).

Sendo a prostituição e as demais formas de trabalho sexual caracterizadas como práticas


da sexualidade que fogem à norma, tornando-se sexualidades dissidentes, é possível
compreender o porquê de os discursos que se dirigem a elas, como alguns dos discursos do
pensamento feminista, partem de concepções generalizantes e reforçam o estigma existente,
associando-as à violência e à negatividade. Há a dificuldade em reconhecer a complexidade

29
Mais adiante, as falas aqui enunciadas serão apresentadas em seus contextos originais de diálogo. Aqui são
utilizadas apenas para demarcar carga simbólica da palavra puta.
46

moral que constitui as relações existentes nos mercados do sexo. E é aí que reside a importância
de privilegiar as experiências dos sujeitos que se inserem nestes mercados, atentando-se para o
que há de singular em cada uma delas.
Nos relatos de minhas interlocutoras, os quais começo a mostrar a seguir, elas revelam
não apenas diferentes modos de se trabalhar com sexo, mas diferentes formas de se engajar com
este trabalho, que resultam em diferentes vivências, originando experiências de felicidade e de
tristeza, de dor e de prazer, de medo e de otimismo, entre tantos outros sentidos e afetos
possíveis. As discussões sobre a prostituição e o trabalho sexual não podem, portanto, deixar
de considerar esta diversidade de vivências e, tampouco, as discussões sobre direitos para essa
população, pois, os direitos sexuais, em especial, atravessam de alguma forma todas estas
questões.

3.1. Nas clínicas, nas boates, nas ruas e nos apartamentos: Catarina, Alice, Irina,
Laís e Carolina

O meu objetivo a seguir é descrever a diversidade de trabalhos sexuais que encontrei


em campo, a partir da experiência de cada uma de minhas interlocutoras. Conforme explicado
anteriormente, o modo como as interlocuções se deram durante a pesquisa não me permitiu ter
um contato prolongado e maior proximidade com as mulheres que conheci. O meu
conhecimento sobre essas mulheres se deu a partir do meu encontro com elas no momento de
seu atendimento no CTA, e em conversas posteriores por WhatsApp, nos poucos casos em que
isso aconteceu. A percepção que tive delas é, portanto, baseada nas conversas pontuais que
tivemos, nas informações que elas permitiram compartilhar comigo, e nos aspectos subjetivos
que pude captar durante os encontros, como gestualidade e tons de voz, além da observação em
campo. O que pretendo então é apresentar como cada uma dessas mulheres descreveu o seu
trabalho, atentando ao modo como este é organizado e quais as suas motivações ao exercê-lo,
sem desconsiderar as limitações que marcaram nossas interlocuções.
Para tanto, podemos começar discorrendo sobre as mulheres que no momento da
pesquisa se engajavam apenas no trabalho com programas, sem a produção de filmes
pornográficos e com o uso da internet para fins profissionais limitado a postagens de anúncios
digitais e comunicação via Whatsapp. Nesta categoria se enquadram Catarina, Alice, Carolina,
Irina e Laís.
47

Catarina

Conheci Catarina por intermédio de Maísa, no mesmo dia em que entrevistei Carolina.
Catarina havia ido ao CTA para fazer uma testagem de rotina, e logo depois partiria para uma
viagem. Por este motivo, nossa entrevista foi breve e não voltamos a ter contato após isso. Ela
era uma mulher de pele branca, magra e baixa, de 25 anos.
Catarina me contou que começou a fazer programas após descobrir que essa era a
ocupação de sua irmã, e decidiu se mudar de Minas Gerais para São Paulo para trabalhar com
ela. Sua motivação foi financeira:

A minha irmã trabalha lá. Ela que me trouxe para São Paulo, porque a gente
é de Minas. Eu não conhecia nada, para mim era trabalhar em rua, não sabia que
tinha casa de cafetão, não sabia nada. Ela ia com muito dinheiro para Minas, e eu
falei "gente, com o que ela trabalha?". E ela falava que trabalhava numa loja. Eu
fui descobrindo e um dia eu perguntei. Aí eu falei, "já que eu tô apertada, me leva
junto". Eu sou esse tipo de pessoa, pensou, eu vou. Eu decidi [começar a fazer
programas] porque eu estava endividada30. (Catarina)

Ela conta que trabalhou inicialmente na casa de um cafetão e que depois conseguiu,
junto com a irmã e uma amiga, alugar um apartamento, onde atendia atualmente. Eu comecei
na casa de um cafetão, eu fiquei lá uns 8 meses e aí depois eu fui pro meu apartamento. Aluguei
um apartamento e comecei a trabalhar lá. Ela afirma haver grande diferença entre a rotina de
trabalho na casa do cafetão e no próprio apartamento. Enquanto no primeiro havia muita
cobrança e a obrigatoriedade de passar parte dos valores ganhos nos programas, no segundo ela
desfrutava de maior autonomia:

A gente morava lá [na casa do cafetão], e você dava algum dinheiro para ele
após cada programa. Se o seu programa era 170 [reais], na época era 170, 70 era
dele, em todos os programas. E ele dava moradia para você. Só que é muita
cobrança, muita pressão, ele não gosta se você estiver à toa. Aí eu conheci a Luna,
que é uma amiga minha, e o sonho dela era alugar um apartamento, e eu fui junto
com ela. Aí eu também trouxe minha irmã, e hoje é nós três no apartamento. E é

30
As falas trazidas nessa parte do texto são retiradas das transcrições das entrevistas realizadas, ou são falas obtidas
a partir das anotações no diário de campo.
48

outro nível. Bem melhor, você pode trabalhar a hora que você quiser. Você marca
seus clientes a hora que você quer, se você quer trabalhar de dia ou de noite. Você
que faz seu trabalho. (Catarina)

Catarina menciona ainda que o apartamento atrai clientes de melhor nível, ao passo que
outros lugares mais baratos, como clínicas, receberiam uma clientela pior:

No apartamento já é uns clientes... como que eu falo? Outro nível. O


apartamento já é outro nível, não é apartamento qualquer um. É um flat, mas tem
o apart hotel. Eles [clientes] vai lá, eles gostam. Já é outro nível, outro preço...
porque clínica, o cara já olha assim, é barato... já vai aqueles tipos de cara...
(Catarina)

Ela afirma também que a divulgação dos programas se dá pelo anúncio em sites de
acompanhantes, e a negociação e gerenciamento de reservas com os clientes acontece por meio
do Whatsapp. Ela enfatiza a necessidade de se estabelecer as condições para os programas ainda
nas primeiras conversas com os potenciais clientes:

Nós divulgamos no Viva, Viva Local, e no Photoacompanhantes, eles marcam


para a gente. É um site, os clientes procuram as garotas, as acompanhantes, aí nos
acham... [A conversa] é por Whatsapp... aí marca, "tal dia, tal hora quero ir com
você", e você vai marcando...

A minha restrição é o anal e a ejaculação no rosto. Eu já falo. Eles


perguntam, "como é o seu programa?", eu vou e falo, "minha restrição é o anal e
a ejaculação no rosto", "o preço é isso...". A gente tem que falar tudo. Eles chegam
lá e acham que é tudo, que faz anal, que faz tudo, e acham que é o mesmo preço. É
100 reais a mais, 150 a mais um anal... algumas meninas que falam. (Catarina)

O trabalho com sexo é visto como algo temporário por ela, que pretende parar com os
programas assim que economizar uma determinada quantia. Estou pretendendo sair ano que
vem, se deus quiser. Mas isso você tem que fazer um pé de meia e sair. Você não pode ficar
acomodando muito. Dá dinheiro, mas ficar acomodando não dá... Ela conta ainda ter um
namorado em Minas Gerais que não sabe sobre seu trabalho, e para quem não pretende contar.
49

Essas informações, por sua vez, revelam uma forma de delimitação entre sua vida pessoal e
profissional, questão que pretendo discutir mais à frente.

Alice

Alice era uma mulher transexual de 34 anos, negra, alta e de cabelos longos, que conheci
na mesa de acolhimento, em um momento em que estava com a enfermeira Elaine. Foi Elaine,
inclusive, que me incentivou a conversar com ela, a despeito da incerteza que persistia durante
o trabalho de campo quanto à possibilidade de entrevistar mulheres trans.
Iniciei a conversa com Alice ali mesmo no acolhimento e, após ela me revelar
timidamente que era profissional do sexo, decidimos fazer a entrevista em uma sala separada,
na qual ela se soltou e se identificou como garota de programa. Assim como Catarina, ela
afirma que se mudou de Minas Gerais para São Paulo aos 23 anos, com o propósito de fazer
programas, e continuava exercendo esta atividade até o dado presente, em uma rua da zona sul
da cidade:

Eu morava em Minas e eu tinha já algumas conhecidas da cidade que já


estavam aqui [em São Paulo], e eu tinha vontade de vir pra cá pra... justamente,
eu já sabia que se eu viesse seria pra me prostituir, mas eu imaginei que seria só
por um período curto, não por um tão longo assim. Entrei em contato com uma
das conhecidas e me hospedei num hotel perto... ali no centro de São Paulo. Na
região ali da Rego Freitas. Aí fiquei alguns anos ainda trabalhando nessa região,
aí no caso na prostituição tô até hoje né? (Alice)

Segundo ela, a intenção inicial era trabalhar na prostituição até que ela juntasse algum
dinheiro, porém diz que: Eu era muito nova, não tinha cabeça nenhuma! Gastei como ganhei...
quando você vai vivendo, você parece que meio que desvia daquele foco e você passa a curtir,
a viver, e você... quando se dá conta, o tempo passou.
Alice afirmou ainda que sua família sabia de sua atividade e a apoiava, mas que uma
oportunidade de inserção no mercado formal de trabalho, dificultada pelo fato dela ser uma
mulher transexual, a faria deixar a prostituição. É valido notar que, dentre todas as mulheres
com quem conversei, ela foi a única que afirmou trabalhar na rua, uma das únicas que chamou
seu trabalho diretamente de prostituição, e uma das que estavam a mais tempo nesse trabalho:
há mais de dez anos. Ela afirmou também receber diferentes tipos de propostas vindas dos
50

clientes, e que a maioria deles são homens que desempenham o papel de passivos durante o ato
sexual, isso é, são penetrados por ela.

Eu trabalho na rua, né? Ali na região do Morumbi, durante o dia, porque lá


é 24 horas. Tipo, durante o dia, geralmente num horário entre dez e... geralmente
entre dez [da manhã] e seis [da tarde], às vezes pode acontecer de eu ficar até oito
[da noite], depende... esticar um pouco. E ali você sai com... você vê todo tipo de
pessoa, todo tipo de homem, e você recebe todo tipo de proposta (risos). Então,
tipo, pra mim ficou tão normal, tão natural, que eu não estranho nada, mas assim,
tipo... tem cliente de todo tipo de poder aquisitivo, que querem coisas
diferenciadas... proposta de casais, proposta pra transar com animais, é...
propostas de tipo, sadomasoquismo, e outras coisas que eu acho que é meio
estranho, seria até nojento (risos)..., mas a maioria dos clientes, que aparecem, é
pra ser passivo... a maioria, tipo, 95% ... (Alice)

Pelo fato de ser uma mulher transexual, a relação de Alice com o CRT é distinta da
observada entre as outras mulheres. Isso porque ela frequenta a instituição desde que chegou a
São Paulo, há 11 anos, para ser atendida no ambulatório de especialidades trans, buscando pela
cirurgia de transgenitalização. Desde então, faz acompanhamento em várias especialidades
médicas (endocrinologista, psiquiatra, etc). Sua demanda no local não é, portanto, restrita a
IST-HIV/Aids. Foi a partir do ambulatório trans que ela conheceu os outros atendimentos,
inclusive aqueles prestados pelo CTA.

Irina

Irina, de 27 anos, era uma mulher de pele branca e cabelos castanhos, que se destacou
pelo seu jeito carismático. Ela foi uma das primeiras mulheres que conheci no CTA, com quem
consegui ter algumas conversas por WhatsApp após nosso encontro, e com quem cheguei a
marcar uma entrevista, que acabou não se realizando. Antes do contato ser perdido, ela se
mostrava bastante aberta e amigável, chegando muitas vezes a me chamar de mana. Bem-
humorada, na primeira vez em que tentamos marcar uma entrevista, ela me disse: só me lembra,
porque às vezes eu fumo e esqueço as datas (risos). Nas últimas conversas que tivemos, porém,
ela chegou a dizer que estava passando por dias difíceis, mas sem entrar em detalhes. Aos
poucos a comunicação foi sendo cessada.
51

No CTA, Irina me afirmou trabalhar há quatro anos com programas, inicialmente em


uma clínica e depois de maneira autônoma, com uma clientela fixa. Ela me disse ser muito
aberta sobre seu trabalho, ao menos com profissionais da saúde: eu sou garota de programa,
eu preciso fazer exames a cada três meses... eu falo pro gine[cologista], pro dentista... é a
minha saúde. Me disse lidar bem com o trabalho e que nos programas vestia uma personagem:
Nos programas eu não sou a Irina, eu sou a Juju, me transformo no que o cliente deseja. Algo
que marcou meu encontro com ela foi o fato dela relatar não estar satisfeita com o atendimento
recebido no CTA. Ela me disse que estava com sintomas de HPV, e ouviu dos profissionais de
saúde que esse era um atendimento prestado apenas no posto de saúde, tendo sido direcionada
a um na região em que morava. Ao desabafar sobre sua insatisfação, me disse não ter sido
atendida com a devida atenção e que talvez eles recebam várias meninas com o mesmo
problema.31

Laís

Laís, uma mulher de aproximadamente 33 anos, branca e de cabelos loiros, havia


chegado ao CRT com a queixa de coceira vaginal, e foi encaminhada para lá após tentar
atendimento no Instituto Emílio Ribas 32, que naquele momento atendia apenas casos
relacionados à covid-19. Ela foi a primeira mulher que abordei diretamente na sala de espera,
sem o intermédio de nenhum profissional do CTA. Abordei-a com a estratégia de falar que fazia
uma pesquisa sobre as mulheres atendidas naquele serviço de saúde, e após algumas perguntas
iniciais, ao revelar que o foco era sobretudo nas profissionais do sexo, ela se identificou como
tal e aceitou realizar a entrevista.
Nós tivemos uma conversa breve, enquanto ela aguardava ser atendida pela médica e
logo após a consulta. Laís me contou que trabalhava há quase três anos em clínicas de
massagem e que não achava o trabalho um bicho de sete cabeças, sabe? Eu não acho nada
assim... não. Não é um dinheiro fácil, mas é um dinheiro rápido. Sabe, muito rápido. Mas eu
não acho que é um bicho de sete cabeças. Desde o início, eu sempre achei tolerável, desde
sempre.

31
Neste sentido, o relato de Irina permite refletir as demandas em saúde que surgem no CTA para além das IST,
especialmente a demanda por atendimento ginecológico. Me detenho sobre essa questão no capítulo seguinte.
32
O Instituto de Infectologia Emilio Ribas é um hospital localizado na cidade de São Paulo e especializado no
tratamento de doenças infecciosas, incluindo as IST e condições relativas ao HIV/Aids. No momento de realização
da pesquisa, seu atendimento estava voltado exclusivamente para casos da covid-19. Disponível em:
<https://www.emilioribas.org/> Acesso em: 26 de outubro de 2021.
52

Ela conta que não conhecia a existência de clínicas de massagem onde são feitos
programas sexuais e explica como as conheceu. Assim como no relato de Catarina, Laís adentra
nos mercados do sexo e começa a fazer programas a partir do intermédio de uma pessoa de sua
família, neste caso, sua prima. A entrada no trabalho sexual mediada por familiares, por sua
vez, já fora discutida em outros trabalhos etnográficos sobre o tema (Losso, 2010).

Tem uns três anos. Então, eu não sabia que tinha esse negócio de clínica de
massagem, né? Para mim era somente... eu só sabia que existia boate, só. Boate e
garota de programa. Eu não sabia... Aí uma prima minha pegou e falou que
mandaram uma mensagem pra ela no facebook, né? Que era um tipo de massagem
sensual. E eu fiquei sem entender como era lá. E ela falou, "vamos? pra saber", e
eu falei "vamos". Aí quando nós chegamos lá foi quando eu vi o que era. Realmente,
tinha a massagem, só que no final da massagem tinha o sexo. Aí foi a partir daí que
eu vi que tem milhares delas, foi assim que eu comecei. A maior parte do tempo eu
trabalhei nesta [clínica] que eu estou agora. Onde eu trabalhei no início, eu fiquei
lá um pouco mais de um ano, e nessa eu vou fazer dois anos agora em dezembro.
Eu trabalhei em umas outras duas em que fiquei alguns dias, umas semanas e não
gostei. (Laís)

Apesar de encarar o trabalho com normalidade, Laís não conta sobre sua atividade a
ninguém de sua família, incluindo seu filho de 13 anos. O único que sabe de seu trabalho é seu
namorado, que não o aprova. Ela atribui ao preconceito o motivo por não falar abertamente de
sua atividade: Eu só não falo pra todo mundo porque infelizmente existe preconceito, mas eu
não acho que seja uma coisa assim, horrorosa. Não vejo. Tanto que, quando eu bebo, a
primeira coisa que eu falo é o que eu faço, sem querer acabo abrindo a boca, e acabo falando,
sem preconceito nenhum.
Ela explica também que tem a pretensão de economizar algum dinheiro a partir do
trabalho na clínica, mas que teria a pretensão de parar com os programas apenas por conta de
seu namorado:

Eu pretendo ter alguma coisa. Porque eu não admito estar nessa vida e não
ter nada. Eu nunca tive cabeça, sabe? De guardar dinheiro e juntar um dinheiro
pra ter alguma coisa. Então agora eu tô mais focada com dinheiro, ter alguma
coisa, fazer um curso e cair fora. Tenho [planos de sair], mas não por mim. Por
53

mim eu ficaria, só que agora eu tenho um namorado, e ele sabe o que eu faço. Ele
aceita... aceita não aceitando, sabe? ...Ele quer que eu caia fora... Mas eu não vou
sair para trabalhar num shopping, ganhar mil, mil e pouco, de domingo a
domingo... pra mim não dá. (Alice)

Por fim, além da remuneração, um ponto que Laís vê como favorável nos programas é
a flexibilidade que eles permitem, no que diz respeito a dias e horários de trabalho. A ideia, por
sua vez, da prostituição como um trabalho que pressupõe maior autonomia neste quesito
também já fora bastante discutida por outros autores (Gaspar, 1985; Rago, 1990; Piscitelli,
2005).

O que me faz continuar... não sei se é bem um benefício, só que assim... Eu


não tenho aquela obrigação de estar indo todos os dias. Se eu fico doente, eu fico
em casa. O meu patrão ele é bem compreensível com algumas coisas, entende?
(Alice)

Carolina

Carolina, que por vezes chamo apenas de Carol, era uma mulher branca, alta, de cabelos
ruivos e com 32 anos de idade, que conheci por intermédio de Maísa, algumas horas antes de
também conhecer Catarina. Ela havia ido naquele dia ao CTA para tomar uma PEP, após um
incidente com o preservativo ocorrer durante um programa 33. Durante a entrevista, ela me
contou que havia começado a fazer programas naquele ano de 2020, também em uma clínica
de massagens, da qual saiu posteriormente para trabalhar em uma boate na zona norte da cidade,
na qual estava até o momento da nossa conversa. Ela me contou que sempre teve grande
curiosidade na prostituição, mas que foi após retornar ao Brasil de um intercâmbio na Europa
e enfrentar problemas financeiros que tomou coragem para começar a fazer programas:

Eu tinha muita curiosidade, eu sempre tive... Eu li os livros da Bruna


Surfistinha, e eu fiquei muito curiosa. Mas eu imaginava que eu só iria trabalhar
com isso se a situação ficasse muito difícil... Aí esse ano, eu estava morando na
Europa e voltei para o Brasil. Eu achei que eu ia encontrar um trabalho rápido,

33
Ela não comentou ao certo o que tinha ocorrido, se, por exemplo, o preservativo teria estourado durante a relação
sexual, ou se o cliente o havia tirado sem o seu consentimento.
54

mas eu não consegui. Aí eu vi que meu cartão de crédito ia vencer, minhas contas,
minhas coisas... aí eu pensei, "não, eu não tenho opção, eu vou ter que ir".
(Carolina)

Carol conta que sentiu bastante medo ao começar a fazer programas, mas que acabou se
surpreendendo positivamente com a remuneração e com os clientes, que em sua visão eram
pessoas normais. O retorno financeiro, a propósito, foi a principal motivação para que ela
continuasse com os programas, atividade que aos poucos começou a apreender enquanto
trabalho:

Eu estava com muito medo, muito medo mesmo, mas eu fui... aí eu fiz uma
entrevista e já comecei a trabalhar, no mesmo dia. Aí eu vi que tinha muitos
clientes, pessoas normais, sabe? Jovens, e de todas as idades, pessoas bonitas...
Super tranquilo esse meu primeiro cliente. Ele falou, "você não tem cara de garota,
o que você tá fazendo aqui?". Aí nesse dia eu já ganhei um dinheiro bom, para
pagar meu cartão. Aí a dona [da clínica] falou, "oh, só vou te dar uma parte. a
outra te dou amanhã". Mas isso ela fez para eu voltar, para eu não pegar o dinheiro
e sumir. Aí no outro dia eu pensei "não, eu vou. Eu tô precisando de dinheiro". Aí
foi assim na outra semana, e na outra semana. Mas eu ficava pensando, "meu deus
o que eu tô fazendo da minha vida? E se alguém descobre, e a minha família?"
Então teve ali um, dois meses, que eu ficava muito preocupada e me questionava.
Mas depois eu vi que era um trabalho. É um trabalho! (Carolina)

Ainda assim, apesar da aceitação em relação a seu trabalho, ao ser perguntada, Carol
afirma que não o vê como algo estável em sua vida, e, assim como outras mulheres, planeja
economizar dinheiro para então parar com os programas:

A longo prazo não, até por conta da minha idade. Eu tenho outros planos,
quero casar, quero ter filhos. Até o ano que vem eu espero que dê tudo certo, que
eu consiga juntar o dinheiro que eu preciso. Mas é melhor que trabalhar em outros
empregos, com certeza. Às vezes eu penso por que eu não fiz isso antes (risos).
(Carolina)
55

3.1.1. As diferenças entre as clínicas de massagem e as boates

Algo que é interessante mencionar e que aparece de maneira similar nos relatos de
Carolina e Laís é o modo como as duas conceituam e comparam o ambiente e a dinâmica de
trabalho das clínicas de massagem e das boates. Enquanto Laís só tem experiência trabalhando
em clínicas, Carol tem experiência nos dois lugares e os compara a partir disso.
No que diz respeito às clínicas de massagem, as duas mencionam que, apesar do nome,
elas são estabelecimentos dedicados à oferta de programas sexuais, ainda que eventualmente
possam ser ofertadas massagens. Carol descreve a clínica como um ambiente tranquilo,
organizado e cujo perfil de clientes são homens casados. Ela e Laís dizem também que a
dinâmica das clínicas se caracteriza pelo fato de que é o cliente quem escolhe a mulher com
quem irá fazer o programa, após as mulheres da casa se apresentarem para ele:

Eu comecei na clínica de massagem lá em Santana também, aí o atendimento


era durante o dia. Era mais tranquilo. E é mais homem casado. A noite [boate] é
um pouquinho diferente. Vai solteiro. É difícil casado, porque casado tá em casa à
noite... Na clínica é mais homem casado, é mais tranquilo. A clínica de massagem
é só um nome, porque na verdade é programa. Pode ter massagem, mas é difícil.
Na clínica tem uma sala de espera. Aí a gente fica lá, comendo, sentada, deitada
nos sofás. E quando o cliente chega, [ele] toca campainha, e a gente vai se
apresentar. Aí o cliente escolhe a garota. Ou às vezes ele quer conversar com uma,
quer beber alguma coisa, aí a gente vai lá e conversa. É mais organizada a clínica
de massagem, é mais limpa, mais organizada. O perfil é o homem casado.
(Carolina)

Eu trabalho próximo ao aeroporto. Eu atendo cliente lá, somente lá. Não


atendo fora. Lá tem bastante menina, tem site. Aí chega o cliente, às vezes eles
pedem apresentação, aí sobe uma menina por vez e escolhe a menina. Em muitos
dos casos eles têm preferência, quando gostam do atendimento. Aí eles voltam,
retornam com a menina. (Laís)

As boates, por outro lado, são descritas por Carol como uma baladinha, isso é, são casas
noturnas onde se toca música e que, por funcionarem de noite, atraem mais homens solteiros.
Ambas, Carol e Laís, afirmam que nas boates é mais recorrente o uso de álcool e outras
56

substâncias, inclusive por parte das mulheres que fazem os programas. Elas afirmam também
que nestes locais o trabalho exige das garotas uma atitude mais desinibida e a abordagem mais
direta aos clientes:

Agora na boate, é uma baladinha, e é uma loucura, porque tem muita gente
bêbada, muita gente drogada... e na clínica de massagem não pode usar droga. Aí
tem ladrão, tem traficante... mas tem pessoas do bem ali também. Mas é a
baladinha, fica tocando música, toca forró e toca samba. E você tem que beber,
para aguentar a noite. E naquele ambiente, é difícil ficar careta. Eles já dão quando
você chega uma dose de bebida... porque a noite é mais para quem gosta dessa
curtição, de dançar. Você tem que estar mais desinibida. Porque na clínica o cliente
te escolhe. Lá você tem que ir em cima do cliente, fazer mais essa parte de atacante
(risos). (Carolina)

Na boate você tem que abordar cliente, você se expõe mais. Eu acho que na
boate as meninas tem que... não obrigatoriamente, só que as meninas sentem a
necessidade de usar droga, para poder passar a noite virada, sabe? E na clínica
não, clínica é mais tranquilo, é um lugar mais reservado. (Laís)

Os relatos e as comparações feitas por Laís e Carol sobre as clínicas e as boates são
significativos, pois revelam como um mesmo tipo de trabalho, no caso a realização de
programas, pode ser realizado não apenas sob diferentes dinâmicas e em lugares distintos, como
também demandam atitudes específicas por parte da mulher que o exerce. Ou seja, diferentes
dinâmicas de trabalho sexual pressupõem diferentes engajamentos da mulher com esse
trabalho, que vão desde a maneira como ela se apresenta e aborda os clientes, até o consumo
ou não de álcool e drogas durante o trabalho. Essas diferenças incluem ainda o perfil dos
próprios clientes e também podem ser refletidas nos casos das mulheres que trabalham nas ruas
e em apartamentos, como Alice e Catarina. É nesse sentido que atentar para a pluralidade de
dinâmicas de trabalho sexual requer atentar também para como essa pluralidade incide sobre os
sujeitos e sua subjetividade.
57

3.2. Nas redes, no pornô e nos programas: Carine, Luana, Raíssa e Natália

A partir dos relatos das mulheres apresentadas até aqui, é possível compreender como
apreendi, desde minha experiência de campo, a pluralidade de locais e de dinâmicas de trabalho
sexual. O conteúdo destes relatos, por sua vez, converge com o que já é discutido na literatura
das ciências sociais sobre a prostituição, considerando como ela é exercida sob diferentes
arranjos e contextos, e como as experiências das mulheres nela são plásticas e fluídas (Gaspar,
1984; Fonseca, 2004; Martin, 2003; Olivar; 2012). Além disso, essa pluralidade contribui para
evidenciar a amplitude dos mercados do sexo, e como neles estão inseridas as tecnologias de
mídias sociais, como é o caso dos sites de anúncio de acompanhantes e do uso de aplicativos
como o Whatsapp para a negociação com clientes.
Contudo, as mulheres de quem falarei a seguir são aquelas cujas experiências me
fizeram atentar para o fato de que minha pesquisa não tratava apenas do que pode ser
compreendido como prostituição, mas abrangia também outros tipos de trabalhos sexuais não
concebidos como tal. Foram essas as mulheres cujo trabalho parecia seguir um modelo definido,
que articulava a realização de programas à participação em filmes pornográficos e ao uso das
redes sociais como plataforma de auto divulgação. São elas: Carine, Luana, Raíssa, Natália e
Morgana.

Carine e Luana

No que diz respeito à Carine e Luana, elas foram as primeiras mulheres que conheci no
trabalho de campo, juntamente à Irina, e com quem, pelos motivos já mencionados, tive boas
conversas, mas não cheguei a realizar entrevistas. Carine, de 31 anos, era uma mulher negra
que eu já havia visto na sala de espera, e que se destacou para mim pelo seu longo cabelo preto
escovado e cílios alongados. Logo que Maísa nos apresentou, ela se mostrou solícita e disse:
pode perguntar o que você quiser. No entanto, fez questão de falar de imediato que não gostava
do que fazia, e que via os programas como algo temporário. Passou-me a impressão de querer
me convencer dessa ideia e de tomar um afastamento em relação à sua atividade. Ela me
explicou que era mãe de duas meninas, uma de 11 e outra de 13 anos, que criava sozinha, vinha
do interior da Bahia, e que sua motivação para começar a fazer programas era meramente
financeira.
Carine disse que marcava seus programas através de um site de anúncio de
acompanhantes, às vezes ia a boates (e posteriormente me disse que estava trabalhando numa
58

clínica de massagem) e havia começado a fazer filmes. Contava ainda com um assessor, figura
responsável por mediar o contato e a relação com clientes e com as produtoras pornográficas,
e participava também de grupos de WhatsApp específicos de garotas de programas. Ela recorda
que passou por um momento difícil quando um de seus filmes pornô foi descoberto por
conhecidos de sua cidade natal, e ela teve que contar sobre sua atividade para a filha. Ao mesmo
tempo em que relata o sofrimento associado a esse evento, também mostra determinação ao
afirmar: agora que todos sabem, não tenho que esconder de ninguém... quando eu precisei,
ninguém me ajudou. Então agora eu vou fazer o meu trabalho.
Já Luana, de 22 anos, foi uma mulher que conheci por intermédio de Renata, que olhara
as fichas dos usuários atendidos no CTA durante uma manhã e a identificou. Era uma mulher
branca, baixa e de cabelos longos, que me disse ser natural do Piauí e estar há alguns meses em
São Paulo trabalhando com programas e também com filmes pornográficos. Ela afirma ter tido
um relacionamento que classificou como abusivo (apesar de não ter explicado o porquê) em
sua cidade natal e disse preferir o momento atual, em que trabalhava com sexo. Assim como
Carine, ela me disse que pessoas da cidade onde morava e sua família também descobriram sua
atividade. Apesar disso, ela afirmou lidar bem com essa situação e com o seu trabalho como
um todo. Afirma gostar, sentir prazer e gozar na maioria dos programas e filmagens. Às vezes
eu acho que sou ninfomaníaca (risos). Diz que quer divulgar e retirar o tabu de seu trabalho, e
que para ela os filmes pornô e as produções eróticas são como uma arte.
Assim como Carine, ela também contava com o auxílio de um assessor, um ex-ator de
filmes pornô que a convidou para trabalhar com ele. Ela mencionou também os grupos de
mensagem de garotas de programas, além de falar sobre suas páginas nas redes sociais, que
serviam para a divulgação de seu trabalho. Durante nossa conversa, demonstrou empolgação
com seu trabalho de acompanhante e a pretensão de construir uma carreira a partir dele. Eu
quero construir um império! Como parte de seus planos, ela me disse que atualmente atendia
em hotéis e motéis, mas que pretendia comprar um flat, para lhe garantir segurança, além de
buscar investir mais em sua presença na internet, visando divulgar sua imagem.

Raíssa

Raíssa, de cerca de 37 anos, era uma mulher negra, alta e de cabelos longos, que, assim
como Carine e Luana, também conciliava os programas com a realização de filmes
pornográficos e a presenças nas redes sociais. Ela, porém, não contava com um assessor. Ela
me contou que fazer filmes a ajudava a melhorar sua imagem enquanto acompanhante, visto
59

que, segundo ela, há muitos perfis falsos nos sites de anúncios de garotas de programa. Como
dito anteriormente, ela foi a única mulher que eu contatei primeiramente via WhatsApp e que
me procurou com o interesse de fazer a entrevista, que foi feita no ambulatório em uma sexta-
feira, um dia após ela ter realizado uma filmagem.
Desde o primeiro momento, Raíssa se mostrou muito aberta, e começou a me contar
sobre sua história de vida e seu trabalho antes mesmo que eu pudesse iniciar a entrevista
formalmente. Por conta disso, por vezes acabamos deixando de seguir o roteiro de entrevistas,
e busquei deixá-la falar livremente. Ela demonstrou o motivo de sua motivação e interesse de
participar da pesquisa, ao dizer: Tenho o intuito de colaborar com qualquer tipo de pesquisa,
no sentido de esclarecer né? Até para a sociedade, porque as pessoas pensam que é um
trabalho fácil. Não é.
Ela afirmou ter começado a trabalhar com programas e filmes no início daquele ano de
2020 e disse ter formação superior em pedagogia e direito, mas que foi nos mercados do sexo
que encontrou maior satisfação pessoal e financeira. Ela relata ainda que era do Paraná e que
mudou para São Paulo após se casar, definindo o casamento como uma relação abusiva, na qual
sofreu violência doméstica. Eu já tive família, já tive um casamento... e não foi legal para mim...
foi uma relação de muita violência, em todos os sentidos. Eu sofri muita violência doméstica...
Dentro de todas as áreas de formação que eu tenho, esse é o melhor trabalho. Não foi a minha
última escolha, mas é o que me satisfaz.
Seu relato me trouxe a impressão de uma mulher experimentando uma independência
financeira e emocional a partir do trabalho sexual, e que buscava transmitir uma imagem forte
de si mesma, como uma profissional esperta e madura. Como eu optei por trabalhar mais velha,
pela questão da maturidade, já tinha uma referência sexual, uma maturidade sexual, então
para mim foi um ponto que facilitou o meu trabalho.
Quando perguntada se ela vê o trabalho sexual como algo estável na sua vida, Raíssa
me diz que tem planos de em outras ter negócios em outras áreas, como a venda de lingerie e
perucas, mas ainda assim voltados para o público de mulheres que trabalham com sexo:

Eu gosto, mas até quando? Tem que pensar no futuro... eu penso em


alavancar, talvez trabalhando com lingerie. Talvez com “lace”, porque eu uso
cabelo orgânico. Talvez com estética..., mas o que eu penso: sempre voltado a esse
público. Porque existe o preconceito. Então pode ser que eu tenha um negócio, mas
sempre voltado a esse tipo de atendimento. Para você que não é garota de
programa não se constranger quando chegar uma garota que é. O que acontece
60

né? Então tenho planos, mas ainda não sei o que. Mas eu não quero sair desse
meio, porque para mim é incrível! E não, não estou iludida! (risos) (Raíssa)

Natália

Natalia, uma mulher baixa, branca e de cabelos loiros cacheados, de 34 anos, também
trabalhava com programas e filmes pornográficos, assim como as outras mulheres
mencionadas. A sua diferença era que, ao invés de fazer filmes com produtoras, ela tinha o
próprio canal no site de pornografia Xvideos34, no qual postava vídeos produzidos por ela
mesma dentro do nicho BDSM. Logo quando começamos a conversar, no dia em que nos
conhecemos no CTA, ela me disse fazer parte de um mundo obscuro e pediu para que eu não
me assustasse. Depois me explicou que trabalhava com as práticas fetichistas enquadradas
dentro do BDSM, que incluem espancamento, amarrações e fetiches com urina, dentre outras.
Era por essas práticas que os clientes a procuravam:

Os encontros, quando eu faço acompanhante, quando eu subo os anúncios os


clientes antigos já me chamam...porque assim, as pessoas que me chamam, me
chamam por uma coisa específica, tipo, exemplo: “garganta profunda com
vômito”, é coisa bizarra, “chuva dourada”, coisa bizarra...Não é tipo, “ai, vamo
ficar agarradinho, beijando, namoradinho”, não! (Natália)

Assim como Raíssa, Natalia também se mostrou interessada em participar da pesquisa,


com o objetivo de mostrar a legitimidade de seu trabalho. Ela inclusive afirma que já era adepta
do BDSM desde os seus 23 anos, e que decidiu trabalhar com esse nicho após a morte de sua
mãe, visando justamente mostrar para as pessoas que existe prazer de formas diferentes. Ao
me explicar a especificidade e preparação de cada prática fetichista, ela fazia questão de
enfatizar a disciplina e a organização nelas envolvidas, como nas muitas vezes em que ela
falava: é tudo organizado, nada bagunçado!
Quando lhe perguntei se ela tinha a pretensão de continuar trabalhando com sexo, ela
me disse que seu plano era futuramente continuar apenas com o seu canal no Xvideos e com
seus clientes fixos:

34
Xvideos é um site de compartilhamento de vídeos pornográficos que permite aos usuários não apenas acessar
este tipo de conteúdo como também produzir e postar conteúdo próprio. Disponível em:
<https://pt.wikipedia.org/wiki/XVideos>. Acesso em: 31 de janeiro de 2022.
61

Eu quero só mostrar pras pessoas uma parte, e depois só manter o canal,


só ficar com o canal, cortar...só manter o que eu já tenho, que é os clientes fixos.
Mas os novos...tipo, fechar. Só manter o canal, e, assim, viver do canal, só. Mais
nada. (Natália)

Morgana

Morgana, de 40 anos, é uma mulher que conheci em um momento em que me encontrava


sozinha na mesa de acolhimento dos enfermeiros. Seu estilo me chamou a atenção de imediato,
visto que combinava piercings e tatuagens com roupa preta, cílios postiços e o cabelo pintado
parcialmente de rosa. Ela me abordou e me perguntou se havia naquele serviço de saúde
assistentes sociais com quem ela poderia conversar, pois queria receber algumas orientações.
Respondi sua pergunta e iniciamos uma conversa, na qual aproveitei para introduzir minha
pesquisa. Quando falei no meu foco em profissionais do sexo, porém, ela me lançou um olhar,
mas não disse nada. Após ser atendida, Maísa a direcionou para mim e realizamos a entrevista
no jardim do CRT. Morgana me disse que não teria problema em colaborar com a pesquisa,
mas que não se sentiu à vontade para identificar seu trabalho em frente a outras pessoas. Percebi
que ela, de fato, demonstrava receio quanto a se expor. Quando já estávamos no jardim, ela
chegou a dizer: pelo menos aqui fora no máximo uma pessoa só vai nos escutar, apontando
para o funcionário que estava um pouco mais a frente35.
Ao longo da entrevista, ela me revelou que já trabalhava como acompanhante há quase
vinte anos, sendo boa parte deles na Itália, de onde acabara de retornar. Lá, ela fazia programas
e participava de filmes pornográficos. Em seu relato, Morgana me conta sobre episódios de
violência sexual que sofreu ao longo dos anos trabalhando como acompanhante, além de
episódios de assédio e discriminação, sobre os quais discorro com maior atenção mais adiante.
Ao ouvi-la, tive a percepção de que sua história trazia a perspectiva de uma mulher já há muitos
anos trabalhando nos mercados do sexo e que, entre experiências de sucesso financeiro e
experiências de violência, trazia consigo sentimentos ora de melancolia e ressentimento, ora de
aceitação e resiliência.
Morgana morou na Itália por 18 anos, onde sempre trabalhou com sexo; no momento
em que a entrevista foi realizada, ela havia acabado de voltar ao Brasil (havia cerca de uma

35
Inclusive sua preocupação também me fez refletir sobre minha maneira de abordar as mulheres até aquele
momento, uma vez que eu não queria as expor ou ser invasiva de alguma forma.
62

semana). Ela conta que já havia voltado antes ao país, onde tentou fazer outros tipos de trabalho,
mas depois retornou à Itália e ao trabalho na prostituição. Desta última vez, o motivo do retorno
foi a pandemia. Ela afirma trabalhar com sexo há mais de 20 anos. Na Itália trabalhou na rua, e
fez filmes pornôs por alguns anos, mas na maior parte do tempo fez programas em seu
apartamento, o que continuava a fazer até aquele momento.

***
O relato dessas quatro mulheres me pareceu muito similar no que diz respeito ao modo
como organizam seu trabalho. Como dito, todas elas trabalham com essa dinâmica tripla, que
tem como padrão a realização dos programas, dos filmes pornô e a presença nas redes sociais.
Suas falas indicam que a realização dos filmes e a presença nas redes permitem criar e
consolidar uma imagem e uma reputação dentro deste mercado do sexo, o que traz, por
consequência, a possibilidade de selecionar melhor os clientes, obter maiores cachês nos filmes
e realizar programas mais caros. Se trata então de construir uma marca pessoal e adquirir
visibilidade, como expresso na fala de Raíssa:

Pra você ficar famosa, ou você... um exemplo bem bobo, você vai no estádio
de futebol e mostra os peitos (risos)... ou você paga pra sair numa capa de revista,
porque são pagas, ou você inicia nos filmes, como foi o meu caso. Com cachê baixo,
pra você ter visibilidade... Porque o que mais bomba uma garota de programa são
os trabalhos que ela faz... Não só filme, mas assim, tudo que a expõe, rede social...
às vezes você faz um videozinho legal, o cara começa a seguir, daí aquilo vai
passando... Hoje eu tenho um Twitter que tem 15.900 seguidores. É pouco, tem
menina que tem 200 mil. Só que eu tenho filmes com 1,5 milhão de visualizações
em uma semana... Aí eu tiro um trailerzinho e jogo na minha rede social... Então é
o máximo de exposição que você tem. (Raíssa)

A visibilidade que se adquire neste meio, por sua vez, pode contribuir para o surgimento
de outras oportunidades de trabalho. É o caso, por exemplo, da realização de temporadas em
outras cidades, como relatado por Natália. Nelas, ela atende a clientes e faz colaborações com
outros profissionais para seu canal do Xvideos e a para a postagem no Twitter. Ela explica que
é justamente a fama que ela começa a adquirir o que faz com que seja chamada para trabalhos
em outras cidades:
63

...uma fama... porque tem gente que fala assim "ah, eu quero que você venha
pro Rio", "eu quero que você venha para BH"... Eu fiz uma [temporada] em Monte
Verde... você fica uns... igual, a pessoa vai ficar cinco dias comigo, então vai ficar
5 dias comigo e o resto eu vou atender. Tem gente já chamando no Xvideos, que
quer sair comigo, tem gente no Twitter... só que assim, eu vou levar uma amiga
para ela organizar isso. Eu já fiz temporada e eu meio que não curti. Porque assim,
tem muitas pessoas que falam, mas não faz, ...e eu não gosto de gente que fala...eu
acho que se você for fazer, faça... não precisa você falar. (Natália)

Por sinal, no que se refere às mídias sociais, as mais usadas pelas minhas interlocutoras
são: o Twitter, que segundo elas é uma das únicas redes que permite o compartilhamento de
conteúdo sexual explícito; o Whatsapp, para o contato e negociação com os clientes, com os
assessores e com as produtoras, além de eventual participação em grupos de garotas de
programa; os sites como o Photoacompanhantes.com.br, para anúncio de programas; e, no caso
de Natália, um canal no site pornográfico Xvideos, para a produção e postagem de conteúdo
erótico independente.

