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Primeira infância

e intersetorialidade

Unidade 1
Primeira infância, desenvolvimento
infantil e normativos legais
Prezado(a) aluno(a),
Vamos iniciar?
Nesta primeira Unidade, você terá a oportunidade de estudar sobre:
(I) o valor dos primeiros anos de vida (0 a 6) para o desenvolvimento
humano; (II) uma breve contextualização histórica da infância; e, (III)
a importância de cuidar e investir nessa etapa da vida. Ao término
da Unidade, você será convidado a assistir a um episódio da série
“O Começo da Vida”. Será também apresentado ao contexto das
políticas nacionais e dos marcos normativos referentes à primeira
infância. Após esta Unidade, será possível perceber como essas
normativas são essenciais não apenas para o crescimento saudável
das crianças, mas também para garantir-lhes o exercício de sua
cidadania. Afinal, criança é sujeito de direitos!
São objetivos desta unidade:

•  Dialogar sobre a importância de se investir na primeira infância.

•  Conhecer os principais marcos legais relacionados à criança e sua famí-


lia e entender como regulam as responsabilidades das instituições em
torno do desenvolvimento na primeira infância.

AUTORES
Raquel Franzim
Marina Quintanilha
Vilma Justina da Silva
Camila Horta Hungria
Maria Fernanda Cury Sproesser
Graziella Mattar Buchalla
Guilherme Siqueira
Gilvani Pereira Grangeiro
UNIDADE 1

PRIMEIRA INFÂNCIA, DESENVOLVIMENTO INFANTIL


E NORMATIVOS LEGAIS

AULA 1 - Compreendendo a importância da primeira infância


no desenvolvimento humano

INFÂNCIA – UMA CATEGORIA SOCIAL


A história da Idade Média conta que logo que a criança se tornava inde-
pendente, não necessitando mais de cuidados, era inserida no ambiente
dos adultos e compartilhava com eles trabalho e diversão. Somente a
partir do século XIX é que o mundo Ocidental começa a diferenciar a
infância da fase adulta. A partir desse período, a infância passa a ser
entendida como uma categoria social, mesmo que timidamente. Desse
odo, é oss vel afir ar ue a in ncia é u a construção social, ol tica,
ist rica e cultural, carre ada de si nificados e de valores.

Como construção social e histórica, a maneira como o adulto se relacio-


na com a criança, assim como a forma como a sociedade a compreen-
de, transforma-se com o passar do tempo. O direito de ser alguém, de
ter opinião, de dizer o que pensa era concedido apenas ao adulto, um
ser “completo” e “formado”. Nesse processo, a criança era vista como
um vir a ser um futuro cidadão. A expressão “cresça e apareça” nasce
nesse contexto.

o século ara c , ercebe se avanços si nificativos. Atual ente,


a concepção de criança é baseada na compreensão de sua potência.
Sabe-se que é uma fase fundamental para o desenvolvimento huma-
no. A criança é ca a de atribuir si nificado ao undo, nu rocesso
constante de construção de conhecimento, identidade e valores. Cabe
ao adulto reconhecer e valorizar as potencialidades de cada uma, garan-
tindo-lhe o direito de ser escutada e de ser reconhecida como sujeito na
comunidade, não somente no futuro, mas também no presente.

A ideia da criança – ainda que recém-nascida – como “construtora de


undos é ins iradora e, ao es o te o, desafiadora. o reender
a potência que existe na infância é fundamental para proporcionar um
ambiente que favoreça o desenvolvimento integral (físico, psicológico,

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intelectual e social) da criança. No cotidiano, contudo, as práticas sociais
são bem diferentes.

A correria e as ress es do dia a dia ode dificultar o recon eci ento


e as potencialidades da criança: o que sabe, o que faz, o que constrói de
saberes e culturas durante esse período da vida.

Portanto, para que essa concepção seja de fato validada e inspire os


adultos, ser reciso o envolvi ento de todos os rofissionais ue co -
põem a rede de atenção e cuidado à infância. Garantir que a criança
seja reconhecida como um sujeito de direitos ainda é uma luta. Nessa
missão, não se pode falhar.

PRIMEIRA INFÂNCIA: O QUE É E POR QUE INVESTIR NESSA


FASE DA VIDA

Caro(a) aluno(a), agora que já entendeu sobre a infância como uma cate-
goria social, vamos continuar os estudos! Porém, antes, é importante
er untar: afinal, voc sabe o ue é a ri eira in ncia

A primeira infância é compreendida como a fase da vida que se inicia na


gestação e segue até a criança completar seis anos. Essa etapa repre-
senta um momento único para o desenvolvimento humano, porque é
especialmente do nascimento até os três anos de vida que se estabele-
cem as bases do desenvolvimento integral da criança. Interessante, não
é es o ara saber ais a res eito do desenvolvi ento da criança,
veja o quadro baixo.

