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Módulo 1 – Compreendendo a Concepção de Criança e Adolescente

Apresentação do módulo
Para a Organização Mundial da Saúde, a adolescência é um período da vida que começa
aos 10 e vai até aos 19 anos. Já para o Estatuto da Criança e do Adolescente, esse período começa
aos 12 e vai até aos 18 anos.

Mesmo com definições diferentes, ambas as concepções concordam que é nesse período
que acontecem importantes mudanças físicas, psicológicas e comportamentais.

Neste módulo, você estudará as definições legais sobre criança e adolescente, os


principais aspectos psicossociais presentes na infância e na adolescência, bem como algumas
questões que concorrem para que a juventude brasileira se encontre em situação de
vulnerabilidade.

Objetivo do módulo
Ao final do estudo deste módulo, você será capaz de:

 Compreender a definição de criança e adolescência na legislação brasileira;

 Identificar os aspectos psicossociais das fases de desenvolvimento da infância e


adolescência;

 Refletir sobre as questões que concorrem para que a juventude brasileira se


encontre em situação de vulnerabilidade.

Estrutura do módulo
Este módulo é formado por uma aula:

 Aula 1– Infância e adolescência: definições e concepções.


Aula 1– Infância e adolescência: definições e concepções

1.1. Definições de criança e adolescente de acordo com a lei


De acordo com a denominação do art. 2º do Estatuto da Criança e Adolescente (Lei nº
8.069/1990) temos as seguintes definições sobre criança e adolescente:

 Criança é a pessoa até 12 anos;

 Adolescente é a pessoa entre os 12 e os 18 anos de idade.

A decisão de incluir na esfera de ação do Estatuto o menor de 18 anos está de acordo com
a Convenção sobre os Direitos da Criança, que, como se sabe, em seu primeiro dispositivo,
estabelece que, para os efeitos da mesma, "se entende por criança todo o ser humano menor de 18
anos".

Importante – O mencionado art. 2º contém uma exceção, quando disposto na lei,


prevendo que o Estatuto é aplicável aos que se encontram entre os 18 e os 21 anos (p. ex.,
prolongamento da medida de internação até os 21 anos e assistência judicial – não representação
– para os maiores de 16 e menores de 21 anos, previstos nos arts. 121 e 142).

1.2. A criança e a importância da primeira infância


A criança é um ser em pleno desenvolvimento e não um adulto em miniatura. Todas as
vivências da infância estão interligadas com a forma do seu desenvolvimento futuro, no qual a
inteligência e o afeto têm uma relação de causa e efeito. O papel dos pais e professores é
fundamental para o desenvolvimento de um adulto saudável. A atenção integral à criança, com
amor e imposição de limites, possibilita o seu crescimento com segurança para que se torne um
adulto integrado socialmente. Contudo, a realidade da maior parcela da população brasileira é
incompatível com essas necessidades do desenvolvimento infantil.

Estudos científicos comprovam que o desenvolvimento humano possui uma fase


primordial, denominada 1ª infância, que compreende o período do nascimento até o sexto ano de
vida. Nessa fase, o desenvolvimento cerebral é mais rápido, sofrendo influências dos fatores
biológicos, psicossociais, herança genética e pela qualidade do ambiente em que se vive e se
convive. Esse processo define o desenvolvimento cognitivo e sócio emocional do ser humano,
podendo afetar a capacidade estrutural e funcional que ele terá na vida adulta.

De acordo com o UNICEF (2005), a primeira infância é um excelente investimento. Essa


afirmativa está baseada em estudo feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea),
em 2000. O estudo aponta que uma criança que freqüentou pelo menos dois anos de creche ou
pré-escola, quando adulta, tem seu poder de compra aumentado em 18%,pois a atenção integral a
essa faixa etária interfere no sucesso escolar, no desenvolvimento de fatores de resiliência e
autoestima, na formação das relações e da autoproteção requeridas para independência
econômica e no preparo para a vida familiar.

1.3. Adolescência
Segundo H. Bee (1997), a adolescência é um período (dos 12 aos 20 anos) de mudanças
da puberdade e um período de transição entre a infância e a adoção completa de um papel adulto.

 Adolescência inicial (11 ou 12 anos):

o Período de transição, dominado pela assimilação, no qual acontecem


mudanças significativas em todos os aspectos do funcionamento da
criança.

 Adolescência final (16 ou 17 anos):

o Período de consolidação e acomodação, quando o jovem estabelece uma


nova identidade coesa, novos padrões de relacionamento social, com
compromissos de papel mais claro.

Ajustando as definições entre adolescência e juventude – Se o termo infância nos


remete aos termos criança e adolescência, que se encontram referenciados por fortes indicadores
físicos e fisiológicos, o termo juventude é muito mais recente e nos remete a definições
socialmente delimitadas (...) o conceito juventude resumiria uma categoria essencialmente
sociológica, que indicaria o processo de preparação para os indivíduos assumirem o papel de
adultos na sociedade, tanto no plano familiar quanto no profissional, estendendo-se dos 15 aos 24
anos, ou 15 a 29, no entendimento das instituições brasileiras. (Mapa da Violência, 2010, p.12).

1.4. Adolescência e o contexto brasileiro: espaço de vulnerabilidade


O adolescente vive conflitos afetivos. Deseja ser aceito pelos adultos e pelos amigos
(referencial). Começa a estabelecer a sua moral, que é referenciada conforme amoral do grupo.

Importante – A conformidade com o grupo torna-se muito importante para o adolescente


que precisa ser aceito nele. Por isso, ele tende a buscar a consolidação da auto-imagem e o
estabelecimento de uma identidade pessoal.

Entretanto, essa fase conflituosa é agravada no contexto brasileiro, sobre o qual Oliveira
(2001) considera:

Em primeiro lugar, o fato de que nesta “onda jovem” predominam sujeitos de baixa renda,
seja porque 63% dos brasileiros estão localizados em famílias consideradas miseráveis,
despossuídas ou pobres1, seja porque a taxa de fecundidade2 nestes segmentos é bem maior. Em
segundo lugar, observa-se que, no mínimo, 1/3 deste total de jovens que vivem no patamar mais
baixo da pirâmide social está concentrado em áreas mais carentes de equipamentos, como é o
caso das cidades nordestinas ou dos municípios pequenos de outras regiões do Brasil, com poucas
alternativas de desenvolvimento econômico e que ficam de fora dos programas nacionais da área
social ou são alvo apenas de medidas paliativas.

A juventude da periferia encontra-se em situação de maior vulnerabilidade em função da


falta de condições apropriadas ao desenvolvimento da criança e do adolescente, bem como das
condições de inserção na sociedade atual, baseada na cultura da competição e do consumo.

Oliveira (2001) diz que:

1
Ver o arquivo “Informação 1” em anexo na plataforma.
2
Ver o arquivo “Informação 2” em anexo na plataforma.
Trabalhamos com o argumento de que, quanto mais desigual for uma
nação, maiores serão suas taxas de violência e de criminalidade. Logo, a
questão não pode ser apresentada a partir de qualquer relação de
causalidade com a miséria em si mesma, na medida em que muitas nações
extremamente pobres, mas com menor desigualdade social, possuem
indicadores de violência reduzidos.

Refletindo sobre a questão – Tendo em vista que o Estado e a sociedade brasileira não
cumprem a legislação no que tange à priorização da infância e da juventude, como esperar que o
jovem cumpra obrigações mediante a cassação de seus direitos e da sua cidadania?

Após refletir, leia a entrevista Medo e Insegurança a Vida com Carmem Silveira de
Oliveira, psicóloga e professora na Unisinos, São Leopoldo, RS, que aborda sobre os jovens em
situação de risco.

Para ampliar seu conhecimento sobre o tema, assista PROFISSÃO REPÓRTER “Jovens
em Perigo”, exibido no dia 01/09/2009, terça-feira.

No Profissão Repórter da terça-feira, 1º de setembro, Caco Barcellos e sua equipe


passaram 48 horas em três cidades com o maior índice de assassinato de jovens no Brasil.

Os repórteres Mariane Salerno e Caio Cavechini esteve em Foz do Iguaçu, a cidade


número 1 no ranking de adolescentes vítimas da violência. Por que eles morrem e matam tanto na
fronteira?

Thaís Itaqui e Felipe Gutierrez passaram o fim de semana no Espírito Santo, estado com
três cidades incluídas entre as 10 mais perigosas para jovens.

E Caco Barcellos percorreu a Grande Recife e mostrou a rotina de medo e dor numa das
regiões mais violentas do Nordeste brasileiro.

1º Bloco | 2º Bloco
Finalizando...
Neste módulo, você estudou que:

 De acordo com o ECA, criança é a pessoa até 12 anos e adolescente é a pessoa


entre os 12 e os 18 anos de idade.

 Estudos científicos comprovam que o desenvolvimento humano possui uma fase


primordial, denominada 1ª infância, que compreende o período do nascimento até
o sexto ano de vida. Nessa fase, o desenvolvimento cerebral é mais rápido,
sofrendo influências dos fatores biológicos, psicossociais, herança genética e pela
qualidade do ambiente em que se vive e se convive. Esse processo define o
desenvolvimento cognitivo e sócio emocional do ser humano, podendo afetar a
capacidade estrutural e funcional que ele terá na vida adulta.

 A conformidade com o grupo torna-se muito importante para o adolescente que


precisa ser aceito nele. Por isso, ele tende a buscar a consolidação da auto-imagem
e o estabelecimento de uma identidade pessoal.

 A juventude da periferia se encontra em situação de maior vulnerabilidade em


função da falta de condições apropriadas ao desenvolvimento da criança e do
adolescente, bem como das condições de inserção na sociedade atual, baseada na
cultura da competição e do consumo.
Módulo 2 – O Estatuto da Criança e do Adolescente
Apresentação do módulo
Neste módulo você estudará o que é o Estatuto da Criança e do Adolescente, seus
antecedentes históricos – legislação – diretivas internacionais de proteção, além da sistemática de
garantias dos direitos das crianças e adolescentes e dados sobre violência e mortalidade de
crianças e adolescentes no contexto brasileiro.