Olha, eu tenho Twitter, que eu faço a divulgação dos mini vídeos, que é o
Xvideos. Eu faço [o trabalho de] acompanhante, ...que eu ainda não subi lá no
site...se eu subir o anúncio eu sei que vai ter um monte de gente fazendo perguntas,
e eu tenho que esclarecer.... No "Photoacompanhantes". É um site de
acompanhantes, de..., feminino, masculino, transex, de todos os gêneros. (Natália)

Tanto Natália quanto Raíssa mencionam o momento de postar os anúncios e responder


os contatos de potenciais clientes como algo importante e que requer tempo. Raíssa ainda
enfatiza que é nesta parte que ela seleciona quem irá atender ou não, além de já definir as
condições para os programas. Neste sentido, ela demarca uma diferença entre clientes e
contatos:

O meu contato de trabalho é via Whatsapp. Então a partir da abordagem, eu


decido quem eu vou atender e quem não. Porque se já vier com grosseria... não é
porque é garota de programa que você tem que tratar de qualquer forma! Porque
você é só um contato... O cliente é após o ato sexual e o recebimento dos seus
valores... né? Então tem que diferenciar o que é contato e o que é cliente. Ontem
64

foi o dia que eu recebi umas 27 mensagens... de contatos. Das mais variadas
formas, das mais variadas abordagens...
Tenho anúncio no site e tenho meu telefone comercial... logicamente não é
meu telefone pessoal. E a pessoa entra em contato. No site já está escrito o que eu
faço ou não. Se é oral, se é anal, se é vaginal, quanto tempo de programa, quanto
tempo de antecedência, os valores... os locais em que eu atendo, que são hotéis
próximos a metrôs, para facilitar meu deslocamento. (Raíssa)

Raíssa também explica que é a partir da sua divulgação no Twitter que ela entra em
contato com produtoras de filmes pornográficos, a fim de estabelecer negociações e possíveis
contratos para a realização de filmagens. Em seguida, ela explica um pouco sobre os
procedimentos necessários para fechar um contrato de filmagem e como funciona a dinâmica
de uma, dando o exemplo das cenas que ela havia gravado no dia anterior:

Eu tenho as redes sociais profissionais, onde eu posto muito conteúdo, que


eu mesma faço... vídeos caseiros, fotos de lingerie. Eu uso Twitter e o site de
acompanhantes. Então a gente tá sempre atualizando material, mas o Twitter assim
tem posts diários. E as pessoas vão vendo, aquilo vai replicando e as produtoras
entram em contato. Tem uma conversa antes: [a produtora pergunta] "o que que
você não faz?". Aí eu [também pergunto]: "posso conhecer o casting dos atores?".
Se algo ali não bater, eu já nem saio de casa. Aí tira foto do documento, tira foto
da pessoa. Porque se der algum problema judicial, [a produtora alega] "oh sua
assinatura tá aqui". Não tem como contestar.
Ontem eu fiz quatro cenas, com quatro homens diferentes. Tive meus
momentos de intervalo, óbvio, ninguém é uma máquina. As cenas duram cerca de
25 minutos, cada cena. Mas às vezes você passa dez horas gravando. O total, o que
vai para a plataforma, são 25 minutos. Mas às vezes você tem que repetir aquela
cena. Dá aquele desgaste. Mas [foram] em torno de 5 horas de trabalho. E eu fiz
um valor maior que um salário-mínimo, em quatro cenas (risos)... Mas eu não
conheço ninguém que ganhe 5 mil reais por uma cena. O mercado já está saturado
né, por conta dos amadores. (Raíssa)

Raíssa comenta ainda dos grupos de garotas de programa no Whatsapp, dos quais
Carine e Luana já haviam falado, e afirma que eles servem como uma ferramenta de proteção
65

entre as mulheres, ainda que ela diga que nem sempre as informações neles compartilhadas são
confiáveis. Ela também faz a ressalva de que a união entre as mulheres muitas vezes se restringe
ao ambiente digital:

É interessante, por quê? Vamos supor, "ah eu fui destratada numa


mensagem", nunca aconteceu comigo. Ou “eu saí com um cliente e ele não me
pagou”. Elas jogam nos grupos, com quem já foi vítima. Ou algum agressor,
porque já aconteceu, infelizmente. O cara trata a menina que nem um lixo... ou não
gostou do que ela deixou de fazer... Porque tem umas que falam, "faço isso e
aquilo", aí chega na hora e o cara é feio, ou ele tá com um cheirinho desagradável,
e aí elas não querem mais. Não pode! É um risco que você corre. Aí querem
queimar o cara... Aí você tem que também analisar, ter maturidade para tentar
entender os dois lados. Então eu não participo muito de grupos assim. Mas no
Twitter, eu sigo as meninas famosas, e as que não tem o valor tão... porque tem
menina que faz o programa a 80 reais. Eu acho isso até um crime! ...E elas jogam
as informações, às vezes jogam até o número do cara, se ele for perigoso... essa é
a união online. Uma meio que protege a outra. "Não vai no hotel tal, não sai com
o cara tal...". A gente troca esse tipo de informação, porque uma sabe o que a outra
passa. Agora, pessoalmente, se eu estiver no hotel e você também, cria-se uma rixa.
Só na questão da segurança que nós somos unidas. (Raíssa)

Ela comenta, porém, que não são só as mulheres que trocam informação entre si, e que
também existem grupos e fóruns digitais onde clientes e outros homens trocam informações
sobre as garotas:

Mas a gente tem que manter a classe, a elegância sempre... Por quê? Eles
podem ir em alguns fóruns [digitais], onde eles fazem uns comentários, e me
queimar, sem eu ter feito nada! Eles dão nota... homem é um bicho terrível! (risos)
E eu soube essa semana que tem um aplicativo onde eles jogam os filmes, as fotos,
que não tem mulher. É um grupo nacional, só de homens, que eles ficam lá
debatendo... eles ficam avaliando. Eles não têm nem o dinheiro para sair com
aquela mulher, mas eles ficam lá, sonhando com aquilo. (Raíssa)

***
66

Comparando as falas das mulheres envolvidas com a pornografia com as falas das
mulheres que apenas fazem programas, podemos identificar algumas especificidades na
dinâmica de trabalho do primeiro grupo. Estas mulheres, engajadas no mundo do pornô,
parecem ter uma relação mais estratégica com o seu trabalho. Para elas, as atividades além dos
programas não se resumem a determinar as condições de sua realização e estabelecer
negociações com os clientes, ainda que elas também se preocupem com isso.
Na verdade, o trabalho destas mulheres parece envolver especialmente a criação e gestão
de uma imagem, uma marca pessoal, através do uso das diferentes mídias, e que pressupõe a
construção de uma relação com o seu público que vai além da relação prostituta-cliente. Este
público, por sua vez, não se resume aos clientes e também abrange os outros sujeitos envolvidos
nesta indústria do sexo, como as produtoras pornográficas, as demais pessoas que
desempenham trabalho sexual (e com quem pode haver colaborações e parcerias em filmagens)
e os consumidores deste tipo de conteúdo erótico. É neste contexto que o uso das redes sociais
se torna uma ferramenta fundamental de trabalho, visto que a construção de sua imagem e
relação com o público é mediada através delas. Isto, por sua vez, imprime uma diferença em
relação às outras mulheres, que usam dos meios digitais apenas para o anúncio de seus
programas e contato direto com os clientes.
Ao mesmo tempo que essa maneira de se colocar na indústria do sexo contribui para
uma atitude estratégica das mulheres em relação ao seu trabalho, ela também pode sugerir maior
envolvimento pessoal ou realização pessoal em relação a ele. Isso pode ser refletido através de
falas como as de Raíssa e Natália, que demonstram as motivações pessoais no exercício do
trabalho sexual, para além da recompensa financeira. Ambas falam na satisfação emocional que
o trabalho lhes traz, através da intimidade compartilhada com os clientes. Natália menciona
também que sua motivação parte de querer mostrar ao público as práticas fetichistas do BDSM:

Não é tão simples ser garota de programa, mas é rentável. É um dinheiro que
não é fácil, mas ele é rápido. Então muitas mulheres, até mesmo casadas, optam
por trabalhar escondido. Dentro de todas as áreas de formação que eu tenho, esse
é o melhor trabalho. Pessoalmente, até emocionalmente falando... porque eu tenho
uns clientes assim que cuidam! Eles me tratam assim como namoradinha... de luxo,
mas sou. Uma namoradinha remunerada. Então se eu não estiver bem, eles
também não estarão. E esse cuidado tem que ser recíproco. (Raíssa)
67

Minha mãe faleceu em 2017, e eu já conhecia o BDSM desde os meus 23


anos, então vai fazer 12 anos que eu conheço o BDSM. E assim, eu vi que todo
mundo gostava das mesmas coisas... aí em 2017 eu pensei "vou fazer uma coisa
diferente, que existe, só que ninguém conhece, ninguém mostra”. E quando comecei
a fazer aquilo, eu comecei a criar um nome...
...Eu realmente gosto do que eu faço, porque assim, não é só pelo dinheiro.
Você vê a satisfação do prazer do outro, você vê que o outro ficou feliz. Porque,
igual eu falei pra você, não é só sexo. A pessoa tem o sexo, mas ela quer conversar,
ela quer desabafar, ela quer ter um abraço, ela quer ter um acolhimento que às
vezes... ela quer falar o que ela tá sentindo, o que ela sente no momento e ela não
consegue falar com outras pessoas, principalmente família, mulher... porque às
vezes as pessoas tem a mente fechada, e o que você falar, a pessoa vai falar "olha,
não gosto. Você é gay". Igual, o 'beijo grego', não é nada de fetiche, mas tem gente
que tem muito prazer, que é próximo à próstata. E já teve gente que falou assim:
"ah não peço para a minha mulher porque a minha mulher acha que eu sou viado".
E não tem nada a ver, ele não é viado, ele só gosta disso. (Natália)

Contudo, as considerações acima não podem ser generalizadas para todas as mulheres
com quem conversei durante o trabalho de campo. Ao contrário, existem mulheres, como
Carine, que apesar de estarem bastante presentes nas redes e no mercado pornográfico, dizem
não possuir nenhum interesse neles para além do interesse econômico. Igualmente, mulheres
que apenas fazem programas também podem se envolver com o seu trabalho de formas mais
subjetivas. O que é importante aqui é se atentar para a particularidade de cada experiência das
mulheres nos mercados do sexo, e compreender como elas incidem sobre a sua subjetividade.
Continuarei discorrendo sobre isso, aliás, mais adiante.
De forma geral, os dados da pesquisa de campo que mostram o cruzamento entre
diferentes formas de sexo comercial e sua associação à internet e às mídias digitais condizem
com o que é apontado em estudos sobre essa temática realizados ao longo da última década. Do
mesmo modo que é importante atentar para a pluralidade de trabalhos sexuais que constituem
a indústria do sexo, é importante também se ater a como estes mercados são articulados e se
organizam no mundo digital
68

Parreiras (2012) busca compreender justamente como o online36 atua no mercado


erótico. Para tanto, a autora parte da discussão de que a relação entre o sexo comercial,
especialmente a pornografia, e a internet está ligada à ascensão da chamada “web 2.0”, a partir
da década de 2000. A ideia de uma “web 2.0” corresponde a uma segunda geração de
comunidades e programas de Internet, após seu surgimento na década de 1990, que se
caracteriza pelas possibilidades mais amplas de consumo e produção de conteúdo, com uma
capacidade maior de interação entre os seus usuários. Esta é uma internet cujas ferramentas
possibilitam a alternância entre os papéis de produtor e consumidor de conteúdo. Isto porque
qualquer pessoa pode se tornar um produtor em potencial, a partir das mídias sociais que
permitem a produção e postagem de fotos, vídeos e textos.
A emergência dessas tecnologias digitais, por sua vez, tem um impacto direto sobre a
pornografia e os mercados eróticos, que também passam a operar a partir destas novas
dinâmicas. Nelas, “o consumo de conteúdo adulto havia se movido do mundo estático de
exibição de vídeos e imagens para a o mundo da web 2.0, onde a mídia gerada e consumida
pelos usuários e as redes sociais possuem um papel central” (Tancer, 2009 apud Parreiras,
2012). É neste contexto, pois, que o trabalho de minhas interlocutoras deve ser compreendido.
Elas constroem suas carreiras na indústria do sexo a partir do uso destas tecnologias, que lhes
permitem criar e postar seu próprio conteúdo erótico, e, consequentemente, conquistar seu
próprio público. O modo como elas se relacionam com o trabalho sexual e constroem suas
trajetórias a partir dele não pode ser dissociado do uso das ferramentas digitais, portanto.
Por isso a importância de compreender como o online incide sobre os mercados do sexo,
criando novas práticas, identidades e sujeitos, de modo a desestabilizar as “fronteiras entre o
pornográfico e outras estéticas de produção de imagem, entre formas comerciais e não
comerciais de representações do sexo, entre consumo e comunidade” (Atwood, 2007, p.454).
Se podemos dizer que a diversidade de dinâmicas de trabalho sexual contribui para que as
mulheres tenham diferentes vivências e engajamentos nos mercados do sexo, as mídias sociais
e as tecnologias digitais também ocasionam diferentes e novas formas de consumir e ofertar
produtos e serviços sexuais, o que incide sobre o próprio trabalho sexual. Como um exemplo
disso, a articulação da pornografia ao mundo online acaba favorecendo a segmentação e a
formação de nichos específicos de conteúdo, como explica Parreiras (2012, p. 202), que
abrangem desde a pornografia amadora até a pornografia alternativa e fetichista, como é o caso

36
Cabe mencionar aqui que a autora faz uso da categoria “online” neste momento de sua obra, mas posteriormente
o substitui pelo termo “digital”, como forma de indicar que as relações estabelecidas no universo da internet não
estão necessariamente dissociadas daquelas dadas no mundo físico (Lins, Parreiras & Freitas, 2020).
69

do BDSM praticado por Natália. Igualmente, a pornografia produzida para as redes também
pode se articular a oferta de outros serviços sexuais, como a realização de programas, conforme
observado entre minhas interlocutoras e também notado por Parreiras (p. 213).

3.3. Sobre a pandemia

Dado o momento e as condições nas quais a pesquisa foi realizada, não poderia deixar
de falar sobre a pandemia da Covid-19, uma vez que ela impactou não apenas a condução da
pesquisa e o funcionamento do CRT-DST/Aids-SP, como visto, mas também incidiu sobre a
vida e o trabalho de minhas interlocutoras. A minha intenção ao falar da pandemia não é a de
torná-la uma questão de pesquisa em si, mas apenas trazer brevemente algumas reflexões sobre
como as mulheres com quem conversei sentiram seus impactos, a partir de seus relatos.
Convém lembrar que as observações no CTA e as entrevistas ocorreram durante o
segundo semestre de 2020, quando a cidade de São Paulo havia começado a flexibilizar as
restrições e a quarentena imposta, mas não havia ainda muitas perspectivas quanto à chegada
das vacinas, e o conhecimento sobre o vírus e suas formas de infecção era menor do que o que
se tem atualmente. Isso significa que as falas e muito das percepções que trago aqui, incluindo
o que eu já mencionara anteriormente sobre a experiência da pesquisa de campo, diz respeito
ao período em que ela foi realizada e ao estágio que a pandemia se encontrava naquele
momento.
Tendo dito isso, no momento das entrevistas, a maioria das minhas interlocutoras já
havia voltado ao trabalho. Pelos seus relatos, pude perceber que aderir ao isolamento social e
deixar de trabalhar presencialmente por muitos meses não era algo tangível à sua realidade. A
maioria delas me informou ter parado de trabalhar nos meses iniciais da pandemia, que se
iniciou em março, mas teve a necessidade de retornar ao trabalho ainda durante o início do
segundo semestre:

No começo, eu fiquei uns dois meses em casa, sem trabalhar, porque


realmente eu estava com medo. Só que aí... quando junta o medo, mas as
necessidades vão apertando mais, aí é o instinto de sobrevivência que conta, né?
Então, aí você com medo, mesmo o medo todo, você volta a trabalhar. E vou te
falar uma coisa, ...no pico, muitos clientes sumiram. Porque muito cliente é de
idade. Mas parar nunca parou, porque parece que é um vício. O homem fica...duas
70

coisas que eu acho que o homem não fica sem é comida e sexo. Eles nunca
abandonam a prostituição. (Alice)

Eu parei dois meses. Eu estava muito assustada, assim como todo mundo.
Então [parei] no final de março, e voltei no final de maio. Eu pensei que esse ramo
ia acabar. Eu falei: "não, quem vai querer encontrar uma garota de programa?".
Tem todo um contato, sabe? Ela tem contato com várias outras pessoas, então eu
achei que esse ramo ia falir. Mas que nada! Continuou. E eu fiquei com muito
medo, já que eu moro com meus pais e com a minha avó... Mas aí passaram-se dois
meses, eu pensei: "não, eu tô sem dinheiro, eu preciso voltar a trabalhar... eu
preciso arriscar e continuar minha vida"... Eu tirei o medo da minha cabeça e
pensei: "não, vai dar tudo certo!" (Carolina)

A gente tava no apartamento na Brigadeiro, antes da pandemia. Foi em


dezembro ou janeiro. Aí tava muito bom, muito bom. Aí veio o carnaval, aí teve
essa pandemia, e a gente teve que entregar o apartamento. Eu voltei para BH, para
Minas, ela [amiga] voltou pro Rio. Aí depois a gente viu que tava apertando muito
essa pandemia, aí a gente teve que voltar. (Catarina)

Laís foi uma das mulheres que conseguiu se manter em casa sem trabalhar por mais
tempo, mas teve de voltar depois do primeiro semestre:

Lá fechou em março... eu não me lembro quando abriu, eu sei que eu voltei


depois de um tempo que lá já tinha reaberto. Eu voltei, ...eu fiquei cinco meses em
casa. Porque mesmo depois que lá voltou a abrir, eu preferi ficar em casa. Eu tinha
um dinheiro guardado. Eu não atendi nenhum cliente fora, eu fui me virando com
o que eu tinha. Só que eu não pude esperar mais tempo. Aí eu tive que voltar a
trabalhar. Eu voltei eu acho que no finalzinho de julho para agosto. (Laís)

Assim como Alice, outras mulheres também afirmaram que, após a volta ao trabalho,
houve uma queda na procura dos clientes, e explicam como isso impactou seu trabalho:

Olha, eu não tô atendendo tanto porque eu tô mais focando no canal. Porque,


por causa da pandemia, não tá tendo, porque as pessoas são casadas, isso e aquilo.
71

E, assim, [os clientes falam] "oh, eu não tô te vendo porque minha mulher tá em
casa", "eu não tô te vendo porque eu não tô trabalhando, eu tô em casa"... De
[cliente] ter vontade e de não poder, porque ele está em casa. Bastante mesmo. Tipo
assim, eu acho que não foi só pra mim, foi pras outras pessoas. Porque as mulheres
ficaram em casa, e a maioria [dos clientes] são casados, a maioria tem namorada,
a maioria ficou trabalhando em casa, então... Teve até um que falou assim: "oh, tô
te desbloqueando [da rede social] para informar que minha mulher entrou de férias,
não sei quando que a gente vai se ver". E bloqueia de novo. Então impactou. Mas
antes da pandemia, eu atendia todos os dias. Todos os dias! (Natália)

Eu noto a diferença [em relação à antes da pandemia] em alguns clientes que


iam frequentemente e que eu não vi mais. Então a gente não sabe se aconteceu
alguma coisa, ou se... ou se eles estão com medo de que aconteça e preferem não
ir. Mas, acho que só isso. (Laís)

No início tava muito, muito ruim mesmo... Número de clientes? Muito baixo,
muito baixo... agora não, agora já aumentou. Mas em maio o nível foi muito baixo.
Posso te dar um exemplo? Se a gente atendeu em maio 20 clientes no mês foi muito.
Antes da pandemia era uns 45, por aí. (Catarina)

No caso de Morgana, que morava na Itália, a pandemia foi um fator decisivo que a
motivou retornar para o país:

Acabei ficando lá [na Itália] por alguns anos, e voltei a semana passada,
proveniente do coronavírus, que tava difícil de trabalhar, tanto na questão
econômica quanto questão de saúde mesmo, que eu preferi não arriscar.
(Morgana)

Ela já havia vindo ao Brasil no início da pandemia, mas voltou e trabalhou na Itália por
mais alguns meses. Desta vez, havia decidido voltar ao país para escapar do segundo lockdown
na Itália. Ela ainda cogitava trabalhar com sexo, mas ponderou: não adianta eu não trabalhar
na Itália e trabalhar aqui. O coronavírus tá no mundo inteiro, né?
O retorno após a quarentena e a queda no número de clientes implicou em mudanças na
rotina e na forma de trabalhar destas mulheres. Além de Natália, que mencionou estar se
72

dedicando mais ao seu canal no Xvideos, Laís disse que a clínica de massagens onde trabalhava
estava funcionando com horários mais restritos, e Raíssa afirmou que estava atendendo apenas
uma clientela fixa:

Então, antes da pandemia, se eu não me engano, abria mais tarde e fechava


mais cedo... não, abria mais cedo e fechava mais tarde, e agora mudou. Tá
fechando mais cedo, e abrindo, acho que tem um horário só. Um horário só,
durante o dia, até a noite. Até 20h, 20h30. (Laís)

É muito difícil eu atender um cliente novo, é muito difícil. É mais pela


pandemia, embora eu também não saiba por onde eles [clientes fixos] tenham
passado. Mas por conta da confiança que nós criamos, digamos que eu coloque
uma venda. Eu sei que eles não viajaram, porque eu atendo médico, atendo
advogado, né? Pessoas que talvez estejam só no home office. Tenho muito medo!
Bicha, morro de medo, você tá doida? Eu não posso nem ficar doente, quem vai
cuidar de mim? Não posso. E também não posso ir embora. Agora esse mês é o
aniversário de 70 anos da minha mãe, vou ir pra lá? Não vou. Mesmo com exame.
Sou eu por eu mesma, então é isso. (Raíssa)

As falas das mulheres trazidas acima nos dão indícios de como a pandemia afetou os
mercados do sexo, não apenas restringindo a oferta e a procura por serviços sexuais, mas
também impondo para os sujeitos que neles trabalham a necessidade de se reorganizarem.
Como esses mercados seguiram operando nos meses seguintes e durante toda a pandemia, e
como as pessoas no trabalho sexual se ajustaram à realidade pandêmica, permanece uma
questão relevante, que pode ter uma diversidade de respostas. Mais do que isso, o período atual
nos permite questionar de modo geral quais os impactos que a pandemia causou e ainda causará
sobre a indústria do sexo, questões essas que esta dissertação não pode responder pelo momento
em que foi feita a pesquisa de campo.
73

4. Garota de programa, acompanhante e profissional do sexo: A pluralidade de


nomenclaturas observada desde o campo

Uma questão que me chamou a atenção desde o início das observações foi o modo de
me referir às mulheres que encontrei no Ambulatório, e a pluralidade de nomenclaturas que
podiam ser mobilizadas (por elas, pelos profissionais de saúde e por mim) para se referir à
prostituição e ao trabalho sexual. Ainda nos meus primeiros dias no CTA, comecei a perceber
que as palavras “prostituição” e “prostituta” pareciam fortes demais para serem usadas com as
mulheres, o que pode ser explicado pelo sentido negativo e estigma que carregam (Pheterson,
2019; Moraes E. R., 2013). Durante este período, notei que Cezar e Renata também
compartilhavam deste receio, e se preocupavam com a possibilidade de que as mulheres não
quisessem ser identificadas como prostitutas e que, consequentemente, não aceitassem
participar de uma pesquisa com este foco.
O nome que parecia ser usado de maneira padrão no ambulatório era profissional do
sexo, que também constava em documentos oficiais do Ministério da Saúde (BRASIL, 2018).
Os profissionais de saúde utilizavam este nome, mas pareciam desenvolver uma compreensão
própria sobre como as mulheres se identificavam e como falavam de seu trabalho com sexo, a
partir de suas experiências e do que presenciavam no CTA. Por exemplo, Cezar certa vez me
disse que, de acordo com a sua experiência com este público, as mulheres mais velhas tenderiam
a se denominar mais facilmente como prostitutas ou putas, ao passo que as mais novas se
esquivariam desses nomes e se identificariam de outras maneiras, como: acompanhante, garota
de programa ou autônoma.
Assim como ele, através das observações e entrevistas, eu pude notar que as mulheres,
de fato, se identificavam de diferentes formas. Nas conversas comigo, os nomes mais
comumente usados eram acompanhante e garota de programa. Além disso, elas também
usavam diferentes nomes para se referir aos atos que acompanhavam sua atividade, que podiam
ser programas, encontros ou reuniões. É válido mencionar, porém, que nenhuma delas se
identificou para mim logo de início como prostituta.
Em minha trajetória de pesquisa, seja através da leitura da bibliografia sobre
prostituição, seja através do contato com outras pesquisadoras e com os movimentos de
prostitutas, em eventos digitais e remotos e nas redes sociais, tive a percepção de que o termo
prostituta é mais frequentemente usado em outras regiões do país, e às vezes até preferido por
algumas mulheres, ainda que não deixe de haver certa resistência em relação a ele. Contudo,
em minha experiência na cidade de São Paulo o mesmo raramente é usado, e, mesmo antes do
74

início da pesquisa de campo, era muito mais comum que eu ouvisse falar em garotas de
programa, ou simplesmente garotas, do que prostitutas. Ao comentar essa questão com Cezar,
certa vez ele pareceu concordar comigo e disse: Acho que São Paulo tem essa coisa careta,
politicamente correta, em não querer falar em prostituta, em prostituição. Talvez é por isso
que Gabriela Leite37 se empenhou tanto para sair daqui.
De todo modo, uma vez que a forma de se identificar e de se referir ao trabalho sexual
se mostrou uma questão importante, tive que levá-la em consideração em minhas
movimentações no campo. Foi importante encontrar maneiras sutis de me aproximar das
mulheres no CTA, tomando o cuidado de não ser invasiva e de não as identificar de alguma
forma que as deixasse desconfortáveis. Por conta disso, ao abordá-las, evitava mencionar logo
de início o foco da pesquisa e, ao perguntar-lhes sobre sua ocupação, deixava que elas mesmas
se identificassem, para só então entrar na questão do trabalho com sexo. Acabei privilegiando
o termo profissional do sexo nas interações com estas mulheres, uma vez que este era o nome
mais usado pelos profissionais de saúde, além de soar mais polido (ou politicamente correto).
No sentido eufêmico que traz, o termo profissional do sexo contribuía para suavizar as tensões
que envolvem tratar de uma temática socialmente revestida de conotações morais negativas.
A pluralidade de nomenclaturas usadas para designar o trabalho sexual foi, portanto,
algo que suscitou o meu interesse e me trouxe alguns questionamentos, em torno do que estaria
expresso nesta pluralidade de nomes. Diferentes nomes indicariam diferentes trabalhos ou
posições nos mercados do sexo? O uso de diferentes nomes corresponderia, portanto, à
diversidade de dinâmicas de trabalho sexual observada na pesquisa? Ou, ao contrário, os
diferentes nomes seriam usados por minhas interlocutoras visando obter uma determinada
reação ou atribuir um sentido específico ao seu trabalho? Em suma, me interessava
compreender o que estava em jogo no uso de diferentes nomenclaturas para se referir o trabalho
sexual, visando entender especialmente se a diferença que elas expressavam era de ordem
prática e/ou simbólica.
Os dados que disponho talvez não sejam suficientes para dar uma resposta definitiva a
estas questões, visto que não pude voltar ao campo para me aprofundar nelas, devido à piora da
pandemia no primeiro semestre de 2021. Nas entrevistas, a questão das nomenclaturas aparecia
no roteiro apenas na primeira pergunta, “Como você se identifica quanto ao seu trabalho?”, que
às vezes precisava ser direcionada com alguns possíveis exemplos. Além disso, uma vez que a

37
Gabriela Leite foi uma mulher prostituta e ativista, sendo umas das figuras mais reconhecidas dos movimentos
brasileiros de prostitutas. Foi uma das responsáveis por organizar o I Encontro Nacional de Prostitutas, em 1987,
e por fundar a Rede Brasileira de Prostitutas (RBP), no mesmo ano. (Moraes, A. F., 2020).
75

maioria das mulheres chegava até mim por intermédio de Maísa, ou após minha abordagem (na
qual elas muitas vezes apenas confirmavam ser profissionais do sexo), não tive muitas
oportunidades de presenciar como essas mulheres se identificavam espontaneamente. Ainda
assim, pelas falas de algumas delas, especialmente de Raíssa e Natália, podemos traçar algumas
reflexões sobre o uso de diferentes nomes para se referir ao trabalho sexual.

4.1 Os sentidos de ser acompanhante

Quando perguntei à Natália como ela se identificava em relação ao seu trabalho, ela de
imediato me afirmou que não se via como uma garota de programa, mas sim como uma
acompanhante. Ao lhe perguntar qual seria a diferença entre as duas, ela me disse:

Só pensa no dinheiro ...a garota de programa... A acompanhante não, você


tá ali, você ouve, às vezes a pessoa chora, às vezes a pessoa quer um abraço, às
vezes a pessoa só quer sentar e conversar, ou às vezes a pessoa quer desabafar via
WhatsApp, muitas vezes... Então eu não me vejo... [como garota de programa], eu
não coloco hora, porque assim, o que eu ouço as pessoas [falar], ...”ah, aquela
menina tá fingindo, a menina tá fingindo que tá gozando, porque ela tem outros
clientes e aquilo” e, tipo, eu não gosto disso, sabe? É melhor você ter qualidade do
que quantidade. (Natália)

De maneira similar, Raíssa também afirmou que o ofício da acompanhante presume o


compartilhamento de certa intimidade e a criação de um vínculo com o cliente, para além dos
serviços sexuais prestados:

Porque ser acompanhante você é meio que psicóloga, você trabalha muito a
sua energia... não é só o físico, não é só os órgãos sexuais, não é! No meu caso,
demanda... é muita intimidade! Eu atendo homens, assim, de alto padrão. Eles se
sentem tranquilos em se deitar do meu lado, até adormecer comigo, porque eles
sentem confiança, segurança... (Raíssa)

Ainda assim, a intimidade que a acompanhante estabelece com os clientes durante os


programas se desenvolve de maneira limitada, sendo uma intimidade gerenciada por essa
76

mulher. Como diz Raíssa, a relação de confiança com o cliente fica circunscrita ao quarto onde
o programa é realizado:

Alguns já sabem o meu nome verdadeiro. Mas eu evito o que? Onde eu moro,
com quem eu moro. Mas tá... uma confiança é beleza, no quarto! Fora dali já não
posso... (Raíssa)

Da mesma forma, Natália menciona que a troca afetiva com os clientes acontece dentro
de um contexto profissional, de modo que não são relações que atravessam sua vida pessoal.
Esta delimitação entre a vida pessoal e a profissional, por sua vez, é também uma questão
importante, que apareceu no relato de outras mulheres, e sobre a qual discorrei mais adiante.

Eu tenho histórias de gente que depois do ato sexual fiquei muito amiga... e
até hoje a gente conversa, até hoje a gente fala, até hoje a gente... sabe? “oh, não
tô bem, quero conversar” Ele chama quando ele pode, e quando não pode, é isso.
É profissional, não é tipo: “vou ficar com você direto, vou chamar a atenção...”
(Natália)

Nas falas de Raíssa e Natália, podemos ver que o termo acompanhante é utilizado por
elas para afirmar uma relação distinta com o trabalho sexual. Ser acompanhante significa aqui
estabelecer com os clientes uma relação que não é apenas comercial, mas que também envolve
confiança, afetividade e intimidade, ainda que seja esta uma intimidade regulada por essa
mulher e restrita ao momento do programa. Nesse sentido, a opção pelo uso deste nome não
indica necessariamente um modelo de trabalho diferente do de uma garota de programa, visto
que ainda se trata da prestação de um serviço sexual mediante a pagamento. O uso do nome
parece expressar, na verdade, o sentido que esta mulher atribui ao seu trabalho, e como ela o
significa. Não por coincidência, como observado antes, Natália e Raíssa são duas mulheres que
afirmaram se sentir satisfeitas com o trabalho sexual, pelo o que este lhes proporciona além da
recompensa financeira. Assim, se identificar como acompanhante pode também ser uma
maneira de expressar essa relação de realização pessoal com o trabalho.
Deste modo, o uso de diferentes nomenclaturas para denominar o trabalho sexual parece
estar aqui mais associado ao modo como a mulher espera ser identificada e como ela apreende
77

seu trabalho, que a uma diferença prática nas funções e atividades que ela desempenha 38. Uma
evidência disso é que minhas interlocutoras, por vezes, alternavam os nomes com os quais se
referiam ao seu trabalho. É o caso de Alice, por exemplo, que num primeiro momento se
identificou como profissional do sexo, mas que depois, na entrevista, se colocou como garota
de programa. Da mesma forma, Morgana inicialmente se colocou como acompanhante, porque
é o termo que eu uso na Itália né? Chama 'accompagnatrice', então é acompanhante aqui no
Brasil, mas depois se referiu ao seu trabalho como prostituição: No total de prostituição eu
tenho meus 20 anos, com certeza já. Elas pareciam lançar diferentes nomes em diferentes
momentos, ainda que se referissem ao mesmo trabalho, indicando sentidos diversos.
Se, de acordo com Geertz (1989), podemos compreender as práticas culturais como
textos a serem lidos e interpretados, nos quais se articulam teias de significados, atribuir um
nome específico ao trabalho sexual é buscar dar um sentido a esse trabalho, ou seja, um
significado. Ao nomearem seu trabalho de diferentes formas, as mulheres buscam mediar a
maneira como vão ser reconhecidas e identificadas quanto à sua profissão, e a reação que esta
irá suscitar. Dessa forma, garota de programa, acompanhante ou profissional do sexo não são
categorias estanques, mas categorias relacionais, que articulam diferentes significados dentro
de contextos específicos. O que não exclui, porém, a possibilidade de que diferentes nomes
também sejam usados para denotar diferentes funções nos mercados do sexo.
Neste sentido, as mulheres também podem fazer uso de um determinado nome visando
suavizar a reação de outrem diante de seu trabalho, na tentativa de afastar a conotação moral
negativa que recai sobre a prostituição e o trabalho sexual. Isso fica evidente na fala de Raíssa,
quando ela explica sobre como fala de seu trabalho para sua mãe, privilegiando o uso do termo
acompanhante em relação ao termo garota de programa:

E aí a questão da minha mãe também. Ela sabe o que eu faço, então eu falo:
"oh mãe, tenho reunião hoje". Falei para ela de uma forma suave, como é o meu
trabalho de acompanhante. Não deixei assim... escancarado também né? Para ela
eu falei que... como eu sou muito namoradeira, desde pequena... eu falei pra ela
"surgiu algumas propostas, de homens que me acham interessante, pelo conteúdo
intelectual, e eles querem ter um momento comigo, e me dão mimos, que podem ser

38
Considerando as condições nas quais a pesquisa foi realizada, não foi possível apreender as perspectivas dos
clientes das minhas interlocutoras, ou me aprofundar nas relações que são estabelecidas com eles. Contudo,
podemos levantar a hipótese de haver uma dimensão relacional no modo como as mulheres se identificam quanto
à sua atividade, seja para obter uma determinada reação por parte dos clientes ou para elaborar a forma como elas
escolhem se apresentar para eles.
78

em dinheiro ou em presente". E eu recebo muito presente também (risos). E ela


perguntou: "mas você é garota de programa?". "Não! Eu sou acompanhante".
Para amenizar... [mas] eu sou uma garota de programa! Porém, de uma forma
mais suave, para que ela não sofresse tanto. (Raíssa)

Quando Raíssa privilegia o nome acompanhante, em detrimento de garota de


programa, ela parece ter a intenção de se afastar da figura de uma prostituta. Logo, o que Raíssa
faz é adotar uma estratégia para lidar com o estigma relacionado à prostituição. Segundo
Goffman (1988), o estigma representa atributos negativos que compõem as identidades sociais
dos sujeitos. Um indivíduo que carrega um atributo socialmente negativo tem a sua identidade
social deteriorada, de modo a se tornar uma pessoa socialmente desacreditada (Idem, p.51).
Uma possível estratégia para lidar com o estigma, de acordo com o autor, é através da
manipulação desta identidade social deteriorada, seja pela sua omissão, quando possível, ou
pela maneira como ela é apresentada. Raíssa, portanto, ao se identificar como acompanhante à
sua mãe, busca uma forma de atenuar a sua identidade social de mulher que trabalha com o
sexo. Assim, um dos sentidos possíveis na articulação de diferentes nomes para identificar o
trabalho sexual é a intenção de se afastar do estigma associado à prostituição, o que
possivelmente explica o evitamento deste próprio nome entre minhas interlocutoras, bem como
do nome prostituta.
Em suma, os dados apresentados nos permitem refletir aqui como diferentes
nomenclaturas são mobilizadas pelas mulheres com o objetivo de atribuir diferentes sentidos
ao trabalho com sexo, além de poderem ser usadas para mediar as reações diante dele, buscando
afastar o estigma que lhe acompanha. Isso não exclui, porém, a possibilidade de que nomes
como acompanhante, garota de programa, prostituta e profissional do sexo também denotem
atividades e locais de atuação específicos de trabalho sexual. O que é especialmente importante
de se atentar nesta discussão é o fato de que os sentidos atribuídos a determinados nomes partem
diretamente das experiências das mulheres nos mercados do sexo, de modo que nomear seu
trabalho e se identificar é uma maneira de delimitar, reconhecer e valorar suas vivências nestes
mercados.
79

4.2. Sobre o termo Trabalho Sexual

É notório que eu tenho feito ao longo do texto o uso dos termos “trabalho” e,
especificamente, “trabalho sexual” e “trabalhos com sexo” para me referir às atividades
descritas por minhas interlocutoras. Falo em trabalho, pois essa foi a forma na qual todas as
minhas interlocutoras classificaram suas atividades nos mercados do sexo. Todas elas me
relataram que entendiam as formas de sexo comercial como constituintes de sua vida
profissional. Essa informação é importante pois uma das questões centrais que atravessa o
debate sobre prostituição é justamente se ela pode ou não ser considerada um trabalho. Essa
discussão divide os movimentos feministas e mesmo parte dos movimentos de prostitutas, e
está diretamente ligada à percepção que se tem da prostituição.
As posições abolicionistas, que advogam pela defesa do fim da prostituição, entendem
que a mesma não pode ser considerada um trabalho, mas sim uma forma de exploração contra
as mulheres. Elas são contestadas pelas posições regulamentaristas, que entendem a prostituição
como trabalho e defendem a sua regulamentação laboral e a reivindicação de direitos como
forma de garantir segurança e cidadania às mulheres que o exercem (Piscitelli, 2005; Corrêa &
Olivar, 2014; Moraes A. F., 2020). O uso do termo “trabalho sexual”, por sua vez, está
diretamente ligado a esta discussão, sendo usado especialmente pelos movimentos de
prostitutas, que também se denominam “movimentos de trabalhadoras sexuais” (Bonomi,
2019). Mais recentemente, documentos do Ministério da Saúde (Brasil, 2017, 2021) também
passaram a utilizar o termo “trabalhadoras/es sexuais”.
No início do meu percurso de pesquisa, eu tinha algumas ressalvas quanto ao uso do
termo “trabalho sexual”, expressas principalmente pela possibilidade de que ele fosse usado
com um sentido higienizante, visando atenuar o que significa a prostituição e retirando o
enfoque de seu caráter propriamente sexual. Em outras palavras, eu receava que o termo fosse
usado para dessexualizar a noção de prostituição, colocando mais ênfase sobre o nome
“trabalho” em detrimento de seu aspecto “sexual”. Essa não deixa de ser uma discussão
relevante, visto que lidar com as questões propriamente sexuais e eróticas envolvidas na
prostituição ainda representa uma dificuldade para parte dos movimentos de trabalhadoras
sexuais (Bonomi, 2019) e para a própria discussão dos direitos sexuais para prostitutas (Vianna,
2012; Olivar, 2012).
Contudo, ao longo da pesquisa, me deparei com outras questões que me fizeram optar
pelo uso deste termo, sem perder de vista a ressalva mencionada. A primeira razão para falar
em “trabalho sexual” é o fato de que, como visto, todas as minhas interlocutoras identificaram
80

a realização de programas, filmes pornô e demais atividades como sendo seu trabalho. Em
segundo lugar, está o fato de, como mostrado até aqui, eu ter me deparado em campo com uma
diversidade de trabalhos que envolvem o sexo. Trabalhos esses que nem sempre podem ser
caracterizados ou enquadrados como prostituição, como é o caso da produção de filmes
pornográficos e de conteúdo erótico para as redes sociais. Mais importante que isso, porém, é
o fato de que minhas interlocutoras podem simplesmente não identificar suas atividades
enquanto prostituição, fazendo uso de outros nomes para designá-las e lhes atribuindo outros
sentidos, algo também visto até aqui.
Assim, levando todos estes fatores em conta, falar em trabalho sexual é uma maneira de
respeitar e reconhecer a legitimidade no modo como as mulheres compreendem as funções que
desempenham, como trabalho. Além disso, o termo cumpre uma função “guarda-chuva”, ou
seja, ele consegue abranger a pluralidade de trabalhos com sexo relatados em campo, bem como
as nomenclaturas que são usadas para se referir a eles. Dessa forma, quando falo de “trabalho
sexual” neste texto, me refiro à experiência diversa de nomes, práticas e sentidos relatados por
minhas interlocutoras, em consonância com tudo o que foi discutido até aqui.