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Quadro 1 - efinição de riança e ri eira in ncia ara a ol tica acional de
Atenção Integral à Saúde da Criança (PNAISC)

Normativos/convenções Definição

Constituição Federal de 1988 Criança é toda pessoa até 12 anos incompletos.


Adolescentes, a pessoa entre 12 e 18 anos de
Estatuto da Criança e do Adolescente idade.

Convenção sobre os Direitos da Criança de A criança é todo ser humano com menos de 18
1989 anos de idade.

Ministério da Saúde
A criança é toda pessoa na faixa etária de zero
a nove anos, ou seja, de zero até completar dez
anos ou 120 meses.
Organização Mundial de Saúde A primeira infância é a fase de vida de uma pes-
soa de zero a cinco anos, ou de zero até comple-
tar seis anos ou 72 meses.
Marco Legal da primeira infância, Lei Nº
13.257, de 8 de março de 2016

Fonte: elaborado a partir de Brasil (2018, p. 26).

Ressalta-se que para atendimento em serviços de Pediatria no SUS, a


Política abrange “crianças e adolescentes de zero a 15 anos, ou seja, até
completarem 16 anos ou 192 meses, sendo este limite etário passível
de alteração de acordo com as normas e rotinas do estabelecimento de
saúde responsável pelo atendimento” (BRASIL, 2015, p. 37). Trata-se de
uma conquista para os adolescentes nos serviços de pediatria da rede de
saúde do país, pela possibilidade de eles continuarem a usufruir do vín-
culo j constru do co esses serviços e seus rofissionais, es ecial en-
te quando se trata de adolescentes com doenças crônicas. A Sociedade
rasileira de ediatria S define co o ca o de atuação do ediatra
o ser humano entre zero e vinte anos.

o entanto, considerando ue não e istia ar etros definidos elo


S anterior ente, entendeu se ue, no atual o ento, diante do erfil
de formação dos pediatras e da estrutura dos serviços pediátricos do
país, não seria viável responsabilizá-los por faixa etária a partir de 16
anos (BRASIL, 2016). Essa decisão ocorreu após ampla discussão, no pro-
cesso de formulação e na pactuação da política, com os gestores das três
esferas de gestão do SUS, representados pelo Conselho Nacional dos
Secretários de Saúde (Conass) e pelo Conselho Nacional dos Secretários
Municipais de Saúde (Conasems). Também foi objeto de negociação nos
conselhos, com representação da sociedade civil, o Conselho Nacional
de Saúde (CNS) e o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do
Adolescente (Conanda) (BRASIL, 2018).

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re ado a aluno a , conse uiu co reender as definiç es

Agora, vamos à leitura de um trecho publicado pela Organização das


Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura:

A primeira infância é um período altamente sensível, marcado


por rápidas transformações no desenvolvimento físico, cogni-
tivo, social e emocional. A subnutrição, carência de cuidados
e tratamento inadequado são profundamente prejudiciais às
crianças pequenas, com repercussões frequentemente sentidas
nos futuros anos de vida adulta. Uma criança que recebe cui-
dados e tre a ente insuficientes ... rovavel ente so rer
atrasos e seu desenvolvi ento, os uais dificil ente serão
recobrados mais tarde. Programas adequados podem incre-
entar si nificativa ente o be estar das crianças e uenas
durante os anos de formação, além de complementar o cuidado
recebido no lar (UNESCO, 2007, p. 23).

Essa fase também é conhecida por ser uma janela de oportunidades,


pois é entre zero e seis anos de idade que a criança desenvolve as prin-
cipais habilidades e os comportamentos que distinguem seres humanos
de ani ais. essa ase, a rende se, or e e lo, a ficar de é, ca i-
nhar, comunicar-se, desenhar, escrever, falar, fazer o movimento de pin-
ça com os dedos, manusear instrumentos, além de criar e usar ferra-
mentas. Uma criança pequena faz, em seis anos, a caminhada evolutiva
ue os u anos fi era e il es de anos.

É, portanto, um período de muita potência. É, também, um período de


muita delicadeza. Toda a capacidade da criança está envolta na fragili-
dade de seu corpo e na leveza de seu ser. Sua total dependência é uma
estratégia de sobrevivência. Ela precisa de um entorno que cuide dela,
ue a nutra e a ali ente, não a enas fisica ente as ta bé e ocio-
nalmente, pois o afeto é fundamental. A essa fragilidade e dependência
próprias dessa fase dá-se o nome de vulnerabilidade da infância.

