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Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes


Prática de Leitura e Produção de Texto II
Docente. Silvio Luis da Silva
2015-1
Discente. Juliette Scarlet

A Ineficácia da Redução da Maioridade Penal

O debate acerca da redução da maioridade penal é complexo. Não é difícil


perceber a inconsequência e a ineficácia dessa medida enquanto solução para
os problemas crescentes de violência e criminalidade, todavia essa discussão
mexe com o imaginário coletivo alimentado pela grande mídia e com os valores
morais e éticos de uma sociedade conservadora a qual acredita que há
pessoas que põe em risco a segurança da sociedade, consequentemente, a
solução é trancafiá-las ou mesmo mata-las. Esse senso de “justiça”
disseminado por moralistas dos grupos sociais dominantes e da classe média
construíram a ideia de um “cidadão de bem” (ou seja, o indivíduo favorecido
economicamente pela sua classe social) que deve ser defendido dos
“bandidos” os quais, nada mais são, do que os indesejáveis sociais – em sua
maioria – a parcela pobre e negra do país.

Um dos principais argumentos moralistas utilizados para validar a Redução da


Maioridade Penal é afirmar que os jovens atualmente tem consciência da
impunidade porque não podem ser presos e julgados como adultos e concluem
que essa “impunidade” gera mais violência. Todavia, os jovens com menos de
18 anos já são responsabilizados por ato infracional. A partir dos 12 anos,
qualquer adolescente é responsabilizado pelo ato cometido contra a lei. Essa
responsabilização, executada por meio de medidas socioeducativas previstas
no ECA, têm o objetivo de ajudá-lo a recomeçar e a prepará-lo para uma vida
adulta de acordo com o socialmente estabelecido. O ECA prevê seis medidas
educativas: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à
comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internação. Recomenda que
a medida seja aplicada de acordo com a capacidade de cumpri-la, as
circunstâncias do fato e a gravidade da infração. Muitos adolescentes, que são
privados de sua liberdade, não ficam em instituições preparadas para sua
reeducação, reproduzindo o ambiente de uma prisão comum. Portanto,
percebe-se que a lei já existe, só não é cumprida e, consequentemente, não
adianta estabelecer leis mais duras, se o Estado não cumpre as já existentes.
Outro argumento da população a favor da redução é que o Brasil precisa
alinhar a sua legislação à de países “desenvolvidos” como os Estados Unidos,
onde, em alguns Estados, adolescentes acima de 12 anos de idade podem ser
submetidos a processos judiciais da mesma forma que adultos. No entanto, a
discussão no Congresso de alguns Estados Norte-Americanos, toma a direção
oposta vide que discutem elevar a idade da maioridade penal. No Texas, um
dos Estados mais conservadores dos Estados Unidos, três projetos de lei em
tramitação pretendem elevar de 17 para 18 anos a idade para alguém ser
julgado pela Justiça comum. Em Nova York, foi convocada uma comissão para
recomendar ao Legislativo que a idade deveria subir dos atuais 16 para 18
anos. Atualmente, apenas 9 dos 50 Estados norte-americanos tratam réus
menores de 18 anos como adultos. No resto do país, geralmente adolescentes
infratores são encaminhados para o sistema de Justiça juvenil.

Ademais, o projeto de Redução da Maioridade Penal é institucional vide que vai


contra a Constituição Federal Brasileira que reconhece prioridade e proteção
especial a crianças e adolescentes, vai contra o Sistema Nacional de
Atendimento Socioeducativo (SINASE) de princípios administrativos, políticos e
pedagógicos que orientam os programas de medidas socioeducativas, além de
ir contra a Convenção sobre os Direitos da Criança e do Adolescente da
Organização das Nações Unidas (ONU) e a Declaração Internacional dos
Direitos da Criança compromissos assinados pelo Brasil.

É importante frisar, também, que não há dados que comprovem que o


rebaixamento da idade penal reduz os índices de criminalidade juvenil. Ao
contrário, o ingresso antecipado no falido sistema penal brasileiro expõe as(os)
adolescentes a mecanismos/comportamentos reprodutores da violência, como
o aumento das chances de reincidência. Visto isso, sabemos que os jovens
infratores são a minoria, no entanto, é pensando neles que surgem as
propostas de redução da maioridade penal. Cabe lembrar que as leis não
podem se pautar na exceção, nem em casos isolados, pois a definição da
política criminal e a adoção de leis devem ser universais e valer para todos e
todas. As causas da violência e da desigualdade social não se resolverão com
a adoção de leis penais severas. O processo exige que sejam tomadas
medidas capazes de romper com a banalização da violência e isso se dá por
meio de ações no campo da educação, pois apenas isso demonstra eficácia na
diminuição da vulnerabilidade de centenas de adolescentes ao crime e à
violência.

Devemos também analisar a questão da redução da maioridade fazendo o


devido recorte de “raça” e classe social. A realidade carcerária e a
criminalidade brasileira têm cor. Mesmo com a diversidade étnica e social da
população, as pessoas submetidas ao sistema prisional são quase sempre
negras e provêm das classes sociais mais baixas e economicamente carentes,
além de virem de territórios geográficos historicamente marginalizados no
processo do desenvolvimento brasileiro: são pessoas jovens, pobres,
periféricas e negras. Prender jovens de 16 anos, que não tiveram
oportunidades de educação, adolescentes esses que – na maior parte dos
casos – vêm de famílias desestruturadas e cresceram num ambiente de
violência, e trancafiá-los num sistema penitenciário falido que não tem
cumprido com sua função social de reinserção e ressocialização não assegura
a diminuição da violência, muito pelo contrário, esses jovens vão crescer em
prisões que demonstram ser escolas do crime saindo de lá muito mais
perigosos.

Diante disso, devemos entender que a violência não será solucionada com a
culpabilização e punição dos jovens infratores, e sim pela ação da sociedade e
governos nas instâncias psíquicas, sociais, políticas e econômicas que as
reproduzem. Agir punindo e sem se preocupar em discutir quais os reais
motivos que reproduzem e mantém a violência, só gera mais violência. É
preciso discutir a causa social da criminalidade e da violência, analisar e
concluir que a população inserida nesse meio é – em sua esmagadora maioria
– jovem, negra, pobre e periférica, e trabalhar para corrigir as causas
estruturais que criaram essa problemática social.

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