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PREFÁCIO.............................................

...................... ..............................................
..............................................
............................................
...........................
........ 5
 5

1.CONSUMIDORES (CONSUMIDOS)..............................................................................................13

2.ECONOMIA POLÍTICA DA PULSÃO............................................................................................20

2.1A CANALHICE: PATOLOGIA CÍNICA DA ÉTICA............................................................................26

3.CULPA E RESPONSABILIDADE..................................................................................................37

3.1A SERVIDÃO VOLUNTÁRIA....................................................................................................37

3.2OS INJUSTIFICÁVEIS.............................................................................................................46

3.2.1D!"#$%&! '$(%'$!) #*+"(,........................................................................................-

4.DO CÃO AOS CÍNICOS...........................................................................................................55

4.1O CINIS/O CO/O RET0RICA: U/A RET0RICA CÍNICA...............................................................--

4.2A RAÃO CÍNICA.................................................................................................................64

4.3LOCUPLETE/O NOS TODOS...................................................................................................76

4.4ESCNDALOS.......................................................................
...............................................................................................................
..............................................57
......57

DORMIR NO PONTO............................................
..................... ..............................................
..............................................
.............................
........ 103
 103

BIBLIOGRAFIA...........................................
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........ 112
 112
5

PREFÁCIO

O mal-estar na civilização se apresenta hoje em dia como um


cinismo universal e difuso
Peter !loterdij"# Kritik der zynischen Vernunft  $%&'()
 $%&'()

O
deposit*rio +ue tiver a chance de ficar impunemente

com o dinheiro rece,ido em custdia e não o fizer por

princ.pio /h* tr0s s1culos e2emplo e paradi3ma de

retidão na conduta/ est* o,soleto O homem moral de 4ant 1 um

ot*rio 5ão +ue as estacas fincadas para alicerce da 1tica moderna

por sua l3ica de ferro pietista tenham ru.do 5ão# apenas diminuiu a

procura por moradia no edif.cio constru.do em cima

 6 palavra
palavra de ordem
ordem vi3ente
vi3ente 1 7levar vanta3e
vanta3em
m em tudo#
tudo# certo89
certo89

:tica do malandro afinada com a corrupção cr;nica +ue infesta todos

os estamentos da vida civil <ado o,scuro da f1 ce3a de +ue sempre

h* de haver um jeito $para dri,lar as re3ras em ,enef.cio prprio) =

lei universal internalizada do sujeito 1tico se su,stitui a pai2ão do

esperto em ser a e2ceção +ue confirma a re3ra $dos outros)

O pro,
pro,le
lema
ma 1 +ue
+ue esta
esta e2ce
e2ceçã
ção
o torn
tornou
ou-s
-se
e re3r
re3ra
a /a da

malandra3em/# e resulta dif.cil ima3inar o +ue ser* feito dos tolos o

dia em +ue se realize a sonhada nação da esperteza >erti3em desta

curiosa 7dial1tica do malandro e do ot*rio9 /versão ,ufa do le3ado

he3eliano# mas não por isso merecedora de menor atenção/


a tenção/ +ue me
6

dis
disponh
ponho
o a e2am
e2amin
inar
ar a+u
a+ui ?eno
?enoss par
para som
somar @ le3i
le3ião
ão dos
dos

descontentes $ou seja# da+ueles +ue che3aram tarde ao reparto do

,olo)# +ue para demonstr*-la efeito de um discurso vi3ente na Kultur

$isto 1# na civilização# se3undo a tradução rece,ida) +ue# como

+ual+uer outro# determina a or3anização mesma dos v.nculos em +ue

se real
realiz
iza
a e e2er
e2erci
cita
ta noss
nossa
a su,j
su,jet
etiv
ivid
idad
ade
e 6ten
6tende
dend
ndo
o @ form
forma
a

espec.
espec.fic
fica
a da or3ani
or3anizaç
zação
ão +ue este
este induz
induz proponh
proponho
o denomin
denomin*-
*-lo
lo

discurso do cínico

A
Bei2o
Bei2o para
para outr
outro
o lu3ar
lu3ar uma
uma discu
discuss
ssão
ão porm
pormen
enor
oriz
izad
ada
a do

conceito de discurso# a+ui hão de ,astar al3umas consideraçes +ue

esclareçam o uso +ue faço dele Esclarecimentos como su,s.dio ao

se3u
se3uin
inte
te pres
pressu
supo
post
stoD
oD não há rel
relação social que não este
steja

determinada por um discurso.

Em As palavras e as coisas Foucault considera discurso o que


que

se diz  ?as o +ue se diz não se restrin3e aos atos de fala# ainda +ue

semp
sempre
re este
esteja
ja asso
associ
ciad
ado
o @ lin3u
lin3ua3
a3em
em rat
rata-
a-se
se da orde
ordem
m +ue
+ue

or3aniza e circunscreve o campo da e2peri0ncia e do conhecimento

poss.veis Befine o modo de ser dos ojetos  +ue aparecem em tal

campo : sempre correlativo de uma episteme +ue funciona como o

paradi3ma a partir do +ual se or3aniza o mundo m discurso 1 um

conju
conjunt
nto
o de proc
proced
edim
imen
ento
toss de delim
delimititaç
ação
ão e cont
contro
role
le## em,o
em,ora
ra

tam,
tam,1m
1m se poss
possa
a fala
falarr de cont
contro
role
le do discurso#
discurso# e2ercido desde
7

dentro ou fora dele 6 s1rie de procedimentos mediante os +uais se

traçam os limites entre o admiss.vel e o inadmiss.vel para

determinada cultura em tal momento histrico# constitui seu 7discurso

admitido9# nome foucaultiano da ideolo3ia

Para o psicanalista o discurso 1 menos um ve.culo de

si3nificados +ue um apelo a responder desde uma determinada

posição <aurence Gataille o ilustra de um modo ,onito Huem


%

passeando pela mar3em do rio ouvir um 3rito de socorro estar*

comprometido pelo simples fato de t0-lo ouvido# seja +ual for a sua

reação ou mesmo fin3indo nada ter escutado 6inda +ue não haja

vivalma nas redondezas# mesmo assim# o sujeito estar* implicado

perante o +ue <acan denomina o Outro da lin3ua3em Este 1 o

alcance do my !ord is my ond  de 6ustin

Huanto @ psican*lise# ela 1 um procedimento discursivo entre

outros# com a particularidade de servir para apreender como o

discurso nos determina omemos por e2emplo um conceito maior da

teoria# o 7supereu9 !eria insensato acreditar na sua e2ist0ncia fora

da e2peri0ncia psicanal.tica# +ue " uma e#peri$ncia de discurso ?as

dentro dela# o +ue 1 o 7supereu9 senão o modelo de como o discurso

em si determina a su,jetividade8
?ediante o instrumento da lin3ua3em instaura-se um certo nmero de
relaçes JrelationsK est*veis# no interior das +uais pode inscrever-se#
claro# al3o mais a,ran3ente# +ue vai mais lon3e +ue as enunciaçes
efetivas 5enhuma necessidade destas ltimas para +ue nossa conduta#

% Gataille <# %&'L


8

nossos atos# eventualmente# se inscrevam no +uadro de certos


enunciados primordiais M

 6ssim se e2primia <acan em %&NN Em %&&# o +uadro destes

enunciados primordiais ser* descrito como uma 7estrutura +ue

ultrapassa de lon3e a fala J paroleK# sempre mais ou menos ocasional9

: o discurso# definido como um sistema de relaçes est*veis entre

si3nificantes# +ue dependem da lin3ua3em e determinam o sujeito

independentemente de fazer ou não sentido

5a mesma 1poca prope distin3uir +uatro 7discursos radicais9

  do mestre# da hist1rica# do psicanalista e do universit*rio/#

verdadeiras matrizes das relaçes humanas como as conhecemos $e

as vivemos) em ocidente Huem +uiser aprofundar nesta teoria# ler*

com proveito % avesso da psicanálise $<acan# %&&L) !eu

conhecimento# por1m# não 1 imprescind.vel para acompanhar o

ar3umento mediante o +ual proponho acrescentar o do c.nico @ lista

dos discursos radicais

A
 Huanto ao cinismo $at1 melhor definição# confio o termo @ sua

acepção corrente)# para poder pens*-lo como discurso# devemos

dei2ar de conce,0-lo como uma postura entre outras de um indiv.duo

/pass.vel de ser confrontada com princ.pios 1ticos universais/# e

passar a trat*-lo como um dos modos de estar $ser8) na civilização

+ue nos toca viver Possi,ilidade +ue reflete menos uma mudança na
M <acan# %&'
9

superestrutura da sociedade +ue uma mutação do discurso

dominante respons*vel pela sua infra-estrutura ransformação

decorrente do desenvolvimento do capitalismo na alta modernidade.

 6 certeza de +ue tudo h* de aca,ar em pizza   isto 1# na

confraternização dos espertos com e2clusão dos lesos  # por

e2emplo# provaria menos o rela2amento dos costumes +ue a

e2ist0ncia de uma discursividade +ue ordena nossas relaçes mtuas

num verdadeiro círculo cínico Este c.rculo 1# em primeiro lu3ar# uma

armadilha l3ica   de cuja forma# descrita com fineza pelo cinema e a

literatura # tive uma ilustração impa3*vel no tra,alhador impedido de


(

tra,alhar pela nova <ei de Previd0ncia# se3undo a +ual j* devia estar

aposentado# +ue tampouco podia re+uerer a aposentadoria# por+ue

apenas a +uem tra,alha 1 concedido tal direito

:# tam,1m# uma modalidade de v.nculo social caracterizado

pela manipulação# sendo +ue# em,ora se acredite livre# o

manipulador não est* menos preso +ue o manipulado na trama

instrumental :# finalmente# $isto se deduz do anterior) uma relação

com o inconsciente tal +ue ele s e2iste para os outros# o +ue faz

com +ue o interessado se ima3ine aut;nomo# livre de +ual+uer outra

determinação +ue não a sua ,oa ou m* vontade

( Cf &atch ''  $ Ardil '' ) Qospeh eller# para o livroS ?i"e 5ichols# para o filme
10

5unca o pro3rama "antiano de uma moral de princ.pios esteve

tão lon3e do esp.rito de uma 1poca 5unca# não o,stante# a "tica foi

tão citada O +ue não dei2a de ser coerente# por+ue o cinismo 1 a

caricatura da moral iluminista# e a prova talvez de sua imposs.vel

efetivação Podemos reconhec0-lo pela sua marca re3istrada# +ue

consiste em invocar normas universais en+uanto se promove sua

trans3ressão particular Como discurso# o cinismo consiste no

conjunto de operaçes +ue preservam oculto o hiato entre os

princ.pios e a pr*tica +ue os contradiz

* de se convir +ue uma tirada como a de Grecht na (pera

dos tr$s vint"ns# 7O +ue 1 assaltar um ,anco comparado a fundar

um89# não soa i3ual em l*,ios de um ,an+ueiro# de um ,anc*rio ou

de um cliente Os candidatos mais prov*veis a soltar uma frase

dessas hoje em dia seriam os primeiros# sem +ue isso lhes impeça

em a,soluto de se3uir 3erindo seus ne3cios milion*rios @s custas

dos outros dois udo se passa como se nenhum dos tr0s fosse

capaz de renunciar @ crença de +ue a sociedade toda 1 ,enefici*ria

dos ,ancos# mesmo sa,endo +ue foram criados para ,enef.cio

e2clusivo dos seus propriet*rios Con+uanto reconheçam o interesse

particular +ue desmente o proclamado desinteresse universal#

continuam a3indo como se não sou,essem L

L Tize"# %&&U
11

Bevemos a primeira cr.tica slida deste discurso /coe2tensivo

do mercado 3lo,alizado# do human en)eneerin)  e da correção

pol.tica/ a um filsofo dinamar+u0s chamado Peter !loterdij"  Ele


N

v0 o cinismo como o traço distintivo da civilização ocidentalS como o

modo principal de or3anizar as relaçes humanas# tanto no plano

pessoal como no institucional Resultado# se3undo diz# do fracasso

das promessas li,ert*rias da cr.tica da ideolo3ia de cunho mar2ista# e

da concomitante desilusão pol.tica e desencanto a respeito das suas

alternativas sociais

Com efeito# se a ideolo3ia 1 a falsa consci$ncia $?ar2) dos

indiv.duos de uma determinada classe so,re as razes +ue os

movem# o cinismo 1 a falsa consci$ncia ilustrada $!loterdij")# +ue j*

não ser* afetada por nenhuma cr.tica ideol3ica Pois en+uanto esta

oferece uma refle2ão so,re as condiçes efetivas da realidade social

determinante da ação das pessoas# prometendo a su,se+Vente

tomada de consci0ncia +ue permitiria sair da ilusão# o cinismo se

apresenta como uma ilusão +ue incorporou sua prpria cr.tica

mantendo-se inclume

A
O +ue a kulturcritik não leva em consideração# mas @

psican*lise 1 dado o,servar# 1 o tanto +ue as su,jetividades são

afetadas por esta mutação discursiva# fis3adas pela satisfação

N !loterdij"# %&&(
12

li,idinal ali promovida Fruição relativa @ mencionada manipulação do

semelhante# +ue caracteriza um verdadeiro deleite do canalha.

Em outro lu3ar # refleti so,re a mudança de status da noção de


responsa,ilidade decorrente da invenção da psican*lise Como

responsa,ilizar-se# era a +uestão# por atos cujas determinaçes são

desconhecidas para +uem os realiza8 Respondia então +ue# lon3e de

servir como prete2to para sua isenção moral# o sintoma sofrido

indicava o lu3ar mesmo onde o paciente devia reconhecer-se# para

todos os efeitos# como a3ente Era natural concluir +ue a 1tica da

psican*lise entranhava a passa3em do sintoma  do sujeito para o

sujeito do sintoma# mas isso dei2ava em a,erto a per3unta pelas

conse+V0ncias so,re as concepçes can;nicas da moral# +ue

sempre foram su,sidi*rias de uma psicolo3ia da consci0ncia 6t1 +ue

ponto# em outras palavras# a refle2ão filosfica so,re a 1tica devia $ou

podia) contar com o inconsciente freudiano

Hue fim levou esta responsa,ilidade pelo prprio desejo numa

1poca +ue j* incorporou $senão pasteurizou) a psican*lise# e na +ual

o inconsciente 1 tratado como pouco menos +ue uma curiosidade

histrica8 : com esta per3unta +ue me dirijo aos modernos c.nicos

 Wolden,er3# %&&(
13

1. consumidores (consumidos)

ão h* sinal mais se3uro da presença de uma civilização +ue o li2o 6

3arrafa vazia de Coca-Cola ca.da do avião so,re a ca,eça do

a,or.3ine $primeira cena do filme %s deuses devem estar loucos ) O

+ue a ecolo3ia   ci0ncia e ideolo3ia dos efeitos delet1rios do

pro3resso   desconhece# al1m do fato de a natureza ser um mito

$como o :den)# 1 +ue denominamos cultura ao resultado de uma

di3estão

Freud nos familiarizou com a id1ia de +ue as mais elevadas

produçes da humanidade derivam do refu3o  e +ue o empenho do


homo faer   se alimenta dos apetites pulsionais não aplacados  6


'

transcend0ncia do esp.rito não implica# contudo# +ue a civilização

tenha dei2ado para tr*s o es3oto do +ual sur3iu Ba su,limação não

resulta uma cultura su,lime

 6 Kultur # com efeito# não est* constitu.da com o tri3o das

ci0ncias e das artes mas com o joio 6 vul3arização de uma teoria#

por e2emplo# s acontece depois de ela ter se tornado incua para o

 Besde os *r$s +nsaios...# em %&UN# ou talvez antes


' ,nfra p (L e ss
14

pro3resso da disciplina : como re,otalho do campo cient.fico +ue se

incorpora @ cultura# +uando dei2a de siderar como desco,erta e cai

na vala comum do conhecimento universal 6 universidade# ali*s# 1 a

instituição encarre3ada de administrar esta acumulação

5ão 1 +uando >an Wo3h su,vertia os cXnones com telas

inadmiss.veis +ue se verifica a e+uival0ncia entre a o,ra e o dejeto  &

$alvez para o artista# mas isso lhe interessaria e a mais nin3u1m) :

depois do consenso# +uando a !othes,Y avalia em centenas de

milhes de dlares os mesmos +uadros +ue em vida do pintor não

valiam o preço da tela em +ue estavam pintados Freud não estava

desvalorizando as o,ras ao mostrar so, as Gelas 6rtes o o,jeto

pulsional# mas reconhecendo o valor das so,ras para o desejo 5ão 1

este o lu3ar para refletir so,re o status mercantilista da arte moderna#

mas não dei2a de ser um interessante pro,lema o fato de o valor de

troca crescer em proporção inversa @ pot0ncia su,versiva da o,ra

Hual 1 o valor de uso dos leos do holand0s8 Por en+uanto +ueria

apenas fazer o,servar +ue os >an Wo3hs são considerados 7nicos9

no momento em +ue foram de3lutidos e di3eridos pela ,aleia de

nosso corpo $social)

Esse outro efeito da popularidade# al1m da r*pida conversão

das o,ras em dinheiro# +ue 1 o es+uecimento# o es3otamento da sua

capacidade su,versiva# 1 ,astante vis.vel no mundo das letras Os

puristas torcem o nariz para os livros populares menos pela +ualidade


& Freud# %&U OC# vol (# 75uevas <ecciones Introductorias al Psicoan*lisis9 $%&(M)# leccin (M
15

da escrita +ue pela facilidade com +ue se consomem e evacuam $o

+ue constitui a sua popularidade) Consideram 7literatura9 apenas a

escritura +ue resiste o leitor insti3ando seu desejo de dificuldade ?as

desejo tal 1 coisa rara# e não acontece sem indução# j* +ue se move

na contramão dos lu3ares comuns em +ue o e)o se a,oleta. O livro

+ue nos faz tra,alhar não est* ainda ou não por completo na cultura

QoYce esperava resistir-lhe por dois ou tr0s s1culos -oulier    m$s


%U

:crits/ # pondera <acan E discorre so,re o preço de condescender @

 pouellication. 5ão +ue anunciar a li2eira como sina de seu livro o


%%

tenha ini,ido na hora de recolher os direitos autorais E# mais#

anunci*-lo desta sorte não foi ,ice @ provocação do desejo de

compr*-lo# antes pelo contr*rio Enfim# tinha aprendido a lição

freudiana E a +uestão não era $como não 1) renunciar ao provento

mas preservar a resist0ncia @ cultura +ue os escritos pudessem ter

Ba su,limação# então# não resulta uma cultura su,lime E a

escatolo3ia 1 a disciplina +ue se ocupa# na divisão enraizada em

ocidente entre corpo e alma# do ,om modo de manter a  psique livre

do seu soma. Gasta uma 3reve de li2eiros# entretanto# para +ue se

sai,a com +uantas toneladas de li2o se faz o Volks)eist Z

Passemos ao lu2o

%U Be pulier # pu,licar# mais oulier # es+uecer


%% Be pouelle# li2o# mais pulication.
16

m velho ami3o# depois de anos de la,uta conse3ue ad+uirir

os ,ens com +ue sempre sonhara Os mesmos +ue tantas vezes

despertaram sua inveja na casa de outros Ford# !onY# IG?# itachi#

aurus ('# Chivas Re3al Para seu espanto e consternação#

desco,re por1m +ue não conse3ue desfrutar de nada do +ue tanto

desejara e com tanto esforço o,tivera Este rei ?idas da periferia me

confidencia seu desespero# compar*vel# diz# a ter a mulher sonhada

nos ,raços sem conse3uir penetr*-la

Hue uma mulher possa produzir tal e tamanho descala,ro 1

compreens.vel Q* al3umas ,u3i3an3as ini,indo seu usu*rio era para

mim uma novidade Os yuppies  da d1cada de oitenta tinham me

acostumado com o investimento e2clusivo na acumulação monet*ria#

+ue não se refletia necessariamente numa melhora da +ualidade de

vida O !orkhoolism e2primia uma forma de satisfazer-se no tra,alho

en+uanto refle2o de efic*cia e de e2cel0nciaD a conta ,anc*ria

crescendo era o efeito colateral# o si3no do sucesso e o lu3ar de

acumulação do resto da+uele 3ozo Wastar o dinheiro não era por1m

um pro,lemaS simplesmente não tinham tempo para isso ?eu ami3o

não era contudo um !orkhoolic S para ele a e2ploração de suas forças

era um meio para su,ir na vida Por +ue# então# não conse3uia comer

os frutos8 Conhecendo o pouco che3ado +ue 1 a intimidades# fi+uei

comovido pela sua confiança em mim e intu. +uanto lhe custava dizer

tais coisas a al3u1m com +uem não tivera uma verdadeira conversa
17

nos ltimos +uinze anos 5ão me recordo mais o +ue lhe respondi

nem se tive sucesso em faz0-lo sentir-se melhor# como +ueriaS mas

lem,rei dele a3ora +ue devo escrever so,re a e+uação +ue# dizem#

representa o esp.rito neoli,eralD tem valor porque se vende 

?eu ami3o não 1 o c.nico +ue# se3undo Oscar [ilde# conhece

o preço de tudo e o valor de nada# mas sua ini,ição confirma pela

ne3ativa a fineza da ironia do escritor O cinismo moderno casado

com o neoli,eralismo produz novas verses da f*,ula da raposa e

das uvas verdes por+ue inalcanç*veis Bepois de uma diatri,e

diri3ida contra 7a ostentação o,scena das elites ,rasileiras9 ouvi do

cr.tico a se3uinte autocr.ticaD 7não sei ao certo se sou um verdadeiro

socialista ou um invejoso de merda9

Para ilustrar o divrcio entre os valores li,idinais e os valores

do Eu# Freud  conta a f*,ula do casal paup1rrimo# com apenas um


%M

prato de sopa rala como toda refeição# a +uem aparece a fada de

plantão com sua oferta de satisfação de tr0s desejos +uais+uer

Estava a esposa com tal e tamanha fome# +ue não p;de evitar-se o

desejo de um par de suculentas salsichas ao sentir o cheiro das +ue

o vizinho fritava# as +uais no ato apareceram so,re seu prato vazio O

marido furioso com semelhante desperdiço# teve vontade de ver as

tais salsichas penduradas no nariz dessa tola O +ue lhe foi


%M Freud# %&U Op cit 7<ecciones introductorias al Psicoan*lisis9 $%&%)# leccin %L
18

imediatamente concedido Enternecido# não o,stante# com a ima3em

de sua patroa 7ensalsichada9# pediu para elas voltarem ao prato O

+ue nos leva de volta ao casal unido# enfim# em torno ao desejo

realizado de salsichas $e a uma ilustração de +ue o desejo 1

inconsciente e faz fracassar o c*lculo de custo-,enef.cio)

enho certeza +ue se oferecessem a esta mesma senhora#

numa 3incana dominical televisada# tudo +ue pudesse carre3ar no

carrinho durante +uinze minutos no supermercado# provavelmente o

desespero em sa,er o +ue deveria +uerer fosse tamanho +ue

terminasse levando pouco mais +ue uma cesta ,*sica# para se livrar

do peso da injunção 6 oferta da fada ?ercado# lon3e de ser o 7a,re-

te !1samoZ9 da caverna dos +uarenta ladres# entre3ue @ lu2ria de

um 6li Ga,*# 1 ouvida como uma ordem incoerc.velS um dever de

consumir +ue torna as mercadorias e2postas nas prateleiras o,jetos

li3eiramente persecutrios 6 neurose o,sessiva toma cada vez com

maior fre+V0ncia o caminho da parania

Em todo caso# a impossi,ilidade de usufruir de um ,em de +ue

se dispe indica antes seu alto valor li,idinal +ue o contr*rioS o

compromisso narcisista com ele +ue impede seu consumo# na

medida e2ata em +ue nos realiza como falo Ima3ino +ue meu ami3o

não podia acreditar +ue ele# fadado @ eterna privação $7pão de po,re

cai com a mar3arina para ,ai2o9)# tinha sido capaz de comprar todas

a+uelas coisas Como# então# sem antes desvaloriz*-lo um pouco#


19

poder desfrutar do passeio nesse carro +ue não-1-poss.vel-+ue-eu-

possua8 ?as essa 1 precisamente a +uestãoD ele 1 +ue me possui


20

2. economia política da pulsão

5ada na vida 1 tão caro +uanto a doença e a estupidez


Freud

 6
sociedade edificada so,re a renncia ao prazer 1 uma

tese pol.tica# em,ora Freud não a pensasse como tal !e#

como afirma a metapsicolo3ia# o esp.rito não aspira @

realidade mas a satisfazer-se# o acesso @ realidade se confunde com

o 3erenciamento das pulses# e isso 1 uma tese pol.tica % +u e o

,sso se refere @ civilização como aterro do mar li,idinal >ale

o,servar# entretanto# +ue o princ.pio-de-realidade não visa @

a,stin0ncia mas @ verdadeira satisfação /+ue o sujeito não se

entre3ue a um en3odo# +ue não a,race a mira3em ou ,eije a

alucinação !eu o,jetivo não 1 a renncia mas a perse3uição dos fins

do princ.pio do prazer por outros meios /chorar para mamar# em vez

de contentar-se com chupar o dedo# ima3inando o peito Fantasia e

realidade não estão em lados opostos# como se costuma dizer

75a noite se3uinte @+uele dia de fome ouviu-se Jminha filha

caçulaK proferir e2citada# durante o sono#  Anna 0.eud1 +r2d3eer1

4ocheer1 +ier2s3peis1 app.9  O invent*rio recitado pela adormecida


%(

%( $6E# L# p %L&) 76na Foid# mo$r)an3o# amola# ovo# papar 9


21

não faz a tria3em dos o,jetos da necessidade mas das i3uarias

proi,idas pela 7pol.cia sanit*ria da fam.lia9# como se e2prime Freud

Encenação on.rica dos alimentos tornados inacess.veis por o,ra do

discurso familiar# or3anizador do v.nculo social da menina 6s coisas

não são nomeadas ali por mero recenseamento por1m indicadas

en+uanto su,tra.das @ satisfação E a satisfação /menos da fome

+ue da demanda/ passa pelo  Alter  $Por isso# o,serva 6na Costa # %L

+uando contraria o ideal# 3ozar pode não ser demasiado prazeroso)