Como janela de oportunidades, entende-se ser uma fase importante no


desenvolvimento humano, pois é quando a potência de aprendizagem e
crescimento é única e terá impacto em toda a vida futura. Van der Gaag
(2005) fala desse período como momento primordial para o desenvolvi-
mento motor e emocional da criança, a capacidade relacional, a aquisi-
ção e a ampliação de vocabulário e o raciocínio lógico-matemático.

onfir ando a i ort ncia da ri eira in ncia, a neuroci ncia, a eco-


no ia e a educação o erece ar u entos suficientes ara ue seja

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compreendidos o valor e o impacto do investimento aplicado nessa
área, ampliando o orçamento e implementando políticas públicas que
promovam os direitos da criança e fortaleçam o seu entorno – família e
comunidade –, proporcionando, assim, bem-estar e crescimento saudá-
vel desde os primeiros anos de vida.

Os argumentos ofertados pela neurociência sustentam que as experiên-


cias vividas nessa fase vão moldar a arquitetura cerebral, uma vez que
o desenvolvimento do cérebro e a formação das conexões neuronais
estão em alto processo de atividade. Isso ocorre, sobretudo, nos primei-
ros mil dias (da gestação até os dois anos de idade), quando a intensida-
de de conexão entre os neurônios e a velocidade dessas conexões têm
os níveis mais altos de todo o ciclo vital, ou seja, a plasticidade cerebral
é maior.

Atenção!

Os resultados de estudos sobre neurobiologia do desenvol-


vimento em animais e em seres humanos fornecem forte
evidência de que o desenvolvimento neurobiológico inicial
tem efeitos sobre a saúde (física e mental), sobre o compor-
tamento e sobre a aprendizagem nos estágios posteriores da
vida (MUSTARD, 2010. p. 3).

Segundo a neurociência, a qualidade das conexões cerebrais e das cone-


xões entre os neurônios depende das experiências às quais a criança é
submetida. Ou seja, a base dessa arquitetura será mais ou menos forte,
dependendo do ambiente onde ela cresça. Para o desenvolvimento ple-
no, é preciso garantir que todas as crianças tenham oportunidade de
contar com um ambiente seguro, acolhedor, estimulante e repleto de
afeto e cuidados.

Saiba mais

Flavio Cunha, no documentário O Começo da Vida, ilustra a


i ort ncia disso, afir ando ue o a eto é a fita isolante das
ligações entre os neurônios”:
tt s: . outube.co atc v l t i c

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Já no âmbito da educação, os anos iniciais representam um momento
único para a aprendizagem da linguagem (oral, escrita e pictórica), bem
como para o desenvolvimento motor e psicomotor. Assim, os primeiros
anos de vida são a base da construção dos conhecimentos presentes
e futuros da criança. A educação infantil no Brasil, a primeira etapa da
educação básica, é fundamental para a formação do sujeito, de sua per-
sonalidade, de seu autoconceito e da aprendizagem dos modos de pen-
sar e de agir.

É nesses primeiros anos que se constroem as estruturas psicomotoras,


sociais, afetivas e cognitivas da criança. Ou seja, investir na educação
in antil si nifica arantir el or ossibilidade de a rendi a e utura.
Acerca da centralidade de uma educação de qualidade, o Plano Nacional
pela Primeira Infância (PNPI) é assertivo quando evoca que “o descui-
do com a infância é a negação prévia da criança e, consequentemente,
é uma restrição, deliberada ou não, mas nunca sem responsabilidade
oral, or ação da essoa , , . .

A artir de ar u entos autados elas descobertas cient ficas da neu-


rociência, ou de estudos econômicos, pode-se dizer que negar ou des-
cuidar da potência ou da vulnerabilidade da infância é negar à criança a
plenitude de sua vida. O investimento na educação infantil de qualidade
é uma:

... estraté ia inteli ente e efica ... ois arante u a vida ais
plena para toda criança, de qualquer ambiente socioeconômico,
possibilitando que as crianças vivam mais felizes, sedimenta a base
do desenvolvimento pessoal posterior, assegura maior resultado
na educação escolar, traduzido em melhor aprendizagem no ensi-
no unda ental e édio , , . .

o onto de vista econ ico, es ecialistas afir a ue as ta as de


retorno do investimento feito durante essa etapa da vida são muito
maiores do que os realizados em etapas posteriores. Quando se inves-
te na criança pequena, aumenta-se a possibilidade de formação de um
adulto sadio e economicamente ativo. Investir na primeira infância, além
de impactar positivamente a vida da criança pequena no presente, pode
evitar gastos futuros com saúde, educação, assistência social e até segu-
rança pública. Ou seja, investir na primeira infância é uma estratégia de
progresso econômico.

