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SISTEMA DE ENSINO E

LEGISLAÇÃO EDUCACIONAL
AULA 2

Profª Márcia Regina Mocelin


Profª Sueli Pereira Donato
CONVERSA INICIAL

Olá! Nesta aula, vamos abordar:

 a organização e o funcionamento da educação infantil no Brasil em sua


trajetória histórica;

 a concepção de criança e direitos da infância como uma construção


histórica e social, e que, portanto, reproduz a sociedade;

 o discurso das políticas públicas na efetivação dos direitos da criança,


como um sujeito de direitos;

 os limites e avanços da oferta e qualidade da Educação Infantil, incluindo


a formação de professores para atuar nessa etapa inicial da educação
básica.

Esta aula tem como objetivo principal apresentar esses assuntos na


interface do contexto no qual se insere a educação brasileira, ou seja, uma
sociedade capitalista, marcada historicamente pelas desigualdades sociais e por
luta de classes, destacando aqui o caráter paradoxal e contraditório que
acompanha a Educação Infantil no Brasil: aspectos assistencialista, familiar e
educacionais.

TEMA 1 – HISTÓRICO DO ATENDIMENTO À CRIANÇA NO BRASIL – DA


NEGLIGÊNCIA AOS DIREITOS SOCIAIS

A concepção de criança e de direitos da infância vem de uma construção


histórica situada no contexto das relações sociais, que reproduz a vida social e
política do país em cada época. Nesse sentido, entender a criança dentro do
contexto histórico é fundamental para perceber porque tais políticas públicas
educacionais estão no formato presente.
No Brasil, o atendimento às crianças esteve por muito tempo vinculado a
um caráter assistencialista e compensatório, em detrimento do educacional ou
pedagógico. A oferta da educação pré-primária na LDBEN (Lei n. 4.024/1961)
ocorria nas escolas maternais e em jardins de infância.
A Lei n. 5692/1971 nada acrescenta à EI. Porém, na década de 1980 o
papel dessas instituições de educação infantil foi fortemente criticado pelo meio
acadêmico.

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Com a CF/1988, a educação infantil no Brasil passa a ser
responsabilidade do Estado, se constituindo em um direito público subjetivo da
criança. O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) de 1990 reforça essa
conquista: a criança como sujeito de direitos. Porém, é com a LDBEN 1996 que
a educação infantil é reconhecida na Educação Básica.
Se voltarmos em nosso Brasil colônia, perceberemos que nesse período
o ensino primário quase não existia. Ele não existia como organização do
Estado. O que acontecia? A elite contratava professor particular de diversas
disciplinas para que atuasse na educação de seus filhos; logo, não havia escola.
Quase não havia investimento na educação primária pública. Quase não era
feita, e o Estado se responsabilizava com a educação secundária e a educação
superior. E por quê? Porque era necessário esse tipo de estudo para o
aprimoramento de condições na nossa colônia. Ainda assim, mantém-se um
ensino deslocado dos interesses da população brasileira, ainda que voltado para
atender a necessidade da família real.
O ensino superior organizava-se em aulas avulsas. Eram aulas sem um
conjunto específico, sem uma unidade, voltadas para a prática profissional, o
que acontece pela primeira vez no nosso país. É um avanço; é nesse momento
que o Brasil sofre a primeira crise da falta de professores. Depois disso, instaura-
se o método Lancaster, que também foi conhecido por método de ensino mútuo.
Nesse método, um aluno que já tinha um pouco mais de estudos ensinava um
grupo de 10 ou mais alunos. Esse foi um dos meios adotados para que não
faltasse educação – um aluno ensinava outro, mas isso só ocorria no ensino
secundário, pois o ensino primário quase não existia mais. Precisamos lembrar
também que as aulas avulsas eram implementadas em alguns estados, em
alguns locais do país, mas o crescimento e o investimento sempre foram
desiguais, tendo em vista que o Brasil é um país muito grande. Nem todas as
localidades estavam colonizadas, então se criava mais educação nas
localidades de maior grau de desenvolvimento.
No momento histórico atual, se compararmos com o Brasil colônia,
facilmente percebemos a valorização da primeira infância. Podemos citar várias
questões:

 Avanço científico sobre o desenvolvimento infantil;

 Crescente inserção da mulher no mercado de trabalho;

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 Reconhecimento da criança como sujeito de direitos;

 Políticas socioeducativas (Estado, família e sociedade);

 Constituição Federal - CF (1988);

 Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (1990);

 LDBEN, Lei n. 9.394/1996.

