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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL

CURSO DE SERVIÇO SOCIAL

MÓDULOS/DISCIPLINAS: Ética e Serviço Social I / Feminismo, Gênero e Patriarcado

DOCENTES: Profª Drª Miriam de Oliveira Inácio e Profª Drª Janaiky Almeida

DISCENTES: Alessandra Oliveira, Cláudio Rogério dos Santos, Edneide Marques,


Elissa Ramalho, Gilliane França, Jefferson Sotero, Lidiane Martins, Luciene Lucena,
Nathália Raquel.

ASSISTÊNCIA SOCIAL E REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL

NATAL/RN

FEVEREIRO DE 2022
Este trabalho tem como objetivo apresentar alguns pontos sobre a questão da redução
da maioridade penal, com abordagens no âmbito do Serviço Social, para as disciplinas de
Ética e Serviço Social, e, Feminismo, Gênero e Patriarcado. No primeiro momento, houve a
apresentação em formato de seminário (link: rhttps://youtu.be/tR6X6ovBits), agora, daremos
continuidade através deste relatório, expondo de forma dissertativa.
A periculosidade, é uma palavra que trás consigo significados abrangentes,
principalmente, quando passa do conceito da lei, e extrapola nos ditames da sociedade, é aí,
onde milhares de concepções sobre o perigo, riscos, insegurança, etc, tudo para dizer que há
um inimigo para combater. E quando esse peso recai sobre crianças e adolescentes, “cidadãos
do Brasil que representam a parcela mais exposta às violações de direitos pela família, pelo
Estado e pela sociedade” (VOLPI, 2001, p. 13), envolvendo, também, na maioria das vezes,
cor e situação econômica, etnia, e gênero, ultrapassa assuntos que até agora, são pautas em
todos os ambientes sociais, políticos e culturais. Enquanto profissionais, tanto do âmbito do
Serviço Social, e Assistentes Sociais, têm total autonomia para gerir sobre esse tema, pois,
seguimos a Constituição Federal, que, acolhe a doutrina da proteção integral e a absoluta
prioridade da criança e do adolescente, bem como o dever do Estado, da família e da
sociedade em assegurar-lhes direitos básicos, colocando-os a salvo de toda forma de
violência, crueldade e opressão, e ainda ressaltamos que, nenhuma pessoa menor de 18 anos
deve ser julgada como adulta, conforme estabelecido na Convenção sobre os Direitos da
Criança e na Constituição Federal, devendo ser implementado um sistema especial de Justiça
Juvenil no marco do paradigma da proteção integral às crianças e adolescentes.
A história do Brasil sempre foi marcada pela dominação de uma classe sobre outra,
assentando-se em estruturas hierarquizadas que privilegiam pequenos grupos elitizados e
marginalizam e excluem a grande massa popular, o que intensifica e amplia a desigualdade
social e o fenômeno da violência. Historicamente, as políticas públicas não foram baseadas
para todas as classes sociais. Os Direitos Humanos estavam longe de ser uma pauta dentro
das leis que dessem suporte a esfera da sociedade como um todo. Segundo Medeiros e
Benevides (2019), o discurso referente à imputabilidade penal surge no Primeiro Império.
Período onde não existiam instituições para que as crianças e adolescentes cumprissem suas
penas, assim, os incriminados, eram encaminhados a uma prisão comum, compartilhada com
os adultos. Era regido pelo Código Criminal de 1830, atribuía o direito à pessoa ser isenta de
pena às crianças abaixo de sete anos. Era a partir da faixa etária de sete a catorze anos
decidiam o que poderiam ser penalmente irresponsáveis. Menores de catorze anos, já
acusados e sentenciados, eram recolhidos a casas de correção, por um período determinado
de tempo. Já para a idade compreendida entre catorze a dezessete anos, era aplicada uma
pena, não podendo ser superior à aplicada ao adulto. Contudo, foi somente na República que
aconteceu a criação da Escola Correcional Quinze de Novembro, e, em seguida, o Instituto de
Proteção e Assistência à Infância do Rio de Janeiro. Porém, o Instituto tinha como sugestão
intervir no campo social, o que fugia do objetivo das casas de correções. com a criação do
Código Republicano de 1890, as crianças até nove anos seriam inimputáveis, e as que
cometessem um crime, e fossem maiores de 9 anos, ficariam a cargo do juiz, recebendo a
pena que o magistrado considerasse correta. Nos períodos seguintes: Em 1900, surgem as
possibilidades de construções de espaços específicos para o recolhimento das crianças e
adolescentes que cometessem delitos, juntamente, com criações de Códigos, Leis e Decretos;
A partir do Código de Menores de 1927, o Brasil começa a implantar um sistema de atenção
com proposta de reintegração da criança e do adolescente onde determinava ao menor de 14
anos, participante de crime ou contravenção, não responderia a processo penal de forma
alguma; e os maiores de 14 e menores de 18 teriam um processo especial; Em 1942 é criado o
Serviço de Assistência ao Menor, subordinado ao Ministério da Justiça com finalidade de
correção e repressão.
Ainda de acordo com Medeiros e Benevides (2019), após essas passagens, a
sociedade começa a explorar os direitos sociais, vendo na política social uma forma de
atender às necessidades básicas dos indivíduos, e, como resultado dessas reivindicações,
somada à criação da Escola Superior de Guerra, é criada a Fundação Nacional do Bem-Estar
do Menor (FUNABEM) e, como núcleo de execução, foi criada a Fundação do Bem-Estar do
Menor (FEBEM). Instituído o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), através da Lei
8.069 de 13 de julho de 1990, no qual a criança e o adolescente deveriam ter uma proteção
especial, onde se mantém a opinião contrária à imputabilidade penal e onde surgem novos
conceitos e Leis que favorecem o desenvolvimento psicossocial e educacional da criança e do
adolescente.
No contexto atual, muito ainda se tem para debater sobre o tema. A redução da
maioridade penal, ainda se confunde nas esfera sociais, como meio de salvação, ordem,
liberdade, para outros, não é a solução, ainda há o que se dialogar no contexto político social,
cultural, ético e analítico, com o envolvimento da sociedade. Oliveira (2018), trás essa pauta
que emerge, materializado no Projeto de Emenda Constitucional (PEC) nº 171. Nesta
emenda, encontra-se o alicerce ou o fundamento acerca da idade mínima a que está sujeito o
jovem à sanção penal na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 228: “São penalmente
inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”. Com
isso, a CF/88 deu tutela especial aos menores de 18 anos, sendo “impossível a legislação
ordinária prever responsabilidade penal aos menores de 18 anos” (MORAES, 2006, p. 2.232).
É evidente que, “Essa proposta burguesa ganha, cada vez mais, adesão da classe trabalhadora,