Objetivos do módulo
Ao final do estudo deste módulo, você será capaz de:

 Analisar os antecedentes históricos da proteção à criança e ao adolescente;

 Compreender, de forma desmistificada, o Estatuto da Criança e do Adolescente –


ECA (Lei n° 8.069, 13 de julho de 1990) e apreender sua aplicação, no sentido de
garantir o respeito aos direitos da criança e do adolescente;

 Identificar os sistemas de garantias dos direitos das crianças e adolescentes;

 Relacionar as medidas protetivas e socioeducativas aos referidos artigos do ECA;

 Analisar dados sobre a violência e a mortalidade entre crianças e adolescentes.

Estrutura do módulo
Este módulo é formado por três aulas:

 Aula 1– Antecedentes históricos e principais instrumentos normativos de defesa da


criança e do adolescente em âmbito nacional e internacional.

 Aula 2– Compreendendo o ECA –sistemática de garantias.

 Aula 3 – Violência e mortalidade.


Aula 1 – Antecedentes históricos e principais instrumentos normativos de defesa da
criança e do adolescente em âmbito nacional e internacional.

1.1. Antecedentes históricos – diretivas internacionais de proteção


Segundo Mendes (2009), podem ser apontados histórica e cronologicamente fatos e
alguns instrumentos normativos que fundamentam a doutrina da proteção integral, em âmbito
nacional e internacional, acerca dos Direitos da Criança, conforme se segue:

 1919: A Sociedade das Nações cria o Comitê de Proteção da Infância. A existência


desse Comitê faz com que os Estados não sejam os únicos soberanos em matéria
dos direitos da criança.

 1923: EglantyneJebb (1876-1928), fundadora da SavetheChildren, formula junto


com a União Internacional de Auxílio à Criança a Declaração de Genebra sobre os
Direitos da Criança, conhecida por Declaração de Genebra.

 1924: A Sociedade das Nações adota a Declaração de Genebra.

 1927: Durante o IV Congresso Panamericano da Criança, dez países americanos


(Argentina, Bolívia, Brasil, Cuba, Chile, Equador, Estados Unidos, Peru, Uruguai
e Venezuela) subscrevem a ata de fundação do Instituto Interamericano da Criança
(IIN –Instituto Interamericano delNiño– hoje vinculado à OEA e estendido à
adolescência), organismo destinado à promoção do bem-estar da infância e da
maternidade na região.

 1946: O Conselho Econômico e Social das Nações Unidas recomenda a adoção da


Declaração de Genebra. Logo após a II Guerra Mundial um movimento
internacional se manifesta a favor da criação do Fundo Internacional de
Emergência das Nações Unidas para a Infância –UNICEF.
 1948: A Assembléia Geral das Nações Unidas proclama a Declaração Universal
dos Direitos Humanos. Nela os direitos e liberdades das crianças e adolescentes
estão implicitamente incluídos.

 1959: A Declaração dos Direitos da Criança é adotada por unanimidade.


Entretanto, esse texto não é de cumprimento obrigatório para os estados-membros.

 1979: Celebra-se o Ano Internacional da Criança. São realizadas atividades


comemorativas ao vigésimo aniversário da Declaração dos Direitos da Criança.

 1983: Diversas ONGs se organizam para elaborar uma Convenção Internacional


sobre os Direitos da Criança, possuindo o estatuto de consulta junto à ONU.

 1989: A Convenção sobre os Direitos da Criança é adotada pela Assembléia Geral


da ONU e aberta à subscrição e ratificação pelos Estados.

 1990: Celebra-se a Cúpula Mundial de Presidentes em favor da infância. Nesta


cúpula se aprova o Plano de Ação para o decênio 1990-2000, o qual serve de
marco de referência para os Planos Nacionais de Ação para cada Estado parte da
Convenção.

 1990: No Brasil é promulgado o Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei


8.069/90, de 13 de junho de 1990 (ECA).

 2001: É celebrado o Ano Interamericano da Infância e Adolescência.

As primeiras discussões acerca dos direitos da criança se deram no início do século XX,
por parte da extinta Liga das Nações e da Organização Internacional do Trabalho (OIT),
preocupadas com a situação da infância no mundo. Essas discussões provocaram a adoção de três
Convenções pela OIT com o objetivo de abolir ou regular o trabalho infantil em 1919 e 1920, e a
criação de um comitê especial pela Liga das Nações que tratava das questões relativas à proteção
da criança e da proibição do tráfico de crianças e mulheres. Da mesma forma, na Declaração de
Genebra, de 1924, já se nota a preocupação internacional em assegurar os direitos de crianças e
adolescentes (Mendes, 2009).

Entretanto, foi somente depois do fim da Segunda Guerra Mundial, com a criação da
ONU e sua subsidiária –UNESCO– a partir da década de 1950, que os países passaram a mais
detidamente debruçar-se sobre a situação das crianças e adolescentes.

A Declaração dos Direitos da Criança (Resolução da Assembléia Geral da ONU de


20/11/1959) estabeleceu que a criança precisa de proteção e cuidados especiais, inclusive
proteção legal apropriada, antes e depois do nascimento, em decorrência de sua imaturidade física
e mental. O princípio 9° enfatiza que “a criança gozará proteção contra quaisquer formas de
negligência, crueldade e exploração”.

Essa proteção foi baseada na premissa da necessidade de proteção à criança, estabelecida


pela Declaração Universal dos Direitos Humanos e pela Declaração dos Direitos da Criança em
Genebra, de 1924. A Declaração de 59 foi sendo aprimorada com as chamadas:

1. "Regras de Beijing”, de 1985 – que estabeleceram Regras Mínimas das Nações


Unidas para a Administração da Justiça da Infância e da Juventude;

2. Regras Mínimas das Nações Unidas para a Elaboração de Medidas não Privativas
de Liberdade (Regras de Tóquio), adotadas pela Assembléia Geral das Nações
Unidas na sua resolução 45/110, de 14 de dezembro de 1990; e

3. As "Diretrizes de Riade", de 1990, que estabeleceram as Diretrizes das Nações


Unidas para a Prevenção da Delinqüência Juvenil;

Nesse campo considera-se que o avanço mais significativo para as Nações, em termos de
efetivação da garantia de direitos das crianças, ocorreu a partir da Convenção sobre os Direitos
das Crianças – Resolução nº. 44/25 da Assembléia Geral da ONU em 20/11/1989.
Importante – De acordo com Mendes (2009), sobre as conquistas da Convenção de 1989,
pode ser citada a consolidação da Doutrina da Proteção Integral da Criança, cuja origem se
encontra textualmente na Declaração Universal dos Direitos da Criança (1959). No preâmbulo, a
Doutrina traz o reconhecimento da necessidade de um sistema de proteção diferenciado para a
criança, dando-lhe prerrogativas e privilégios concernentes à seguridade social, educação,
trabalho, convívio, a fim de proporcionar-lhe condições favoráveis ao seu desenvolvimento
saudável.

Essa autora destacou alguns artigos da Convenção sobre os Direitos da Criança que
trazem o conceito de criança (como é o caso do art. 1º) e estabelecem as responsabilidades da
proteção especial a esse sujeito em desenvolvimento:

 Artigo 3º: Todas as decisões que digam respeito à criança devem levar em conta o
seu interesse superior. O Estado deve garantir cuidados adequados à criança,
quando os pais ou outras pessoas responsáveis por ela não tenham capacidade para
fazê-lo.

 Artigo 6º: Todas as crianças têm o direito inerente à vida, e o Estado tem
obrigação de assegurar a sua sobrevivência e seu desenvolvimento.

 Artigo 19: O Estado deve proteger a criança contra todas as formas de maus tratos
por parte dos pais ou de outros responsáveis pelas crianças e estabelecer
programas sociais para a prevenção dos abusos e para tratar as vítimas.

1.2. O contexto brasileiro: o nascimento da doutrina de proteção integral


No Brasil, a partir dos anos 80, por ocasião da redemocratização, as pressões dos
movimentos sociais em defesa da infância, em torno da Assembléia Constituinte, marcaram uma
das maiores conquistas pelos direitos da criança: a incorporação de uma nova visão sobre a
infância na Carta Magna.
Na Assembléia Constituinte, um grupo de trabalho sobre a temática da criança e do
adolescente incluiu um artigo na Constituição da República de 88, introduzindo a doutrina da
proteção integral à criança, preconizada nos tratados internacionais da ONU, no direito brasileiro:

Art.227- É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança


e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão. (Constituição Federal, 1988).

Ao romper definitivamente com a doutrina da situação irregular, até então admitida pelo
Código de Menores (Lei 6.697, de 10.10.79), e estabelecer como diretriz básica e única no
atendimento de crianças e adolescentes a doutrina de proteção integral, o legislador pátrio agiu
de forma coerente com o texto constitucional de 1988 e documentos internacionais aprovados
com amplo consenso da comunidade das nações.

É nesse sentido que a Constituição Federal de 1988, pela primeira vez na história
brasileira, aborda a questão da criança como prioridade absoluta, tornando sua proteção dever da
família, da sociedade, do Estado.

Se é certo que a própria Constituição Federal proclamou a doutrina da proteção integral,


revogando implicitamente a legislação em vigor à época, o país clamava por um texto
infraconstitucional consoante com as conquistas da Carta Magna.

Aula 2–Compreendendo o Estatuto da Criança e Adolescente – sistemática de


garantias

2.1. O ECA
Como você estudou na aula anterior, a CF/88 proclamou a doutrina de proteção
integral,estabelecendo a co-responsabilidade entre: família – sociedade – Estado.
Mas o país clamava por um texto específico, infraconstitucional que traduzisse essa
doutrina. Nesse sentido nasceu a Lei nº. 8.069, de 13 de julho de 1990, o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), elaborada por uma comissão formada por representantes da sociedade civil,
juristas e técnicos dos órgãos governamentais, com a participação fundamental do Movimento
Nacional de Meninos e Meninas de Rua (MNMMR) e da Pastoral da Criança.

Importante – O ECA é a lei que reconhece a criança e o adolescente como sujeito de


direitos em nosso país, defendendo o seu interesse superior.

Composto por 267 artigos, o referido documento, no Brasil, é um marco histórico em


termos dos direitos infanto-juvenis. A prioridade absoluta que preceitua o artigo 227 da CF/1988
foi reafirmada no seu art. 4º. Senão vejamos:

Art. 4º. É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do


Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos
direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte,
ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:

a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer


circunstâncias;

b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância


pública;

c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais


públicas;

d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas


com a proteção à infância e à juventude.
A sistemática do ECA ressalta, dentre o rol dos direitos fundamentais que estão
interligados, o direito à vida e à saúde e em seu art. 7º preconiza:

“Art. 7º. A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a
efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e
harmonioso, em condições dignas de existência.”

