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Revisão Textual:
Prof.ª Dr.ª Luciene Oliveira da Costa Granadeiro
História da Educação Infantil
• Introdução;
• Criação/Objetivos;
• A Educação dos Pequenos no Brasil Republicano: Proteger e Assistir;
• Mudanças no Trabalho Feminino;
• Os Movimentos Operários;
• A Reação dos Empresários;
• Uma Política Pública Assistencialista;
• Considerações Finais.
OBJETIVO DE APRENDIZADO
• Conhecer o conceito de infância e refletir sobre a trajetória histórica percorrida pela
educação infantil.
UNIDADE História da Educação Infantil
Introdução
Ao iniciarmos nossas reflexões sobre o currículo na Educação Infantil, é importante
que você primeiramente reflita sobre a educação de modo geral, pensando na cons-
trução política, econômica e social do processo educacional deste nível de ensino e na
influência desta construção no trabalho realizado hoje nas escolas. É interessante fazer
uma reflexão sobre esse período do desenvolvimento humano, de seus desdobramentos
na educação escola e na etapa educacional que abrange esse período. É igualmente
importante considerar a idade correspondente à inserção na Educação Infantil para,
então, chegarmos a uma pergunta inicial e norteadora: o que é infância?
Infância: Período da vida, no ser humano, que vai desde o nascimento até a adolescência;
meninice. (MICHAELIS)
Figura 1
Fonte: Getty Images
Com base nessa definição, podemos delimitar o período da infância entre o nasci-
mento (zero ano) até aproximadamente 10 ou 12 anos. Fazendo referência à educação,
percebemos que trabalhamos com a infância na Educação Infantil (0 a 5 anos) e nas
séries iniciais da Educação Básica (6 a 13 anos).
Pinto e Sarmento (1997, p. 67) apontam que a infância “está longe de corresponder
a uma categoria universal, natural, homogênea e de significado óbvio”. Ou seja, existe
uma determinação absoluta da infância, mas seu conceito não se limita a isso.
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A infância é subdividida em etapas. O período entre 0 e 6 anos, no qual se desenvolve a
educação infantil, recebe o nome de primeira infância.
Para entender melhor esse conceito, assista ao vídeo “O que é Primeira Infância?”, da Fundação
Maria Cecilia Souto Vidigal. Disponível em: https://youtu.be/ttJtRokJJIk
Leia, a seguir, o que diz a LDB, na seção II, sobre a inclusão da Educação Infantil
na Educação Básica:
Art. 29. A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem
como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de
idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, comple-
mentando a ação da família e da comunidade.
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UNIDADE História da Educação Infantil
Criação/Objetivos
Assim como muitos elementos da educação formal no contexto brasileiro, a História
da Educação Infantil em nosso país apresenta muitos traços comuns com a da Europa
Ocidental, embora apresente características próprias, decorrentes de nossas condições
sociais, culturais, econômicas e políticas.
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Quem foi Rui Barbosa e qual sua visão sobre a educação infantil?
“Se, na sociedade atual, vários pesquisadores e educadores defendem os centros de educa-
ção infantil como um importante espaço para o desenvolvimento das diferentes linguagens
da criança; enfatizamos que há mais de um século atrás, Rui Barbosa (1883) já percebia a
enorme contribuição dessas instituições para o universo infantil. Para esse autor, a criação
dos jardins de infância era necessário e tão importante na sociedade quanto os outros níveis
de ensino. Assim, entendia ser fundamental uma reforma no sistema do ensino brasileiro
que alcançasse desde o ensino primário até o ensino superior. Isso porque não havia, no
Brasil, um projeto nacional que atendesse os pequenos, mas leis isoladas que buscavam
proteger a infância como forma de evitar a desordem social.
Descontente com a situação do ensino, Rui Barbosa verificou que o Brasil estava muito dis-
tante de outros países que, já naquela época, organizava seus sistemas nacionais de ensino,
priorizando a obrigatoriedade e a gratuidade dos mesmos. Assim, ao propor uma reforma
nas escolas brasileiras, defendia a laicidade, a gratuidade e a obrigatoriedade, priorizando
uma mudança radical no ensino que privilegiava a memorização e o ensino livresco até
então presentes nas escolas.
Defensor convicto da importância dos jardins de infância, propôs à Câmara dos Deputados Gerais,
a necessidade da criação dos jardins de infância ou de criança, como era conhecido na época, no
município neutro, no Rio de Janeiro, com o objetivo de que essas instituições servissem de modelo
às demais províncias. Para Rui Barbosa, essas instituições “deveriam abrigar as crianças antes de
sua entrada na escola regular, possibilitando-lhes o seu desenvolvimento pleno”.
Fonte: https://bit.ly/2Axn4lR
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UNIDADE História da Educação Infantil
O que se percebia, porém, era uma mudança de foco no atendimento, pois tanto
os jardins de infância criados pela iniciativa privada como os criados pela iniciativa
do governo dirigiam seu atendimento para as crianças das camadas sociais mais
afortunadas e não mais os desfavorecidos. Esse atendimento seguia o desenvolvi-
mento de uma programação pedagógica inspirada em Froebel, pedagogo alemão
que teve grande influência no desenvolvimento da educação infantil.
