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FICHAMENTO

LIMA, Marília Patelli Juliani de Souza. A atual crise social e os jovens da região
metropolitana de São Paulo: desemprego, violência e hip hop. Unicamp: Campinas –
SP, 2006. (dissertação de mestrado).

CAPÍTULO 3 – A VIOLÊNCIA E A CRIMINALIDADE URBANA

A violência excede o que comumente entendemos como “mundo do crime” incluindo


várias dimensões e aspectos da vida social. Segundo a autora, o “crime” é um conceito
jurídico.
A experiência da violência é diária e constante e vai muito além daquilo que se delimita
como o mundo do crime. Ela perpassa hábitos diários da vida familiar, está presente
nas rotinas da opressão de classe, seja pela presença do aparato policial que se
comporta de maneira caracteristicamente repressiva diante da população pobre, seja
pelo quadro de miséria que desfila sempre pelas ruas e casas de seu bairro, seja pela
imagem construída por certa imprensa do criminoso e do crime, vinculando-o sempre a
esta população. (Zaluar, 1994, p.15 apud Lima p.65-66)
Segundo a autora existem quatro tendências de violências na sociedade brasileira atual:
1) o crescimento da delinqüência urbana e dos homicídios dolosos; 2) o crime
organizado; 3) a continuidade da violência policial, dos linchamentos e dos grupos de
extermínio; 4) a exacerbação de conflitos nas relações pessoais e comunitárias. (Adorno
2002 apud Lima p. 66-67).
Dados sobre a violência colocados pela autora:
Entre 1979 e 2003 – 550 mil mortes no Brasil por algum tipo de arma de fogo,
crescimento de 461,8%, nesse mesmo período a população cresceu apenas 51,8%. De
todos os mortos por armas de fogo, 44,1% (205.722) eram jovens (15 a 24 anos), a qual
corresponde à 20% da população brasileira. Entre os jovens negros, a vitimização é
maior, eles são 75% mais vitimados do que a população branca da mesma faixa etária.
(Sposato et. al., 2005 apud Lima p.68). Os dois maiores centros urbanos brasileiros
concentram uma boa parte dos homicídios ocorridos no país. Rio de Janeiro e São Paulo
(16.8% da população do país) juntos compõem 38,8% do total de homicídios nesse
mesmo período de 79-03. (Cárdia et. al., 2003 apud Lima p.68).

3.1 A mortalidade violenta juvenil

Sobre a RMSP:

Os dados sobre mortes por homicídio vem decaindo nos últimos anos, mas permanecem
expressivos. Entre 1993-2000 a taxa de óbitos por homicídio em relação à população
total (por cada 100 mil hab) aumentou 53,3% chegando à 66,4 a cada 100 mil hab em
1999. Entre 1999-2003 houve uma redução de 23% passando à marca de 51,1
homicídios a cada 100 mil. Mas ao dividir a população entre jovens (15-24) e não-
jovens nota-se que: em 1993 a taxa de homicídios era de 90,5, depois atinge um pico de
130 em 1999, havendo uma baixa em 2003 para 107,7. (Waiselfisz e Athias 2005 apud
Lima p.73).
O perfil social dos principais agentes e vítimas da violência são os jovens do sexo
masculino, pobres, negros ou pardos. (p.77).

3.2 O crime organizado: a consolidação do tráfico de drogas e de armas.


O crime organizado é um fenômeno globalizado, que ultrapassa as fronteiras
nacionais. Uma economia ilícita que movimenta um expressivo montante de capital,
sendo o narcotráfico o seu negócio mais lucrativo, conquistando por isso um lugar
estratégico e se sobrepondo às demais modalidades criminosas (como a prostituição
infanto-juvenil e a imigração ilegal de braços em nível internacional, por exemplo),
subordinando-as ou a elas se associando, “fortalecendo-as e delas se beneficiando”.
(p.77-78).

Assim, quando se pensa na expansão das atividades do tráfico de drogas e de armas,


não se pode ignorar a institucionalidade - externa às comunidades e bairros mais
pobres e vulneráveis – que viabiliza o seu funcionamento. A facilidade de lavagem do
dinheiro oriundo das atividades ilícitas é viabilizada pela interação dos avanços
tecnológicos (que facilitam a comunicação entre os envolvidos) com a ausência de
regulamentação do governo brasileiro, que não só permite a livre mobilidade de
capitais, como ‘facilita’ a legalização dos lucros gerados em atividades ilegais ao não
fiscalizar rigorosamente as transações financeiras e comerciais realizadas no país. O
suborno e a participação de agentes policiais ou de outras instituições públicas também
se inserem nesta trama institucional que viabiliza o funcionamento do crime-negócio.
(p.79).