já que é perpassada por uma ideologia extremamente falaciosa, ilusória,sentimentalista e
alienadora” (OLIVEIRA, 2018, p. 75-76). Há uma verdade, que é uma negação de todos os
direitos conquistados sobre a proteção direcionado às crianças e adolescentes. O próprio
Estado pune, não favorece as questões sociais como é obrigação por lei. Até porque,
conforme Barroco (2009), a ideologia liberal burguesa, enquanto modo de pensar e valorar a
realidade, na ótica da burguesia, contribui para a reprodução do ethos dominante, como se ele
fosse representativo do modo de ser do conjunto da sociedade. Assim, os defensores da
redução da maioridade penal buscam, na verdade, retirar do meio social todos os adolescentes
que são improdutivos, que colocam em risco a ordem social e a harmonia entre as classes.
Ainda de acordo com Oliveira (2018), as características mais nítidas é a manifestação do
poder, seja ele materializado por meio do uso da força física ou não, situação na qual o
violentador domina o violentado e, por sua vez, insere este último em um processo de
coisificação, violando os direitos fundamentais da pessoa humana.
Toda a argumentação em defesa da redução da maioridade penal parte de premissas
falsas. Uma delas, a de que o aumento de penas de prisão diminui a criminalidade.
Experiências internacionais mostram que essa relação não existe. Países que optaram pela
redução da idade penal no passado, como Alemanha, Espanha e Japão retrocederam nesta
decisão ao analisarem a reincidência criminal de jovens ao saírem da prisão, além do
abarrotamento de seus sistemas carcerários. Outra ideia equivocada é tratar os/as adolescentes
como os principais responsáveis pelo alto número de mortes violentas que ocorrem todos os
anos em nosso país. Segundo dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef),
dos atentados contra a vida no Brasil, menos de 1% são cometidos por adolescentes, o que
representa 0,013% dos/as 21 milhões de adolescentes brasileiros/as. Ao contrário, os/as
adolescentes são as maiores vítimas da violência no Brasil: mais de 33 mil adolescentes
foram assassinados entre 2006 e 2012, segundo dados do Unicef. Esse número coloca o
Brasil como o segundo país do mundo que mais assassina adolescentes, atrás apenas da
Nigéria. Os homicídios são, hoje, a principal causa da mortalidade de jovens entre 15 e 24
anos no Brasil e atingem, em especial, negros do sexo masculino, moradores das periferias e
áreas metropolitanas, segundo o Mapa da Violência de 2014. A alegação de combate à
impunidade também não corresponde à realidade. Hoje, adolescentes infratores/as a partir dos
12 anos cumprem medidas socioeducativas em unidades específicas de internação, que têm
como objetivo evitar que estes/as coincidem, tendo sucesso em mais de 80% dos casos. Com
a redução, muitos desses/as adolescentes seriam incluídos em um sistema carcerário já muito
além de sua capacidade, que exibe taxas de reincidência acima de 70%. Entendemos como
um enorme contrassenso a decisão de mandar para um sistema falido adolescentes que a
sociedade quer supostamente recuperar. Além de ineficaz, também iria contra recomendação
da Organização das Nações Unidas (ONU) que determina que as crianças de todo o mundo
devem ser protegidas por mecanismos especiais de alimentação, saúde, educação, moradia e,
inclusive, tratamento especial quando violam a lei.
Outro ponto a ser analisado é que, de acordo com dados Edição do Anuário Brasileiro
de Segurança Pública, em 2013, os jovens negros foram 18,4% mais encarcerados e 30,5%
mais vítimas de homícidios pela polícia do que os jovens brancos. Isso representa uma visão
negativa que recai sobre a população negra que muitas vezes é considerada como suspeita até
mesmo pela ação policial e isso é fruto do racismo que ainda há em nossa sociedade.
Apontamentos de Davis (2016) questiona o debate sobre o abolicionismo penal como
imprescindível para o enfrentamento do racismo institucional. Na sua obra, como forma de
denúncia, aborda o encarceramento em massa da população negra como mecanismo de
controle e dominação. Dessa forma, questiona a ideia de que a mera adesão a uma lógica
punitivista traria soluções efetivas para o combate à violência, considerando-se que o sujeito
negro foi aquele construído como violento e perigoso, inclusive a mulher negra, cada vez
mais encarcerada. Analisar essa problemática tendo como base a questão de raça e classe
permite fazer uma análise profunda e refinada do modo pelo qual essas opressões estruturam
a sociedade. Através desses debates históricos, compreendemos a dura realidade enfrentada
por crianças e adolescentes negros, que, desde sua infância passam por situações de violência
extrema devido a falhas do Estado e da sociedade cívil, até mesmo, dentro da propria família.
Aplicar a redução da maioridade penal evidentemente irá corroborar com a desigualdade
social no país, tendo em vista que, conforme dados, os jovens negros menores de 18 seriam
os mais atacados e o principal alvo do sistema penitenciário brasileiro. Uma alternativa
eficaz, o país deveria qualificar o sistema socioeducativo para ampliar os campos de
possibilidade da juventude.
Enquanto conjunto, o CRESS e CFESS, em tempos de propagação de um pensamento
punitivo, em que as soluções para os problemas da sociedade apontam para a criminalização
e o encarceramento, inclusive de crianças e adolescentes, não podem ficar na superficialidade
do fenômeno que envolve a associação violência e adolescentes, daí a urgência de que as/os
assistentes sociais reafirmam e dão visibilidade ao posicionamento contrário à redução da
maioridade penal e ao aumento do tempo de internação de adolescentes no sistema
socioeducativo. Qualquer tipo de violência praticada nessa ordem social seja direta e
mecanicamente coordenada e causada por ela (ainda que, em seu caráter intrinsecamente
contraditório, o capitalismo construa e reconstrua, ao mesmo tempo, maravilhas e mazelas,
ordem e caos), mas que hoje a violência é elaborada e operacionalizada nesse modelo
societário, sob suas condições e, portanto, é influenciada por essa forma de organização
social. De acordo com Tejadas (2018), toda essa repercussão, do contexto referido, é a de que
o critério para adoção da pena passa a ser, na maioria das vezes, a “economicidade do sistema
de controle social”, não mais uma “patologia” a ser curada, mas um risco a ser administrado
(TEJADAS, 2018, p.129). Assim, nossa luta continua. Juntamente com os movimentos
sociais, nas ruas, somos, e seremos mais fortes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A proposta de redução da maioridade penal apresenta-se como um tema bastante