5. Os afetos e o exercício da sexualidade no âmbito do trabalho sexual

5.1. A separação entre a vida profissional e a vida pessoal

Considerando que todas as mulheres com quem conversei compreendem suas atividades
nos mercados do sexo como seu trabalho, e, portanto, constituintes de suas vidas profissionais,
é interessante refletir sobre como elas mediam as relações laborais e as suas relações pessoais.
A despeito dos diferentes envolvimentos que cada mulher pode estabelecer com o trabalho
sexual, tive a impressão de que todas elas pareciam separar em algum nível sua vida profissional
da vida pessoal. Isso fica evidente em falas como as de Alice e Natália:

Eu, por exemplo, eu sou muito profissional. Na vida pessoal eu sou bem
diferente da profissional. Então pra mim eu levo dessa forma... (Alice)

Porque eu não exponho meu...pessoal com meu profissional. Meu pessoal é


meu pessoal, e meu profissional é meu profissional. Se eu tô mal no pessoal, eu
tipo, eu não fico falando pra todo mundo. Eu não exponho. Eu tenho pessoas que
eu confio e converso, fora isso não. (Natália)
81

Esta separação entre vida pessoal e vida profissional, por sua vez, podia ser manifestada
de diferentes formas. Mulheres que demonstravam ter uma relação de maior abertura com o
trabalho sexual, como Raíssa e Natália, delimitavam sua vida profissional afirmando que a
intimidade compartilhada com os clientes era restrita ao momento dos programas, conforme
visto antes em falas como: Uma confiança é beleza, no quarto! Ou, ele chama quando ele pode,
e quando não pode é isso. É profissional.
Elas, porém, pareciam ter menos problemas em serem identificadas como
acompanhantes, o que poderia estar relacionado ao fato de trabalharem com a exposição de sua
imagem, através dos filmes pornôs e da presença nas redes sociais. Nesse sentido, o fato de sua
família e demais pessoas de seu convívio saberem de seu trabalho não lhes parecia ser um
grande problema:

Se alguém da minha família tem preconceito, eles não falam. Porque, se eles
falarem eu tô oh...foi o que eu escolhi. Já falaram: "oh, você não tem medo de
morrer?". Aí eu falei, "sabe, a gente pode morrer dentro de hospital, tendo um
infarto. A gente pode morrer na rua, pode morrer dormindo. Isso pode acontecer
em qualquer momento” ... [mas] ninguém fica perguntando da vida de ninguém.
Porque assim, cada um tomou um rumo. Cada um tomou um rumo e a gente se
respeita, é isso que prevalece, sem julgamentos. Igual eu falei, se tem julgamento,
alguém fala ou não, eu não ouço. Então não posso afirmar uma coisa que eu não
ouço. (Natália)

A cada final de atendimento eu ligo para ela: "Olha mãe, tá tudo bem"... Eu
não fico falando também toda hora que eu tô trocando de parceiro. Mas ela sabe,
no fundo, no fundo, ela sabe o que que é. Mas na minha cabeça tá bom assim, na
cabeça dela tá bom assim. A gente se respeita nesse sentido.
A minha cidade toda sabe, porque eu deixei bem claro nas minhas redes
pessoais... As minhas mensagens no privado, tava me pesando muito. Então falei,
"quer saber? Sou puta mesmo. Tenho orgulho do que eu faço!". As pessoas falam
assim: "Mas você ganha dinheiro com o seu corpo?". Eu falo, "não! Eu trabalho
com meu corpo!" É totalmente diferente! Eu não ganho dinheiro dormindo. Eu
tenho que levantar cedo, me montar, ficar no telefone o dia inteiro aguentando
gente que eu nem conheço, para talvez fechar algo legal”. (Raíssa)
82

Ainda que não demonstrassem tanta preocupação quanto aos outros saberem de seu
trabalho, Raíssa e Natália se preocupavam com a forma como seriam identificadas 39, e em que
momentos seriam reconhecidas. Raíssa, por exemplo, afirma que, eu fico preocupada não por
ser garota de programa, mas por ser atriz pornô. Porque você chega em algum lugar e alguém
te reconhece. Não deixava de haver, portanto, um cuidado quanto à forma de se apresentar e de
ser percebida pelos outros.
Havia outras mulheres, contudo, que buscavam delimitar sua vida profissional de tal
forma que afirmavam assumir uma outra personalidade no contexto dos programas, diferente
de como agiam em duas vidas pessoais. Isso pode ser percebido na conversa com Irina, quando
ela diz que nos programas eu não sou a Irina, eu sou a Juju, me transformo no que o cliente
deseja, ou na fala de Catarina, que mostro a seguir:

Eu coloco assim: Quando eu vou pra Minas, eu não sou garota. Eu não
trabalho disso. Lá eu sou Catarina. Catarina é totalmente diferente da Elisa, aqui
eu sou Elisa. Então eu sou totalmente diferente. A Elisa faz de um jeito, eu já faço
de outro. A Elisa já é mais na dela... se o cliente fala que ama, ela também fala que
ama. Já mente muito, engana. A Catarina já não faz isso, entendeu? É totalmente
diferente. (Catarina)

A separação entre a vida pessoal e profissional tem impacto não apenas sobre a forma
como as mulheres lidam com o trabalho e se comportam no contexto dele, mas também influi
diretamente sobre os seus relacionamentos familiares e afetivos. Enquanto algumas delas me
relataram esconder sua ocupação de familiares e amigos, e até mesmo se afastar de seus círculos
sociais por conta sua profissão, outras me contaram histórias de como seu trabalho influi sobre
seus relacionamentos pessoais.
Ao serem perguntadas se contavam sobre ele para outras pessoas, houve mulheres que
afirmaram contar apenas para aquelas mais próximas, mas também houve mulheres que
disseram não contar a ninguém. Laís, por exemplo, afirma que seus amigos mais próximos
sabem de seu trabalho, mas ela evita que a informação chegue a muitas pessoas. Sua principal
preocupação é a de que seu filho saiba com o que ela trabalha e como isso poderia influir na
sua relação com ele:

39
O que nos remete à questão das nomenclaturas, já discutida anteriormente.
83

Com algumas pessoas eu me sinto, com outras não. Quando eu estou no meu
grupo de amigos, eu me sinto à vontade, e de algumas pessoas da minha família
também. De outras pessoas não me sinto. Na vizinha eu não gosto, sabe. Eu sei que
algumas pessoas desconfiam, mas eu não me sinto à vontade. Meu filho não sabe.
Não, não contaria. A não ser que ele soubesse, tivesse certeza e viesse me
perguntar. Eu confessaria, mas eu ter a iniciativa de contar não. Porque eu acho
que na cabeça dele já passa muita coisa, já não é muito fácil a minha relação com
ele. Ele perdeu o pai ele era novinho, ele tinha quatro anos, sabe? Pra contar não.
Sabe, eu fico com medo também de algum conhecido, mas não por mim, pelo
meu filho. Medo do meu filho ficar sabendo. Eu não deixo foto minha no site, de
jeito nenhum. Eu não gosto, eu não deixo. No site da clínica. (Laís)

Assim como Laís, Alice e Morgana também me disseram que contam sobre sua
atividade para familiares e amigos mais próximos, mas evitam falar sobre para pessoas
desconhecidas. Elas mostram se sentirem mais confortáveis para falar sobre seu trabalho após
conhecer e criar uma relação de confiança com a pessoa:

Olha, eu não tenho problema com os meus amigos, meio familiar, mas com
pessoas diferentes, eu acho que... eu acho que de cara quando você conhece uma
pessoa, seja ela homem, seja mulher, você não precisa passar tua ficha, você não
precisa falar pra ela... Igual eu te falei, "prazer Alice, sou garota de programa".
Você não precisa passar sua ficha toda. Então assim, tem coisas que eu acho que
não são necessárias. Agora se chegar o momento, eu acho que não teria
problemas... vamos dizer que eu te conheci hoje, você não tá fazendo essa pesquisa,
e eu não vou te falar que eu sou garota de programa. Mas se a gente criar uma
amizade, eu vou te falar futuramente que eu sou garota de programa. Aí eu não vou
ter problema em falar isso. Entendeu? (Alice)

Os meus amigos, poucos, que eu construí desde anos, que são ainda meus
amigos. Inclusive um rapaz, que me trouxe aqui, é meu melhor amigo há anos. É
ele quem resolve minhas coisas aqui, ele faz parte da minha família, praticamente.
São pessoas que eu falo a verdade. Tem bastante gente que sabe, me respeita, me
adora, e foda-se, do jeito que... aí tem as histórias bizarras, engraçadas, né? Então
84

eu tento o tempo todo tirar de letra fazendo piada em cima das coisas, mas assim,
dez por cento piada, noventa tristeza, sabe? Mas assim, são pessoas que conseguem
me deixar tranquila, mesmo, não me julgam, nada.
C40: A sua família sabe?
M: Sabe. Sabe, mas eu tenho poucas pessoas da família que eu falo hoje, né?
Então assim, eu também não tenho contato mais, então pra mim... pra mim a família
eu acho que eu posso dizer que é o menor dos meus problemas hoje em dia, sabe?
Eu tenho medo de repente, sei lá, agora que eu tô sem ninguém, vou arranjar um
cara, né? [ele perguntar] "Qual tua profissão?", eu não tenho profissão. (Morgana)

Alice e Morgana me explicaram que o motivo para contarem sobre seu trabalho apenas
às pessoas mais próximas é evitar as reações negativas que costumam acompanhar esta
revelação. Elas afirmam que essa não deixa de ser uma questão importante para elas, que tem
implicações diretas na forma como elas escolhem se relacionar com outras pessoas. Morgana,
por exemplo, vê como um impasse a questão de contar ou não sobre seu trabalho, visto que a
decisão de contar envolve aceitar um possível julgamento negativo da parte do outro, e não
contar implica em esconder uma parte relevante de sua vida:

Aí eu penso muito nisso, em falar, não falar. Eu não sei cara, eu tô numa... é
uma sinuca de bico, igual quando você tem HIV. Você fala, "e aí?", né? Eu imagino
que quando... meus amigos que são soropositivos, eu falo "e aí, você conta ou não
conta?". [Eles dizem] "é, então...", ninguém é resolvido com relação a isso.
Ninguém é resolvido, sabe? Se você não conta você é um filho da puta, se você
conta a pessoa some, e aí? A mesma coisa sou eu, com o meu passado. Ou o meu
presente, não sei, porque eu pretendo ainda fazer, né? Porque eu aqui no Brasil,
se eu conhecer alguém, [a pessoa vai perguntar] "ah fazia o que lá?". Porra, eu vou
ter que mentir de novo, caralho, sabe? É um fardo que você carrega o resto da sua
vida, sabe? (Morgana)

Igualmente, Alice afirma que contar sobre seu trabalho na prostituição traz como
provável consequência o julgamento sobre seu caráter, de forma que esta é uma identidade que
a priva de ter uma vida normal. Seu relato aqui é interessante porque, ainda que ela afirme não

40
Aqui uso as iniciais de meu nome e de Morgana para sinalizar a forma como a conversa ocorreu durante a
realização da entrevista. Volto a utilizar esse recurso em outros trechos retirados de entrevistas.
85

ter grandes problemas em exercer a prostituição, isso não exclui o fato de que o estigma que
advém dela repercute em suas relações:

Me priva de ter uma vida... ah você vai falar assim... eu ia falar que me priva
de ter uma vida normal, "mas você acabou de falar que você leva na boa a
prostituição"... sim! Mas assim, ao mesmo tempo eu não posso chegar assim... tô
conhecendo uma pessoa... as pessoas têm mania de conversar..."ah o que você
faz?", "prazer, sou prostituta". Você não pode fazer isso. As pessoas te veem com
outros olhos, infelizmente. Eu sei que eu sou... eu sei o meu caráter, eu sei quem eu
sou, mas a pessoa não. Isso eu não falo nem questão de relacionamento, eu falo
questão de... social em geral... (Alice)

No caso dela, porém, além de exercer um trabalho estigmatizado socialmente, ela ainda
precisa lidar com a discriminação que também atravessa sua identidade de gênero, uma vez que
ela é uma mulher transexual. Logo, se ser uma mulher trans dificulta a aproximação de possíveis
parceiros em sua vida pessoal, ser uma mulher trans que se prostitui representa uma dificuldade
ainda maior na vida afetiva. As vivências de Alice não podem ser pensadas, portanto,
considerando apenas sua identidade de gênero ou seu trabalho com sexo. Ser uma mulher trans
que é também garota de programa representa uma experiência singular, e que tem implicações
diferentes das outras mulheres com quem conversei.

Se o cara pensa que você é...se você não coloca que você é trans, na foto dá
pra passar, dá pra dar uma passada batida, se ele pensa que você é mulher, a
conversa dele é uma. Se você fala que é trans, a conversa muda totalmente.
Totalmente! Se eles acham que você é mulher, "ah beleza...", não sei o que,
conversa normal. Se você fala que é trans, eles, tipo, automaticamente muitos
param de falar na hora. Aí você pensa, "nossa, mas até agora eu era bonita e
atraente. Agora, quando eu falo de ser trans, deixei de ser tudo isso". Insegurança,
dos homens. Insegurança. Ai, se atraiu por mim, né? Agora eu deixei de ser
atraente. Entendeu? Então assim, tem muitos casos nesse sentido... (Alice)

Ainda assim, não deixa de ser interessante notar que Alice não equipara as duas formas
de discriminação, e chega a mencionar que seu trabalho como garota de programa às vezes se
86

torna um empecilho maior para seus relacionamentos do que o fato de ser uma mulher
transexual:

Mas aí, voltando no que você perguntou, se a prostituição impacta na minha


vida pessoal. Então, muitos homens que já são bem resolvidos, no sentido tipo, tem
muitos homens que são bem resolvidos hoje em dia, que falam "ah eu gosto de
trans". Mas se você fala que você é garota, eles não querem. (Alice)

Entretanto, se Alice, Morgana e Laís demonstravam por vezes receio em falar sobre sua
atividade, em campo também encontrei mulheres que sequer cogitavam falar de seu trabalho
para outras pessoas, incluindo familiares e pessoas mais próximas. No caso dessas mulheres,
como Carol e Catarina, elas precisavam traçar estratégias para manter sua identidade
profissional em segredo:

Na verdade, meus irmãos, as pessoas nem imaginam que eu saio à noite, que
eu saio com tanta frequência a noite. Só meus pais que veem, e eles não comentam
muito. "Tô saindo", "Tô saindo com alguém, tô curtindo"... É complicado, às vezes
bate a consciência. Mas eu penso, "eu tô trabalhando". Eu não consegui outro
emprego até agora, ninguém me chamou. Eu me cadastrei em vários lugares, eu
preciso desse dinheiro, porque ninguém vai pagar minhas contas. E é um trabalho,
me tranquilizo. Eu estou tranquila com isso.
Às vezes passa pela cabeça em contar para alguém, mas eu não confio em
ninguém. Eu não confio. Isso seria uma notícia muito bombástica, as pessoas
amam. Eu pensei em contar daqui a muitos anos para a minha mãe, mas seria uma
coisa que iria ferir muito ela, então eu acho melhor não. Essa é uma parte da minha
vida que vai ter que ficar em off. (Carolina)

Catarina, por sinal, assim como Carol, demonstra que esconder seu trabalho implica em
mentir para familiares e demais pessoas de seu convívio. Dessa forma, assim como ela assume
outra personalidade com os clientes durante os programas, ela também precisa atuar e
manipular informações nos seus relacionamentos pessoais de modo a preservar sua identidade
enquanto garota de programa. Entretanto, ela pondera que não é fácil sustentar as histórias que
ela contar para manter separadas sua vida pessoal e profissional:
87

Eu tenho que ficar escondendo para a minha família com o que eu trabalho,
e se eles descobrirem é um preconceito enorme. Eles são muito preconceituosos, e
muitas pessoas do lado de fora também é... Igual, eu comecei a namorar e eu tenho
que ficar escondendo, ele não sabe. É muito difícil, você tem que ficar mentindo,
inventando coisas. E a mentira você tem que levar até o final, porque senão... E eu
não pretendo contar.
Eu consigo dividir as duas [vida profissional e pessoal] ... é o que eu falo, que
eu só atuo (risos). Eu consigo dividir, mas é muito difícil essas mentiras, é muito
difícil mesmo. É porque tem cara que não aceita né? E tá certo. (Catarina)

Uma forma que algumas mulheres encontram de evitar lidar com as mentiras em seus
relacionamentos, acaba sendo o afastamento de seus círculos sociais, o que acontece inclusive
com aquelas que não mantém o segredo absoluto sobre seu trabalho, como Laís:

Eu me afastei de algumas pessoas por conta disso. Eu me afastei de duas


grandes amigas. De uma eu me aproximei, de novo. De outra não, porque eu soube
que estavam falando de mim pelas minhas costas, quando elas desconfiavam. Mas
acho que quando elas desconfiaram foi o momento que eu mais precisei delas, né?
E elas não vieram conversar comigo, então eu me afastei. (Laís)

Essa questão é especialmente exemplificada na fala de Carol, que afirma que trabalhar
como garota de programa a faz viver à parte da sociedade, uma vez que ela busca se afastar
de amigos e familiares para evitar contar ou mentir sobre seu trabalho. O afastamento, contudo,
não dispensa completamente o uso de mentiras, visto que ela precisa sustentar uma versão
fictícia sobre sua ocupação para todos que a conhecem:

Tem que tomar cuidado... você vive à parte da sociedade, porque você não
quer mentir pras pessoas. Eu mesma me afastei um pouco das pessoas, de alguns
amigos... não quero ver para não ter "O que você tá fazendo?". Na verdade, eu
montei uma história fixa que eu falo para todo mundo. Então antes eu estava
trabalhando na recepção de um prédio comercial. Então eu ia todo dia. Mas aí esse
emprego acabou, era só contrato. Aí eu fiquei um tempo em casa. Quando eu
comecei a ir na boate, eu vou de finais de semana... então eu tô saindo, saindo com
as amigas e tal. Aí agora como eu já tô indo a três meses direto... a minha mãe, ela
88

perguntou outro dia, mas ela não pergunta muito adentro. Eu falei que eu estou
trabalhando no caixa do bar de uma amiga minha. Eu vou só final de semana para
ajudar. (Carolina)

Como pode ser refletido nas falas trazidas até aqui, a despeito das mulheres buscarem
delimitar seu trabalho e experiências nos mercados do sexo, estas não deixam de incidir sobre
suas vidas pessoais. Isto é especialmente válido no que se refere aos seus relacionamentos
amorosos. Algumas delas me contaram sobre suas relações, atuais ou passadas, e discorreram
sobre os efeitos de seu trabalho sobre elas. Enquanto algumas afirmaram manter sua ocupação
em segredo, outras falaram sobre como esta informação repercutiu em seus parceiros. De um
modo ou de outro, o trabalho sexual teve consequências sobre os relacionamentos de todas elas.
Conforme já visto, Catarina era uma das mulheres que não contava sobre seu trabalho a
ninguém de sua família ou de seu círculo social, incluindo seu namorado. Ela me contou que o
conheceu em Minas Gerais e sempre o vê quando viaja para lá. Assim como acontece com sua
família, para manter seu trabalho em segredo ela precisa inventar uma história sobre com o que
trabalha em São Paulo. Ela afirma que sustentar as mentiras em seus relacionamentos implica
em vestir uma máscara:

Mas ele não sabe nada. Ele é de Minas, mas ele não sabe nada. Eu falo para
ele que eu trabalho... pra todo mundo, eu falo que eu sou acompanhante de uma
senhora que mora em Minas, só que ela é médica, ela tem um consultório aqui em
São Paulo. Aí de vez em quando eu venho aqui para São Paulo... eu vou todo mês
[para Minas]. Todo mês. Igual, esse fim de semana eu fui. Esse agora eu tô
pretendendo ir também. Porque final de semana eu não sou muito de trabalhar não,
aí eu vou pra lá. Nunca trabalhei lá, meu medo é muito grande lá... E é horrível
estar com alguém que você gosta e vestir uma máscara, porque isso para mim é
vestir uma máscara. (Catarina)

É interessante notar no relato de Catarina que a gestão que ela faz de suas vidas pessoal
e profissional é mediada pelos lugares onde ela transita. Quando ela explica que, quando eu vou
pra Minas, eu não sou garota. Eu não trabalho disso. Lá eu sou Catarina, podemos
compreender que São Paulo é o lugar de sua vida profissional, onde ela é Elisa e é garota. Já
Minas Gerais, seu estado natal, é o lugar onde ela se sente propriamente como Catarina, e onde
se dedica à sua vida pessoal e amorosa, o que nos ajuda a compreender como ela lida com seu
89

relacionamento. Seu namorado, que faz parte de sua vida pessoal enquanto Catarina, não pode
saber sobre a outra vida que ela leva em São Paulo. Ele pertence a Minas Gerais não apenas
geograficamente, como também pertence à vida que Catarina constrói nesse lugar. Logo, a
maneira como ela lida com seu relacionamento está diretamente ligada à sua intenção de
promover uma separação completa entre vida profissional e vida pessoal.
As mulheres cujos parceiros souberam em algum momento sobre seu trabalho tiveram
de lidar com outras implicações, que não necessariamente o uso de mentiras. Natália, por
exemplo, relata já ter parado de trabalhar na indústria do sexo a pedido de um parceiro. Para
ela a maior perda foi profissional, uma vez que estava começando a se tornar reconhecida no
meio quando ele pediu que ela parasse de trabalhar. Como resultado, ela diz que após o término
do relacionamento teve de reiniciar o seu canal no Xvideos e sua carreira como um todo, motivo
pelo qual ela se arrepende de ter tomado tal decisão.

N: Eu já parei. Por causa de sentimento, e me arrependo. Não paro mais.


C: Sentimento, como assim?
N: Sentimento pelo outro. Estava começando a adquirir status maiores, eu
já tava começando a ter... status maiores, e a pessoa começou a ter ciúmes, porque
eu trabalhava todo dia. Eu atendia todo dia, e começou a incomodar, a partir do
momento que...
C: Você estava numa relação?
N: Sim, e ele me conheceu nesse mundo. A partir do momento que começou
a incomodar, ele falou "para". Só que eu perdi tudo, eu tive que recomeçar de novo.
Então hoje o canal eu não paro. Só se a pessoa falar assim, "eu te banco em tudo,
todos os seus luxos", fora isso, não. Não paro. (Natália)

De maneira semelhante, Laís também conta que seu namorado não sabia de seu trabalho
na clínica de massagens. Assim como Catarina, ela também contava diferentes histórias para
manter seu trabalho em segredo, e após revelar ser garota de programa, teve de lidar com o
descontentamento do parceiro:

Começou que nós só ficávamos, e ele gostava de fazer chamada de vídeo, de


ficar conversando comigo por vídeo. E foi numa época que eu estava, não sei se eu
estava doente ou se eu estava menstruada, porque eu não trabalho menstruada.
Tem meninas que trabalham, e eu não trabalho menstruada. Aí eu falei pra ele que
90

tava com alguma coisa... de dor na academia, que não tava trabalhando. Eu falava
pra ele que trabalhava num pet shop. Aí ele saiu de férias e me fez a chamada de
vídeo. E já tinha acabado meu período, eu tinha que voltar a trabalhar. Aí eu não
tinha como esconder dele. Falei que queria conversar pessoalmente. Aí ele ficou
super arrasado, mas [falou] que ele entendeu. Falou que não esperava isso de mim,
não sei o que... Ele aceita não aceitando. (Laís)

Como consequência, Laís diz que ele também pede que ela pare de trabalhar com os
programas. Ela, porém, assim como Natália, afirma que não vê sentido em largar seu trabalho,
especialmente se for para desempenhar atividades que são pior remuneradas. Ela se vê então
tentando equilibrar seu trabalho e sua fonte de renda com o seu relacionamento amoroso:

Às vezes eu penso em desistir [do relacionamento]. Tipo, "ah, vou chutar o


balde", porque amor não enche barriga, né? Mas o que eu sinto por ele também é
muito forte. Então a gente tenta se equilibrar, sabe? (Laís)

A despeito dos relatos de Laís e Natália, entre as mulheres com quem conversei, quem
me falou com maior profundidade sobre a relação conflituosa entre sua vida amorosa e
profissional foi Alice. Ela me contou que havia terminado um casamento recentemente, há
apenas três meses no momento da entrevista, e disse que contou ao seu parceiro sobre seu
trabalho quando eles já moravam juntos. Assim como ocorreu com Natália e Laís, seu marido
pediu para que ela parasse de fazer programas, e mesmo após ela atender a esse pedido, a relação
continuou a se deteriorar. A partir disso, Alice entendeu que seu trabalho como garota de
programa foi um dos fatores decisivos para que o casamento acabasse.

Eu era casada, faz três meses que eu tô separada. Quando eu estava casada,
eu não me prostituia, porque ele não deixava, porque ele também não sabia no
começo. Quando eu disse que eu fazia, foi tarde mesmo, porque a gente já tava
morando junto. E quase acabou com o meu casamento, mas isso ajudou muito a
acabar. Hoje eu não estou mais casada, mas, no começo quase ajudou, mas... quase
acabou, mas aí a gente contornou, aquela coisa. Ele não deixou mais eu ir
trabalhar, aí aconteceu vários fatores depois, mas eu acho que isso foi um fator
bem decisivo pro casamento acabar.
91

Ser pega eu acho que ia ser pior. Então eu resolvi contar. Foi difícil, ele
chorou. Ele chorou bastante, ele falou que ia embora, que pra ele... que ele me
amava, mas que ele não conseguiria dividir a pessoa que ele ama, assim, dessa
forma. Que ele não tem nada contra a profissão, mas que ele não conseguiria, não
é o que ele queria pra ele. Aí eu chorei, aquela coisa toda. No outro dia de manhã,
ele fez um pedido, tipo, “o único jeito da gente ficar junto é você não ir mais pra
aquele lugar, você vai mudar de número de telefone”. Aí ele passou a ficar
extremamente obsessivo, ciumento. Entendeu? Eu fiz tudo, sem pensar, porque eu
gostava dele. Passei a viver pra ele, né? Ele não se importava, porque... eu nunca
gostei muito desse negócio de ser bancada, não me sinto bem... Só que eu acho... a
gente brigava muito nesse tempo, ele me xingava, eu xingava a mãe dele. Aí eu
percebi que... o fato de eu ter contado pra ele, até chegou um ponto que um pouco
me arrependi. Porque qualquer discussão que a gente tinha, ele me passava na
cara. Parece que eu sempre ia ser a garota de programa. Entendeu? (Alice)

A partir dessa experiência, Alice conta que tomou a decisão de não mais se envolver em
nenhum relacionamento estável enquanto exercer a prostituição. Essa escolhe reside, para ela,
na intenção de não precisar mais mentir sobre seu trabalho para seus parceiros, e de tampouco
precisar lidar com o estigma associado ao fato de ela ser uma garota de programa em suas
relações. Ela também cita o que parece ser um conflito para ela, sobre estar em um
relacionamento sério e ao mesmo tempo manter relações sexuais com outras pessoas, ainda que
em um nível profissional. É interessante notar como ela novamente ressalta que ser uma garota
de programa às vezes representa um empecilho maior na sua vida afetiva do que ser uma mulher
transexual.

Então por isso que foi uma decisão que eu tomei. Falei, "não, agora eu não
quero mais relacionamento com ninguém". Enquanto eu tiver nessa profissão,
porque eu não quero mais ter que mentir. Porque eu nunca falo a verdade no
começo. Ai, eu sou sempre cabelereira, sou sempre isso, aquilo ou outro. Nunca
sou garota de programa. Aí depois, você se vê num beco sem saída, e você tem que
contar. Então, não quero mais mentir... Sabe por quê? Eu até entendo. Eu prometi
pra mim mesma, eu nunca mais vou me envolver de novo, enquanto eu ser garota.
Porque se você gosta de alguém, você não quer ver ela com outra pessoa. Por mais
que você seja profissional, né? Que é por dinheiro, mas... num dá. Num dá. Eu
92

quando contei pro meu ex, é porque já tava num nível que eu tava me sentindo
mal... Eu ia pra casa, eu me sentia mal, porque ele não sabia. E eu tava, tipo... e
outra coisa, eu tenho essa comigo, tipo, "eu tava com outros caras", aí eu chego
em casa e tenho que ficar com ele, então parece que eu não... eu juro... parece que
eu não me sinto limpa. Então assim, atrapalha muito na vida pessoal. Porque hoje
em dia, tem muitas coisas... por exemplo, hoje em dia, às vezes o fato de você ser
trans não te impede de ficar com alguém, mas o fato de ser garota de programa.
Às vezes é pior do que ser trans ainda. (Alice)

O impasse que Alice relata, e que aparece de diferentes formas nos relatos das outras
mulheres, é percebido também na fala de Morgana. Ambas se mostram divididas entre lidar
com as mentiras necessárias para esconder seu trabalho e lidar com o julgamento e a exposição
advindos de sua incursão na prostituição. Nesse sentido, Morgana cita duas situações que
exemplificam este impasse, sendo uma na qual ela se sentiu desconfortável em esconder sua
profissão para a família de seu namorado, chegando a ter uma crise de ansiedade, e outra na
qual foi exposta pelo irmão de um outro namorado, que descobriu um dos filmes pornô que ela
havia feito:

...Até recentemente, quando acabei conhecendo a família do meu namorado,


italiano é curioso, né? E aí eu não conseguia falar. Eu não conseguia falar italiano,
eu acho que eu não conseguia falar nem português, porque eles me bombardeavam
tanto de pergunta, e começou a me dar crise ansiedade, e eu começava a ficar mal,
sabe? E aí são situações que eu vou passar muito ainda na minha vida, ainda hoje.
Mesmo falando em português, o problema não era o italiano, foi a minha crise de
ansiedade, que eu tive naquele momento, sabe? E a mãe dele uma graça comigo e
com meu namorado, o pai também. Eu falava, "cara, eles me tratam tão bem", e eu
me sentia suja dentro daquela família, sabe? É isso.
Faz oito anos, que eu vim [para o Brasil] pra ficar. Eu acabei ficando dois
anos aqui, mais ou menos, por aí. Aí eu arrumei um namorado, e acabei falando
[do meu trabalho] né? E a gente tava na sala, todo mundo vendo TV... o irmão desse
cara chama ele, leva até o quarto, mostra pra ele um pornô meu, e fala, "olha quem
tá no pornô? Você sabia disso?"... Ele falou "sabia". Ah então, foda-se. Mas são
pessoas de mentalidade aberta, as pessoas não são tão assim, tá? Foi uma
exceção... (Morgana)
93

A partir dos dados trazidos até aqui, podemos traçar algumas reflexões. Nos relatos de
todas as mulheres entrevistadas, podemos perceber que há a intenção de promover uma
separação entre suas vidas pessoais e profissionais. Tal separação, por sua vez, pode se dar de
diferentes formas, indo desde formas sutis, como acontece com Natália e Raíssa, até formas
mais drásticas, como ocorre com Catarina, que diz apresentar um comportamento totalmente
diferente no contexto dos programas, em relação à sua vida pessoal. Contudo, a despeito do
esforço dessas mulheres, o trabalho nos mercados do sexo não deixa de influir sobre a vida
pessoal de cada uma delas. A identidade de prostituta, garota de programa ou acompanhante
que elas carregam repercute diretamente sobre seus relacionamentos e vínculos afetivos.
Considerando a prostituição e o trabalho sexual como atividades estigmatizadas, é
necessário compreender como este estigma permeia a experiência das mulheres envolvidas
neste tipo de trabalho, e como elas lidam com essa identidade social que é atravessada e
deteriorada por ele (Goffman, 1988). Neste sentido, não posso deixar de me referir ao trabalho
de Gaspar (1983, 1988), que além de ser uma das primeiras autoras a produzir um trabalho
etnográfico sobre prostituição no Brasil, foi também quem se propôs a refletir a questão da
identidade social da prostituta, a partir das formulações de Goffman.
A autora compreende que a delimitação da prostituição como vida profissional, separada
da vida pessoal caracteriza uma estratégia usada pelas mulheres para lidar com o estigma que
advém dela. Na medida em que se delimita a prostituição ao âmbito do trabalho, se delimita
também a figura da prostituta a esse âmbito, preservando a mulher que existe em sua vida
pessoal. Em outras palavras, reservar a prostituição para a esfera do trabalho, permite afirmar
que a mulher que a exerce não é prostituta todo o tempo, preservando parte de sua identidade
pessoal41.
Este tipo de estratégia pode ser compreendida dentro do que Gaspar classifica como a
“divisão simbólica do eu”, que se refere a uma atitude de afastamento e distanciamento dos
clientes e do que a prostituição representa moralmente, a partir do gerenciamento e controle das
emoções pelas mulheres que exercem este trabalho. A autora entende que a “divisão simbólica
do eu” passa especialmente pelos cuidados que a prostituta estabelece com o corpo, questão
que também discutirei mais a diante, mas podemos usar esse conceito aqui para compreender

41
Nesse sentido, o receio inicial que eu tinha com as discussões trabalhistas sobre a prostituição e o termo “trabalho
sexual” vinha deste lugar, no qual o termo “trabalho”, ao ser usado para atenuar o estigma contra essa atividade,
pudesse adquirir um sentido higienizante.
94

de maneira mais ampla o conjunto de estratégias que as mulheres utilizam para delimitar suas
vidas profissionais e preservar sua vida e identidade pessoal do estigma de prostituta.
Entre as estratégias usadas, estão o uso de mentiras como recurso para omitir o trabalho
sexual, conforme visto nas falas de minhas interlocutoras. As mentiras e a ocultação de seu
trabalho são, pois, uma forma de manipular a informação sobre o estigma que estas mulheres
carregam. Uma vez que “o problema do indivíduo, no que se refere à manipulação de sua
identidade pessoal e social, variará muito segundo o conhecimento ou desconhecimento que as
pessoas em sua presença têm dele” (Goffman, 1988, p.59), omitir ou suavizar a informação
sobre a prostituição é uma maneira destas mulheres atenuarem o estigma contra elas.
Ainda que as experiências das mulheres não possam ser resumidas ao estigma que
circunda a prostituição, é notório que ele as permeia. Quando mulheres como Morgana ou Alice
se veem em um impasse sobre contar ou não sobre seu trabalho, é com o estigma que elas lidam
diretamente. Como dito, contar pressupõe estar preparada para enfrentar uma reação
discriminatória por parte do outro, ao passo que não contar significa omitir uma parte
importante de sua vida. A separação entre vida pessoal e profissional, por sua vez, além de
expressar o modo como estas mulheres apreendem suas vivências, pode ser interpretada
também como uma estratégia para preservar parte de si de sua atividade profissional
estigmatizada. O fato é que o trabalho sexual não deixa de repercutir de alguma forma sobre
seus relacionamentos e vínculos afetivos. Em suma, compreender as experiências das mulheres
nos mercados do sexo pela sua singularidade passa também por entender como elas lidam com
essa identidade social de mulher que trabalha com o sexo.

5.2. A vivência da sexualidade

A separação entre vida pessoal e vida profissional, ou a maneira como as duas são
mediadas, incide também sobre a forma como as mulheres experimentam e se relacionam com
a sua sexualidade. Visando compreender melhor estas diferenças, busquei fazer perguntas no
roteiro de entrevistas que explorassem a forma como as mulheres se envolviam com os clientes
durante os programas, e como elas se relacionavam com a sexualidade no contexto do trabalho
sexual, visando entender se a separação entre pessoal e profissional se fazia também a partir da
delimitação do prazer e do envolvimento erótico no momento do trabalho sexual, questão
também apontada por Gaspar (1983, 1988) como constituinte da “divisão simbólica do eu”.
As respostas que obtive foram variadas. Algumas mulheres afirmaram não ter qualquer
desejo ou prazer com os homens com quem se relacionavam nos contextos profissionais,
95

enquanto outras afirmaram que podiam vir a se sentirem atraídas e ter prazer no momento dos
programas. Catarina, por exemplo, como consequência da separação completa que ela buscava
fazer entre seu trabalho e sua vida pessoal, afirmou não ter qualquer satisfação sexual com os
clientes. A partir da diferenciação entre Catarina e Elisa, ela explica que Catarina fazia sexo
com vontade e desejo, ao passo que Elisa fazia o que os clientes lhe pediam, ainda que não fosse
o que ela própria gostasse. Dessa forma, o sexo no âmbito dos programas era para ela muito
diferente do sexo feito em sua vida pessoal.