Entre a realidade ,ruta das coisas e o universo de prazer# o 5ust6,ch#

est* a lin3ua3em 78ouis6sens# ,rinca o franc0s# ao modo de nossos

concretistas  %N

E o sonho da pe+uena 6nna Freud se transforma em

paradi3ma de uma leitura poss.vel da civilização * o,jetos tornados

inacess.veis pelo discurso# su,tra.dos @ satisfação e por isso mesmo

preciosos O diamante# por e2emplo# o melhor ami3o da moça /

se3undo ?arYlin ?onroe# no impa3*vel %s homens preferem as

loiras D
%

 A kiss of the hand


9ay e quite continental1
:ut diamonds are a )irl;s est friend.

%L ?edeiros da Costa# %&&'


%N 7&ar ces cha<nes ne sont pas de sens mais de jouis6sens1 = "crire comme vous voulez
conform"ment = l8"quivoque qui fait la loi du si)nifiant 9 $<acan# %&N# pMM) <iteralmenteD 9ouço
sentido9 ou 73ozo sentido9 9ot6valise feito de  j8ouis $ouço)# de 7ouissance $3ozo) e de  sens
$sentido) >rosso modo? a si3nificação su,stitui o 3ozo do corpo $o corpo 3oza)# +ue depois a
parasita /satisfazer-se nada tem a ver com os si3nificantes# mas a satisfação passa pelo sentido
ainda +ue o e2ceda
% o\ard a\"s >entlemen prefer londes# %&N( ?arYlin 1 <orelei <ee
22

 6 pulsão @7conceito ,*sico convencional JK# por ora ,astante

o,scuro# por1m do +ual em psicolo3ia não podemos prescindir9 / 1 %

descrita como a la,uta +ue o corpo causa ao aparelho ps.+uico 6

ener3ia consumida durante o la,or# a liido# envolve 3randezas de

natureza desconhecida e ainda incomensur*veis $Freud escreve

estas coisas pensando na mecXnica dos flu.dos) cuja e2ist0ncia ele

infere da viv0ncia da satisfação +ue se trata de e2plicar

Hue uma 7força de vida9 possa constituir a+uilo +ue a. 1


consumido# eis uma met*fora 3rosseira Pois a ener3ia não 1 uma
su,stXncia +ue# por e2emplo# ,onifica ou se torna azeda ao
envelhecer /# 1 uma constante num1rica +ue o f.sico precisa
encontrar em seus c*lculos para poder tra,alhar J]K Isso não 1
de minha lavra Hual+uer f.sico sa,e J]K +ue a ener3ia nada mais
1 do +ue a cifra de uma constXncia Ora# o +ue Freud articula
como processo prim*rio no inconsciente /isso vem de mim# mas
podem ir l* e verão/ não 1 al3o +ue se cifra mas +ue se decifra
Bi3oD o prprio 3ozo 5esse caso ele não constitui ener3ia e não
poderia se inscrever como tal %'

Esta opinião de <acan so,re a ener31tica freudiana preside sua

proposta de trocar o modelo hidr*ulico pelo econ;mico $o dos

economistas)# +ue tam"m  se3ue Freud# em,ora isso seja menos

evidente O 7,;nus de prazer9 o,tido mediante atividades +ue estão

fora de todo propsito til# como por e2emplo sonhar# fantasiar ou

,rincar# 1 uma refer0ncia econ;mica e freudiana 6 id1ia de %&

% Freud# 6E# 7Pulsiones Y destinos de pulsin9 p %%(


%' <acan# %&N# p (L e %&'U , # p ('
%& Freud $%&MN) 76l3unas notas adicionales a la interpretacin de los sue^os en su conjunto9# in
%.&.# vol _I_# 6E# p%M&
23

7usufrutu*rio9 do humor 1 outra # assim como falar da renncia ao


MU

pulsional +ualificando-a de 7operação valiosa9

En+uanto a renncia pulsional por causas e2teriores 1 apenas


desprazerosa# a renncia por causas interiores# por o,edi0ncia ao
supereu# tem um novo efeito econ;mico 6l1m da inevit*vel
conse+V0ncia de desprazer# proporciona ao eu um 3anho de
prazer# uma satisfação su,stitutiva# por dizer assim O eu sente-
se enaltecido# a renncia pulsional o dei2a or3ulhoso como uma
operação valiosaM%

Ou# ainda# notar a pol.tica diri3ida para o 7lucro de prazer9

imperante no isso# em oposição ao eu  su,metido ao princ.pio-de-

realidade $`6ssim como o isso se dedica com e2clusividade ao

3anXncia de prazer# o eu est* 3overnado pelo cuidado da

se3urança` ) O mecanismo de formação do sonho 1 descrito como


MM

uma associação comercial# na +ual um scio capitalista $o desejo

inconsciente) investe seu capital de li,ido no empreendimento de um

scio e2ecutivo $o res.duo diurno)# com a finalidade de fa,ricar

sonhos Finalmente# um chiste 1 feito com representaçes

censuradas O artesão aproveita para comp;-las a li,ido +ue se

destinava a mant0-las recalcadas Para o destinat*rio# o mesmo

montante li,idinal estar* li,erado e h* de se descarre3ar na

3ar3alhadaD puro deleite Em suma# rir de uma piada 1 ter 3anho uma

,onificação de prazer arrancada @ censura

MU Freud $%&M-M) 7El humor9 in 6E# vol __I # p %N


M% 9ois"s y la reli)in monoteista $%&(') in %.& # >ol __III 6E.# p %%(
MM +squema del psicoanálisis in %.& # vol __III# 6E# p MU%
24

Bos economistas poss.veis# talvez pelos ares culturais de finais

da d1cada de U# ?ar2 foi o escolhido# mas cumpre dizer +ue não se

tentou costur*-lo com Freud# contrariando usos acad0micos em

vo3a  Foi desapropriado para tentar esclarecer al3uns pro,lemas do


M(

freudismo# especialmente a pulsão teorizada como tra,alho

O capital 1 7o conjunto de meios de satisfação resultantes de

um tra,alho anteriorS JK o fruto de um tra,alho9  Entre tais frutos#


ML

como se sa,e# encontra-se a mais-valia# vis.vel /vis.vel s depois

+ue ?ar2 chamou a atenção para a assimilação fraudulenta dos

valores de troca e de uso das mercadorias/ na diferença entre o +ue

custa um oper*rio e o +ue se lucra com sua produção Como se

e2prime Huinet # o time is money   capitalista dissimula um time  +ue


MN

não entra no livro-cai2a como money # a mais-valia

Conce,ido como campo econ;mico# no li,idinal tam,1m est*

em jo3o uma falsa identidade de valores# inscrita como falo *# com

efeito# um 7valor de troca9 +ue d* a 7medida9 do ,rilho de um o,jeto

para o desejo ?arYlin o conhecia ,em $em,ora sa,0-lo de pouco lhe

valeu)# e seu elo3io do diamante nos encanta pela ironia de mostrar

+ue a pedra est* para a moça# como ela para o milion*rio


*he french are )lad to die for love
*hey deli)ht in fi)htin) duels

M( Os interessados lerão com proveito os arti3os de 6s"ofar1 e de 5aveau inclusos no volume
>ozaB 2 Wolden,er3# %&&,) e 7O se3redo da forma-mercadoriaD por +ue ?ar2 inventou o sintoma89
in Cizek  %&&%
ML ?ar2# %&'N
MN Huinet 6nt;nio# %&&
25

:ut , prefer a 9an !ho lives


 And )ives
+#pensive je!els

 O +ue não est* dito# em,ora esteja insinuado# 1 o valor de uso

/de moça e jia $esta li,era o 3ozo da+uela# di3amos) O dote na

atualidade caiu em desuso e as mulheres recusam via de re3ra o

status +ue o discurso lhes atri,u.a anti3amente# de representantes do

falo 6t1 o s1culo dezenove# não o,stante# as mulheres eram aptas

para circular# associando linha3ens atrav1s do matrim;nio# apenas

en+uanto mantivessem seu valor f*lico de troca# isto 1# en+uanto não

estivessem usadas $a noção de filha estra3ada# por+uanto não mais

vir3em# est* menos erradicada do pensamento comum do +ue os

s!in)in) si#ties levariam a acreditar)

Em ,om freudismo# o +ue faz do falo um falo 1 a castração#

caracterizada como interdição do o,jeto e conse+Vente des)ozar

$manque6=6jouir ) 6 ri3or# a proi,ição recai so,re o 3ozo Como

demonstra a+uela estria do judeu +ue vai consultar seu ra,ino de

ur30ncia# por+ue a mulher de seus sonhos $+ue# incidentalmente#

deve ser )i ) decidiu dar para ele lo3o no shaat  E o s*,io# depois

de consultar a or*D 7trepar# podeS 3ozar# não9 Em todo caso# depois

de certificar-se de +ue não seja confundido com o r3ão do or3ulho

masculino +ue o representa# Freud fez do falo uma sorte de padrão

de medida virtual para os o,jetos da pulsão

Q* <acan se apropria da operação cr.tica +ue permitiu a ?ar2

identificar a mais-valia no interior de um sistema de produção de


26

valores pecuni*rios para chamar a atenção para a diferença entre

valor f*lico de troca e valor de uso $3ozo) do o,jeto ertico E se

permite a e2trava3Xncia de anunciar +ue a 9eher!ert 1 um

9eherlust Z $a mais-valia 1 um mais-3ozar)  !em entrar no m1rito do


M

alcance desta e2propriação psicanal.tica da l3ica mar2ista# o +ue se

pretende afirmar 1 +ue assim como o modo de produção capitalista

3ira em torno de um valor e2cedente# +ue não entra na conta,ilidade#

o aparelho ps.+uico se v0 @s voltas com um 3ozo e2cessivo#

traum*tico por+uanto irrepresent*vel <acan dir* +ue se trata de

7fazer passar o 3ozo ao inconsciente# isto 1# @ conta,ilidade9 M

M%  6 C656<ICED P6O<OWI6 C5IC6 B6 :IC6

J6 mais-valia#K causa do desejo da +ual uma economia faz o seu


princ.pioD a produção e2tensiva# portanto insaci*vel# de des3ozar
Jmanque6=6jouir K 6cumula-se# por um lado# para acrescer os
meios desta produção a t.tulo de capital 6mplia o consumo# por
outro lado# sem o +ue esta produção seria vã# justamente pela
sua in1pcia em procurar um 3ozo no +ual pudesse desacelerar M'

 6inda +ue o lema mais representativo da economia capitalista

seja 7satisfação 3arantida ou seu dinheiro de volta9# ela depende# na

verdade# de +ue a insatisfação cresça de modo e2ponencial e atice o

consumo indefinidamente Por isso <acan dir* neste par*3rafo# para

o +ual o adjetivo retorcido não parece fora de propsito# +ue o

capitalismo produz des)ozar # por s poder oferecer mais consumo

M <acan# %&M
M iid 
M' 7Radiophonie9 in Dcilicet 'EF ParisD !euil# %&(
27

ainda# em vez de um contentamento +ue lhe permitisse deter o

c.rculo infernal

Contudo# como me fazia o,servar ?ichel !auval# o limite do

lu2o est* menos no li2o# resto do consumo# +ue na saturação O

imposs.vel de consumir 6 missão do marketin) 1 fa,ricar car0ncia

+ue não aca,a mais# para 3erar vontade e incentivar as vendas ?as#

como toda a produção no pode ser a,sorvida pelo mercado# o

des)ozar encontra seu limite nas mercadorias +ue permanecem

encalhadas# +ue não se vendem Cada uma delas corresponde a

ofertas fracassadas na sua missão de criar demanda 6ssim como os

,rin+uedos no +uarto lotado de uma criança são outras tantas

demandas fracassadas na sua missão de causar o desejo dos pais

Freud inventou a psican*lise +uando este circuito estava nos

seus primrdios# +uando a moral vitoriana# ri3orista# da a,stin0ncia#

da fru3alidade e do tra,alho se firmava concomitantemente @

revolução industrial 6o discutir os impasses da realização da li,ido#

respons*veis pelo advento das neuroses# fala do veto da realidade

e2terna so,re esta satisfação Ele se refere @ frustrante moral

puritana e ao mal-estar decorrente de sua disciplina# mas h* uma

versão interna deste veto respons*vel pela versa)un)  O supereu

+ue# em,ora se trate de uma instXncia do aparelho ps.+uico# 1

transindividual por+uanto constitu.do menos pelas intervençes


28

educativas +ue pelos ideais +ue elas veiculam# muitas vezes

inconscientes para os prprios educadores

<acan# em todo caso# o,serva +ue a perple2idade de Freud

frente ao parado2o da consci0ncia de culpa,ilidade   tanto mais

culpado +uanto mais virtuosa a conduta   seria menor se

reconhecesse o supereu como um dos avatares da pulsão !eu

travestimento meton.mico disfarçado de antipulsão# +ue nos leva da

renncia ao 3ozo ao 3ozo da renncia  6 culpa insensata 1 a


M&

viv0ncia su,jetiva deste parado2o

Huanto @ frustração fundamental# ela não 1 responsa,ilidade

da educação# nem do supereu# mas da lin3ua3em mesma# a+u1m de

+ual+uer discurso Este da uma forma determinada cultural e

historicamente e uma fi3ura a uma interdição inerente ao fato de

sermos falantes O 3ozo# em todo caso# concerne @ coletividade# não

apenas ao indiv.duo

5or,erto FerreYra per3unta $retenhamos sua per3unta) se o

analista 1 um )ad)et  para seu analisando Estar* ele em s1rie com

os eletrodom1sticos8 : decerto mais insti3ante interro3ar o status do

psicanalista por este vi1s +ue consider*-lo um prestador de serviços

M& Isso me levou em outro lu3ar $Wolden,er3# %&&%) a afirmar +ue uma psican*lise devia promover
a interrupção deste 3ozo do sacrif.cio $do 3ozo)
29

!e a psican*lise fosse uma ci0ncia# se pudesse s0-lo# então# o


produto# a+uilo +ue sur3iria de uma an*lise# isto 1# um analista
JK# este produto# seria uma lathouse1 ou não8 Funcionaria como
uma lathouse# na pr*tica social da psican*lise# ou funcionaria de
outro modo8 JK Huando falamos de sua pr*tica# falamos de si 1
poss.vel a fa,ricação de uma lathouse em psican*lise *
f*,ricas de casos * f*,ricas de analistas8 : poss.vel uma
f*,rica de analistas8(U

Bei2emos a lathouse   neolo3ismo lacaniano so,re o +ual não

vale a pena deter-se# e +ue se refere aos produtos da tecnolo3ia

destinados a funcionar como se fossem o,jetos pulsionais artificiaisD a

chupeta# enfim   mas retenhamos a id1ia do psicanalista como

produto artificial consum.vel pelo cliente Per3untar pelo consumo não

da psican*lise mas do psicanalista# al1m de renovar a velha +uestão

de sua função como parceiro li,idinal do paciente# supe j* ter uma

resposta   ou# ao menos# ter feito a per3unta   de como a e2peri0ncia

anal.tica nos afeta en+uanto consumidores

Conse3ue# no plano da coletividade# al3o al1m de revelar a

in1rcia pulsional afetando as relaçes sociais8 6 inutilidade das

campanhas contr*rias ao fumo# por e2emplo# são suficiente evid0ncia

da impot0ncia da vontade frente @ chamada do oral E não ser*

apelar para ela com ar3umentos psicanal.ticos o +ue a tornar* mais

potente

Por outro lado# 1 ine3*vel +ue a influ0ncia do discurso da

psican*lise so,re a cultura ajudou a minar o valor do ideais +ue

sustentavam as morais   reli3iosas ou laicas   +ue pre3avam a

austeridade# a a,ne3ação e o sacrif.cio Especialmente o ideal


(U FerreYra 5or,erto# %&&( P N
30

reli3ioso# desmascarado como uma ilusão ao revelar-se por tr*s dele

a presença da li,ido O,ra iluminista# a desidealização# da +ue podia

esperar-se uma melhor apreensão da futilidade dos sacrif.cios

5ão 1 ,em o +ue tem acontecido j* +ue# por um lado# vemos

as pulses desem,estadas   soltas as r1deas do ideal inoperante  #

atr*s dos produtos +ue o mercado oferece em s1rie e +ue fazem do

sujeito antes +ue consumidor# adicto Por outro# a crescente

martirização +ue dos Kamikaze @  ,ntifada ilustra a ação nefasta de

ideais a,solutos 5ão apenas não refreiam o sacrif.cio como fazem

dos corpos invlucros descart*veis de almas militarizadas# cujo

destino se completa na sua realização instrumental como arma E

isso# nos dois sentidos# por+ue o uso sistem*tico do estupro como

pol.tica de 3uerra# iniciado na contenda ,alcXnica pelos s1rvios# visa

tam,1m o corpo das muçulmanas como meio para atin3ir suas almasD

os seus maridos e pais estão o,ri3ados a repudi*-las em o,edi0ncia

@ lei islXmica

AAA

 6 pulsão se2ual pe @ disposição do tra,alho cultural +uantidades


de força e2traordinariamente 3randes# e isto 3raças @
particularidade# especialmente acentuada nela# de poder deslocar
a sua meta sem perder# +uanto ao essencial# a sua intensidade
Benominamos esta capacidade de trocar a meta se2ual ori3in*ria
por outra meta# +ue j* não 1 se2ual mas +ue psi+uicamente se
aparenta com ela# capacidade de su,limação (%

(% 6E# &# p%N&


31

Este 1 um dos poucos par*3rafos em +ue Freud conse3ue

escapar das met*foras flu.das ao tratar do 3ozo ?as a prpria

escolha da noção de su,limação para nomear este processo parece

uma operação retrica destinada a fazer desaparecer as secreçes

+ue lhe parasitam a prosa  !eparar-se dos humores# como passo


(M

pr1vio @ acessão# di3amos# a posiçes mais elevadas Em todo caso#

da su,limação me interessa o +ue a faz fracassar

Huem melhor ilustrou o processo dentro do esp.rito freudiano

foi Picasso# ao revelar-se o al+uimista +uintessencialD +ual+uer merda

$sic ) +ue fizesse voltava-lhe transmudada em ouro  Parece oportuno((

não es+uecer $ele não es+uecia) +ue na+uela 1poca Pa,lo j* era

Picasso Por isso não se importou +uando uma turista recolheu um

desenho +ue fizera num 3uardanapo de papel# en+uanto ,e,ericava

um aperitivo em Cap Bb6nti,es ?as cuidou muito ,em de não

assin*-loD a 3aratuja não valia nada# mas o 3arrancho# sim Outro

comprovado coprfilo# +ue tampouco era +ual+uer um# Bal.# levou

a+uela constatação al+u.mica at1 a e2cel0ncia de vender folhas

,rancas de papel com sua ru,rica O mercado não demorou a ver-se

invadido por milhares de falsos aut0nticos# cujo efeito a lon3o prazo

foi a desvalorização das 3ravuras dalinianas em 3eral 5ote-se +ue

en+uanto um ret1m o nome# +ue sa,e suporte do valor de troca de

(M Em +u.mica a su,limação 1 a passa3em do estado slido ao 3asoso sem passar pelo l.+uido
(( Bai2 Pierre# icasso criador # Porto 6le3reD <P?# %&'&
32

sua arteS o outro 3asta o valor de troca do nome# dei2ando decair as

o,ras

Biremos +ue o artista conse3ue +ue lhe financiem o 3ozo8 Ele

se satisfaz e o espectador pa3a a contaD o pintor como anti-prostituta

`6 3ente sa,e +ue est* na hora de se aposentar`# dizia-me uma#

`+uando começa a 3ozar com os clientes` Bal.# em todo caso# prova

+ue o ouro não dei2a o 3ozo fora do jo3o# como pretende uma certa

definição de profissionalismo Ou# talvez# simplesmente prove +ue

Greton tinha razão +uando o apelidou de  Gvida Hollars

5ão 1 indiferente +ue Freud considerasse +ue para se poder

falar de su,limação era insuficiente transformar o modo de satisfazer

a pulsão# ainda precisava fazer desta transformação um fato socialD a

pulsão transmutada devia estar# de al3uma maneira# em relação com

a comunidade Os restos do 3ozo do artista# suas o,ras# devem ainda

passar por um certo consenso social para serem consideradas `arte`#

e ad+uirirem valor no mercado

A
ma vez ouvi al3u1m dizer numa confer0ncia $acho +ue foi

Paul <emoine) +ue a concepção de Freud so,re a su,limação

revelava seu cinismo Faz sentido# por+ue +uando se sa,e $mas não

1 indiferente se se diz ou não) j* temos a,erta a via do c.nico E

Freud conhecia o mecanismo# tanto +ue n;-lo revelou O +ue sa,e o

c.nico8 Hue estamos separados do )ozo pela lin)ua)em  !eria uma


33

deliciosa ironia se o conceito de su,limação fosse c.nico# por+ue o

cinismo 1 o oposto da su,limação Com efeito# su,limar 1 fazer

passar o prprio 3ozo pelo crivo do 7Outro9 e dos ideais +ue este

veicula $a o,ra de arte como fato social)# passa3em +ue 1 muito

precisamente o +ue o c.nico dispensa Em todo caso# talvez Freud

fosse c.nico# mas não era canalha

A
 6o mesmo tempo +ue recomendava ne3*-la aos canalhas # (L

<acan fala do 7saldo c.nico9 de uma psican*lise  E2iste uma relação (N

entre a+uela recusa e a constatação do 3anho em cinismo da

e2peri0ncia anal.tica Por+ue o cinismo a +ue se refere 1 uma

esp1cie de licença para desfrutar da fantasia !uponho +ue era em

Bi3enes +ue pensava ao falar desta sorte# não nos seus

contemporXneosS no 3esto distintivo da+ueles desclassificados

3re3os de dar uma ,anana para as coerçes sociaisS na sua fama de

prescindir do Outro para se satisfazerem $em todo caso# 1 o +ue reza

a lenda /mais adiante veremos +ue talvez não seja ,em o caso)