Você sabia?
O alemão Friedrich Froebel (1782-1852) foi um dos primeiros educadores a considerar
o início da infância como uma fase de importância decisiva na formação das pessoas
– ideia hoje consagrada pela psicologia, ciência da qual foi precursor. Froebel viveu em
uma época de mudança de concepções sobre as crianças e esteve à frente desse processo
na área pedagógica, como fundador dos jardins-de-infância, destinado aos menores de
8 anos. O nome reflete um princípio que Froebel compartilhava com outros pensadores
de seu tempo: o de que a criança é como uma planta em sua fase de formação, exigindo
cuidados periódicos para que cresça de maneira saudável.
Fonte: https://bit.ly/2z4kHGK
Quer saber mais sobre Froebel e entender a maneira como ele concebeu o jardim de infância
e seus desdobramentos educacionais? Assista ao vídeo “Friedrich Froebel – A educação
infantil – o Brinquedo e o Lúdico”, do professor Felipo Bellini: https://youtu.be/aF4Bt3qKj0w
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Em 1919, o governo instituiu o Departamento da Criança, que defendia a ideia
de se fazer uma assistência científica à infância. Começava a predominar um dis-
curso médico de assistência às crianças, que atribuía à família a culpa por eventuais
doenças de seus filhos. O grande investimento da área de Educação na época, no
entanto, estava voltado para o ensino primário, mas que atendia apenas uma parte
da população em idade escolar.
Figura 3
Fonte: FREIRE; LEONY, 2011
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UNIDADE História da Educação Infantil
Os Movimentos Operários
No início do século XX, a absorção pelas fábricas da mão de obra de imigrantes eu-
ropeus que chegavam ao Brasil, em geral, jovens e do sexo masculino, trabalhadores
mais politizados pelo contato com movimentos que ocorriam em diversos países,
provocou uma diminuição da participação da mulher no setor operário. A situação
de exploração do trabalho começava a entrar em pauta e trazia consigo reflexões
sobre diversos aspectos da sociedade.
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As creches e as demais instituições sociais criadas junto às fábricas, sendo de proprie-
dade das empresas, eram usadas por estas no ajuste das relações de trabalho. Alguns
empresários passaram a reconhecer que o fato de o filho da operária ser atendido em
instituições mantidas pelas fábricas trazia vantagens para a produção da mãe.
Apesar dos avanços conseguidos, tanto o discurso dos patrões como o próprio
movimento operário, valorizavam um ideal de mulher voltada para o lar, o que con-
tribuía para que as poucas creches criadas continuassem a ser medidas paliativas
para a questão da Educação Infantil. Assim, a inserção da mulher no mercado de
trabalho era contraditória, característica própria do capitalismo, que exigia a mão de
obra feminina, mas não lhe dava suporte.
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As creches eram vistas como “mal necessário” e planejadas por entidades filantró-
picas, como instituição de saúde com rotinas de triagem, lactário, pessoal auxiliar de
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enfermagem, cuja preocupação estava centrada em apresentar um ambiente físico
higiênico, para promover o aleitamento materno e combater a mortalidade infantil.
Em sua maioria, essas entidades passaram a receber ajuda governamental para de-
senvolver seu trabalho, além de donativos das famílias mais ricas.
O período conhecido como Estado Novo teve características muito particulares sobre a edu-
cação. Para entender melhor esse cenário, leia o artigo “A criança no Estado Novo: uma
leitura na longa duração”, de André Ricardo Pereira, disponível em: https://bit.ly/3gMqe5I
Art. 24. As empresas que tenham a seu serviço mães de menores de sete
anos serão estimuladas a organizara manter, por iniciativa própria ou em
cooperação com os poderes públicos, instituições de Educação pré-primária.
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Por outro lado, as mudanças na Consolidação das Leis de Trabalho (CLT), ocor-
ridas em 1967, estabeleceram que as empresas deveriam organizar berçários para o
atendimento aos filhos das trabalhadoras. Isso abriu espaço para que outras entidades,
que não a própria empresa empregadora da mãe, realizassem a tarefa por meio de
convênios. Contudo, o poder público não cumpriu o papel de fiscal da oferta de berçá-
rios. Assim, as empresas não instituíram creches e berçários suficientes, prejudicando
o ingresso de mulheres, em especial, as de baixa renda, no mercado produtivo, ou
mantendo alternativas improvisadas de atendimento aos filhos das mães trabalhadoras.
A Lei de Diretrizes e Bases é um dos mais importantes textos legais sobre a educação no
contexto do país. Para entender melhor esse tema, leia a legislação completa, aprovada em
20 de dezembro de 1961, disponível em: https://bit.ly/3eLgMxB
Alguns estudos realizados nos Estados Unidos e na Europa trouxeram novas con-
cepções pedagógicas que sustentavam que as crianças das camadas sociais pobres
sofriam de “privação cultural” e, assim, justificavam seu fracasso escolar. A partir
disso, no Brasil, passaram a ser realizados debates vigorosos em defesa do aten-
dimento pré-escolar público, o qual, em virtude de receber uma clientela pobre,
poderia remediar as carências dessas crianças. Uma vez que fossem atendidas em
creches, parques infantis e pré-escolas, conseguiriam superar as condições desprivi-
legiadas em que viviam, ainda que não fossem alteradas as estruturas e razões sociais
que geravam esses problemas.