Tem coisa que a Elisa faz o que a Catarina não faz... é difícil. E é totalmente
diferente o sexo, eu acho. A Elisa, o cliente pede pra ela fazer isso, ela vai lá e faz...
mesmo não querendo, ela vai lá e faz. E a Catarina já não faria algumas coisas. E
a Catarina faz sexo com vontade, com desejo pelo cara. A Elisa não, você tem que
passar gel [lubrificante], tem uns clientes que não gostam que passe, que vê que a
gente não sente tesão... eu falo "não, tem que passar", eu não ligo não. (Catarina)

Da mesma forma, Alice também afirmou não sentir prazer durante os programas e diz
que tampouco se sentia atraída sexualmente pelos seus clientes:

As pessoas têm uma mania de achar que puta é sempre puta em todo lugar.
Toda pessoa que ela vê, ela quer cobrar. Não, eu tenho uma vida pessoal. Eu me
interesso por pessoas, diferente de quando eu estou sendo paga, eu saio com
qualquer tipo de pessoa que eu jamais sairia na minha vida pessoal. Na minha vida
pessoal eu tenho interesse... O trabalho não me satisfaz sexualmente... Até porque
a maioria dos clientes estão totalmente fora do padrão, do que eu gosto, do que me
atrai. (Alice)

Já Laís e Raíssa trazem uma perspectiva distinta sobre a questão. Laís afirma que é
muito difícil que ela sinta prazer durante os programas, mas admite que é algo que pode ocorrer,
especialmente quando ela sente uma química com o cliente. Já Raíssa fala que tem um
envolvimento afetivo e sexual com os seus clientes fixos, de quem ela é uma namoradinha, de
modo a sentir prazer com eles às vezes. Ela, porém, diferencia o sexo que tem com estes clientes
do sexo que compõe as filmagens de filmes pornográficos, que são, segundo ela, um sexo
técnico e mecânico.
96

É bem difícil sentir prazer. Muito difícil. A gente finge né, tem que fingir. Mas
é raro. Acontece assim quando... não por beleza, mas quando rola uma química.
Isso acontece, não é sempre, mas acontece sim. (Laís)

Com os meus namorados sim, mas não em todas as relações... Nos filmes,
gravação, nenhum! Nenhum tipo de prazer, só que eu recebo (risos). É porque é
tudo muito mecânico, né? É um grupo de pessoas que tá ali... é como as atrizes
falam mesmo, o beijo técnico e o beijo da sua vida real. É a mesma coisa... É um
sexo técnico. Na verdade, são cenas técnicas, né? Não chega a ser talvez um sexo.
São minutos ali que você se exibe e não dá tempo de... você já vai direto para a
posição. (Raíssa)

Outras mulheres demonstraram ter o prazer e a satisfação sexual como uma parte
importante de seu trabalho, como foi o caso de Natália, cujo trabalho estava diretamente ligado
à sua identificação com as práticas fetichistas do BDSM. Uma vez que o BDSM foi a motivação
para que ela iniciasse os atendimentos e o canal no Xvideos, o seu prazer está associado a essas
práticas, mesmo nos contextos profissionais. Ao descrevê-las, ela me explica quais as sensações
que obtém:

Então às vezes machuca, de verdade assim, mas o corpo tem adrenalina...eu


fiz uma massagem tântrica que não teve nada e na hora eu comecei a rir, a rir, que
é a minha forma de soltar o prazer... rir de verdade...(risos), e ele falou assim:
"nossa, cê tem uma energia" ...e no final da gravação falei pro cara, que ele já me
conhece, eu falei "começa a fazer sessão de 'spanking' em mim", ele começou a dar,
com a mão, nas nádegas...e a mulher ficou assim (expressão facial de assustada)...
ai ele falou "é normal, quanto mais ela pede, mais ela quer"... e eu começo a me
tremer inteira... O afrontar me dá prazer, o cuspir me dá prazer, o afrontar com
olhar me dá prazer... São poucas pessoas que eu não cuspi que equipara, o resto
já cuspi em todo mundo. Eu tô falando sério! (Natália)

Carolina também menciona a atração sexual como algo que permeia seu trabalho. Ela
explica que procura sentir algum nível de afinidade com os clientes para se envolver com eles,
a despeito das vezes em que o programa é feito apenas de forma profissional. Nesse sentido,
ela afirma que por gostar de sexo, o trabalho sexual acabou se mostrando interessante para ela:
97

Eu acabei gostando. Eu sempre gostei de sexo, então é um trabalho também


que é legal para mim, muitas vezes. E muitas vezes é bem profissional, porque
depende muito da afinidade que você tem com o seu cliente. Porque geralmente eu
procuro... todas as garotas procuram um cliente que tem mais afinidade. Tem
algumas garotas que vai... é bem profissional mesmo, vai pelo dinheiro. Mas aí eu
procurei a afinidade, e acabou rolando esse trabalho. (Carolina)

O relato de Carolina é especialmente interessante quando ela comenta sobre o


conhecimento que adquiriu sobre sua sexualidade a partir do trabalho como garota de
programa. A mulher conta que as experiências nas clínicas e boates lhe permitiram entender
melhor como seduzir os homens e como mobilizar a sua sexualidade para isso:

Você aprende a seduzir o homem. Não que eu não soubesse antes, mas a gente
descobre o nosso poder. Na verdade, a gente descobre o poder que a mulher tem
com os homens, e às vezes eu não tinha noção do poder que a mulher tem, longe
disso. Eu não imaginava mesmo. Hoje eu vejo com clareza o poder que a mulher
tem... que seduz, que o homem realmente... com uma boa transa, ele se envolve ali.
E homem gosta de putaria, de safadeza (risos). E você não tá atrás dele. Alguns a
gente gosta, troca contato, mas não é uma coisa de no outro dia ele tem que te
ligar, mandar mensagem. Já não vira aquela relação, aquela coisa de obrigação.
Então ele vai lá pra te procurar. Na boate um pouco menos... mas eles voltam sim,
quando eles gostam.
Eu vou levar [esse aprendizado] com certeza (risos). Nunca mais vai ser
como antes... a mulher colocar uma roupa provocante para conquistar algo em
favor dela, que isso realmente funciona. Eu não tinha essa segurança antes. Por
mais que eu já sabia, hoje eu tenho essa certeza. (Carolina)

Carol fala aqui sobre o aprendizado e os saberes que ela adquiriu a partir do trabalho
sexual, e que não deixam de influir sobre sua subjetividade. A experiência como garota de
programa lhe ensinou sobre sedução e sobre como mobilizar seu corpo para despertar o desejo
do outro, o que lhe trouxe uma maior confiança e conhecimento de si mesma. A fala dela entra
em um ponto importante, que diz respeito ao uso do corpo e a sua erotização no contexto da
prostituição. Esse ponto, por sua vez, me remete ao conceito de “pornificação de si” (Paasonen,
98

2010; Baltar & Barreto, 2014; Baltar, 2018), utilizado originalmente para pensar as imagens e
as construções discursivas dos corpos femininos na pornografia. Pornificar-se refere-se à ideia
de apresentar e dispor do corpo de modo a estimular o desejo no outro. É, portanto, a construção
do corpo como desejável e como disponível ao olhar do outro.
Ainda que nesta pesquisa a pornografia não seja o foco principal, o conceito de
“pornificação de si” nos ajuda a pensar a relação com o corpo e com a sexualidade que pode
ser construída no contexto dos trabalhos sexuais. O que aparece no relato de Carolina é
justamente a ideia de que a sua experiência como garota de programa lhe proporcionou um
novo olhar sobre seu corpo, que lhe ensinou a construí-lo como desejável. Essa é uma
construção que certamente atravessa a experiência de outras mulheres, como já notado por
outras autoras que pesquisaram o tema (Rago, 1990; Martin, 2003), e aparece também no relato
de outras interlocutoras minhas.
Gaspar (1988) já mostrou em seu trabalho como a sedução era fundamental nas
dinâmicas de trabalho das boates, estando expresso nas danças e na apresentação estética
erotizada das garotas de programa, de modo que “a combinação do investimento estético
sensual das roupas com a conduta da sedução fica explícita...” (p.31, 1988). Já Raíssa afirma
que a percepção de seu corpo como desejável e como objeto de olhares masculinos foi um dos
fatores que a motivou a começar a trabalhar com sexo:

E aí, circulando por aí, eu sempre fui muito assediada. Porque mulher
negra... mas o fetiche do homem é o bumbum de mulher preta! E eu sou uma mulher
assim... eu piso forte. Acredito que eu chame a atenção de alguma forma... Como
eu sou modelo de lingerie, eu vendo lingerie, então eu tenho muita foto de bumbum,
mostro muito o corpo. (Raíssa)

Se compreendermos o corpo em sua dimensão social, ou seja, sendo também produto


das relações sociais (Le Breton, 2011; Mauss, 2003), podemos dizer que as práticas que
atravessam os mercados do sexo contribuem para criar noções específicas de corpo. Nestes
contextos, é produzido um corpo que pode ser erotizado, pornificado e que influi sobre a
sexualidade dos sujeitos que o dispõe. Na mesma medida em que as mulheres aprendem a dispor
desse corpo sexualizado, elas também aprendem algo sobre sua própria sexualidade a partir
disso. É por isso que, ao decidir pesquisar as temáticas relativas à prostituição e ao trabalho
sexual, me foi caro não deixar de considerar a dimensão propriamente erótica que compõe estas
atividades. Afinal, falamos de uma atividade que reside no campo do desejo e do erotismo.
99

Mesmo o estigma que circunda a prostituição está calcado em grande parte na sua relação com
a sexualidade.
Por falar em erótico, Bataille (1987) afirma que o erotismo se realiza a partir da
transgressão do interdito sexual e é definido pela existência de um objeto de desejo, de modo
que a sua essência “é dada na associação inextricável do prazer sexual e do interdito” (p.101).
Sendo o lugar do interdito sexual, o autor afirma que a prostituição é uma atividade erótica na
medida em que se baseia no corpo da mulher enquanto objeto de desejo, de modo que a
capacidade de se fazer desejável é primordial na atitude da prostituta.
Dessa forma, ainda que algumas mulheres que exercem o trabalho sexual tenham
condutas mais profissionais, buscando se distanciar de um envolvimento erótico, como
percebido em algumas de minhas interlocutoras, a sexualidade não deixa de constituir uma parte
central deste trabalho. Mesmo os discursos feministas sobre a prostituição e a pornografia,
como visto antes, não falam apenas sobre as realidades materiais de mulheres prostitutas.
Anterior a isso, eles dizem respeito ao entendimento da sexualidade feminina e de como ela
pode ser mobilizada.
O que passa ao fundo, portanto, na maior parte dos debates sobre feminismo,
prostituição, trabalho sexual e pornografia é o uso do erotismo e da sensualidade da mulher, e
as potências que estes carregam. Todos estes debates, de alguma forma, discutem se a
erotização da figura da mulher é um instrumento de violência contra ela, ou um instrumento de
potencial disruptivo e emancipatório, dentre tantas outras possibilidades. E por isso que me é
muito caro considerar o que há de erótico e sexual na prostituição, e fazer o debate sobre
trabalho sexual considerando esta questão.

6. “Eu escolhi, mas eu não aceito”: Sobre agência e sofrimento na prostituição

A partir do problema de pesquisa colocado, de se pensar a prostituição e a sua relação


com os direitos sexuais, considerando as diferentes discursividades que se dirigem a ela,
decorreram do trabalho de campo algumas questões que enunciam novas problemáticas.
A questão, pois, que eu gostaria de destacar a seguir, diz respeito ao relato de Morgana,
e a complexidade que ela traz quando fala sobre sua experiência nos mercados do sexo. Além
de sua trajetória ter sido marcada pela imigração e pelo trabalho sexual na Itália, e além de já
trabalhar com sexo há vinte anos, o que diferenciou sua entrevista em relação as das outras
mulheres foi o fato dela ter sido a única a relatar episódios concretos de violência sexual.
Enquanto as outras entrevistadas mencionavam a violência como um risco presente na
100

prostituição ou como um medo que tinham ao exercê-la42, Morgana não apenas falou sobre os
eventos que de fato aconteceram com ela, como também comentou sobre situações que ela
passou e que identificou como exploração no trabalho sexual, discorrendo, a partir daí, sobre o
sofrimento que lhe causaram. Nos episódios descritos a seguir, é notável como ela expressa
sentimentos de dor e decepção em relação a algumas das situações que fizeram parte de sua
trajetória nos mercados do sexo, ao mesmo tempo em que demonstra a sua não passividade
diante delas.
Foram dois os episódios de violência sexual que Morgana descreveu durante a
entrevista: O primeiro refere-se a um estupro cometido contra ela por um cliente, no momento
da realização de um programa, e o segundo de um abuso sexual ocorrido durante a filmagem
de um filme pornográfico. No que se refere ao que aconteceu com o cliente, ela afirma que ele
já era conhecido por ter estuprado outras prostitutas. Ele agendou um programa com ela, levou-
a para uma área remota e erma da cidade, roubou-a e estuprou-a. Ela conseguiu escapar e pedir
ajuda a um segurança que fazia ronda na região. Ele se dispôs a levá-la de volta para o centro
da cidade com a condição de que ela transasse com ele. Foi então novamente estuprada.

Sim. Pra mim foram duas coisas marcantes. Uma coisa que eu fui estuprada
na rua e fui largada no alto da montanha sozinha, sem telefone, sem nada. E assim,
é tipo... consegui pegar uma carona com o cara que fazia a ronda, numa cidade...
eu trabalhava numa cidade pequenininha... O cara me falou, "ah eu pago tanto,
você vem na minha casa". Era um africano. Eu falei "tá bom, até a casa dele"... a
minha amiga tinha visto [e reconhecido o homem, que já havia estuprado outras
mulheres], e a gente não tinha WhatsApp nessa época, tô falando de 18 anos atrás,
17. Mas isso me marcou muito porque foi a primeira assim, sabe? E ela tinha
mandado mensagem [de texto, pelo celular], [avisando] "ele é o estuprador", só que
eu estava com o cara e eu ia fazer o que com o cara dirigindo? Eu pensei, se eu
falar alguma coisa com ele agora, o perigo é ele me bater... E aí ele foi indo, indo,
indo, indo, e subindo numa outra cidade, que é de montanha. Aí eu falei, "olha, por
favor, me leva pra casa, eu tenho família, não faz nada comigo". Eu já tinha
entendido já, eu não queria que ele se revoltasse, porque daí eu já estava no meio
do mato, sozinha, com ele. Moral da história, ele ainda veio pra cima de mim,
parou num lugar onde tinha um monte de caminhão. Eu morei nessa cidade, eu

42
Lembrando que algumas delas, inclusive, minimizaram o risco e o impacto de sofrer violência durante o trabalho
sexual diante do risco apresentado, por exemplo, por se infectar por alguma IST, ou mesmo pelo vírus do HIV.
101

nunca mais achei esse lugar, pra ser sincera. E aí ele falou assim, "oh aqui os caras
dormem no caminhão, e se eu não matar você, eles vão matar você". Aí ele veio
pra cima de mim, com a faca no meu pescoço, falou "dá tudo o que você tem". Eu
dei telefone, dinheiro, isso, aquilo. Me jogou lá e começou a chamar uma galera,
como se ele conhecesse esse pessoal. E eu me desesperei, porque ele fugiu com o
carro, e eu com medo dos caras do caminhão acordarem e me jogarem no
barranco. Saí correndo, de salto, saia, menos 10 [graus], neve, sabe? Tipo, e fui
correndo, correndo, correndo até que passou milagrosamente um cara que fazia
ronda daquele lugar. Aí eu falei, "olha, eu preciso ir pra cidade tal", ele falou,
"você tá longe pra caralho, você tá a uma hora de lá, mas eu te levo". Aí o cara
ainda me levou, ele ainda falou "ah tá, e eu não vou ganhar nada?" e aí foi... tipo
assim, não basta a situação que eu tinha passado, o cara quando vai me ajudar,
que eu falo "finalmente acabou", sabe? E aí, óbvio... mais uma vez eu me fodi, tipo
na mesma hora, sabe? No mesmo dia. Eu falei, "não é possível"... tive que... dar
pra ele.
Olha que beleza. O psicológico já abalado, eu toda me tremendo, galera me
procurando, eu sem telefone, não sabia nem... eu tinha acabado de chegar na Itália,
então eu sabia muito pouco as coisas. (Morgana)

O outro episódio de violência sexual que ela menciona se deu durante a gravação de um
filme pornô. O ator com quem ela iria contracenar não admitiu que ela se preparasse para uma
cena usando um creme anestésico. Como retaliação, no momento da filmagem, ela afirma que
ele foi demasiadamente agressivo no ato sexual. Segundo ela, a equipe de produção do filme
não interveio.

Eu, na época que eu fazia, lá tinha um creminho que você passava, tipo um
anestésico. Chegou o cara e falou assim, o ator, "não, você não vai passar isso,
porque não sei o que...", e já começou a fazer escândalo, "ah porque com ela eu
não vou girar [gravar]"... na hora que o produtor falou "passa escondido", esse
cara, ele me arrebentou, de propósito... de força e de fazer a coisa em si, entendeu?
(Morgana)

Ela ainda menciona outras situações pelas quais passou fazendo filmes pornográficos,
como quando um diretor decidiu não pagar nenhum dos atores envolvidos em uma cena já
102

filmada e concluída. Segundo ela, não havia nada que pudesse ser feito. Com quem eu reivindico
meus direitos?
Morgana também relata outras questões com as quais teve de lidar durante o tempo em
que fez programas na Itália. Estas questões se referem, por exemplo, à insegurança para receber
clientes em seu apartamento, episódios de roubo, e o medo de ser denunciada por vizinhos à
polícia. Além disso, ela discorre sobre as atitudes de exploração dos cafetões que a levaram
para a Itália.

Fui com duas pessoas que me tratavam muito mal, não deixavam eu sair,
pegavam meu passaporte... Eu falei, "eu nunca vou parar de pagar esses caras na
minha vida", porque tudo é muito caro, sabe? Por mais que eu estivesse
trabalhando na ocasião, mas eles exploravam tanto, tanto, tanto... e é um mundo
de exploração. A puta ela sofre assim, do começo ao fim, assim. Eu não sei nem
porque que eu insisto ainda em fazer isso, porque... é gente explorando questão de
grana, tudo pra você é mais caro. É a tua família, te enchendo a porra do saco,
porque precisa de dinheiro, porque acha que você leva uma vida maravilhosa lá
na Europa, sabe?
O problema não é a Itália, o problema era eu tá naquela condição, fazer
programa, medo de abrir a porta, não sabia o que podia acontecer, qual era o tipo
de cliente que ia entrar, então... o medo dos vizinhos. Medo de, sei lá, o dono da
casa ver e... medo, medo, medo, medo, medo, medo... (Morgana).

Ainda assim, ela afirma que foi para a Europa ciente de que iria fazer programas, e que
conseguiu se desvencilhar dos cafetões após certo tempo. Sua fala, neste sentido, remete à
discussão que Piscitelli (2007) faz sobre o consentimento na imigração para o trabalho sexual,
questão que a autora observou entre as mulheres com quem realizou pesquisa de campo,
brasileiras que se prostituiam na Espanha, em contraponto ao que por vezes é argumentado em
discussões e legislações internacionais sobre tráfico humano:

Sabia, sabia, sabia. Tem muita mulher que fala que não sabe, e eu acho que
é mentira, sabe? Eu acho que quando a casa cai, elas se envergonham de falar que
elas... sabiam. É uma opinião minha tá? Lá eu sabia, desde o começo, foi cobrado
quinze mil euros pra eu ir pra lá, paguei quinze mil euros, e aí as coisas foram se
103

desenrolando, né? Saí da casa deles, acabei arrumando um namorado italiano...


(Morgana)

O relato dela traz uma relação de pesar e sofrimento com as situações vividas nos
mercados do sexo. Ela inclusive afirma que após alguns anos desenvolveu problemas de pânico,
depressão e ansiedade. Porém, diz que seu sofrimento psicológico veio sobretudo nos últimos
anos, conforme foi perdendo mercado e clientes. Ela reconhece que houve uma época positiva,
em que ganhou dinheiro e reconhecimento com os filmes pornôs, mas afirma que depois passou.
Atualmente não se sente confortável para falar aos outros sobre sua atividade, e se incomoda
também com o fato de já ter 40 anos e ainda trabalhar com sexo. Ao ser perguntada, diz não
saber dizer se valeu a pena ou não ter entrado na prostituição. Em seguida, discorre sobre o seu
sentimento em relação trabalho sexual, o qual ela reconhece ter escolhido, mas afirma não
aceitar as implicações que ele lhe trouxe. É essa reflexão sobre escolher sem aceitar que abre
a possibilidade de refletir a complexidade colocada em discutir a violência e as situações de
abuso e exploração vividas na indústria do sexo:

Teve um período que eu me estabilizei, fiquei bem, aceitei mesmo: “Foda-se,


eu faço isso, tá bom, ninguém paga minhas contas e deixa o povo falar e” ...né?
Enfim, e aí depois de um certo tempo eu voltei pro lance do "meu deus, o que eu tô
fazendo aqui?". Então assim, não foi uma coisa que... é uma coisa que eu escolhi
mais não foi uma coisa que eu aceitava. Escolhi sem aceitar, sabe?

C: E como é isso de escolher sem aceitar?


M: Então, porque quando eu parei de pagar cafetão, quando eu saí da rua,
quando eu... eu comecei a fazer os pornôs, eu estava virando conhecida, então eu
comecei a ganhar bastante dinheiro, e aí eu estava: "Olha isso pode ser legal".
Comprei meu primeiro apartamento, aí eu falei, "puta, foda-se". Foi nesse período
que eu falei "tá ótimo, não vou reclamar", "olha só, será que se eu tivesse ainda lá
[no Brasil], eu teria conseguido tudo isso?", é isso. Mas aí depois o trabalho
começou a cair, e isso me abalou psicologicamente, não sei. Por um lado, tem a
questão de idade, sabe? Antes eu tinha vinte, hoje eu tenho quarenta, "até quando
eu vou levar isso pra frente?", sabe? Então eu já comecei a avaliar essas coisas,
sabe? O fato de ter vergonha. Então assim, eu quando eu estava lá nos meus 30
anos... vai, que foi o período, 28, 30, eu tava que tava. Mas isso durou muito pouco,
104

então eu tenho mais histórico de decepção, de tristeza, de depressão, do que o


histórico de riqueza e felicidade, sabe? E assim, se valeu a pena ou não viver tudo
isso, não sei te dizer, sabe? Não sei, porque, financeiramente por um período valeu,
psicologicamente não vale a pena, sabe? Não, não. Eu não me arrependo, até faria
novamente, porque não né? Porque a vida a gente tá aqui pra ter experiência né?
E é uma escolha minha, então eu pensava, né, “eu não posso ficar me martelando
se é uma escolha minha”. Mas eu me martelava (risos). Então você entende?
(Morgana)

O relato de Morgana nos abre a possibilidade de refletir sobre a complexidade da


dimensão da violência e do sofrimento na prostituição e no trabalho sexual, tangenciando
questões sobre consentimento, vitimização e agência. O que é mais marcante é o fato de ela
afirmar sua agência e consentimento sobre as escolhas que fez ao adentrar no trabalho sexual,
mas sem deixar de considerar as experiências de dor a ele associadas. Suas falas revelam como
as vivências na prostituição são complexas, e vão além da dualidade entre consentimento e
sujeição. Como ela afirma, ela escolheu sim, mas não necessariamente aceita as implicações
que decorreram dessa escolha. Consentir com a prostituição, com o trabalho na pornografia e
com a migração para esses fins não significa, evidentemente, consentir com situações de abuso
que deles possam surgir. Ao mesmo tempo, reconhecer episódios de abuso e violência não pode
implicar em supor uma passividade inerente desta mulher diante desses eventos.
Entrar nessa questão, por sua vez, significa voltar à discussão sobre como a prostituição
é percebida e representada em discursos como os advindos dos movimentos feministas e dos
movimentos de direitos humanos e direitos sexuais. É sobre retomar a ideia, por exemplo, de
que frequentemente nos meios feministas a prostituição é discutida a partir de posições
estanques, e a figura da prostituta construída como arquétipos, ou tipos ideais, que se dividem
entre a figura de uma mulher completamente oprimida e explorada ou de uma agente subversiva
de uma ordem patriarcal (Gregori, 2003; Piscitelli, 2005, 2007, 2012).
Do mesmo modo, no campo dos direitos sexuais também há a dificuldade em se falar
sobre prostituição e trabalho sexual por outros vieses que não sejam o da violação e o da falta
de escolha (Olivar, 2012), o que reflete o fato desse campo ter se constituído inicialmente em
torno de questões de violência e abuso no âmbito da sexualidade (Vianna, 2012). O campo dos
direitos humanos como um todo, a propósito, emergiu em torno de políticas de reparação e de
enfrentamento a formas de violência (Gatti & Martinez, 2017). Ao discutir violência acabamos
então discutindo também as figuras que são construídas a partir dela, como é o caso da figura
105

da vítima, cuja construção é baseada em certos grupos sociais previamente definidos, tidos
como mais vulneráveis à violência (Wieviorka, 2005; Sarti, 2011; Sarti, 2014)43.
Tendo isso em vista, se as problemáticas relativas à prostituição e à indústria do sexo
são comumente discutidas na chave da violência e da exploração dentro dos campos
mencionados, e se entendermos que a figura da prostituta é frequentemente aproximada à figura
da vítima, podemos começar a compreender o porquê é difícil discutir casos reais de violência
nesse meio para além dessa chave interpretativa. O relato de Morgana mostra, por outro lado,
como é importante considerar a singularidade das experiências dos sujeitos, e a complexidade
moral (Rubin, 2017) que as constituem, afastando, para tanto, interpretações deterministas e
posições estanques. Afinal, quando Morgana fala em escolher, mas não aceitar, ela parece
indicar como estar suscetível a situações de violência e eventos traumáticos enquanto prostituta
não é algo que presume a ausência de qualquer agência por sua parte. Da mesma forma, ter
agência e consentimento por si só não são suficientes para protegê-la de qualquer tipo de
violação. Sua trajetória nos mercados do sexo é fluida e incorpora, ao mesmo tempo, elementos
de consentimento, autonomia, violação e sofrimento.
Ao escolher, pois, apresentar brevemente esta questão, meu objetivo não é resolvê-la,
mas, ao contrário, mostrar como o trabalho de campo me trouxe até ela e como ela se relaciona
ao meu problema de pesquisa colocado, especialmente no que se refere a pensar a discussão
sobre direitos sexuais para prostitutas. Afinal, pensar as maneiras a partir das quais a violação
e o abuso podem ser discutidos no contexto da prostituição e do trabalho sexual, nos ajuda a
refletir o que é ser sujeito de direitos, e quais as possibilidades de se discutir e reivindicar
direitos para essas populações.

43
Para ver mais ler Campos (2020a)
106

PARTE 2 - A RELAÇÃO ENTRE A PROSTITUIÇÃO E AS POLÍTICAS DE SAÚDE


EM IST-HIV/AIDS NA PERSPECTIVA DO CTA.

7. As percepções dos profissionais de saúde do CRT-DST/Aids-SP

Se até aqui discorri sobre as experiências de minhas interlocutoras nos mercados do


sexo, atentando para a sua pluralidade e os efeitos que produzem, a partir daqui gostaria de
dirigir a atenção para as perspectivas dos profissionais de saúde que atuam no CTA, a fim de
entrar, em seguida, na discussão sobre o atendimento prestado neste serviço, visando
compreender a relação entre sua equipe e os usuários, em especial as mulheres que trabalham
com sexo, e a percepção de cada grupo sobre o cuidado com a saúde e as políticas de prevenção
em IST-HIV/Aids.
Como já mencionado, ao contrário do que ocorreu com as mulheres que frequentavam
o serviço, eu pude ter mais proximidade com os profissionais de saúde do ambulatório, uma
vez que permaneci por várias semanas naquele local fazendo o trabalho de observação. Os
profissionais com quem conversei e com quem realizei as entrevistas eram médicos,
enfermeiros e psicólogos, sendo os dois últimos aqueles com quem tive um maior contato. A
seguir apresento então algumas de suas reflexões sobre o perfil dos profissionais e do público
atendido no CTA, e as suas percepções sobre as mulheres profissionais do sexo.

7.1. As moralidades dos profissionais de saúde

Considerando que no início das observações pude contar especialmente com a ajuda de
Cezar e Renata, é interessante notar como eles orientaram a minha aproximação aos outros
profissionais de saúde, ao buscar obter a sua colaboração na pesquisa. Ambos me advertiram
sobre as moralidades que eu possivelmente observaria entre a equipe do CTA. Cezar, por
exemplo, aconselhou a evitar usar uma linguagem muito acadêmica e um tom politizado ao
falar sobre prostituição com os demais profissionais de saúde, ao afirmar que: eu vi que você
cita Gabriela Leite no seu projeto... isso é algo que não vai ser aceito aqui jamais... Essa ideia
da prostituição como liberdade e prazer da mulher, não aceitam. Ao ver minha surpresa diante
de sua fala, ele complementou: bom, depende do profissional, cada um tem sua visão... você
vai ver aqui.
Nas conversas com Renata, ela também sugeriu que os profissionais de saúde tenderiam
a expressar moralidades conservadoras. Segundo ela, com o avanço do conservadorismo em
107

curso no país e no nível mais global, as pessoas atualmente se sentem no direito de dizer
algumas coisas, indicando que os profissionais estariam se sentindo mais à vontade para
expressar preconceitos. Ela me disse ainda que as diretrizes e as ferramentas de capacitação do
CRT dão uma orientação no sentido de não emitir juízo de valor sobre qualquer usuário ou
conduta. Contudo, afirma que cada pessoa tem seus próprios valores morais, e isso às vezes se
revela na rotina da instituição. Se percebe na convivência, disse. Sua fala indicava haver, em
algum nível, um conflito entre as posições morais de alguns profissionais e as temáticas de
sexualidade com as quais eles têm de trabalhar. Sobre o fato de trabalharem com públicos
identificados como LGBT e profissionais do sexo, ela me disse que: muitas vezes os
profissionais vão aprendendo a conviver com esse público na prática.
No que se refere à minha experiência junto aos outros profissionais de saúde, devo dizer
que não presenciei por parte deles nenhum tipo de atitude ou fala deliberadamente
discriminatória ou ofensiva. Contudo, pude perceber que certas práticas e histórias trazidas
pelos usuários do ambulatório lhes causavam estranhamento. Cora, por exemplo, me afirmou
que buscava não alimentar qualquer tipo de preconceito, com a ressalva de que: Claro que tem
coisas que ainda chocam, lógico... as próprias patologias, o próprio estilo de vida da pessoa,
até que ponto a pessoa consegue ficar vulnerável e a doença toma conta dela. São coisas que
realmente chocam. Estela, outra enfermeira, também mencionou que havia certos casos que a
desconcertavam, como quando lidava com casos de infidelidade entre casais com sintomas de
IST. Nesses casos, ela pensava: Alguém pulou a cerca, né? Dá vontade de perguntar quem está
mentindo. Sobre minha pesquisa, certa vez ela chegou a afirmar: nossa moça, que tema você
escolheu pesquisar! Com uma voz suave, ela parecia indicar ser um tema delicado, senão
controverso.
Em suma, essas falas indicam que, assim como Renata afirmara, os profissionais do
CTA, a despeito de não revelarem preconceitos explícitos, tinham que lidar por vezes com
questões conflitivas em relação a seus valores morais, e aprendiam com elas no dia a dia do
trabalho no CTA. Essa foi uma questão que eu pude apreender especialmente durante as
observações no ambulatório, registradas em meu diário de campo. Apresentá-la aqui é uma
forma de situar como os profissionais de saúde do CTA pareciam lidar com as questões que
atravessavam o serviço a partir de suas próprias moralidades.
108

7.2. As percepções sobre o público atendido no CTA

Uma questão sobre a qual tive a oportunidade de conversar algumas vezes com os
profissionais de saúde do CTA foi sobre o perfil do público atendido naquele serviço. Em
minhas observações pude notar que o ambulatório costumava ser frequentado em geral por
homens gays, mulheres transexuais, alguns casais (homo ou heterossexuais) e menos
frequentemente por mulheres cisgêneras. Sobre as pessoas que acessavam o serviço, Renata
uma vez chegou a afirmar que: O público da instituição reflete o próprio público da epidemia,
jovem, homem e gay, referindo-se à epidemia de HIV/Aids. Cora também afirmou que o público
atendido tendia a ser masculino e relativamente jovem, a despeito das variações de idade e
escolaridade:

A gente tem desde pessoas com alta instrução, como pessoas de baixa
instrução... tem pessoas de nível de 10 anos de estudos, mais de 10 anos de estudo.
Tem pessoas que não tiveram anos de estudo, que estão aqui... Pessoas da faixa de
30 a 45 anos, ou até um pouco mais, de 30 até uns 50 anos, mais ou menos. Em
geral são mais masculinos, homossexuais, com grau de instrução... pelo menos com
nível universitário incompleto, a maioria. (Cora)

Percebi que a presença de mulheres cisgêneras no ambulatório não era tão frequente
quanto a de outras pessoas. Por outro lado, a presença das mulheres transexuais era bem mais
comum, uma vez que o ambulatório de especialidades trans ficava logo ao lado do ambulatório
de IST. Ao perguntar sobre essa questão a Cora, ela me disse que percebia mais mulheres cis
frequentando o serviço agora do que antes, mas que ainda assim elas eram minoria em relação
a mulheres trans:

A população começou a ficar mais jovem. Nossa, mudou muito. Não se tinha
muita mulher no serviço, mulher cis no serviço, tinha bastante mulher trans. Mas
mulher cis eram poucas, agora a gente tem mais. Muito raro vir [mulheres cis],
ainda, mas você começa a ver mais... são normalmente casadas e que contraíram
alguma DST, e são encaminhadas para cá. Mas é difícil. Quando vêm, é porque
realmente o negócio pegou na UBS. (Cora)
109

Tendo em vista que a presença das mulheres cis no CTA não era tão expressiva, comecei
a me questionar se a maioria das que frequentavam o serviço não seriam justamente
profissionais do sexo. Entre as mulheres cis que eu abordava diretamente no ambulatório, uma
parte considerável acabava se identificando como garota de programa ou acompanhante. Não
parecia haver um consenso entre os profissionais de saúde sobre essa questão. Cora, por
exemplo, afirmava que:

As mulheres que vêm aqui são profissionais do sexo, a maioria, a imensa


maioria. Aqui a demanda é masculina. A imensa maioria, 90%, é homem, tá? Quem
vem mulher geralmente é profissional do sexo. Mas vêm porque conhece [este
serviço de saúde] né, porque não frequentam unidade de saúde em si. (Daniela)

Já Renata e Cezar me disseram certa vez notar um número maior de pessoas que
trabalham com sexo procurando o serviço nos últimos anos. Segundo eles, trata-se de homens
e mulheres que atuam na indústria de filmes pornográficos, e que chegam ao CTA em busca de
testagem rápida para HIV e outras IST, um requisito das produtoras para realizar filmagens. Na
visão deles, a conjuntura atual do país, marcada pela crise econômica, levaria mais pessoas a
recorrerem ao trabalho sexual. O que pude perceber durante a pesquisa é que as pessoas
engajadas em trabalhos sexuais constituíam uma parte relevante do público atendido no
ambulatório em questão. Nesse sentido, a partir das interlocuções estabelecidas ali, foi possível
ter uma visão relativamente ampla de algumas das práticas e modalidades de mercados sexuais
existentes na cidade naquele momento.
Considerando, por fim, que a pesquisa foi realizada durante a pandemia da Covid-19 em
2020, não se pode deixar de mencionar as falas dos profissionais de saúde que refletiram os
impactos da crise sanitária sobre o funcionamento do CTA, mesmo não sendo este o foco da
pesquisa. Assim como Renata já havia dito, Daniela confirmou a informação de que o público
atendido havia diminuído nos meses iniciais da quarentena. Ela, como médica, trabalhava
especialmente com usuários que apresentavam quadros de IST, e afirmou que o retorno destes
usuários trouxe consigo complicações no tratamento das infecções, uma vez que o medo da
contaminação do coronavírus fez evitarem a ida ao ambulatório, agravando este outro problema
de saúde:

A nossa rotina é lotada, porque a gente atende à demanda do dia... Então


funciona como um pronto socorro, entre aspas... Com a pandemia, vamos dizer que
110

zerou... veio aquele que tava muito mal, né? Baixou muito a demanda, e complicou
depois, né? ...Porque voltaram todos e vieram agravados, né? ... O pessoal das
PrEP viu, não faltaram. Eles vieram todos. Nem a PEP, nem a PrEP diminuíram,
só a prevenção. Agora o curativo diminuiu, diminuiu em todo o município, diminuiu
mesmo.
Com a pandemia a demanda diminuiu muito, praticamente desapareceu, e
isso teve uma implicação muito séria. Porque, portadores de IST, eles não saem
das casas. Quando eles começaram a sair, as IST já não eram mais simples, elas
já eram agravadas, mais difíceis de tratar. A gente teve que usar até outros tipos
de medicamentos, medicamentos mais caros. Então na verdade eles não vieram por
medo, e acabou agravando a IST. (Daniela)

7.3. A percepção dos profissionais de saúde sobre a transexualidade

Considerando o fato de que o CRT-DST/Aids-SP dispõe de um ambulatório


especializado no atendimento da população transexual e de que o próprio CTA também recebe
um número expressivo de mulheres trans como usuárias, foi interessante notar como a questão
da transexualidade era percebida pelos profissionais de saúde da instituição. Isso é
especialmente relevante quando também consideramos a questão sobre entrevistar ou não
mulheres trans, que marcou o início da minha experiência de pesquisa de campo.
A começar pelos nomes, pude observar que os profissionais de saúde usavam uma
variedade deles para se referir às mulheres que eu identifico na pesquisa como cisgêneras (cis)
e às mulheres transexuais (trans), o que está relacionado às suas percepções acerca da
transexualidade e do gênero. Maísa e Lilian, por exemplo, falavam em mulheres trans e
mulheres do sexo biológico feminino. Já Cezar falava em mulheres trans e mulheres hétero,
chegando a afirmar que: eu não entendo essa de cis, pra mim é mulher hétero. Era comum
também que os profissionais fizessem a diferenciação entre trans e mulheres mesmo. A
diferenciação, pois, entre mulheres cis e trans era demarcada biologicamente, pautada no saber
biomédico sobre o corpo (Le Breton, 2011), o que fica ainda mais evidente na fala de Daniela:

Trans masculina ou trans feminina? A trans feminina? Veja, a trans feminina


ela não é uma mulher, tá? Ela tem a estrutura genética do XY, então eu não vou
achar nela, por exemplo, uma endometriose, ela não tem ovário. Eu não vou achar
uma vaginose, porque a vagina que ela tem, se é que ela tem, não é uma vagina.
111

Elas não tem patologia ginecológica. Elas têm uma patologia, não sei se é
ginecológica, mas ela é induzida né, pelos hormônios que elas tomam. Muitas têm
atrofia de vagina, secura, mas não dá pra dizer que é doença... (Daniela)

As falas dos profissionais de saúde também indicavam a demarcação de diferenças


socioeconômicas entre mulheres cis e trans, nas quais a transexualidade também era associada
a alguns perfis específicos. Cezar, por exemplo, mencionou que: entre as mulheres hétero, você
dificilmente vai achar baixíssima renda, até vem algumas de Indianópolis44. Já entre as
mulheres trans haveria mais pobreza: vem dos rincões da zona leste, da zona sul45.
Nas primeiras conversas que tive com Lilian e Renata, elas também diferenciavam as
profissionais do sexo cis e trans, indicando que as mulheres trans viriam da rua, enquanto as
mulheres cis se apresentariam arrumadas, e tenderiam a ter uma maior escolaridade:

As mulheres trans você percebe que vêm da rua, percebe que são prostitutas;
as mulheres do sexo feminino apresentam maior grau de escolaridade, aparecem
arrumadas, só sabem que são prostitutas porque elas se identificam como tal...
Você vê, parecem mulheres como qualquer outra, mulheres normais... elas mesmas
falam com os médicos que fazem programa... muitas vezes sem vergonha nem nada.
(Renata)

Essas percepções também estão presentes nas falas de outros profissionais, como
Daniela, que afirma que as mulheres trans que chegam ao serviço tendem a ser mais pobres:

Aí a trans feminina tem um lance... a trans feminina que vem aqui, ela é muito
pobre. É pobre mesmo, tá? Tipo de estar frio e andar de sandália havaiana. E sim,

44
Avenida Indianópolis é uma avenida localizada na zona sul da cidade de São Paulo, próxima aos bairros de
Moema e do Planalto Paulista, conhecida por ser um ponto tradicional de prostituição de rua na cidade, sendo
ocupada por mulheres cisgêneras, mulheres trans e travestis. Por estar localizada em uma região de residentes das
camadas médias paulistanas, a presença da prostituição de rua nesta avenida é conturbada, sendo comuns os
conflitos entre seus moradores e as mulheres engajadas no trabalho sexual. Disponível em:
<https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2018/09/moradores-da-zona-sul-de-sp-ameacam-expor-clientes-de-
prostitutas-na-internet.shtml> Acesso em: 31 de janeiro de 2022.
45
Aqui cabe mencionar que a cidade de São Paulo é dividida entre cinco grandes regiões (também conhecidas
como zonas). São elas: centro, zona sul, zona norte, zona leste e zona oeste. As regiões mais distantes do centro
da cidade, a periferia, são regiões de pior infraestrutura e associadas à pobreza urbana, percebidas como lugares
de vida precária (Butler, 2019). É a isso que Cezar remete quando ele fala de mulheres trans que vem dos rincões
da zona leste, da zona sul. Disponível em: <
https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/subprefeituras/mapa/index.php?p=250449>.
Acesso em: 31 de janeiro de 2022.
112

elas aceitam ter relação sem camisinha para ganhar mais cinco, né? Muitas têm
várias patologias associadas. Então essas são muito pobres, a trans femininas.
(Daniela)

Já Maísa, quando perguntada sobre a diferença entre as mulheres cis e trans que se
prostituem, disse: a diferença é que as trans não escolhem entrar na prostituição. As mulheres
escolhem. Cora também reitera que as profissionais do sexo cis que chegam ao serviço vem
vestidas de forma normal, normal... tem umas que você vê que vem vestidas para fazer
programa, mas a maioria vem vestida normal, você não fala que é. Mas a maioria vem
discretinha assim, tranquilo. Camiseta, calça, uma legging... tranquilo. Ela também demarca a
diferença entre mulheres trans e cis no que se refere ao cuidado com a saúde e prevenção às
IST, atribuindo a cada uma um cuidado de si diferente. Eu percebo que mulher cis se trata
mais... ela percebe e ela encaminha. Eu percebo que o número de DST para mulher cis é menor.
Para mulher trans é grande.
As falas dos profissionais de saúde do CTA sobre questões relativas à transexualidade
nos sugerem a compreensão do gênero a partir de marcadores biológicos, e sob o referencial do
saber biomédico. Além disso, elas sugerem a vinculação da figura da mulher trans à ideia de
pobreza, além de serem mais facilmente percebidas como prostitutas em relação às mulheres
cis. Tais falas expressam, portanto, as moralidades dos profissionais de saúde em relação às
questões de gênero, bem como sobre a própria prostituição, sobre a qual falarei mais a seguir.