Esses são alguns apontamentos que podemos entender como


fundamentais para as mudanças significativas que a educação infantil recebeu.

TEMA 2 – A EDUCAÇÃO INFANTIL NA LEGISLAÇÃO EDUCACIONAL

A CF (1988), Carta Magna, constitui-se em um marco histórico na


legislação pertinente à infância, ao reconhecer a criança como cidadã: sujeito
detentor de direitos sociais, entre eles, a educação. Estabeleceu políticas de
financiamento para a Educação Infantil e como dever do Estado a garantia do
atendimento a crianças de 0 a 5 anos de idade em creches e pré-escolas, além
do direito dos trabalhadores em relação à assistência de seus filhos nesses
locais.
O ECA (lei n. 8.069/1990) é um instrumento de cidadania que reconhece
e reitera a CF/1988 na garantia dos direitos às crianças – entre eles, um sujeito
de direitos. O ECA foi especialmente criado para revelar os direitos e os deveres
das crianças e dos adolescentes; logicamente, aparecem no Eca também os
direitos e deveres do adulto, que estão ligados a crianças e adolescentes.
O ECA também dispõe sobre a proteção integral das crianças e dos
adolescentes. O art. 3° do ECA assegura-lhes a proteção integral, que se traduz
em todas as oportunidades e facilidades, afim de lhes facultar o desenvolvimento
físico, mental, moral espiritual e social, em condições de liberdade e de
dignidade.
O ECA garante que todas as crianças e adolescentes,
independentemente de cor, etnia ou classe social, sejam tratados como pessoas
que precisam de atenção, proteção e cuidados especiais, para se
desenvolverem e se tornarem adultos saudáveis.
Antes do ECA, existia apenas um código de menores, que era de 1979,
uma lei que só incluía os pobres, abandonados, carentes ou infratores menores
de 18 anos de idade. O ECA trabalha e respeita as mais variadas legislações e

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também diversos acordos internacionais; por isso, sua consonância em garantir
que todos os direitos sejam respeitados. Algumas dessas legislações:

 Declaração dos Direitos da Criança (Resolução 1.386 da ONU – 20 de


novembro de 1959);

 Regras mínimas das Nações Unidas para administração da Justiça da


Infância e da Juventude – Regras de Beijing (Resolução 40/33 da ONU –
29 de novembro de 1985);

 Diretrizes das Nações Unidas para prevenção da Delinquência Juvenil –


diretrizes de Riad (ONU, 1º de março de 1988 – RIAD).

Podemos dizer que o ECA coloca o Brasil numa posição de destaque


entre os demais países do mundo, sendo considerada uma das leis mais
avançadas na defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes.
A LDBEN n. 9.394/1996 reitera o direito à educação, conforme a CF
(1988) e o ECA (1990), reconhecendo a educação infantil como primeira etapa
da Educação Básica.
A incumbência na oferta do ensino infantil é dos municípios, que devem
oferecer creches com atendimento a crianças de 0 a 3 anos, e pré-escolas para
crianças de 4 a 5 anos de idade (obrigatória, prevista na EC59/2009). Os art. 29
e 31 versam sobre a finalidade e a organização da Educação Infantil.
A educação infantil tem como objetivo o desenvolvimento integral da
criança. Na educação infantil, não se aprova ou reprova a criança, apenas
acompanha-se o seu desenvolvimento. A educação infantil é dividida em creches
e pré-escolas. As creches recebem as crianças de zero a 3 anos e a pré-escola
as crianças de 4 a 5. Essa etapa da educação infantil é aquela que vai dar a
base; se fossemos pensar em uma árvore, diríamos que a educação infantil é a
raiz da árvore. Quando a criança participa da educação infantil, geralmente tem
melhores resultados no ensino fundamental e médio. Por isso, a educação tem
até 2016 para tornar obrigatório o estudo dos 4 aos 17 anos de idade. Em geral,
a educação infantil funciona no período integral. Há inclusive um resquício da
assistência social.
Se a educação infantil seria a raiz, a educação fundamental seria o tronco.
Ou seja, durante o ensino fundamental, a criança vai recebendo os conteúdos
mínimos para que possa desenvolver-se. Consequentemente, o ensino médio
seria os galhos, os ramos, as frutas. Assim, temos um todo articulado, haja vista