 6ceitemos a mencionada fama en+uanto discutimos as razes

su3eridas para se dei2ar de rece,er um canalha na an*lise

 6 propsito# resulta dif.cil ima3inar como se poderia

dia3nosticar um canalha nas entrevistas iniciais# a não ser apelando @


(L Qac+ues <acan# *"levision e 5e savoir du psychanalyste# aula de %UM
(N 7Compte rendu du seminaire sur lbacte9 in etits "crits et conferences $sem dados editoriais)
34

mais 3rosseira intuição# ou manifestando uma profissão de f1 realista

dificilmente defens*vel# relativa ao +ue o entrevistado nos conta +ue

fez  <acan pensa# em todo caso# +ue viram ,urros   $eis o motivo
( (

aduzido para ne3ar-se a psicanalis*-los) O adjetivo presta-se a

e+u.voco ao introduzir um duvidoso ar inofensivo# por+ue a

o,tusidade em +ue se est* pensando não 1 a de um pr.ncipe <en

5i"olaievich# mas a de um 6dolf Eichmann

m contemporXneo ,em menos eminente +ue Bostoievs"i nos

ajudar* a continuar O italiano Collodi# moralista e educador Refiro-

me# claro est*# a inocchio  Precisamente ao +ue acontece com o


('

,oneco animado +uando# por fim# conse3ue livrar-se da msica vã de

sua m* consci0ncia# e aca,a na Ilha dos Prazeres# devidamente

convertido em ,urro# e tendo perdido junto com a forma humana @

+ue tanto aspirava# a palavra 5ão sei +uantos se recordam desta

desventura do filho artificial de mestre Wepetto# mas a moral da

histria não dei2a lu3ar a dvidasD o preço a pa3ar por virar as costas

ao lo)os em ,enef.cio do 3ozo corporal 1 a su,missão definitiva ao

 padrone# +ue sou,e a,ster-se para poder arrancar mais-valia $e mais-

3ozar) aos hedonistas inconse+Ventes  5ão di3o +ue Collodi esteja


(&

( Deminário ,V As relaçIes de ojeto e as estruturas freudianas Ou# com melhor humor#


Jeutralidade suspeita de Watt13no# !ão PauloD Companhia das letras# %&&
( Qac+ues <acan# 5e savoir du psychanalyste# op cit# p%%(
(' Collodi Carlo$%'M-%'&U Pseud;nimo de Carlo <orenzini) 5e avventure de inocchio1storia di
un urattino$%''()
(& O mordomo do romance de 4azuo Ishi3uro# the remains of the day # com sua irremedi*vel
su,missão @s re3ras do seu !enhor# parece-me outro e2emplo liter*rio# comovente# do t0nue v1u
+ue separa a o,tusidade do fascismo
35

certo# apenas +ue sou,e ilustrar a relação entre a parvo.ce e o 3ozo

de si

O pro,lema est* em +ue ao revelar o se3redoD tem-se tanto

pai-patrão +uanto se deseja# uma psican*lise pode inspirar al3u1m a

se propor a representar para os desavisados o papel de mestre dos

,urros 5ada impede# se3undo Pommier  # a +uem terminou suaLU

an*lise# identificar-se não com o desejo +ue o intima# com sua causa#

mas com o Outro +ue fornecia a esse desejo a fi3ura de uma

determinação Encerrar o tratamento nesta posição implicar* em

continuar atuando a fantasia de sempre# s +ue a3ora com

conhecimento de causa 5osso homem ter* ad+uirido mediante sua

an*lise um sa,er +ue lhe serve de instrumento de poder a serviço de

um Eu finalmente so,erano !a,er a ori3em do desejo# oculta ao

neurtico# seduz o zarolho com a promessa de reinado so,re os

ce3os

m passo apenas separa a mastur,ação p,lica dos c.nicos

helenos# como ato pol.tico# da pol.tica interesseira do canalha# seu

oposto E nada 3arante +ue não ser* dado 5ão 1 necess*rio estar

frente a um psicanalisado para presenciar tal desfecho Bar corpo ao

Outro  1 a derradeira tentativa de fazer e2istir a mãe sonhada $sinal


L%

de +ue se cr0 nela apesar de tudo# apesar do +ue se ima3ina sa,erD

outra vez a +uestão dos ,urros) Canalhice e cinismo são duas


LU Werard Pommier# %&&
L% Este Outro maiusculizado e j* v*rias vezes mencionado# 1 uma ficção terica lacaniana 5ão 1
uma entidade real# mas isso não o impede de atuar com total efic*cia !eu se3redo# em todo caso#
1 +ue não passa do corpus encarnado dos s.m,olos
36

sa.das poss.veis em frente da evid0ncia de +ue o Outro do sa,er não

1 de nada 5ão h* o +ue esperar de seu lado


37

( culpa e responsa,ilidade
O desejo# isso a +ue se chama desejo# ,asta para
fazer com +ue a vida não tenha sentido +uando se
produz um covarde
<acan# %&U

(%  6 !ER>IBO >O<5ÁRI6

JK +ue monstro de v.cio 1 esse# +ue ainda não


merece o t.tulo de covardia# +ue não encontra um
nome feio o ,astante# +ue a natureza ne3a ter feito# e
a l.n3ua se recusa a nomear8
<a Go1tie# %NNM $8)

Como al3u1m h* de +uerer su,meter-se sem ser forçado a

isso8 O espet*culo de tantos a,dicando de sua independ0ncia# por

livre e espontXnea vontade# como se diz# contesta  per se a crença na

li,erdade como condição natural do homem Etienne de <a Go1tie

levanta esta le,re nos tempos da Renascença Comemoramos o

cin+Venten*rio da Heclaração niversal dos Hireitos do 4omem # de

%&L'# mas o eni3ma continua tão fresco +uanto h* +uatro s1culos

O simples fato de +ue tais direitos devam se impor @ força

,astaria para lançar uma dvida s1ria so,re sua reputada iner0ncia $1

assim +ue começa a Heclaração# conclamando a reconhecer a

7di3nidade inerente de todos os mem,ros da humana fam.lia9) 6

Heclaração 1 antes uma invenção do homem da moralidade


38

5o s1culo dezessete# <oc"e formula a noção de direitos

humanos de modo filosoficamente consistente E no dezoito# encontra

com a Heclaração de ,ndepend$ncia dos +stados nidos de Am"rica

sua primeira aplicação pol.tica Este ltimo caso demonstra +ue#

inerentes ou não# estes direitos valem para o omem por+ue uma

comunidade reunida assim o decidiu !ua força emana da prpria

declaração E# não menos importante# por+ue se prope a 3arantir a

sua vi30ncia mediante a força

e3el criticou vi3orosamente a a,stração em +ue se funda a

filosofia dos direitos do homem# i3norante e so,ranceira com respeito

ao a3ir concreto das pessoas 5ietzsche sou,e ver na lei

incondicionada a crueldade +ue a anima e# mais perto de ns# <acan

prop;s ler 4ant com !ade# para demonstrar como um imperativo de

3ozo pode reclamar# ao mesmo t.tulo +ue o imperativo moral# a

universalidade re+uerida pela id1ia jur.dico-pol.tica do humanoLM

>ale lem,rar +ue foi em nome dos direitos do homem +ue a

O5 interveio em tal nação africana com o intuito de proi,ir a pr*tica

milenar de infi,ulação# pela +ual os sacerdotes e2tirpavam o clitris e

os l*,ios va3inais de suas p,eres Como era consensual +ue se

tratava de uma ,ar,*rie# nin3u1m /certamente# não os capacetes

azuis/ antecipou +ue as prprias mulheres li,eradas iriam se

revoltar contra seus li,ertadoresS al3umas che3ando at1 o suic.dio

para reivindicar o direito a +ue8 @ mutilaçãoZ !em ela# com efeito#


LM ?oni+ue Bavid-?enard# %&&'
39

estas mulheres eram pouco mais do +ue p*rias na sociedade na +ual

tinham crescido e pretendiam viver# por+ue a cirur3ia em +uestão

valia como ritual de passa3em @ comunidade# e os direitos humanos

tornavam imposs.vel este acesso

Como foi o caso para a O5# a intuição nos induz a pensar +ue

a imposição $enforcement ) da Heclaração  deve visar os +ue se

arro3am o direito de oprimir os outrosS em outras palavras# os

senhores Entretanto# o ensaio curioso de <a Go1tie a +ue me referia

acima nos permite conjecturar# contra o senso comum# +ue talvez o

verdadeiro o,st*culo para a atualização da li,erdade como direito

universal esteja antes no desejo de servir +ue no a,solutismo

e2cepcional dos tiranos e tiranetes

A
?ontai3ne tinha a intenção de pu,licar o Hiscurso da servidão

voluntária nos seus +ssais 5o entanto# os hu3uenotes se

anteciparam e# em %NL# inseriram o te2to num panfleto tiranicida L(

?ontai3ne vira malo3rado seu projeto e decidira afast*-lo tanto

+uanto poss.vel da noite de !ão Gartolomeu# declarando +ue fora

escrito em %NLL# +uando <a Go1tie# ainda estudante de direito#

contava dezoito anos Rara precocidade

O manuscrito confiado por <a Go1tie a seu ami3o parece

irremediavelmente perdido ?arilena Chau. nos d* a se3uinte


L( 76mizade# recusa do servir9 in Hiscurso da Dervidão Voluntária# ?arilena Chau. $or3)# !PauloD
Grasiliense# %&'M
40

cronolo3iaD em %NL 7j* não h* rei de homens fracos# mas senhor de

servos +ue lhe dão tudo +uanto pede# como num movimento

volunt*rio9 Em %NL'# os camponeses se revoltam contra um novo

imposto# na re3ião de WuYenne /trata-se da denominada

73a,elle7/# e# 7mesmo +ue não o sai,am# rea3em contra um dos

sinais da implantação do Estado novo# pois lutam contra o fisco

moderno O massacre dos revoltosos ser* sem precedentes# como

sem precedentes 1 o poder +ue enfrentam9   Em %NNM ou N( <a


LL

Go1tie escreve seu Hiscurso. ?ontai3ne voltou a recuar a data de

composição do te2to# colocando-a em %NLM# para evitar +ue o nome

de seu ami3o fosse associado ao episdio da 73a,elle9

O escrito retorna @ cena pol.tica durante a Revolução Francesa

e no s1culo _I_# retraduzido por <a ?ennais# no curso das lutas

prolet*rias Com ?arat# a o,ra se converte em panfleto peda33ico

para ensinar o povo a lutar contra os tiranos +uer ele +ueira# +uer

não 76 Revolução Francesa# sempre pronta a construir os ami3osb e

os inimi3osb do povo para lhe rou,ar o direito de definir os primeiros e

com,ater os se3undos# deu a <a Go1tie o lu3ar +ue este se recusara

a ocuparD o de dema3o3o9 LN

Com <a ?ennais# o Hiscurso 1 inte3rado ao panteão da

literatura democr*tica# servindo a uma concepção instrumental do

poder +ue ser* ,om ou mau dependendo de +uem o possui#

LL idem
LN iid 
41

anulando a interro3ação de <a Go1tie so,re a ori3em do prprio

poder 7O +ue surpreende nas ininterruptas e diversificadas

interpretaçes do Hiscurso  não 1 tanto o modo como a o,ra 1

interpretada e apropriada pelos leitores# mas o fato das leituras serem

poss.veis apenas so, a condição e2pressa de não enfrentarem o

eni3ma proposto por <a Go1tie9 Isto 1# a 30nese da servidão


L

volunt*ria

Por hora 3ostaria apenas de entender como pode ser +ue


tantos homens# tantos ,ur3os# tantas cidades# tantas
naçes suportam @s vezes um tirano s# +ue tem apenas o
poderio +ue eles lhe dão# +ue não tem o poder de
prejudic*-los senão en+uanto tem vontade de suport*-lo#
+ue não poderia fazer-lhes mal al3um senão +uando
preferem toler*-lo a contradiz0-lo Coisa e2traordin*ria# por
certoS e por1m tão comum +ue 1 mais di3no de l*stima +ue
de espanto ver um milhão de homens servir
miseravelmente# com o pescoço so, o ju3o# não o,ri3ados
por uma força maior# mas de al3um modo $ao +ue parece)
encantados e enfeitiçados apenas pelo nome de um# de
+uem não devem temer o poderio pois ele 1 s# nem amar
as +ualidades pois 1 desumano e feroz para com eles L

<a Go1tie tam,1m pensava tratar-se de uma desnaturação do

homem# nascido para viver francamente !ua +uestão#

aparentemente# 1 por +ue lhe aconteceu de renunciar @ li,erdade

Contra a intuição de +ue s e2iste servidão pela su,missão @ vontade

de um mais forte# <a Go1tie prope um senhor +ue procede do

escravo 6 o,edi0ncia deste não se ori3ina na covardia# nem a

li,erdade nasce da cora3em 6ntes de serem dois termos separados#

esta relação senhor-escravo 1 7interna ao mesmo sujeito /mas

L iid 
L Etienne Be <a Go1tie# %&'M# p %M
42

pode-se dizer sujeito8 /# ao mesmo a3ente /mas pode-se dizer

a3ente89  L'

Comentando este te2to# Claude <efort faz uma interessante

distinção entre o discurso pol.tico e o discurso so,re o pol.tico# a

propsito do feitiço de um nome como fonte do monstruoso poderio

do tirano E a+ui se trataria de captar a relação vis.vel entre o senhor

e seu servo mediante uma relação invis.vel +ue se ata com a l.n3ua

!er livre consistir* em se desejar a li,erdade# nem mais# nem menos

76postrofando o povo# a ponto de pretender ensinar-lhe o +ue deve

fazer $Becidi não mais servir e sereis livresb)# <a Go1tie vem

inicialmente ocupar o lu3ar do senhor# esse lu3ar +ue denuncia como

efeito do desejo de servidão9 L&

rata-se pois do discurso do senhor +ue# ensina <a Go1tie#

consiste na ficção mesma da +ual sur3e o tirano Esta ficção 1 a

crença na unidade do povo O desejo de servidão 1 id0ntico @ f*,ula

do povo conce,ido como uno 6 li,erdade# em compensação# diria

respeito ao retorno da pluralidade dispersa 6 ilusão do povo uno

coincide# se3uimos <efort# com a separação do poder do povo#

por+ue esta ilusão est* sustentada no +ue <a Go1tie denomina o

nome de m# isto 1# o amo Esta seria pois a  prton pseudos  dos

3overnantes# a sociedade una E a li,erdade# 7a recusa de ceder ao

atrativo da forma# do semelhante# do um JK E como pensar +ue o

L' Claude <efort# 7O nome de m9 in Hiscurso op cit


L& I,id p %(&
43

desejo de servidão não proceda dele# capturado pelo feitiço do nome

de um9 NU

>ivemos numa sociedade em +ue a escravidão não 1


reconhecida : claro /+ual+uer socilo3o ou filsofo sa,e disso
/# +ue ela nem por isso est* a,olida Isso 1 mesmo o,jeto de
reivindicaçes ,astante notrias : claro tam,1m +ue# se a
servidão não est* a,olida# ela a. est*# se podemos dizer#
3eneralizada Os v.nculos da+ueles +ue a 3ente chama de
e2ploradores não dei2am de ser v.nculos de servidores em
relação ao conjunto da economia# tanto +uanto o são os do
homem comum 6ssim# a duplicidade senhor6escravo está
)eneralizada no interior de cada participante de nossa
sociedade. N%

O par senhor-escravo no interior de cada um ser* referido mais

tarde ao inconsciente freudiano $7o tra,alhador ideal do capitalismo9)#

e sua estrutura escrita como discurso do mestre 6 relação invis.vel

+ue se ata com a l.n3ua manifesta a separação de um si3nificante-

mestre com respeito ao corpus da l.n3ua# suportado pelo escravo /

mudo# por+ue assim +ue tomar a palavra $e vice-versa) estar*

separado de seu 3ozo pela lin3ua3em

>ale lem,rar +ue o si3nificante-mestre emitido em direção ao

corpo $do) escravo tem a finalidade de faz0-lo andar O mesmo d*

mestre de si mesmo ou dos outros $sou mestre de mim mesmo

en+uanto outro) Wraham Gell teve de ouvir# de um )entleman da

5ova In3laterra# a +uem pretendia impressionar com sua mais nova

NU i,id p %LN
N% <acan # %&'(# p %NL ?inha 0nfase
44

invenção# +ue o telefone lhe parecia um aparelho desprez.velD 7o

senhor atende @ campainha como um serviçalZ9

5os ant.podas desta servidão +ue não sa,e de si# no 7discurso

patente da li,erdade9 # <acan


<acan fusti3
NM
fusti3a
a as pretens
pretense
ess do e)o  +ue#

desconhecendo com afinco suas determinaçes# reivindica o direito

do indiv.duo @ autonomia 7m certo campo parece indispens*vel @

respiração mental do homem moderno# a+uele em +ue se afirma sua

independ0ncia em relação# não s a todo senhor# mas tam,1m a todo

deus# a+uele de sua autonomia irredut.vel como indiv.duo# como

e2ist0ncia individual * justamente a. al3uma coisa +ue merece em

todos os pontos ser comparada a um discurso delirante9  Este ltimo


N(

não possi,ilita a menor ação social# ou mesmo +ual+uer movimento

comu
comunit
nit*r
*rio
io conc
concre
reto
to de eman
emanci
cipaç
pação
ão## ou ainda
ainda de refor
reforma
ma ou

mudança ?esmo evocando a seu respeito os direitos do homem e

do cidadão ou o direito @ felicidade# trata-se de um discurso 7.ntimo e

pessoal9 +ue 7est* ,em lon3e de encontrar em al3um ponto +ue seja

o discurso do vizinho9  5o foro .ntimo mantemos a convicção na


NL

li,erdade de cada um# ainda +ue do ponto de vista dos fatos o +ue se

comprova 1 uma su,missão resi3nada @ realidade# +ue via de re3ra

contradiz a mira3em li,ert*ria

NM Deminário F#
F# op cit
N( I,id
NL ,dem p
,dem p %NN
45

!e3uramente temos# ns# muito menos confiança no discurso da


li,erdade# mas lo3o +ue se trata de a3ir# e em particular em nome
da li,erdade# nossa atitude em face do +ue 1 preciso suportar da
realidade# ou da impossi,ilidade de a3ir em comum no sentido
dessa
dessa li,e
li,erda
rdade
de## tem intei
inteiram
ramen ente
te o car*te
car*terr de um a,and
a,andono
ono
resi3
resi3na
nado#
do# de uma
uma rennc
rennciaia ao +ue+ue 1 no entan
entanto
to uma
uma parte
parte
essencial de nosso discurso interior# a sa,erD +ue temos não s
certos
certos direitos
direitos impresc
imprescrit.ve
rit.veis#
is# mas tam,1m
tam,1m +ue essesesses direitos
direitos
estão
estão funda
fundados
dos em certa
certass li,erd
li,erdad
ades
es prime
primeira
iras#
s# e2i3
e2i3.ve
.veis
is em
nossa cultura para +ual+uer ser humano NN

Este 7duplo discursivo do sujeito# tão discordante e derrisrio

JK 1 o seu eu O eu de todo homem moderno9 N

A
* um v.nculo ine3*vel entre a servidão volunt*ria# +ue dei2ara

<a Go1tie perple2o no s1culo _>I # e a relação de cada um com a

l.n3ua +ue fala# +ualificada por Garthes# com e2trema pertin0ncia# de

fascista O simples fato


N
ato de entender o +ue se diz j* 1 uma

su,m
su,mis
issã
são
o ma vez
vez vind
vinda
a do inte
interl
rloc
ocut
utor
or nos
nos inte
interp
rpel
elar
ar## não
não

podemos evitar dar @ sua palavra um sentido

Este
Este impe
imperat
rativo
ivo pode
pode vir dos
dos l.der
l.deres
es da comu
comunid
nidad
ade#
e# mas
mas

tam,1m dos enunciados +ue presidem nosso nascimento# e nos

+uais temos aprendido a reconhecer o supereu Penso nas tr0s

fadinhas dizendo seus votos so,re o ,erço da princesa# e na +uarta#

a +ue ro3a a pra3a $talvez a mais importanteD sem ela# não haveria

estria para contar)S ou numa cena do filme de <an3# % testamento

do Hr. 9auseD ao se me2er na maçaneta da porta do chefe# ouvia-se

NN iid.
N idem
N 7?as a l.n3ua# como desempenho de toda lin3ua3em# não 1 nem reacion*ria# nem pro3ressistaS
ela 1 simplesmenteD fascistaS pois o fascismo não 1 impedir de dizer# 1 o,ri3ar a dizer9 Roland
Garthes# Aula
Garthes# Aula## !ão PauloD Cultri2# p %L rad <eYla Perrone-?ois1s
46

sua
sua voz
voz proi,
proi,in
indo
do o in3re
in3ress
sso
o Huem
Huem fize
fizess
sse
e ouvi
ouvido
doss mouc
moucos
os e

continuasse o 3esto# por1m# entraria sem ser ,arrado# j* +ue o +uarto

estava vazio e his


his maste
master8 voice era
r8ss voice era dese
desenc
ncad
adea
eada
da por
por um

mecanis
mecanismo
mo de 3ravaçã
3ravação
o acoplad
acoplado
o @ maçane
maçaneta
ta 5ada
5ada impedi
impedia
a a

passa3em# s a o,edi0ncia devida @ palavra do OutroS o desejo# de

se acreditar no mestre

(M O! I5Q!IFICÁ>EI!