7.4. Percepções dos profissionais de saúde sobre as mulheres profissionais do sexo

Através das falas dos profissionais de saúde, foi possível notar que eles também faziam
diferenciações entre as profissionais do sexo cis, a partir de marcadores socioeconômicos.
Ainda nos primeiros dias no CTA, Cezar me disse perceber diferenças entre mulheres em
contextos distintos de prostituição, como entre aquelas que trabalham na rua ou em boates, em
regiões diferentes como na Luz ou na Rua Augusta46, e entre as mulheres mais jovens ou mais
velhas. Ele dá a entender que estas diferenças se constituiriam essencialmente sobre uma

46
Tanto o bairro da Luz quanto a rua Augusta estão na região central da cidade de São Paulo e são conhecidos por
serem pontos históricos de prostituição de rua e em boates. O bairro da Luz é conhecido por ser ocupado por
mulheres mais velhas e de menor renda, sendo também espaço de articulação de ONGs como a “Mulheres da Luz”.
Disponível em: < https://www.mulheresdaluz.com.br/> Acesso em: 31 de janeiro de 2022. A rua Augusta, por sua
vez, é conhecida especialmente pela prostituição que ocorre em boates, que atualmente convivem com outros
espaços de entretenimento como bares, restaurantes e casas noturnas. Para pesquisas realizadas na rua Augusta,
ver Pasini (2000).
113

questão de classe. Ou seja, em regiões como o bairro da Luz e em contextos de prostituição de


rua haveria uma presença maior de mulheres de camadas sociais baixas, ao passo que em outros
bairros e estabelecimentos como boates poderia haver mais mulheres advindas de camadas
médias. Da mesma forma, ele sugere que as mulheres mais velhas tendem a estar em uma
posição de maior precariedade em relação às mulheres mais jovens, que muitas vezes buscam
fazer programas por outros motivos além da necessidade financeira.
Ainda assim, Cezar afirmou que é comum que as mulheres atendidas no serviço venham
de regiões próximas de onde a instituição está localizada, em um bairro localizado em uma
região central da cidade, conhecido por ter uma boa oferta de serviços e infraestrutura.
Entretanto, ele afirma que tampouco aparecem mulheres de camadas altas. Tem um outro
grupo... por exemplo, de profissionais do sexo hétero ou bi, que seja, de altíssimo nível que não
chegam aqui... eu acho que elas têm dinheiro para pagar pelo serviço privado. Através das
interlocuções estabelecidas com as mulheres em campo, também pude perceber que uma parte
significativa delas vinha de regiões próximas ao bairro onde o CRT-DST/Aids-SP está
localizado, ainda que algumas delas afirmassem vir de outras regiões, como da zona leste.
Já em relação às faixas etárias, ele e Renata dizem perceber também uma presença maior
de mulheres jovens, entre dezoito e vinte cinco anos. Segundo Renata, estão na juventude, na
fase de experimentar, se aventurar, e atribui a isso o ímpeto de começar a se prostituir. Cora,
por sua vez, também afirma que a maioria são jovens, da faixa de vinte, poucas de 18. Mas na
faixa, mais ou menos, de 20 a 35, 36 anos
Cezar e Renata têm a percepção de que o trabalho sexual é geralmente exercido pelas
mulheres como algo temporário, como forma de obter um retorno financeiro rápido,
especialmente entre as mais jovens. Segundo Cezar, uma fala que elas trazem é que é por pouco
tempo..., mas me surpreende como chegou... eu vejo no serviço muita gente jovem. Esses
apontamentos se tornam mais claros na entrevista realizada com Cezar, já ao final da pesquisa
de campo:

Tem um número relativamente bom de meninas jovens, no campo da


profissão... no campo da prostituição... 20, 21, 22, 24, 25, que me surpreende, de
classe média-baixa, que vêm no serviço... você olha, fala "não... o quê?! ...você é
profissional do sexo?!"... E aí eu não entendo a pegada. Eu acho que é uma questão
do dinheiro rápido. Acho. Não é da necessidade crua, da vida financeira, de
sobrevivência... Essa é uma mudança diferente, o que acontece, o que aconteceu
no consumo, no adquirir bens... Essa coisa bem narcísica do individualismo
114

consumista... e do estudo. "Não preciso estudar", sabe? "Não preciso fazer


faculdade". É um projeto de vida muito a longo prazo... é caro, fazer cursinho... é
um projeto caro, de investimento, financeiro e pessoal... É uma dimensão de tempo
que é muito longa, sendo que o produto de consumo hoje te dá uma resposta
imediata. Então o corpo pra algumas pessoas... sei lá, é uma aquisição rápida.
(Cezar)

Ele, porém, afirma que também existe um perfil de mulheres pobres que acessam o
serviço, ainda que não seja um perfil majoritário:

Tem uma questão de profissional do sexo... aí vem pessoas muito simples,


muito pobres, digamos assim, aí é uma questão de sobrevivência mesmo, sabe? Aí
vem junto, a meu ver, além dessa sobrevivência, uma proximidade com o uso e
abuso de álcool e substâncias, sabe? Foi meio que indo as duas coisas... não é a
prostituição para se drogar, não. São ambas. "Eu transo, e ganho pra transar, mas
eu também me drogo"... e aí vai indo. (Cezar)

Daniela também afirma que as profissionais do sexo aparentam virem de camadas


médias ou altas, ainda que também atenda mulheres mais humildes:

As meninas que você sabe que são de casas menos... como é que eu vou dizer?
Que são empregadas das casas mesmo, elas são empregadas... elas já são mais
humildezinhas, mas isso é raro viu? O perfil é mais de um padrão médio para alto...
de profissional do sexo sim... (dos outros usuários) vêm todos, não dá pra ver isso,
é igual... Depende né? Tem algumas que trabalham no Café Photo47. Então o
cabelo dela é maravilhoso, dá até vergonha... tem outras que trabalham em casas
que têm por aqui. Tem uma aqui na avenida, aqui em frente. Elas sempre me dão o
endereço. Não dá pra dizer que são pobres, paupérrimas, mas não são iguais às do
Café Photo, não é? Paupérrimas elas não são não, não dá para dizer isso.
(Daniela)

47
Café Photo é uma casa noturna na cidade de São Paulo onde também são oferecidos programas sexuais. É
referida como uma “boate de luxo” para clientes de alta renda. Disponível em:
<https://www.cafephoto.com.br/#home>. Acesso em: 31 de janeiro de 2022.
115

7.5 Sobre o perfil socioeconômico dos usuários do CTA do CRT-DST/Aids

As falas dos profissionais de saúde do CTA trazidas neste capítulo, mais do que apenas
refletirem sobre suas percepções sobre o serviço e o público nele atendido, também revelam
algo do perfil socioeconômico dos usuários que o acessam. Ainda que eu não tenha me detido
nesta questão nos roteiros de entrevistas com os profissionais da saúde e com as profissionais
do sexo, a partir do trabalho de observação no ambulatório e das interlocuções estabelecidas,
pude formular também minhas próprias percepções sobre essa questão. Elas, em geral,
convergiram com o que foi apresentado pelos profissionais de saúde.
No que diz respeito ao público do CTA de maneira geral, assim como apontado pelos
profissionais de saúde, também pude perceber que a maioria dos usuários eram homens
cisgêneros jovens, cuja maioria parecia ser gay ou se relacionar sexualmente com outros
homens. Também tive a percepção de ser um público advindo de camadas médias, fora de um
contexto de vulnerabilidade socioeconômica. Em relação às mulheres profissionais do sexo,
não pude ter tanto contato com mulheres trans (pelos motivos já mencionados) para comparar
seu perfil socioeconômico com o de mulheres cis. Mas notei, por exemplo, que a única de
minhas interlocutoras que exercia a prostituição de rua era Alice, uma mulher trans. De modo
geral, tive a percepção de que as mulheres com quem conversei tendiam a vir de camadas
médias, e também não demonstravam partir de um contexto de vulnerabilidade
socioeconômica, ainda que pudessem mencionar a motivação financeira como razão para o
exercício do trabalho sexual. Algumas delas, como Raíssa, inclusive afirmaram ter concluído o
ensino superior. Por outro lado, também não conversei com nenhuma mulher que demonstrasse
vir de camadas altas ou ter um alto poder aquisitivo. Em suma, uma descrição comum que
poderia ser feita sobre minhas interlocutoras seria a de mulheres jovens e adultas morando em
diferentes regiões da cidade de São Paulo, e engajadas em diferentes formas de trabalho
sexual.48

48
As tabelas com os dados socioeconômicos de ambos os profissionais da saúde e as mulheres entrevistadas estão
em anexo (Anexo 1 e 2).
116

8. O encontro entre profissionais de saúde e profissionais do sexo: autocuidado, políticas


de saúde em IST-HIV/Aids e a produção de outras demandas

O objetivo deste capítulo é refletir sobre a relação entre os profissionais de saúde e as


profissionais do sexo a partir do atendimento prestado no CTA49. A partir disso, pretendo traçar
algumas reflexões sobre as políticas de saúde em prevenção às IST-HIV/Aids, tendo como base
minha experiência etnográfica neste serviço de saúde em particular, pensando em como tais
políticas se dirigem e são apreendidas pelas mulheres entrevistadas.
Para tanto, pretendo me deter sobre algumas questões específicas, como: a relação que
as mulheres entrevistadas estabelecem com a saúde e suas práticas de autocuidado,
considerando como isso influi sobre a relação que elas estabelecem com os profissionais de
saúde do CTA; o aprofundamento das percepções dos profissionais de saúde sobre o
funcionamento do ambulatório, e como eles apreendem as políticas de saúde de prevenção à
IST-HIV/Aids, especialmente no que se refere às profissionais do sexo; e, finalmente, qual tipo
de vínculo é formado entre profissionais do sexo e profissionais de saúde naquele serviço, e
quais demandas decorrem dali, pensando especialmente a demanda por atendimento em
ginecologia. O objetivo de pensar estas demandas é o de refletir sobre os efeitos produzidos por
essa política de saúde, e quais limitações e possibilidades ela expressa.

8.1. A vinculação histórica da prostituição às IST-HIV/Aids

O meu problema inicial de pesquisa, de pensar as possibilidades de uma agenda de


direitos sexuais para prostitutas a partir do seu atendimento em um serviço de saúde
especializado em IST-HIV/Aids, está ancorado na premissa de que há uma vinculação histórica
entre a prostituição e a temática das IST, que envolve as políticas de saúde e a posição do
Estado, os movimentos de prostitutas e trabalhadoras sexuais e a própria discussão de direitos
humanos. É por isso que desejo neste capítulo retomar este debate, uma vez que compreender
o modo como a prostituição e o trabalho sexual são vinculados ao debate em IST nos permite
compreender melhor os discursos que até hoje se dirigem a eles 50.

49
Aqui privilegio o uso do termo profissionais do sexo para enfatizar a forma como as mulheres que exerciam o
trabalho sexual eram chamadas pelos profissionais de saúde do CTA estudado.
50
Tive a oportunidade de discutir essa questão pela primeira vez durante minha participação no VI Simpósio
Gênero e Políticas Públicas (Campos, 2020b), promovido pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), em
117

Entender a vinculação da prostituição à temática das doenças e infecções sexualmente


transmissíveis pressupõe compreender a mobilidade de status pela qual ela passou no último
século. Se até metade do século XX, ela foi percebida, sobretudo pelo olhar da saúde, como
intrinsecamente associada ao risco de “doenças venéreas”51, a partir da década de 1980 há uma
virada, com a emergência dos movimentos de prostitutas e da epidemia de HIV/Aids. (Corrêa
& Olivar, 2014). Enquanto na primeira metade do século a prostituição era tratada pelo Estado
enquanto “mal necessário”, sendo tolerada, porém submetida a políticas de vigilância sanitária,
com o surgimento da epidemia da Aids a área da saúde se torna espaço de articulação política
de prostitutas e de promoção de políticas públicas, incorporando partir deste momento noções
e valores de direitos humanos e cidadania. O que se observa na atualidade é, portanto, a
permanência da vinculação entre a prostituição e a temática da IST-HIV/Aids, mobilizada,
porém, a partir de novos valores e discursos, ainda que ela se mantenha associada à noção de
risco e vulnerabilidade (Martin, 2003).
Como demonstra a literatura sobre prostituição, pensar o status da prostituição na virada
entre os séculos XIX e XX requer considerar a posição do Estado em relação a ela, e as
regulações sanitárias, policiais e penais às quais ela foi submetida, mobilizadas a partir de
amplas discursividades advindas do campo biomédico e jurídico. As correntes de pensamento
em relação à prostituição se dividiram neste momento entre as tendências abolicionistas e
regulamentaristas. Enquanto as teses abolicionistas criticavam qualquer possibilidade de
regular uma atividade considerada degradante, o regulamentarismo defendia políticas de
vigilância e controle sobre a prostituição, baseado em sua representação enquanto um “mal
necessário”. (Gaspar, 1988; Rago, 1991; Corrêa & Olivar, 2014).
A despeito da influência das posições abolicionistas, no Brasil prevaleceu a tese
regulamentarista, que se apoiou em grande parte na preocupação sanitária que associava as
prostitutas à disseminação de doenças venéreas. Dessa forma, a atitude do Estado em relação à
prostituição até a metade do século XX foi a de tolerância moral, acompanhada de uma forte
vigilância sanitária e policial sobre as prostitutas, que eram comumente circunscritas em regiões
específicas das cidades, como as zonas de meretrício. A interpretação da prostituição como
“mal necessário” supunha que, ainda que ela se configurasse em uma doença e representasse
uma ameaça de degradação moral, constituía-se em um mecanismo necessário de canalização

setembro de 2020.
51
A partir daqui serão utilizados ambos os termos “doenças venéreas”, “DST” e “IST” para referir-se a doenças e
infecções transmitidas por vias sexuais. A alternância entre esses termos pretende ressaltar a historicidade do tema,
tendo em vista que eles refletem a conceituação do mesmo fenômeno em momentos históricos distintos.
118

dos “instintos sexuais masculinos”, cumprindo assim uma função social. Pode-se afirmar que a
teoria do “mal necessário” foi, portanto, uma das discursividades dominantes durante toda a
primeira metade do século XX, impactando diretamente a opinião pública e as políticas
dirigidas à prostituição naquele período (Rago, 1991; Rodrigues, 2009; Corrêa & Olivar, 2014).
Tal ideia, por sua vez, advinha especialmente de formulações de médicos europeus, mas
era apoiada também por intelectuais de outros campos. Nas ciências humanas, é notória a
percepção de Simmel (1993) sobre o tema. Para o autor, ainda que a prostituição representasse
uma profunda desvalorização da mulher, ao rebaixá-la à impessoalidade das trocas monetárias,
ela desempenhava um contraponto necessário ao matrimônio. Uma vez que este se configurava
em um dever social, o serviço da prostituta permitiria o alívio das pulsões individuais presentes
no sexo masculino. Foi dessa forma, pois, que Simmel ofereceu, em 1892, uma explicação
sociológica para tal teoria, evidentemente datada no que se refere a gênero, a ser entendida em
contexto:

A prostituição continuará a ser sentida como um mal necessário. É esta a


consequência do conflito entre exigências da maturidade sexual e as exigências da
maturidade nupcial, consequência cujo caráter trágico não pode ser suprimido, mas
apenas atenuado, contanto que se vejam suas vítimas não mais como sujeitos de um
erro individual, mas como objetos de um erro social (1993, p. 15).

Não obstante, não pode se deixar de falar sobre a influência do discurso biomédico neste
processo de vigilância e circunscrição da prostituição, uma vez que “as investidas policiais
sobre o cotidiano das meretrizes fundamentaram-se nos tratados médicos e nas propostas que
elaboraram para gerir a sexualidade insubmissa” (Rago, 1991, p.128). Isso porque a prostituição
foi diretamente associada à propagação da sífilis pelas autoridades médicas do período. A
preocupação higiênica em torno do tema trouxe como consequência a atenção minuciosa para
a vida e os cuidados com o corpo das prostitutas. A relação entre prostituição e as chamadas
doenças venéreas, por sua vez, advinha em parte da vinculação da figura da prostituta à sujeira
e ao entendimento da prostituição em si como uma doença, (Gaspar, 1988; Rago, 1991).
Como exemplo da vigilância sanitária que recaía sobre as prostitutas, temos um
documento de 1935, sobre a organização do sistema de saúde da cidade do Rio de Janeiro, que
colocava a prostituição como um dos principais focos de atenção dos serviços de doenças
venéreas dos centros de saúde, devido à sua relação com a propagação da sífilis:
119

Será mantido nos dispensários anti-venéreos, logo que possível, um serviço


especial de vigilância, exercido de preferência por enfermeiras de Saúde Pública, com
o fim de descobrir os casos contagiantes de doenças venéreas, visando particularmente
a prostituição pública ou clandestina (Barros Barreto, Fontenelle, 1935, p. 97).

O que marca, pois, o olhar sobre a prostituição até a primeira metade do século XX é o
entendimento dela enquanto problema social, tornando-a objeto de vigilância moral, política e
sanitária. Este olhar começa a se transformar, contudo, a partir da segunda metade do século,
com o surgimento da epidemia de HIV/Aids e da articulação dos movimentos de prostitutas e
trabalhadoras sexuais. A partir deste momento, a discussão sobre prostituição e saúde pública
passa a incorporar novos discursos e valores.
A emergência da epidemia do HIV/Aids fez com que a prostituição voltasse a se tornar
uma preocupação central de saúde pública, de modo que as prostitutas experimentaram nesse
período um recrudescimento nas formas de discriminação (Rodrigues, 2009). Isso porque havia
no início da epidemia a noção de que apenas determinados grupos, considerados “grupos de
risco”, eram infectados pelo vírus do HIV. Grupos esses que, além das prostitutas, incluíam
homossexuais e usuários de drogas injetáveis (Parker, Bastos, 1994 apud Teixeira Rodrigues,
2009). Dessa forma, a ideia da prostituição como propagadora de doenças venéreas/IST se
intensifica com a chegada da epidemia de HIV/Aids (Martin, 2003).
Contudo, é na década de 1980 que se observa também o surgimento e a consolidação
dos movimentos de prostitutas no Brasil, tendo como marco inicial a eclosão dos protestos na
região da “Boca do Lixo”52, em São Paulo, nos quais prostitutas se reuniram para protestar
contra a violência policial que sofriam (Corrêa & Olivar, 2014). A partir disso, grupos de
prostitutas passaram a se organizar politicamente, dando origem aos movimentos que se
centraram em temas como “a luta contra a discriminação e a violência, inclusive policial, e a
luta pelo reconhecimento da cidadania das mulheres prostitutas” (Rodrigues, 2009, p. 69).
A partir destes acontecimentos, a prostituição entra na agenda de redemocratização
brasileira, tornando-se cada vez mais politizada ao longo da década de 1980, com lideranças de
prostitutas em diversas cidades, sendo Gabriela Leite uma das mais conhecidas (Moraes, 2020).
Em 1987, ocorre o I Encontro Nacional de Prostitutas, do qual decorre a criação da Rede
Brasileira de Prostitutas (RBP), a primeira organização de prostitutas surgida no país (Corrêa

52
A Boca do Lixo é uma área localizada na região central da cidade de São Paulo. Após ter sido um polo
cinematográfico na primeira metade do século XX, na década de 1970 esta região se tornou produtora da cena de
filmes de pornochanchada, ao mesmo tempo em que se constituiu como um ponto tradicional de prostituição. Foi
nessa localidade que, após episódios de repressão policial, eclodiram os primeiros protestos de prostitutas, que
posteriormente deram início aos movimentos de prostitutas. (Rodrigues, 2009; Moraes, A.F., 2020).
120

& Olivar, 2014). Em 1988, após a criação do Programa Nacional de DST/Aids (PN-DST/Aids),
ocorre o II Encontro Nacional de Prostitutas, cujo debate centrou-se na discussão de formas de
prevenção ao HIV/Aids entre prostitutas. A partir daí, a relação dos movimentos de prostitutas
com as políticas de enfrentamento ao HIV se estreitou, de modo que, ao longo da década de
1990, as organizações de prostitutas passem a integrar diversas ações no interior do PN-
DST/Aids (Corrêa & Olivar, 2014).
Dessa forma, os movimentos de prostitutas encontraram na área da saúde um espaço
privilegiado de articulação política e promoção de políticas públicas, tendo como maior
exemplo a sua participação na construção do Programa Nacional de DST/Aids (PNDST/Aids).
Com efeito, a temática da prevenção às DST-HIV/Aids foi o único acesso que os movimentos
de prostitutas tiveram ao Estado53, sendo também uma de suas principais fontes de
financiamento para ações e projetos. A partir da parceria com o Ministério da Saúde, as
prostitutas protagonizaram várias políticas e estratégias de prevenção ao longo das décadas de
1990, 2000 e 201054 (Bonomi, 2019).
O que busco enfatizar aqui é, portanto, como a prostituição esteve vinculada às doenças
venéreas/DST/IST durante o último século, incluindo os dias atuais. Se durante boa parte do
século XX ela fora entendida como propagadora de infecções como a sífilis e alvo de intensa
vigilância política e sanitária, com a emergência da epidemia de HIV/Aids e com o
florescimento dos movimentos de prostitutas, o debate sobre a prostituição passa a incorporar
novos valores e discursos, ligados à noção de cidadania e direitos. Isso, por sua vez, converge
com a ideia de que a gestão biopolítica da sexualidade na atualidade passa a ser também pautada
por valores no registro dos direitos humanos e sexuais (Carrara, 2015).
O que não muda, porém, com essa virada histórica e discursiva é o fato de que a
prostituição e o trabalho sexual permanecem vinculados às IST-HIV/Aids, sendo percebidos
como fator de risco e/ou vulnerabilidade para tais infecções. Sua entrada no discurso da saúde
pública se dá através desta temática, e esta mantém-se enquanto sua temática principal (quando
não exclusiva) no interior destes. Mesmo o movimento de prostitutas encontrou nas iniciativas

53
Os movimentos de prostitutas nunca conseguiram, por exemplo, estabelecer diálogos e parcerias duradouras
com a Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), do governo federal (Bonomi, 2019, p. 75).
54
Como alguns exemplos de campanhas e estratégias de prevenção organizadas pelos movimentos de prostitutas
que contaram com a parceria do Estado, podemos citar o manual de prevenção voltado a prostitutas e clientes,
elaborado pelo movimento e que foi posteriormente incorporado ao Programa Nacional PREVINA 1 (1989-1994).
Já nos anos 2000, o movimento de prostitutas esteve engajado junto ao Ministério da Saúde em campanhas como
a “Sem vergonha garota, você tem profissão”, que constituiu na divulgação de estratégias de prevenção a partir de
materiais que reivindicavam a prostituição como prostituição e a debatia como questão de direitos. Ao longo dos
anos 2000 e 2010, o movimento elaborou e participou de outras campanhas como a “Sem vergonha” (2006),
elaborada pela RBP (Rede Brasileira de Prostitutas) e a “Viva Melhor Sabendo” (2014) do Ministério da Saúde.
(Bonomi, 2019).
121

e políticas de enfrentamento à epidemia do HIV o seu espaço fundamental de atuação política.


Nesse sentido, a despeito do nome “grupo de risco” não ser mais usado para se referir a
populações como prostitutas, sendo substituído por termos como “população-chave” e pelo
conceito de “vulnerabilidade” (Brasil, 2017, 2018, 2021), no que se refere à infecção por HIV
ou outras IST “ainda persiste um sentido de que algumas pessoas correm um risco maior e
necessitam de maiores cuidados” (Singer, 1994 apud Martin, 2003).
Assim, a partir desta discussão, o meu propósito, a seguir, é refletir esta política de IST-
HIV/Aids e sua relação com a prostituição e o trabalho sexual hoje, na perspectiva local que a
pesquisa etnográfica me proporcionou, e a partir das três questões mencionadas anteriormente:
a relação de autocuidado e medidas de prevenção tomadas por minhas interlocutoras, a forma
como os profissionais de saúde do CTA do CRT-DST/Aids-SP apreendem o atendimento
prestado naquele serviço, e as questões e demandas que surgem a partir deste atendimento.

8.2. A aplicação da PEP e da PrEP no CTA

Uma boa maneira de apresentar o modo como eu observei a política de prevenção em


IST-HIV/Aids desde o ambulatório é atentando-se para a administração da PEP e da PrEP.
Anteriormente no texto, já havia introduzido estes tratamentos preventivos contra o vírus do
HIV, de acordo como são descritos pelo Ministério da Saúde. Convém recordar, porém, que a
PEP consiste “no uso de medicamentos antirretrovirais por pessoas após terem tido um possível
contato com o vírus HIV” (Brasil, 2021), devendo ser tomada por 28 dias, e a PrEP consiste no
“uso preventivo de medicamentos antes da exposição ao vírus do HIV, reduzindo a
probabilidade da pessoa se infectar com vírus” (Brasil, 2021). Uma vez que a PrEP não é uma
medicação de emergência, e sim um tratamento preventivo, ela não é recomendada a todos os
públicos, sendo direcionada para as populações compreendidas como populações-chave. Como
já visto, as pessoas que trabalham com o sexo são incluídas dentro dessa categoria, por estarem
associadas à ideia de apresentarem maior risco e/ou vulnerabilidade de contrair o vírus HIV:

Os públicos prioritários para PrEP são as populações-chave, que concentram a maior


número de casos de HIV no país: gays e outros homens que fazem sexo com homens
(HSH); pessoas trans; trabalhadores/as do sexo e parcerias sorodiferentes (quando
uma pessoa está infectada pelo HIV e a outra não). (BRASIL, 2021).
122

A partir das observações, das conversas e das entrevistas realizadas com os profissionais
de saúde do CTA, pude confirmar a aplicação destas orientações nos atendimentos com as
profissionais do sexo, atentando para como eles pareciam apreender e significar estes
tratamentos. Maísa e Cora, por exemplo, me confirmaram que profissionais do sexo e os
chamados “HSH” (homens que fazem sexo com homens) estavam entre as populações-chave
para aplicação da PEP e da PrEP, por serem entendidas como populações com maior
vulnerabilidade:

PrEP, é a medicação de uso contínuo. Então eu sinto que se a pessoa não


consegue gerenciar seus riscos, usar direitinho, no anal, vaginal ou no oral, [eu
recomendo usar] ... Então a PrEP seria só pra HSH e profissional do sexo, né? Por
causa dessas exposições... Se romper ou acontecer alguma coisa, já tá protegido,
tá? (Maísa)

Normalmente os HSH tem muitas parcerias. Então quando se vê solteiro com


muitas parcerias, a gente indica. Mais de cinco parceiras, independente se for num
dia, numa semana... a gente indica já a PrEP, tá? Profissional do sexo, essa alta
vulnerabilidade, e parceiros que são soro discordantes, que um é positivo, outro
negativo... a gente indica a PrEP. A princípio no serviço a gente abraçou essa
população LGBT, que tem esse perfil... (Cora)

Tendo isso em vista, Maísa me explicou que, enquanto aconselhadora no ambulatório,


seu objetivo é o de investigar a capacidade do usuário em gerenciar seus riscos nas práticas
sexuais, para verificar se é o caso de indicar algum dos tratamentos preventivos:

Eu já atendi algumas profissionais do sexo que não quiseram Prep. "Opa, eu


uso direitinho. Eu consigo". [pergunto]"Você consegue gerenciar os seus riscos?".
"Opa, eu consigo. Se romper no anal, romper no vaginal, ou o cara ejacular na
minha boca, eu venho fazer Pep, pra tomar só por 28 dias". Quando ela acha que
ela não consegue gerenciar ou ela tem medo de contrair o HIV, aí ela vem fazer
PrEP, tá bom? Então a PrEP, ela ajuda nisso. (Maísa)

O enfermeiro Júlio, por sua vez, apresenta um contraponto, ao afirmar que as mulheres
que trabalham com sexo tendem a ser mais cuidadosas quanto à prevenção às IST-HIV/Aids,
123

em relação a outras populações. Ele tem a percepção de que mulheres e meninas que não se
prostituem, mas têm vida sexual ativa e pouco acesso à orientação sobre sexualidade tendem a
apresentar mais vulnerabilidades no quesito da prevenção. Ele sugere que a recomendação do
Ministério da Saúde, de priorizar as profissionais do sexo nas políticas de prevenção e na
aplicação da PEP e da PrEP, acaba por dificultar o acesso de outras pessoas a este tipo de serviço
e tecnologias, como é o caso de mulheres não engajadas com o trabalho sexual:

Normalmente as garotas, as mulheres que fazem programas, é muito difícil


elas... é muito difícil [terem] sífilis, apesar que tem uma ou outra com sífilis. Mas
assim, o que eu quero dizer é que elas se cuidam, entendeu? Elas cuidam mais do
que as meninas que... talvez não tenham muita orientação, entendeu? Esse serviço
seria pra elas também, que são vulneráveis, né? Normalmente são meninas jovens,
quinze anos, dezoito anos, um pouquinho antes dos vinte anos, né? Que na
realidade elas não procuram se cuidar, né? As profissionais do sexo não. As
profissionais do sexo, elas procuram se cuidar.
Mas então, a recomendação do ministério é: relação sexual, [com]
rompimento de camisinha com profissional do sexo, tem indicação de PEP.
Relação sexual hétero, [com] pênis/vagina, onde não é profissional do sexo e não
tem nenhuma lesão, não tem indicação de PEP. Na realidade acho que isso precisa
ser revisto. Porque as meninas fazem muito sexo, só que elas não se cuidam, né?
(Júlio)

A fala de Júlio remete a um ponto, já apresentado anteriormente, que diz respeito ao


perfil do público que frequenta o CTA. Como visto, a maioria dos profissionais de saúde
afirmaram que o ambulatório era frequentado especialmente por HSHs (homens que fazem sexo
com homens) e profissionais do sexo, algo que eu também observei, sendo estas justamente
duas das populações compreendidas como população-chave para as políticas de prevenção em
IST-HIV/Aids. Assim, uma vez que estas políticas priorizam determinadas populações, tidas
como vulneráveis, são essas populações que parecem aderir mais a serviços como os prestados
no CTA. Já outros grupos, como o de mulheres cisgêneras não envolvidas com o trabalho
sexual, não pareciam chegar com a mesma frequência nesse serviço de saúde, conforma indica
a fala de Júlio.
No que se refere à indústria do sexo, uma fala de Daniela aponta que as tecnologias de
prevenção da PEP e da PrEP parecem bastante divulgadas e até requeridas neste meio. Ela
124

afirma que em sua experiência trabalhando no CRT-DST/Aids-SP, percebeu que, além da


realização dos testes rápidos, o uso da PrEP também já se tornou uma condição imposta pelas
produtoras pornográficas para a realização de filmagens:

Tem algumas coisas né, que mudaram, sujeitas a críticas..., mas não sei
como seria essa ação... por exemplo, filmes pornôs. O produtor obriga que eles
façam a PrEP e que façam o teste, por semana, o que é uma coisa redundante.
Porque você tá tomando a PrEP, você vai fazer o teste por que? Mas o produtor
manda, senão eles ficam desempregados. Esse é um gasto pro Estado, é um gasto
inútil. E é aquela história, só o HIV, eles não tão nem aí sobre o resto. Então o que
aparece no profissional do sexo, e a imensa maioria deles toma a PrEP, são as IST
mesmo. E assim, acidentes né? Estourou a camisinha... (Daniela).

Por parte das mulheres que entrevistei, algumas delas também se mostraram
familiarizadas com a PEP e a PrEP, e me contaram suas experiências usando estes
medicamentos. Natalia e Laís me descreveram como foi o seu processo para dar início ao uso
de PrEP. Natália, por sinal, ressalta a recomendação da medicação para grupos específicos,
como profissionais do sexo:

A PrEP, eu fui lá na [rua] Líbero Badaró fazer o teste rápido. Aí eu lembro


da moça, que é uma assistente social. Ela falou assim: "você conhece a PrEP?".
Eu falei "não, não conheço". Ela falou assim: "O PrEP é um remédio que você
toma para evitar o vírus do HIV. Tem que tomar todos os dias, no mesmo horário,
só que ele não previne as outras doenças. Gonorreia, sífilis, ele não previne. Então
eu recomendo que você faça esse tratamento com PrEP todo mês"... Eles
recomendam homossexuais a tomar o PrEP, profissional do sexo, pessoas de
riscos. Pessoas normais eu não sei se eles iam falar, mas pessoas na zona de risco
eles recomendam. (Natália)

Doença me preocupa. Só que eu já fui mais preocupada. Só que depois que


eu comecei a fazer esse tratamento do medicamento todos os dias, eu fico mais
aliviada. Lá onde eu moro tem um posto de saúde, né? Que é especializado nessas
doenças. Toda vez que eu vou lá pra poder pegar o medicamento, faz teste rápido,
e pede o exame pra saber se tá tudo ok... Eu ia lá mais quando acontecia essas
125

coisas, antes de eu fazer o tratamento... antes de começar a fazer o... é PrEP ou


PEP? Eu sempre esqueço... [eu tomo] todos os dias. Eu ia com bastante frequência
lá, porque já aconteceu de ficar o preservativo dentro de mim, ou de estourar, e o
cliente por má fé continuar transando, e eu sem perceber... é, já aconteceu... E
como isso aconteceu acho que umas duas ou três vezes, aí a própria moça falou
pra eu estar fazendo a PrEP, pra eu poder ficar mais tranquila, já que aquilo estava
acontecendo com frequência. Aí foi que eu decidi fazer... tem uns sete meses, acho...
(Laís)

Já Catarina e Carolina me contaram sobre suas experiências fazendo uso da PEP. Ambas
falam sobre casos em que o preservativo estourou durante o programa, ou foi tirado pelo cliente
sem o consentimento delas. Carol afirma que vê a possibilidade de contrair alguma infecção
como um dos maiores riscos do trabalho como garota de programa, algo que foi reiterado pelas
outras mulheres entrevistadas.

Foi em julho, a camisinha estourou e o cara gozou dentro. Eu fiquei


desesperada. Ele também ficou, mais ainda. E pra mim, quando o cara fica
desesperado, eu fico mais tranquila... mais ou menos né. Porque ele ficou com medo
de pegar alguma coisa... porque ele não tinha né. Agora se o cara ficar calmo, eu
já preocupo. Aí eu acho que ele tem... Aí eu vim aqui, eles orientaram e eu tomei o
remédio. Mas eu fiquei com medo, "nossa, será que eu tô com o HIV?". Quando
chegou os 28 dias que eu cheguei aqui que eu fiquei mais tranquila. (Catarina)

O lado negativo [do trabalho] são os riscos. Tem cliente que tira a camisinha,
tem cliente que fura a camisinha, o que já aconteceu comigo. A gente tem que estar
muito esperta. Os maiores riscos... é pegar alguma doença, com certeza. E a gente
está exposta. [Quando alguém tira a camisinha] eu fico muito brava, falo "porque
você fez isso?". Na verdade, é tão rápido quando eles fazem isso, e não dá pra ter
certeza se ele já tinha penetrado antes, se ele tinha camisinha, se ele tirou na hora...
Eu crio um pânico na hora, para a pessoa perceber o que ela fez. Aí eu penso, "meu
deus, e agora? Vou ter que ir lá..." Aí eu analiso direitinho, fico pensando no que
aconteceu... foram pouquíssimas vezes..., mas aí eu penso no que aconteceu, no que
eu preciso fazer. Preciso tomar pílula do dia seguinte, preciso vir aqui tomar a
126

PEP. E eles nunca assumem, eles vão embora, e o problema é seu. Essa é a terceira
vez [que venho tomar a PEP]. (Carolina)

O que observei na minha experiência em campo é que o público do CTA, em especial


as mulheres profissionais do sexo, tendiam a conhecer previamente a PEP e a PrEP e aderir ao
seu uso. Mais do que isso, no que se refere à PEP, ela parecia ser o carro-chefe do ambulatório,
no sentido de ser o atendimento com maior demanda. Em muitas das vezes em que estava no
ambulatório, eu podia observar que grande parte dos usuários aguardavam para receber essa
medicação, quando não a maioria. Em alguns dias, até mesmo os profissionais de saúde
pareciam se espantar com a demanda, como lembro-me de ouvir Renata dizer uma vez: Hoje
teve uma porrada de PEP, parece até como era antes da pandemia. Para além dela, outros
profissionais de saúde também me afirmaram que a PEP era o tipo de atendimento mais buscado
no CTA, como Cora, que me explicou que a demanda para esse tratamento se manteve alta
mesmo durante a pandemia:

PEP e PrEP... A gente tá numa pandemia, mas o perfil das pessoas tem
divulgado. Então elas estão se prevenindo mais, é o que eu observo aqui. Ontem eu
tive uma média de 50 atendimentos, mais da metade foi PEP. Você vê que a pessoa
está buscando, a prevenção. (Cora)

Minha surpresa em perceber como eram preponderantes estes tratamentos


medicamentosos no CTA, aliás, foi algo que se manteve após a finalização da pesquisa de
campo. A percepção que eu tive foi a de que o uso destas tecnologias neste serviço de saúde se
sobressaía em relação a outras formas de abordar a saúde sexual e a prevenção às IST-
HIV/Aids, de modo que estas temáticas pareciam estar apoiadas no uso destes medicamentos.
Essa questão, por sua vez, me remeteu ao que Preciado (2008) conceituara como “pharmaco-
pornographic regime”, no qual, partindo da discussão de Foucault (1999) sobre a biopolítica, o
autor propõe que a gestão dos corpos e da sexualidade na contemporaneidade passa cada vez
mais pelo uso de tecnologias farmacológicas, que não deixam de influir sobre a produção de
subjetividades.
No dia em que tive a oportunidade de entrevistar Cezar, que foi um de meus
interlocutores mais próximos em campo, ele pareceu concordar comigo nas impressões que tive
sobre esse tema. Segundo ele, as políticas de prevenção nos últimos anos haviam se centrado
cada vez mais no uso de tecnologias, como o teste rápido e as próprias PEP e PrEP, em
127

detrimento de uma discussão mais ampla sobre sexualidade e saúde, que poderia abordar,
inclusive, questões relativas a direitos humanos e cidadania:

Vi uma coisa que ficou muito voltada para a implantação do teste rápido. A
implantação do teste rápido é um elo desses anos para cá, que articula as áreas,
mas eu acho que ele tá dentro de uma tecnologia, não olhando a ideia de
vulnerabilidade, como um conceito... Agora o que que é falar de vulnerabilidade,
o que que é falar de prevenção, o que que é falar de direito... assistência, acesso?
Eu acho que esses itens, como conceito, foram se distanciando da tecnologia.
"Colocada a tecnologia, eu não preciso mais falar desses conceitos". Eu acho que
não. Faz falta na história política, e é um processo em que vários conceitos se
construíram... então acho que ficou muito voltado para a tecnologia. Essa
articulação existe entre as áreas, mas na tecnologia. Então isso... é uma crítica...
De 2005 pra cá ficou voltado para a tecnologia, e não para esse campo maior dos
direitos humanos.
E acho que a Aids também pode ter perdido alguma força política, de
enfrentamento. Ou seja, se a gente tem medicamento, respondemos. Se a gente tem
teste, respondemos. O restante não precisa mais. E a história da Aids não é essa.
É a luta para conquistar isso, mas outras coisas... direitos sociais, nome social,
direito ao serviço, às leis de não discriminação... Não criminalização da pessoa
que tem o HIV, que passa por isso ou que pode passar por isso. Direito a discutir
moradia, acesso à serviço, à saúde mental. Acho que no bojo da Aids veio a reforma
psiquiátrica, a implantação do SUS... então acho que isso deu um estofo maior para
lutas do DST/HIV-Aids. Não só da DST, mas acho que teve um corpo grande de
discussão. E ao ser respondido algumas questões muito focadas, essa visão mais
ampla foi sendo cerceada, foi diminuindo, a caretice chegou e... parou. (Cezar)

Acredito que é importante apresentar neste trabalho como as técnicas de prevenção à


IST-HIV/Aids são debatidas no contexto do CTA. Afinal, como a fala de Cezar enuncia, uma
abordagem de prevenção de cunho mais técnico e farmacológico também pode ser
problematizada a partir do debate de direitos humanos e direitos sexuais. Se meu problema de
pesquisa é refletir o atendimento a profissionais do sexo neste serviço de saúde à luz dos
discursos em torno da prostituição e do trabalho sexual, é importante notar os cruzamentos
128

feitos entre eles. Como já discutido nas ciências sociais, especialmente em estudos sobre a
sexualidade adolescente/juvenil:

-[...] proteção e contracepção devem ser tratadas... em um contexto mais amplo,


contemplando os padrões de gênero e de sexualidade dos indivíduos. Tal abordagem
permite escapar do enfoque puramente técnico dispensado à contracepção e às
DST/Aids, abarcando os diferentes fatores que facilitam ou dificultam o exercício da
sexualidade. Proteção e contracepção precisam ser compreendidas... como práticas
sociais – respaldadas pelos princípios de autonomia, liberdade, igualdade e
responsabilidade -, e não como métodos a serem utilizados em determinadas ocasiões
(Heilborn, Knauth, Bozon, Aquino; 2006, p.406).

Tendo isso em vista, fica a questão de como podemos pensar e debater a sexualidade e
a saúde sexual de mulheres profissionais do sexo de maneira mais ampla, em relação ao que foi
observado no atendimento em IST-HIV/Aids prestado no CTA estudado. Para isso, proponho
apresentar a seguir o ponto de vista das mulheres sobre o cuidado com a saúde, atentando para
como elas, ao mesmo tempo em que demonstram ter confiança neste serviço de saúde e aderem
às práticas de prevenção que advém dele, também dispõem de práticas e saberes de autocuidado
apreendidos no cotidiano do trabalho sexual, que não são compartilhados com os profissionais
de saúde.

8.3. As práticas de prevenção e de autocuidado entre as mulheres

Como dizia, todas as mulheres com quem conversei afirmaram sentir-se satisfeitas com
o atendimento recebido no CTA do CRT-DST/Aids-SP e disseram procurar ir a serviços de
saúde como este regularmente, para fazer testes para HIV/IST e ter acesso à PEP e/ou PrEP.
Natalia, por exemplo, afirma que conheceu a instituição através de um ex-namorado,
soropositivo para o vírus do HIV, que a convenceu a realizar testes rápidos. Desde então, ela
passou a frequentar este e outros locais para fazer testes e receber orientações sobre prevenção
a IST-HIV/Aids. Já Catarina me contou que foi o cafetão da casa em que trabalhava que lhe
apresentou o CTA, de forma que já fazia alguns meses que ela frequentava o serviço:

Eu vim porque ele falou assim: "ah, você nunca fez teste rápido". E ele falou:
"vem fazer um dia". E eu... com o cu na mão, porque eu já fazia as coisas. Aí ele
falou: "vem fazer". Aí eu fiz, eu falei, "tá, agora eu vou me cuidar", e comecei a
129

fazer. Porque quando uma camisinha estoura, você tem que fazer o teste depois de
um mês. Não adianta fazer [o teste] em 10, 15 dias. É só depois de um mês, porque
aí, se acontecer qualquer coisa você já vê no exame do teste rápido. (Natália)

Eu trabalhava numa casa aqui perto da Vila Mariana. O cafetão que falou
daqui. Ele vem aqui trazer algumas meninas, se a camisinha estourar, alguma coisa
assim... aí ele que falou. Já tem uns cinco meses [que venho aqui], ou mais... seis.
(Catarina)

Raíssa, por sua vez, explica que procurou o CTA para fazer testes rápidos, exigidos para
realizar filmagens de filmes pornôs. Na ocasião, ela conseguiu ainda fazer exame para a Covid-
19:

Eu tive um outro trabalho né, que eu faço filme pornô. Que eu gosto muito
também, até pela questão da segurança. Então vim aqui no centro... como que
chama? ...Centro de referência e treinamento... fiz os exames, fiz exame de covid
também, tudo ok, graças a deus. Porque uma produtora séria quer um perfil sério
de garotas e garotos que não causem nenhum tipo de problema para a equipe.
(Raíssa)

Ao ser perguntada sobre como foi o atendimento prestado naquele dia, Morgana me
disse que foi bem orientada e recebeu bastante informação sobre formas de prevenção à
IST/HIV. Já Laís enfatizou que não sentiu diferença no tratamento ao se identificar como garota
de programa. Alice, por sua vez, disse que já recomendou o serviço a outras pessoas.