O direito à vida possibilita a concretização dos outros direitos, como direito à educação,
ao esporte e ao convívio familiar. Assim, a proteção à vida e à saúde permeia todas as políticas
públicas voltadas à criança e ao adolescente.

Refletindo sobre a questão – A realização desse artigo implica a reformulação das


prioridades nacionais tanto no nível da sociedade como, principalmente, do Estado. Passa a ser
prioridade o gasto público com as crianças e adolescentes, de modo a garantir-lhes condições
plenas de vida. (Comentário de Herbert de Souza sobre o Artigo 7º do ECA.)

Na sua opinião, essa prioridade está sendo seguida?

2.2. O ECA e os sistemas de garantias


Conforme Saraiva (2005), no ECA encontram-se os fundamentos dos três grandes
sistemas de garantias (primário, secundário e terciário) que estabeleceram as diretrizes para uma
política pública que prioriza as crianças e os adolescentes, reconhecendo a sua condição de
pessoa em processo de desenvolvimento. São eles:

Sistema primário – refere-se às políticas públicas de caráter universal para


atendimento a toda população infanto-juvenil brasileira sem quaisquer distinções (traduzido
especialmente pelos arts. 4º, 86 e 87, do ECA).

Art. 4º. É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do


Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos
direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte,
ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:

a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer


circunstâncias;

b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância


pública;

c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais


públicas;

d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas


com a proteção à infância e à juventude.

Art. 86. A política de atendimento dos direitos da criança e do


adolescente far-se-á através de um conjunto articulado de ações
governamentais e não governamentais, da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios.

Art. 87. São linhas de ação da política de atendimento:

I. políticas sociais básicas;

II. políticas e programas de assistência social, em caráter supletivo,


para aqueles que deles necessitem;

III. serviços especiais de prevenção e atendimento médico e


psicossocial às vítimas de negligência, maus-tratos, exploração,
abuso, crueldade e opressão;
IV. serviço de identificação e localização de pais, responsável, crianças
e adolescentes desaparecidos;

V. proteção jurídico-social por entidades de defesa dos direitos da


criança e do adolescente”.

Sistema secundário– possui natureza preventiva e abrange as medidas de proteção


dirigidas a crianças e adolescentes em situação de risco pessoal ou social que sejam vítimas,
cujos direitos fundamentais foram violados (especialmente os arts. 98 e 101). Essas medidas
protetivas são aplicáveis às crianças e adolescentes vitimados.

Art. 98. As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis


sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou
violados:

I. por ação ou omissão da sociedade ou do Estado;

II. por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável;

III. em razão de sua conduta.

Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a


autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes
medidas:

I. encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de


responsabilidade;

II. orientação, apoio e acompanhamento temporários;

III. matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de


ensino fundamental;
IV. inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à
criança e ao adolescente;

V. requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em


regime hospitalar ou ambulatorial;

VI. inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação


e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;

VII. acolhimento institucional;

VIII. inclusão em programa de acolhimento familiar;

IX. colocação em família substituta.

(Parágrafos 1º. ao 12 – ver no texto oficial)

Sistema terciário – trata das medidas socioeducativas destinadas a adolescentes em


conflito com a lei por terem cometido atos infracionais, ou seja, aqueles que passam da condição
de vitimizados a vitimizadores (refletido especialmente nos arts. 103 e 112.

Art. 103. Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou


contravenção penal.

Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente


poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:

I. advertência;

II. obrigação de reparar o dano;

III. prestação de serviços à comunidade;

IV. liberdade assistida;

V. inserção em regime de semi-liberdade;


VI. internação em estabelecimento educacional;

VII. qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.

§ 1º A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua


capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da
infração.

§ 2º Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a


prestação de trabalho forçado.

§ 3º Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental


receberão tratamento individual e especializado, em local
adequado às suas condições.

Pela legislação brasileira, o direito à proteção especial às crianças e adolescentes abrange


os aspectos relativos ao trabalho, como idade mínima de 14 anos para a admissão, aquisição de
direitos trabalhistas e previdenciários; garantia de acesso do trabalhador adolescente à escola;
conhecimento da atribuição de ato infracional com defesa técnica por profissional qualificado;
respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, obedecendo aos princípios da
excepcionalidade na aplicação de medidas privativas de liberdade; estímulo do poder público
para o acolhimento por guarda de órfãos ou abandonados; acesso a programas de prevenção e
atendimento especializado aos dependentes químicos. Além disso, a lei prevê a punição contra
abuso, a violência e a exploração sexual infanto-juvenil.

Importante – O ECA (Lei nº. 8069/1990) prevê a aplicação das medidas protetivas,
mediante a ameaça ou violação a direitos, pela ação ou omissão da sociedade ou do Estado, por
falta, omissão ou abuso dos pais ou responsáveis pelas crianças e adolescentes. O acionamento do
sistema secundário de prevenção, enquanto medida de proteção da criança ou adolescente
vitimizado tem caráter preventivo da delinqüência.
As medidas específicas de proteção também são aplicáveis à conduta conflitante com a
lei, nas hipóteses previstas no art. 98 do ECA. Contudo, tais medidas devem levar em conta as
necessidades pedagógicas, visando o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários, o que
comumente tem se distanciado da prática das instituições responsáveis e do poder público.

Segundo Saraiva (2005), mediante alguma falha do sistema primário de prevenção, o


sistema secundário é acionado para proteger a criança ou adolescente, por meio do Conselho
Tutelar. No caso de adolescente em conflito com a lei ou de ato infracional atribuído a este, são
determinadas as medidas socioeducativas do terceiro sistema de prevenção, através da
intervenção da Polícia, do Ministério Público, Defensoria e órgãos executores das medidas
socioeducativas.

Investigando a realidade – As políticas de atendimento à criança e ao adolescente são


hoje temas importantes das agendas dos governos estaduais e municipais.

Procure saber em seu estado e município quais ações e projetos estão sendo realizados
para implementação dessa política.

Aula 3 – Violência e mortalidade


Apesar da priorização absoluta dos direitos das crianças e dos adolescentes, da clareza das
regras da proteção integral no sistema jurídico brasileiro, a atenção do Estado dada a estes
sujeitos ainda é deficitária e por vezes, incongruente com o arcabouço normativo construído no
âmbito nacional e internacional.

A realidade da infância e da juventude brasileira se configura numa problemática de


violações de direitos fundamentais enfrentada cotidianamente, dos quais se destacam, além de
diversos tipos de violência, os seguintes problemas:

- a mortalidade infantil e juvenil;

- a exploração do trabalho infantil;


- o tráfico e a exploração sexual infanto-juvenil.

Diante da legislação mais avançada acerca dos direitos da criança e do adolescente, o que
se observa é que há muito ainda o que fazer, em especial para a implementação dos dispositivos
contidos nos principais tratados internacionais, dos quais o Brasil é signatário e que orientaram a
legislação sobre os direitos da criança para a consolidação de políticas públicas que garantam a
proteção integral: a Declaração Universal dos Direitos da Criança e a Convenção Internacional
sobre os Direitos da Criança.

Desde os anos 1990, muitos foram os avanços em termos da concepção da proteção


integral à criança, da criação de um sistema de garantias, dos investimentos em programas
governamentais na área de saúde e educação que apresentaram reduções nas taxas de
mortalidade, analfabetismo e desnutrição da população infantil.

Em vista da realização da 8ª Conferência Nacional da Criança e do Adolescente, o


Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) disponibilizou um
texto-base para que municípios e estados aprofundassem o debate sobre os eixos prioritários
dessa conferência. Entre os eixos, consta a “Proteção e Defesa no Enfrentamento das Violações
de Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes” que expressa a preocupação do Conselho com
o crescimento das denúncias de diversas violências e violações contra crianças e adolescentes na
mídia.

Através do Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (VIVA) do Ministério da


Saúde, no período de 2006-2007, os dados demonstraram que crianças e adolescentes estão
expostos às mais variadas formas de violência em 27 unidades da federação. Além de tantos
estudos que demonstram o recrudescimento das violências, constata-se que os altos índices de
letalidade possuem um recorte etário, étnico, econômico e de gênero, sendo vitimados
majoritariamente jovens do sexo masculino, negros e pobres residentes em comunidades
periféricas.
Conforme Mendes (2009), das condições de vida da população infanto-juvenil, focaliza-se
a mortalidade, que no Brasil apresenta-se com os seguintes indicadores descritos pela Agência de
Notícias dos Direitos da Infância (ANDI, 2007):

a) Mortalidade infantil:

i. A taxa de mortalidade infantil no País é de 21,1 mortes por mil nascidos


vivos, a terceira maior da América Latina, atrás da Bolívia e da Guiana. O
índice brasileiro é considerado médio pelos critérios da OMS. Contudo, em
alguns estados é bem mais elevado, como em Alagoas (44,4 por mil),
Maranhão (32,7) e Paraíba (34).

ii. Acidentes e agressões, juntos, são a primeira causa de morte de meninos e


meninas com até seis anos no País, de acordo com a Análise da Violência
Contra a Criança e o Adolescente, do Unicef. A pesquisa A Ponta do
Iceberg, do Laboratório de Estudos da Criança da Universidade de São
Paulo (Lacri), estima que apenas 10% dos casos de violência intrafamiliar
chegam a ser conhecidos.

b) Mortalidade juvenil:

Os jovens de 15 a 24 anos continuam sendo as maiores vítimas de homicídio, conforme


aponta o Mapa da Violência 2006 – Os Jovens do Brasil, da Organização dos Estados Ibero-
Americanos para a Educação, a Ciência e Cultura (OEI). O estudo, que abrange o período de
1994 a 2004 com base em dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) do
Ministério da Saúde, revela que aconteceram 175.548 assassinatos no período. De toda a
população dessa faixa etária no País, 39,7% são atingidos pela violência letal. A situação é mais
grave nos estados de Pernambuco, Rio de Janeiro e Espírito Santo, onde metade dos jovens foram
alvos de mortes violentas na década analisada. Outro dado apontado pela OEI é de que os
homicídios cresceram 48,4% no geral da população, mas o acréscimo foi de 64,2% entre os
jovens. No principal grupo de risco estão os adolescentes do sexo masculino, afro descendentes
que residem em bairros pobres ou nas periferias das metrópoles, com baixa escolaridade e pouca
qualificação profissional.

