Você está na página 1de 4

Contra a maioridade penal

Sou radicalmente contra a redução da Maioridade Penal porque


aceitar a redução é fazer o que fazem as pessoas descompromissadas
com o direito à vida do próximo: atacam a consequência mesmo
sabendo que a solução é combater e solucionar a causa.

Sou radicalmente contra a redução da Maioridade Penal porque a


adolescência é a fase de transição da infância para a vida adulta,
momento que exige investimento da família, do Estado e da
sociedade e nós sabemos que, com a derrocada da família, o
recrudescimento do Estado e o preconceito da sociedade com os
menores não têm conseguido ultrapassar esses severos obstáculos.

Sou radicalmente contra a redução da Maioridade Penal porque creio


na força transformadora que há na educação, como instrumento de
cidadania, justiça, humanização e, por convicção própria como
resultado da experiência de anos trabalhando nessa área, acredito
que nenhum tipo de cadeia pode superar a educação e contribuir para
reintegração de um jovem infrator na sociedade.

Sou radicalmente contra a redução da Maioridade Penal porque


sabemos estar estatisticamente comprovado que os jovens infratores
são em maioria negros, pardos portadores de baixa escolaridade e
baixo poder aquisitivo, muitos ainda na faixa da miséria. Pessoas que
foram expostas, desde a mais tenra idade, a todo tipo de violência e
que nunca tiveram seus direitos mais elementares garantidos, ou lhe
foram negados, o que por si só, já os torna em potenciais vítimas,
por parte do Estado e da sociedade.

Sou radicalmente contra a redução da Maioridade Penal porque


acredito no potencial do infanto-juvenil quando ele é orientado e
incluído como ator do seu próprio projeto de vida, quando lhe dão
oportunidade de participar em pé de igualdade com os demais como
protagonista de sua história com respeito e dignidade a seu momento
de maior fragilidade, que é o momento em que ele inicia sua própria
construção e desenvolvimento psicoemocional, social e físico pelo
qual passa cada criança e adolescente.

Sou radicalmente contra a redução da Maioridade Penal porque me


recuso a repetir esse discurso de uma sociedade revanchista e
preconceituosa, corroborada pela mídia populista que prossegue
levianamente fomentadoras da violência que tem vitimado crianças e
adolescentes em confronto com a lei e contribuído para a formação
de uma consciência social perversa ancorada unicamente na
repressão, como se o sistema prisional fosse a solução de uma
problemática social tão complexa.

O sistema penitenciário brasileiro possui um total de 514.582 presos


(de acordo com os números atualizados do DEPEN – Departamento
Penitenciário Nacional), com um montante desses de
aprisionamentos, fatalmente os direitos e garantias fundamentais são
desrespeitados, redundado em reincidência e mortes.

Impunidade?
Aos que questionam sobre uma possível sensação de impunidade
quando se trata de atos praticados pelos jovens de 16 a 18 anos,
devemos alertar que o artigo 112 do Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA) já prevê medidas socioeducativas, que vão de
atividades comunitárias — passando por liberdade assistida — até
internação.

Logo, o mais adequado é fazer com que o ECA seja efetivamente


cumprido nos estabelecimentos, onde deveria ocorrer a
ressocialização dos adolescentes.

Sustentar a redução da maioridade penal, acredito eu, é abrir mais


uma brecha para permitir decisões subjetivas e, com isso, sabemos
que estaremos pondo em risco a vida dos pobres e pretos, que nesse
país são prisionáveis, torturáveis e mortáveis (conforme bem ilustra o
jurista Luiz Flavio Gomes).

A violência por parte dos adolescentes existe, mas ela sempre esteve
aquém da violência praticada contra os menores colocados em
instituições que não são recuperados. Não podemos simplesmente
colocá-los em centros que são verdadeiras cadeias, que transformam
os jovens em bandidos muito mais perigosos. Segundo estatísticas, a
maioria absoluta dos crimes praticados pelos menores está
intimamente ligada a bens de consumo, ou seja, são crimes
patrimoniais. Ainda segundo estatísticas, apenas 10% dos crimes
hediondos podem ser atribuídos aos menores.

Ora, não podemos generalizar para efeito de endurecimento das


medidas socioeducativas destinada aos menores infratores tomando
por base os extremos, como os psicopatas ou sociopatas; seria um
contrassenso, um grande equívoco.

Há casos, é verdade, de mortes dolosas praticadas por menores e


com requintes de crueldade, mas são casos isolados e não podem, de
forma alguma, nortear as medidas socioeducativas aplicadas aos
menores infratores sob pena do cometimento da maior injustiça que
poderia macular ainda mais o Brasil como um país que não assiste
suas crianças e seus jovens, em outras palavras, não cuida do futuro
da nação, pior, permite que sejam torturados e mortos.

Violência
Não podemos colocar a culpa da criminalidade nos adolescentes, pois
eles são vítimas de uma sociedade que não leva em conta a
dignidade da pessoa humana. É necessário mais responsabilidade por
parte dos gestores públicos com políticas de proteção à infância e à
adolescência, e de alcance à família. É preciso que a família, a
comunidade, a sociedade em geral e o Poder Público assegurem
proteção e socorro em quaisquer circunstâncias e que possibilitem à
família condições de direcionar seus filhos rumo à cultura da paz.

Enganam-se os que pensam que é a inimputabilidade dos jovens que


os atrai para o crime, pois é a falta de oportunidades, a falta de
expectativas para um futuro melhor que os leva para este caminho.
Somente por meio de políticas inclusivas (de subsistência) que
abranjam saúde e educação, bem como um policiamento responsável
e comunitário, será possível avançar na construção de uma sociedade
justa e solidária (de acordo com o IPEA - Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada, o Brasil ainda possui 16 milhões de pessoas em
situação de pobreza extrema, ou seja, com renda mensal de até 70
reais).

Maioria favorável
Há sim uma maioria favorável à redução da maioridade penal. São
geralmente pessoas que se deixam influenciar pela mídia populista e
criticam duramente o menor em confronto com a lei. Defendem não
apenas medidas mais duras, mas há até aqueles que se solidarizam
com o modelo americano, vigente em alguns poucos estados daquele
país, que insanamente prevê pena perpétua sem direito a progressão
de regime para essa categoria de menores, o que seria o mesmo que
admitirmos a tese lombrosiana que não encontrou ancoragem nem
na ciência, nem no direito penal pátrio.

Aceitar esse fato seria um contrassenso, seria banalizar e reduzir


uma questão de tamanha complexidade a itens que na verdade são
mais consequência do descaso do Poder Público com a criança e o
adolescente que tem provocado o que venho denominando de "O
Holocausto Brasileiro", uma verdade que há décadas vem vitimando
crianças e adolescentes e precisa ser contido, e nunca será superado
através de duras penas.

Ademais, não podemos deixar de mencionar que a redução da


maioridade penal de 18 para 16 anos contraria artigo 60, § 4º, da
Constituição Federal que não pode ser alterado (já que é cláusula
pétrea), além de desrespeitar o Pacto de São José da Costa Rica, do
qual o Brasil é signatário. Segundo esse tratado, os adolescentes
devem ser processados separadamente dos adultos. De acordo com o
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o Estado tem o dever de
assegurar proteção integral às crianças e aos adolescentes.

Portanto reduzir a maioridade penal seria o mesmo que jogar os


jovens em conflito com a lei precocemente na "Universidade do
Crime", porque é do conhecimento público a deterioração do sistema
penal brasileiro.

Você também pode gostar