Be nossa posição de sujeito# somos sempre respons*veis N'


<acan# %&N

5ão podemos ima3inar a pulsão sem atri,uir-lhe ipso facto um

o,jeto Es+uecemos +ue este fora interposto# jo3ado como pasto#

para domestic*-la : a educação 6+u1m do o,jeto# +ue reputamos

natur
natural
al por puro
puro prec
precon
once
ceitito#
o# a pulsã
pulsão
o 1 uma
uma konstante kraft   +ue

e2i3e 7uma alteração do corpo sentida como satisfação9  Eis a meta N&

interna de toda e +ual+uer pulsão# reduzir o est.mulo na fonte# na

zona er3ena

ma
ma vez
vez toma
tomada
da nas
nas rede
redess das
das norm
normas
as## entr
entram
amos
os nos
nos

parad
parado2
o2os
os do super
supereu
eu## +ue
+ue en3or
en3orda
da com
com a sati
satisf
sfaç
ação
ão puls
pulsion
ional
al

renunciada $trieversicht )
) !atisfazer-se da a,stin0ncia Evocaremos

a auto-fla3elação dos penitentes8 O resultado 1 uma culpa +ue

aumenta com a virtude# at1 tornar o virtuoso imperdo*vel 6 fruição

N' <acan# %&# p 'N'


N& !i3mund Freud# Juevas conferencias de introduccin? 7Confer0ncia (M9 in OC
47

pulsional deslocada suporta a consci0ncia moral 6s e2i30ncias desta

mal disfarçam a cruel mor,idez em +ue se motivam

Podemos caracterizar o perverso como al3u1m tomado de um

modo a,soluto pelo seu o,jeto E se o neurtico se encarniça com ele

1 menos pelos motivos altru.stas +ue costuma invocar +ue pela sua

necessidade de neutralizar o insuport*vel 3ozo do semelhante !e

ale3ar o sofrimento +ue sente por não conse3uir se conter# +uando se

lhe apresenta o o,jeto de seus apetites# não 1 um ar3umento

convincente para isentar o perverso de culpa ampouco se v0 como

+ualificar moralmente os diferentes o,jetos nos +uais sua pulsão se

satisfaz# a não ser pelas conse+V0ncias so,re terceiros# cujos direitos

devem ser prote3idos Em Deven $filme de cujo diretor es+ueci)# um

assassino serial se empenhava# com Xnimo purificador# numa

cruzada contra a+ueles +ue se entre3avam de modo ostensivo a uma

das sete formas de satisfação# não por acaso denominadas pecados

capitais Ele# +ue se considerava um puro# desco,re +ue merece

morrer por ter incorrido no pecado da so,er,a

Resulta# portanto# curioso constatar a animosidade dos

psicanalistas contra a+ueles +ue podem reputar de perversos# e seu

consenso +uanto @ sua inanalisa,ilidade Bizem +ue não che3am @

consulta# e +uando o fazem 1 para fins insofism*veis# em nada

relacionados @ renncia a seus v.cios Bizem tam,1m +ue se


48

interessam pelo terapeuta s para desafi*-lo e sentar so,re ele

Chamar um cole3a de perverso 1 a pior injria +ue um psicanalista

pode conce,erS a nica +ue sa,e afetar* o outro# como a um italiano

ser 2in3ado de cornudo 6 perversão se apresenta como um limite#

senão para a psican*lise para o psicanalista $o outro seria a psicose)

enho comi3o +ue este an*tema so,re os perversos 1 fruto das

mesmas dificuldades neurticas com o 3ozo +ue os pacientes de +ue

tratam

Eu diria +ue estes sujeitos re3idos pela pulsão podem procurar

um analista# sim# e não apenas por e2i,icionismo# ou para faz0-lo de

,o,o Podem diri3ir-se a um consultrio +uando precisam

testemunhar do +ue não conse3uem evitar fazerS +uando dei2am de

precisar uma justificação e +uerem responder por isso Becerto# não

são poucas as dificuldades cl.nicas envolvidas em casos desta

.ndole# e merecem ser a,ordadas com cuidado# mas al3u1m +ue se

diri3e a ns sem esperar a,solvição ou redenção# em posição de

imperdo*vel# revela uma cora3em 1tica perante a +ual resulta dif.cil

invocar +ual+uer crit1rio a priori para virar-lhe as costas

 6credito +ue ao referir-se @ perversão como o ne3ativo da

neurose# Freud estava pensando no comportamento do perverso

como fi3ura da prpria pulsão# cuja caracter.stica 1# de um lado# um

7não poder a,ster-se9S e# do outro# um 7não poder responder por

isso9 Falamos de pulsão# com efeito# +uando o sujeito do direito est*


49

eclipsado# não di3o a,olido# por+ue a e2i30ncia de Freud 1 +ue ele

advenha precisamente ali  U

: claro +ue tocamos num assunto espinhoso# por+ue tratamos

de condutas +ue rompem com o decoro e os ,ons costumes /sem

mencionar os crimes Est* em jo3o a ordem p,lica# e o risco

iminente de uma devassa so,re o si3ilo profissional Por+ue ao tratar-

se do mau comportamento# o campo de ação dos psi+uiatras se

encavala com o da pol.cia e o dos ju.zes 6 noção chave neste ponto

1 a imputa,ilidadeS a decisão so,re a responsa,ilidade do indiv.duo

O perpetrador da falta deve ou não responder pelo +ue fez8 Qustifica-

se o casti3o8 Para o laudo psi+ui*trico# sadio si3nifica pass.vel de

punição

Com fre+V0ncia# esta confusão entre doença e

irresponsa,ilidade# resulta numa cat*strofe su,jetiva para o

criminoso# +ue perde# junto com o casti3o# a si3nificação de seu ato %

Entendo por irresponsa,ilidade# +ue os outros decidam em meu

lu3arS dei2ar de ser um sujeito do direito ?iller   o,serva ali a prpria


M

definição do totalitarismo /+ue outro escolha por mim

Responsa,ilidade ser*# pois# a capacidade de responder

U Lo es !ar1 soll ich !erden


% <eia-se o depoimento de <ouis 6lthusser# declarado inimput*vel pelo assassinato de sua mulher
1lgne 6lthusser# %&&Lam,1m o ensaio de Freud# Varios tipos de caracter descuiertos por la
laor analítica# de %&%# especialmente 7<os +ue fracasan al triunfar9 e 7El criminal por sentimiento
de culpa,ilidad9 in 6E
M ?iller Q-6# %&&'
50

Huanto ao canalha# +ue pode ou não ser um perverso# sempre

tem uma desculpa @ mão pelo +ue fez ou dei2ou de fazer Em

pol0mico arti3o so,re a perversão# Burval Checchinato  vale-se da


(

autoridade de !afouan para fundamentar sua recomendação de

recusar nossos serviços profissionais aos perversos 6credito +ue ele

se refira aos canalhas# por1m# tomar por canalhas todos os perversos

me parece e2cessivo

!eja como for# o psicanalista s pode diri3ir-se ao sujeito como

imput*vel : a condição da nossa e2peri0ncia# +ue o outro possa

responder pelo +ue diz e faz O 5eurtico est* 3overnado pelo

sentimento de culpa,ilidade# mas tam,1m de irresponsa,ilidade

Bi3amos +ue um depende da outra Por não sa,er como e so,re o

+u0 responsa,ilizar-se se encontra sempre so, o ju3o da culpa Ba

sua d.vida impa3*vel deriva a sempiterna necessidade de justificar-se

e de convocar-nos como cmplices ou ju.zes $dependendo da

estrutura) Biri3e-se a ns para +ue justifi+uemos sua conduta# para

+ue a 7freude2pli+uemos9 O canalha permanecer* neste ponto O

neurtico $mas tam,1m o psictico ou o perverso)# nãoS não

necessariamente

(M% 7Besculpe +ual+uer coisa9

Jever complain1 never e#plain.


Bisraeli

( Checchinato# %&&
51

Os animais não se preocupam com o sentido da vida# apenas

vivem Em todo caso# 1 o +ue acreditamos !ão dif.ceis de interro3ar

O pro,lema 1tico não nos concerne por estarmos vivos# mas por

poder pens*-lo François Qaco, # IlYa Pri3oYine  e Qac+ues ?onod


L N 

demonstraram +ue estamos por um triz e +ue não h* pro3resso udo

+ue aconteceu# inclusive ns mesmos# foi por acaso

hornton [ilder  narra a histria do 7Irmão Quniper9#




testemunha da +ueda de uma ponte p0nsil cheia de passantes no

Per Bedica a vida a tentar captar nas ,io3rafias dos mortos o

des.3nio divino +ue os perdera# en+uanto ele# pecador# +ue optara

por atravessar o rio pela ,eirada# fora poupado Per3untar pela 3raça

 j* 1 uma resposta# por+ue si3nifica +ue h* uma razão Pit*3oras

inventou a filosofia para conhec0-la inha vontade de compreender e

e2plicar tudo Ba nossa parte# vivemos# ao menos desde <ei,niz#

3overnados pelo princ.pio de razão suficiente# +ue diz nada ser por

acaso e tudo dever-se a uma causa

?enos o sujeito# +ue 1 contin3ente $uma vez +ue ele est* l*#

podemos rastrear sua ori3em# mas nada o predestinava a l* estar)# e

por isso se espanta 6ca,a neurtico pela teimosia em acreditar +ue

h* razão para tudo# menos para ele 6 propsito# o inconsciente

L François Qaco,# %&'(


N IlYa Pri3oYine# %&&
 Qac+ues ?onod# %&%
 hornton [ilder# *he rid)e of Dan 5uis rey # <ondonD Pen3uin# %&'
52

prometido pelo analista ao analisando $7fale sem pensar# tudo ter* um

sentido9) 1 o retorno da sua insensatez ao princ.pio de razão

suficiente m ,om motivo para am*-lo $e para permanecer em

an*lise sine die) 6 invenção da neurose 1 a mais popular das

verses modernas da procura pela justificação da e2ist0ncia

Em,ora solid*ria do discurso m1dico# a neurose 1 uma pai2ão#

no sentido cristão do termo m apelo justificador endereçado ao

Outro /invocado mediante todas as fi3uras do perdão Besde um

,anal 7estou atrasado9# at1 um refinado 7perdoa-me por me tra.res9#

passando pelo impa3*vel# e muito ,rasileiro# 7desculpa +ual+uer

coisa9 6li*s# não conheço frmula mais ,ela da posição neurtica

+ue esta e2pressão +ue# a 3uisa de despedida# declara a assunção

antecipada de culpa por +ual+uer coisaZ

O sofrimento pede uma testemunha Fazer-se ouvir /pelo pai#

no caso do CrucificadoD 7!enhor# !enhor# por +ue me a,andonaste89

E por falar em pai# ao <i,ertador# Weneral Bon Qos1 de !an ?art.n#

atri,ui-se uma m*2ima peda33ica +ue rezaD 7ser*s o +ue devas ser#

ou então não ser*s nada9 ! um militar e um heri poderia doar @

istria injunção tão sinistra O neurtico# especialmente o o,sessivo#

mas não apenas ele# est* convicto de não ser nada por nunca ter

conse3uido ser o +ue devia !e en2u3armos as lamrias de todos os

consultrios ao seu comum denominador diremos +ue o neurtico


53

sofre por+ue ainda não 1S por+ue sempre não 1# ou não 1

suficientementeS por+ue j* eraS por+ue foi e +uer ser novamenteS

enfim# por+ue o ser lhe falta

O o,sessivo cuida de manter-se culpado# em falta Ou então#

+uem manca 1 o Outro# e se trata de histeria Buas estrat13ias para

encontrar uma razão da falha ine2plic*vel na ordem das coisas# +ue

somos# e +ue nos revela sem propsito 6 sem-razão est* na entrada

de +ual+uer consulta ao analistaD dei2ei minha fam.lia por a+uela

ordin*riaS sacrifi+uei minha poupança em vãoS padeço por nada !e

tudo correr ,em# desco,rir* +ue sua vida 1 um acidente $mesmo e

so,retudo tendo sido uma criança ,em planejada pelos pais) Estar

a+ui por+ue sim# por nada em especial# 1 nisso +ue consiste a falha

no ser do sujeito# ela prpria injustific*vel 6 nica e inalien*vel

particularidade +ue possui 1 sua pena ?ais nada !ua es+uisitice 1

sua diferença espec.fica e seu nico patrim;nio O modo como falha

em 7ser9 1 tudo +ue tem para justificar uma e2ist0ncia# de +ual+uer

ponto de vista# insensata Huem sa,e a melhor definição para a

fami3erada assunção da castração seja estaD a,rir mão do defeito

como ,rasão# suportar-se injustific*vel


54

 6caso +uando falamos de cura por acr"scimo  estamos


desprezando o sofrimento humano8 JK Q* temos ao alcance da
mão o +ue 1 preciso tomar para dormir Huem sa,e dentro em
,reve sa,eremos a3ir diretamente so,re os centros ,io+u.micos
da dor E talvez se encontre a mol1cula da es+uizofrenia O
nirvana se apro2ima a 3randes passadas !upor +ue isso tudo
ser* poss.vel a curto prazo me parece muito mais interessante
+ue dizerD não1 jamaisB   Entretanto# uma vez +ue se encontrem os
centros da dor e se sai,a operar diretamente so,re eles# a
vontade de justificação não desaparecer* 6ntes pelo contr*rio#
para o neurtico justificar-se por não sofrer 1 ainda mais dif.cil 6o
inv1s do +ue se supe# nada disso anuncia o desaparecimento da
psican*lise# dado +ue a verdadeira +uestão 1 se se pode curar ou
não a justificação '

7Curar a justificação9# uma ,om coment*rio da injunção +ue

<acan não se importaria de ver +ualificada como terrorista# e +ue

colocamos em e2er3oD 7Be nossa posição de sujeito# somos sempre

respons*veis9 Refu3iar-se no determinismo inconsciente pode ser o

ltimo *li,i para não ter +ue responder pela es+uisitice e encontrar

uma razão de ser 5enhum determinismo far* dele um inocente#

por1m Eis o terrorismo psicanal.ticoD en3ajar o sujeito no seu

determinismo inconsciente 6 neurose 1 uma escolha 1tica m

paciente deve a,andonar seu analista convicto disto

' Qac+ues-6lain ?iller# %&&'# p '&


55

L do Cão aos c.nicos

Cada s1culo# e o nosso so,retudo# precisaria de um Bi3enesS mas a


dificuldade 1 encontrar homens com a cora3em suficiente para s0-lo# e
homens com a cora3em de a3Vent*-lo
Bb6lem,ert# +ssai sur la soci"te d$s )ens de lettres $%N&)

Cinismo 1 a arte de ver as coisas como são em vez de como deveriam ser
Oscar [ilde# Deastian 9elmoth $%&UL)

L% O CI5I!?O CO?O RERIC6D ?6 RERIC6 C5IC68

:
certo +ue a fi3ura de Bi3enes com seu ,*culo# trou2a e tnica

pu.da pode parecer remota para ns

5ão o,stante o movimento C.nico não apenas durou +uase um


mil0nio na anti3Vidade# como tam,1m 3erou um not*vel le+ue de
formas liter*rias +ue so,reviveriam a cultura cl*ssica JK 6
natureza do movimentob assim como sua lon3evidade pedem
uma e2plicação Cinismo não foi uma escolabD os filsofos c.nicos
não davam aula num local espec.fico# nem encontramos entre
eles +ual+uer acad0mico sucedendo outro como ca,eça de uma
instituição JK O +ue temos a+ui podemos entend0-lo melhor não
como escola# mas como um movimento filosfico e at1 cultural
+ue# em,ora fosse ,em diversificado# permaneceu fiel ao e2emplo
de Bi3enes /a seu modo de vida e princ.pios filosficos do
modo como foram interpretados ao lon3o dos s1culos : portanto
f*cil entender +ue h* diferenças si3nificativas entre Bi3enes
mesmo# cujo alvo e audi0ncia era a mui culta sociedade do
classicismo 3re3o tardio $no s1culo +uarto ac) e a+ueles ,andos
de C.nicos +ue va3avam pelas ruas de 6le2andria ou
Constantinopla nos tempos do imp1rio Romano reclamando-se
dele como mestre e modelo &

& R Gracht Granham# %&&# pM


56

!crates afirmava ser melhor sofrer um mal +ue faz0-lo e

annah 6rendt faz o,servar +ue em,ora ele nunca o tenha

demonstrado de modo convincente# o impacto deste aforismo so,re

as condutas como preceito moral 1 incontest*velS 7esta sentença se

tornou o in.cio do pensamento 1tico ocidental9 Os di*lo3os

plat;nicos# continua# nos mostram uma e outra vez +uão parado2al

era esta oração e +uão f*cil era refut*-la# e as vezes +ue de fato fora

refutada na á)ora !empre +ue tentara prov*-la# tanto ami3os +uanto

advers*rios sa.am c1ticos +uanto @ justeza da demonstração Como

veio a ad+uirir o 3rau de validade +ue tem em nosso pensamento

hoje8 7O,viamente# isto aconteceu em virtude de uma forma di3amos

inusual de persuasãoS !crates decidiu apostar sua vida nesta

verdade /para dar o e2emplo# não +uando apareceu perante o

tri,unal ateniense mas +uando se recusou a fu3ir da sentença de

morte9  Em suma# esta proposição se torna verdadeira e passa a ter


U

o peso +ue conhecemos s depois +ue as testemunhas do seu ato

voltaram sideradas para casa e contaram a performance 1tica

e2emplar do filsofo

Este estilo 1tico-retrico performativo passou de !crates a seu

contemporXneo Bi3enes# e permaneceu no cerne do movimento

C.nico at1 os romanos !e3undo GarrY 6llen podemos considerar

esta demonstração socr*tica da proposiçãoD 71 melhor sofrer o mal do

+ue faz0-lo9 como uma das primeiras contri,uiçes a um 30nero +ue


U annah 6rendt# %&&(# p ML
57

Bi3enes nomearia formalmente e incorporaria ao ensino C.nicoD a

chreia Eram tiradas curtas# afiadas# inteli3entes# com valor de


%

aforismos e com fre+V0ncia acompanhadas de uma performance em

ato Como a entrada de Bi3enes no contraflu2o# en+uanto o p,lico

estava dei2ando o anfiteatro depois da peça# com o intuito de poder

responder @ inevit*vel per3unta so,re o +ue estava fazendo comD

7Isto 1 o +ue tenho feito a minha vida toda9 M

Platão# o aristocr*tico metaf.sico# era a ant.tese de um C.nico

!eu paradi3ma era a filosofia como theoria e o filsofo como

espectador da eternidadeS Bi3enes era um desclassificado +ue

propunha a filosofia como improviso frente @ contin30ncia# a

adaptação ao +ue desse e viesse e o filsofo como um ,o,o da corte

Bi3enes teria concordado com [illiam Qames em +ue 76 verdade 1

o +ue 1 ,om de se acreditar9 /entendendo-se como verdadeiro# o

+ue funciona

Huando seu e2.lio o trou2e a 6tenas# Bi3enes tentou arranjar

alojamento como +ual+uer um teria feito Foi s depois de não ter

conse3uido nada +ue improvisou a id1ia de viver dentro de um tonel

de vinho# como um cachorro $B< DM() Primeiro ele devia tornar-se

a persona3em da +ual 6le2andre 7O ?a3no9 diria +ue se j* não fosse

 6le2andre 7O ?a3no9# adoraria ser um Bi3enes# para +ue a+uela

solução pr*tica da falta de moradia ad+uirisse a si3nificação de um

% GarrY 6llen# %&&N# pNU


M Bio3enes <aertius# 5ives and opinions of famous philosophers1 M?MN
58

desafio @ cultura convencional $ nomos) e fosse lem,rada como um

dos atos fundadores do Cinismo

A
Kunikos +uer dizer 7como um cão9 $em in3l0s se diriaD do)like)

Parece +ue ser chamado de cachorro $kun) não tinha# na

anti3Vidade cl*ssica# a conotação +ue tem hoje alvez ad+uiriu ali#

na Wr1cia e em Roma# sua posterior si3nificação de desprez.vel 5ão

seiS o caso 1 +ue na+uela 1poca não estava de modo al3um

associado @ su,servi0ncia a,jeta da denominada 7fidelidade canina9

Kunikos se referia aos se3uidores de 6nt.stenes# Bi3enes e sua

turma E nenhum deles se caracterizava pela su,missão# muito pelo

contr*rio C.nico era sin;nimo de insol0ncia e de,oche de tudo o

esta,elecido pela cultura em mat1ria de conduta# apar0ncia#

lin3ua3em e princ.pios

Praticar o Cinismo /ser um cachorro/# passou a si3nificar

viver de acordo com as circunstXncias +ue nos tocam viver 5o caso

de Bi3enes# no e2.lio# tanto literal +uanto metaforicamente Huando

um imprudente o reprovara por se ter feito e2pulsar de !.nope ele

3ritou enfurecidoD 7Foi assim +ue me converti num filsofo# seu

im,ecil miser*velZ9 $B< DL&) Com esta resposta ele transforma num

ato de desafio volunt*rio a e2clusão involunt*ria +ue sofrera +uando

foi forçado a e2patriar-se 6ssumir o acaso como sua sina lhe permite

dizer +ue da filosofia tinha aprendido a 7estar preparado para


59

+ual+uer tipo de sorte9 $B< D() !orte# tuk"# a mãe da invenção

C.nica

?uitos achavam o C.nico um e2i,icionista# pu.do e arro3ante#

cujo nico motivo era chamar a atenção para sua pessoa e esmolar

com maior efic*cia  O lema de 7viver conforme a natureza9# para


(

+uem est* no meio da cidade# si3nifica dormir ao relento e esmolar

para comer Rejeitar o tra,alho# contudo# era tam,1m dizer 7não9 ao

tipo de vida considerado produtivo pela sociedade Recusar a

sujeição @s re3ras sociais e @ autoridade constitu.da Em todo caso# o

valor central do C.nico não podia ser a autosufici0ncia $ autarkeia) de

+ue era acusado /nin3u1m 1 mais dependente dos outros +ue um

mendi3o/S tampouco a 7natureza9# se esta for tomada como um

princ.pio racional# e+uivalente ao lo)os# como era para os Esticos#

mas a li,erdade e so,retudo a lierdade de palavra $ parr"sia) 6

autarkeia era uma fantasia dos cidadãos# presos @s leis +ue


L

constran3em seus movimentos e apetites e acendem seus sonhos de

li,erdade

Huase tudo +ue temos so,re Bi3enes nos vem de fontes

indiretas Os di*lo3os de Platão e as anedotas relatadas por

Bi3enes <a1rcio no s1culo tr0s de nossa era# setecentos anos

depois dos fatos ma coisa chama poderosamente a atenção nestes

(  !aYre# citando B< DL 7Estes atos podem ter sido o e2i,icionismo de um e3otista ou as
tentativas de chamar a atenção e lhe dar uma oportunidade de pedir contri,uiçes9
L E 1D o filme +asy Oider   de Bennis opper# atesta so,re este sonho# caro @ contra-cultura !er
livre# como um mendi3o# das correntes da sociedade 5a primeira cena# depois de vender dro3a
para poder viajar# e antes de por o p1 na estrada# os ami3os jo3am seus rel3ios fora
60

relatosD trata-se de uma retrica# e de uma retrica performativa F

!aYre# +ue não 3ostava nem um pouco do Cão# escreveD 7Isto parece

confirmar +ue a pretensão C.nica de serem s*,ios não estava

,aseada no aprendizado Os C.nicos esta,eleciam sua sa,edoria

superior criticando e denunciando outras pessoas9  O +ue !aYre não


N

perce,e 1 +ue semelhante estilo não se deve @ pre3uiça ou @ m* f1#

mas @ estrutura mesma do discurso de Bi3enes # +ue interv1m 

so,re o discurso dominante da Polis 3re3a /sustentado pelos outros

/# com o intuito de vir*-lo pelo avesso alvez a nica resposta @

per3unta insistente so,re por +ue fazia o +ue fazia# fosse 7por+ue

sim9 Ca,e conjecturar se os motivos filosficos invocados pelos

historiadores não são outras tantas tentativas de justificar#

mascarando-o /,em @ moda da racionalização o,sessiva/# o 3ozo

ldico +ue parecia comandar os atos do Cão

 6 falta de ver3onha caracter.stica dos C.nicos $ anaideia) pode

tam,1m ser pensada como uma cate3oria retricaD mostrar o corpo

in3overn*vel# estra3ando a vã pretensão de dom.nio da educação

civilizada  Comer# escarrar# defecar e urinar em praça p,licaS assim




como mastur,ar-se @ plena luz do dia# seriam modos de lem,rar +ue

os apetites são naturais e não h*# em princ.pio# melhores +ue outros

: a cultura +ue inventa hierar+uias entre diferentes desejos e

N *he >reek &ynics# Galtimore $%&L')