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Sob o nome de educação compensatória, foram elaboradas propostas de trabalho,
para a população de baixa renda em creches e pré-escolas, que inseriam estimulação
precoce e preparo para a alfabetização. No entanto, mantinham-se as práticas educativas
geradas por uma visão assistencialista da educação em geral e do ensino em particular.
Você sabe o que é educação compensatória? Entenda melhor no texto disponível no Brasil
Escola, disponível em: https://bit.ly/36Yu3Ar
Por outro lado, cada vez um número maior de mulheres das camadas médias da po-
pulação entravam no mercado de trabalho, o que levou a um crescimento significativo
de creches e pré-escolas, principalmente as de redes particulares. Essas instituições
respondiam ao desejo dessas mães, tendo em vista que ofereciam aprimoramento inte-
lectual a seus filhos e as liberavam para o mercado de trabalho. Nelas, era mantido um
padrão educativo voltado para os aspectos cognitivos, emocionais e sociais da criança
pequena, com destaque à criatividade e à sociabilidade.
Você deve estar percebendo que esses fatores trouxeram alterações na forma
como a Educação pré-escolar e o atendimento em creches eram efetivados. A con-
sequência foi um aumento de creches, de classes pré-primárias e de jardins de in-
fância no país, bem como foram sendo modificadas algumas representações sobre
Educação Infantil. Também foi valorizado o atendimento fora da família a crianças
de idade cada vez menor.
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órgãos públicos para os filhos de seus funcionários. Além disso, algumas empresas
começaram a conceder ajuda de custo às funcionárias com filhos pequenos, para
pagarem creches particulares de sua livre escolha.
Ainda assim havia insuficiência de vagas em creches. Diante disso, o poder público
incentivou outras iniciativas de atendimento à criança pequena. Foram implementados
programas assistenciais de baixo custo, estruturados com auxílio de recursos comu-
nitários, tal como ocorria em muitos países do chamado Terceiro Mundo. Eles eram
realizados por “mães-crecheiras” ou “lares vicinais”, “creches domiciliares” ou “creches
lares”. Essas formas de atendimento, que havia muito a comunidade carente já utilizava,
constituíam alternativas emergenciais e inadequadas, devido à precariedade com que
geralmente eram realizadas.
Redemocratização e Crescimento
Nesse mesmo período, a década de 1980, os parques infantis e outras modalidades
de instituições educativas públicas foram abandonando a educação informal das crian-
ças em idade de escolarização regular básica. Abriam suas vagas apenas para o atendi-
mento daquelas em idade pré-escolar. Expandiram-se as escolas municipais de Educa-
ção Infantil, que abrangiam o trabalho anteriormente feito em parques infantis e jardins
de infância, e também as classes pré-primárias em escolas de Ensino Fundamental.
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O debate em torno de uma lei que desse nova orientação à Educação Nacional na
Câmara de Deputados e no Senado Federal impulsionou diferentes setores educa-
cionais na defesa de um novo modelo de Educação Infantil. Foram particularmente
estimuladas universidades e instituições de pesquisa, sindicatos de educadores e or-
ganizações não governamentais.
Considerações Finais
Pela leitura realizada, você pôde perceber e analisar como era oferecida a edu-
cação aos pequenos no Brasil, cujo objetivo inicial era proteger e assistir. Conheceu
o movimento de inserção das mulheres no mercado de trabalho, o que pedia locais
para deixarem seus filhos, muito combatidas pelos empresários. Passamos a partir
da década de 1920 por políticas assistencialistas, que focavam na saúde das crianças,
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sua inserção no sistema de ensino com uma educação compensatória, chegando à
democratização do país, com um aumento de procura de vagas para as crianças das
mulheres trabalhadoras. O discurso pedagógico para essa faixa etária é intensificado,
porém, a expansão de atendimento ainda é insuficiente para a procura.
Com essas reflexões, você chegou aos nossos dias, ao trabalho realizado hoje na
educação infantil, enxergando nossa realidade com conhecimento dos caminhos tri-
lhados para chegarmos até aqui. Assim, você poderá entender um pouco mais sobre
os fundamentos metodológicos da educação infantil.
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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:
Livro
O Desaparecimento da Infância
POSTMAN, N. O Desaparecimento da Infância. Tradução: Suzana Menescal de A.
Carvalho e José Laurenio de Melo. Rio de Janeiro: Grafhia Editorial, 1999.
Vídeo
A Invenção da Infância, documentário de 2000
https://bit.ly/3dA1vQ4
Leitura
Processo Histórico da Educação Infantil no Brasil: Educação ou Assistência?
https://bit.ly/2XvubEe
O Conceito de Infância no Decorrer da História
https://bit.ly/36Wj3U5
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Referências
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1999.
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