O vencedor do Nobel em 2000, James Heckman, sobre os primeiros anos


de vida diz:

É uma fase em que o cérebro se desenvolve em velocidade frenética


e tem um enorme poder de absorção, como uma esponja maleável.
As primeiras impressões e experiências na vida preparam o terreno
sobre o qual o conhecimento e as emoções vão se desenvolver

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mais tarde. Se essa base for frágil, as chances de sucesso cairão; se
ela for sólida, vão disparar na mesma proporção. Por isso, defendo
estímulos desde muito cedo (WEINBERG, 2017).

Sobretudo por meio do investimento em atenção e cuidado das crianças


ais vulner veis, j afir a . ec an: ão troca co ensação entre
e uidade e efici ncia, co o e iste ara outros ro ra as sociais. inves-
timento precoce na vida de crianças desfavorecidas ajudará a reduzir a
desigualdade, tanto a curto como a longo prazo” (WEINBERG, 2017).

Leia mais em: https://veja.abril.com.br/revista-veja/james-heckman-


nobel desafios ri eira in ancia .

elos a ortes da neuroci ncia, da educação ou da econo ia, fica claro


que investir na primeira infância é também cuidar de toda a sociedade.
É investir na família, na comunidade e no ambiente. É cuidar do futuro
garantindo direitos desde o presente. É prevenção, mas é também pro-
moção, proteção e cuidado. Vale ressaltar que o investimento na primei-
ra infância é, portanto, uma estratégia importante para a redução das
desigualdades que um país enfrenta.

É importante reconhecer que garantir oportunidades e direitos a todas


as crianças é uma tarefa enorme e complexa. Ela exige muitas mãos,
muitas cabeças e muitos corações. Apoiar a criança em seu desenvolvi-
mento humano requer diversos atores e toda uma rede de proteção à
infância que fortaleça, sobretudo e inclusive, sua família. É necessário,
portanto, políticas públicas que garantam, por meio de ações interse-
toriais, o bem-estar e o desenvolvimento dos pequenos e o suporte às
famílias. A família tem um papel central no desenvolvimento da criança
e terá, portanto, destaque ao longo deste curso.

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Saiba mais

Antes de encerrar esta unidade, assista ao episódio O Bebê


Fantástico, da série O Começo da Vida, dirigido por Estela Renner.
rocure re etir sobre o fio ue une crianças e a lias de di e-
rentes culturas, nacionalidades e realidades socioeconômicas.
tt s: vi eo.co Para acessar, basta digitar a
seguinte senha: cdv_ep1

Veja também: “Importância do desenvolvimento infan-


til”, da Enciclopédia sobre o Desenvolvimento na primeira
infância: http://www.enciclopedia-crianca.com/importan-
cia-do-desenvolvimento-infantil/segundo-especialistas/
desenvolvimento-cerebral-inicial-e

a os rele brar
Na Aula 01 desta Unidade, foi visto que a infância como categoria social
é relativamente nova, surgindo a partir do século XIX. Essa contextualiza-
ção histórica ajuda a entender que a concepção de infância e, portanto,
as maneiras de se relacionar com a criança variam nos diversos contex-
tos sócio-históricos em que está inserida.

Outro ponto importante abordado é sobre a centralidade dos primeiros


anos de vida para o desenvolvimento do sujeito e da própria sociedade.
esse sentido, fica clara a necessidade de se cuidar dessa ri eira ase
da vida e garantir os direitos da criança, por meio de políticas e serviços
públicos que a apoiem – e também sua família – em seu desenvolvimen-
to, garantindo-lhe bem-estar e segurança.

or fi , oi visto co o é central co reender a criança co o ot ncia,


reconhecendo suas vulnerabilidades para apoiar o seu desenvolvimento
de maneira integral e integrada. Muito assunto interessante, não é mes-
o te ais! a os continuar

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REGISTRO DE EXPECTATIVAS
Olá! Que tal sistematizar e registrar as suas reflexões e
expectativas?
Ao longo do curso, serão trabalhados temas fundamentais
relacionados à primeira infância e à forma como sua atuação
pode colaborar para que as crianças com quem você tem con-
tato em sua rotina profissional ou na comunidade/território
possam se desenvolver integralmente.
Para que isso aconteça da melhor maneira, a leitura atenta dos
títulos, objetivos e descritivos, dispostos em cada etapa deste
curso, e as anotações sobre as expectativas de aprendizado em
relação a cada tema são muito importantes. Tente se organizar
para registrar tudo o que achar necessário e retome essas ano-
tações para avaliar se suas expectativas foram atendidas e de
que forma o curso e sua atuação poderiam melhorar. Que tal?