  5ão vou cham*-lo 7discurso do c.nico9 por+ue reservo esta denominação para o cinismo
moderno# como veremos mais adiante !e fossemos tomar a licença de pensar o discurso de
Bi3enes com nossas prprias cate3orias# eu o denominaria discurso do hist"rico
 Esta parece uma cr.tica a 6ristteles avant la lettre
61

considera apropriado ou não satisfaz0-los Bi3enes parece se

propor a uma sorte de deseducação de esf.ncteresD a re,elião do

infans +ue interpela seus educadores Era um e2i,icionista# sem

dvida ?as era apenas isso8 Bi3enes parece ter conse3uido fazer

de sua pulsão escpica uma arma# um instrumento 1tico de

coment*rio so,re a natureza humana e suas limitaçes

 6 popularidade +ue che3ou a ter este movimento# +ue se

encheu de imitadores do estilo do mestre# permite conjecturar +ue# se

fez escola# não foi pelas suas id1ias mas pelo afinco com +ue violava

as re3ras tanto t*citas +uanto e2pl.citas +ue 3overnam nosso

comportamento

Começando pelo uso da lin3ua3em

 6 parr"sia# a l.n3ua solta# a li,erdade de opinião# era um direito

dos cidadãos livres num estado democr*tico e um dos privil13ios do

aristocrata Bi3enes se reclamava dela do ponto de vista de um

indi)ente# de um não cidadão Esta licença da l.n3ua# +uando

aplicada so,re os poderosos podia custar ao lin3uarudo um severo

casti3o e at1 mesmo sua vida O confronto de Bi3enes com

 6le2andre e outros poderosos deve ser visto deste ponto de vista

Parece +ue o Cão fazia +uestão de ser $e era) irritante# mas

todos lhe concedem um senso de humor .mpar 6 pantomima# a

s*tira# o chiste# o de,oche# a ,lasf0mia# enfim# a dessacralização dos

ritos numa sociedade como a 3re3a# or3anizada pelo mito e pelo rito#
62

representava uma verdadeira su,versão dos valores morais +ue

sustentavam o laço social e um desafio @ autoridade +ue dificilmente

podia ficar impune

Besde o in.cioD seu e2.lio de !.nope por desfi3urar a moeda

corrente da cidade $ parakaratein to nomisma) 6 tradição anti3a

sustenta +ue Bi3enes foi forçado a e2ilar-se por+ue seu pai# iceias#

7era o custdio do dinheiro do estado e desfi3urou as moedas9 $B<

DMU) !empre se pensou +ue se tratava de um mito# at1 +ue recentes

desco,ertas ar+ueol3icas revelaram a e2ist0ncia de moedas com a

ef.3ie desfi3urada# datando do ano de (NU a (LU ac  5ão est* claro '

se foi ele ou seu pai e para +ue eles teriam feito isso ma versão

sustenta +ue Bi3enes tentava salvar o cr1dito de !.nope tirando de

circulação moeda falsa !eja como for# este incidente severamente

punido proveu os C.nicos com sua mais poderosa met*fora

Hesfi)urar a moeda corrente  passou a si3nificar a tentativa C.nica de

p;r fora de uso os falsos valores do pensamento convencional e do

comportamento reputado como civilizado

Este dizer 7não9 @ Polis est* presente na identificação +ue

Bi3enes fazia de si mesmo como kosmopolit"s# cidadão do cosmos

 6ristipo# se3undo _enofonte# mantinha sua li,erdade não se

trancando numa politeia# por+ue todo 3overno e2ercido desde fora lhe

parecia ser 7contra natura9 rata-se antes de 7li,erdade de9 +ue de

' R Gracht Granham# 7Befacin3 the CurrencYD Bio3enesb Rhetoric and the invention of CYnicism9
in *he &ynics# op cit p &U n(U
63

7li,erdade para9 6 alternativa era permanecer  #enos# estran3eiro 6

p*tria do C.nico 1 uma p*tria 7moral9# a+uela +ue funda com seus

atos# por+ue se al3u1m pode viver como C.nico# a erra inteira 1 seu

lar

Em todo caso# a retrica C.nica /cujas fi3uras principais são o

e2emplo e o entimema/ inclui uma dimensão performativa e deve

responder aos se3uintes crit1riosD pra3matismo# improviso e humor

Parado2o# surpresa# humor ne3ro ou escatol3ico não dei2avam de

ter um fundo de seriedade 1tica incontest*vel Por e2emplo tomar os

termos convencionais da l.n3ua e demonstrar +ue estão sendo mal

aplicados ou +ue seu verdadeiro sentido est* sendo esma3ado pela

hipocrisia Besfi3urar a moeda tam,1m se refere ao valor

convencional das palavras e das e2presses de uso corrente !eja

como for# parece +ue Bi3enes não atacava os princ.pios da

moralidade popular mas as convençes# no +ue elas tinham de

hipcrita e de inconsistente Ele não suportava ver as mesmas re3ras

sendo invocadas ao mesmo tempo para proscrever e prescrever a

conduta imoralS e a pr*tica sancionando o +ue o preceito proi,ia

Curiosamente# estas atitudes d,ias e fin3idas# alvo dos C.nicos da

anti3Vidade# são precisamente as +ue definem o c.nico no sentido

moderno
64

LM  6 R6TO C5IC6

9undus vult decipi1 decipiatur er)o.

Besde o s1culo dezoito a cr.tica liter*ria ou de costumes#

primeiro# e o vul3o# depois# lançam mão da fi3ura e dos motivos

C.nicos# assim como de sua retrica# para de,ochar dos novos

valores +ue o Iluminismo introduzira na cultura O descaro em falar

so,re coisas relativas ao se2oS a conduta desaver3onhadaS o

tratamento sat.rico de assuntos s1rios ou um insultuoso sarcasmo ou#

ainda# uma 31lida indiferença aos valores universais# eram tidos

como decididamente C.nicos !o,retudo +uando se tratava de

criticar a cultura e elo3iar o retorno @ natureza e o afastamento da

civilização !empre +ue se invocasse o Cinismo# durante o !1culo

das <uzes# ele era confrontado com a razão# valor supremo do

Iluminismo O Cinismo era mostrado como o lado o,scuro da RazãoS

o fracasso do Iluminismo

A
 6t1 o s1culo dezenove o alemão dei2a cair em desuso a

palavra &ynismus e a su,stitui pela distinção entre Kynismus @+ue

desi3na e2clusivamente a filosofia de 6nt.stenes e Bi3enes e seus

sucessores cl*ssicos/ e Cynismus como o nome de uma atitude +ue

não reconhece nada como sa3rado e +ue insulta os valores#

sentimentos e o decoro provocativamente# com mordente sarcasmo


65

7C.nico9# com maiscula# denota o movimento iniciado na Wr1cia

anti3a# e 7c.nico9# com minscula# se refere a esta ltima acepção#

moderna

Com 5ietzsche# +ue não conhecia a diferença entre os termos#

se inicia a passa3em do Cinismo $Kynismus) para o cinismo

$Cynismus) E se inicia a partir do momento em +ue ousa contestar a

verdade como um valor em si   a verdade tida pelos filsofos como

um ,em supremo em toda evid0ncia Para ele# desejar a verdade

precisava de justificação# não era uma tend0ncia natural do esp.rito

+ue procura a luz E sua conclusão de +ue a vontade de verdade 1

antes de mais nada vontade de pot0ncia foi um verdadeiro escXndalo

Ele aprendeu com !chopenhauer o +uanto o sarcasmo e a

sorna podem ser prazerososS desco,riu o Cinismo como uma postura

al1m do ,em e o mal# como um jo3o do esp.rito livre O C.nico e2pe

a natureza do homem# co,erta pelo moralismo e a ver3onhaS por isso

1 mais honesto +ue o homem moral  7Cinismo 1 a nica forma na


&

+ual o homem comum che3a perto da honestidade9 'U

O neo-cinismo nietzschiano 1 o principal modelo da atualização

liter*ria e da espetacular recepção do Cinismo anti3o em tempos

recentes  6 &rítica da Oazão &ínica de Peter !loterdij" $%&'()# por


'%

e2emplo# foi o maior ,est-seller de um livro filosfico na 6lemanha


& 5ão disse 7o moralista9# por+ue este 1 um hipcrita $hipocrisia# do 3re3o hypokrisis#
desempenhar um papel teatral)
'U Al"m do :em e o 9al 
'% Creio +ue este oom editorial deve ser posto em correlação com outro# ainda mais recenteS o
dos livros esot1ricos de Paulo Coelho e Cia e os manuais de auto-ajudaS verdadeiros contra-
pontos do Cinismo anti3o
66

desde %&LN  am,1m a+ui podemos ver a diferença entre Cinismo e


'M

cinismo# usada como cr.tica do Iluminismo e da razão

O moderno cinismo 1 a falsa consci$ncia ilustrada : a


consci0ncia infeliz modernizada so,re a +ual o Iluminismo
tra,alhou tão em vão +uanto eficazmente Esta consci0ncia
aprendeu a lição do Iluminismo sem realiz*-la# sem poder realiz*-
la Em circunstXncias ao mesmo tempo confort*veis e miser*veis#
esta consci0ncia j* não 1 afetada por +ual+uer cr.tica da
ideolo3iaS sua falsidade est* refle2ivamente res3uardada '(

Entre a mentira /vontade perversa de ludi,riar o outro/ e o

erro /a e+uivocação mecXnica +ue não compromete a ,oa f1 do

sujeito/# a ideolo3ia aparece como um erro o,stinado# um desejo de

en3anar-se# um sonho consentido Encontramos no cap.tulo M( de %

&apital  a fundação dos alicerces tericos para uma cr.tica da

ideolo3ia Esta consiste em revelar a ilusão por tr*s da+uilo +ue

parece a realidade o,jetivaS mostrar +ue nada tem de o,jetivo e +ue 1

a interpretação sin3ular de uma classe ou de uma pessoa +ue passa

como verdade universal Por isso ?ar2 podia dizer# com Cristo# 7não

sa,em o +ue fazem9  5o caso de Cristo# se trata dos pecadores para


'L

os +uais solicita divino perdão 5o de ?ar2# dos prolet*rios# +ue

devem ser ilustrados acerca das determinaçes reais e os

verdadeiros pressupostos da ideolo3ia ,ur3uesa +ue sustentam como

prpria# assim como do seu real status  social# com o intuito de

dei2arem de estar sujeitos a esta ideolo3ia

'M Cf Gracht-Granham R# 7he modern reception of CYnicism9 in *he &ynics# op cit p ((
'( !loterdij" %&'&
'L Em % &apital D Die !issen das nicht1 aer sie tun es# 7não sa,em# mas estão a fazer9
67

O prprio conceito de ideolo3ia comporta uma sorte de

in3enuidade constitutivaD o desconhecimento dos pressupostos +ue

orientam nossas convicçesS a diver30ncia entre a realidade social e

nossa representação delaS em termos de ?ar2# nossa falsa

consci$ncia dela O tra,alhador pode acreditar na ficção do livre

mercado de tra,alho +ue faz parte do mito das li,erdades

democr*ticas ma cr.tica do mito dever* demonstrar +ue a crença

na livre escolha oculta +ue o oper*rio não pode dei2ar de optar sem

morrer de fomeS a sua 1 uma escolha forçada 6 finalidade da cr.tica

ideol3ica 1 pois dissolver a ideolo3ia criticadaS ela se pretende

performativa# não apenas informativa ou constatativa de um estado

de coisasS se trata menos de sa,er +ue de fazer

Ora# a razão c.nica apertaria em mais uma volta o parafuso da

concepção mar2ista de ideolo3ia O c.nico conhece muito ,em a

diferença entre a representação ideol3ica da realidade social e esta

ltima Por isso mesmo# por+ue disso se ,eneficia# insiste em manter

a mistificação 7!a,em perfeitamente o +ue fazem# mas ainda assim

continuam a fazer9 6 razão c.nica dei2ou de ser naPve# estamos

cientes do interesse particular por tr*s da universalidade ideol3ica#

mas achamos ,oas razes para continuar mantendo esta ltima 5ão

1 o prolet*rio# mas o prprio capitalista +ue aprendeu a lição de ?ar2

 6 leitura sintomal do te2to ideol3ico# confrontando-o com seus

pontos ce3os# +ue ele deve recalcar para or3anizar-se e preservar


68

sua consist0ncia# ser* ineficaz por+ue a razão c.nica inclui esta

leitura por antecipação  6inda no assunto li,erdade do tra,alho# 1


'N

,vio +ue teria sido intil fazer a cr.tica ideol3ica do lema escrito @s

portas de 6usch\itzD  Areit 9acht 0rei  !er* +ue al3u1m dei2ava de

sa,er +ue esse alto princ.pio# 7o tra,alho li,era9# não se aplicava aos

prisioneiros do campo de concentração8 C.nico 1 pois um discurso

+ue usa a verdade $o lema 1 verdadeiro) como uma cortina de

fumaça# para melhor ocultar o sentido contr*rio dos atos do a3ente

desse discurso $no caso# a finalidade do campo de e2term.nio) O

cinismo 1 a ant.tese de seu prprio idealismoD ao mesmo tempo

ideolo3ia e m*scara com +ue esta se disfarça ?enos

dramaticamente# denominamos c.nico @+uele sujeito +ue se

reconhece capitalista no ,olso e socialista no coração 5ietzsche# +ue

se inspirara nos anti3os C.nicos# inventou um modo novo de dizer a

verdade +ue# contra ele# deu ori3em ao tratamento funcional  da

verdade# prprio dos c.nicos modernosD servir-se dela para mentir

melhor

?isto de altivez e ,ai2eza# de ,om senso e desatino


 Biderot# 5e Jeveu de Oameau

Para Biderot# o Cinismo de Bi3enes não apenas representava

um ideal moral e filosfico# como tam,1m uma possi,ilidade sat.rica e

,em humorada Possi,ilidade desenvolvida como nunca alhures em

'N Tize" !lavoj# %&&N


69

7O so,rinho de Rameau9 /denominada 7!*tira !e3unda9 por+ue

se3ue @ 7!*tira Primeira9# opsculo escrito em %N/ onde ele

coloca o pro,lema do desd1m e da vileza ! por isso 7O so,rinho de

Rameau9 1 o livro fundamental do cinismo moderno

O C.nico da anti3Vidade era o prottipo do desprezo nos dois

sentidos do termo# ativo e passivo Era um 30nio em e2primir

desd1m#e# ao mesmo tempo# o para3ão de tudo +ue fosse

desprez.vel 7Ele era especialmente forte +uando se tratava de

e2primir seu desprezo por outros9# lemos so,re Bi3enes $B< DML)

O so,rinho mostra um ethos do desprez.vel# se podemos dizer assim

>ive sua e2ist0ncia vil consciente# a,erta e ativamente Eclipsado

pelo seu tio# um famoso msico franc0s da 1poca# não aceita não ser

ele tam,1m um 30nio Ele 1 um não-30nio das artes# das letras e da

moralS nem mesmo no crime ele 1 3enial Entretanto# de certo modo#

ele pode aspirar a ser a pardia do 30nio e at1 um 30nio da pardia

/da pantomima Ele se 3a,a de ser en3enhoso pelo menos nesta

*reaD um desprez.vel 3enial

O cinismo do so,rinho constitui a ant.tese do moralismo

unilateral do ,om moço Cinismo era o necess*rio ant.doto para isso#

tanto +uanto para as tend0ncias sentimentalonas e lamurientas

 6trav1s dele o Iluminismo perce,e o pesadelo +ue mina seu otimismo

moral Este pesadelo consiste na revelação de +ue a pessoa

totalmente esclarecida pela razão# li,erada de todo preconceito# não


70

1 a encarnação do mais puro ideal de humanidade# mas um

desiludido# insens.vel e desprez.vel c.nico a la Rameau '

<ouva-se a virtude# mas dela se fo3e JK 6 virtude faz-se


respeitar# e o respeito 1 inc;modo 6 virtude faz-se admirar# e a
admiração não 1 divertida JK Felizmente não careço ser
hipcritaS j* h* tantos# de tantos matizes# sem contar a+ueles +ue
o são consi3o mesmos JK E o ami3o Rameau# se um dia se
metesse a desprezar a fortuna# as mulheres# a ,oa mesa# o lazer#
e se pusesse a catonizar# +ue seria8 m hipcrita : preciso +ue
Rameau seja o +ue 1D um patife feliz no meio de patifes
opulentos# e não um fanfarrão de virtudes ou mesmo um homem
virtuoso# roendo sua c;dea de pão# solit*rio ou na companhia de
mendi3os '

A
?arcus ei2eira cita  uma not.cia so,re uma escola de classe
''

m1diaalta de Gras.lia +ue perante a ,via caducidade pra3m*tica do

ditado se3undo o +ual o crime não compensa# decidiu convocar uma

reunião de pais para discutir a conveni0ncia ou não de educar as

crianças para o sucesso

Pouco importa se os diretores da escola se dispunham realmente


a se3uir tal opçãoD a simples colocação do dilema 7educar para
honesto e fracassado ou corrupto e ,em-sucedido9 seria
simplesmente impens*vel h* uma 3eração Hue mudanças /
culturais# pol.ticas# su,jetivas/ ocorreram nesse intervalo para
+ue aceitemos hoje em dia com naturalidade esse tipo de
discussão8 =s mudanças nos laços correspondem mudanças
su,jetivas8

Por +ue seria inaceit*vel esta discussão8 ma escola

,rasiliense contemporXnea h* de funcionar se3undo a lei de W1rson#

como o resto das instituiçes# começando com a fam.lia-tipo ! os

' einrich 5iehues-Pr,stin3# 7he modern reception of CYnicismD Bio3enes in the Enli3htenment9


in *he &ynics# op cit p(N(
' Biderot# 7O so,rinho de Rameau9 in %s ensadores# !PauloD 6,ril# %&'# p N
'' 7O espectador inocente9 in Wolden,er3# %&&
71

,rasileiros temos o privil13io de ter este princ.pio enunciado $por um

 jo3ador de fute,ol durante um comercial da >S anunciação +ue teria

sido do a3rado de um 6rtaud) muito em,ora ele possa ser passado

salva veritate  para +ual+uer sociedade tocada pelo esp.rito neo-

li,eral O enunciadoD levar6se6á vanta)em em tudo

Como toda lei +ue se preze# a de W1rson 1 universal $esta se

,aseia numa divisão da sociedade em duas classes# uma das quais

deve ser vaziaD os homens de sucesso e os outros)# o +ue nos leva a

pensar +ue# por l3ica# o malandro de hoje ser* o cretino de amanhã

e vice-versa Por+ue não e2iste esperto sem um tolo em virtude de

+uem o primeiro pode realizar-se como tal !e todos  fossem '&

malandros# como manda a lei de 7levar vanta3em em tudo9# +uem

so,raria para o papel de ot*rio8 6l3u1m precisa ,ancar o trou2a para

a lei poder ser cumprida /j* +ue a esperteza não 1 um predicado

+ue concerne ao ser# mas 1 relativa aos atos de um sujeito de levar

vanta3em so,re outro O +ue nos leva a concluir +ue +uem acredita

estar levando vanta3em em tudo# não se d* conta de +ue talvez

nesse momento esteja sendo passado para tr*s sem o sa,er !em

poder sa,erD a crença na sua malandra3em faz dele o melhor ot*rio

!tanisla\ Ponte Preta# com fina ironia# notou o parado2o

inerente @ corrupção 3eneralizada e lançou uma m*2imaD

`resta,eleça-se a moralidade ou então locupletemos-nos todos` >ale

'& Como tampouco h* corrupto sem corruptor# fato +ue passa so, sil0ncio em todas as denncias
por corrupção a +ue nos temos $mal) acostumado ultimamente
72

a pena o,servar +ue en+uanto o 7levar vanta3em em tudo9# de

W1rson# 1 c.nico# o `locupletemos-nos todos`# de Ponte Preta# 1

ir;nico Retenhamos esta diferença

O +ue poder.amos dizer so,re a se3unda +uestão +ue ei2eira

levanta# so,re as mudanças su,jetivas correlativas @ or3anização das

relaçes sociais pelo discurso do c.nico8 Em primeiro lu3ar# no +ue

tan3e @ verdade# o c.nico não se en3ana +uanto a Papai 5oelS nada

espera dele# nada h* de sacrificar-lhe e não precisa ser um menino

,em comportado o ano inteiro O lema de <ord Geaconsfield lhe vem

a calharD 75unca reclamar# nunca e2plicar9 >indo do campeão do

imperialismo ,ritXnico do s1culo _I_# não se pode dizer +ue se trate

de um conselho ineficaz Bisraeli sa,e +ue a verdade não tem fiador

fora da palavra de +uem a enuncia# e em virtude disso pode permitir-

se a3ir sem prestar contas a nin3u1m !a,e# tam,1m# +ue a fonte de

sua autoridade e a 3arantia de seu poder radicam na crença dos

outros em tal poder &U

Em se3undo lu3ar# precisamente por estar advertido so,re a

natureza ficcional do Outro# o sujeito não precisa crer em outra

realidade +ue não a de sua prpria satisfação 7!ou minha pulsão9#

diria o c.nico se pudesse $se tal identificação não fosse inconsciente)