Ampliando seu conhecimento – Apesar dos dados apresentados acima serem do Mapa
da Violência 2006, eles são bastante significativos, pois fazem parte da série intitulada “Os
Jovens do Brasil” que tinha como foco a mortalidade violenta da faixa jovem.

De 2006 a 2010 os dados, além de serem atualizados, ganharam outros recortes: os dados
são apresentados por unidades federativas, capitais, regiões metropolitanas e municípios,
conformando um dos capítulos do Mapa da Violência 2010 e possibilitando outras análises sobre
a questão.

Acesse o mapa na íntegra nos materiais complementares.

Segundo o UNICEF, é significativo o número de mortes de crianças com menos de sete


anos de idade por causas não especificadas: de acordo com o Sistema de Informação de
Mortalidade do Ministério da Saúde, em 2003, representou 32,5% entre todas as causas externas
(intoxicação, sequelas de queimadura, operações de guerra, entre outros).

A tabela abaixo aponta que, no período pesquisado, as mortes por acidentes de transportes
concentram os índices mais altos em todas as faixas etárias entre menores de um ano e 19 anos.
Entretanto, as causas externas não especificadas acometeram um percentual considerável de
crianças menores de um ano (58,24%). A falta de especificação se deve à forma da apresentação
e classificação e não à irrelevância dos dados.
1

Finalizando...
Neste módulo, você estudou que:

 Segundo Mendes (2009), podem ser apontados histórica e cronologicamente fatos


e alguns instrumentos normativos que fundamentam a doutrina da proteção
integral, em âmbito nacional e internacional, acerca dos Direitos da Criança.

 No Brasil, a Constituição Federal de 1988, pela primeira vez na história brasileira,


aborda a questão da criança como prioridade absoluta, tornando sua proteção
dever da família, da sociedade e do Estado(Art. 227).

 A Lei nº. 8.069, de 13 de julho de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente


(ECA) é a lei que reconhece esse público como sujeito de direitos em nosso país,
defendendo o seu interesse superior.

1
Fonte: UNICEF (2005)
 Apesar da priorização absoluta dos direitos das crianças e dos adolescentes, da
clareza das regras da proteção integral no sistema jurídico brasileiro, a atenção do
Estado dada a esses sujeitos ainda é deficitária e, por vezes, incongruente com o
arcabouço normativo construído no âmbito nacional e internacional.
Módulo 3–Adolescentes em Conflito com a Lei
Apresentação do módulo
Neste módulo, você estudará sobre o que é ato infracional, a questão da inimputabilidade
penal, além de refletir sobre o tema da redução da maioridade penal.

Objetivos do módulo
Ao final do estudo deste módulo, você será capaz de:

 Compreender o que é ato infracional e distingui-lo de crime e contravenção penal,


além de apreender a sistemática da punição dos atos infracionais;

 Distinguir a aplicação da legislação à criança e ao adolescente infrator;

 Compreender o que significa inimputabilidade penal e distingui-la de impunidade;

 Refletir a respeito da redução da maioridade penal no país;

 Analisar os sistemas de responsabilização adotados em outros países.

Estrutura do módulo
Este módulo é formado por três aulas:

 Aula 1–Adolescentes em conflito com a lei.

 Aula 2–A Imputabilidade Penal pelo Mundo: Estudo de Direito Comparado.

 Aula 3–A redução da maioridade penal.

Aula 1–Adolescentes em conflito com a lei


A questão fundamental não é saber o que faz do jovem um “infrator da lei”, mas sim
analisarmos o porquê de adolescentes e crianças, que são as principais vítimas, poderem ser
também autores de infrações penais.
Segundo o Manual para a Medição dos Indicadores da Justiça Juvenil (2006) do Escritório
de Drogas e Crime da Unicef, as causas sociais subjacentes que levam crianças a estarem em
conflito com a lei incluem pobreza, lares destruídos, falta de educação e oportunidades de
emprego, migração, drogas ou mau uso de substâncias, pressão de pares, falta de orientação
parental, violência, abuso e exploração.

Nesse sentido, reforça-se importância de se ter as políticas de prevenção da violência


integradas com as políticas de repressão da criminalidade, em especial quando se trata de crianças
e adolescentes.

1.1. A inimputabilidade penal e o ECA


A idade da responsabilidade criminal ou maioridade penal é a idade a partir da qual um
indivíduo pode ser responsabilizado penalmente por seus atos. A maioridade penal pode ser
diferente da maioridade civil, que consiste nas idades mínimas necessárias para dirigir, trabalhar
e casar.

De acordo com o referido manual da Unicef, a idade da responsabilidade criminal está


entre 7 e 18 anos nos países pesquisados, uma vez que a maioridade penal pode variar em cada
país de acordo com sua jurisdição própria. Existem países que utilizam mais de uma idade de
responsabilidade criminal, conforme a categoria do ato infracional cometido.

O Manual explica que:

Quando a idade de responsabilidade criminal for especialmente elevada –


17 ou 18 anos – é possível que o sistema de justiça juvenil do país seja
voltado basicamente para o bem-estar. Sob tal sistema, as crianças não
são descritas como tendo cometido um ato infracional, visto que tal
comportamento por parte das crianças é percebido como uma questão de
bem-estar, social ou educacional. Mesmo assim, estes tipos de sistema
ainda assim podem condenar crianças à privação de liberdade em
instituições tais como estabelecimentos educacionais fechados. [...]
Quando a idade de responsabilidade criminal é menor, é mais provável
que os sistemas nacionais utilizem juizados e tribunais de menores.

No Brasil, a idade da responsabilidade penal é a partir de 18 anos, pois a legislação


brasileira determina que as pessoas abaixo dessa idade são penalmente inimputáveis, ou seja, não
podem ser condenadas pela prática de crimes ou contravenções penais. A maioridade penal foi
definida no artigo 271 do Código Penal e reforçada pelos artigos 2282da CF/88 e 1043 do ECA.

Importante – Segundo Saraiva (2005), o desconhecimento sobre o sistema de


responsabilidade penal juvenil contido no ECA favorece uma confusão acerca dos conceitos de
inimputabilidade penal e impunidade, ocasionando o pleito de que o sistema penal adulto seja
estendido ao adolescente em conflito com a lei, bem como de se reduzir a idade de
imputabilidade penal, desprezando inclusive o dispositivo constitucional.

Ocorre que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) foi concebido com o objetivo
de garantir legalmente as condições necessárias para o desenvolvimento pleno das crianças e dos
adolescentes que necessitam de proteção diferenciada, especializada e integral. Todavia, o ECA
contém os mecanismos de responsabilização penal dos infratores, de modo pedagógico e
retributivo, por intermédio das medidas socioeducativas. Esse modelo de responsabilização penal
do adolescente possibilita a aplicação de sanções aptas a interferir, limitar e até suprimir
temporariamente a liberdade com um caráter socioeducativo e uma essência retributiva.

Santos (2002) afirma que,

É verdade que ao criar as medidas sócio-educativas, o legislador tentou


dar um tratamento diferenciado aos menores, reconhecendo neles a

1
Art. 27. Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às
normas estabelecidas na legislação especial.
2
Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da
legislação especial.
3
Art. 104. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas
previstas nesta Lei. Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, deve ser considerada a idade do
adolescente à data do fato.
condição peculiar de pessoas em desenvolvimento. Nessa linha, as
medidas deveriam ser aplicadas para recuperar e reintegrar o jovem à
comunidade, o que lamentavelmente não ocorre, pois ao serem
executadas transformam-se em verdadeiras penas, completamente
inócuas, ineficazes, gerando a impunidade, tão reclamada e combatida por
todos.

De acordo com Colpani (2003), as Regras de Beijing, recomendadas no 7º Congresso das


Nações Unidas sobre prevenção de delito e tratamento do delinqüente, realizado em Milão
(1985), e adotadas pela Assembléia Geral em 29.11.85, estabeleceram uma orientação acerca da
necessidade de promover o bem-estar da criança e do adolescente, bem como de sua família,
disponibilizando a Justiça da Infância e da Juventude como parte integrante do processo de
desenvolvimento de cada país.

Assim, a Regra 7 prevê:

Respeitar-se-ão as garantias processuais básicas em todas as etapas do


processo, como a presunção de inocência, o direito de ser informado das
acusações, o direito de não responder, o direito à assistência judiciária, o
direito à presença dos pais ou tutores, o direito à confrontação com
testemunhas e a interrogá-las e o direito de apelação ante uma autoridade
superior.

Em relação aos estudos sobre o perfil do adolescente infrator, Colpani (2003) afirma que
“depreende-se assim que os motivos que levam o adolescente a cometer atos infracionais
resultam dos problemas econômicos, sociais e culturais, bem como pela influência de amigos, a
evasão escolar, o uso de drogas e a pobreza, indicando assim as áreas que as políticas públicas
devem atuar com maior urgência”.

Considerando a realidade brasileira e o contexto dos serviços de atendimento


socioeducacional, a autora defende que a aplicação de medidas socioeducativas esteja interligada
ao contexto social, político e econômico no qual o adolescente está inserido. Para reintegrá-lo à
sociedade, com vistas a diminuir a reincidência e a prática de atos infracionais cometidos por
adolescentes, é preciso que o Estado promova políticas públicas infanto-juvenis que garantam os
direitos à convivência familiar e comunitária, à saúde, à educação, à cultura, esporte e lazer, bem
como aos demais direitos universalizados.

Importante – Inimputabilidade é diferente de impunidade.

1.2. O ato infracional atribuído à criança e ao adolescente


De acordo com o art. 103 do ECA, ato infracional é a conduta descrita na lei correlata a
crime ou contravenção penal praticada por criança ou adolescente.

Importante – Tanto crianças como adolescentes poderão cometer ato infracional.


Entretanto, as conseqüências é que serão diferentes, uma vez que as medidas adotadas sempre
terão, também, um caráter protetivo.

Quando a criança ou adolescente pratica um ato infracional, haverá um tratamento


diferenciado para cada um deles, não obstante possa ocorrer a mesma conduta ilícita. Na verdade,
a distinção entre criança e adolescente tem importância no Estatuto, posto que, não obstante
usufruírem dos mesmos direitos fundamentais, recebem medidas diferenciadas na hipótese de
ocorrência de ato infracional.