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AULA 2 - Direitos e garantias na primeira infância
Olá! Você chegou à Aula 02. Nesta aula, você terá a oportunidade de
conhecer mais sobre os marcos normativos e a garantia de direitos na
ri eira in ncia. re arado a

Bons estudos!

POLÍTICAS NACIONAIS E OS MARCOS NORMATIVOS


REFERENTES À PRIMEIRA INFÂNCIA

Compreender a criança pequena como sujeito de direitos implica assegu-


rar-lhe um ambiente saudável e um crescimento harmonioso. As crian-
ças são sujeitos de direitos e os adultos são responsáveis pela garantia
desses direitos – ou detentores de deveres e responsabilidades. Para
isso, eles compartilham diversas responsabilidades para com as crian-
ças: civis, éticas e políticas.

Atenção!

DIREITOS DAS CRIANÇAS RECONHECIDOS PELA ONU (1990)


A criança é inocente, vulnerável e dependente. Também é
curiosa, ativa e cheia de esperança. Seu universo deve ser de
alegria e paz, de brincadeiras, de aprendizagem e crescimento.
Seu futuro deve ser moldado pela harmonia e pela coope-
ração. Seu desenvolvimento deve transcorrer à medida que
amplia suas perspectivas e adquire novas experiências. Mas,
para muitas crianças, a realidade da infância é muito diferente
(ONU, 1990).

Em linhas gerais, a responsabilidade civil é a responsabilidade da socie-


dade para com algo. No caso dos adultos em relação às crianças, tra-
ta-se de assegurar que todas tenham seus direitos básicos (acesso à
saúde, ao lazer, à educação, à moradia, ao viver e conviver em família)
garantidos. Dessa forma, cabe aos adultos garantir às crianças uma
estrutura básica para que tenham casa, alimentação de qualidade,
acesso à água tratada, sistema de esgoto, vacinação, educação, áreas
de lazer e cultura, por exemplo.

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Ao pensar em responsabilidade ética, consideramos os direitos postu-
lados no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que garantem à
criança liberdade, respeito e dignidade (artigos 15 a 18). A criança tem o
potencial e o direito de se expressar, de se comunicar e de se relacionar
com outras pessoas. Ela é construtora de sentidos e tem em si o ins-
trumental necessário para se apropriar do mundo e o interpretar à sua
maneira. A criança pequena carrega em si a capacidade de buscar respos-
tas para suas perguntas e encontrar os caminhos para seguir os rumos
de seu desenvolvimento. Nesse processo, cabe aos adultos a tarefa de
apoiá-la, de escutá-la, de considerá-la e de respeitar as suas ideias.

Partindo das responsabilidades civil e ética e compreendendo as crianças


como seres em formação, mas já completos e competentes, o que dizer
da res onsabilidade ol tica ara co as crianças Si , ela e iste e é
unda ental. i ortante arantir es aços ara o di lo o e a re e ão,
para que as crianças possam trazer suas perspectivas acerca de proble-
mas globais (de lugares distantes ou de questões que afetam a todos),
sociais e locais (do seu bairro, da sua cidade ou país). Esse exercício polí-
tico da garantia de direitos também contempla a abertura para o outro e
para a diversidade. Criam-se, assim, pontes e conexões que promovem
a curiosidade e o conhecimento. A diferença não é um problema, mas
u do , ca a de erar soluç es e udanças criativas e si nificativas.
A responsabilidade política com as crianças implica reconhecê-las como
únicas em suas singularidades, ao mesmo tempo, reconhecer seus direi-
tos como integrantes de uma comunidade, assim como sua participação
ativa nesse meio.

Como se pode ver, garantir os direitos da criança exige responsabilida-


de, compromisso, conhecimento. Então a responsabilidade pela criança
é so ente dos adultos e da a lia ão. cresci ento e o desenvolvi-
mento da criança necessitam de condições adequadas – e são direitos
garantidos por lei –, e a responsabilidade deve ser compartilhada entre o
Estado, a família, a comunidade e, também, toda a sociedade, conforme
exposto no artigo 227 da Constituição Federal:

Atenção!

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança,


ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito
vida, sa de, ali entação, educação, ao la er, rofis-
sionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade
e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a
salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988).