5o +ue se revela distinto do perverso# +ue ,ota sua pulsão a serviço

do Outro ampouco est* interessado em teorizar o 3ozo# como o

&U Como vimos $supra# (%)# sem falar em ?a+uiavel# tam,1m Etienne <a Goetie sa,ia isso# e
desde o s1culo dezesseis
73

hist1rico Be +uem o c.nico se apro2ima 1 do canalha# +ue tam,1m

est* ciente de +ue o Outro não e2iste# a não ser como mira3em do

neurtico

 6 distXncia c1tica +ue o c.nico mant1m em relação @ ordem

sim,lica# em,ora lhe permita servir-se dela como meio de

manipulação dos outros# não o prote3e do retorno de sua prpria

crença inconsciente# por pouco +ue uma coincid0ncia da ficção com a

realidade faça dele o ,o,o en3anado na casca do ovo Octave

?annoni# num te2to j* can;nico # cita das 9emrias de Casanova $o


&%

+ue nos leva de volta ao s1culo das <uzes) o episdio ma3n.fico em

+ue durante a mistificação de tr0s cr1dulos /na +ual Casanova se

fin3ia de feiticeiro para tirar um sarro da superstição alheia/# uma

tempestade +ue estourou ,em na hora dos falsos rituais o dei2ou

paralisado de pavor O terror não se devia @ tempestade em si /ele

não era disso/# mas ao retorno de sua prpria credulidade

$recalcada) na ma3ia# +ue considerava crendice dos outros

anna 6rendt $%&&() reconta a anedota medieval so,re o

sentinela +ue deu um falso alarme para rir do susto dos camponeses#

e +ue foi o ltimo a correr para dentro dos muros da cidade# como

ilustração da sua tese de +ue não h* en3ano $ deception) sem auto-

en3ano $self6deception) Berrida# de +uem se pode dizer muita coisa

menos +ue não manja de teoria psicanal.tica# frisou durante uma

&% Octave ?annoni# %&'# 7Qe sais ,ien# mais +uand m0me9


74

confer0ncia em !ão Paulo  +ue mentir a si-mesmo não passa de uma


&M

+uimera 5ão se mente senão ao outro# ou a si prprio en+uanto

outro O mentiroso não pode dei2ar de sa,er +ue mente# certo# mas

não necessariamente sa,e tudo so,re a+uilo +ue cr0# como

aca,amos de demonstrar

Incidentalmente# este descr1dito da verdade permite refletir

so,re a espera da opinião p,lica de +ue tudo# como sempre# termine

em pizza 6 chave est* no 7como sempre9# +ue afirma menos a falta

de f1 nas instituiçes +ue a esperança de +ue tudo termine em pizza

mesmoS para poder-se continuar a fruir# por procuração# da

trans3ressão dos envolvidos 6s mui criticadas e não menos

invejadas 7elites9 desi3nam# na ,oca do povo# os chosen fe! +ue

podem estar @ mar3em da lei impunemente Em suma# o eleitor

deseja antes de mais nada poder continuar acreditando no sucesso

$pessoal) de seus representantesS +ue nunca o representam tão ,em

como +uando rou,am para si prprios em nome do ,em comum Por

isso 1 uma ce3a estrat13ia denunci*-los para evitar sua reeleiçãoS

por+ue# para começar# 1 precisamente por terem demonstrado +ue 1

poss.vel livrar-se do peso da lei paterna impunemente# sem culpa#

+ue são votados

A
&M Berrida# %&&
75

Pelo +ue sa,emos dele# 1 poss.vel conjecturar +ue o Cão fosse

um hist1rico avant la lettre# cujo carisma fez escola e# como era de se

esperar# 3erou uma le3ião de imitadores# +ue durou mais de mil anos

/o +ue não est* nada mal# se comparado com a vida m1dia de

nossas estrelas atuais Podemos chamar 7cãonismo9 o movimento

criado pelo seu estilo de interpelação do 6mo da cidade

5ão h* nada em comum entre o discurso de Bi3enes# +ue

depende do discurso dominante para e2istir como tal# e o moderno

discurso do c.nico# fechado em si prprio# +ue não responde a

nenhum outro e não depende do desejo de nin3u1m En+uanto o

primeiro floresce numa sociedade aristocr*tica escrava3ista# o ltimo

1 relativo @s relaçes capitalistas de produção e ao Estado

democr*tico !e o primeiro revela a incid0ncia do desejo de um s

so,re os si3nificantes-mestre $nomos) de todos# o se3undo se

caracteriza precisamente por neutralizar a incid0ncia do desejo dos

+ue entram em seu aparato 5em por serem a3entes deste discurso#

nossos inspirados malandros re3idos pela lei de W1rson# são mais

livres +ue suas v.timas# os ot*rios $cujo lu3ar# como vimos# estão

sempre aptos a ocupar)


76

L( <OCP<EE?O-5O! OBO!

O ,rasil# numa velha cr;nica de Fernando !a,ino# 1 o pa.s onde


h* leis +ue pe3am e leis +ue não pe3am 6tualmente# a nação
ampliou essa capacidadeD h* escXndalos +ue pe3am e outros +ue
não pe3am O prprio Collor3ate foi um escXndalo +ue caiu so,
medida para a classe pol.tica e o empresariado +ue estavam
descontentes com o presidente +ue eles haviam colocado no
poder

 6ssim escreve Carlos eitor ConY  E <u.s 5assif  D


&( &L

5a relação dos v.cios p,licos# não h* nenhuma diferença


su,stantiva entre todos eles $os denunciadores vociferantes em
nome da 1tica na pol.tica) e Collor 6 escala era maior por+ue
Collor tinha a Presid0ncia da Rep,lica E a ação menos discreta#
por+ue o presidente dei2ou-se cercar por um ,ando de amadores
deslum,rados Por isso# a cada dia +ue passa# mais acredito em
dois fatos PrimeiroD em relação @ e2ploração dos favores do
Estado# são todos farinha do mesmo saco !e3undoD o +ue
derru,ou Collor foram suas +ualidades Os v.cios foram apenas o
*li,i para impedir mudanças# não para implantar a virtude p,lica

m e2-funcion*rio de um dos ltimos 3overnos militares me

relatava a emp*fia com +ue sua filha o chamou de fracassado por ter

sido o nico dentre seus cole3as em não sair do poder de mãos

cheias Ele não encontrou palavras para responder 6inda as procura

 6 revolta da filha pela escolha do pai# de não aproveitar a

função p,lica para seus interesses privados# mostra +ue ela entende

esta opção como ini,ição ma fra+ueza moral Em suma# uma

covardia m a,ismo se a,re na 1tica so, nossos p1s# cuja verti3em

não deveria o,scurecer-nos a crueza da revelaçãoD entre pai e filha

&( 0olha de Dão aulo# M%%M&L


&L 0olha de Dão aulo# %&%M&L
77

não h* um mal-entendido apenas# h* duas realidades diferentesS a da

filha est* or3anizada pelo discurso +ue denomino 7do c.nico9 Resta

sa,er se se justifica# e at1 +ue ponto# elevar o status do cinismo

contemporXneo a uma discursividade

A
 6 data de infle2ão do cinismo moderno seria %&%L# efeito da

desa3re3ação da civilização ,ur3uesa ocasionada pela 3rande

3uerra 6o menos# 1 a conjectura de !loterdij"# +ue não vejo por +ue

não aceitar sem mais = sua caracterização /um idealismo +ue

passa como ant.tese de si prprio $uma ideolo3ia disfarçada de anti-

ideolo3ia)/ temos acrescentado duas notas# +ue parece oportuno

discutir a3ora em conjunto 6 destituição do ideal# e a dominXncia do

o,jeto Q* nos referimos @ primeira ao discutir a falsa consci0ncia

7esclarecida9 Biscutimos a se3unda +uando ar3umentamos so,re o

consumismo +ue consome o consumidor

<e;ncio ?artins Rodri3ues escreve o se3uinte so,re `nossas

elites`D

!upem-se +ue sejam principalmente os empres*rios e os ricos#


talvez os militares O,viamente# das `nossas elites` estão
e2clu.dos os mem,ros de al3uma elite +ue denunciam as outras
elites e +ue# pela m*3ica da retrica# ficam livres de culpa e
responsa,ilidade &N

&N 0olha de Dão aulo# MU%M&L


78

 6 +uestão da denncia da corrupção alheia ser* retomada

depois# a3ora desejo me deter em `nossas elites` m dos

ensinamentos +ue podemos tirar da pandemia de crises ocasionada

pela mi3ração dos treze trilhes de dlares-andorinha 1 +ue o lucro

não se ori3ina mais s na esfera da circulação de mercadorias O

capital financeiro est* relacionado de modo indireto com as fontes de

tra,alho e suas vicissitudes Os de,ates ori3inados no Grasil durante

a CPI +ue sepultou o 3overno Collor mostrou @s claras a ori3em do

lucro +ue interessaD o desvio dos fundos e2istentes por mãos h*,eis

5ão 1 mera casu.stica# estes eventos acontecem no +uadro de uma

discursividade não mais fundada no recal+ue do si3nificante de um

3ozo imposs.vel# mas +ue o postula como poss.vel para al3uns 6

?ãe sonhada dei2ou de estar interditada# apenas virou um ,em de

troca E a realização do incesto 1 apenas uma +uestão de poder

financi*-lo

7Ele +uer o telefone dela Ela s +uer o dinheiro dele9# lia-se no

espaço dos classificados do jornalS no mesmo tom realista dos

cavalheiros +ue preferem as louras# +ue preferem seus diamantes

$sempre ?arYlin) 5ada est* interditado +uando tudo se intercam,ia

Ora# a cate3oria determinante de uma su,jetividade or3anizada

nestas coordenadas j* não seria o desejo# mas a inveja $o +ue talvez


79

devesse levar-nos a reler al3umas teses de ?elanie 4lein com outros

olhos)

O discurso do c.nico a3encia relaçes entre privadores e

privadosS os +ue t0m os meios de satisfazer-se e os +ue não E de

novo somos levados em direção a `nossas elites` Os +ue nos privam

do +uinhão de 3ozo a +ue ter.amos direito# não fosse pela sua

predação 6s tais elites não t0m nome# podem ser todos e nin3u1m

E suspeito +ue a irmandade dos despossu.dos em sua mis1ria 1 l*,il

e passa3eira# por+ue a inveja costuma ser desmentida $nenhum ideal

se alimenta com ela) 5ão espanta portanto a proliferação de

relaçes paranicas entre cole3as e vizinhos Rou,ar 1 apenas

reaver o +ue meu irmão tirou de mim# e cuja posse direito nenhum me

reconheceria $a lei tam,1m e2iste para a conveni0ncia de `nossas

elites`) 5o fundo# falamos de um universo onde cada um est* por si

e Beus Ora# +ual 1 o lu3ar de Beus# nesta estrutura em +ue não

mais se interpela o mestre# como na histeria# ne3ocia-se com ele uma

percenta3em do +ue deve retornar-lhe na pr2ima volta do mercado8

Qurandir Freire Costa fez# num arti3o jornal.stico# um apelo

1tico @ pol.tica# no ponto em +ue ela 1 c.nica por sua relação @

economia de mercado
80

5as democracias parlamentares ocidentais# a economia devorou


a vida social e d* o 3olpe de misericrdia na vida pol.tica JK 6
atividade econ;mica não se auto-re3ula eticamenteS tem de ser
re3ulada pela 1tica pol.tica !e su,ordinamos os valores aos
interesses# temos como conse+V0ncia o cinismo# a viol0ncia# o
vandalismo e a destruição de +ual+uer ordem social
democr*tica &

Concordo 6penas não acredito# como Freire Costa# +ue a

su,ordinação do desejo @ demanda /dos valores aos interesses/

seja o erro de uma falsa consci0ncia# +ue uma cr.tica esclarecedora

pudesse corri3ir 5ão se trata do cristal ideol3ico deformando a

realidade# mas de uma nova realidade sustentada pelo discurso do

c.nico

Por tratar-se da manifestação desta estrutura de enunciação

veiculada pela m.dia# não me parece interessante censurar o

`3ersonismo` em nome de uma moral +ual+uer# racional ou não O

pro,lema da lei de W1rson 1 condenar-nos a ficar reduzidos a nossos

respectivos e)os# sem +ual+uer outra determinação Eu# e eu apenas#

posso levar vanta3em em tudo Entende-seD @s custas de al3um outro

eu ! nos resta# como preconizava a+uela escola ,rasiliense citada

por ei2eira # reconhecer nossa condição de mercadoria a aprender a


&

ne3ociar e mesmo a vender caro o Eu

A
Be +ue lado estão nossas lealdades8 !omos a3entes do
estado e das instituiçes8 63entes da ilustração8 Ou# +uem
sa,e# do capital monopolista8 Ou a3entes do prprio interesse
vital +ue# secretamente# cooperamos com o estado# as
& 0olha de Dão aulo# %N%U&L
& Dupra p N
81

instituiçes# a ilustração# a antiilustração# o capital monopolista#


o socialismo# etc# em amarraçes duplas +ue mudam
continuamente# e +ue depois disso tudo es+uecemos o +ue
`ns mesmos` t.nhamos +ue procurar na+uela empreitada8
!loterdij" #%&'(

O preso nmero LUU'-U'( da penitenci*ria de 6llen\ood#

PensilvXnia# est* ali por ter vendido @ 4WG tudo o +ue sa,ia en+uanto

funcion*rio do primeiro escalão da CI6 6t1 o nome das fontes

americanas infiltradas nos serviços sovi1ticos Em conse+V0ncia# dez

delas foram e2ecutadas 5ão pretendo ocupar-me a+ui com a

persona3em ou com os crimes +ue se lhe imputam# mas com o teor

da entrevista +ue deu @ revista *ime &'

Procurando o lado 7humano9 da reporta3em# j* +ue sa,e

estarem-lhe vedados outros caminhos# o jornalista in+uere pelos

sentimentos do condenado em relação @ sua pena $cadeia perp1tua)

O,t1m a resposta +ue mereceD 7O sr sa,e# as sentenças são

pol.ticas nesses casos >eja o caso dos Rosen,er3 6 meu ver eram

culpados ?as ser* +ue mereciam ser e2ecutados por isso8

Provavelmente não9

5ada o,tendo do lado do casti3o# o reprter se volta para o

lado do crime ?otivos !eus esforços são recompensados pela

entre3a de um dos sete pecados capitais# a co,iça 5ão sem um

sa,oroso adendo 7O senhor não co3itou outras soluçes para

resolver seus pro,lemas financeiros89 RespostaD 7!im# rou,ar um

&' Reporta3em de 6ldrich 6mes para *ime# nov %U# %&&N E reporta3em p >incent Qauvet do 5e
Jouvel %servateur # reproduzida em MU(&N na 0olha de Dão aulo.
82

,anco# por e2emplo Eu tinha muitas id1ias muito confusas# escolhi

a+uela +ue me pareceu mais f*cil9

 6penas uma resposta parece tocar uma nota discordante nesta

reporta3em marcada pela previsi,ilidade do monstro +ue conta todos

os detalhes srdidos @ opinião p,licaD 7Por +ue eu me atirei no

a,ismo8 5ove anos depois# ainda não sei e2atamente por +u09

5ão 1 de hoje +ue e2istem traidores# mas a traição conce,ida

como um of.cio sim 1 recente 6 espiona3em se li,erta

definitivamente da servidão a uma `causa no,re`# para passar a ser

uma instituição `o,jetiva` do poder /como a pol.cia ou o e21rcito/#

seja +ual for a ideolo3ia +ue sustenta o re3ime de plantão# depois do

tratado de alta

5a cr;nica definitiva da Wuerra Fria não faltar*# se3uramente# o

nome de Ian Flemin3 O 30nero do +ual ele 1 um dos fundadores est*

es3otado# por falta de inimi3o Wor,atchev 1 respons*vel# de certo

modo# pela aposentadoria de Qames Gond 5unca refletimos o

suficiente so,re a instituição das a30ncias de espiona3em Elas

empre3am ou criam traidores $ou patriotas# o +ue no fundo d* no

mesmo# por+ue se trata de indiv.duos cujas açes encontram-se

 justificadas a priori# pela su,missão a um traço ideal +ue os isenta de

+ual+uer responsa,ilidade desejante)# assim como outras 3erenciam

modelos ou arrumadeiras !ão instituiçes do Estado e en+uanto tais


83

s e2istem por o,ra de um discurso rair dei2ou de ser uma decisão

contin3ente e conjuntural# para se tornar uma necessidade imposta

pelo discurso +ue faz dela of.cio

Em &# entrei por acaso numa palestra em andamento so,re

1tica e pol.tica# ministrada por um filsofo de Hue,ec cujo nome não

3uardei Com certa inspiração ma+uiavelista ele dizia o contr*rio do

+ue pensa Freire Costa# +ue a 1tica nada tem a ver com a pol.tica 6

mentira# por e2emplo# seria uma das ferramentas do pol.tico# e

espera-se dele +ue sai,a us*-la direito# isto 1# +ue minta ,em

Em,ora# a princ.pio# a fi3ura do homem da CI6 pareça sa.da de

um romance de Wraham Wreene# na trucul0ncia de sua atitude não

e2iste rasto do ine3*vel humanismo dos traidores de Wreene ou de

 6ndr1 ?alrau2 Em romances como % 0ator 4umano ou  A condição

humana# o 3esto traidor vem sempre acompanhado de um dilema e

de uma an3stia +ue não disfarça o sofrimento de +uem trai $seu

casamento# sua p*tria# sua f1 reli3iosa# a amizade# a fam.lia)

Imoral# fascinante e# so,retudo# impune# o RipleY de Patr.cia

i3hsmith est* mais perto de al3u1m como 6mes +ue de

Ras"olni"off Entretanto# se os leitores ficam divididos entre a

repu3nXncia e o fasc.nio diante dos crimes de RipleY# o sentimento

reservado ao a3ente duplo 1 do mais vivo repdio Por +ue8


84

 6 desarmonia mesma or+uestrada por esta reporta3em j* 1 um

começo de resposta ?ani+ue.sta# a opinião p,lica a,re com a voz

do reprter cantando o tema do confronto entre o Gem e o ?al O

deposit*rio infiel de valores ine3oci*veis# entretanto# não dei2a ouvir o

lamento do traidor arrependido mas a r1cita pra3m*tica do detentor

de uma mercadoria perec.vel# a informação privile3iada# +ue precisa

ser desencalhada antes de se tornar intil O reprter pede conflitos

moraisS o entrevistado entre3a pro,lemas dom1sticos $precisava

pa3ar a pensão da e2-mulher) 6 codaD a ironia reveladora do cinismo

da reporta3emD 7J!empre farei a mim mesmo essaK per3unta

teol3icaD por +ue vendi minha alma ao dia,o89

O a3ente jo3a o jo3o do jornalista# como antes jo3ara o dos

espies 5ão fala de seu ato em nenhum momento# a não ser talvez

+uando confessa não ter a menor id1ia do motivo pelo +ual fez o +ue

fez /ele chama isso 7pular no a,ismo9  # mostrando o eclipse do Eu

+ue acompanha todo ato di3no desse nomeD o a3ente s vem a sa,er

o +ue fez depois de t0-lo feito Este especialmente consiste em

su,verter a determinação rece,ida do discurso dominante como

funcion*rio da CI6

Com efeito# ele teria podido res3uardar sua consci0ncia moral

da mentira e do en3ano intencionais# ale3ando servir uma causa

superior @ +ue amarrava sua f1 jurada Causa +ue su,ordina todas as

outras $o amor# a amizade) como valores em si 6,andonar este


85

3uarda-chuva moral sem a,ri3ar-se so, outro ideal alternativo 1 o ato

pelo +ual 1 condenado Huando resolve trair os traidores# 6mes

desmonta a ficção +ue le3itima as açes da CI6# e não permite a

mais nin3u1m continuar acreditando nos interesses americanos como

valores em si 6mes /e 1 nisso +ue me interessa/ conju3a o ver,o

`trair` de modo intransitivo !em +ue ele o tenha premeditado#

todavia# seu ato revela a verdade do discurso a +ue servia at1 entãoD

a mentira 6 verdade 1 a mentira

A
O mentiroso chama o mentiroso de mentiroso
 !loterdij" $%&'()

Hue a realidade seja um dos 30neros da ficção 1 a verdade

recalcada em +ual+uer discurso Ou melhor# não h* como sa,er +ue

realidade e fantasia são indiscern.veis para cada um de ns Entendo

+ue esta e2clusão 1 a condição de estrutura para se poder acreditar

nos valores# como +uer Freire Costa

Q* esta discursividade teratol3ica +ue denomino c.nica não

,arra nada <i,era os portes e torna sup1rflua a crença# mostrando

+ue nossos v.nculos mais prezados são pura en3anação 5ão este

ou a+uele v.nculo# mas todo e +ual+uer relacionamento 1 uma farsa

consentida O professor fin3e +ue ensinaS o aluno# +ue aprendeS o


86

pai# +ue mandaS o filho# +ue o,edece 5ada temos a esperar do lado

do mestre# e parece melhor calcular o jo3o no plano do cole3a

!a,er +ue todo discurso não passa de convenção# entretanto#

não faz do c.nico um canalha 6 fraude começa +uando passa a tirar

proveito da credulidade neurticaS +uando cede @ tentação de

manipular o outro  A canalhice " uma patolo)ia do ato Relativa ao

discurso do c.nico# sim# mas não se confunde necessariamente com o

cinismo em si

 6ssim como na sa.da dos tneis do Rio e2istem placas

lem,rando os motoristas de desli3ar as luzes +ue acenderam

en+uanto atravessavam o morro $7<uzes# es+ueceu89)# pelas

estradas ,rasileiras prolifera uma placa com uma curiosa e2ortaçãoD

76credite na sinalização9 Por um lado 1 uma modulação paternal da

retrica do senhor +ue# em vez de ordenar pura e simplesmente#

e2plica +ue suas diretrizes são para nosso ,em ?as tam,1m se trata

do reconhecimento oficial# +uase uma confissão# do +ue todo mundo

pensa so,re seus 3overnantes e seus pol.ticos

 6 emp*fia irremedi*vel de al3uns homens p,licos se

manifesta na fre+V0ncia com +ue optam pelo estrata3ema de

confessar a verdade para melhor ocult*-la ma recente $%&&')

campanha para 3overnador apostou em usar a $m*) fama do

candidato /7rou,a# mas faz9/ como lema para sua candidatura


87

5ão se tratava# decerto# de uma confissão p,lica ou de um ato de

contrição cristão# mas dos mar+ueteiros reconhecendo a circulação a

,oca pe+uena de um traço pelo +ual o pol.tico en+uanto e2ecrado em

p,lico 1 admirado em secreto O c*lculo em jo3o 1 mais ou menos o

se3uinteD todos rou,am# este pelo menos dei2ar* feitas al3umas

estradas# pontes e tneis $ou# então# toda palavra oficial 1 mentirosa#

ns pelo menos temos a honestidade de diz0-lo na cara# etc)