polêmico na sociedade brasileira, tendo ganhado força com o ultraconservadorismo no país.
A redução da maioridade configura-se numa proposta simplista e imediatista diante da
complexidade da situação, pois ela não atua na causa do problema, da violência. Ela mascara
a ideia de segurança pública, quando na verdade a intenção é retirar do meio social os
adolescentes considerados improdutivos e que colocam em risco a harmonia da sociedade. A
questão da violência deve ser tratada como uma expressão das relações sociais desiguais que
são consequências da sociedade capitalista e da má distribuição de renda. Além disso, o
sistema prisional brasileiro não tem capacidade de ressocialização, configurando-se em
depósitos de humanos e fábrica de violência. Encaminhar os adolescentes neste sistema
significa potencializar o fator negativo. Ademais, a discussão sobre a redução da maioridade
penal perpassa pela relação de gênero, visto que há uma responsabilização das mulheres na
geração e cuidado da vida do adolescente em confronto com a lei. Portanto, são necessárias
políticas públicas capazes de proporcionar uma melhor distribuição de renda, amenizando as
desigualdades sociais. Não se pode deixar o Estado na manutenção das relações desumanas
de trabalho para as mulheres e os menores de 18 anos. Pois não é a redução que irá diminuir a
violência e sim a mudança e melhores condições de vida desses jovens.
Referências