Ela me explicou bastante coisa agora, né? A questão da PrEP, da PEP e tal...
eu não sabia, porque lá [na Itália] a gente não tem acesso a isso, entendeu? Porque
ela perguntou, né, se eu fazia com camisinha ou sem, e no oral... Ela [disse], "é,
mas o oral também [transmite IST]", meio que dá igual assim, né? (Morgana)

Nesse caso de ser hospital que é especializado nessas doenças, eu acho que
é uma coisa bem comum, né? Então eles tratam normalmente. Talvez em outro
hospital com várias outras especialidades, talvez seria diferente, mas aqui não.
(Laís)
130

Já teve meninas que precisaram, eu falei "oh, vai lá no CRT, que lá eles fazem
isso, isso e aquilo". Que é mais específico, né? (Alice)

As mulheres também mostraram uma boa aderência às formas de prevenção divulgadas


pelas políticas de saúde, afirmando, principalmente, não dispensarem o uso do preservativo
durante os programas. Ao serem perguntadas sobre o que elas compreendiam como riscos no
trabalho sexual, todas deram como resposta a possibilidade de contrair alguma doença ou
infecção. A segunda resposta mais mencionada foi sobre a possibilidade de se deparar com
algum cliente agressivo ou com alguma situação de violência durante os programas. Isso fica
evidente, por exemplo, nas falas de Alice e Catarina:

Eu acho que, por mais que a gente tome cuidado, todo cuidado, o risco acho
que é sexual, eu acho que é o de DST. A gente toma muito cuidado, mas... né? Cem
por cento, cem por cento, sempre acontece alguma falha, alguma coisa. Então acho
que é de DST. Nunca passei por problema de tipo... já, já fui assaltada. Já fui
assaltada, mas isso são coisas eventuais, não é coisa que acontece toda semana,
né? Então acho que você estar em contato com tantos tipos de pessoa todos os
dias... por mais que você se previna..., mas eu acho que o maior perigo é esse. Eu
creio que seja esse. (Alice)

Alguns falam "vamos fazer sem camisinha?", "não tem nada não". E eu
"não", não deixo, de jeito nenhum. Eu não deixo, eu falo "e se você tiver alguma
doença? E se eu passar pra você e você passar pra sua esposa?" Quem garante?
Tem uns que, "aí, te dou um dinheiro a mais", é assim. A maioria [é casado], é raro
ter solteiro. A maioria é casado. Todos, praticamente, são casados. Acho que toda
garota tem que tomar cuidado, muito cuidado mesmo. Porque eles [clientes] tentam
manipular a gente, pelo dinheiro. Então, é o cuidado... com doença. Porque tem
cara que tenta comprar a garota. "Eu te pago 5 mil se você deixar eu fazer sem
camisinha". Então aquele cara tem alguma coisa, se ele tá pagando ele tem alguma
coisa.
Carla: Além da doença, você tem algum outro medo?
131

C: Você pegar algum cliente maluco, doido... você não sabe quem tá entrando
dentro da sua casa. Então é você pegar um cliente doido e fazer alguma coisa... ou
armar alguma coisa. (Catarina)

É interessante notar também como Catarina menciona que adquiriu o hábito de usar o
preservativo e fazer testes de IST/HIV após se tornar garota. Além disso, ela menciona que foi
após começar a frequentar o CTA que criou o hábito de usar o preservativo inclusive no sexo
oral. Já Alice apresenta o contraponto de que o cuidado com a prevenção que ela tem durante
os programas é maior do que em suas relações pessoais, nas quais ela às vezes dá uma
escorregada:

Eu uso preservativo, chupo com camisinha. Já chupei sem? Já, no início. Mas
depois que eu comecei a frequentar aqui, eu coloquei a camisinha para fazer o oral.
E quase todo mês eu faço o exame. Não tinha [esse cuidado antes]. Eu usava
camisinha, mas era muito raro. Se eu visse que eu tava gostando, eu não usava.
Depois que eu virei garota que eu comecei a usar. Até com o meu namorado eu uso
ainda. Porque o meu medo é de passar pra ele, alguma coisa. Eu acho que toda
garota tem que fazer esse exame, todo mês. Porque tem garota que não tá nem aí.
(Catarina)

Eu tô indo lá na prostituição, com meus clientes me cuido... aí vou marcar com


uma pessoa, né? A gente tem afinidade, faz meu tipo... Às vezes você se deixa levar
pelo tesão... Na rua, tanto no oral quanto na... penetração, sempre camisinha. Em
casa, a gente se falar que faz oral de camisinha num cara que você tá a fim...
mentira! Você não faz oral com camisinha. Beleza. Já é um risco. É menor? É. Mas
é um risco. Mas aí que tá, aí você tá lá com a pessoa... de vez em quando dá aquela
escorregada e você transa sem camisinha. Transa sem camisinha e... às vezes você
se ferra. (Alice)

De modo similar, Morgana também afirma que foi na prática do trabalho sexual que ela
desenvolveu hábitos de prevenção. Ela menciona que foi especialmente a partir de sua
experiência com filmes pornográficos que adquiriu o hábito de fazer testes para IST/HIV
regularmente:
132

Eu sempre fiz exames, eu nunca deixei... fiz filme pornô muitos anos, então
assim, eu desde o tempo do pornô eu aprendi que tinha que fazer exame a cada três
meses, né? Até porque eles exigem, né? As casas de produções exigem, e também
por minha própria saúde, porque é um risco, né? Eu não fazia filme com camisinha
nem nada, então justamente... (Morgana)

Assim como Catarina havia afirmado, Natália e Raíssa também me disseram que é
comum que os homens queiram pagar mais pelo programa para transarem sem preservativo.
Elas, porém, afirmam não aceitar esse tipo de proposta. Inclusive, ao falar sobre seus trabalhos
com filmes pornôs, Raíssa afirma que é comum que atores e atrizes aceitem realizar filmagens
sem preservativo, também visando receber pagamentos maiores, atitude a qual ela reprova.

Eu não tomo anticoncepcional, porque eu tenho muito hormônio, e eu sempre


carrego camisinha. Eu não confio. "Ah... vamo fazer sem", não! Não te conheço!
"Ah, mas eu...", não! Não te conheço!... E tem muito casado que pede sem
camisinha, não são poucos. Já me ofereceram, por uma sessão, é 300 [reais] vai,
já me ofereceram 500 reais pra fazer sem camisinha. Eu falei não. Porque é a
minha saúde e depois eu vou me prejudicar. A minha saúde vale muito mais do que
muito dinheiro. Já me ofereceram, tipo, por uma hora, 10 mil reais sem camisinha
e eu recusei. (Natália)

Também não aceito qualquer programa, porque tem muitos homens que
confiam mais em uma garota de programa, do que em uma moça que, por exemplo,
está numa balada. No sentido sexual, eles querem pagar mil, dois mil reais para
ter a relação sem preservativo. Nessa confiança, porque eles sabem o quão cuidado
a maioria, pelo menos, tem. Mas eles ainda têm isso em mente, de que nós somos
mais responsáveis nesse sentido. Mas eu falo: "olha, você pode até confiar em mim,
obrigada! Mas eu não confio em você!". Mas eu falo de uma maneira sútil. Na
minha cabeça eu falo, "meu, você é um trouxa. Você é louco!" ...Sabemos que sífilis
é o ponto alto de contaminação, nesse meio [do pornô]. E por conta da pandemia,
os trabalhos têm diminuído. Então tem muitas pessoas que topam fazer os jobs sem
preservativo, na intenção de receber mais... e a sua segurança fica deixada de lado.
Eu não aceito! Faço teste e faço tudo com preservativo! Até mesmo o [sexo] oral.
Porque hoje tem alguns tipos de preservativo que eles ficam praticamente invisíveis
133

no corpo, né? É até interessante. Eu fiz um trabalho com um homem negro, que nós
usamos uma [camisinha] café, que tinha sabor café, então ficou invisível! Quem viu
a cena, não parecia que tinha nada ali, mas nós sabemos que tinha... Então o perigo
também de ser uma garota de programa são os filmes, porque os homens se
baseiam no que eles veem no pornô. (Raíssa)

Em geral, quase todas as mulheres afirmaram não aceitar fazer programas sem o uso de
preservativo, ainda que elas reconhecessem haver outras garotas de programa ou
acompanhantes que aceitavam este tipo de proposta. A única mulher que admitiu por vezes
transar sem camisinha foi Irina, que disse: Às vezes o cliente oferece muito mais para transar
sem camisinha, e a gente acaba aceitando. Já Carolina disse que às vezes abre concessões para
fazer o sexo oral sem preservativo, sob a condição de ter o olho bom para examinar o pênis do
cliente:

A gente pode fazer praticamente tudo com os cuidados. Usar camisinha. Eles
perguntam muito, “você chupa sem camisinha?”. Eu falo, “só tem como saber na
hora”. Porque na verdade, não era pra nenhum, para não ter o sexo oral sem
camisinha. Mas realmente isso não acontece, tem muita menina que faz o sexo oral
sem camisinha... então na hora a gente tem que ser muito, a gente tem que ter o
olho muito bom. (Carolina)

O que Carolina diz, sobre ter o olho muito bom, nos leva para outra questão, no que diz
respeito à prevenção contra IST-HIV/Aids e o cuidado com a saúde e o corpo. O que pude
perceber através das entrevistas com as mulheres é que, ao mesmo tempo em que elas
afirmavam seguir as orientações do campo da saúde para se prevenirem durante os programas,
e mostravam ter uma boa relação com serviços especializados em IST-HIV/Aids, como o
estudado, elas também dispunham de outras práticas e saberes de autocuidado que não
advinham dos discursos biomédicos, e que por vezes não eram compartilhados com os
profissionais de saúde. Isso significa que, enquanto elas pareciam estar habituadas ao uso do
preservativo e alegavam fazer testes para IST/HIV com regularidade, elas também mostravam
mobilizar outros tipos de saberes e práticas a partir de suas experiências nos mercados do sexo.
Isso evidencia-se quando Carol fala que sua experiência lhe permite examinar o corpo
do cliente, a fim de buscar qualquer marca ou ferida que possa indicar uma infecção. Aqui, ela
mostra um comportamento de prevenção e autocuidado que não se restringe ao uso do
134

preservativo e de outras tecnologias, e que representa, de modo mais amplo, a sua atitude diante
do trabalho sexual, o que inclui a empatia pelo cliente:

É a empatia que tem que ter com a pessoa. Pegar e olhar. Aí vai tomar
banho... então na hora que olha, eu já consigo ver, se tem verruga, se tem mal
cheiro. Todas as meninas conseguem ver... já no bate olho. Mas não é 100% seguro,
não é. Só bater o olho e dizer... mas como o HIV não é transmitido com o sexo oral,
só com a ejaculação. Eu não deixo nunca, jamais ejacular na minha boca. E eu
tento no meio ali, só dar uma lambidinha e já colocar a camisinha. Eu tento me
preservar de alguma maneira, mas não dá pra sempre falar não... Se eu vejo [algo
diferente], eu finjo que não percebi nada e já coloco a camisinha. Aí eu passo o
gelzinho, começo a chupar com a camisinha, para dar aquele... para continuar e
ficar com a camisinha e não perder o clima, porque você tem que continuar. E eu
não posso falar pra pessoa, “nossa, você tem uma verruga”, eu não tenho esse
direito. Eu não sou médica, né? (Carolina)

Essa forma de comportamento e autocuidado também foram percebidos entre outras


mulheres. Laís, por exemplo, também demonstra que o cuidado com a prevenção durante o
programa envolve a atitude que a garota de programa tem em relação ao cliente. Assim como
ocorre com Carolina, ela também busca examinar o corpo do cliente de forma sutil, e a partir
disso estabelece as condições do programa, o que inclui o uso do próprio preservativo:

[A conversa sobre condições] acontece no decorrer do programa. Se a gente


chegar na sala e ver que o cliente tá com o pênis estranho... ele vai pedir pra você
fazer um oral, você vai ter que ter um joguinho de cintura: “amor, vamos usar o
preservativo”. E isso não é conversado antes assim que entra, sem você saber que
tem ou não tem. Se o cliente tem mal hálito ou não, sabe? É no decorrer... Se o
cliente tem mal hálito eu evito beijar... viro o rosto, sabe? Beijo não querendo
beijar. Se está com mal cheiro no pênis, vamos usar o preservativo, sabe? (Laís)

Da mesma forma, Laís demonstra dirigir esse olhar examinador sobre o próprio corpo,
buscando estar atenta a qualquer corrimento ou odor diferente:
135

A gente tem que se conhecer mais, notar um corrimento diferente, um mal


cheirinho, a gente tem que prestar mais atenção. Porque se antes de ser garota de
programa não é uma coisa... a gente vai entender que é uma bactéria comum. A
gente sendo garota de programa não, a primeira coisa que passa pela cabeça é que
pegou de alguém, de algum cliente, então o cuidado é maior. (Laís)

A relação de Natália com o corpo e a saúde, por sua vez, é dotada de algumas
especificidades, visto que ela é adepta das práticas do BDSM. Ainda assim, a atitude que ela
demonstra ter com as práticas fetichistas também evidencia uma noção de autocuidado que
mobiliza saberes característicos deste meio. Isso porque cada prática do BDSM presume uma
preparação específica do corpo. Para ingerir urina, por exemplo, há de se fazer exames nos rins.
Para sessões de espancamento (Spanking), há técnicas específicas para não deixar a pele
marcada. E assim por diante.

Não é chegar, assim... alguém chegar já te batendo...tem todo um preparo,


tem o conversar, tem o combinado, nada é, tipo, bagunçado. Se você não falar o
que permite, o outro vai achar que pode tudo. Igual o ‘fisting’ [penetração com o
punho], eu odeio o ‘Fisting’, que é colocar a mão, vaginal, anal, eu não gosto!

Ninguém sabe a preparação da cena antes do ‘Spanking’, ninguém sabe a


preparação da cena de vômito, ninguém sabe a preparação da chuva dourada, tem
tudo uma preparação, tem o antes, o durante e o depois. Porque se eu ficar roxa,
eu vou ter que depois passar uma pomada, para não ficar, porque se o ‘Xvideos’
vê que tá roxo, para eles é agressão, eles não permitem. Eu já fiquei um mês sem
trabalhar porque eu tava muito roxa...

Se falarem “toma seu vômito”, ele é meu, do outro não. Porque eu tenho
que... porque assim, você tem que vomitar e engolir imediatamente, não pode
passar um tempo e depois engolir. O vômito não faz mal, mas o cocô, o xixi, faz
mal... a pessoa tem que fazer exame, principalmente do xixi, do cocô... (Natália)

Ao explicar as condições nas quais ela ingeriu a urina (chuva dourada) de um cliente,
ela afirmou:
136

Só que ele tomou mais de dois litros de água, não sinto o gosto da urina... só
que, ele me mostrou o exame do rim. Por que? É o rim que faz a circulação do
sangue, que faz você expelir urina. Então se o rim estiver ferrado, ele não
recomenda ninguém a fazer... A chuva dourada a pessoa tem que tomar muita água,
eu só faço com uma pessoa. Ela toma muita, muita, muita água, aí engulo. Mas
fora isso, não. (Natália)

Percebe-se nas falas acima que a atitude de Natália diante das práticas do BDSM revela
saberes característicos sobre a saúde, que implicam uma noção particular de autocuidado. Ela,
inclusive, mobiliza termos do vocabulário biomédico para se referir a estas práticas e suas
preparações, mencionando órgãos do corpo, suas funções e a realização de exames. Contudo,
esses não são saberes que ela compartilha com os profissionais de saúde, ou mesmo que
cheguem a ela pelo campo da saúde. Na verdade, apesar de Natalia ter a preocupação de ir a
serviços ambulatoriais especializados em IST-HIV/Aids para fazer testes rápidos e fazer o uso
da PrEP, como visto, ela não compartilha com os profissionais de saúde informações sobre as
práticas do BDSM e seus efeitos na saúde, reservando este tipo de conversa para outras pessoas
de seu meio. É nessas pessoas que ela expressa sentir confiança para tratar dessas questões. Foi
o que ela me disse quando lhe perguntei se ela pediria orientação nesse quesito para algum
profissional de saúde do CTA:

Não, eu não perguntaria, porque eu já tenho as pessoas específicas para


perguntar. Eu não perguntaria, porque assim, nem todo mundo sabe. Eu sou uma
pessoa que eu vivo aprendendo todo dia. Não sei de tudo, mas eu aprendo a cada
dia. Eu pergunto, e se eu não sei, vou no Google e procuro. “Ah, tá certo?”, e se
não estiver certo eu pergunto pra quem entende mais do que eu... [como] um
dominador, [um] cliente, que ele tá há mais de 20 anos no BDSM. Ele que me
ensinou a sentir prazer com spanking de cinto de couro, porque eu não tinha.
(Natália)

Como exemplo disso, ela afirma que foi um cliente que a orientou a não fazer práticas
que envolvem fezes:

Tem pessoas que fazem, mas o cliente já falou para mim “não faz, eu sei que
você tá fazendo o pesado, mas não faz porque depois você vai parar no hospital. E
137

não vão te dar antibiótico barato, vão te dar antibiótico caro, e a pessoa tem que
te pagar um bom cachê para você ficar parada.” (Natália)

A despeito da especificidade de se tratar do universo do BDSM, as falas de Natália


convergem com as das outras mulheres, ao mostrar como existe uma relação de autocuidado
com o corpo e a saúde que não se restringe às tecnologias de prevenção à IST-HIV/Aids, e que
mobiliza saberes e práticas aprendidos a partir da experiência com o trabalho sexual. Isso é
observado também no relato de Morgana, que afirmou focar em práticas de sadomasoquismo,
pretendendo focar nesse nicho. Ao contrário de Natália, porém, Morgana não era do meio ou
entusiasta de práticas fetichistas, e começou a pedidos dos clientes. No caso dela, as práticas
sado (de amarrar, bater, etc) se tornaram mais convenientes porque promovem menor contato
físico, o que significa um risco menor de contrair uma infecção sexualmente transmissível.
Além disso, assumindo a posição de dominadora, ela consegue impor suas condições aos
clientes:

Aprendi fazendo isso mesmo na prática, através dos pedidos dos clientes
mesmo, porque eu toco pouco neles, na questão... tenho relação sexual sim, mas
com o ‘strap on’ [dildo]... é uma coisa que eu não tenho contato direito. Nesta
tipologia de clientes, eles respeitam, entende? Então pra mim, é melhor por uma
questão de saúde né? Não que eu não faça as outras coisas, faço também, e já é um
risco, é uma exposição, eu sei disso. (Morgana)

Morgana menciona que foi justamente a partir da vivência com o trabalho sexual que
ela aprendeu a desenvolver técnicas de autocuidado com a saúde, outra vez, um saber prático.
A partir de suas experiências, ela começou a associar algumas práticas sexuais ao
desenvolvimento de infecções e outros incômodos, e assim deixou de fazê-las nos programas.
Ela evita, principalmente, que os clientes a toquem de maneira mais íntima e façam sexo oral
nela.

Mas eu acho que realmente aprendi na vida assim, sabe? O que eu tô te


falando, coisa que eu não sabia, eu deixava gente me chupar. Eu deixava gente
colocar... a mão. Eu não deixo há anos, ninguém! [Quando perguntam] “O que que
você faz?”, [eu digo] “ah vem cá que eu te mostro o que eu faço”. E quando eles
perguntam, “faz isso?”, “você faz anal?”, [respondo] “não!”, “deixa eu te
138

chupar?”, “não!” (risos). É até uma piada, eu faço várias outras coisas que não
sejam necessariamente isso. E cada vez que vinha um puto colocar a mão em mim,
ou com a língua, vinha cândida. Aí eu ficava zoada, de cândida, tipo uma semana,
não trabalhava. E aí eu comecei a meio que associar, falei “não, para! Eu quero
ter nada, de ninguém!” Um dos motivos que eu acho que eu vou dar uma parada
aqui no Brasil, porque eu conheço meninas que... como eles oferecem lá tá? Mais
dinheiro pra transar sem camisinha, e a pessoa aceita. Peraí gente, você tá
pagando pra prostituta, que é um grupo de risco, pra fazer sem camisinha? Você
já tem a doença nitidamente. Como que é a pessoa não consegue entender isso,
sabe? E tem menina que faz. Acredite, tem menina que faz. Trans, na maioria das
vezes. Eu tenho nojinho. (Morgana)

Porém, por conta das restrições que impõe, hoje Morgana se vê como limitada, o que
interfere na quantidade de trabalhos que consegue fazer. Ela, inclusive, menciona esta como
uma das razões para ter deixado a Itália:

Faz uns anos já que lá [na Itália] não tem mais dinheiro, e eu também ficava
na minha casa. Chega muita menina nova, muita gente que faz tudo, e eu sempre
limitada. Eu fui vendo que já não... coronavírus, não vou arriscar. Eu já tava meio
que sem campo lá, sabe, assim, que eu tava percebendo... Eu fiquei muito limitada
depois de um certo tempo, antes eu fazia meio que tudo, entendeu? E tipo, “foda-
se, faço, tô aqui pra isso”, né? Mas agora eu deixei de fazer porque, pô... anal eu
já não faço há uns dez anos. Olha, eu não faço anal, eu não deixo me lamber...
(Morgana)

Ainda assim, Morgana afirma que consegue manter algumas práticas dentro de suas
restrições, bem como manter uma boa clientela:

Bom, tem uma espanhola pra fazer, eu chupo, eu transo... mas eu sou muito
mais dominante, sabe? Então tipo, o cara só chega e deita, e deixa que eu faço.
“Você nem vem com essa mão de polvo que não vai encostar”. Mas ainda assim,
eu tenho bastante cliente que volta. (Morgana)
139

O que Morgana diz sobre as limitações que impõe aos clientes durante os programas
remete à questão já discutida anteriormente sobre a separação entre vida pessoal e pessoal.
Dentro da “divisão simbólica do eu” compreendida por Gaspar (1983, 1988), e também como
observado nas práticas que Pasini (2000) chama de “limitações corporais simbólicas”, o
agenciamento da corporalidades pelas mulheres que exercem o trabalho sexual é uma
ferramenta de delimitação entre suas vidas pessoais e profissionais, o que inclui a separação
entre suas relações com clientes e não clientes.
Para além do controle das emoções, o modo como se dispõe o corpo também é uma
forma das mulheres de preservarem seu “eu” pessoal no contexto do trabalho com sexo, o que
envolve diretamente o cuidado com a saúde e com a higiene. Afinal, manter práticas de evitação
do contato íntimo, como os relatados por Morgana, é uma forma não apenas de se preservar e
de buscar o cuidado da própria saúde, mas também uma forma de “deslocar de si para o cliente
a responsabilidade pela transmissão de doenças” (Pasini, 2000, p.192). Como evidência disso
está o fato de que em relações não profissionais, o mesmo cuidado nem sempre é dispensado,
como aponta Alice ao dizer: Eu tô indo lá na prostituição, com meus clientes me cuido... aí vou
marcar com uma pessoa, né? A gente tem afinidade, faz meu tipo... Às vezes você se deixa levar.
Isso porque o cuidado com a prevenção não é o mesmo no contexto pessoal e no contexto do
trabalho, visto que são relações pautadas por valores distintos, de modo que até uma “possível
contaminação pelas parcerias é considerada legítima” (Idem, p.193) em relação a parcerias
profissionais.
De forma geral, o que é possível concluir a partir dos relatos e falas trazidos até aqui é
que as mulheres com quem conversei demonstravam ter uma boa relação com o serviço de
saúde estudado e ter uma boa aderência às práticas de prevenção em IST-HIV/Aids divulgadas
pelo campo da saúde, especialmente no que se refere ao uso do preservativo durante os
programas. Contudo, a forma como elas demonstram se relacionar com a saúde, o corpo e a
sexualidade em contextos profissionais não se resume a essa temática de prevenção. E mesmo
no que se refere a essa temática, as práticas de cuidado e prevenção adotadas pelas mulheres
não se restringe ao uso das tecnologias informadas pelas políticas de saúde. Na realidade, o que
suas falas revelam é que há um aprendizado no modo de agenciar o corpo que advém da prática
do trabalho sexual. Assim, não se pode ignorar como as diferentes vivências nos mercados do
sexo propiciam a construção de novos saberes pelas mulheres, fato que também já vem sendo
levantado nos estudos da prostituição e do trabalho sexual (Souza, 2012, 2015; Silva & Costa,
2019). Esses saberes, por sua vez, incidem sobre a forma como essas mulheres se relacionam
com a saúde e sobre suas práticas de autocuidado com o corpo e com a sexualidade. São também
140

saberes inerentemente relacionais, construídos a partir das relações que as mulheres


estabelecem, e que trazem consigo os valores expressos nestas relações.
Quando Martin (2003) se propõe a pensar as incongruências existentes entre as políticas
de prevenção da área da saúde e as diversas realidades vividas por prostitutas, ela chega à
conclusão de que não se pode pensar as noções de risco e prevenção por um viés estritamente
técnico, oriundo do saber biomédico, de forma a se dissociar das experiências das mulheres nos
mercados sexuais. Assim como também observo em meus dados, ao aproximar o conceito de
risco à prostituição, devemos não apenas compreender o que as mulheres entendem como riscos
no trabalho sexual e na prostituição, mas como essa noção de risco é apreendida e vivida em
seu cotidiano e nas suas experiências. Se trata, pois, de compreender como o risco se articula
aos saberes elaborados por essas mulheres, e como elas lidam com ele no contexto de suas
relações, de modo que lidar com a prevenção ou “correr riscos não pode ser interpretado como
uma ação que se esgota em si mesma, mas deve ser remetido a outras questões, como à vida, à
morte, à sexualidade, à moral, etc.” (Idem, p. 45).
Ao problematizar a noção de risco e propor em seu lugar a ideia de “permissividade”,
Martin não fala apenas sobre riscos em si, mas sobretudo chama a atenção para a agência das
prostitutas na sua relação com o corpo, a sexualidade e a saúde, o que nos permite olhar de
maneira mais abrangente outras de suas práticas de autocuidado:

A permissividade..., é tratada como um sentimento de tolerância ou como uma


impermeabilidade aos infortúnios – no sentido de que algumas situações são
incontroláveis – e está presente no comportamento das prostitutas sendo condição sine
qua non para o exercício da prostituição. Ou seja, a permissividade caracteriza a
prostituição (Ibidem, p. 211).

No caso de minhas interlocutoras, falar em permissividade significa dizer que mesmo


nos momentos em que elas afirmavam negociar ou até dispensar o uso do preservativo, como
quando Carol fala que tem muita menina que faz o sexo oral sem camisinha... então na hora a
gente tem que ser muito, a gente tem que ter o olho muito bom, este tipo de atitude não se
caracteriza apenas como um comportamento de risco, mas se engendra em um quadro mais
amplo de prevenção e cuidado, que se mostra aliado a outras práticas e formas de se lidar com
o corpo mobilizadas pelas mulheres. Por isso o trabalho de Martin nos permite considerar como
as noções de risco e prevenção advindas do campo da saúde não abrangem as experiências
locais das mulheres engajadas na prostituição ou em outras formas de trabalho sexual, e,
141

portanto, não conseguem dar conta, de maneira mais ampla, do modo como essas mulheres se
relacionam com o corpo, a saúde e com sua agência.
De modo geral, se o campo da saúde historicamente olha para as profissionais do sexo
apenas como população-chave ou população-vulnerável na temática de IST-HIV/Aids, como
visto, do lado das mulheres parece haver um efeito de espelhamento, de forma que em alguns
momentos elas também se voltam para essa política pública para tratar apenas sobre questões
de IST, reservando outras questões de sexualidade e saúde para serem discutidas com pessoas
de seu convívio pessoal e/ou profissional, como observado na fala de Natália. Além disso,
outras práticas e saberes de cuidado com o corpo e a saúde, para além do uso de tecnologias
como testagem e preservativo, parecem ser aprendidas no contexto do trabalho sexual, como
observado no relato de Morgana, e não são necessariamente compartilhadas com os
profissionais de saúde. Por outro lado, por vezes, presenciei no ambulatório o surgimento de
outras demandas de saúde por parte das mulheres que não se restringiam à prevenção, mas que
evidenciavam a necessidade de um olhar mais amplo sobre a saúde sexual. Aqui falo
especialmente sobre a demanda por atendimento ginecológico, que era relevante no CTA, e
sobre a qual discorrerei a seguir.

8.4. A demanda por atendimento ginecológico no CTA

A discussão sobre a demanda por atendimento ginecológico no CTA se mostrou


relevante desde o início da pesquisa de campo. Ainda nas minhas primeiras reuniões com Lilian
e Renata, elas me informaram que costumava haver naquele serviço de saúde uma médica
ginecologista que prestava um atendimento especializado para mulheres profissionais do sexo.
Elas, assim como eu, se mostravam interessadas em compreender como era esse atendimento e
porque ele não era mais oferecido na instituição. Tendo isso em mente, pude perceber ao longo
das observações que essa ainda era uma demanda relevante no ambulatório, e os profissionais
de saúde pareciam estar cientes disso. Isso fica expresso na fala de Maísa sobre a questão, em
que recorda da época em que esse atendimento era prestado e pontua que as mulheres ainda
procuram por ele quando chegam ao CTA:

Antigamente tinha médico voltado só pra profissionais do sexo. Era legal.


Antigamente, há muito tempo atrás. 2013, 2011... sei lá. Antes de eu entrar, em
2013, aqui. Tinha. Eu acho que seria legal... voltar. É uma população que precisa
muito, né? Então vão pro posto de saúde...
142

As que eram antigas, umas que vêm, falam, “tem ginecologista aqui pra
gente?”. Falo, “não, aí é no posto de saúde, pra você fazer papa nicolau...”. Quer
dizer, a gente tem a rede de saúde que faz isso. Então assim, não teria que,
necessariamente, ser aqui. Mas é que sentem aqui muito acolhidos, né? Então
solicitam às vezes, se tem um ginecologista aqui. (Maísa)

Os outros profissionais de saúde também me afirmaram que a demanda por


ginecologista permanece, especialmente por parte das profissionais do sexo. Seus relatos
mostram como esse atendimento partia da iniciativa da própria equipe do CTA e se apoiava
nela. Se antes era uma médica específica que atendia mulheres profissionais do sexo, após sua
saída esse atendimento era mantido por outros profissionais que eventualmente aceitavam
atender as estas mulheres, extrapolando os atendimentos previstos pelo serviço.

Elas têm uma demanda ginecológica alta..., mas nós não atendemos
ginecologia... A doutora Priscila fazia esse atendimento das profissionais do sexo...
A Aline faz agora, de repente, se aparecer, enfim. Porque a demanda não deu para
continuar. O serviço... e a Priscila foi embora né... Elas [profissionais do sexo] não
conseguem, o posto de saúde não tá dando essa cobertura. Essa é a queixa comum
daqui. Elas não conseguem consulta ginecológica. (Daniela)

[elas procuram atendimento aqui] com uma grande frequência. Profissional


do sexo cis, a gente tenta direcionar, ou a gente tenta conversar com a
ginecologista e ela atende. A gente tem uma ginecologista só aqui, por isso que a
gente não pode encher a agenda dela. Mas a gente tenta direcionar na medida do
possível... E a gente não consegue dar conta dessa demanda, porque a gente só tem
uma ginecologista. (Cora)

Júlio me explicou ainda que, assim como ocorre com a ginecologista, ele percebe
também uma demanda para atendimento com proctologista, no caso de usuários do CTA que
são homens. Ele afirma, porém, que no caso da proctologia, os profissionais do ambulatório
encontraram uma maneira de encaminhar os usuários para outros serviços de saúde da cidade,
o que não ocorre com o atendimento ginecológico, a não ser quando alguma médica decide
atender de maneira eventual como visto:
143

De profissionais do sexo sim, elas vêm com bastante frequência, procurando


por PEP, procurando por PrEP, procurando por ginecologia, apesar que aqui não
atende ginecologista, né? Mas a gente tem a doutora Aline, que ela é bem acessível,
né? Então ela acaba atendendo esse público. Eu acho que, deveria ter disponível
sim, ginecologia pras meninas. Que nem, uma dificuldade que a gente tinha era
procto[logista] pros meninos, né? Mas se abriu um canal... quer dizer, já tinha esse
canal. A gente descobriu, na realidade, que você consegue agendar procto no
sistema. Porque vem muito, muita gente com lesão anal, né? Normalmente garotos,
homens ou HSH. Então a gente descobriu isso há pouco tempo. Na realidade, quem
descobriu foi a outra enfermeira. Eu sabia que eu encaminhava, fazia o
encaminhamento, eles faziam lá o atendimento. Mas hoje a gente consegue agendar
isso no sistema. Então assim, abriu uma porta, né, que, na realidade, a gente
descobriu sem querer. Que até a um tempo atrás a gente tinha essa procto aqui,
mas por algum motivo ela saiu daqui, mas continua agendando o DST com ela, lá,
né? Então assim, isso é muito significativo, né? Mas eu acho que o mais
significativo seria ginecologista. Procto e ginecologista pra esse perfil de usuário.
(Júlio)

Em realidade, eu também tive a oportunidade de perceber essa demanda durante as


observações, sobretudo, a partir da minha interlocução com Irina. Quando a abordei, ela me
explicou que havia procurado o serviço pois estava com sintomas de HPV e esperava ser
atendida nesta questão. Contudo, ela me contou que não gostou muito do atendimento, pois a
resposta que teve foi a de que HPV era tratado apenas com ginecologista e que por isso seria
encaminhada para um posto de saúde. Ela me disse ter sentido que não foi atendida com a
devida atenção. Talvez eles recebam várias meninas com o mesmo problema... e não tem como
ajudar. De modo similar, um dia em que eu acompanhava a rotina de atendimento de Cora, vi
ela receber um usuário homem que também apresentava um quadro de HPV e não pôde ser
atendido por não ter feito um agendamento prévio. Ele disse ter recebido um bom atendimento
no CTA dez anos antes, e por isso retornara, ao que Cora respondeu: mas há 10 anos era muito
diferente, havia mais médicos.
Ao perguntar aos profissionais de saúde por qual o motivo eles acreditavam não haver
mais a oferta de atendimento ginecológico no ambulatório, todos eles me disseram que foi
devido ao aumento no número de infecções por HIV e IST, especialmente a sífilis. De acordo
144

com eles, a partir desse aumento, o foco do serviço passou a ser os novos tratamentos de
controle do vírus do HIV, a PEP e a PrEP, conforme eu mesma pude observar.

Várias IST começaram a aumentar muito, então não dava mais pra ter um...
ginecologista só pra isso. Se desse, mas eu acho que, é isso, a demanda começou a
aumentar muito. Não dá, devido ao tempo, ao mundo que tudo mudou, a demanda
aumentou. Mas tinha e era uma coisa legal. (Maísa)

Tiraram... com o advento do PEP, deu um 'boom'. E aí tiraram essa... opção


de atendimento, pras garotas. Mas eram os mesmos médicos... tanto é que ela
continua fazendo, a doutora Aline. E eu acho injusto, porque a gente tem esse perfil,
de pessoas aqui, tem demanda, né? Eu tive a oportunidade de conversar com uma
menina, bem jovem. Devia ter dezenove anos, e ela fazia programa. E era um
retorno de PEP, e aí eu perguntei, "quando foi a última...", que eu sempre pergunto,
né, "quando foi a última vez que você foi no ginecologista?". "Ah, já tem uns três
anos que eu não fui, porque a última vez que eu fui a médica perguntou...", ela
falou que era profissional do sexo, elas têm até reserva em falar que é profissional
do sexo, né? "Que a médica disse que ia falar pra minha mãe". E, assim, tem essa
dificuldade, né? Assim, o diferencial aqui também é a história do julgar. A gente,
pelo menos eu não julgo, né? Acredito que as pessoas aqui também não julgam,
né? Você passa a informação e não julga. Se ela faz programa, ela tem lá os
motivos dela pra fazer. Não sou eu que vou falar, "olha, você tá fazendo errado ou
certo", né? (Júlio)

Os dados trazidos até aqui mostram como, apesar de o CRT-DST/Aids-SP ser um


serviço especializado na temática de IST-HIV/Aids, a relação que se estabelece entre
profissionais de saúde e usuários abre espaço para o diálogo e o compartilhamento de outras
demandas de saúde relativas à sexualidade. Durante a realização da pesquisa, me questionei
quais as possíveis limitações eu encontraria em apontar a demanda de atendimento ginecológico
existente no CTA, pensando especialmente se essa era uma demanda que deveria ser atendida
pelo CRT, visto que fugia à sua especialidade. Contudo, percebi pelas falas dos profissionais
de saúde que eles também compartilhavam desses mesmos questionamentos, e muitas vezes
entendiam que o serviço de saúde deveria olhar também para as demandas que surgiam no dia
a dia dos atendimentos.
145

Nesse sentido, a discussão passava também por questionar se não seria papel das UBS
(Unidades Básicas de Saúde) absorver essas outras demandas, especialmente a demanda por
atendimento ginecológico. O que alguns profissionais de saúde pareciam pontuar é que as UBSs
nem sempre dispunham da estrutura necessária, além de não proporcionarem o mesmo
acolhimento e abertura de diálogo com os usuários que parecia por vezes haver no CTA. No
que se refere ao atendimento ginecológico para as profissionais do sexo, era argumentado que
as mulheres tenderiam a se sentir mais bem atendidas naquele serviço do que em uma UBS:

Tem uma demanda muito grande. As UBSs não estão prontas nem pra
procto[logista] nem para gine[cologista]. Mas ainda a gente ter alcançado bastante
em relação a pré-natal, tem tido bastante resultado. Mas ainda tem lugares que
não tem ginecologia. Ainda tem mulheres que ficam três anos sem passar, quatro
anos sem passar. Ontem aconteceu um caso. Ela já estava há quatro anos sem
passar no ginecologista. Teve a filha dela e não passou. E descobriu que tinha
sífilis... Nós somos referência justamente nisso, no acolher e no tratar. Porque
tratar você trata em qualquer UBS, mas o fato de você sentar ali e escutar, não é
qualquer um que está preparado para sentar e ouvir. Eu acho que isso é um
diferencial importante. Essa seria a nossa maior contribuição: fazer com que as
pessoas conheçam o serviço da melhor forma.

A gente tem um grande número de transferências para cá, elas [profissionais


do sexo] gostam por conta do atendimento. Se elas vão para outro lugar, elas se
sentem marginalizadas, e aqui não. A gente trata de igual pra igual todo mundo,
então elas se sentem bem. (Cora)

A questão sobre as dificuldades enfrentadas por mulheres prostitutas ao acessar UBSs


ou outros serviços de saúde, por sinal, também é discutida em trabalhos e pesquisa acadêmicas.
Villela e Monteiro, por exemplo, mencionam como:

O trabalho de satisfazer desejos e fantasias sexuais masculinas mediante pagamento


traz demandas específicas de saúde que não se restringem ao desenvolvimento para o
uso do preservativo com clientes. Os demais aspectos da saúde sexual e reprodutiva,
e da saúde geral, deveriam ser considerados diante das condições de precariedade em
que o trabalho sexual é exercido e a necessidade de facilitação do acesso aos serviços
de saúde. O horário de funcionamento das unidades, a rotina de vida e o temor de ser
146

mal atendida, em função do estigma, afastam as prostitutas dos serviços de saúde. (p.
533, 2015).