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Embora a criança seja um ser potente e capaz, é importante ter todos
esses atores em torno da sua infância, pois a potência da criança peque-
na não suprime sua vulnerabilidade (biológica, econômica e social). A pri-
meira infância demanda atenção especial para o desenvolvimento inte-
gral da criança, o que requer uma parceria entre políticas intersetoriais
de assistência social, educação, cultura, direitos humanos, entre outras,
para garantir não apenas a sobrevivência mas também a promoção do
desenvolvimento pleno.

reciso ensar os desafios ue a ri eira in ncia ainda re resenta


para as políticas públicas e para a sociedade. As crianças são prioridade
absoluta, portanto, é fundamental que as diversas áreas públicas cons-
truam políticas que se preocupem em promover o desenvolvimento des-
ses pequenos cidadãos e cidadãs brasileiros.

INFÂNCIA NOS MARCOS LEGAIS BRASILEIROS


a os entender, a se uir, a es ecificidade brasileira. rasil te , a ro-
ximadamente, 20 milhões de crianças na primeira infância (PNPI, 2010),
mas nem todas têm seus direitos assegurados. Ainda há trabalho e
exploração infantil, problemas nutricionais, moradia inadequada, falta
de sanea ento b sico, alta de va as e crec es, dificuldades de acesso
à saúde, ausência de espaços para exercício da cultura e do lazer, bem
como violências de diversas naturezas.

Inspirado pela Constituição, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA),


de 1990, regulamenta os direitos das crianças e dos adolescentes em
consonância com as normativas internacionais, como a Convenção dos
Direitos da Criança (CDC), da ONU, em 1989. A partir de então, as crian-
ças brasileiras, sem distinção de raça, etnia, classe social ou qualquer
outra forma de discriminação, passam de objetos a sujeitos de direitos
em pleno desenvolvimento, a quem deve ser assegurada a prioridade
absoluta na formulação de políticas públicas e destinação de recursos
aos orçamentos municipais, estaduais e federais.

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Em 2015, foi criada a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da
Criança (PNAISC), por meio da Portaria Nº 1.130, de 5 de agosto de 2015.
Essa norma tem por objetivo “promover e proteger a saúde da criança
e o aleitamento materno mediante a atenção e os cuidados integrais
e integrados da gestação aos 9 anos de vida”, com especial atenção à
primeira infância e às populações de maior vulnerabilidade, visando à
redução da morbimortalidade e à garantia de um ambiente facilitador à
vida de mulheres e bebês, com condições dignas de existência e pleno
desenvolvimento (BRASIL, 2015). A Figura 1 traz os sete eixos estratégi-
cos que compõem a PNAISC.

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Figura 1 - Os sete eixos estratégicos da PNAISC

POLÍTICA NACIONAL DE ATENÇÃO INTEGRAL


À SAÚDE DA CRIANÇA – PNAISC
Atenção humanizada e qualificada à gestação, ao parto, ao nascimento e ao
recém-nascido

Aleitamento materno e alimentação complementar saudável

Promoção e acompanhamento do crescimento e do desenvolvimento integral


EI XOS

Atenção integral a crianças com agravos prevalentes na infância e com


doenças crônicas

Atenção integral à criança em situação de violências, prevenção de acidentes e


promoção da cultura de paz

Atenção à saúde de crianças com deficiência ou em situações específicas e


de vulnerabilidade

Vigilância e prevenção do óbito infantil, fetal e materno

REDES DE ATENÇÃO À SAÚDE

ATENÇÃO BÁSICA A SAÚDE


  

Figura 1 - Os setes eixos estratégicos da PNAISC

Fonte: Brasil (2018, p. 38).

Os sete eixos da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança


(PNAISC) complementam-se. Um deles, em especial, o eixo III é muito
importante no que diz respeito ao Desenvolvimento na primeira infân-
cia (DPI). Por meio dele, são propostas ações de vigilância e estímulo do
pleno crescimento e desenvolvimento da criança da primeira infância,
a fi de a ri orar a atuação dos rofissionais de di erentes setores e
de favorecer o fortalecimento do trabalho em rede. Entre as ações, no
âmbito da atenção básica à saúde, está o incentivo ao uso da Caderneta
da Criança, que inclui, além de informações relativas aos marcos do
desenvolvimento, também ações de apoio às famílias para o fortaleci-
mento de vínculos familiares (BRASIL, 2015).

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De acordo com o artigo 9º da PNAISC, as ações
estratégicas do III eixo são:
I - a disponibilização da Caderneta de Saúde da
Criança, com atualização periódica de seu

conteúdo;

a ualificação do aco an a ento do cres-


cimento e desenvolvimento da primeira infância
pela Atenção Básica à Saúde;

III - o Comitê de Especialistas e de Mobilização


Social para o Desenvolvimento Integral da pri-
meira infância, no âmbito do Sistema Único de
Saúde (SUS); e

IV - o apoio à implementação do Plano Nacional


pela primeira infância (BRASIL, 2015).