3.3 A relação do contexto sócio-econômico com a criminalidade urbana violenta.

Segundo a autora mesmo com a precarização das relações de trabalho e o desemprego


juvenil observados por toda a década de 90, o trabalho ainda é “carregado de
significados” para os jovens. Mesmo assim as imagens do consumo veiculadas na mídia
contribuem para relativizar a “ética do trabalho honesto”.
O trabalho continua carregado de significados para os jovens, não podendo ser
analisado apenas pelo contexto de pobreza em que estes vivem. Ao mesmo tempo em
que se relaciona às estratégias de sobrevivência das famílias, onde as necessidades
econômicas levam os jovens a buscarem emprego para ajudar na composição da renda
familiar, o trabalho não deixa de ter outros significados. Deve-se também destacá-lo
como formador de caráter e viabilizador da própria condição juvenil, permitindo o
acesso aos bens de consumo e de um mínimo de lazer que definem as marcas do jovem
urbano: a música, o lazer (as festas, os shows, o cinema), os aparelhos eletrônicos, as
roupas e os tênis de grife - elementos de diferenciação social, por precisão e insistência
dos meios de comunicação de massa. (p.21).

Uma sociedade não se degrada na selvageria da criminalidade letal porque sofre


revezes materiais, nem mesmo quando a desigualdade é profunda. Tudo depende do
modo pelo qual os indivíduos e grupos sociais vivenciam as dificuldades, interpretam
as desigualdades e são por elas interpelados (Soares, 2006, p.17 apud Lima p.86).

Para a autora não basta ter as condições dadas para se entrar no circuito da violência e
do crime. O caminho da juventude não está pré-determinado de antemão e não é linear,
para isso conjugam-se vários fatores sociais e individuais entrecruzados.

A opção de saltar pode estar presente, em determinado contexto; não o salto. O salto
não é um imperativo derivado da necessidade, assim como não se matam pessoas, em
escala industrial, para matar a fome física. Há (....) uma fome mais funda que a fome:
por reconhecimento, valorização, acolhimento, visibilidade, significado. O objeto
cobiçado (o tênis de marca, por exemplo) não é, em primeiro lugar, um item de
utilidade prática, mas um fetiche de distinção e poder, um símbolo de valorização, um
alimento da auto-estima, um passaporte para a admissão em um grupo social, que
alimente o espírito de seus membros com identidade e apreço. (Soares, 2002, p.18 apud
p.88-89).

Nas classes populares, o homem ainda é considerado e valorizado como chefe e


provedor da família, ao passo que as mulheres tendem a perceber o casamento como
apoio moral e econômico e, muitas vezes, como oportunidade de deixar de trabalhar,
dedicando-se aos afazeres domésticos e à criação dos filhos. À medida que o
desemprego e os baixos níveis de remuneração inviabilizam essa divisão sexual de
responsabilidades, o projeto feminino de melhorar de vida pelo casamento é frustrado,
enquanto o homem, impossibilitado de cumprir o seu papel, sente-se fracassado,
enveredando muitas vezes pelo alcoolismo ou abandonando a família. Assim, a ruptura
das possibilidades objetivas de manter o padrão de família culturalmente estabelecido e
dominante parece estar contribuindo para o aumento das separações e das famílias
monoparentais, chefiadas sobretudo por mulheres. (Carvalho e Almeida, 2003, p. 116
apud Lima p.89).

A escola que estes jovens freqüentam é apontada, por eles mesmos, como
desinteressante e distante de suas realidades, uma escola, não por acaso, onde a
evasão e o atraso escolar são freqüentes. A violência na maioria dos ambientes
escolares também é recorrente. (p.89-90).
(p.90).
Para a autora, o quadro da violência brasileira tem como aspectos principais, no caso da
juventude, a decadência das instituições que lhes serviam antes como referência: a
escola, a família e o trabalho. A primeira, distante da realidade jovem, a segunda a
emergência da família monoparental e a última, precarizada. Além disso, a polícia
também compromete a idéia de igualdade perante a lei quando privilegia os mais
jovens, pobres e negros nas atuações policiais.