Neste sentido, Cora me contou sobre algumas movimentações dos profissionais de saúde
do ambulatório para que certas demandas pudessem ser atendidas no CTA, como o tratamento
de HPV. Ela menciona ainda como as demandas que a instituição recebe também evidenciam
a necessidade de articulação com outros serviços de saúde da cidade:

A gente tá batendo muito na mesma tecla, para que os médicos abrissem pelo
menos uma vaga na agenda para condiloma... para fazer, pra fechar condiloma55...
pro tratamento de HPV. Porque na verdade o ministério coloca que isso deveria
ser na UBS... HPV simples seria na UBS, os complicados viriam para cá com
encaminhamento, e não é o que está acontecendo. Então a gente batia bastante na
mesma tecla e as coisas foram acontecendo.
... [recebemos demanda] principalmente [de] câncer de vulva. Várias vezes a
gente teve que encaminhar. Câncer de pênis também a gente teve de encaminhar...
a gente descobre aqui e encaminha pra hospital dia para fazer tratamento. Às vezes
não tem internação suficiente, porque é restrito. A própria demanda de DST, a
gente já pegou uma neuro sífilis, teve que internar e não tinha vaga. A gente ficou
tentando... então assim, existem demandas que são importantes e que teria que ter
um espaço, a gente precisava ter uma contrarreferência. E hoje a gente não tem
uma contrarreferência porque nós somos a referência... um hospital de grande
porte, tipo Emílio Ribas que dê um suporte pra gente. (Cora)

A questão sobre prestar atendimento ginecológico a mulheres prostitutas ou engajadas


em trabalhos sexuais no CTA ou na UBS parece estar ligada diretamente à questão do vínculo
formado entre equipe do serviço de saúde e seus usuários. Tive a oportunidade retornar ao CRT
em setembro de 2021, para apresentar aos profissionais de saúde do CTA alguns dos meus
resultados preliminares da pesquisa. Ao discutir com eles esta questão da ginecologia, bem
como das outras demandas que surgem no ambulatório, o que foi apontado por eles é o fato de

55
Segundo consta no site da Biblioteca Virtual em Saúde, do Ministério da Saúde, “O condiloma acuminado,
conhecido também como verruga genital, crista de galo, figueira ou cavalo de crista, é uma doença sexualmente
transmissível (DST) causada pelo Papilomavírus humano (HPV)” (BRASIL, 2011). Disponível em:
<https://bvsms.saude.gov.br/condiloma-acuminado-
hpv/#:~:text=O%20condiloma%20acuminado%2C%20conhecido%20tamb%C3%A9m,do%20%C3%BAtero%2
0e%20do%20%C3%A2nus>. Acesso em: 31 de janeiro de 2022.
147

como o CTA, embora especializado em IST-HIV/Aids, se constitui como um serviço de saúde


que permite a discussão da sexualidade, ao abrir um canal de diálogo com os seus usuários.
Dessa forma, é uma consequência esperada que eles acabem se sentindo mais confortáveis para
serem atendidos ali do que em uma UBS. É o que foi apontado por Helen, por exemplo, uma
profissional de saúde que não conheci durante o período das observações e com quem tive a
oportunidade de conversar apenas nesse meu retorno ao CTA:

A gente precisa se questionar porque as UBS não estão prontas para receber
as profissionais do sexo... às vezes ela vai chegar lá, ela mora naquela região e ela
vai ser identificada como a puta da rua (Helen)

Essa questão já estava presente também na entrevista com Cezar, na qual ele menciona
haver um vínculo entre o serviço de saúde e seus usuários, de modo que eles sejam como
fregueses do CTA:

Os nossos pacientes são fregueses. E essa ideia de freguês pro serviço em


alguns momentos é caro... Porque assim, é como se volta desse paciente
rotineiramente fosse um fracasso da gente, ou uma irresponsabilidade do usuário...
e ao usar a ideia do freguês, eu achei interessante, porque o freguês é aquele que
está vinculado ao serviço. Então se ele volta é porque ele está vinculado. Além da
irresponsabilidade dele, e de um pseudo fracasso nosso... mas tem um meio do
caminho que é o vínculo. (Cezar)

A noção de vínculo, por sua vez, me ajudou a pensar o porquê as demandas “extras” que
surgem no ambulatório, como a demanda de ginecologia para prostitutas, são importantes e
devem ser debatidas, ainda que não seja essa especialidade do serviço de saúde estudado.
Ocorre que o CTA enquanto serviço que trata de questões relativas à sexualidade, abre espaço
para a discussão da mesma, e cria um canal de diálogo com os usuários, em especial com as
populações compreendidas como vulneráveis (como as profissionais do sexo), que não se
observa em outros serviços de saúde. Assim, a vinculação da prostituição à temática da IST-
HIV/Aids, ao mesmo tempo que restringe a sua discussão em saúde e sexualidade também
propõe a construção de um diálogo em espaços como o estudado. Se no nível das políticas de
saúde talvez seja difícil pensar questões mais amplas em sexualidade e saúde, no cotidiano de
148

um serviço como o CTA, os profissionais de saúde parecem reconhecer e lidar com algumas
das demandas que surgem, algo que o próprio Cezar reconheceu:

Eu acho incrível que nossos profissionais têm o conhecimento de saber quais


populações que chegam, quais as demandas... mas a gente não se atenta que isso é
uma informação de conhecimento. Isso pode gerar uma mudança no serviço. A
gente precisaria fazer pesquisa de campo mesmo, como você fez. Quem são as
pessoas que vem aqui no dia a dia, quais são as demandas, e se debruçar sobre
esse estudo. Com o tempo o nosso serviço ou os nossos colegas, acho que a gente
ficou muito técnico. (Cezar)

A demanda por ginecologista e por outros atendimentos no serviço de saúde estudado


nos ajuda a refletir sobre as questões que já vinham sendo discutidas anteriormente. Quando
pensamos nas políticas de saúde, a prostituição surge vinculada à temática de IST-HIV/Aids, e
por vezes falta um olhar mais abrangente para as mulheres que estão nos mercados do sexo,
que abarque outras questões da ordem de sua saúde sexual e de seus direitos sexuais e
reprodutivos. Mesmo quando há esse tipo de discussão, ela parece ser entendida como
secundária, como exemplificado na justificativa que os profissionais de saúde dão para a
retirada do atendimento ginecológico. Ora, diante do aumento de infecções por IST, esses
outros tipos de atendimento deixam de ser prioridade.
Podemos perceber nessa política de saúde a preocupação biopolítica (Foucault, 1999)
de gerenciar e controlar a disseminação de infecções por IST e HIV, elencando para isso certas
populações como de atenção prioritária (entendidas como “vulneráveis” e mais próximas da
noção de risco). Populações estas que são justamente aquelas cujas sexualidades são percebidas
como dissidentes: profissionais do sexo, homens que fazem sexo com homens (HSH) e
mulheres trans, que passam a ser identificadas nos serviços de saúde apenas por esse registro
(Pelúcio &Miskolci, 2009). Ao mesmo tempo, no cotidiano de um serviço como o CTA,
percebe-se como os profissionais de saúde atentam para as diferentes demandas que surgem e
buscam, por vezes, atendê-las ou ao menos discuti-las, mesmo que o façam de maneira a
extrapolar os protocolos e o escopo dos cuidados oferecidos no serviço. Eles demonstram, nesse
sentido, reconhecerem a existência de questões mais amplas na discussão de sexualidade e
saúde.
Essa discussão requer, porém, considerar o lugar ocupado pela mulher na medicina e no
campo da saúde e como ele se relaciona com o lugar da prostituta. Para tanto, cabe lembrar que
149

as profissionais do sexo têm no CTA um atendimento privilegiado não por serem “mulheres”,
mas sim por serem “prostitutas”. O bom atendimento nesse serviço de saúde - como quando
Cora fala que elas gostam por conta do atendimento. Se elas vão para outro lugar, elas se
sentem marginalizadas – deve-se ao fato de elas serem uma população associada ao risco no
que tange as infecções por IST-HIV/Aids (Rago, 1990; Martin, 2003). O olhar da saúde
destinado a elas não é o mesmo olhar destinado a outras mulheres, que podem ser tidas como
“normais” (Rohden, 2002, 2003). Pela mesma lógica, assim como a inserção na prostituta na
área da saúde se dá pela sua associação ao risco e às infecções sexualmente transmissíveis (IST),
a saúde da mulher prostituta nunca foi considerada dentro do espectro mais amplo da saúde da
mulher. Como afirmam Villela e Monteiro (2015):

O apartamento das prostitutas dos serviços de saúde não é um fenômeno recente. Uma
das primeiras ações de Saúde Pública no Brasil foi a organização de serviços de
atenção materno-infantil, visando reduzir a mortalidade das crianças e mães na
gravidez e no parto. Não eram serviços para as mulheres “da rua” porque, até a
implantação do SUS, o modelo de atenção à saúde exigia vínculo de trabalho.
Contudo, a universalização da assistência à saúde e a implantação do Programa de
Atenção Integral à Saúde da Mulher (PAISM) em 1986, visando ampliar as ofertas de
atenção à saúde das mulheres para além da reprodução, não mudou esse cenário
substantivamente... não foi pensada qualquer estratégia para ampliar o acesso à saúde
das prostitutas (p. 533, 2015).

Como reflexo disso, segundo Bonomi (20190 é notório que mesmo o movimento de
prostitutas nunca conseguiu firmar acordos ou diálogos duradouros com a Secretaria de
Políticas para as Mulheres (SPM), do governo federal. O único acesso que esses movimentos
tiveram ao Estado, assim como uma de suas poucas fontes de financiamento, foi justamente
através do Ministério da Saúde, pelo Departamento de Doenças de Condições Crônicas e
Infecções Sexualmente Transmissíveis 56.
Desse modo, enquanto as políticas de saúde da mulher parecem ser dirigidas às mulheres
do âmbito “doméstico”, da “casa”, encarregadas da reprodução, as mulheres “da rua” e do sexo
“público” foram o público alvo das políticas de controle e combate às IST-HIV/Aids. Isso
porque a medicina, e especialmente a ginecologia, historicamente pauta a vida das mulheres

56
Até 2019 chamado “Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das IST, do HIV/Aids e das Hepatites
Virais”. Disponível em: <https://agenciaaids.com.br/noticia/departamento-de-aids-troca-de-nome-e-passa-a-se-
chamar-departamento-de-doencas-de-condicoes-cronicas-e-infeccoes-sexualmente-transmissiveis/>. Acesso em:
20 de fevereiro de 2022.
150

pela sua capacidade reprodutiva, de forma que a mulher estudada no campo da ginecologia seja
aquela de quem se espera a reprodução (Rohden, 2002; 2003). A figura da prostituta nunca foi,
portanto, a quem o saber ginecológico se dirigiu. E é essa problemática que é refletida no meu
campo de pesquisa, quando a demanda por atendimento ginecológico para profissionais do sexo
surge neste serviço especializado em IST-HIV/Aids, diante de sua ausência no desenho das
políticas públicas a elas dirigidas. Por sua vez, isso se reflete na visão que os profissionais de
saúde revelam ter sobre a prostituição. É esta a perspectiva que enquadra o olhar da saúde em
relação à mulher prostituta. Nesse sentido, cabe aos profissionais de saúde do CTA em seu
cotidiano confrontar esse enquadramento, contornando suas limitações como possível nas
relações que estabelecem com as usuárias.

8.5. O desvelamento de outras demandas no CRT-DST/Aids-SP

Se a demanda por atendimento ginecológico foi a que mais se destacou para mim
durante as observações, ajudando a evidenciar as problemáticas colocadas na política de saúde
em IST/HIV-Aids, observada a partir da instituição estudada, houve outros casos relatados no
CTA que também contribuem para a reflexão dos problemas debatidos até aqui. São questões
que menciono visando exemplificar como o debate sobre sexualidade, saúde, e,
consequentemente, sobre direitos sexuais, é complexo e muitas vezes ultrapassa delimitações
convencionais de gênero, questões reprodutivas e questões de prevenção às IST-HIV/Aids.
O primeiro caso que apresento parte do relato de Alice, no momento em que ela discorre
sobre sua relação com o corpo e a saúde enquanto uma mulher transexual que trabalha como
garota de programa. Este pode ser resumido a partir de três eixos: a possibilidade de realizar
uma cirurgia de transgenitalização, a realização do tratamento hormonal e o seu
acompanhamento no ambulatório de especialidades trans do CRT-DST/Aids-SP.
Considerando que Alice chegou ao CRT buscando por atendimento no ambulatório
trans, ela conta que, após conseguir realizar o tratamento hormonal através desta instituição,
entrou na fila para realizar a cirurgia de transgenitalização, para a qual foi chamada. Contudo,
ela desistiu de fazê-la e deu como motivo o medo de perder a sensibilidade na região genital,
assim como o prazer sexual:

Eu vou falar por mim, tem meninas trans que pensam diferente, tem meninas
trans que ter por ter já tá ótimo, pra mim não tá ótimo, pra mim precisa ser
funcional. Pra mim, sexo faz parte da minha vida. Não sexo profissão, sexo. Eu sou
151

uma pessoa que eu preciso de sexo, e eu gosto de sexo. Eu gosto de sentir prazer.
Então, se eu tiver uma vagina só pro cara me penetrar, e eu não estiver sentindo
nada, eu não quero isso! Lógico que eu queria muito ter uma vagina, seria muito
mais confortável, mas só pra eles? Não, eu quero ter pra mim, mas pra mim eu
preciso sentir alguma coisa. Você entendeu? Então assim, o meu medo foi de não
sentir nada. (Alice)

Ela mencionou ainda que o fato de estar trabalhando na prostituição também foi um
fator determinante para a desistência:

Eu desisti da cirurgia... não é que eu desisti definitivo, eu empurrei né? Fui


empurrando com a barriga, porque eu fiquei com medo. Eu falei, "e agora?".
Primeiro, eu faço a cirurgia? Eu ainda estou na prostituição, eu vou ter que ficar
um bom tempo em recuperação, uns 6 meses. Eu não tenho condições financeiras
de me manter 6 meses sem trabalhar. E outra, eu não queria fazer uma cirurgia
dessa, pra voltar pra essa vida, pra me entregar pra esses homens nojentos. Então
assim, tudo isso acarretou isso. (Alice)

No que diz respeito ao tratamento hormonal, Alice acabou me revelando que não estava
tomando os hormônios no momento da entrevista. Sua justificativa era a de que eles afetavam
sua performance no trabalho sexual, ao impedir a ereção de sua genitália, o que era algo
importante, considerando que seus clientes eram majoritariamente passivos (ou seja,
penetrados) durante o ato sexual. Ela menciona também os efeitos colaterais que os hormônios
causavam em seu corpo, como um aspecto negativo do tratamento:

Eu não tô tomando meus hormônios por agora. Porque incrivelmente afeta a


minha vida profissional. Se você toma hormônio, você não tem ereção. Se você não
tem ereção, você não... eles não te querem. Porque eles [os clientes], a maioria são
passivos. Então assim, o hormônio, tipo, corta total. Além de cortar a ereção, ele
corta a ejaculação. Então assim, acaba com a vida profissional. Se você tá tomando
hormônio, você fica... sua pele melhora, seu cabelo melhora, mas você fica, eu,
desestruturada um pouco emocionalmente, porque você, você, parece uma
montanha russa. De repente você tá feliz, de repente você tá deprimida e não sabe
o porquê. De repente você tá bem, depois você acorda triste, chora, mexe assim
152

com o estado emocional... Então, tem esses benefícios, de você ficar feminina, você
fica bonita. Mas a libido cai lá no pé. (Alice)

Contudo, o que é particularmente interessante em seu relato é o fato de que, para não
deixar de receber os remédios do tratamento hormonal e nem perder o acompanhamento no
ambulatório trans, Alice diz aos médicos que toma a medicação, mas na verdade as toma apenas
nas semanas anteriores às consultas, para que conste nos exames. Essa é uma prática que ela
denomina como burlar o sistema:

Mas eu burlo muito o sistema (risos)... Eu não quero perder os hormônios


que são gratuitos. Eu não quero perder o tratamento. Mas eu também preciso
ganhar dinheiro. Então, o que que acontece. Eu sei que é errado fazer isso porque
eu agrido meu corpo. Como eu tomei muito tempo sem parar o hormônio, eu
cheguei numa fase de tá [com a genitália] atrofiada. Depois eu parei e falei "não
vou, não tô ganhando mais dinheiro, preciso parar". Aí o que que acontece, quando
chega perto de colher sangue, eu tomo hormônio. Eu tomo, tomo, tomo, no mês
inteiro. Aí eu vou lá e colho sangue, porque minha testosterona baixa muito rápido
com hormônio. Aí eu colho sangue, quando eu colho sangue eu paro de tomar. Aí
porque na hora que ela olhar o exame, ela vai achar que eu tô tomando, porque já
tá baixinha a testosterona. Aí depois eu espero sair assim do corpo, pra poder
trabalhar de novo, porque senão eu não ganho dinheiro. Infelizmente. Aí o que
acontece, por isso eu gostaria de ter outro trabalho, porque eu poderia me
hormonizar. Porque eu fico mais feminina, a pele fica melhor, cabelo para de cair...
entendeu? Então é isso. (Alice)

As afirmações de Alice são muito reveladoras justamente por nos mostrar quão
complexa é a relação entre a prostituição e a transexualidade. Falo aqui não apenas da
especificidade de ser uma mulher trans que faz programas, mas especialmente de como a
prostituição afeta e influi na sua relação com o corpo e a saúde enquanto uma mulher transexual,
inclusive no que tange a questões como o tratamento hormonal e a cirurgia de
transgenitalização. Assim, a prostituição atravessa sua experiência como mulher trans do
mesmo modo que a transexualidade atravessa sua experiência na prostituição, e ambas as
identidades de mulher trans e de prostituta influem diretamente sobre a sua relação com o
153

serviço de saúde estudado, ao mesmo tempo em que impõem questões ao modo como esse
serviço se organiza e aos atendimentos nele prestados.
A partir das problemáticas descritas por Alice, me questionei se os profissionais do CRT
teriam conhecimento de questões como as apresentadas por ela, e se elas já eram de alguma
forma discutidas no serviço. Apesar da dificuldade que experimentei em campo para adentrar
nas temáticas relativas à transexualidade, a médica Daniela, que antes de trabalhar no CTA já
havia trabalhado no ambulatório de especialidades trans, me contou um caso que também vale
ser descrito aqui. Se tratava de um homem transexual, a quem ela se referiu como trans
masculino, que chegou ao ambulatório com uma queixa de sangramento. Ao examiná-lo,
Daniela concluiu que se tratava de um aborto retido, e que o paciente precisaria de internação
para que uma curetagem fosse feita. Ela afirma, porém, que ele não aceitou ser internado em
uma enfermaria ginecológica, uma vez que este tipo de enfermaria é destinada ao atendimento
de mulheres, o que violaria sua identidade de gênero enquanto homem trans. A resolução do
caso se deu com ele realizando o procedimento em uma clínica clandestina:

Tem umas demandas esquisitas... eu não sei se vale a pena [falar]... uma vez
apareceu uma [pessoa] aqui, com hemorragia. Aí o Gustavo falou pra mim, "me
ajuda aí, pelo amor de Deus", e eu não estava lá né... [Era um] Trans masculino...
olha que caso... Eu sentei ela aqui e comecei... conversa, conversa, conversa...
pensei, "vou ter que achar onde que ela pode estar sangrando, né?". Eu falei, "você
teve uma relação [sexual] hétero assim, só por curiosidade?" Bem assim, como eu
tô falando com você... bem informal. [Paciente respondeu] "Ah eu fui experimentar
doutora, mas eu não gostei não". Falei, "tá, então vamos examinar". Mulher,
quando eu examinei eu pensei, "gente, isso é cheiro de aborto retido". O cheiro de
feto morto retido eu tenho certeza que é! Aí eu examinei e pensei assim, "útero
aumentado", pensei, "é um aborto incompleto, infectado a esta altura do
departamento". Então vamos internar! Onde a gente interna curetagem por aborto
incompleto? Na enfermaria de ginecologia. Mas elas são homens! ...Ela fugiu! A
gente enfiou na ambulância, mandou pro Hospital São Paulo, e ela fugiu. Ela fugiu!
C: Não teve atendimento?
D: Não, ela foi embora. Fugiu! Soubemos dela um tempo mais tarde. Ela foi
numa dessas clínicas de fábrica de anjo... ela correu um perigo desgraçado, porque
né? O útero amolecido, infectado... vai numa clínica clandestina... e fez a
curetagem. Mas ela não ficou na enfermaria do hospital de jeito nenhum. Por que?
154

Porque ela era homem! E a enfermaria é de mulher. Então assim, a abordagem do


trans masculino assim é muito complicada. (Daniela)

O que este caso sobre o aborto de um homem trans descrito por Daniela mostra é como
questões de gênero e de sexualidade aparecem no CRT em demandas que extrapolam os
atendimentos previstos nele, bem como desafiam as delimitações de gênero estabelecidas no
campo da saúde. O mesmo pode ser percebido no relato de Alice, no qual ambas as identidades
de mulher trans e de prostituta se relacionam e influem sobre a relação que ela estabelece com
este serviço de saúde. Contudo, dado o rumo que a pesquisa tomou, considerando a dificuldade
colocada em campo de me aproximar de mulheres trans e o prazo estabelecido para a finalização
da pesquisa de mestrado, acabei optando por não me aprofundar nas questões relativas à
transexualidade. Ainda assim, cabe mencionar como estas questões se relacionam às discussões
e pesquisas realizadas nas últimas décadas nas ciências sociais sobre a temática das populações
trans (Bento, 2006, 2008; Leite Júnior, 2008; Bento, Pelúcio, 2012; Silva, 2019; Nascimento,
2020). O propósito de apresentar estas questões aqui se deve, sobretudo, ao fato de elas
resultarem do percurso percorrido por mim na pesquisa de campo, sendo constitutivas, portanto,
deste trabalho etnográfico. Além disso, elas ajudam a embasar e a exemplificar as demandas
relativas a gênero e sexualidade que chegam ao CRT, e mostram como a sua discussão em
relação ao campo da saúde é ampla, e como temas como gênero, reprodução, prevenção à IST-
HIV/Aids, trabalho e indústria sexual se relacionam e podem ser tratados de maneira
interligada.
155

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados aos quais esta pesquisa chega indicam como as vivências das mulheres
nos mercados do sexo são diversas e, consequentemente, dotadas de complexidade moral
(Rubin, 2017). A partir delas, as mulheres atribuem diferentes sentidos para a prática do
trabalho sexual, e produzem distintos saberes, valores e práticas de cuidado com o corpo, com
a saúde e com a sua sexualidade. Os mercados do sexo produzem experiências que não se
resumem à oferta de práticas sexuais comerciais. São antes produzidas formas singulares de se
relacionar e de vivenciar a sexualidade, para além dos enquadramentos sociais nos quais se
situam como trabalhadoras do sexo. Os profissionais de saúde, por sua vez, mostraram não
apenar aplicar protocolos e seguir as diretrizes das políticas de prevenção em IST-HIV/Aids,
mas também demonstram reconhecer outras questões e demandas em sexualidade que surgem
no ambulatório, buscando, por vezes, incorporá-las em suas rotinas de atendimento. Dessa
forma, no cotidiano do atendimento, eles também desenvolvem e expandem sua concepção de
saúde sexual e sexualidade, abrindo espaço para práticas imprevistas e não enquadradas.
Estas questões, por sua vez, remetem diretamente à discussão da qual partiu esta
pesquisa, que diz respeito aos direitos sexuais, uma vez que eles representam a incursão da
sexualidade no campo dos direitos humanos e o seu debate como constitutivo da vida política
e da dimensão da cidadania (Ávila, 2003; Miller, 2009; Vianna, 2004, 2012). Considerando que
os direitos sexuais emergem como resposta às formas de violência e abuso no âmbito da
sexualidade e são derivados da noção de direitos reprodutivos (Ávila, 2003; Vianna, 2004,
2012), é perceptível a dificuldade de pensá-los a partir de outras lógicas que não sejam a da
violência ou a da reprodução. É especialmente delicado falar de direitos sexuais pela lógica do
prazer e do desejo, ainda mais em um terreno como o da prostituição, associado a uma forma
de exercício da sexualidade moralmente controversa, motivo pelo qual sua discussão
permanece em um lugar de desacordo nesse campo (Olivar, 2012). Contudo, tal dificuldade não
é expressa apenas no campo dos direitos sexuais. O campo da saúde tem também sua própria
lógica, informada pelas noções biológicas do corpo e da sexualidade (Rohden, 2002, 2003;
Russo & Venâncio, 2006; Russo, 2009), e por vezes se restringe a falar sobre sexualidade
apenas através de questões de reprodução ou de prevenção a doenças e infecções. Igualmente,
os movimentos feministas e mesmo os movimentos de prostitutas também exprimem
dificuldades em lidar com os aspectos propriamente eróticos da sexualidade feminina
(Piscitelli, 2005, 2007; Bonomi, 2019), dificuldades essas que se articulam e expressam
enquadramentos sociais para falar da sexualidade (Butler, 2015).
156

Assim, os resultados da pesquisa nos permitem refletir a necessidade de se pensar a


sexualidade, e de inseri-la no registro dos direitos humanos, de uma maneira que não seja só
através da temática da violência, da doença ou da reprodução, mas sim discutindo o que ela
representa em termos de corpo, de prazer, de erotismo, de desejo e de práticas sexuais, na
perspectiva dos sujeitos desejantes. O que as falas de minhas interlocutoras mostram é como há
muito o que se discutir sobre a forma como mulheres inseridas na prostituição e nos mercados
sexuais agenciam seus corpos, desejos e sexualidade nas relações que estabelecem no seu dia a
dia, e como esses se relacionam ao modo como elas enxergam e lidam com o cuidado de si e a
saúde.
Essas questões, por sua vez, abrem a possibilidade de se pensar os direitos sexuais a
partir de novas perspectivas. Elas, porém, também nos permitem continuar investigando as
subjetividades que são criadas a partir da prostituição e do trabalho sexual, e como as pessoas
que o exercem são vistas e tratadas no mundo social onde vivem. Em síntese, olhar para estas
questões implica refletir sobre as possibilidades de vivências da sexualidade e como elas nos
constituem como sujeitos sociais.
157

BIBLIOGRAFIA

AGUSTÍN, Laura María. New research directions: The cultural study of commercial sex.
Sexualities. (8). pp 618-631. 2005. Disponível em:
https://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1177/1363460705058400. Acesso em 14 dez 2021.

ALVAREZ, Gabriel Omar; TEIXEIRA RODRIGUES, Marlene. “Prostitutas cidadãs:


movimentos sociais e políticas de saúde na área de saúde (HIV/Aids)”. Revista de Ciências
Sociais, v. 32, n.1/2, p. 53-68, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza. 2001.

ATWOOD, Feona. No money shot? Commerce, Pornography and New Sex Taste
Cultures. Sexualities, vol. 10, nş 4, 2007, pp.441-456. Disponível em:
http://sexualities.sagepub.com/cgi/content/abstract/10/4/441 Acesso em 14 dez 2021.

ÁVILA, Maria Betânia. “Direitos sexuais e reprodutivos: desafios para as políticas de saúde”.
In: Cadernos de Saúde Pública. nº 19. (suppl.2). p. 465-469. 2003. Disponível em:
https://www.scielo.br/pdf/csp/v19s2/a27v19s2.pdf . Acesso em: 23 ago 2020.

BALTAR, Mariana. Corpos, pornificações e prazeres compartilhados. In: Revista de la


Asociación Argentina de Estudios de Cine e Audiovisual. nº 18. pp 564-588. 2018. Disponível
em: http://asaeca.org/imagofagia/index.php/imagofagia/article/view/1665/1387. Acesso em 14
dez 2021.

BALTAR, Mariana; BARRETO, Nayara. As pornificações de si em Diário da putaria. Crítica


Cultural. Palhoça, SC, vol 9, n 2, pp 265-278. 2014.

BATAILLE, Georges. O erotismo. São Paulo: L&PM Editores S/A. 1987.

BARRETO, João de Barros; FONTENELLE, José Paranhos. O systema dos centros de saúde
no Rio de Janeiro. Archivos de Hygiene, v.5, n.1, Rio de Janeiro, p.83-115. 1935.

BECKER, Howard S. Métodos de Pesquisa em Ciências Sociais. São Paulo: Hucitec, 1993.

BENTO, Berenice. A reinvenção do corpo: sexualidade e gênero na experiência transexual. Rio


158

de Janeiro: Garamond, 2006.

BENTO, Berenice. O que é transexualidade. São Paulo: Brasiliense, 2008.

BENTO, Berenice; PELÚCIO, Larissa. Despatologização do gênero: a politização das


identidades abjetas. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 20, n. 2, p. 569-581, 2012.

BONOMI, Carolina. Mulher da Vida, É Preciso Falar: um estudo do movimento organizado


de trabalhadoras sexuais. Recurso online (192 p.) Dissertação (mestrado) - Universidade
Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Campinas, SP.
2019.

BUTLER, Judith. Quadros de Guerra: Quando a vida é passível de luto? Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira. 2015.

BUTLER, Judith. Vida precária. São Paulo: Autêntica. 2019.

CAMPOS, Carla Beatriz. A conflituosa relação entre a prostituição e o campo dos direitos
humanos. 2020a. In: Anais do CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO LATINO-AMERICANA DE
ANTROPOLOGIA, IV. Montevidéu, 2020a. [No prelo].

CAMPOS, Carla Beatriz. Direitos sexuais e prostituição: reflexões acerca do atendimento a


prostitutas em serviço de saúde sexual. In: SIMPÓSIO GÊNERO E POLÍTICAS PÚBLICAS,
IV. Anais do IV Simpósio Gênero e Políticas Públicas. Vol. 06. 2020b. Disponível em:
https://doi.org/10.5433/SGPP.2020v6.p643. Acesso em: 06 de abril de 2021.

CARRARA, Sérgio. Moralidades, Racionalidades e políticas sexuais no Brasil


contemporâneo. Mana. vol.21, n.2, pp.323-345. 2015.

CLIFFORD, James. Sobre a autoridade etnográfica. In: GONÇALVES, José Reginaldo Santos
(org). A experiência etnográfica: Antropologia e literatura no século XX/ James Clifford. 2 ed.
Rio de Janeiro: Editora UFRJ. 2002.

CORRÊA, Sonia. Cruzando a linha vermelha: questões não resolvidas no debate sobre direitos
159

sexuais. In: Horizontes Antropológicos, 12(26). pp.101-121. 2006.

CORREA, Sonia & OLIVAR, José Miguel Nieto. The politics of prostitution in Brazil between
"state neutrality" and "feminist troubles". In: MURTHY, Laxmi e SESHU Meena Saraswathi
(org). The Business of Sex. New Delhi: Zubaan, 2014.

DA MATTA, Roberto. O ofício de etnólogo, ou como ter Anthropological blues. Boletim do


Museu Nacional: Antropologia, n. 27. P.1-12. 1978.

FASSIN, Didier. Além do bem e do mal? Questionando o desconforto antropológico com a


moral. In: THEOPHILOS, Rifiotis; JEAN, Segata (org). Políticas etnográficas no campo da
moral. pp. 35-51. Porto Alegre: UFRGS. 2018.

FASSIN, Didier. As economias morais revisitadas. In: THEOPHILOS, Rifiotis; JEAN, Segata
(org). Políticas etnográficas no campo da moral. pp. 51-88. Porto Alegre: UFRGS. 2018.

FONSECA, Cláudia. A morte de um gigolô: fronteiras da transgressão e sexualidade nos dias


atuais. In: PISCITELLI; GREGORI e CARRARA (orgs). Sexualidade e saberes: convenções
e fronteiras. Rio de Janeiro: Garamond, 2004. pp.257-281. Disponível em:
https://claudialwfonseca.webnode.com.br/publica%C3%A7%C3%B5es/mulher-e-familia/.
Acesso em 14 dez 2021.

FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade: curso no Collége de France (1975-1976). São


Paulo: Martins Fontes. 1999.

FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade: a vontade de saber. São Paulo: Graal, v.1.
1988.

FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade II: O uso dos prazeres. Graal. 1984.

GASPAR, Maria Dulce. Garotas de Programa: a prostituição em Copacabana e identidade


social. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor Ltda. 1988.

GASPAR, Maria Dulce. Desvio e estigma: Discussão sobre o campo teórico desses conceitos.
In: 7º Encontro Anual da ANPOCS. Rio de Janeiro. Anais. 1983. Disponível em:
160

https://www.anpocs.com/index.php/encontros/papers/7-encontro-anual-da-anpocs/gt-8/gt09-
7/5829-mariagaspar-desvio/file. Acesso em 14 dez 2021.

GEERTZ, G. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1989.

GREGORI, Maria Filomena. Relações de violência e erotismo. Cadernos Pagu, (20), 87-120.
2003. Disponível em: https://dx.doi.org/10.1590/S0104-83332003000100003. Acesso em 20
ago 2020.

GREGORI, Maria Filomena. Mercado erótico: notas conceituais e etnográficas. In:


PISCITELLI, Adriana; ASSIS, Glaucia de Oliveira; OLIVAR, José Miguel Nieto (org).
Gênero, sexo, afetos e dinheiro: mobilidades transnacionais envolvendo o Brasil. Campinas,
SP : UNICAMP/PAGU. pp. 461-490. 2011.

GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. LTC,


1988.

HEILBORN, Maria Luiza. “Experiência da sexualidade, reprodução e trajetórias biográficas


juvenis”. In: HEILBORN, M; AQUINO, E; BOZON, M; KNAUTH, D (org). O aprendizado
da sexualidade: reprodução e trajetórias sociais de jovens brasileiros. Rio de Janeiro: Fiocruz.
Cap 1. p. 30-62. 2006.

LE BRETON, David. Antropologia do corpo e da modernidade. Petrópolis: Editora Vozes;


2011.

LEITE JÚNIOR, Jorge. "Nossos corpos também mudam": sexo, gênero e a invenção das
categorias "travesti" e "transexual" no discurso científico.230 f. Tese (Doutorado em Ciências
Sociais) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2008.

LINS, Beatriz Accioly Lins, PARREIRAS, Carolina, & FREITAS, Eliane Tânia de. (2020).
Estratégias para pensar o digital. Cadernos De Campo (São Paulo - 1991), 29(2), e181821.

LOSSO, Juliana Cavilha Mendes. Dos desregramentos da carne: um estudo antropológico


sobre os itinerários urbanos, territorialidades, saberes e fazeres de profissionais do sexo em
161

Florianópolis. Tese (doutorado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia


e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Florianópolis,
2010.

MALINOWSKI, B. Argonautas do Pacífico Ocidental. São Paulo: Abril, 1984.

MARTIN, Denise. Riscos na Prostituição: um olhar antropológico. São Paulo: Humanitas/


FFLCH-USP. 2003.

MAUSS, Marcel. Ensaio sobre a dádiva: Forma e razão da troca nas sociedades arcaicas.
Sociologia e antropologia. São Paulo: Cosac Naify. pp. 183-214. 2003.

MAUSS, Marcel. As técnicas do corpo. Sociologia e antropologia. São Paulo: Cosac Naify.
pp. 399-422. 2003.

MILLER, Alice. Sexuality and Human Rights. International Council on Human Rights Policy.
Versoix, Switzerland. 2009.

MINAYO, Maria Cecília de Souza. O Desafio da Pesquisa Social. In. MINAYO, M;

DESLANDES, S; GOMES, R. (org). Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. 2010.

MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde.


9.ed. São Paulo: Hucitec, 2006.

MORAES, Aparecida Fonseca. Gabriela Leite e mudanças nas práticas discursivas sobre
prostituição no Brasil. Estudos Históricos (Rio de Janeiro). Vol 33, nº70, pp 254-279. 2020.
Disponível em: https://doi.org/10.1590/S2178-14942020000200003. Acesso em 14 dez 2021.

MORAES, Eliane Robert. Puta, putus, putida: Devaneios etimológicos em torno da prostituta.
Revista da Biblioteca Mário de Andrade. n. 69, São Paulo, pp. 38-43. 2013. Disponível em:
https://issuu.com/bma1925/docs/rbma69. Acesso em: 20 Ago, 2020.

NASCIMENTO, Gabriela. “Porque ginecologia é pra mulher né?!” – A experiência de homens


trans no atendimento ginecológico. Recurso online (101 p.) Dissertação (mestrado) -
162

Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Instituto de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, RJ.
2020.

OLIVAR, José Miguel Nieto. Prostituição feminina e direitos sexuais... diálogos possíveis?
Sex., Salud Soc. (Rio J.) , n. 11, p. 88-121. 2012.

PAASONEN, Susanna. Labors of love: netporn, Web 2.0 and the meanings of amateurism. New
Media & Society, London, Sage Publications, vol. 12, nş 8, pp.1297-1312. 2010.

PAASONEN, Susanna. Carnal Resonance. Affect and Online Pornography. Cambridge: The
MIT Press. 2011.

PARREIRAS, Carolina. Altporn, corpos, categorias e cliques: notas etnográficas sobre


pornografia online. Cadernos Pagu. Campinas. (38), pp 197-222. 2012. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/cpa/a/Jq6mhzRCpqw5PSScSfCTbbK/?lang=pt. Acesso em 14 dez
2021.

PASINI, Elisiane. Limites simbólicos corporais na prostituição feminina. Cadernos Pagu.


Campinas. n. 14, p. 181–200. 2015. Disponível em:
https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/8635351>. Acesso em:
31 mar. 2021.

PASINI, Elisiane. Corpos em evidencia, pontos em ruas, mundos em pontos: a prostituição na


região da Rua Augusta em São Paulo. 2000. 158p. Dissertação (mestrado) - Universidade
Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciencias Humanas, Campinas, SP. Disponível
em: <http://www.repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/279027>. Acesso em:31 de janeiro
de 2022.

PELÚCIO, Larissa; MISKOLCI, Richard. A prevenção do desvio: o dispositivo da aids e a


repatologização das sexualidades dissidentes. Sexualidad, Salud y Sociedad - Revista
Latinoamericana. Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos. núm. 1, pp.
125-157. Río de Janeiro, Brasil. 2009.
163

PHETERSON, Gail. The Whore Stigma: Female Dishonor and Male Unworthiness. Social
Text, no. 37, Duke University Press, pp. 39–64. 2019. Disponível em:
https://doi.org/10.2307/466259. Acesso em 14 dez 2021.

PISCITELLI, Adriana. Apresentação: gênero no mercado do sexo. Cadernos Pagu, (25), 7-


23. 2005. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0104-83332005000200001. Acesso em: 20
ago 2020.

PISCITELLI, Adriana. Sujeição ou subversão: migrantes brasileiras na indústria do sexo na


Espanha. Revista História & Perspectivas, 1(35). 2007. Disponível em:
http://www.seer.ufu.br/index.php/historiaperspectivas/article/view/19060. Acesso em 20 ago
2020.

PISCITELLI, Adriana. Feminismos e Prostituição no Brasil: Uma Leitura a Partir da


Antropologia Feminista. Cuadernos de Antropología Social, (36). 2012, pp. 11-31. Disponível
em: https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=180926074002. Acesso em 14 dez 2021.

PRECIADO, Beatriz. Pharmaco-pornographic Politics: Towards a New Gender Ecology.


Parallax, vol. 14, no. 1, pp.105–117. 2008.

RAGO, Margareth. Os prazeres da noite: prostituição e códigos da sexualidade feminina em


São Paulo (1890-1930). São Paulo: Editora Paz e Terra S/A, 1991.

RODRIGUES, Marlene Teixeira. A prostituição no Brasil contemporâneo: um trabalho como


outro qualquer? Rev. Katálysis, v. 12, n. 1, Florianópolis, p. 68-76. 2009. Disponível em:
https://www.scielo.br/pdf/rk/v12n1/09.pdf . Acesso em: 23 ago 2020.

ROHDEN, Fabíola. Ginecologia, gênero e sexualidade na ciência do século XIX. Horizontes


Antropológicos. V. 8, n. 17, pp. 101-125. 2002. Disponível em:
<https://doi.org/10.1590/S0104-71832002000100006>. Acesso em 20 Fevereiro 2022.

ROHDEN, Fabíola. A construção da diferença sexual na medicina. Cadernos de Saúde Pública.


v. 19, suppl 2, pp. S201-S212. 2003. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0102-
311X2003000800002. Acesso em 20 fevereiro 2022.
164

RUBIN, Gayle. Pensando o Sexo: Por uma teoria radical da política da sexualidade. Políticas
do Sexo. São Paulo: Ubu Editora. 2017.

RUSSO, Jane; VENÂNCIO, Ana Teresa. Classificando as pessoas e suas perturbações: a


“revolução terminológica” do DSM III. Revista Latinoamericana de Psicopatologia
Fundamental. v. 9, n. 3, pp. 460-483. 2006. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/1415-
47142006003007>. Acesso em 20 fevereiro 2022.

RUSSO, Jane. O campo da sexologia e seus efeitos sobre a política sexual. Diálogo Latino-
Americano sobre Sexualidade e Geopolítica. Rio de Janeiro. 2009. Disponível em:
http://www.sxpolitics.org/pt/wp-content/uploads/2009/10/dialogo-latinoamericano_jane-
russo.pdf. Acesso em: 20 fevereiro 2022.

SARTI, Cynthia. A vítima como figura contemporânea. Cadernos CRH, vol. 24, nº 61, p. 51-
61, 2011.

SARTI, Cynthia. A construção de figuras da violência: a vítima, a testemunha. Horizontes


Antropológicos, vol. 20, n. 42, p. 77-105. 2014.

SILVA, Adelaide. Ca cara no sol: Memórias de desobedientes. Recurso online (137 p.)
Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de São Paulo, Escola de Filosofia Letras e
Ciências Humanas, Guarulhos, SP. 2019.

SILVA, Marta Pereira Militão da. Significados da maternidade: Um olhar antropológico sobre
a experiência do pós-parto. Recurso online (115 p.) Dissertação (mestrado) - Universidade
Federal de São Paulo, Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Guarulhos, SP. 2016.

SIMMEL, Georg. Filosofia do Amor. São Paulo: Livraria Martins Fontes Editora Ltda. 1993.

SIMMEL, Georg. Questões fundamentais da sociologia: indivíduo e sociedade. Rio de Janeiro:


Zahar, 2006. 118 páginas.
165

VENTURA, Miriam. Sexualidade e reprodução na adolescência: Uma questão de direitos. In.


ADORNO, R; ALVARENGA, A; VASCONCELLOS, M. (org). Jovens, trajetórias,
masculinidades e direitos. São Paulo: Edusp. pp. 31-53. 2005.

VIANNA, Adriana. Direitos e políticas sexuais no Brasil: mapeamento e Diagnóstico / Adriana


Vianna, Paula Lacerda (org). Rio de Janeiro: CEPESC, 2004.

VIANNA, Adriana. Atos, sujeitos e enunciados dissonantes: algumas notas sobre a construção
dos direitos sexuais. In: MISKOLCI, R; PELÚCIO, L. (org). Discursos fora da ordem:
Sexualidades, Saberes e Direitos. São Paulo: FAPESP. pp. 227-244. 2012.

VILLELA, Wilza Vieira; MONTEIRO, Simone. Gênero, estigma e saúde: reflexões a partir da
prostituição, do aborto e do HIV/Aids entre mulheres. Epidemiol.Serv.Saúde. Brasília, 24
(3):531-540. 2015.

WEBER, Max. The Methodology of the Social Sciences, Ed. and trans. Edward A. Shils and
henry A. Finch, New York: Free Press, 1949.

WIEVIORKA, Michel. La violence. Hachettes Littératures, Chapitre 3: “L’emergence des


victimes”. p. 81-108. 2005.

SITES E DOCUMENTOS CONSULTADOS

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DA AIDS. Departamento de Aids troca de nome e passa a se


chamar “Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente
Transmissíveis”. [S.I]. Disponível em: <https://agenciaaids.com.br/noticia/departamento-de-
aids-troca-de-nome-e-passa-a-se-chamar-departamento-de-doencas-de-condicoes-cronicas-e-
infeccoes-sexualmente-transmissiveis/>. Acesso em: 20 de fevereiro de 2022.

BRASIL. Qual é a diferença entre a PrEP e a PEP. Ministério da Saúde. Disponível em:
http://www.aids.gov.br/pt-br/faq/qual-e-diferenca-entre-prep-e-
pep#:~:text=A%20PEP%20%E2%80%93%20Profilaxia%20P%C3%B3s%2DExposi%C3%A
7%C3%A3o,ocupacional%20(com%20instrumentos%20perfurocortantes%20ou. Acesso em:
23 de fevereiro de 2021.
166

BRASIL. Infecções sexualmente transmissíveis (IST). Ministério da Saúde. Disponível em:


<https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z-1/i/infeccoes-sexualmente-
transmissiveis-ist> Acesso em: 11 de fevereiro de 2021.

BRASIL. Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para profilaxia pós-exposição (PEP) de


risco à infecção pelo HIV, IST e hepatites virais. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância
em Saúde. Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais. Brasília: Ministério da Saúde, 2021.

BRASIL. Resolução Nº 510, de 7 de abril de 2016. Ministério da Saúde. Disponível em:


http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/cns/2016/res0510_07_04_2016.html . Acesso em: 28 de
novembro, 2020.

