Você está na página 1de 4

10

Juventude (s), gênero e violência.


Elias Barreiros1.
No Brasil, segundo o Estatuto da Juventude, são consideradas jovens os sujeitos
com idade entre 15 e 29 anos. Para as ciências sociais, a juventude não se coloca como uma
fase biológica, mas como uma categoria social. Além disso, é preciso pontuar que existem
muitas possibilidades de se vivenciar essa fase da vida, sendo que associado à questão etária,
temos outros marcadores sociais da diferença, tais como: raça, etnia, classe, gênero,
sexualidade. Sendo assim, devemos falar em juventudes, no plural.
O trabalho de Abramo (1994) é uma importante referência para o tema, a autora
aponta que a relação entre juventude e marginalidade, criminalidade ou delinquência foi
muito recorrente nas primeiras abordagens sobre juventude, nos estudos da Escola de
Chicago. No que se refere ao Brasil, os estudos sobre essa fase da vida aparecem nos anos
1960, apontando para ideia de uma “juventude engajada”, que se colocava dentro de ideias
mais politizadas e ideais utópicos revolucionários (Abramo, 1994; Fausto Neto & Quiroga,
2000).
Para Sousa (2003), a maior parte dos jovens são trabalhadores que sofrem com
educação formal precária e a falta de informação e, ainda assim, os jovens, especialmente os
pobres, são tratados como “problema sociais” e objeto de políticas públicas de caráter
ensaístico. Em outro momento, eu já havia apontado que:

“Constantemente, na mídia e discursos do senso comum (e,


algumas vezes, em pesquisas acadêmicas), a “juventude” e a
“violência” são expostas como problemas sociais, e a partir
disso merecem a atenção da sociedade civil e do Estado; e,
muitas vezes, apontam a pobreza como causa única da
criminalidade, e esta, como a essência da “violência”. Além
disso, práticas tidas como “violentas” têm sido sempre
abordadas “de fora”, pouco se trata das percepções dos
agentes dessas práticas. Os jovens, principalmente os homens,
são vistos como os principais atores dessas práticas, já que, na
ausência do Estado, seriam facilmente seduzidos pelo
“dinheiro fácil” do crime e/ou do tráfico de drogas, ou
impelidos a práticas “violentas” por sua constituição hormonal.
Ou seja, a questão é reduzida ao plano econômico ou ao
sexo/corpo biológico masculino. Sem descartar as questões

1
Antropólogo, com graduação em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Londrina (2004),
mestrado em Antropologia Social pela Universidade Federal de Santa Catarina (2008), atua
principalmente nos temas: antropologia da saúde, sexualidade, gênero, juventude e violência em
contextos urbanos.
11

materiais envolvidas, também é necessário pensar nos


sentidos que essas vivências adquirem para os sujeitos e como
essas sociabilidades influenciam na sua constituição.
(BARREIROS, 2008, p. 4-5).

Isso não quer dizer que os jovens não estejam entre os sujeitos mais vulneráveis
da sociedade brasileira, mas é preciso estarmos atentos aos determinismos correntes em
relação a esses sujeitos. Pois, se o “ser jovem” é algo valorizado positivamente em nossa
sociedade, eles também enfrentam uma série de dificuldades e obstáculos de diversas ordens.
Como mostra o Atlas da Violência de 2019:

Em 2017, 35.783 jovens foram assassinados no Brasil. Esse


número representa uma taxa de 69,9 homicídios para cada 100
mil jovens no país, taxa recorde nos últimos dez anos.
Homicídios foram a causa de 51,8% dos óbitos de jovens de 15
a 19 anos; de 49,4% para pessoas de 20 a 24; e de 38,6% das
mortes de jovens de 25 a 29 anos; tal quadro faz dos
homicídios a principal causa de mortes entre os jovens
brasileiros em 2017. (p. 25).