Constatar isso no universo do pol.tico# foi-me dito# 1 covardia

O +ue acontece se nos voltarmos# por e2emplo# ao universo das

,elas artes8 5uma 3aleria de !ão Paulo# depois do vernissa)e de

uma e2posição de provocativo t.tulo# al3u1m escrevera no caderno

para coment*riosD 7>oc0 1 a maior cara-de-pau e adoro9 m

incidente relacionado com esta mostra# denominada % corpo do

delito# d* mais uma volta de parafuso na+uela resenha cr.tica Os

detalhes me escapam# d*-se# por1m# +ue o radialista e deputado

 6fan*sio Qazadji /oportuno 3uardião da moral# dos ,ons costumes e

da pena de morte/ prop;s uma ação contra a artista por rou,o#

falsidade ideol3ica# incitação ao crime ou +ual+uer coisa do estilo

 6s peças e2postas ali eram talheres# 3uardanapos#

travesseiros# ,andejas# e outros o,jetos retirados dos avies de

passa3eiros# montados em diferentes arranjos avia# por e2emplo#

uma dzia de sa+uinhos para v;mito $sem usar# infelizmente)

pendurados atrav1s de um fio# como ,andeirinhas de festa junina


88

Cada coisa tinha seu preçoS muitas delas ostentavam a tarja de

7vendida9

 6 artista se defendeu da invectiva ale3ando +ue as aeromoças

deram-lhe a+uelas coisas todas $ao +ue o censor retor+uiu +ue as

funcionarias não podiam dar o +ue não lhes pertencia# pois era

propriedade da empresa a1rea) ?ais tarde# por1m# a defesa lançou

mão de ar3umentos mais ela,orados# como a li,erdade de criação e

os ready6mades O zelo comovente do representante do povo pelo

patrim;nio das companhias a1reas foi recompensado com al3uma

pu,licidade para seu nome e o r*pido ar+uivamento de um processo

com o +ual nin3u1m estava seriamente interessado Em todo caso#

mesmo aps o fracasso da cruzada moralizadora poderia o tri,uno ter

dito# como outro censor# este# romano# a propsito de um mal poeta

acusado de traiçãoD 71 inocente8 então matem-no pelos versos +ue

escreveZ9

Como nada disso foi proferido# nunca sa,eremos o +ue se

poderia opor a estas o,ras a t.tulo de ar3umento est1tico !o,ra

apenas a fr*3il comparação com o 3esto de Buchamp# como se não

houvesse entre am,os sessenta anos passados e um a,ismo

cultural Em todo caso# não sendo de est1tica +ue a+ui se trata# o +ue

a artista dei2ou de dizer pode ser de tanto interesse +uanto o omitido

pelo seu censor# a sa,er# +ue o fato de terem sido ad+uiridos pelos
89

compradores ,astava para elevar os utens.lios furtados @ cate3oria

de arte

Cumpre o,servar +ue tanto o coment*rio no caderno de

presença +uanto o incidente com o paladino da verdade fazem parte

da ora mesma.  5ão lhe são e2teriores# como o escXndalo em

relação a Oscar [ilde# C1line ou Flau,ert Resta per3untar se as

o,ras são maiores ou menores +ue seus efeitos colaterais $no caso

do cinismo# limitam-se a estes efeitos) Perduram depois do

escXndalo ou se esfumam com ele8

 6 literatura não est* menos e2posta a cair em tentação +ue as

artes pl*sticas >ejamos# senão# um romance +ue nos 1 proposto#

sem +ual+uer escXndalo# e com plena aceitação do p,lico Romance

cujo t.tulo não 1 menos insti3ante +ue o da e2posição +ue aca,amos

de comentar# e como o dela não dei2a de denunciar o discurso a +ue

pertence +lo)io da mentira se chama# e sua forma 1 certeira não


&&

apenas em elo3iar a mendacidade# mas em mentir Falo# com efeito#

de um livro +ue mente

ransvestido de pardia de thriller /a trama 1 uma mistura

escrachada de Houl" ,ndemnity # de Qames Cain# com  A >rande

 Arte# de Ru,em Fonseca/# aproveita para satirizar a literatura

menorD as novelas de ,anca de jornal# os livros de auto-ajuda e de

esoterismoD files editoriais mais ou menos impudentes# como se

escarnecer dos outros ,astasse para ficar livre de suspeita so,re a


&& +lo)io da mentira# Patr.cia ?elo# !ão PauloD Companhia das letras# %&&'
90

prpria ,astardia 6ssim# no suplot # um editor rece,e de um escritor

as sinopses para os est6sellers so, encomenda +ue pu,lica 6prova

al3umas# recusa outras# mas não reconhece nenhuma delas pelo +ue

sãoD resumos de o,ras de Pe# Chesterton# Camus# Bostoievs"i#

i3hsmith# 63atha Christie# Tola# !ha"espeare# entre outros

O alvo da ironia não 1 o leitor# contudo ?esmo se não matar

as charadas ocultas nas sinopses# por nunca ter lido &rime e &asti)o

ou % +stran)eiro# ainda assim# poder* rir do tolo do editor# +ue fatura

com livros mas pouco se importa com a literatura ?ais adiante

rece,er* dicas neste sentido Por+ue não se supe +ue ele seja

como o editor fict.cio# mas como a prpria autoraD intelectual#

moderno# informado e de interesses suficientemente amplos para

apreciar os cl*ssicos sem torcer o nariz para um ,om policial *

ep.3rafes eruditas no começo dos cap.tulos indicando nesta direçãoS

,alizas so,re a maneira como a autora espera ser vista al +ual o

t.tulo# oficiam de metalin3ua3em para não confundir os diferentes

n.veis de leitura e determinar o alcance da s*tira

odavia# ser* +ue o livro +ue lemos /seja na forma ou no

contedo/ se interessa pela literatura8 Este ponto 1 pro,lem*tico

por+uanto convida ao tru.smo da aus0ncia de escritura so,re 3ostos

Com prud0ncia# di3amos +ue estamos perante um fake +ue se fin3e

de fake1 para fazer-nos acreditar +ue temos um ori3inal entre mãos


91

?ente falando a pura verdade rata-se# portanto# de um livro

perfeitamente en3ajado no esp.rito dos tempos %UU

m arti3o de Renato Qanine Ri,eiro # comentando um %U%

escXndalo palaciano no primeiro escalão do 3overno# resulta muito

esclarecedor Ele compara um tema caro ao presidente da rep,lica#

Fernando enri+ue Cardoso# a 1tica da responsa,ilidade# a uma

moral a,strata ,aseada em princ.pios

O presidente costuma recorrer a ?a2 [e,er para dizer +ue a


1tica do pol.tico não pode ser a mesma do cientista Este ltimo
pode adotar uma 71tica de princ.pios9# medindo seus atos por
valores +uase puros $como o compromisso com a ci0ncia)# a
salvo de toda ne3ociação +ue pareça srdida JK O pol.tico ser*
 jul3ado por seus resultados# não por seus princ.pios 6ssim
nin3u1m ter* pena dele se fracassar JK !e adoto a 1tica dos
princ.pios# a derrota não importa muito 6t1 fortalece a alma#
asse3ura minha di3nidade pessoal ?as# +uando si3o uma 1tica
7de resultados9# tenho de vencerS perdendo# não posso pedir
compreensão

 6dotar uma 1tica pra3m*tica não me parece c.nico C.nico 1

invocar# como foi feito no caso discutido# a 1tica de princ.pios como

ar3umento e2culpatrio +uando a outra# de responsa,ilidade# d* em

fracasso 5o +uadro da luta pol.tica# a oposição ao 3overno se

concentrou na 1tica dos princ.pios $para lançar suspeitas so,re o

7car*ter9 do funcion*rio)#

%UU 5ão h* de ser desmerecedor para Patr.cia ?elo ou Qac <eirner afirmar +ue estes tra,alhos +ue
colocaram no mercado são produtos do discurso do c.nico rata-se apenas de reconhecer sua
ade+uação a um 30nero ori3inado por uma estrutura !ou alheio a outras o,ras destas artistas# e
nada me leva a supor +ue a pendente c.nica seja para elas forçada# irrevers.vel ou a nica
poss.vel
%U% 0olha de Dão aulo# caderno 7?aisZ9# %(%M&'
92

a +ual# se 1 ine3avelmente di3na no plano pessoal# pode ser


desastrosa na 3estão da coisa p,lica Por isso# nem a oposição#
uma vez no poder# poderia se3ui-la inte3ralmente 6os olhos de
muitos# a 1tica da responsa,ilidade aparece como uma
indec0ncia# o +ue ela não 1# e não como o +ue 1D uma 1tica
menos ciosa dos princ.pios# mas nem por isso leve de portar#
por+ue 1 implac*vel com +uem não conse3ue 3erar os efeitos
prometidos

Huem opta por atropelar os princ.pios 1ticos visando a

determinado fim# não pode# depois +ue +ue,ra a cara# refu3iar-se na

honestidade privada !em entrar no m1rito da discussão so,re os

meios e os fins# o insucesso permite +ualificar o pol.tico de 3estor

ineficiente# não necessariamente de desonesto !ua dec0ncia

privada# por1m# não faz dele um 3estor eficiente da coisa p,lica#

nem serve como justificativa pelo seu fracasso

Outro funcion*rio# de outro 3overno# 1 alvo do interesse da

m.dia escrita  !eus afazeres como torturador a serviço do Estado

terrorista# decorrente do 6I-N# são mat1ria jornal.stica rinta anos

depois e anistia mediante# o corajoso jornalismo investi3ativo da

revista Veja %UM


1 posto a serviço do e2i,icionismo de um o,scuro

militar# 7a3ente da repressão9 durante os 6nos de Chum,o am,1m

a+ui meu coment*rio est* centrado na entrevista em si# não nos fatos

nela e2postos

Per3unta / >i nos processos na justiça militar E#


pela +uantidade de presos +ue o citaram# o senhor 1 o
a3ente da repressão +ue mais praticou torturas :
verdade8

%UM  Entrevista do tenente $%&'%) ?arcelo Pai2ão de 6rajo para Veja 6no (%# noL&# & de
dezem,ro de %&&'
93

Resposta / !im odos os depoimentos de


presos +ue me acusam de tortura são verdadeiros

Per3unta /O senhor fez isso cumprindo ordens#


ou achava +ue deveria faz0-lo8

Resposta / Eu poderia ale3ar +uestes de


consci0ncia e não participar Fiz por+ue achava +ue era
necess*rio : evidente +ue eu cumpria ordens ?as aceitei
as ordens JK

Bepois# passa a e2plicar os diversos m1todos Entre eles# o

afo3amento
JK : como um caldo# como se faz na piscina Era
eficiente ?as eu não 3ostava 6chava +ue o risco era
muito alto 6fo3amento não era a minha praia $ risos) 6
3eladeira# uma cXmara fria em +ue se coloca o preso# não
funcionava em Gelo orizonte Era muito caro O +ue tinha
era o trivial caseiro O menu mineiro

O +ue tinha no menu mineiro8 Pau-de-araraS a lata $o torturado

de p1 numa lata)S a palmatriaS o telefone $corrente de ,ai2a

ampera3em e alta volta3em) 7Eu 3ostava muito de li3ar nas duas

pontas dos dedos JK O sujeito fica arrasado9

Per3unta / O senhor j* reencontrou al3uma


pessoa +ue torturou8

Resposta / !im Eventualmente eu encontro e2-


presos meus# inclusive os +ue apanharam E o
relacionamento não 1 muito ruim# não 5ão 1 a+uele
ne3cio de dar ,eijinhos e a,raços ?as 1 um
relacionamento de respeito * pouco tempo# a+ui em Gelo
orizonte# encontrei o <amartine !acramento Filho# +ue 1
professor em uma faculdade local !e3urei ele no om,ro e
disseD >oc0 não me conhece# não8b Ele levou um susto 6.
eu disseD >oc0 est* ,om8b Ele disse +ue sim e não +uis
mais conversa ?as tam,1m não passa ,atido# não $ risos)
5ão dei2o passar ,atido $s"rio)

JK >ou l*# coloco a mão no om,ro e di3oD 5ão me


es+ueci de voc0# não >oc0 lem,ra de mim8 Estamos a. 6
vida continua

JK ma das minhas meninas estuda direito na


PC * um ano# um d1,il mental falou para toda a sala
94

+ue o pai dela tinha sido do Bi-Codi# +ue torturava 3ente#


esse tipo de coisa

JK Eu nunca escondi as coisas 5unca disse a elas


+ue fui um santinho JK Elas ficaram um pouco chocadas
e disseramD Pai# j* sa,emos# mas a3ora p*rab 5ão
+ueriam mais detalhes

Per3unta / O senhor sofreu al3um tipo de crise


de consci0ncia em função da tortura8

Resposta / Isso sempre dei2a dramas na 3ente


: uma coisa pesada 5ão 1 ,om tratar um semelhante
dessa forma >oc0 não +uer aproveitar e comer um
,iscoitinho8 JK ?as não me arrependo de nada do +ue fiz

Per3unta / O senhor faria tudo outra vez8


Resposta / !e achasse +ue não havia outro
caminho para livrar o pa.s do comunismo# sim ?as# em
princ.pio# não Por+ue a tortura# ou# eufemisticamente# o
interro3atrio por meios violentos# +ue não precisa
necessariamente ser a porrada# causa um des3aste muito
3rande 5unca me ne3uei a torturar al3u1m# por1m s
fazia +uando havia necessidade ?as a ,rincadeirinha não
tem a menor 3raça# viu $risos)

Bisse +ue me interessava a entrevista em si O fato social do

7r3ão9 +ue se fin3e de isento e d* lu3ar ao de,oche do carrasco

se3uro de sua impunidade !eria um erro fascinar-se pela hipocrisia

do testemunho ou pela sordidez das cenas descritas O discurso do

c.nico 1 a entrevista mesma# não a desfaçatez do entrevistado $+ue#

na minha opinião# mereceria antes o es+uecimento# j* +ue não a

punição# +ue a notoriedade da manchete)

Per3unta /  Por +ue o senhor s resolveu dar


esse depoimento a3ora8

Resposta / Por+ue nin3u1m me havia


per3untado so,re isso antes
95

O cinismo consiste na prpria operação jornal.stica +ue se

torna instrumento da zom,aria das v.timas pol.ticas   a3ora e sempre

em posição de 3aiatosD mudas +uando suas vozes incomodavam o

re3ime da ditaduraS mudas# ainda# +uando suas vozes não

interessam o mercado editorial 6 discursividade c.nica não 1 a fala

de um ou de outro# mas o conluio entre a dita opinião p,lica e o

r3ão +ue a representa# supostamente Este 1 o serviço +ue a revista

presta @ sociedade civilD lem,r*-la de sua impot0ncia 6ntes e a3ora

>ale a pena# contudo# ocupar-se da leveza com +ue o

perpetrador se permite contar os fatos mais srdidos <eveza +ue não

seria poss.vel se a narração acontecesse em outro re3ime discursivo

Esta posição narrativa# +ue poder.amos denominar 7celestial9# por+ue

se fala de cima# do ponto de vista dos anjos# permite descrever os

procedimentos dos tormentos infli3idos em civis com o,jetividade

t1cnica 6 cr;nica dos ,om,ardeios# denominados 7cirr3icos9#

durante a Wuerra do Wolfo adotou# talvez por força do discurso# este

estilo narrativo Faz parte deste ltimo oferecer um ,iscoitinho a seu

interlocutor durante a e2posiçãoS ou avizinhar-se a 7seus presos9 $sic)

nas ruas de Gelo orizonte para lem,r*-los de +ue ele $ainda e

sempre) est* a. 5a opinião de al3uns# para continuar mortificando

suas anti3as v.timas# a t.tulo pessoal# em tempos democr*ticosD

lem,rando-as de +uem tinha $e tem) a forçaS na de outros# por+ue se


96

trata da manifestação do esp.rito carnavalesco do homem ,rasileiro

udo   se+Vestro# fla3elo# estupro da mulher# rou,o   sem m*3oas

75ada pessoal9

O traço c.nico de estilo est* precisamente em falar como se se

estivesse enunciando desde um lu3ar neutro# an;nimo# sem +ual+uer

implicação pessoal 6 função de atormentar @s pessoas seria uma

ocupação como tantas outrasS mais a,orrecida# talvez# por1m sem

involucrar o funcion*rio em seu desejo Por isso# o 3racejo 7afo3ar

pessoas não 1 a minha praia9 não 1 ir;nico# mas c.nico $a ironia

supe uma identificação poss.vel entre os interlocutores de +ue o

cinismo prescinde) Os co+ueiros# as areias ,rancas e as *3uas

rumorejantes# evocatrios de um s.tio ,om para estar /em,ora o uso

ha,itual# ne3ativo# da e2pressão não oculte um certo racismo cordial

$v3r os 7,aianos9 de +uem +ueremos distXncia)  # desprovidos de

seu valor metafrico mediante sua literalização# evocativa do risco de

al3u1m se afo3ar numa praia# tem a função de fazer-nos es+uecer

+ue os pores da ditadura não eram precisamente um mar de rosas

$para diz0-lo com o clich0 +ue merece) Por isso# tam,1m# o cole3a

da filha +ue anunciara em p,lico a ocupação pre3ressa do pai

merece o +ualificativo de 7d1,il mental9# por+ue no seu  discurso a

verdade so,re a tortura# di3amos# não morre na praia

Huanto ao remorso# sempre evocado pelos princ.pios de uma

moral judeo-cristã# ele est* fora do jo3o Por +ue se arrependeria# se


97

o +ue est* em pauta não 1 seu ato# mas o resultado de não sei +uais

condiçes scio-politicas na d1cada de sessenta# ou# então# a

educação na fam.lia-tipo# ou o dever de um oficial do e21rcito8 Tize"#

falando dos skin6heads# o diz com ele3Xncia D $um ar3umento como


%U(

o de 6rajo) 71 uma mentira ainda +ue /ou antes# precisamente

en+uanto/ factualmente verdadeiroD suas asserçes são

desmentidas pela sua prpria posição de enunciação# pela postura

neutra# desen3ajada em +ue a v.tima conse3ue dizer a verdade

o,jetiva so,re si mesma9 O +ue est* em jo3o no discurso do c.nico

1 a revelação pura e simples de um mecanismo de manipulação

Revelação +ue em outras circunstXncias histricas produziria um

escXndalo senão uma su,versão e +ue hoje permite-se mostrar as

molas de seu funcionamento# sem afetar em nada sua eficácia 

LL E!Ck5B6<O!

Be fato# por +ue h* tão poucos escXndalos na era do cinismo8

Ou melhor /j* +ue a m.dia mal conse3ue dar vazão @ +uantidade de

denncias relativas a desmandos de toda .ndole/# por +ue nossos

escXndalos são tão pouco escandalosos8 Ou ainda $e pela ltima

vez)# por +ue tudo $+uase) sempre termina em pizza8

 6lain Bidier-[eill faz umas o,servaçes insti3antes acerca do

assunto durante uma confer0ncia de florido t.tuloD 7Ele sa,e +ue $eu

%U( !lavoj Tize"# %&&# p %&&


98

sei +ue $ele sa,e +ue $eu sei)))9 %UL


Para +ue se constitua um

escXndalo# como no caso de uma tempestade# devem somar-se

v*rios fatores concorrentes ?ais precisamente# dois eventos são

necess*rios 5o primeiro# acontece um vazamento /para a

imprensa# ponhamos/ deitando a p,lico a mentira de um alto

funcion*rio do Estado Podemos encolerizar-nos# espantar-nos ou

permanecer afetadamente imp*vidos# mas# seja +ual for nossa

resposta @ not.cia# ainda não se trata de um escXndalo Para tanto faz

falta um se3undo acontecimento +ue deve somar-se ao primeiroS

este# sim# resulta suficiente para desencadear a tempestade com

todas as conse+V0ncias Falo da confissão

Com sa3acidade# o conferencista nos remete @ declaração de

amor e ao 9anual dos ,nquisidores Conforme e2plica o reverendo

EYmerich $%()# o desassosse3o do in+uisidor não est* motivado

pela culpa do acusado# +ue ele conhece de antemão# mas pela sua

a+uiesc0ncia 6 missão do in+uisidor 1 7forçar o here3e a revelar os

erros# convertendo-os em verdade# para +ue o in+uisidor possa dizer

como o 6pstoloD omem astuto +ue sou# con+uistei-vos pela

fraudeb9  6ntes de proceder @ tortura# e lem,rando +ue nin3u1m est*


%UN

isento dela $omnes torqueri possunt )# o reli3ioso acha ,om lem,rar

+ue 7sua finalidade 1 menos provar um fato do +ue o,ri3ar o suspeito

%UL Bidier-[eill# %&''# p %L


%UN EYmerich# %&&(# p %M(
99

a confessar a culpa +ue cala9 E deve proceder-se de tal forma +ue o

acusado 7saia saud*vel# para ser li,erado ou para


pa ra ser e2ecutado9
%U

Huanto @ declaração amorosa# Bidier-[eill se arma com uma

peça de ?arivau2# para mostrar como# mesmo sa,endo por terceiros

+ue tem um pretendente apai2onado# +ue est* a par# por sua vez#

$3raças aos mesmos terceiros# ou a outros) do fato de a amada

conhecer seus desvelos amorosos# ainda assim# nada acontecer*

en+uanto o 3alã permanecer em sil0ncio !e não tomar f;le3o e

confessar de viva voz ou de prprio punho o que todo mundo sae

nada ser* consumado Enfim# como escreve o jesu.ta Francisco de la

Pe^a# num adendo ao manual de EYmerichD 7louvo o h*,ito de

torturar os acusados# principalmente nos dias atuais $%N')# em +ue

os infi1is se mostram mais c.nicos +ue nunca9 %U

5ão 1 necess*rio +ue se trate de um crime# como demonstra

+uem declara seu amor Confessar a verdade ser* sempre confessar

uma mentira# no m.nimo por+ue a demora em declarar-se escondia o

fato de haver uma confissão a fazerZ  Em todo caso# para +ue al3o
%U'

aconteça# isto 1# para +ue haja um escXndalo $ou um romance)# não

se trata de confir
nfirm
mar uma inf
informaçã
ação mas de reconhecer6se

devassado pelo
pelo sa,e
sa,err do outr
outro#
o# ness
nesse
e mome
moment
nto
o vivi
vivido
do como
como

a,soluto

%U ,id # p M%%


%U iidem.
%U' Bidier-[eil# op. cit.
100

Buas ami3as se despedem ma delas tem a intenção de

reiterar @ +ue fica a recomendação +ue lhe fizera# de pre3ar na porta#

antes de sair# um ,ilhete destinado ao namorado desta# de +uem 1

cole
cole3a
3a Entr
Entret
etant
anto#
o# em vez
vez de dize
dizerr 7não
7não es+u
es+uec
ece
e de dei2a
dei2arr o

recado9# dizD 7não es+uece de dei2ar o Ricardo9 Poderia ter sido um

3racejo /não era nenhum se3redo a sua admiração pelo namorado

da outra $isso j* se viu antes)/ por +ue# então# ela enru,esceu no

instante do lapso8 !e fosse chiste poderia ainda fin3ir al3um controle

de suas $piores) intençes# manter a pos$s)e do Eu Bo modo como

aconteceu# s lhe resta per3untarD 7 quem disse isso89 6 formação do

inconsciente irrompe @ sua revelia para mostr*-la# durante um *timo#

nua perante a ami3a# devassada# sem poder-lhe ocultar mais nada :

sua ver3onha# a mesma +ue nos faz relutar na hora de reconhecer

+ue +uem nos telefona nos surpreendeu dormindo# isto 1# indefesos#

e2postos# com a dentadura postiça no copo so,re o criado mudo#

di3amos

O filho de um casal divorciado pediu ao pai# +ue raramente o

visitava e cujo telefone desconhecia# +ue lhe permitisse inserir o

nmero na *rea secreta da a3enda eletr;nica da mãe# cuja senha de

acesso s ele# o filho# conheceria Era um voto de confiança +ue este

homem# en+uanto pai# não podia recusar $mas recusou)