Assim, de acordo com o art. 105, do ECA, às crianças (menores de 12 anos – art. 2º) que
cometerem ato infracional serão aplicadas as medidas protetivas previstas no art. 101, que
implicam num tratamento, através da sua própria família ou da comunidade, sem que ocorra
privação de liberdade. São elas:

I. encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade;

II. orientação, apoio e acompanhamento temporários;

III. matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino


fundamental;
IV. inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao
adolescente;

V. requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime


hospitalar ou ambulatorial;

VI. inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a


alcoólatras e toxicômanos;

VII. acolhimento institucional;

VIII. inclusão em programa de acolhimento familiar;

IX. colocação em família substituta.

Importante – Se uma criança for acusada de cometer um ato infracional, deve ser
encaminhada ao Conselho Tutelar. Caso este não exista, ela deve ser conduzida ao Juiz da
Infância e da Juventude ou aquele que exerça essa função.

Quando um ato infracional for atribuído a um adolescente (de doze a 18 anos – art. 2º, Lei
8.069/90), nos termos do art. 112do ECA, este ficará sujeito às medidas socioeducativas previstas
no capítulo IV desse diploma legal e, cumulativamente, às medidas de proteção do artigo 101.
Reveja o que dispõe o art. 112:

 Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente


poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:
i. advertência;
ii. obrigação de reparar o dano;
iii. prestação de serviços à comunidade;
iv. liberdade assistida;
v. inserção em regime de semiliberdade;
vi. internação em estabelecimento educacional;
vii. qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.
Veja o que significa cada uma das medidas socioeducativas:

Advertência– Pode ser conceituada como a admoestação verbal aplicada pela autoridade
judicial e reduzida a termo. Nesse ato devem estar presentes o juiz e o membro do Ministério
Público. Na advertência, o juiz normalmente conversa com o adolescente sobre os atos cometidos
e produz um documento sobre o ocorrido.

Obrigação de reparar o dano – Ao estabelecer essa medida, a autoridade judicial poderá


determinar, se for o caso, que o adolescente restitua o objeto, promova o ressarcimento do dano
ou compense o prejuízo da vítima.

Prestação de serviços à comunidade–Consiste na realização de tarefas gratuitas de


interesse geral, por período não excedente a seis meses, em uma jornada máxima de 08 horas
semanais, junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres,
bem como em programas comunitários ou governamentais.

 Exemplo - Veja a seguir, a título de exemplo, a jurisprudência do Tribunal de


Justiça de São Paulo, no qual foi aplicada a medida de serviços à comunidade:

“Ementa: Menor infrator. Ato infracional equiparado ao furto qualificado.


Prestação de serviços à comunidade decretada. Recurso pretendendo ver
reconhecido o furto de uso, com a consequente absolvição do adolescente.
Parecer da Procuradoria Geral de Justiça pelo improvimento do apelo. Em
sede menorista importa o envolvimento do menor em ato ilícito.
Adolescente que, aliás, já conta com anterior passagem pelo juízo
especializado. Medida sócio-educativa bem aplicada. Acerto da decisão.
Recurso improvido. (Apelação n. 79.297.0/5-00, TJ/SP)”.

Liberdade assistida – É uma medida que será adotada sempre que a autoridade
responsável entender seja a alternativa mais viável para o acompanhamento, auxílio e orientação
do adolescente. Nesse caso, o adolescente e sua família serão acompanhados por um profissional
por, no mínimo, seis meses. Nesse período, se necessário, eles poderão ser inseridos em projetos
sociais e o adolescente terá sua frequência e rendimento escolar acompanhados, além de receber
incentivo para o ingresso no mercado de trabalho formal, caso sua idade seja compatível.

Semiliberdade – É a privação parcial da liberdade do adolescente que praticou ato


infracional. É cumprida da seguinte forma: a) durante o dia – realiza atividades externas
(trabalho/escola); b) no período noturno – ele é recolhido ao estabelecimento apropriado, com o
acompanhamento de orientador. No ECA não foi fixada a duração máxima da semiliberdade,
cabendo à autoridade judicial avaliar cada caso. O regime de semiliberdade pode ser determinado
desde o início ou como forma de transição para o meio aberto, e a realização das atividades
externas é possibilitada, independentemente de autorização judicial.

Internação–É a medida mais grave e complexa imposta aos adolescentes. É conhecida


como privação de liberdade. Trata-se de restrição ao direito de liberdade do adolescente. Ela é
aplicada nos seguintes casos e presentes os seguintes requisitos:

a) ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa;

b) reiteração no cometimento de outras infrações graves;

c) descumprimento reiterado e injustificável de medida anteriormente imposta (que


pode ser de internação ou outra medida socioeducativa).

Importante – O período máximo de internação deverá ser de três anos. Atingido esse
limite de tempo, o adolescente deverá ser liberado, colocado em regime de semiliberdade ou de
liberdade assistida.

O STF já consolidou seu entendimento no sentido de que, para a aplicação da medida de


internação, devem estar presentes esses requisitos. Prova disto é o HC 93900, do Rio de Janeiro,
julgado pela Segunda Turma, em 10/03/2009:

EMENTA: Infância e Juventude. Menor. Ato infracional. Fatos


assemelhados a tráfico de entorpecentes e porte ilegal de armas. Medida
de internação. Inadmissibilidade. Atos praticados sem violência nem
grave ameaça. Reiteração ou reincidência não demonstrada. Cassação da
medida socioeducativa para que outra seja aplicada. HC concedido para
esse fim. Inteligência do art. 122, I e II, do ECA (Lei nº 8.069/90).
Precedente. Não é lícito impor a menor infrator medida de internação, se
o ato infracional não foi praticado mediante violência nem grave ameaça,
nem seja caso de reiteração ou reincidência.

Ampliando seu conhecimento – Antes de continuar seus estudos, leia a entrevista com
Mário Volpi, gerente de projetos do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e
coordenador do programa Cidadania dos Adolescentes no Brasil,sobre a medida de internação.

1.3. Os mecanismos legais a que adolescentes em conflito com a lei podem ser submetidos
Percebe-se que os adolescentes autores de ato infracional, ao contrário do que o senso
comum por vezes imagina, não ficam impunes. Estes são julgados e considerados responsáveis
pelos atos tipificados como crime ou contravenção no Código Penal e na Lei de Contravenções
Penais. Os artigos 100 a 125 do ECA apresentam os mecanismos legais a que crianças e
adolescentes em conflito com a lei devem ser submetidos. Entretanto, do ponto de vista jurídico,
criança e adolescente nunca cometerão crime, que é, junto com ato infracional e contravenção
penal, espécie do gênero infração penal.

Nesse sentido, veja a jurisprudência do Supremo:

EMENTA: Estatuto da Criança e do Adolescente. Ato infracional.


Equiparação ao crime de roubo qualificado por emprego de arma de fogo
e concurso de pessoas. Grave ameaça caracterizada. Possibilidade de
internação. Observância do devido processo legal. HC indeferido.
Inteligência dos arts. 121 e 122 da Lei nº 8.069/90. A medida sócio-
educativa de internação do menor constitui-se em ato excepcional que se
configura quando atendidos os requisitos dos artigos 121 e 122 da Lei nº
8.069/90. A decisão que culminou na aplicação de medida sócio-
educativa de internação demonstrou com suficiente clareza as razões
fáticas e jurídicas autorizadoras do ato de segregação. Assim, presentes os
requisitos previstos nos artigos 121 e 122, inc. I, ambos da Lei nº
8.069/90, possível é a manutenção da medida de internação. Precedente:
HC 84.603, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ nº 232 de 03.12.2004.
Ordem denegada. (HC 94193 / PE, Relator(a): Min. Joaquim Barbosa,
julgado pela Segunda Turma, em 09/12/2008).

Exemplo – Veja também inteiro teor de “Acórdão recente do Supremo” em anexo na


plataforma.

1.4. Quando há flagrante


Ainda no caso dos adolescentes, as condutas se distinguem, relativamente à ocorrência de
flagrante. De acordo com art. 1784 e 2325 do ECA, se houver flagrante, o adolescente deve ser
encaminhado a autoridade policial especializada, sem algema ou qualquer situação vexatória, em
veículo comum. A lei estabelece, de acordo com o sistema integrado de proteção, que é o cerne
do Estatuto da Criança e Adolescente, tratamento diferenciado aos jovens infratores.

Importante – Novamente é importante reiterar que o Estatuto da Criança e Adolescente


(ECA) não pretende com isso proteger os autores de ato infracional. Eles são responsabilizados
por seus atos, mas estão de acordo com sua condição especial de cidadão em desenvolvimento.

Quanto à utilização de algemas, esta também não se aplica indistintamente aos adultos
autores de crime. Seu uso deve ser restrito a situações especiais que as exijam. Nesse sentido o
próprio Supremo Tribunal Federal já se manifestou editando a Súmula Vinculante n. 11, que
dispõe:

4
Art. 178. O adolescente a quem se atribua autoria de ato infracional não poderá ser conduzido
ou transportado em compartimento fechado de veículo policial, em condições atentatórias à sua
dignidade, ou que impliquem risco à sua integridade física ou mental, sob pena de
responsabilidade.
5
Art. 232. Submeter criança ou adolescente sob sua autoridade guarda ou vigilância a vexame ou
a constrangimento: Pena – detenção de seis meses a dois anos.
Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio
de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do
preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena
de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e
de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo
da responsabilidade civil do Estado.

Também não se pretende que os profissionais de segurança pública deixem de tomar todas
as medidas necessárias a sua segurança, à segurança de terceiros e do adolescente infrator.
Entretanto, suas práticas devem ser pautadas no princípio de que esse adolescente é sujeito de
direitos e deveres, e os procedimentos previstos no seu tratamento são universais.

Aula 2–A Imputabilidade Penal pelo Mundo – Estudo de Direito Comparado


Diferentemente do que tem sido divulgado nos meios de comunicação, a idade de
responsabilidade penal em nosso país encontra-se em consonância com a maioria dos países do
mundo.

De acordo com dados da publicação “Porque dizer não à Redução da Idade Penal”, da
Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República – de uma lista de 54
países analisados, incluindo o Brasil, a maioria adota a maioridade penal aos 18 anos. Desse
universo de 53 países – excluído o Brasil – temos que 79%, ou seja, 42 países, adotam esse
referencial para a responsabilidade penal. Isso decorre das recomendações internacionais que
sugerem um sistema de justiça especializado para processar, julgar e responsabilizar os menores
de 18 anos.