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que um tronco sem raiz não existe, e assim sucessivamente. Trata-se de um
todo pensado organicamente para o desenvolvimento da criança.
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) aponta uma nova forma de
determinar nossas crianças, de acordo com faixa etária, nomeando-as de bebês,
crianças bem pequenas e crianças pequenas.

Figura 1 – Faixa etária


OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM E

Bebês (0 a 1 ano e 6 meses)


DESENVOLVIMENTO

Crianças bem pequenas


(1 ano e 7 meses a 3 anos e
11 meses)

Crianças pequenas
(4 anos a 5 anos e 11 meses)

Fonte: elaborado pelo autor.

TEMA 3 – EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL – O QUE DIZEM O RCNEI, AS


DCNEI E O PNE

O Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil (RCNEI),


elaborado em três volumes, constitui-se em documento norteador do trabalho
pedagógico intencional. Portanto, não é obrigatório, sendo amplamente criticado
por seu caráter homogêneo.

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As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação infantil foram
aprovadas em 1999 e foram reformuladas em 2009, com caráter mandatário,
estabelecendo, por meio do art. 3º, diretrizes, princípios, fundamentos e
procedimentos para orientar a organização, a articulação, o desenvolvimento e
a avaliação de propostas pedagógicas das instituições de Educação infantil, que
passam a ser reconhecidas como um lócus, devendo assegurar a construção da
cidadania infantil, o que requer a qualificação de seus profissionais para articular
as práticas do cuidar e educar.
As diretrizes têm como princípios norteadores o que é ético, político e
estético. Os princípios éticos são autonomia, responsabilidade e respeito. Os
políticos estão diretamente ligados aos direitos de cidadania e os estéticos ao
respeito à criatividade, sensibilidade e às mais variadas formas artísticas. Esses
princípios permeiam toda a educação básica.
Na educação infantil, os eixos de organização privilegiam a interação e a
brincadeira, e também necessitam de ambientes pedagógicos estimulantes. A
educação infantil não tem por princípio alfabetizar. A prioridade recai sobre o
estímulo ao desenvolvimento, ao lúdico e à brincadeira. A escola tem que ser
um espaço de alegria. Lembramos aqui que as diretrizes curriculares têm peso
de lei.
Já o PNE (2014-2024), Lei n. 13.005, de 2014, enfatiza a universalização
da pré-escola até 2016 (crianças de 4 a 5 anos de idade), e visa ampliar a oferta
nas creches (até 3 anos de idade) em 50% até 2024 (Meta 1).
Dentro das normativas da educação Infantil balizadas por legislações que
as precedem, como a Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, estão todos os princípios para que ocorra de forma eficiente
o atendimento educacional das crianças.
Por exemplo, na Educação Infantil, quando tratamos de avaliação, há um
diferencial em relação às demais etapas. A avaliação busca observar se o aluno
tem condições de acompanhar a série seguinte; existe também a promoção
contínua, estabelecida pelos ciclos, em que o processo é contínuo. No caso da
educação infantil, nos três primeiros anos, é preferível que a criança fique com
a mesma professora, para estabelecer ligações, e para que possa trabalhar suas
dificuldades com base em uma sequência, com tempo maior e atenção especial.
As iniciativas de progressão automáticas, apesar de bastante criticadas,
são importantes, porém não podem ser utilizadas se promovem sem

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qualificação, e nem com a intenção de desocupar uma vaga – sem falar no gasto
gerado. Outra questão fundamental é que a progressão automática foi idealizada
para alcançar os índices do Ideb. O Ideb é o Índice de Desenvolvimento de
Educação Básica. Há um índice calculado com base na nota do aluno, e também
com base no índice de aprovação e reprovação escolar. Reprovar o aluno traz
sérias consequências, e nem sempre é o melhor caminho. Portanto, a
progressão automática, se utilizada de forma correta, pode ser um benefício.
Para superar a cultura da reprovação, é preciso pensar na questão da avaliação,
que por sua vez está diretamente ligada com a forma como o currículo está
organizado.