3.4 Os limites do sistema de justiça criminal

3.4.1 A questão dos recursos.

A autora enfatiza o decréscimo dos investimentos em segurança pública e a opção


governamental pela construção de presídios. Também coloca a questão da falta de
pessoal técnico qualificado para trabalhar nas diversas instâncias do sistema judiciário e
criminal, o qual é composto pelas agências policiais, o ministério público, os tribunais
de justiça e o sistema penitenciário.

3.4.2 A atuação policial.

A autora fala sobre a o modo como atua e se organizam as polícias civil e militar. A
metodologia de abordagem antiga e preconceituosa em relação às classes populares e a
desarticulação entre as duas polícias são principais aspectos da instituição policial.

3.4.3 Os problemas na condução do processo judicial criminal.


Os principais aspectos elencados pela autora são a morosidade dos processos judiciais e
a falta de pessoal técnico que entravam o procedimento judiciário brasileiro, também a
impunidade das classes mais abastadas com o rigor da lei para os mais pobres.

Frente a descrença nas instituições promotoras de justiça, os cidadãos buscam, cada


vez mais, saídas que passam ao largo de soluções por intermédio das leis e que
dependam do funcionamento do sistema de justiça criminal. Os linchamentos e a
resolução de conflitos por conta própria são apenas algumas manifestações desta
descrença, mais acentuada entre a população pobre e marginalizada. (p.105)

Sobre o racismo presentes nos processos criminais:

Nas prisões em flagrante existe uma maior incidência de réus negros (58,1%) que de
réus brancos (46,0%). Os que respondem as acusações em liberdade são 27,0% de
brancos contra 15.5% de negros. Dos réus que apresentaram provas testemunhais e
foram absolvidos: nos brancos 48% foram absolvidos e 52% condenados, entre os
negros 28,2% absolvidos e 71.8% condenados. Os negros precisam mais da assistência
jurídica 62% do que os brancos 39,5%. O desfecho do processo tem 68,8% de réus
negros condenados e 59,4% de réus brancos condenados. Dos que recorrem à
assistência jurídica 57,6% dos negros são condenados enquanto que 39,5% dos brancos
são condenados. Os dados referem-se a negros e brancos provindos dos mesmos estratos
sociais de trabalhadores urbanos pobres. Não há diferença estatística significativa sobre
a proporção de brancos ou negros que comentem crimes e entre os que assim não o
fazem. (Adorno, 2006 apud Lima, p.106-108).

3.4.4 O sistema prisional

Apesar da orientação política para a construção de presídios, não consegui-se superar,


segundo a autora, no estado de São Paulo, o déficit penitenciário. A orientação também
é para o encarceramento em detrimento das penas alternativas, o que provoca a prisão
de réus primários em conjunto com bandidos experientes.