Estudo dirigido – Acesse o quadro comparativo6 extraído da publicação “Porque dizer


não à Redução da Idade Penal”, contendo a idade de responsabilidade penal de jovens
(responsabilidade especial) e adultos em 53 países e acompanhe a seguir a análise.

Analisando o quadro, observe que:

6
Ver o arquivo “Quadro comparativo” em anexo na plataforma.
- Há no mundo a tendência de implantação de legislações e justiças especializadas
para tratar de menores de 18 anos em conflito com a lei.

- No que tange à idade mínima de responsabilização7 nesses 53 países, verificou-se


que a predominância (47%) é a fixação da idade entre 13/14 anos.

- Adotam a idade mínima de13 anos para responsabilização dez países: Argélia,
Estônia, França, Grécia, Guatemala, Honduras, Nicarágua, Polônia, República
Dominicana e Uruguai.

- A Alemanha, Áustria, Bulgária, Colômbia, Chile, China, Croácia, Eslovênia,


Hungria, Itália, Japão, Lituânia, Panamá, Paraguai e Rússia (em casos graves)
fazem parte do grupo de 15 países que adotam a idade mínima de 14 anos.

- Há países que fixam o início da responsabilidade penal abaixo dos 12 anos:


Escócia – em alguns casos – (8 anos), Estados Unidos (10), Inglaterra e País de
Gales (10 anos), México (11 anos), Suíça – em alguns casos – (7 anos) e Turquia
(11 anos).

- Doze são os países que estabelecem a idade de início de “responsabilização” aos


12 anos (responsabilização especial): Brasil, Bolívia, Canadá, Costa Rica, El
Salvador, Espanha, Equador, Holanda, Irlanda, Países Baixos, Portugal, Peru e
Venezuela.

- Cinco países fixam a idade inicial aos 15 anos: Dinamarca, Finlândia, Noruega,
República Checa e Suécia. E por fim, aos 16 anos, temos Argentina, Bélgica e
Romênia.

Cabe destacar que o direito brasileiro, quanto à idade inicial de incidência da justiça da
infância e juventude, fixada aos 12 anos em nossa legislação, encontra-se entre os países que
adotam idades relativamente precoces para responsabilização.

7
Ver o arquivo “Responsabilização” em anexo na plataforma.
Aula 3 – Redução da maioridade penal
Em 1993, foi apresentada no Congresso Nacional a PEC 171/93 com o objetivo de alterar
o artigo 228 da Constituição da República de 88, reduzindo a maioridade penal para 16 anos. De
lá pra cá diversas PECs foram apensadas à PEC 171/93 (PEC 37/95; PEC 91/95; PEC 301/96;
PEC 531/97; PEC 386/96; PEC 426/96; PEC 633/99; PEC 321/01 e PEC 377/01). Em 2007, o
tema foi objeto de deliberação da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal e
uma votação apertada, de 12 a 10, aprovou o substitutivo de autoria do Senador Demóstenes
Torres (DEM/GO), que reunia seis propostas de emenda à Constituição. Atualmente, tendo sido
aprovada na CCJ do Senado, a proposta se encontra no Plenário da Casa para discussão. Se
aprovada em dois turnos, por 3/5 dos senadores em cada um dos turnos, a matéria será
encaminhada à Câmara Federal.

O substitutivo do Senado prevê a redução da maioridade penal para 16 anos nos casos de
crimes hediondos e equiparados, como tráfico, tortura e terrorismo, desde que um laudo técnico
psicológico, elaborado por junta médica designada pelo juízo, ateste a plena capacidade de
entendimento do adolescente infrator.

Em que pese a PEC esteja tramitando no Congresso Nacional e dado o caráter polêmico
das várias propostas com esse mesmo teor, nenhuma destas foi efetivada nem debatida
seriamente com a sociedade.

Ao contrário, o debate em torno da redução da maioridade no Brasil costuma vir à tona


em situações extremas, em momentos de grande comoção nacional, quando algum “crime”
extremamente violento é cometido por um adolescente e acaba se mostrando superficial,
tendencioso e pouco racional.

Nesse sentido, você estudará a seguir alguns argumentos tanto favoráveis como contrários
à redução, para que tenha subsídios para realizar essa discussão de forma qualificada sobre a
questão.
3.1. Argumentos favoráveis à redução da maioridade
Os que defendem a redução da maioridade penal acreditam que os adolescentes infratores
não recebem a punição devida; que o Estado é condescendente demais com os menores de 18
anos. Para eles, o Estatuto da Criança e do Adolescente é muito tolerante com os infratores e não
intimida os que pretendem transgredir a lei. Eles argumentam que, se a legislação eleitoral
considera que o jovem de 16 anos tem discernimento para votar, ele tem também idade suficiente
para responder diante da justiça por seus crimes. Ainda, para os que são favoráveis à redução,
esta se impõe pela necessidade do Estado em dar uma satisfação à vitima e a seus familiares.

Nesse sentido, Sandro César Sell refuta com veemência a impossibilidade da redução da
maioridade penal nos seguintes termos:

Se a idade de 18 é assim, então, tão arbitrária, por que não se pode


rediscuti-la? Arbitrária também era a idade de 21 anos para a
determinação da capacidade civil absoluta; notou-se que era inadequada
aos novos tempos e se a mudou. Arbitrária também era a idade de 18 anos
para poder votar em alguém no Brasil, alguns acharam que os tempos
eram outros e baixou-se para 16 anos. Isso significa que há o
reconhecimento de que os jovens de hoje podem mais cedo fechar
contratos civis, sem a assistência de seus pais, podem decidir sobre
inúmeras coisas que antes lhes eram vedadas, podem também votar nos
homens que fazem as leis penais, só não podem mesmo é responder por
elas. (SELL, Sandro César. Maioridade penal: um debate legítimo).

Luiz Flavio Gomes, por sua vez, embora tenha posicionamento contrário à redução da
maioridade penal, entende que, quando necessário, devem ser extrapolados os limites de três anos
de internação ou dos 21 anos de idade:

Uma coisa é a prática de um furto, um roubo desarmado etc., outra bem


distinta é a morte intencional (dolosa), especialmente quando causada
com requintes de perversidade. Para o ECA, entretanto, tudo conta com a
mesma disciplina, isto é, em nenhuma hipótese a internação do infrator
(que é medida sócio-educativa voltada para sua proteção e também da
sociedade) pode ultrapassar três anos (ou sobrepor a idade de 21 anos).
(GOMES, Luiz Flávio. Redução da maioridade penal).

3.2. Argumentos contrários à redução da maioridade


Os que são contrários à redução argumentam que:

- a redução da maioridade penal é incompatível com a doutrina da proteção integral


da criança e adolescente, cujo fundamento está na CF/88, em tratados e
documentos internacionais e no ECA, uma vez que a imposição das medidas
socioeducativas, e não das penas, aos adolescentes decorre do reconhecimento da
condição peculiar de desenvolvimento na qual estes se encontram;

- a redução da maioridade penal afronta compromissos internacionais assumidos


pelo Brasil, que, nos termos do art. 5º, p. 2º da CF/88, também têm peso de norma
constitucional;

- o ECA, quando devidamente aplicado, apresenta bons resultados;

- o recrudescimento da legislação penal ou as medidas repressivas não coíbem a


violência; e mais, não há dados que comprovem que o rebaixamento da idade
penal reduz os índices de criminalidade juvenil. Ao contrário, o ingresso
antecipado no sistema penitenciário brasileiro exporia os adolescentes a
mecanismos reprodutores da violência, como o aumento das chances de
reincidência, já que as taxas das penitenciárias ultrapassam 60%, enquanto no
sistema socioeducativo se situam abaixo de 20%;

- a adolescência é uma das fases do desenvolvimento psicológico dos indivíduos e,


por ser um período de grandes transformações, deve ser pensada pela perspectiva
educativa;
- a redução está na contramão do que se discute na comunidade internacional e do
que tem sido adotado pelo ordenamento jurídico da maioria dos países (vide – A
Imputabilidade Penal pelo Mundo: Estudo de Direito Comparado);

- a redução da maioridade penal é inconstitucional por ferir a principiologia da


Constituição Federal, que confere tratamento diferenciado a todos os adolescentes,
e por violar cláusula pétrea, uma vez que ainda que não esteja prevista no rol do
art. 5º da CF/88, é uma garantia individual, e a Constituição assegura entre as
cláusulas pétreas os direitos e garantias individuais, nos termos do art. 60, p. 4º,
inciso IV.

Saraiva afirma que, a tese do rebaixamento da idade penal, em princípio, é


inconstitucional, porque o art. 228 da CF constitui-se em cláusula pétrea, devido ao seu conteúdo
de "direito e garantia individual", referido no art. 60, IV da CF, que não é suscetível à
interposição de emenda. Além disso, a pretensão de redução da maioridade penal viola o disposto
no art. 41 da Convenção das Nações Unidas de Direito da Criança, na qual os signatários se
comprometem a não tornar mais gravosa a lei interna de seus países. Como tal convenção foi
ratificada pelo Estado brasileiro, seu texto se faz lei interna de caráter constitucional à luz do
parágrafo segundo do art. 5º da CF.

Entre os que se posicionam contrários à redução temos instituições como a Unicef, o


Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) e a Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil, além de inúmeras organizações não governamentais. Vale
ressaltar ainda que essa é também a posição do governo brasileiro.

Independentemente do entendimento que se possa adotar, é preciso que se tenha em mente


a multicausalidade dos fenômenos violentos8. Não se pode esquecer que problemas complexos
exigem soluções igualmente complexas. Assim, a mera redução da maioridade penal nunca será
suficiente para resolver a questão da violência e criminalidade.

8
Exemplo disso é a problemática relativa ao consumo de drogas pelos adolescentes.
Por outro lado, é preciso não esquecer que os jovens e adolescentes não são os principais
autores de crimes violentos, em especial homicídios, no Brasil. Ao contrário, são as vítimas
preferenciais desse tipo de delito, conforme comprovam diversos estudos9, entre eles os dados do
Índice de Homicídios de Adolescente (IHA), o Mapa da Violência da Unesco e o estudo
Homicídios de Crianças e Jovens no Brasil (1980-2002), do Núcleo de Estudos da Violência da
USP, publicado em 2006.

