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É sempre bom lembrar que o Direito Penal, consorte indissociável das relações
sociais, faz o homem desfrutar do arbítrio, da palavra, do poder, da moral, da ética, dos valores,
dos princípios, enfim, da subsunção à norma. Surge, em consequência, a complexidade
existencial das condutas ilícitas, de modo que ele se torna o protagonista destinado a
enquadrá-las, metrificando essas assimetrias de forma pretendidamente eficaz. O Direito Penal
não é, como se propala, direito de ultima ratio, mas de prima ratio. Se se fizer um estudo
comparado dos códigos penais do mundo, perceber-se-á o caráter pedagógico em todos eles,
pois encerram mandamentos como: não matarás, não furtarás, não darás falso testemunho...
pode argumentar que uma seja menos ou mais importante que a outra, pois a lógica linear é a
mesma para ambas. E mais, por razões de topologia, ou de topografia legislativa, a idade penal
foi veiculada na Constituição, mas é norma materialmente ordinária e não formalmente
constitucional, como fizeram os constituintes de 1988. Aliás, mais um, dos muitos equívocos.
De saída, não há qualquer impedimento constitucional para se propor uma emenda supressiva
ou modificativa do art. 228, a exemplo das várias que tramitam no Congresso Nacional a
respeito da temática.
Vê-se, nesse passo, que existe, porém, uma distância incalculável entre o prisma
civil e o espectro penal do ECA. Não é possível, ainda, por aqui, legislar sem preferências e
sem concepções míticas de ordem subjetivo-objetiva. A impressão que se tem é que as
censuras do ECA são eficientes, é o que parece a primeira vista. Ocorre, porém, que para
qualquer ato infracional praticado por adolescente (crime ou contravenção penal), a única
medida sócio educativa que restringe a liberdade é a internação. E ainda, o prazo máximo
dessa medida é sempre o mesmo: três anos. Se o adolescente praticar um estupro, um
latrocínio ou um homicídio, a medida será sempre a mesma, isto é, cumprirá 3 anos de medida
sócio educativa ou se atingir 21 anos, o que chegar primeiro. Daí o motivo da sua banalização.
O ECA, na parte referente às censuras infracionais, está marcado com o selo da artificialidade.
psicológica, filosófica, sociológica etc, mas o fato é que a conduta, o dolo e a execução são,
forçosamente, levados ao Direito Penal.
Não se perca de vista que ser criança, ser adolescente e ser adulto não são fases
que ocorrem linearmente, de forma estanque e claramente definidas. Após as atuais
revoluções, o limiar destas três fases se tornou mais tênue, exatamente porque se tornou
socializada a informação. A demarcação das faixas etárias é convencionada. Assim, a idade da
pessoa não revela exatamente o que ela é ou deveria ser. Daí o porquê dos andragogos,
antropólogos, biólogos, filósofos, pedagogos, psicólogos e sociólogos, não conseguirem um
consenso em metrificar o período da infância e da adolescência.
Assinale, por outra verve que, no Brasil, há legislações que decolam e outras não.
Algumas leis de cunho penal inserem-se entre as segundas, pois naufragam num viés de
expansão numa ponta e de retração noutra. É o caso do ECA ao combater os atos infracionais
e os desvios de conduta dos adolescentes. Os fatores criminógenos que regem o crime
praticado pelo maior de dezoito anos, também regem aqueles praticados por adolescentes. A
vida do adolescente não é, como muitos imaginam, um momento preparatório. Ela está
acontecendo agora, de fato, como a vida adulta! E mais, a multiplicidade de escolha dos
adolescentes cinge-se da piedade solidária ao cinismo criminoso.
idade penal. Existe uma parceria entre adolescência e delinquência, porque o adolescente, por
não ser reconhecido dentro do pacto social, terá que ser reconhecido fora ou contra ele. No
Estado de Direito, a ampla liberdade das pessoas, e aqui se inclui a dos adolescentes, não
pode ser confundida com a liberdade de delinquir. A noção de limite é fundamental em todos os
aspectos, em especial nos penais. Realizar mentalmente um gesto consiste em antecipar as
suas consequências, seja ele qual for. O adolescente infrator de hoje não espera a idade adulta
para praticar crime. A par disso, é bom não dessaber que a imputabilidade penal é a regra, e a
inimputabilidade penal é a exceção!
Vistos do ângulo que for, os testemunhos coligidos nas diversas obras que tratam do
assunto ilustram o fato de que, aos 14 anos de idade, a pessoa já pode ser responsabilizada
por seus atos. Alguns teóricos multidisciplinares como Adler, Piaget, Vygotsky e Wallon, para
citar alguns, ao verificar como os fatores sociais comparecem para explicar o desenvolvimento
intelectual, hauriram conclusões bem mais incisivas, de modo que a chegada ao estágio final da
construção das operações cognitivas complexas ocorre nas proximidades dos 12 ou 13 anos de
idade. Baseada em todas essas premissas, a proposta aqui veiculada cinge-se à redução da
idade penal aos 16 anos e, para alguns crimes, aos 14 anos de idade. É necessária a ruptura
que assume um prisma, muitas vezes, explosivo, mesmo que para isso tenha que romper (pré)
conceitos.
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Se punir o adolescente com as penas do Código Penal vai lhe causar rebeldia, o que
dizer da generosidade das medidas sócio educativas do ECA?
Até que ponto responsabilizar o adolescente infrator pelo ECA reflete a realidade
brasileira?
Está na hora, aliás já passou da hora, de se reduzir a idade penal, e não faze-la é
algo visto como uma clivagem no corpo social. O Direito Penal não pode ficar a reboque das
transformações sociais. A sua pós modernidade tem, em função das amarras que lhe são
peculiares, dificuldade de assimilar aquilo que é novo, pois lhe é estranho, mas em doses
homeopáticas isso ocorrerá. O Direito Penal foi e, de certo modo, ainda é um grande
desconhecido e representa, nesse “finca pé”, abrigo desigual na República brasileira. Daí um
Código Penal e um ECA extremamente generosos com a variada criminalidade. Se há um lugar
onde adolescente pode “brincar” de ser rebelde, sem levar o troco, é no Brasil.
Percepção de um ponto singular reside na delicada “trip” do Direito Penal, pois é
necessário definir claramente as questões a serem enfrentadas, sem paixões, sob pena de
menoscabar o Direito de Beccaria. Está-se em 2009, não em 1940, de modo que reduzir a
idade penal tornou-se necessário, pois não há mais como se opor à irresistível lógica dos
acontecimentos e dos avanços sociais. Não é sem motivo que o clamor popular enseja a
ablação de posturas legais alheias à realidade jurídico penal.
Ao fim e ao cabo, não se pode continuar tratando o adolescente como criança. A lei
penal deve corresponder à realidade temporal e geográfica onde incide, pois ela é construída
por intermédio de padrões. A redução da idade penal não deve ser entendida como uma
descoberta súbita, mas como uma multiplicidade de processos que a marejam. Quando a
pessoa é doente mental, a sociedade não lhe resguarda expectativas de papéis, mas quando
se é saudável mentalmente, incide a teoria dos papéis e isso é algo que não se pode
escotomizar! A responsabilidade penal dos adolescentes, como já se escreveu, não é ponte
carroçável para resolver a delinquência juvenil, mas é um dos vários referenciais para introduzi-
la aos padrões aceitáveis.
Destaque-se que a nova idade penal englobará, na verdade, uma outra “economia
política” da imputabilidade penal, pois ela não tem um único traço de aferição, mas vários a
mãos de semear!