CAPÍTULO 4 – O MOVIMENTO HIP HOP

Os bairros de Capão Redondo, Campo Limpo, Jardim Ângela, Jardim São Luis situados
na região metropolitana de São Paulo, marcados pela desigualdade social, segregação
espacial, violência e dificuldade de acesso a serviços públicos básicos são o berço de
um movimento cultural juvenil: o Hip Hop. Através de quatro manifestações artísticas,
o break, o grafite, o MC e o DJ, esse movimento cultural, na década de 80, procurou
criar espaços de diversão para essa juventude pobre moradora desses bairros e que ao
longo dos anos 90, com o agravamento da crise social brasileira consolidou-se como
“potente discurso político” de denúncia e crítica das condições de pobreza e
discriminação social. Capão Redondo, um dos bairros mais violentos da região
metropolitana de São Paulo, deixa então de ser notícia apenas por causa dos índices de
violência e passa a ser centro irradiador da cultura rap. (p.143-145).
São Paulo e Nova York são cidades-núcleo de metrópoles que, a despeito de todas as
suas diferenças histórico-estruturais e também culturais, sofreram transformações
refletidas e articuladas no baixo dinamismo econômico, na desestruturação industrial,
nas elevadas taxas de desemprego (o juvenil particularmente), na violência urbana, no
tráfico de drogas, na fragmentação familiar, na insuficiência das políticas públicas, na
falta de perspectivas para uma juventude moradora de territórios literalmente
esquecidos pelo poder público.(p.144).
O movimento hip hop surgiu em São Paulo, primeiro com o propósito de diversão da
juventude pobre moradora da periferia urbana, mas com o tempo passou a denunciar a
violência policial, a discriminação racial e social, a desigualdade social e o abandono do
Estado além da ascensão do crime organizado e da violência urbana em geral. Mas não
apenas isso. Porque além de enunciar um discurso crítico sobre tais problemas, a cultura
hip hop, através de suas manifestações também promove a organização comunitária e
social como também a intervenção em espaços urbanos fora dos limites da periferia.
Os integrantes do movimento hip hop, em sua maioria jovens camelôs, office-boys,
feirantes, vendedores ambulantes e desempregados não se conformam com a realidade
social e econômica da periferia, mas criam também uma nova percepção sobre o que é
pertencer a favela e também sobre o que é ser jovem negro e pobre. O hip hop
estabelece então um meio de comunicação crítico destes jovens com o mundo em volta
possibilitando-os um sentido de pertença grupal e afirmação identitária. (p.145-146)
Ao mesmo tempo em que denunciam os problemas enfrentados pela população
moradora das muitas periferias, os jovens envolvidos com o Hip Hop descrevem estes
espaços como locais de igualdade e solidariedade, valorizando as relações familiares,
de amizades, de convívio social pacifico e saudável, longe da criminalidade e das
drogas. (p.145)
Para a autora o hip hop, além de possibilitar a formação de uma consciência e um
discurso crítico sobre as condições sociais degradantes em que vivem estes jovens,
também lhes proporciona uma alternativa de lazer e a possibilidade de pertencer a grupo
social através da criação de referências simbólicas por meio das quais o jovem pobre
possa se identificar. (p.146).
São jovens que pouco freqüentaram os bancos escolares e que, envolvidos no
movimento Hip Hop, procuram formar e desenvolver junto aos outros jovens de
periferia uma consciência política, social e, ao mesmo tempo, artística, difundindo a
necessidade de transformações coletivas e individuais. (p.147).