Finalizando...
Neste módulo, você estudou que:

- Segundo o Manual para a Medição dos Indicadores da Justiça Juvenil (2006) do


Escritório de Drogas e Crime da Unicef, as causas sociais subjacentes que levam
crianças a estarem em conflito com a lei incluem pobreza, lares destruídos, falta de
educação e oportunidades de emprego, migração, drogas ou mau uso de
substâncias, pressão de pares, falta de orientação parental, violência, abuso e
exploração.

- A idade da responsabilidade criminal ou maioridade penal é a idade a partir da


qual um indivíduo pode ser responsabilizado penalmente por seus atos. A
maioridade penal pode ser diferente da maioridade civil, que consiste nas idades
mínimas necessárias para dirigir, trabalhar e casar.

- No Brasil, a idade da responsabilidade penal é a partir de 18 anos, pois a


legislação brasileira determina que as pessoas abaixo dessa idade são penalmente

9
Segundo o estudo Homicídios de Crianças e Jovens no Brasil, publicado em 2006, no período
estudado (1980-2002), a participação dos homicídios de crianças e adolescentes cresceu
drasticamente para ambos os gêneros, especialmente na faixa da população entre 0 e 19 anos,
representando um incremento na taxa de mortes por causas externas dessa população de 254,4%
no período. No ano de 2002, os homicídios passaram a representar quase 40% das mortes por
causas externas de crianças e adolescentes no Brasil.
inimputáveis, ou seja, não podem ser condenadas pela prática de crimes ou
contravenções penais.

- De acordo com o art. 103do ECA, o ato infracional é a conduta descrita na lei
correlata a crime ou contravenção penal praticada por criança ou adolescente.

- Assim, de acordo com o art. 105do ECA, às crianças (menores de 12 anos – art.
2º) que cometerem ato infracional serão aplicadas as medidas protetivas previstas
no art. 101, que implicam num tratamento, através da sua própria família ou da
comunidade, sem que ocorra privação de liberdade.

- Quando um ato infracional for atribuído a um adolescente (de doze a 18 anos –


art. 2º, Lei 8.069/90), nos termos do art. 112do ECA, este ficará sujeito às medidas
socioeducativas previstas no capítulo IV desse diploma legal e, cumulativamente,
às medidas de proteção do artigo 101.

- Os adolescentes autores de ato infracional, ao contrário do que o senso comum por


vezes imagina, não ficam impunes. Estes são julgados e considerados responsáveis
pelos atos tipificados como crime ou contravenção no Código Penal e na Lei de
Contravenções Penais. Os artigos 100 a 125 do ECA apresentam os mecanismos
legais a que crianças e adolescentes em conflito com a lei devem ser submetidos.
Entretanto, do ponto de vista jurídico, criança e adolescente nunca cometerão
crime, que é, junto com ato infracional e contravenção penal, espécie do gênero
infração penal.

- De acordo com art. 178 e 232do ECA, se houver flagrante, o adolescente deve ser
encaminhado a autoridade policial especializada, sem algema ou qualquer situação
vexatória, em veículo comum. A lei estabelece, de acordo com o sistema integrado
de proteção, que é o cerne do Estatuto da Criança e Adolescente, tratamento
diferenciado aos jovens infratores.
- Diferentemente do que tem sido divulgado nos meios de comunicação, a idade de
responsabilidade penal em nosso país encontra-se em consonância com a maioria
dos países do mundo. Cabe destacar que o direito brasileiro, quanto à idade inicial
de incidência da justiça da infância e juventude, fixada aos 12 anos em nossa
legislação, se encontra entre os países que adotam idades relativamente precoces
para responsabilização.

- Desde 1993 foram apresentadas várias PECs que propõem a redução da


maioridade penal. Entre os que defendem a redução estão os que acreditam que os
adolescentes infratores não recebem a punição devida e que o Estado é
condescendente demais com os menores de 18 anos. Os que são contrários
baseiam-se, principalmente, na inconstitucionalidade da questão.
Módulo 4 – Prevenção: proteção aos direitos da criança e do adolescente

Apresentação do módulo
Neste módulo, você estudará sobre a rede de proteção social e o sistema de garantias no
contexto brasileiro.

Objetivos do módulo
Ao final do estudo deste módulo, você será capaz de:

 Compreender a rede de proteção social das crianças e adolescentes;

 Identificar os principais instrumentos de atendimento a vítimas e agressores.

Estrutura do módulo
Este módulo é formado por duas aulas:

 Aula 1 – Rede de proteção social;

 Aula 2 – Atendimento a vítimas e agressores.

Aula 1 – Rede de proteção social


Art. 70. É dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da
criança e do adolescente (ECA).

Esse artigo impõe à sociedade, às instituições, aos poderes, às pessoas físicas e jurídicas o
dever de evitar ameaças ou violações aos direitos da criança e do adolescente.

A prevenção ocorre através da abstenção da prática de atos nocivos ao


desenvolvimento da criança ou adolescente, mediante iniciativas
tendentes a promover seus direitos fundamentais e também por meio do
cumprimento espontâneo de obrigações relacionadas à prevenção
especial. (Comentando sobre o ECA. Profª. Dirce Maria Bengel de Paula
-Profª. universitária de São Paulo).Vale ressaltar que a família é
responsável pela primeira socialização da criança, mas está inserida num determinado contexto
social e faz parte de uma rede de relações que devem apoiá-la. As experiências familiares
cotidianas influenciam direta e indiretamente o desenvolvimento saudável da criança e do
adolescente.

Todavia, a conjuntura socioeconômica, o aprofundamento das desigualdades sociais e o


recrudescimento da violência atual permite-nos questionar sobre como prevenir a ameaça ou a
violação dos direitos da criança e do adolescente. Para Francisco Xavier Medeiros Vieira, o
caminho é investir na educação. Ele afirma que:

Todos temos o dever de prevenir, como indivíduo ou como partícipe da


comunidade, a ocorrência de ameaça e, mais que isso, assegurar, com
absoluta prioridade, a efetivação dos direitos assegurados no art. 4º à
criança e ao adolescente, colocando-os a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade, opressão,
consoante preceitua o caput do art. 227 do Pergaminho Fundamental.
Assim é que tanto se previne o risco futuro, ou indireto, quanto aquele em
via de efetivação imediata, risco direto. (Comentário sobre o ECA. Sr.
Francisco Xavier Medeiros Vieira – Tribunal de Justiça/Santa Catarina).

Para os casos de ameaça e violação de direitos, o Estatuto da Criança e do Adolescente


determina que seja ofertada uma política de atendimento aos direitos fundamentais da criança e
do adolescente e que essa política deve ser implementada através da articulação de redes.

Art. 86. A política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente far-se-á


através de um conjunto articulado de ações governamentais e não-governamentais da União, dos
estados, do Distrito Federal e dos municípios.
Os artigos subseqüentes (arts. 87 e 88 – Lei nº 8.069) tratam das linhas de ação e
diretrizes dessa política de atendimento, que deve abranger a promoção, prevenção, proteção e
defesa dos direitos da criança e do adolescente, pretendendo que ela seja implementada através de
ações e programas governamentais federais, estaduais e municipais integrados aos órgãos de
defesa dos direitos da criança e do adolescente, bem como de entidades da sociedade civil
organizada.

Em consonância com a legislação brasileira (ECA e CF/1988), as organizações


governamentais e não governamentais são responsáveis por disponibilizar os serviços na área das
políticas sociais básicas, serviços de prevenção, assistência supletiva, proteção jurídico-social e
defesa de direitos. A articulação interinstitucional das iniciativas dessas organizações é
fundamental para implementação desses serviços, respeitando-se a natureza e especificidades
diferentes e complementares de cada organização.

Importante – As redes de proteção à infância e juventude contam com um marco teórico


e jurídico para a sua implementação. Entretanto, a operacionalização dessas redes é obstaculizada
por nossa cultura política marcada pelas relações hierárquicas, clientelistas e personalistas.

1.1. O Sistema Único de Assistência Social (SUAS)


Para obter maior eficácia e atender as demandas sociais, as políticas sociais brasileiras
foram recentemente descentralizadas e estruturadas por meio do Sistema Único de Assistência
Social (SUAS), adotando um modelo de gestão participativa em respeito ao pacto federativo. O
SUAS foi implementado a partir dos seguintes níveis de complexidade:

- Proteção Social Básica (PSB);

- Proteção Social Especial (PSE).

No nível básico, a proteção social é destinada à população que vive em situação de


vulnerabilidade social decorrente da pobreza, privação, acesso precário aos serviços públicos e/ou
fragilização de vínculos afetivos/relacionais e de pertencimento social (discriminações etárias,
étnicas, de gênero ou por deficiências).

No que tange a proteção social básica à família preconizada pelo SUAS, a


principal ação governamental consiste no Programa de Atenção Integral à
Família (PAIF). O objetivo desse Programa é “desenvolver ações e
serviços básicos continuados para famílias em situação de vulnerabilidade
social na unidade do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS),
tendo por perspectivas o fortalecimento de vínculos familiares e
comunitários, o direito à Proteção Social Básica e a ampliação da
capacidade de proteção social e de prevenção de situações de risco no
território de abrangência do CRAS”. (Ministério do Desenvolvimento
Social e Combate a Fome – MDS).

O objetivo da proteção social especial consiste em atender as famílias e indivíduos que


se encontram em situação de risco pessoal e social em decorrência de abandono, maus-tratos
físicos e/ou psíquicos, abuso sexual, uso de substâncias psicoativas, cumprimento de medidas
socioeducativas, situação de rua, situação de trabalho infantil, entre outras situações de violação
dos direitos.

Importante – Em cada um desses níveis de complexidade são oferecidas ações e


programas governamentais com articulação interinstitucional e participação social, no âmbito
municipal, estadual e federal.

Os serviços de proteção social especial estão interligados com o sistema de garantia de


direito, por meio de uma gestão mais complexa e compartilhada com o Poder Judiciário, o
Ministério Público e com outros órgãos e ações do Executivo.
1.2. O Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE)
Em comemoração aos 16 anos da publicação do Estatuto da Criança e do Adolescente, a
Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República e o Conselho Nacional
dos Direitos da Criança e do Adolescente criaram, em 2006, o Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo (SINASE), fruto de uma construção coletiva que envolveu diversas áreas de
governo, representantes de entidades e especialistas na área, além de uma série de debates
protagonizados por operadores do sistema de garantia de direitos em encontros regionais que
cobriram todo o País.