Entre os jovens assassinados, ainda segundo o Atlas da Violência, 94,4% eram do


sexo masculino, o que nos faz questionar os aspectos que envolvem a relação entre gênero,
juventudes e violência. Certamente não há apenas uma resposta para explicar esses números,
mas alguns pontos devem ser explorados.
Em nossa sociedade predominam determinadas características ligadas ao “ser
homem”, Connell (1995) e Almeida (1996), por exemplo, falam de masculinidades
hegemônicas e subalternas, que ajudam na constituição das masculinidades entre homens.
Segundo Almeida (1996), a masculinidade hegemônica é um consenso vivido, um fenômeno do
discurso e da sua vivência na prática.
Ainda segundo Almeida (1996), em determinados contextos, temos certas
hierarquias e assimetrias em relação ao que é mais e menos valorizado no que toca à
masculinidade. O que se considera como característica principal do que é ser homem pode
variar de acordo com situações especificas, assim, por exemplo, em muitas situações e
contextos, temos a resolução de conflitos através da agressão física e de brigas
frequentemente associados ao masculino.
Em Grossi (2004) temos uma revisão bibliográfica que traz exemplos de como os
homens, em várias culturas, são submetidos a rituais marcados pela “violência”. A Autora
12

também demonstra que, no Brasil, a masculinidade hegemônica está estreitamente ligada à


noção de atividade (no sentido de ser ativo socialmente) e esta, por sua vez, à agressividade.
Segundo Machado (2004), o código relacional da honra que orienta as condutas
do gênero masculino, em países como Brasil, direciona os homens a exercerem a violência
entre si e também contra mulheres, para mantê-las sob seu controle. Grossi (2004) ao analisar
os aspectos ligados à honra, também aponta que o homem deve ter o controle sobre “sua”
mulher, mas alerta também que essa honra depende muito respeitabilidade da mulher e que
esta pode adquirir algum poder sobre aquele. Como coloca Fonseca (2004), a honra é um
código social de interação, no qual se coloca em jogo o prestígio pessoal, este entendido como
um bem simbólico de troca.
Assim, podemos considerar que em determinadas situações e contextos, o gênero
pode estar mais relacionado à violência, em outros contextos, por sua vez, pode haver uma
determinação maior de questões relacionadas à classe social ou à raça. Nesse sentido, a
relação entre gênero, violência e juventude pode contribuir bastante para a análise e
intervenção no sentido de reduzir a vulnerabilidade das juventudes brasileiras frente à
violência.

Referências
ABRAMO, Helena W. Cenas juvenis: punks e darks no espetáculo urbano. São Paulo: Página
Aberta, Scritta/ANPOCS, 1994.
ALMEIDA, Miguel Vale de. Gênero, masculinidade e poder: revendo um caso do sul de
Portugal. Anuário Antropológico/95. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1996.
Atlas da violência 2019. Juventude Perdida. /Organizadores: Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada; Fórum Brasileiro de Segurança Pública.Brasília: Rio de Janeiro: São Paulo: Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada; Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Disponível em:
http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/relatorio_institucional/190605_atlas_da_
violencia_2019.pdf acesso em 28 de ago. 2019
BARREIROS, Elias. A vila tem valor: hierarquia e igualdade entre jovens de grupos populares
participantes de políticas públicas na cidade de Londrina (PR). Dissertação apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social(PPGAS/UFSC) como parte dos
requisitos necessários para obtenção de título de mestre em Antropologia. Florianópolis.
2008. Disponível em: http://www.tede.ufsc.br/teses/PASO0213-D.pdf Acesso em 28 de ago.
2019.
13

BRASIL. Lei nº 12.852, de 5 de agosto de 2013. Estatuto da Juventude. Brasília: Diário Oficial da
União, 2013. Disponível em : http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2011-
2014/2013/Lei/L12852.htm . Acesso em 28 de ago. 2019.
CONNELL, Robert. W. Masculinities. Los Angeles/Berkeley: University of Califórnia Press, 1995.
FAUSTO NETO, Ana Maria Q. & QUIROGA, Consuelo. Juventude urbana pobre: manifestações
públicas e leituras sociais. In: PEREIRA, Carlos Alberto M. et al. (Org.). Linguagens da violência.
Rio de Janeiro: Rocco, 2000. p. 221-236.
FONSECA, Cláudia. Família, fofoca e honra: etnografia de relações de gênero e violência em
grupos populares. 2.ed. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 2004.
GROSSI, Miriam Pillar. Masculinidades: uma revisão teórica. Antropologia em primeira mão,
Florianópolis, v. 75, p. 4-27, 2004.
MACHADO, Lia Zanotta. Masculinidades e violência: gênero e mal-estar nas sociedades
contemporâneas. In: SCHPUN, Mônica R. (Org.). Masculinidades. São Paulo/Santa Cruz do Sul:
Boitempo/Edunisc, 2004. p. 35-78.
SOUSA, Janice Tirelli Ponte. As insurgências juvenis e as novas narrativas políticas contra o
instituído. Cadernos de Pesquisa, Florianópolis, v. 32. p. 1-33, fev., 2003.

Você também pode gostar