5.1 As origens do movimento Hip Hop.

A tradução literal do termo Hip Hop é “mexer os quadris e saltar”. Essa expressão foi
cunhada pelo DJ África Bambaata, um dos criadores desse estilo musical e cultural. O
hip hop é formado por quatro elementos: o MC, o DJ, o break e o grafite. Todos estes
elementos surgiram no bairro do Bronx, em Nova York no início da década de 70.
Naquela época, o contexto de grave crise econômica e falta de investimento social que
se abateu sobre a sociedade americana, além das lutas dos negros pelos direitos civis
atingiu duramente as populações negras e latinas moradoras dos guetos dessa metrópole
norte-americana.
Antes, na década de 60, a sociedade norte-americana tinha visto emergir grandes líderes
negros que atuavam na linha de frente na luta pelos direitos civis, dos quais se
destacaram: Malcom X, Martin Luther King, Huey Newton, Bobby Seal (estes dois
últimos foram os fundadores dos Panteras Negras). Foi nessa época que surgiram os
principais movimentos negros pelos direitos civis, os Panteras Negras e o Black Power;
os quais, foram fortemente reprimidos pelo governo norte-americano.
A morte dos principais líderes do movimento negro Malcom X em 1965 e Marthin
Luther King em 1968 não diminuiu as tensões raciais e sociais na cidade de Nova York.
Esta metrópole viu ascender as lutas entre as “gangues juvenis”. Nova York viu
ascender a guerra de gangues juvenis, o tráfico de drogas e a violência urbana nos
seus bairros periféricos. O Bronx - considerado o berço da cultura Hip Hop - abrigava
grande parte da população juvenil negra, jamaicana, porto-riquenha e de outros
imigrantes latinos, que formavam um expressivo grupo de desempregados e
subempregados da cidade. O Bronx (assim como o Harlem, o Queens e o Brooklyn)
vivenciou um processo de desapropriação, de demolição e de degradação de
residências e de prédios comerciais com a fuga das famílias brancas e de classe média
negra e com a perda de milhares de empregos manuais devido às reestruturações
industriais. A redução dos fundos federais para a área social dramatizava, ainda mais,
esta realidade. (p.150).
O bairro do Bronx foi o lugar onde nasceu o movimento hip hop, o qual foi criado pela
juventude imigrante latina e negra, ameaçados pela crise econômica e social, como
forma de re-elaborarem suas referências culturais e identitárias de seus lugares de
origem e também como alternativa de lazer e arte. O processo de criação pelos jovens
das sonoridades e ritmos do hip hop se dava de uma maneira fragmentada e
experimental, mas não menos eficiente. Eles se apropriavam dos equipamentos de sons
existentes, os modificavam ou improvisavam (mesas e aparelhos de som), além de
apoiarem-se em vivências cotidianas e referenciais coletivos dos imigrantes latinos e
negros. Essa cultura emergiu como forma de lazer entre os jovens marginalizados dos
guetos nova-iorquinos, mas aos poucos foi se consolidando também um discurso crítico
contra as dificuldades sociais e econômicas e também o racismo. Todas as
manifestações artísticas, o break, o DJ, o MC e o grafite foram batizadas pelo DJ África
Bambaata no ano de 1981 como os quatro elementos do universo hip hop. (p.151).
Nos anos 60, migrou para os Estados Unidos, mais precisamente para Nova York, o DJ
Kool Herc que trouxe consigo um tradicional canto-falado jamaicano: o toast. Esse
canto era executado por cima de antigas canções negras (soul e jazz rithim blues). Além
de introduzir o canto-falado (toast) jamaicano nas festas e bailes de rua do Bronx, Herc
também inovou ao criar a combinação de dois toca discos funcionando ao mesmo
tempo. Enquanto um deles ficava responsável pela execução de uma base rítmica com
sons de bateria, o outro executava a parte melódica da musica. O DJ ficava assim
responsável pela sincronização das sonoridades. Para finalizar, os MC pegavam os
microfones e falavam por cima das canções. A migração do DJ Kool Herc e as suas
inovações musicais são consideradas fundamentais para o surgimento do estilo musical
rap. (p.152)
O toast caracteriza-se pelo “uso da linguagem das ruas e pela construção de narrativas
de experiências que remetem à história de vida dos excluídos, atividades ilegais e semi-
legais, como o jogo e a droga” (Silva, 1998, p. 38 apud Lima p.151).
As experiências desenvolvidas por afro-descendentes na Jamaica, são apontadas como
decisivas para a constituição posterior do rap. Menciona-se, por exemplo, o disco-
móbile (sistema através do qual dois toca-discos portáteis são agrupados) como um
possível antecessor das pick-ups utilizadas contemporaneamente pelos rappers. O
disco-mobile, sistema de pick-ups conectadas, data dos anos 60. É formado pelo
agrupamento simultâneo dos dois pratos de discos, possibilitando mixagens,
desaceleração e alterações eletrônicas por meios manuais na música em execução.
Desta forma, as técnicas de intervenção conhecidas como dub produziam um fundo
musical diferenciado da gravação original, através das manipulações dos DJs. A partir
da base de baixo e bateria fornecida pelo dub, os DJs introduziam composições
próprias e discursos políticos, frutos do improviso. O talk-over (literalmente falar por
cima) juntou-se ao dub como verdadeiros toasts fundindo simultaneamente a tradição
oral e a tecnologia numa forma diferente de oralidade. (Silva, 1998, p. 39 apud Lima
152).
África Bambaata era integrante de uma gangue do Bronx e costumava freqüentar as
festas de Herc, quando decidiu abandonar a sua gangue de rua e entrar para a carreira de
DJ. A sua importância para o desenvolvimento musical do rap constituía-se na
incorporação de novas sonoridades provenientes da música negra como o soul, o jazz
(de artistas como James Brown, Isac Hayes e Bob James) além do rock e de bandas da
Europa que exploravam recursos eletrônicos (Krafwerk). (p.152-153).
Outro DJ muito importante para a o desenvolvimento musical do rap foi Grand Master
Flash. Ele criou o scracht, que é o som provocado pela fricção da agulha do toca-disco
contra o vinil, também desenvolveu o back spin ou back to back, sonoridade obtida
através da repetição contínua de partes de melodias ou ritmos e aceleração ou
desaceleração dos mesmos, além de melhorar técnicas de discotecagem. (p.153).
O desenvolvimento do hip hop no início tinha como objetivo apenas o lazer, foi ao
longo do tempo que o discurso político foi se inserindo nas práticas culturais cotidianas.
Para esse desenvolvimento político foi fundamental a influência de Bambaata. Enquanto
era DJ, sempre colocava mensagens contra violência entre as gangues juvenis. A sua
atuação política culminou na fundação em 1973 da Youth Organizations (organizações
jovens) que nos anos 80 mudaria de nome para Zulu Nation, a qual é uma das maiores
posses de hip hop do mundo contado mais de 20.000 membros. Essa organização tem
como princípios a paz e o combate contra a desigualdade e o racismo.(p.153-154).