Enfim# o +ue h* de escandaloso na assunção do mentiroso /

não
não da ment
mentir
ira#
a# mas
mas do fato
ato de ter
ter ment
mentid
ido
o/# 1 +ue
+ue ao ser
101

despojado de seu se3redo ele se torna transparente so, o olhar do

Outr
Outro
o $o  panopticon
 panopticon ima3inado por Gentham e +ue me fi2a desde

todas as partes# como Beus) Isso era o +ue este menino oferecia#

mais do +ue pedia# ao pai /al1m da presença de seu nome na mãe

/D um pouco de privacidade m lu3ar l* fora res3uardado de suas

vistas# opaco# onde poder esconder-se 5ão 1 pois suficiente afirmar

+ue o !enhor tudo sa,e e tudo v0# ainda 1 preciso +ue o pecador se

disponha a a,rir# como se diz# as janelas da alma# confessando-se

perante seu representante fora do :den

O cinismo# por sua vez# a,omina o escXndalo O c.nico dar*

tudo menos sua confissão E a impunidade ser* a re3ra apenas

en+uanto o imputado não se veja levado a reconhecer perante a

opinião p,lica o fato de ter al3o a esconder O +ue fez do 7caso

<e\ins"i9 um escXndalo não foram os ,ilhetes 3alantes# o vestido

insem
insemin
inad
ado
o ou o char
charut
uto
o $dec
$decer
erto
to## cu,a
cu,ano
no e ile3a
ile3alSlS +ues
+uesitito
o não

esclar
esclareci
ecido
do pelos
pelos .nte3ros
.nte3ros senado
senadores
res)#
)# impudi
impudico
co ,rin+ue
,rin+uedo
do nas

pudic.cias da esta3i*ria na Casa Granca ampouco foi o presidente

dos Estados nidos ter tra.do os votos dos eleitores e os outros

Escandaloso foi ele ter vindo a p,lico para reconhecer +ue mentira

Por+ue# conforme a lei do discurso do c.nico# o r1u confesso h* de

ser e2ecrado# como o estran3eiro +ue passou a ser# para coesão da

comunidade a3ora unida contra ele  E se for crucificado o ser* não


%U&

%U& Cf Wolden,er3# %&&'


102

por ter faltado com o princ.pio# di3amos# de veracidade# mas por ser

incapaz de continuar mentindo em seu nome


103

dormir no ponto

7: dando +ue se rece,e9


!ão Francisco de 6ssis
  $%%'M-%MM)

7: dando +ue se rece,e9


Ro,erto Cardoso 6lves# deputado# P?BG-!P
  $%&M-%&&)

75ão costumo +ue,rar a ca,eça com a +uestão do ,em e do

mal9# confessa Freud ao pastor Pfister#

por1m tenho achado pouco 7,em9 nos seres humanos em 3eral


Be acordo com minha e2peri0ncia# a maioria deles não vale nada#
pouco importando se adotam pu,licamente esta ou a+uela
doutrina 1tica# ou a,solutamente nenhuma O senhor não pode
dizer isso em voz alta# talvez nem se+uer pens*-lo# ainda +ue sua
e2peri0ncia de vida não possa ser muito diferente da minha %%U

 6 despreocupação de Freud decorre da incapacidade do

m1todo para indicar onde est* o ,em# não 1 sinal de sua indiferença

: a psican*lise +ue não se pronuncia# não o psicanalista +ue se cr0

no lim,o dos justos

E se não h* discurso do psicanalista no totalitarismo# 1 menos

por ideolo3ia +ue pelas condiçes de possi,ilidade da psican*lise +ue

pede um Estado de direito m Estado onde a servidão volunt*ria

%%U 0reud6fister. &orrespondencia QRSR6QRFR


104

seja o,ra do conflito pulsional com as defesas# não resultado do

despotismo de um tirano Huanto ao psicanalista# ele deve aderir @

1tica comum dos cidadãos# e em nenhuma circunstXncia conhecer o

inconsciente pode tornar-se o fundamento para uma isenção moral

Foi apresentado# perante um 3rupo de analistas vienenses# um


caso de a,uso por parte de um analistaS depois de muitos de,ates
em torno das ori3ens psicol3icas da falta 1tica desse cole3a#
Freud encerrou o assunto em pauta declarandoD 7udo isso pode
muito ,em ser# mas uma falta de 1tica não se torna moralmente
nada melhor por ter fundamentos psicol3icos9 %%%

Freud 3ostava de citar o escritor F >ischer# se3undo o +ual a

moral 1 evidente por si mesma 76 indi3nidade dos seres humanos#

inclusive dos analistas# sempre me impressionou profundamente#

mas por +ue motivo as pessoas analisadas seriam de um modo 3eral

melhores +ue as outras89 %%M

E2celente motivo para ne3ar a psican*lise aos velhacos

Recomendação +ue não h* de ser tomada# em nenhum caso# como

uma pauta t1cnica# visto +ue a velhacaria não 1 uma estrutura cl.nica

Cada analista decidir*# se3undo seu crit1rio# se ir* e+uipar al3u1m

+ue 7não vale nada9 com um instrumento poderoso de manipulação

al crit1rio não consta de nenhum manual# e não ser* aprendido

durante a an*lise# mas na vida 7E2istem tanto pessoas saud*veis#

como pessoas não saud*veis# +ue não valem nada na vida Os +ue

não valem nada não são indicados para a an*lise# nem este m1todo 1

%%% Entrevista de elene Beutsch a Paul Roazen in Roazen #%&'# p %(&


%%M Qones apud  Roazen p %
105

aplic*vel @s pessoas +ue não vão em ,usca de tratamento

compelidas por seus prprios sofrimentos J]K9 %%(

A
Bei2ando os +ue não valem nada entre3ues @ sua sorte $Freud

recomendava em,arc*-los para 7al3um pais latino-americano9Z )# %%L

vamos @ m*2ima +ue aparece como ep.3rafe deste ltimo cap.tulo

Então# ser* +ue sua e2cel0ncia o deputado diz a mesma coisa +ue o

santo +uando o cita $se não me en3ano# durante a ne3ociação para

conceder ao presidente !arneY cinco anos no poder# em vez de

+uatro)8 Claro +ue não# mas a manha de sua intervenção consiste

em +ue este detalhe não possa ser levantado O pol.tico co,re com o

manto da 3enerosidade franciscana o 7toma l*# d* c*9 de sua 3estão

interesseira# de modo a +ue o prest.3io da m*2ima como verdade

universal# a,strata# e independente das condiçes de sua

enunciação# sirva como 3arantia de sua retidão O cinismo não 1

propriamente imoral# mas colocar a moralidade mesma a serviço da

imoralidade !ua astcia consiste em fazer a pro,idade servir a

desonestidadeS a moral ser o *li,i da locupleção e a verdade# a

melhor maneira de mentir   5ada melhor para isso do +ue fazer


%%N

es+uecer +ue a posição de +uem enuncia desmente seu enunciado

%%( Freud# apud Roazen# p %%


%%L Correspond0ncia Freud[eiss
%%N Cf Tize" Op cit p L
106

alvez a resposta mais interessante /contemporXnea do

desfecho da ne3ociação# +ue# como se recordar*# foi favor*vel ao

3overno $do +ue se deduz# conforme a l3ica do deputado# +ue o

presidente deve ter dado# j* +ue rece,eu)  # veio de um 3rafite nos

muros do Rio 3losando este modo de fazer pol.tica 7: dando +ue se

d*9# dizia Feliz ironia da o,scenidade dos zeladores da res pulica#

vistos como prostitutas# e dos cidadãos# essas eternas crianças

a,usadas pelos seus respons*veis

: pouco8 : pouco# 1 +uase nada E mais# corre o risco de não

passar de um desa,afo# talvez mais espirituoso# mas não menos

inconse+Vente# e com isso participar do conformismo triste do resto

dos lo3rados Este disparate tem# não o,stante# a virtude de entre3ar

o jo3o do c.nico# mostrando a enunciação non sancta +ue o orador se

empenha em ocultar por tr*s do santo enunciado O 3rafite mostra

um +ue não condescende @ farsaS +ue recusa o papel de ot*rio sem

por isso cair no cinismo m +ue sai# de certo modo# do c.rculo c.nico

 6 propsito# a palavra 7c.rculo9 pode levar a pensar +ue

estamos no dilema do ovo e da 3alinha 5ão estamos# o tolo vem

antes O c.rculo se corta $+uando se corta) do seu lado !air da

tontice ou# como se diz# não 7dormir no ponto9# não implica contudo

virar lo3rador# a não ser# claro# no discurso do c.nico O 7ponto9 em

+ue se adormece# ali*s# 1 o colo protetor do pai providente O


107

salvador da p*tria +ue impor*# finalmente# a ordem e o pro3resso +ue

nosso ,rasão promete em vão $`E2iste um povo +ue a ,andeira

empresta  Pra co,rir tanta infXmia e covardiaZ` ) 6 ,outade de


%%

nossa democracia não ser parlamentarista mas paternalista vai nesse

sentido e 1 condizente com o es+uecimento# devido talvez a anos de

ditadura# de +ue os eleitos para 3erenciar a coisa p,lica são os

deposit*rios de um poder +ue não lhes pertence e pelo +ual devem

prestar contas a +uem de direito aja visto nossa falta de espanto#

as omisses dos prepostos revelam antes nossa dele)ação do poder

+ue sua prepot0ncia Bele3ação +ue# 1 ,om notar# não os torna

menos representativos# por+ue representam perfeitamente a crença

numa provid0ncia +ue não se a,ala pelo fato de ser financiada pelos

contri,uintes

Em vez de vi3iar a+ueles +ue desi3namos para administrar as

ri+uezas da comunidade# dormimos como crianças em noite de 5atal

E como crianças fin3imos acreditar +ue são Papai 5oel# es+uecendo

+ue ns os vestimos com roupa vermelha e ,ar,as de al3odão 5ada

t0m pois de surpreendente tantos olhos fechados frente @s

malversaçes o,radas por funcion*rios escolhidos para velar

en+uanto cochilamos

%% Castro 6lves# Poesias Escolhidas# p ((N


108

Parafraseando Greton $le dur d"sir de durer )# <acan dizia +ue o

des.3nio da psican*lise era inspirar o duro desejo de despertar   %%

Beclaração forte e +ue visa o ponto em +ue a realidade se confunde

com a fantasia# velando o real O despertar +ue o psicanalista almeja

resulta da ras3adura do v1u da hantasien# suporte do desejo do

sujeito Ou# de modo mais pedestre# de aperce,er-se +ue um ditado

como 7ver para crer9 parece incontest*vel na medida e2ata do

desconhecimento do 7crer9 +ue suporta desde sempre nosso 7ver9

Hue a psican*lise esteja sendo ,em sucedida em seu propsito

no plano individual est* sujeito a discussão# mas nem o mais

delirante dos utopistas se atreveria a estender este propsito ao

plano comunit*rio 5ão h* despertar coletivo !o,retudo por+ue o

tecido da fantasia +ue precisa ser ras3ado 1 o forro do eu de cada

um# e a an3ustia de desco,rir +ue 7+uem sa,e de mim# não sou eu9

provoca uma imediata corrida ao pai $+ual+uer pai) para 3arantir a

prpria filiação# isto 1# um lu3ar no mundo O 7ponto9 a +ue me referia

acima

Em +ue pese o cuidado de não e2portar conceitos para fora do

campo em +ue foram criados e se mostram eficazes $+uase sempre

uma des3raça)# 1 dif.cil es+uecer o +ue a psican*lise ensina defronte

a certos avatares da vida repu,licana omemos a desco,erta de +ue

a demanda de justiça pode ser reconduzida a sentimentos prim*rios

de inveja# eles prprios ori3inados na insatisfação inerente @ nossa


%% Resposta a uma per3unta de ?arcel Ritter in etits "crits et conferences $sem dados editoriais)
109

condição de falantes $supra p M&) !e3undo este ponto de vista# a

sociedade fraterna 1 uma comunidade de privados# unidos pelo pacto

impl.cito de nin3u1m ter direito a re3alias 5in3u1m# a não ser o rei#

claro# ou +uem fizer as vezes de e2ceção +ue confirma a re3ra O

intoler*vel do 3ozo do pr2imo est* na evid0ncia de ele não se a,ster

do mesmo +ue eu $assim se define# ali*s# um estran3eiroD não se

privar do mesmo +ue o resto) 6 sua infXmia consiste em me lem,rar

a car0ncia

Huem v0 isso tudo confirmado cotidianamente em sua cl.nica#

dizia# não pode dei2ar de espantar-se $para ficar em nossa histria

recente) com a escolha de um slo3an como 7um ,rasileiro i3ual a

voc09# numa campanha empenhada em ele3er um e2-oper*rio como

presidente da rep,lica O c*lculo pol.tico 1 sempre incerto# mas +ue

efeito pode esperar-se de uma consi3na +ue se choca do modo mais

evidente contra a espera popular por um messias8 m partido +ue

aspira a fazer acordar o eleitorado do sonho contumaz +ue o faz votar

contra seus prprios interesses# simplesmente fecha os olhos para a

mensa3em +ue parece ,rilhar no verso de sua palavra de ordemD

7+uem +uer ser 3overnado por um coitado feito eu89

Q* os interessados em lucrar com o sono popular# di3amos# vão

direto ao outro lado da moeda e usam a corrupção mesma como

propa3anda Eles sa,em +ue o apelo eleitoral de um 7rou,a# mas

faz9# por e2emplo# est* antes do lado do 7rou,a9 +ue do 7faz9 6pelo
110

ironizado por Ponte Preta# +uando deplora o fracasso da re3ra moral

conclamando @ corrupção 3eneralizada   7resta,eleça-se a

moralidade ou então locupletemo-nos todos9   ?as a sua ironia faz

mais do +ue prantear a indec0ncia# interpreta $no sentido psicanal.tico

do termo) o sonho de um Ro,in ood +ue resta,eleça a justiça# não

tanto dando-me o +ue me falta como tirando do vizinho o +ue lhe

so,ra omar o 7locupletemo-nos todos9 neste sentido seria ,en1fico

para a causa do 7resta,eleça-se a moralidade9# por+ue implica

reconhecer +ue a inveja me concerne E talvez tal reconhecimento

ajude a tornar desnecess*rio votar num candidato proposto ao lu3ar

da e2ceção# um candidato a rou,ar impunemente# não para mim# mas

em meu lu3ar# e ao +ual servirei de idiota til

Resta a per3unta de se fazer pol.tica para uma comunidade

atravessada pela inveja e não para um povo de santos o,ri3a a

escolher a via do c.nico

 6 razão c.nica não cria nem a invocação ao pai al1m da lei#

nem o torpor +ue lhe 1 consu,stancial# mas se nutre deles

Permanecer indiferentes @ impunidade ou considerar o cinismo parte

do folclore e+uivale a servir-lhe voluntariamente de suporte Oferecer-

se como instrumento do 3ozo ima3in*rio dos corruptos Rendição +ue

demonstra menos a emp*fia deles +ue a de,ilidade 1tica de +uem

consente Becerto# h* razes histricas para esta tend0ncia @

servidão volunt*ria# +ue pode ser rastreada at1 a col;nia e nada deve
111

ao discurso do c.nico# +ue lhe 1 posterior Este ltimo# não o,stante#

finca suas ra.zes onde +uer +ue tais condiçes estejam dadas

Cresce e floresce no meio desta nostal3ia do pai# +ue j* nos

empurrou para ,raços militares e nos de todo tipo de aventureiro +ue

sustente uma retrica messiXnico-autorit*ria Como no conto de

Gor3es# al3u1m nos est* sonhando e a irresponsa,ilidade de não

fazer nada nos tran+Viliza e nos adormece  %%'

%%' om*s EloY ?art.nez# +l sueTo ar)entino Gs6sD Planeta# %&&& P %M


112

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GORWE! Qor3e <uis %&'M 74af"a Y sus precursores9 in %ras &ompletas Gs6sD
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GO>ERE!!E Qac+ues %&'L Oationalit" et cynisme ParisD ?inuit

GR6C GR656? R  WO<E-C6T: ?arie-Odile $ed) %&& *he &ynics1 the


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Escuta

B6I_ Pierre %&'& icasso criador  rad Porto 6le3reD <P?

B6>IB-?E56RB ?oni+ue %&&'  As construçIes do universal  rad C Pereira de


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BIBIER-[EI<< 6lain %&'' ,nconsciente 0reudiano e transmissão da psicanálise B


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/ %&&' 7Estran3eiriceD modo de usar9 in % estran)eiro C 4oltai $or3) !ão PauloD
Escuta

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of culture in american life# Chica3oD niversitY of Chica3o Press

W<C4!?65 6ndr1 %&'% &ynisme et passion ParisD Wrasset

WO?6RB Patric" %&&M 5a jouissance du tra)ique ParisD 6u,ier


114

%&&& +l deseo de "tica. rad Q Piati3ors"i Gs 6sD Paidos

EI5E einrich %&&% &ontriuição = histria da reli)ião e filosofia na Alemanha !ão


PauloD Iluminuras

E<!I5WER <uiz 6l,erto %&& % tempo do )ozo e a )ozação1 a temporalidade na


 perversão# Rio de QaneiroD Revan

OG!G6[? Eric %&&  A era dos e#tremos1 o reve s"culo [[  !ão PauloD
Companhia das letras

OR4EI?ER# 6BOR5O %&'( Coleção %s ensadores. !ão PauloD 5ova Cultural

I5B6R Quan Carlos%&&U rolemas del amor y del deseo del analista Guenos
 6iresD ?anatial

Q6RR 6lfred %&'& u Oei # ! PauloD Grasiliense

Q6COG François %&'( A l)ica da vida rad 6 <oreuro de !ouza RioD Wraal

QR65>I<<E 6lain %&&N 5acan e a filosofia RioD Tahar

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46FF?655 Pierre %&& Hicionário enciclop"dico de sicanálise rad > Ri,eiro


RioD Tahar

4IER4EW66RB !oren %& 5a repeticin. ,n vino veritas rad B Wutierrez ?adridD


Wuadarrama
/ %&&% % conceito de ironia constantemente referido a Dcrates. rad 6<
?ontene3ro PetrpolisD >ozes

4I!!I5WER enrY %&&L Hiplomacy  5e\ or"D !imon  !chuster

4<O!!O[!4I Pierre %&'N Dade1 meu pr#imo rad 6 Ri,eiro !ão PauloD
Grasiliense

4O<6I Caterina $or3) %&&' % estran)eiro. !ão PauloD Escuta

4OR: 6le2andre %&&( 7<a fonction politi+ue du menson3e moderne9 in Oue


Hescartes \ER ParisD 6l,in ?ichel

<6C65 Qac+ues%& Ucrits ParisD !euil


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de Porto 6le3re
/%&( 58an)oisse $6ssociation Freudienne)
/%& 5a lo)ique du phantasme $6ssociation Freudienne)
/ %&' H8un Autre a l8autre $6ssociation Freudienne)
/ %&% 5e savoir du psychanalyste $6ssociation Freudienne)
/ %&M 7Radiophonie9 in Dcilicet  M-( ParisD !euil
@.%&( 5e s"minaire1 livre ##. +ncore# ParisD !euil  %&'% An. rad B Ra,inovivh
Gs6sD Paidos  %&'U 9ais1 ainda. rad ?B?a3no RioD Tahar
/%&(, 5e s"minaire1 livre #i. 5es quatre concepts fondamentau# de la
 psychanalyse. ParisD !euil $Points)  E   %&'( %s quatro conceitos fundamentais da
 psicanálise rad ?B?a3no RioD Tahar  %& 5os cuatro conceptos
fundamentales del psicoanálisis. rad F ?on3e GarcelonaD Garral
/ %&L 7<a troisigme9 in etits Ucrits et &onfer"nces $sem refer0ncias)  %&'U 7<a
tercera9 in Actas de la +scuela 0reudiana de aris rad $sd) GarcelonaD Petrel
/ %&N *elevision# ParisD !euil  Oadiofonía y televisin rad O ?assota ?adridD
 6na3rama# %&'U  *elevisão rad E Huinet RioD Tahar# %&'U,
115

/%&N, O.D.,. $6ssociation Fruedienne)


/%& 7Conferences et entretiens dans des universit1s 5ord-americaines9 in Dcilicet
 - ParisD !euil
/%&, 7<Etourdit9 in Dcilicet   L# ParisD !euil
/%&' 5e s"minaire1 livre ii. 5e moi dans la th"orie de 0reud et dans la technique de
la psychanalyse. ParisD !euil
/%&', 7Bu discours psYchanalYti+ue9# ?ilano# %M ma33io %&M in 5acan in ,talia#
?ilanoD <a !alamandra
/ %&'( % seminário1 livro F1 As sicoses rad 6 ?enezes RioD Tahar
/ %&'L +l Deminario1 5iro ,. 5os escritos t"cnicos de 0reud.  rad R Cevasco
Gs6sD Paidos
   %&' 5e Deminaire1 livre V,,1 58Uthique de la psychanalyse# ParisD !euil
/ %&'' `El nmero trece o la forma l3ica de la sospecha` in ,ntervenciones y te#tos
rad Q !ucre Gs6sD ?anantial
/ %&&L 5e s"minaire1 livre #vii. 58envers de la psychanalyse# ParisD !euil

<6C6B Benise %&&' 5a jouissance du pouvoir1 de la m")alomanie. ParisD


achette

<EFOR Claude %&' 7<a terreur r1volutionaire9 in +ssays sur le politique ParisD
!euil
/ %&'M 7O nome de m9 in Hiscurso da Dervidão Voluntária. ? Chau. $or3) Op Cit

<O6RB Qean-François%&&U +conomía liidinal. rad  ?ercado ?12icoD Fondo


de cultura econmica
/ %&&( 5içIes sore a analítica do sulime rad C? C1sar CampinasD Papirus

?6R_ 4arl %&'N % capital  !ão PauloD Ática


@. %&& 5a ideolo)ía alemana ?12icoD Porrua

?EBEIRO! B6 CO!6 6na ?aria %&&' `Ba interpretação ao ato` in Oevista da


 Associação sicanalítica de orto Ale)re 2A%A31 Ato e interpretação Porto 6le3reD
 6rtes e Of.cios

?I<<ER Qac+ues-6lain %&&' 5os si)nos del )oce rad W Grods"i Gs6sD Paids

?I<5ER Qean-Claude %&'( 5es noms indistincts !euil


/ %&'& OD,  ParisD !euil

?O5OB Qac+ues %&% +l azar y la necesidad  rad F <er.n GarcelonaD ?onte Ávila
editores

56>E6 Pierre %&'( 7?ar2 et le sYmptome9 in erspectives psychanalitiques sur la


 politique# ParisD 5avarin
/%&'(, 7Biscours de la science et discours de lbhYsteri+ue9 i,id
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Wolden,er3 $or3) op cit

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5IET!CE Friederich %&'% 5a voluntad de poderío rad 6 Froufe ?adridD Edaf


/ %&&' >enealo)ia da moral1 uma pol$mica rad P C !ouza !ão PauloD
Companhia das letras

P<65 %&& Hiálo)os. ?12icoD Porrua

PO??IER Werard %&& % desenlace de uma análise RioD Tahar

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