Apresentação do Seminário. Assistente Social e Redução da Maioridade Penal. Disponível


em: https://youtu.be/tR6X6ovBits.

BARROCO, Maria Lúcia S. Ética: fundamentos sócio-históricos. Biblioteca básica de


Serviço Social; v.4. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2009.

CFESS. Crianças e Adolescentes tem Direitos. Disponível em:


http://www.cfess.org.br/arquivos/contraamaioridade.pdf. Acesso Fev. 2022;

DAVIS, Angela. Mulheres, Classe e Raça no início da campanha pelos direitos das
mulheres. In: Raça e classe. Tradução, Heci Regina Candiani. 1. ed. São Paulo. Boitempo,
Cap. 3. 2016.

ETAPAS. Redução da maioridade penal, um retrocesso em mentiras. Disponível em:


http://etapas.org.br/reducao-da-maioridade-penal-um-retrocesso-ado-em-mentiras Acesso,
Fev. 2022.

MEDEIROS. Maria Tarcisia; BENEVIDES, Siomary Cintia dos Santos. Redução da


maioridade penal: Problema ou solução?. Anais 16º Congresso Brasileiro de Assistente
Social. S.d. p. 1-15;

MORAES, A. de. Constituição do Brasil Interpretada. 6 ed. São Paulo: Atlas, 2006;

OLIVEIRA, Bruna Cristina Silva. “Nenhum passo atrás”: Algumas reflexões em torno da
redução da maioridade penal. Serv. Soc. Soc., São Paulo/SP. N. 31. 2018. P. 75-88;

TEJADAS. Silvia da silva. Redução da maioridade penal no contexto brasileiro:


Expressões do Estado penal. 5º encontro Nacional: Serviço Social e Seguridade Social.
CFESS. Brasília. 2018. P. 125-151;

VOLPI, Mário. Sem liberdade, sem direitos: a privação de liberdade na percepção dos
adolescentes. Ed. Cortez. São Paulo/SP. 2001. P. 13-35.
► Formatação: fonte Arial ou Times New Roman 12; espaço entre linhas 1,5; margens:
esquerda e superior 3,0 cm / direita e inferior 2,0 cm.

►Número de páginas: a critério do grupo.

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