O SINASE nasceu vinculado a um tema em especial que vinha mobilizando a opinião


pública, a mídia e diversos segmentos da sociedade brasileira: o que deve ser feito no
enfrentamento de situações de violência que envolvem adolescentes na condição de autores de
ato infracional ou vítimas de violação de direitos no cumprimento de medidas socioeducativas.
Por outro lado, também nasceu da necessidade de intensa articulação dos distintos níveis de
governo e da corresponsabilidade da família, da sociedade e do Estado na proteção da criança e
do adolescente.

1.3. Os Conselhos de Direitos


Outra importante ferramenta no sistema de proteção às crianças e adolescentes são os
Conselhos de Direitos, que funcionam através da gestão compartilhada entre governo e sociedade
civil, cabendo-lhes a função de definir as diretrizes para a Política Nacional de Promoção,
Proteção e Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes:

- O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda)


também tem atribuição de fiscalizar as ações executadas pelo Poder para o
atendimento da população infanto-juvenil e de gerir o Fundo Nacional da Criança
e do Adolescente (FNCA);
- Os Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente são órgãos
deliberativos responsáveis por assegurar a prioridade para a infância e
adolescência, por parte da União, dos estados, Distrito Federal e dos municípios;

- Os Conselhos Tutelares são criados por lei para garantir o cumprimento da


política de atendimento à população infanto-juvenil nos municípios. Esses órgãos
atendem a população em caso de suspeita ou denúncia de violação dos direitos de
crianças e adolescentes. Quando comprovada a denúncia, acionam-se os atores e a
rede de proteção à infância e juventude local, como as Delegacias de Proteção à
Criança e ao Adolescente, os Centros de Defesa da Criança e do Adolescente, as
instâncias do Poder Judiciário, o Ministério Público e os Juizados da Infância e
Juventude.

Ampliando o conhecimento – Veja o quadro com os principais órgãos que atuam na


defesa dos direitos da criança e do adolescente1 na esfera governamental federal, estadual e
municipal.

A seguir, veja as atribuições/competências de algumas das principais pessoas e


instituições de um sistema de garantia de direitos da infância e juventude:

1) Família: esfera primeira, natural e básica de atenção. Cabe ao Estado oferecer


condições mínimas para que a família cumpra a sua função;

2) Sociedade civil organizada: assume um duplo papel – atua na linha de frente,


colocando em prática ações de defesa e garantia dos direitos das crianças e
adolescentes, bem como encaminha reivindicações e fiscaliza a atuação dos
governos para assegurar que seus pontos de vista e suas necessidades sejam
atendidas – controle social;

1
Ver o arquivo “Órgãos de defesa dos direitos da criança e do adolescente” em anexo na plataforma.
3) Conselhos de Direitos: são órgãos públicos de controle social, fundamentados no
princípio de democracia participativa. Existem para garantir a participação da
sociedade na formulação de políticas públicas e são voltados para a defesa e
promoção dos direitos das crianças e adolescentes;

4) Defensoria Pública: é um órgão público que deve garantir o acesso à justiça, ou


seja, permitir que as pessoas que não podem arcar com os custos da contratação de
serviços particulares, tenham um advogado especializado para orientá-las e
defender seus direitos junto ao Poder Judiciário;

5) Conselhos Tutelares: são órgãos colegiados, encarregados de zelar pelo


cumprimento dos direitos da criança e do adolescente;

6) Ministério Público: o Ministério Público é definido como órgão constitucional


autônomo, incumbido de zelar pela defesa da ordem jurídica, dos interesses sociais
e individuais indisponíveis e do próprio regime democrático;

7) Juizado da Infância e da Juventude: as Varas da Infância e Juventude contam com


juízes especializados na área da infância e adolescência que, em conjunto com
uma equipe técnica, realizam estudos e pesquisas, acompanham o cumprimento
das leis e das medidas de proteção, devem promover o entrosamento dos serviços
do juizado com os Conselhos Tutelares e acompanham a execução das medidas
socioeducativas. Assim como as varas, as Promotorias da Infância costumam
denominar-se promotorias cíveis e de defesa dos direitos difusos e coletivos da
infância e da juventude, promotorias infracionais da infância e da juventude e
promotorias de execução de medida socioeducativa;

8) Delegacias especializadas: repartições da Polícia Civil especializadas no


atendimento ao adolescente.
Por fim, é importante destacar que existem vários projetos e programas promissores,
governamentais e da sociedade civil organizada, que têm alcançado êxito na defesa da infância e
juventude e devem ser incentivados por todos nós.

Investigando a realidade – Procure identificar os órgãos que atuam em seu município


com a mesma finalidade da listagem apresentada.

Aula 2 – Atendimento a vítimas e agressores


A articulação entre as instituições que trabalham com crianças e adolescentes vítimas de
violência ocorre a partir da atuação dos Conselhos Tutelares nos municípios. Esses órgãos são os
responsáveis pelo acionamento da rede de serviços locais para o cumprimento das medidas de
proteção previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

A rede de serviços local ou rede local de atendimento integra as ações governamentais e


não governamentais para proteção dos direitos da criança e do adolescente no município. A rede
local deve articular as organizações que atuam na promoção e defesa dos direitos da criança e do
adolescente, principalmente as que representam o poder público municipal, juntamente com os
Conselhos de Direitos e Tutelares, a Justiça da Infância e da Juventude, as entidades de
atendimento às vítimas de violação dos direitos, o Ministério Público, os órgãos de segurança
pública, a Defensoria Pública e os centros de defesa de direitos.

Os órgãos que atuam na proteção aos direitos da criança e adolescentes vítimas de


violência são:

- No poder judiciário, as varas especializadas, que executam medidas para resgatar o


direito de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade, como os Juizados
da Infância e Juventude e o Ministério Público; e

- Na segurança pública, os órgãos de Polícia Civil especializada em crimes contra a


infância e adolescência, bem como as Delegacias Especializadas de Proteção à
Criança e ao Adolescente.
As unidades policiais especializadas na atenção e proteção a crianças e adolescentes
vitimados são chamadas Delegacias de Proteção à Criança e ao Adolescente. No país existem em
torno de 71 delegacias especializadas, distribuídas em 26 estados e no Distrito Federal. A maioria
dessas delegacias possui procedimentos diferenciados no atendimento prestado a esse público,
conforme a situação, e contam com uma rede de serviços ou retaguardas institucionais para o
atendimento de crianças e adolescentes vítimas de violência em cada estado.

Não constam dados precisos do quantitativo de recursos humanos nessas unidades


policiais. Segundo pesquisa do Ministério da Justiça, respondida por 41 Delegacias de Proteção à
Criança e ao Adolescente e de Investigação de Ato Infracional, o efetivo dessas unidades era de
1.096 profissionais até 2004 (Ministério da Justiça, 2005).

Os profissionais que atuam nessas delegacias são: Delegados de Polícia,


Inspetores, Investigadores e Detetives, Agentes, Papiloscopistas,
Escrivães, Carcereiros, Profissionais não-policiais, como Psicólogos,
Assistentes Sociais, Estagiários, além de Policiais Militares. (Fonte:
Ministério da Justiça / Secretaria Nacional de Segurança Pública, 2005).

Importante - Por mais que se reconheça a relevância do trabalho dessas instituições,


muito ainda precisa ser melhorado nessas redes de proteção. Primeiro porque nem todos os
municípios e comarcas possuem delegacias e varas especializadas. Segundo porque, mesmo entre
os que as possuem, nem todos apresentam as condições necessárias ao bom atendimento das
crianças e adolescentes. São poucos os que contam com equipe multidisciplinar e que possuem a
estrutura e recursos humanos capacitados para tanto.

No mais, essa responsabilidade não é apenas do governo ou das instituições. Conforme


preceitua nossa indiscutivelmente avançada legislação (ECA e CF/88), a família, a sociedade e o
Estado, ou seja, todos nós somos responsáveis pela proteção de nossas crianças e adolescentes. O
arcabouço jurídico para tanto já temos, basta implantá-lo efetivamente.
Ampliando seu conhecimento – Conheça os tipos de regime de atendimento às crianças
e aos adolescentes previstos no ECA acessando o link PRÓMENINO.

Finalizando...
Neste módulo, você estudou que:

O Art. 70 do ECA impõe à sociedade, às instituições, aos poderes, às pessoas físicas e


jurídicas o dever de evitar ameaças ou violações aos direitos da criança e do
adolescente.

Para os casos de ameaça e violação de direitos, o Estatuto da Criança e do


Adolescente determina que seja ofertada uma política de atendimento aos direitos
fundamentais da criança e do adolescente e que essa política deve ser implementada
através da articulação de redes.

Em consonância com a legislação brasileira (ECA e CF/1988), as organizações


governamentais e não governamentais são responsáveis por disponibilizar os serviços
na área das políticas sociais básicas, serviços de prevenção, assistência supletiva,
proteção jurídico-social e defesa de direitos.

As redes de proteção à infância e juventude contam com um marco teórico e jurídico


para a sua implementação. Entretanto, a operacionalização dessas redes é
obstaculizada por nossa cultura política marcada pelas relações hierárquicas,
clientelistas e personalistas.

Para obter maior eficácia e atender as demandas sociais, as políticas sociais brasileiras
foram recentemente descentralizadas e estruturadas por meio do Sistema Único de
Assistência Social (SUAS), adotando um modelo de gestão participativa em respeito
ao pacto federativo. O SUAS foi implementado a partir dos seguintes níveis de
complexidade: Proteção Social Básica (PSB) e Proteção Social Especial (PSE).
Em comemoração aos 16 anos da publicação do Estatuto da Criança e do Adolescente,
a Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República e o Conselho
Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente criaram, em 2006, o Sistema
Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE).

Outra importante ferramenta no sistema de proteção às crianças e adolescentes são os


Conselhos de Direitos, que funcionam através da gestão compartilhada entre governo
e sociedade civil, cabendo-lhes a função de definir as diretrizes para a Política
Nacional de Promoção, Proteção e Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes.

A rede de serviços local ou rede local de atendimento integra as ações governamentais


e não governamentais para proteção dos direitos da criança e do adolescente no
município. A rede local deve articular as organizações que atuam na promoção e
defesa dos direitos da criança e do adolescente, principalmente as que representam o
poder público municipal, juntamente com os Conselhos de Direitos e Tutelares, a
Justiça da Infância e da Juventude, as entidades de atendimento às vítimas de violação
dos direitos, o Ministério Público, os órgãos de segurança pública, a Defensoria
Pública e os centros de defesa de direitos.

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