BRASIL. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Profilaxia Pré-Exposição (PrEP)


de Risco à Infecção pelo HIV. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde,
Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis,
do HIV/Aids e das Hepatites Virais. – Brasília: Ministério da Saúde, 2018.

BRASIL. Prevenção Combinada do HIV/Bases conceituais para profissionais,


trabalhadores(as) e gestores(as) de saúde. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em
Saúde, Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente
Transmissíveis, do HIV/Aids e das Hepatites Virais. – Brasília: Ministério da Saúde, 2017.

BRASIL. Condiloma acuminado (HPV). Biblioteca Virtual em Saúde, Ministério da Saúde –


Brasília: Ministério da Saúde, 2011.

CAFÉ PHOTO. 2022. Disponível em: <https://www.cafephoto.com.br/#home>. Acesso em: 31


de janeiro de 2022.

FOLHA DE S.PAULO. Mortes por covid em São Paulo caem e chegam ao índice mais baixo
desde maio. [S.I]. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2020/09/mortes-
por-covid-19-em-sao-paulo-caem-e-chegam-ao-indice-mais-baixo-desde-maio.shtml. Acesso
em 19 de fevereiro de 2021.
167

FOLHA DE S.PAULO. Moradores da zona sul de SP ameaçam expor clientes de prostitutas


na internet. [S.I]. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2018/09/moradores-
da-zona-sul-de-sp-ameacam-expor-clientes-de-prostitutas-na-internet.shtml. Acesso em: 31 de
janeiro de 2022.

MULHERES DA LUZ. 2022. Disponível em: <https://www.mulheresdaluz.com.br/>. Acesso


em: 31 de janeiro de 2022.

PHOTOACOMPANHANTES, Acompanhantes no Brasil. 2022. Disponível em:


<https://www.photoacompanhantes.com/>. Acesso em: 31 de janeiro de 2022.

SÃO PAULO. Retomada consciente. Governo do Estado de São Paulo. Disponível em:
<https://www.saopaulo.sp.gov.br/planosp/> Acesso em: 19 de fevereiro de 2021.

SÃO PAULO. Sobre o CRT. Secretaria Estadual de Saúde. Disponível em:


http://www.saude.sp.gov.br/centro-de-referencia-e-treinamento-dstaids-sp/crt/sobre-o-crt. Acesso
em: 26 de novembro, 2019.

SÃO PAULO. Sobre o Programa Estadual DST/Aids. Secretaria Estadual de Saúde. Disponível
em: http://www.saude.sp.gov.br/centro-de-referencia-e-treinamento-dstaids-sp/crt/sobre-o-
programa-estadual-dstaids. Acesso em: 26 de novembro, 2019.

SÃO PAULO. Mapa da cidade. Cidade de São Paulo, subprefeituras. Disponível em:
https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/subprefeituras/mapa/index.php
?p=250449. Acesso em: 31 de janeiro de 2022.

TWITTER. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2021.


Disponível em:
<https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Twitter&oldid=62525101>. Acesso em: 31 de
janeiro de 2022.

VIVALOCAL. 2022. Disponível em: <https://www.vivalocal.com/>. Acesso em: 31 de janeiro


de 2022.
168

WHATSAPP. 2022. Disponível em: <https://www.whatsapp.com/about/?lang=pt_br>. Acesso


em: 31 de janeiro de 2022.

XVIDEOS. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2021.


Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=XVideos&oldid=61601233>.
Acesso em: 31 de janeiro de 2022.
169

ANEXO 1: Tabela descritiva das mulheres entrevistadas e interlocutoras da pesquisa

Nome
Tempo de
fictício e Estado de Tipo de Locais onde já
Filhos trabalho Mídias digitais Outras
idade Origem trabalho trabalhou
sexual informações

Carine, 31 2 filhas Programas e Boates, Site de Trabalha com a


Bahia Não
anos filmes clínicas e acompanhantes ajuda de um
(interior) identificado
pornôs hotéis assessor
Irina, 27 Atende apenas
Não
anos não 4 anos Programas Clínica de Não identificado clientes fixos
identificado
massagens atualmente
Natália, 33 Programas e Twitter, canal no
Trabalha com
anos não Não 3 anos filmes Hotéis Xvideos, site de
práticas BDSM
identificado pornôs acompanhantes
Carolina, Clínicas de Iniciou trabalho
Não
32 anos não 9 meses Programas massagem, Não identificado sexual após
identificado
boates voltar da Europa
Catarina, Casa de cafetão Namorado não
Minas Não
25 anos não Programas e apartamento Sites de sabe de sua
Gerais identificado
(flat) acompanhantes ocupação
Morgana,
Programas e Casa de
40 anos não Não identificado Migrou e
São Paulo 20 anos filmes cafetão e
trabalhou muitos
pornôs apartamento
anos na Itália
Luana, 22 Programas e Trabalha com a
Twitter, site de
anos não Piauí Poucos meses filmes Hotéis ajuda de um
acompanhantes
pornôs assessor
Raíssa, 37 Formação
Programas e
anos não Paraná Twitter, site de superior em
11 meses filmes Hotéis
(interior) acompanhantes Pedagogia e
pornôs
Direito
Laís, 33 Namorado não
Clínicas de Não usa para
anos um filho Não 3 anos Programas aceita seu
Massagem trabalho
identificado trabalho
Alice, 34 Trabalha em
Minas
anos não 11 anos Programas Ruas Não identificado avenida na zona
Gerais
sul de São Paulo
170

ANEXO 2: Tabela descritiva dos profissionais de saúde entrevistados

Formação Ano de entrada no Função desempenhada no Funções desempenhadas anteriormente no


Nome
Profissional CRT-DST/Aids CTA CRT-DST/Aids

Diretora do Núcleo de
Renata Socióloga Não identificado Não identificado
DST/CTA

Aconselhador para testes Integrou departamento de prevenção à IST-HIV.


Cezar Psicólogo 1998
rápidos, PrEP e PEP Psicólogo no ambulatório de HIV
Aconselhadora para testes Integrou o departamento de prevenção à IST-HIV
Maísa Psicóloga 2005
rápidos, PrEP e PEP
Acolhimento, teste rápido,
Cora Enfermeira 2013 triagem e aplicação de PrEP e Não houve
PEP
Acolhimento, teste rápido,
Joaquim Enfermeiro 1998 triagem e aplicação de PrEP e Trabalhou na ala de internação de casos de AIDS
PEP
Integrou a equipe do ambulatório trans. Presente na
Médica Atendimento para quadros de
Daniela 1988 instituição desde sua fundação, a partir da
Sanitarista IST
emergência da epidemia de HIV/Aids

Observação: Foram descritos na tabela acima apenas os profissionais de saúde entrevistados


para a pesquisa. Foi incluída também Renata, que apesar de não ter sido entrevistada, foi uma
interlocutora próxima durante todo o trabalho de campo.
171

ANEXO 3 – Roteiros de entrevista.

Versão final do roteiro de entrevistas com profissionais do sexo

Relação com o trabalho sexual


1. Como você normalmente se identifica quanto à sua atividade? (garota de programa,
prostituta, trabalhadora sexual, etc)
2. Que tipos de trabalho você faz? (programas, filmes, etc)
3. Quando você começou a trabalhar como profissional do sexo (ou a identificação que ela
deu)?
4. O que te motivou a fazer esse trabalho?
5. Qual é a sua visão sobre trabalho sexual e profissionais do sexo?
6. Qual a importância de ser profissional do sexo para você?
7. Qual é a visão que você tinha da prostituição antes? E agora?
8. Você se sente confortável para falar sobre sua atividade? Se sim, em quais momentos e
com quem? Se não, explique o porquê.
9. A prostituição/trabalho sexual impacta a sua vida pessoal? Se sim, como? Se não, por
quê?
10. Existem aspectos positivos ou negativos quanto a ser profissional do sexo? Se sim, quais
são eles?
11. Existem riscos na prostituição? Se sim, quais seriam eles?
12. Você vê a prostituição/trabalho sexual como algo estável na sua vida? Por quê?
13. Há algo que te faria parar de exercer a atividade? E há algo que te faria continuar? O
que?

Pandemia
1. A pandemia impactou de alguma forma seu trabalho? Por quê?
2. E a sua vida pessoal? Por quê?
3. Você deixou de trabalhar como profissional do sexo durante os meses da quarentena?
Por quê?
4. Caso tenha continuado a trabalhar, houve alguma mudança? Se sim, qual?
5. Caso tenha parado, continuou trabalhando de alguma outra forma? Se sim, como? Se
não, por quê?

Afetividades, sexualidade e saúde


172

1. No que se refere à sua orientação sexual, como você se identifica? (hetero, bi,
homossexual, etc)
2. Como você vê sua vida sexual e amorosa?
3. Você está em algum relacionamento no momento? Tem parceiros fixos ou ocasionais?
Tem filhos?
4. O trabalho como profissional do sexo tem alguma influência sobre seus relacionamentos
(amorosos, familiares, etc)? Por quê?
5. A prostituição/trabalho sexual impacta a sua relação com a sexualidade e sua vida
sexual? Se sim, como? Se não, por quê?
6. Como é a sua relação com os clientes/parceiros durante o trabalho sexual? Você impõe
regras ou condições?
7. Você sente ou já sentiu prazer com o trabalho sexual? Explique.

Saúde
1. Você costuma ir ao médico? Em quais ocasiões você procura atendimento em saúde?
2. Quais serviços de saúde você costuma procurar? E quais especialidades? (dentista,
dermato, clínico, etc)
3. Qual a importância para você de acessar esse tipo de atendimento?
4. Você tem convênio médico? Você acessa serviços de saúde públicos ou privados? Em
quais ocasiões? Existe diferença entre eles?
5. Quais são suas preocupações em saúde referentes à sua vida sexual? (gravidez
indesejada, transmissão de DSTs, ferimentos ou violência, etc)
6. Quais são os cuidados que você toma relativos à sua vida sexual? (uso de preservativo,
contraceptivo, realização de exames, consultas, etc).
7. Você costuma ir ao ginecologista? Em quais ocasiões?
8. Você fala sobre sua atividade para os profissionais de saúde? Por quê?
9. Você usa algum tipo de contraceptivo? Qual? Como você começou a utilizar?
(recomendação médica, indicação de amigos, etc) Como você tem acesso a ele? (compra
na farmácia, retira em posto, etc
10. Já utilizou pílula do dia seguinte? Se sim, em qual ocasião? Se não, usaria?
11. Já engravidou?
12. Caso sofresse violência sexual, o que você faria? Procuraria ajuda em algum serviço de
saúde?
173

13. A prostituição/trabalho sexual tem algum impacto no cuidado com o seu corpo e sua
saúde? Se sim, como? (no uso de preservativos, realização de exames, consultas, etc).
14. Você busca atendimento médico especificamente por conta da sua atividade?

Chegada ao Serviço
1. O que te levou a procurar atendimento no CRT? (se veio realizar exames para DSTs,
fazer consulta, etc)
2. Como você conheceu o serviço?
3. Você costuma frequentar o serviço ou foi apenas uma vez?
4. Caso costume frequentar, que tipo de atendimento você recebe no CRT? O que pensa
desse tratamento? (tratamentos de pep, prep, testes, etc)
5. Se foi apenas uma vez ao serviço, você voltaria? Por quê?
6. Você conhece outros serviços similares a este na cidade? Quais?
7. O que você esperava do atendimento quando chegou ao CRT? (de acordo com o motivo
que trouxe ao serviço: tratamento, exames, etc)

Relação com o serviço


1. Como tem sido o atendimento até agora? (falar de acordo com o total de vezes que
esteve no serviço.)
2. Como se deu o primeiro contato com os profissionais daqui? (considerando o
atendimento na recepção e no momento da consulta/exame)
3. Como você avalia a sua relação com os médicos, enfermeiros e outros profissionais da
saúde? (se obteve ajuda, se foram solícitos, se foi mais formal ou informal, etc)
4. Há diferença entre eles?
5. Você se sente confortável para pedir informações a eles? E para falar sobre suas dúvidas
ou interesses? (sobre dst’s, preservativos, relações sexuais, trabalho, etc)
6. Você se sente bem atendida no serviço? Explicar por quê.
7. Você recomendaria o serviço a outras pessoas? Explicar por quê.
8. Como você informa aos profissionais sobre sua atividade na prostituição/trabalho
sexual? Você se sente à vontade para se identificar a eles desta forma?
9. Você considera que a informação sobre prostituição/trabalho sexual impacta no
atendimento recebido? Como? (se recebe orientações específicas, se o tratamento é
diferente, etc)
10. Você se sente confortável para falar sobre a sua vida na prostituição/trabalho sexual
com os profissionais daqui? Por quê?
174

11. Você indicaria o atendimento no CRT para outras profissionais do sexo?

Versão final do roteiro de entrevistas com os profissionais de saúde

Trabalho no ambulatório
1. Como você descreve sua atuação aqui no ambulatório? Quais as funções que realiza?
2. A quanto tempo trabalha aqui e quando você começou?
3. Qual a sua formação e trajetória profissional?
4. Por que você veio a trabalhar com saúde sexual/reprodutiva e tratamento de DSTs?
5. Como você chegou até este serviço? Qual a importância dele na sua trajetória
profissional?

Sobre o serviço e sobre saúde


1. Na sua opinião, qual o maior objetivo deste serviço de saúde hoje?
2. Qual são as maiores contribuições do serviço à comunidade? E quais os maiores
desafios?
3. Qual a sua visão sobre a política e atendimento atual na saúde pública em DST?
(pensando não apenas neste serviço) (o que precisa ser feito, quais são os desafios, as
demandas, as maiores discussões)
4. Enquanto profissional da saúde, qual a sua visão sobre sexualidade e saúde hoje? Quais
as visões preponderantes sobre sexualidade você nota no campo da saúde pública?
5. Existem questões sobre sexualidade que precisam ser mais discutidas na saúde, ou
necessitam de maior atenção ou atendimento específico?
6. Quais são as principais questões a serem debatidas hoje no ambulatório? Por quê?
7. Quais são as principais demandas que você recebe hoje? O serviço dá conta de atendê-
las? Há demandas que não são atendidas? (explicar)
8. Você poderia falar um pouco de cada serviço oferecido aqui e sua visão sobre eles?
(teste rápido, prep, pep, etc)
9. Houve mudanças no serviço desde que você começou a trabalhar aqui? Quais foram
elas?
10. Houve mudança no perfil ou na procura dos pacientes?
11. A introdução de tratamentos medicamentosos como a Pep e a Prep tiveram alguma
mudança na política de combate às ISTs?
175

12. Na sua opinião, quais são os perfis das pessoas que acessam o serviço? (classe, raça,
região da cidade, vivência da sexualidade)
13. Como você acredita que os pacientes lidam com as informações recebidas aqui? Como
acha que eles lidam com as questões relativas à DST/Aids?
14. Como você vê a relação entre os profissionais de saúde e o público atendido?

O olhar sobre as prostitutas


1. Você atende um número grande de prostitutas/trabalhadoras sexuais aqui? Como você
as identifica?
2. Quais são os perfis dessas mulheres?
3. Houve mudança na procura e/ou no perfil das profissionais do sexo que acessavam o
serviço antigamente e agora? (explicar)
4. Existem diferenças entre as profissionais do sexo trans e não trans? Se sim, quais? Se
não, por quê?
5. Quais são as principais demandas trazidas por essas mulheres aqui? O serviço consegue
atender todas elas?
6. Como elas se relacionam com a questão das DST?
7. Quais são as principais questões dessas mulheres em saúde como um todo?
8. E quais são as principais questões sobre sua sexualidade?
9. Como é o atendimento a esse grupo? É semelhante ao dos outros pacientes? Requer um
tratamento específico? Por quê e em que sentido?
10. Como você acha que as prostitutas/trabalhadoras sexuais lidam com a sua saúde sexual?
11. Na sua opinião, o que faz elas procurarem atendimento aqui?
12. Como você acha que elas percebem o serviço? E a relação com os profissionais de
saúde?
13. Você acredita que a atividade que elas desempenham impacta o cuidado delas com a
saúde sexual/reprodutiva? Se sim, de que forma? Se não, por quê?
14. Você acredita que deve haver cuidados e orientações específicas no atendimento à saúde
sexual desta população? Se sim, quais seriam? Se não, por quê?
15. Você acredita que a prostituição/trabalho sexual impacta a discussão sobre controle,
prevenção e tratamento de DST/Aids? Se sim, de que forma? Se não, explique por quê.

16. Qual é a visão que você tem hoje sobre a prostituição/trabalho sexual?
UNIFESP - HOSPITAL SÃO
PAULO - HOSPITAL
UNIVERSITÁRIO DA
UNIVERSIDADE FEDERAL DE
SÃO PAULO - HSP/UNIFESP

PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP

DADOS DO PROJETO DE PESQUISA

Título da Pesquisa: Direitos Sexuais e Prostituição: Reflexões acerca do atendimento a prostitutas em


serviço de saúde sexual
Pesquisador: Cynthia a sarti
Área Temática:
Versão: 2
CAAE: 31019120.1.0000.5505
Instituição Proponente: Universidade Federal de São Paulo
Patrocinador Principal: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SAO PAULO

DADOS DO PARECER

Número do Parecer: 4.099.383

Apresentação do Projeto:
Projeto CEP/UNIFESP n:0421/2020 (parecer final)
-Trata-se de Projeto de MESTRADO de CARLA BEATRIZ CAMPOS. Orientadora: Profa. Dra. Cynthia a
sarti;
-Projeto vinculado ao Departamento de Ciências Sociais, Campus Guarulhos, UNIFESP.
-Centro Coparticipante: Centro de Referência e Treinamento DST/AIDS; pesquisador responsável: Dra.
Maria Clara Gianna;

-As informações elencadas nos campos "Apresentação do Projeto", "Objetivo da Pesquisa" e "Avaliação dos
Riscos e Benefícios" foram retiradas do arquivo Informações Básicas da Pesquisa
(PB_INFORMAÇÕES_BÁSICAS_DO_PROJETO_1510056.pdf, gerado em 21/4/2020)

APRESENTAÇÃO: O projeto de pesquisa pretende investigar o processo de construção e implementação


de uma agenda de direitos sexuais para prostitutas, compreendendo as tensões envolvidas em torno dos
direitos sexuais e da prostituição, bem como a diversidade de práticas e identidades que a última abrange.
Para atingir tal objetivo, busca-se investigar o atendimento a prostitutas no Centro de Referência e
Treinamento-DST/AIDS-SP (CRT -DST/AIDS), serviço de

Endereço: Rua Botucatu, 740


Bairro: VILA CLEMENTINO CEP: 04.023-900
UF: SP Município: SAO PAULO
Telefone: (11)5571-1062 Fax: (11)5539-7162 E-mail: cep@unifesp.br

Página 01 de 07
UNIFESP - HOSPITAL SÃO
PAULO - HOSPITAL
UNIVERSITÁRIO DA
UNIVERSIDADE FEDERAL DE
SÃO PAULO - HSP/UNIFESP
Continuação do Parecer: 4.099.383

referência em prevenção e tratamento e controle de DSTs/Aids, ligado à Secretaria de Estado de Saúde de


São Paulo, a partir da realização de pesquisa etnográfica.
Objetivo da Pesquisa:
-OBJETIVO PRIMÁRIO: O objetivo principal da pesquisa é compreender o processo de construção e
implementação de uma agenda de direitos sexuais para prostitutas, a partir da realização de pesquisa de
campo em um serviço de saúde especializado em DSTs/Aids que atenda prostitutas. Como parte desse
processo, busca-se analisar o movimento de cidadanização pelo qual a prostituição passa, bem como os
valores envolvidos neste debate, considerando a tensão que se coloca entre as perspectivas de
profissionalização da prostituição e a erotização nela implícita.
-OBJETIVO SECUNDÁRIO: Os objetivos específicos da pesquisa são: Compreender como as mulheres que
se identificam como prostitutas chegam ao serviço em questão, como o significam, e como significam a sua
relação com os profissionais de saúde do local; Entender como essas mulheres apreendem a prostituição,
bem como a sua relação com seus corpos e saúde sexual/reprodutiva; Compreender como os profissionais
de saúde do local apreendem o serviço, o atendimento a prostitutas, e a sua relação com elas;
Compreender como estes profissionais significam a prostituição, e as questões relativas ao corpo, saúde e
sexualidade das prostitutas.

Avaliação dos Riscos e Benefícios:


Em relação aos riscos e benefícios, o pesquisador declara:
-RISCOS: O risco em participar desta pesquisa refere-se a eventual desconforto ou constrangimento diante
de alguma pergunta. Para minimizar essa possibilidade de risco de desconforto ou constrangimento, os(as)
participantes serão orientados(as) a responder apenas as questões que se sintam confortáveis, podendo
deixar de responder alguma pergunta ou desistir de participar da pesquisa.
-BENEFÍCIOS: As reflexões resultadas desta pesquisa poderão contribuir para o debate sobre direitos
humanos e prostituição, tanto no meio acadêmico como na elaboração de políticas públicas.

Comentários e Considerações sobre a Pesquisa:


TIPO DE ESTUDO: estudo qualitativo, pesquisa de cunho etnográfico. A partir do problema proposto, visa-
se compreender como as mulheres identificadas como prostitutas apreendem a prostituição, como chegam
ao serviço e como o significam, assim como entender a relação dos profissionais de saúde com elas, e
como eles próprios apreendem a prostituição e os serviços

Endereço: Rua Botucatu, 740


Bairro: VILA CLEMENTINO CEP: 04.023-900
UF: SP Município: SAO PAULO
Telefone: (11)5571-1062 Fax: (11)5539-7162 E-mail: cep@unifesp.br

Página 02 de 07
UNIFESP - HOSPITAL SÃO
PAULO - HOSPITAL
UNIVERSITÁRIO DA
UNIVERSIDADE FEDERAL DE
SÃO PAULO - HSP/UNIFESP
Continuação do Parecer: 4.099.383

disponíveis no CRT-DST/Aids.

LOCAL: Centro de Referência e Treinamento DST/AIDS

PARTICIPANTES: participarão 20 pessoas (prostitutas e servidores);


-Critério de Inclusão: Os profissionais a serem entrevistados serão os atuantes dos ambulatórios propostos,
independentemente de sua especialização ou área de atuação (o que abrange médicos, enfermeiros,
psicólogos, entre outros). A seleção de prostitutas para a realização das entrevistas se dará com o auxílio
dos profissionais do CRT-DST/AIDS, de acordo com o modo como estas se identifiquem, seja na chegada
ao serviço ou no momento do acolhimento pelos profissionais médicos.

PROCEDIMENTOS: A metodologia aplicada consistirá na observação participante e na realização de


entrevistas semiestruturadas, nos serviços ambulatoriais do CRT-DST/Aids.
- Observação Participante : Visto que a observação participante consiste na coleta de dados através da
participação na rotina de um grupo ou organização, a fim de captar as relações locais e as interpretações
sobre elas tem-se o objetivo de acompanhar a rotina dos serviços ambulatoriais especializados em
DST/AIDS existentes no CRT, que se organizam a partir de duas frentes iniciais de acolhimento, referentes
a testagem rápida e atendimento para sintomas de DST. Este acolhimento desdobra-se também no
atendimento para aplicação da PEP (Profilaxia pós-exposição ao HIV) e da PrEP (Profilaxia pré-exposição
ao HIV). Proponho então o uso dessas quatro modalidades de atendimento como objeto de observação,
considerando que todas elas ocorrem no mesmo ambulatório.
-Entrevista Semi-estruturada: pretende-se realizar entrevistas semiestruturadas tanto com os profissionais
dos ambulatórios como com as prostitutas. Haverá a gravação das entrevistas e estas serão posteriormente
transcritas, para fins de análise de dados e publicação como trabalho acadêmico.
(mais informações, ver projeto detalhado).

Considerações sobre os Termos de apresentação obrigatória:


1- Foram apresentados os principais documentos: folha de rosto; projeto completo; cópia do cadastro
CEP/UNIFESP, orçamento financeiro apresentados.

Endereço: Rua Botucatu, 740


Bairro: VILA CLEMENTINO CEP: 04.023-900
UF: SP Município: SAO PAULO
Telefone: (11)5571-1062 Fax: (11)5539-7162 E-mail: cep@unifesp.br

Página 03 de 07
UNIFESP - HOSPITAL SÃO
PAULO - HOSPITAL
UNIVERSITÁRIO DA
UNIVERSIDADE FEDERAL DE
SÃO PAULO - HSP/UNIFESP
Continuação do Parecer: 4.099.383

2- TCLE a ser aplicado aos participantes.


3- outros documentos importantes anexados na Plataforma Brasil:
a)- Roteiros das entrevistas que serão realizadas (roteiro_de_entrevistas.docx, postado em 2/3/2020)
b)- carta de anuência/autorização do Diretor Técnico de Saúde III do Centro de Referência e Treinamento
DST/AIDS (cartaanuencia_CarlaBeatriz_CRT.pdf, postado em 2/3/2020)
c)- Ficha de coleta de dados (ficha_utilizacao_servico.pdf, postado em 2/3/2020)
4- O Roteiro preliminar para entrevista com prostitutas (Anexo 1) e o Roteiro preliminar para a entrevista
com os profissionais do CRT(Anexo 2) também estão anexados no final do projeto detalhado.

Recomendações:
Sem recomendações.
Conclusões ou Pendências e Lista de Inadequações:
Respostas ao parecer nº 4017305 de 09 de Maio de 2020. PROJETO APROVADO.

PENDÊNCIA 1- Em relação ao TCLE:


1.a)- é necessário informar que o termo está sendo disponibilizado em 2 vias originais (não usar a palavra
‘cópia’), uma para ficar com o participante e outra para ficar com o pesquisador.
Resposta: A alteração será feita no documento conforme indicado.

1.b)- no item “Procedimentos aos quais será submetido(a)”: informar que haverá a observação participante;
Resposta: A alteração será feita no documento conforme indicado.

1.c)- no item “Procedimentos aos quais será submetido(a)”: informar que haverá gravações; informar que
tipo de gravação será (áudio? Vídeo?) e informar qual o motivo da gravação e o que será feito com o
material gravado após a sua utilização;
Resposta: Haverá a gravação em áudio das entrevistas realizadas, que serão posteriormente transcritas e
integrarão o texto final da dissertação de mestrado, respeitando o anonimato dos participantes. Tal
informação será incorporada no TCLE.

Endereço: Rua Botucatu, 740


Bairro: VILA CLEMENTINO CEP: 04.023-900
UF: SP Município: SAO PAULO
Telefone: (11)5571-1062 Fax: (11)5539-7162 E-mail: cep@unifesp.br

Página 04 de 07
UNIFESP - HOSPITAL SÃO
PAULO - HOSPITAL
UNIVERSITÁRIO DA
UNIVERSIDADE FEDERAL DE
SÃO PAULO - HSP/UNIFESP
Continuação do Parecer: 4.099.383

1.d)- As entrevistas serão realizadas nos dias já agendados para acompanhamento no ambulatório, ou o
participante terá que se locomover exclusivamente para participar da pesquisa? Informamos que caso os
participantes tenham que se locomover até o local para participar da pesquisa, todos os gastos com
transporte e alimentação, inclusive do acompanhante, serão de responsabilidade dos pesquisadores e essa
informação deve constar no TCLE (Resolução CNS 466/2012, item IV.3.g e Resolução CNS 510/2016, Art.
9º, VII).
Resposta: As entrevistas serão realizadas preferencialmente no espaço do ambulatório, nos momentos em
que os participantes estiverem presentes neste; ou, se necessário, em espaços de sociabilidade do
entrevistado (casa, trabalho, espaços de sua convivência), não implicando deslocamento do entrevistado,
mas apenas da pesquisadora.

1.e)- no item “Danos e indenizações”: não só a Instituição é responsável pelo participante mas também o
pesquisador. Solicitamos incluir também o pesquisador como responsável; (e não esquecer de retirar a
observação);
Resposta: A responsabilidade da pesquisadora responsável foi incluída no documento e a observação
retirada, conforme o indicado.

PENDÊNCIA 2 – o cronograma (no formulário de informações básicas da Plataforma Brasil, e inserido no


final projeto detalhado) deve ser readequado/ajustado: deve ser levado em consideração o tempo para a
tramitação do projeto no CEP UNIFESP. Uma vez que o projeto ainda está pendente, não haverá tempo
hábil para que a realização da pesquisa de campo seja iniciada em 10/04/2020.
Resposta: O cronograma será alterado considerando o tempo de tramitação no CEP e a pandemia do
coronavírus. A data de início da pesquisa de campo será adiada para 13/07, podendo ser novamente adiada
em virtude da pandemia.

PENDÊNCIAS ATENDIDAS

Considerações Finais a critério do CEP:


1 - O CEP informa que a partir desta data de aprovação toda proposta de modificação ao projeto

Endereço: Rua Botucatu, 740


Bairro: VILA CLEMENTINO CEP: 04.023-900
UF: SP Município: SAO PAULO
Telefone: (11)5571-1062 Fax: (11)5539-7162 E-mail: cep@unifesp.br

Página 05 de 07
UNIFESP - HOSPITAL SÃO
PAULO - HOSPITAL
UNIVERSITÁRIO DA
UNIVERSIDADE FEDERAL DE
SÃO PAULO - HSP/UNIFESP
Continuação do Parecer: 4.099.383

original, incluindo necessárias mudanças no cronograma da pesquisa, deverá ser encaminhada por meio de
emenda pela Plataforma Brasil.
2 - O CEP informa que a partir desta data de aprovação, é necessário o envio de relatórios parciais
(semestralmente), e o relatório final, quando do término do estudo, por meio de notificação pela Plataforma
Brasil.

Este parecer foi elaborado baseado nos documentos abaixo relacionados:


Tipo Documento Arquivo Postagem Autor Situação
Informações Básicas PB_INFORMAÇÕES_BÁSICAS_DO_P 29/05/2020 Aceito
do Projeto ROJETO_1510056.pdf 17:40:55
Outros carta_resposta_cep.docx 29/05/2020 Cynthia a sarti Aceito
17:40:25
Projeto Detalhado / projeto_mestrado.docx 29/05/2020 Cynthia a sarti Aceito
Brochura 17:39:43
Investigador
TCLE / Termos de tcle_carla.doc 22/05/2020 Cynthia a sarti Aceito
Assentimento / 21:13:01
Justificativa de
Ausência
Solicitação cadastro_cep.PDF 21/04/2020 Cynthia a sarti Aceito
registrada pelo CEP 21:03:48
Declaração de cartaanuencia_CarlaBeatriz_CRT.pdf 02/03/2020 Cynthia a sarti Aceito
concordância 13:48:22
Declaração de ficha_utilizacao_servico.pdf 02/03/2020 Cynthia a sarti Aceito
Instituição e 13:47:57
Infraestrutura
Folha de Rosto folha_de_rosto_assinada.pdf 02/03/2020 Cynthia a sarti Aceito
13:41:34

Situação do Parecer:
Aprovado
Necessita Apreciação da CONEP:
Não

Endereço: Rua Botucatu, 740


Bairro: VILA CLEMENTINO CEP: 04.023-900
UF: SP Município: SAO PAULO
Telefone: (11)5571-1062 Fax: (11)5539-7162 E-mail: cep@unifesp.br

Página 06 de 07
UNIFESP - HOSPITAL SÃO
PAULO - HOSPITAL
UNIVERSITÁRIO DA
UNIVERSIDADE FEDERAL DE
SÃO PAULO - HSP/UNIFESP
Continuação do Parecer: 4.099.383

SAO PAULO, 19 de Junho de 2020

Assinado por:
Miguel Roberto Jorge
(Coordenador(a))

Endereço: Rua Botucatu, 740


Bairro: VILA CLEMENTINO CEP: 04.023-900
UF: SP Município: SAO PAULO
Telefone: (11)5571-1062 Fax: (11)5539-7162 E-mail: cep@unifesp.br

Página 07 de 07
CENTRO DE REFERÊNCIA E
TREINAMENTO DST/AIDS

PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP


Elaborado pela Instituição Coparticipante

DADOS DO PROJETO DE PESQUISA

Título da Pesquisa: Direitos Sexuais e Prostituição: Reflexões acerca do atendimento a prostitutas em


serviço de saúde sexual
Pesquisador: Cynthia Andersen Sarti
Área Temática:
Versão: 1
CAAE: 31019120.1.3001.5375
Instituição Proponente: Centro de Referência e Treinamento DST/AIDS
Patrocinador Principal: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SAO PAULO

DADOS DO PARECER

Número do Parecer: 4.253.739

Apresentação do Projeto:
Trata-se de Projeto de MESTRADO de CARLA BEATRIZ CAMPOS. Orientadora: Profa. Dra. Cynthia A
Sarti;
-Projeto vinculado ao Departamento de Ciências Sociais, Campus Guarulhos, UNIFESP.
-Centro Coparticipante: Centro de Referência e Treinamento DST/AIDS; pesquisador responsável:
Dra.Maria Clara Gianna.

-As informações elencadas nos campos "Apresentação do Projeto", "Objetivo da Pesquisa" e "Avaliação dos
Riscos e Benefícios" foram retiradas do arquivo Informações Básicas da Pesquisa
(PB_INFORMAÇÕES_BÁSICAS_DO_PROJETO_1510056.pdf, gerado em 16/8/2020.

APRESENTAÇÃO: O projeto de pesquisa pretende investigar o processo de construção e implementação


de uma agenda de direitos sexuais para prostitutas, compreendendo as tensões envolvidas em torno dos
direitos sexuais e da prostituição, bem como a diversidade de práticas e identidades que a última abrange.
Para atingir tal objetivo, busca-se investigar o atendimento a prostitutas no Centro de Referência e
Treinamento-DST/AIDS-SP (CRT -DST/AIDS), serviço de referência em prevenção e tratamento e controle
de DST/Aids, ligado à Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo.

Endereço: SANTA CRUZ 81 Anexo Pesquisa 1º andar


Bairro: VILA MARIANA CEP: 04.121-000
UF: SP Município: SAO PAULO
Telefone: (11)5087-9837 Fax: (11)5087-9837 E-mail: cep@crt.saude.sp.gov.br

Página 01 de 05
CENTRO DE REFERÊNCIA E
TREINAMENTO DST/AIDS

Continuação do Parecer: 4.253.739

Objetivo da Pesquisa:
-OBJETIVO PRIMÁRIO: O objetivo principal da pesquisa é compreender o processo de construção e
implementação de uma agenda de direitos sexuais para prostitutas, a partir da realização de pesquisa de
campo em um serviço de saúde especializado em DSTs/Aids que atenda prostitutas. Como parte desse
processo, busca-se analisar o movimento de cidadanização pelo qual a prostituição passa, bem como os
valores envolvidos neste debate, considerando a tensão que se coloca entre as perspectivas de
profissionalização da prostituição e a erotização nela implícita.
-OBJETIVO SECUNDÁRIO: Os objetivos específicos da pesquisa são:
Compreender como as mulheres que se identificam como prostitutas chegam ao serviço em questão, como
o significam, e como significam a sua relação com os profissionais de saúde do local;
Entender como essas mulheres apreendem a prostituição, bem como a sua relação com seus corpos e
saúde sexual/reprodutiva;
Compreender como os profissionais de saúde do local apreendem o serviço, o atendimento a prostitutas, e a
sua relação com elas;
Compreender como estes profissionais significam a prostituição, e as questões relativas ao corpo, saúde e
sexualidade das prostitutas.

Avaliação dos Riscos e Benefícios:


Em relação aos riscos e benefícios, o pesquisador declara:
- RISCOS: O risco em participar desta pesquisa refere-se a eventual desconforto ou constrangimento diante
de alguma pergunta. Para minimizar essa possibilidade de risco de desconforto ou constrangimento,
os(as)participantes serão orientados(as) a responder apenas as questões que se sintam confortáveis,
podendo deixar de responder alguma pergunta ou desistir de participar da pesquisa.
-BENEFÍCIOS: As reflexões resultadas desta pesquisa poderão contribuir para o debate sobre direitos
humanos e prostituição, tanto no meio acadêmico como na elaboração de políticas públicas.

Comentários e Considerações sobre a Pesquisa:


TIPO DE ESTUDO: Estudo qualitativo, pesquisa de cunho etnográfico. A partir do problema proposto, visa e
compreender como as mulheres identificadas como prostitutas apreendem a prostituição, como chegam ao
serviço e como o significam. Pretende também entender a relação

Endereço: SANTA CRUZ 81 Anexo Pesquisa 1º andar


Bairro: VILA MARIANA CEP: 04.121-000
UF: SP Município: SAO PAULO
Telefone: (11)5087-9837 Fax: (11)5087-9837 E-mail: cep@crt.saude.sp.gov.br

Página 02 de 05
CENTRO DE REFERÊNCIA E
TREINAMENTO DST/AIDS

Continuação do Parecer: 4.253.739

dos profissionais de saúde com elas, e como eles próprios apreendem a prostituição e os serviços
disponíveis no CRT-DST/Aids.
PARTICIPANATES: participarão 20 pessoas (10 prostitutas e 10 servidores);
-Critério de Inclusão: Os profissionais a serem entrevistados serão os atuantes no ambulatório de DST.
INSTRUMENTOS: observação participante e realização de entrevistas semiestruturadas.
PROCEDIMENTOS:
- Observação Participante: A observação participante consiste na coleta de dados por meio da participação
na rotina de um grupo ou organização. A rotina do serviço do ambulatório de DST do CRT organizados a
partir do acolhimento referentes a testagem rápida, atendimento para sintomas de DST, atendimento para
aplicação da PEP (Profilaxia pós-exposição ao HIV) e da PrEP (Profilaxia pré-exposição ao HIV). Essas
quatro modalidades de atendimento serão objeto de observação, considerando que todas elas ocorrem no
mesmo ambulatório.
-Entrevista Semi-estruturada: são realizadas entrevistas semiestruturadas tanto com os profissionais do
ambulatório como com as prostitutas.
Haverá a gravação das entrevistas e estas serão posteriormente transcritas, para fins de análise de dados e
publicação como trabalho acadêmico.
A análise dos dados obtidos se dará a partir da transcrição das entrevistas e da descrição das relações
observadas em campo, a fim de interpretá-los à luz da fundamentação teórica desenvolvida desde o projeto.
Critério de Inclusão:
Os profissionais a serem entrevistados serão os atuantes dos ambulatórios propostos, independentemente
de sua especialização ou área de atuação (o que abrange médicos, enfermeiros, psicólogos, entre outros).
A seleção de prostitutas para a realização das entrevistas se dará com o auxílio dos profissionais do CRT-
DST/AIDS, de acordo com o modo como estas se identifiquem, seja na chegada ao serviço ou no momento
do acolhimento pelos profissionais médicos.

Considerações sobre os Termos de apresentação obrigatória:


Adequados
1. Foram apresentados os principais documentos: folha de rosto; projeto completo; informações básicas do
projeto.
2. TCLE a ser aplicado aos participantes.

Endereço: SANTA CRUZ 81 Anexo Pesquisa 1º andar


Bairro: VILA MARIANA CEP: 04.121-000
UF: SP Município: SAO PAULO
Telefone: (11)5087-9837 Fax: (11)5087-9837 E-mail: cep@crt.saude.sp.gov.br

Página 03 de 05
CENTRO DE REFERÊNCIA E
TREINAMENTO DST/AIDS

Continuação do Parecer: 4.253.739

3. Declaração de anuência do Diretor do Centro de Referência e Treinamento DST/AIDS


(cartaanuencia_CarlaBeatriz_CRT.pdf)
4. Ficha de controle da utilização dos serviços em pesquisa no CRT/AIDS (ficha_utilização_serviço.pdf)
5. O Roteiro preliminar para entrevista com prostitutas (Anexo 1) e o Roteiro preliminar para a entrevista
com os profissionais do CRT(Anexo 2) estão anexados no final do projeto detalhado.

Recomendações:
Não há.
Conclusões ou Pendências e Lista de Inadequações:
Não há.
Considerações Finais a critério do CEP:
Em conformidade com a Resolução CNS nº 466/12 – cabe ao pesquisador: - Desenvolver o projeto
conforme delineado; - Elaborar e apresentar relatórios parciais e final; - Apresentar dados solicitados pelo
CEP, a qualquer momento; - Manter o arquivo da pesquisa sob sua guarda, contendo fichas individuais e
todos os demais documentos recomendados pelo CEP, por 5 anos; - Encaminhar os resultados para
publicação, com os devidos créditos aos pesquisadores associados e ao pessoal técnico participante do
projeto; - Justificar perante ao CEP interrupção do projeto ou a não publicação dos resultados.

Este parecer foi elaborado baseado nos documentos abaixo relacionados:


Tipo Documento Arquivo Postagem Autor Situação
Outros carta_resposta_cep.docx 29/05/2020 Cynthia a sarti Aceito
17:40:25
Projeto Detalhado / projeto_mestrado.docx 29/05/2020 Cynthia a sarti Aceito
Brochura 17:39:43
Investigador
TCLE / Termos de tcle_carla.doc 22/05/2020 Cynthia a sarti Aceito
Assentimento / 21:13:01
Justificativa de
Ausência

Situação do Parecer:
Aprovado

Endereço: SANTA CRUZ 81 Anexo Pesquisa 1º andar


Bairro: VILA MARIANA CEP: 04.121-000
UF: SP Município: SAO PAULO
Telefone: (11)5087-9837 Fax: (11)5087-9837 E-mail: cep@crt.saude.sp.gov.br

Página 04 de 05
CENTRO DE REFERÊNCIA E
TREINAMENTO DST/AIDS

Continuação do Parecer: 4.253.739

Necessita Apreciação da CONEP:


Não

SAO PAULO, 02 de Setembro de 2020

Assinado por:
Eduardo Ronner Lagonegro
(Coordenador(a))

Endereço: SANTA CRUZ 81 Anexo Pesquisa 1º andar


Bairro: VILA MARIANA CEP: 04.121-000
UF: SP Município: SAO PAULO
Telefone: (11)5087-9837 Fax: (11)5087-9837 E-mail: cep@crt.saude.sp.gov.br

Página 05 de 05

Você também pode gostar