No âmbito da saúde, o acesso de grupos populacionais em situação de


vulnerabilidade social te sido u desafio ao Siste a nico de Sa de
(SUS). As crianças estão incluídas nesse grupo e, dessa forma, enfrentam
os ais variados desafios ara acessar a ede de Atenção Sa de na
busca por um dos seus direitos fundamentais. O SUS tem então o com-
promisso de desenvolver mecanismos de acesso diferenciado às crian-
ças, apesar de elas já estarem incluídas na agenda dos serviços de saúde.

No âmbito da educação, diversos programas, leis e normativas foram


propostos e articulados para garantir o acesso e a permanência das
crianças na Educação. Um passo determinante para isso foi a inclusão da
ducação n antil na ducação sica e seu conse uente financia ento
por meio do Fundo Nacional da Educação Básica (FUNDEB). Além disso,
programas como o Pró-Infância e o curso Pró-Infantil apoiam os muni-
cípios na concretização das metas de atendimento na educação infantil
das crianças de anos na ré escola e da de anda or
vagas em creches para crianças de até 3 anos). Nesse processo, o primei-
ro financia a estrutura construção de unidades de crec es e ré escolas
e o segundo visa à formação docente para atuação na educação infantil.

no ca o da assist ncia social, os desta ues fica or conta do Serviço


de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF) e, mais recentemente,
do Programa Criança Feliz (PCF), que buscam o fortalecimento das compe-
tências familiares por meio de visitas domiciliares. Ambos os programas
também dão enfoque às famílias e às crianças em situação de vulnerabi-
lidade e risco social – no caso do PCF, aquelas inscritas no Bolsa Família.

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Partindo da sociedade civil, uma grande conquista resultou na criação da
Rede Nacional Primeira Infância (RNPI), movimento de articulação nacio-
nal entre organizações da sociedade civil, do Poder Público, do setor pri-
vado, de outras redes e de organizações multilaterais que atuam, direta
ou indiretamente, na promoção e na garantia dos direitos da primeira
infância. A mobilização dessa rede contribuiu para avanços importantes
no país, como a elaboração e a aprovação do Marco Legal da primeira
infância – Lei Nº 13.257, de 8 de março de 2016.

A RNPI foi também responsável pela elaboração do Plano Nacional pela


primeira infância (PNPI), em 2010. O Plano foi aprovado pelo Conselho
Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) e passou a
integrar o Plano Nacional de Direitos Humanos III (PNDH - III). O PNPI é
uma carta de compromisso do país para garantir à criança, até os seis
anos, todo o atendi ento afir ado ela onstituição de , elo A,
pelos tratados internacionais do qual o país é signatário e pelas leis apli-
cadas a diferentes setores, como educação, saúde, assistência social e
diversidade. O documento propõe metas que devem ser executadas até
2022 e prevê a elaboração de planos correspondentes nas esferas esta-
dual, distrital e municipal.

O conceito de vulnerabilidade, presente em diversas normativas brasilei-


ras, está ligado a um estado de debilidade ou fraqueza. De acordo com
o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), são situações que geram
risco e vulnerabilidade social: a pobreza, o acesso precário ou nulo aos
serviços públicos e a fragilização de vínculos de pertencimento e socia-
bilidade. Na sequência, o MDS também elenca situações que contribuem
para a vulnerabilidade social das famílias brasileiras, como:

... uest es relacionadas recariedade de in raestrutura, resen-


ça de crianças e adolescentes, idosos e essoas co defici ncia e
famílias com renda até meio salário mínimo, responsáveis analfabe-
tos ou com baixa escolaridade e mulheres chefes de família sem côn-
juge, famílias com responsáveis desempregados, família em situação
de trabalho infantil ou com presença de crianças e adolescentes em
idade escolar obrigatória fora da escola, entre outras (BRASIL, 2015).

A partir das normativas que atentam para a infância, explicadas acima, e


olhando a linha do tempo dos direitos da criança, pode-se compreender
mais a construção histórica e os avanços já conquistados. Para aprofundar
um pouco mais seu conhecimento, veja os destaques e saiba mais sobre
os marcos legais, acessando os links sugeridos na linha do tempo a seguir.

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Os direitos da criança - Uma construção histórica

O Brasil é signatário da Declaração Universal 1959


dos Direitos da Criança e se compromete a
elaborar e implementar políticas e ações que
garantam às crianças brasileiras o respeito a
seus direitos e o reconhecimento de sua
cidadania.