TEMA 4 – POLÍTICAS EDUCACIONAIS E EDUCAÇÃO INFANTIL – ACESSO,


QUALIDADE E INVESTIMENTO

Implementar políticas educacionais, de forma a garantir uma educação


pública de qualidade, requer esforços governamentais em uma arena imbuída
de relações de poder, que são inerentes ao jogo de forças presentes na
sociedade capitalista, historicamente desigual e excludente. Porém, no que se
refere à Educação Infantil, muitos avanços ocorreram em nosso país, o que não
nega a necessidade de políticas educacionais continuarem avançando e,
também, de os profissionais da educação se assumirem como coadjuvantes no
processo de enxergar e garantir, à criança de 0 a 5 anos, seus direitos.
Para isso, trazemos uma sugestão de leitura para o debate de questões
como o acesso, a qualidade e o investimento no contexto da educação infantil
brasileira, na sua relação com o atendimento em creches e pré-escolas, com
base no documento "Política de educação infantil no Brasil: relatório de
avaliação", do MEC (Brasil, 2009), que revela a carência na formação
especializada, entre outras questões.

TEMA 5 – POLÍTICAS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Apesar de a LDBEN (1996) estabelecer a formação inicial de professores


para atuar na Educação Infantil como o nível superior, ainda admite professores
habilitados em nível médio, o que culmina no empobrecimento do trabalho
educativo nessa etapa.

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O PNE (2014-2024) contempla em sua Meta 15 a garantia progressiva do
atendimento à Educação Infantil por profissionais com nível superior em cursos
de licenciatura. Porém, é notório os desafios que o sistema municipal encontra
para assegurar professores legalmente habilitados, em decorrência das
dificuldades de acesso ao ensino superior, o que precisa e pode ser superado
pela modalidade a distância (EaD), com vistas a superar a carência de formação
especializada. No tocante à avaliação na EI, ocorre mediante acompanhamento
e registro do desenvolvimento das crianças, sem o objetivo de promoção, mesmo
para o acesso ao ensino fundamental (Lei n. 12.796, de 2013).

NA PRÁTICA

Vamos refletir sobre a trajetória e o impacto das políticas públicas na EI:

 Quais os principais entraves e desafios que se colocam na oferta da EI de


qualidade para assegurar os direitos da infância à educação?

 Como você compreende o binômio educar e cuidar e a organização


curricular da EI na efetivação dos direitos da criança?

FINALIZANDO

Nesta aula, discutimos alguns elementos importantes para a análise e


compreensão da educação infantil no Brasil. Reforçamos que é preciso romper
com práticas educativas assistencialistas e compensatórias, de forma a garantir
à criança condições de viver como um sujeito de direito. Essa tarefa cabe a todos
os profissionais que atuam na educação infantil. Sarmento (2004) aponta que as
crianças transportam o peso da sociedade que os adultos lhes legam, mas o
fazem com a leveza da renovação e o sentido de que tudo é de novo possível.

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REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Diário Oficial da União, Poder


Legislativo, Brasília, DF, 14 jul. 1990.

_____. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, Poder


Legislativo, Brasília, DF, 23 dez. 1996.

_____. Lei n. 13.005, de 25 de junho de 2014. Diário Oficial da União, Poder


Legislativo, Brasília, DF, 26 jun. 2014.

BRASIL. Ministério de Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de


Educação Básica. Resolução n. 5, de 17 de dezembro de 2009. Diário Oficial
da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 18 dez. 2009.

BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação


Fundamental. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil.
Brasília, DF: MEC/SEF, 1998.

SARMENTO, M. J. As crianças e a infância: definindo conceitos delimitando o


campo. In: PINTO, M.; SARMENTO, M.J. As crianças: contextos e identidades.
Braga: Centro de Estudos da Criança da Universidade do Minho, 1997.

SOARES, K. C. D.; SOARES, M. A. S. Sistema de ensino: legislação e política


educacional para a educação básica. Curitiba: InterSaberes, 2017.

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