1988 Artigo 227 da Constituição Federal:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/co
nstituicao/constituicao.htm

A Convenção sobre os Direitos da Criança foi 1989


adotada pela Assembleia Geral da
Organização das Nações Unidas em 1989.
Nesta, os Estados Parte, reconhecem a criança
como o sujeito de até 18 anos incompleto.
O Brasil é signatário dessa Convenção.
Acesse:
https://www.unicef.pt/docs/pdf_publicacoes/
convencao_direitos_crianca2004.pdf

1990 Desde 1990, o Brasil possui um documento


importante – e muito conhecido –, que é o
Estatuto da Criança e do Adolescente [ECA].
Graças a ele, muitos avanços foram alcançados,
mas, quando o assunto são os direitos da
criança, há muito ainda a fazer. De acordo com
o Estatuto, as crianças brasileiras, sem qualquer
distinção (de raça, etnia, classe social, gênero),
não podem sofrer nenhum tipo de
discriminação. Devem também ser prioridade
quando os governos formularem serviços para
oferecer à população. Conheça na íntegra o
texto do ECA:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069
.htm

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No caminho de conquistas, nasceu também a 2010
Rede Nacional Primeira Infância [RNPI],
grupo que tem representantes da sociedade
civil, governo, empresas, ONGs (Organizações
Não Governamentais] e que atua para
promover os direitos da criança. Em 2010, a
RNPI conseguiu aprovar o Plano Nacional
pela Primeira Infância. O documento é uma
carta de compromisso para garantir saúde,
educação e assistência social para todas as
crianças de até 6 anos. O Plano também
propõe algumas metas a serem cumpridas
até 2022, dividindo as responsabilidades das
2015 O Ministério da Saúde, através de uma
ampla articulação com estados,
ações entre os governos federal, estadual e municípios e especialistas, lançou a
municipal. Saiba mais sobre a RNPI: ol tica acio al de te o te ral
http://primeirainfancia.org.br/ Saúde da Criança [PNAISC]. Para saber
mais, acesse:
tt s: bvs s.saude. ov.br bvs
saudele is
rt . t l

Sancionada em 2016 e conhecida como 2016


Marco Legal da Primeira Infância, a Lei nº
13.257, de 8 de março de 2016, em seu artigo
defi e como reas riorit rias ara as
políticas públicas para a Primeira Infância a
saúde, a alimentação e a nutrição, a
educação infantil, a convivência familiar e
comu it ria a assist cia social fam lia da
criança, a cultura, o brincar e o lazer, o
espaço e o meio ambiente, bem como a
proteção contra toda forma de violência e de
pressão consumista, a prevenção de
acidentes e a adoção de medidas que evitem 2017 O MDS instituiu o Programa Criança
a e osi o recoce comu ica o Feliz, que tem como público-alvo
mercadológica. Com a publicação da lei, o famílias em situação de risco e
Brasil se tornou o primeiro país da América vulnerabilidade social. O programa
Latina a reconhecer a importância da criança visa ampliar as competências
e a valorizar sua primeira fase de vida. familiares a fim de fortalecer o cuidado
Acesse: e a proteção de suas crianças. Para
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato201 conhecer um pouco mais, acesse:
5-2018/2016/lei/l13257.htm tt s: . ov.br t br servicos
artici ar do ro ra a crianca eli

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Saiba mais

Vídeo: Marco Legal da primeira infância com-


pleta um ano. https://www.youtube.com/
atc v bb d t r

a os ara a s ntese da Aula

Como sujeito de direitos, a criança precisa de um ambiente saudável que


assegure seu crescimento harmonioso. Para que isso aconteça, cabe aos
adultos as responsabilidades civis, éticas e políticas necessárias à garan-
tia dos direitos da infância. Nesse sentido, é fundamental que as diver-
sas áreas públicas construam políticas que se preocupem em promover
o desenvolvimento da infância brasileira.

Os principais marcos legais relacionados à criança e sua família são: a


assinatura da Declaração Universal dos Direitos da Criança, em 1959;
a Constituição Federal de 1988; a Convenção de Direitos da Criança e
do Adolescente das Nações Unidas (CDC-ONU), em 1989; a aprovação
do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 1990; a criação da
Rede Nacional Primeira Infância (RNPI), em 2010; a Política Nacional
de Atenção Integral à Saúde da Criança (PNAISC), de 2015; a sanção do
Marco Legal da primeira infância, em 2016; e o Programa Criança Feliz,
de 2017.

A partir da Constituição Federal de 1988, a criança brasileira passa a ser


sujeito de direitos em pleno desenvolvimento, a quem deve ser assegu-
rada a prioridade absoluta na formulação de políticas públicas interse-
toriais e destinação de recursos aos orçamentos municipais, estaduais e
federais.

ue tal onse uiu siste ati ar o con eci ento a os se uir!

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