5.1.1 O Rap

A manifestação artística e musical do hip hop é rap (o qual significa rhythm and poetry,
cuja tradução literal é ritmo e poesia). Este se caracteriza por ser uma composição
musical de pouca melodia, ritmo acelerado e longas letras de conteúdo político-social e
contestatório. É executado conjuntamente pelo DJ, responsável pelos arranjos rítmicos e
sonoros, e pelos MC’s, os quais entoam o canto-falado. (p.154).
Os rappers prezam a sua vinculação com os seus locais de origem. Isso pode ser
considerado uma característica universal das músicas rap, mesmo quando o estilo
musical se espalhou pelo mundo. Do mesmo modo que os rappers do Bronx, os de
outros países como Portugal, França, Alemanha e Brasil expõem em suas letras nomes e
referências às suas localidades e bairros de origens, com o olhar voltado para os
problemas locais. (p.154).
Desse modo nota-se que o hip hop e o rap é Uma cultura que se encontra imersa na
experiência local como referência para a interpretação artística, para a busca de
soluções e ações coletivas para os problemas e dificuldades da população local.
(p.155).
A indústria fonográfica teve um papel imprescindível na expansão do estilo rap para
outros países. Isso se deu a partir do lançamento do primeiro disco de vinil de rap –
Rapper’s Delight de Sugarhill Gang – o qual consegui vender 2 milhões de cópias,
saindo do mercado alternativo e chamando atenção das grandes gravadores para o estilo
musical. (p.155).

5.1.2 O Break

Para acompanhar as festas organizadas pelos DJ, a juventude nova-iorquina inventou


uma dança de movimentos quebrados e contorcionismos, a qual passou a ser chamada
Break. Os praticantes dessa dança são chamados de b.boys (break boys). A origens dos
movimentos da dança é bastante controversa, algumas fontes afirmam que ela foi
inspirada no funk de James Brow, outros afirmam que os movimentos foram inspirados
nas armas utilizadas no Vietnã, existem ainda informações de que os filmes de artes
marciais da década de 70 tiveram influência e até a capoeira brasileira também é
colocada como referência. A dança Break tem um forte aspecto competitivo. Diferentes
equipes (gangues) competem entre si pela consecução de movimentos mais originais.
Isso pode ser uma simbolização e sublimação feita através da dança, das brigas de
gangues juvenis que assolavam Nova York quando do surgimento do hip hop. (p.156).

5.1.3 O grafite

O grafite é a expressão plástica do hip hop. Teve seu início na década de 70 em Nova
York com as pichações e inscrições espalhadas pelos muros, carros de metrô como uma
forma juvenil de sair do anonimato e demarcar território de gangues. A relação dos
grafiteiros com o poder público sempre foi tensa, por causa da invasão do espaço
urbano por elementos estranhos à orientação arquitetônica e a artística dos órgãos
públicos. Com o tempo, a prática do grafite foi evoluindo dos rabiscos para
representações estéticas e visuais da vida cotidiana dos guetos. Para esse
desenvolvimento foi fundamental a atuação do artista Fhase2 que passou a representar
através de painéis coloridos mensagens positivas e cenas cotidianas. Ele é considerado o
fundador desta arte. O poder público passou a disponibilizar espaços específicos para
essa arte e a punir as simples pichações com leis que dificultavam o acesso ao Jet
(aerosol destinado a tal prática). Apesar dos percalços a prática teve prosseguimento,
figurando agora em camisetas e capas de discos de rap, consolidando a sua presença no
hip hop. (p.156-157).

5.2 B.Boys, DJs, Rappers e Grafiteiros interagindo em São Paulo.

A região metropolitana de São Paulo foi o palco do surgimento do movimento hip hop,
no mesmo tempo em que se instalava uma crise social de grandes proporções com o
desemprego, a re-estruturação produtiva a ascensão da violência urbana, cujas principais
vítimas eram os jovens moradores desta localidade. O hip hop apareceu no Brasil ( em
São Paulo) na década de 80. Inicialmente era o Break a manifestação cultural
preponderante entre os jovens moradores das periferias, popularizada pelos meios de
comunicação de massa através das músicas de Micheal Jackson e pelo cinema.
A dança era executada no centro de São Paulo por jovens office-boys que transitavam
pelo local. O local inicial era a praça Ramos, em frente ao teatro municipal, mas depois
os b.boys migraram para rua 24 de maio, a qual tinha melhores condições para a prática
da dança. Depois ocuparam a estação do metrô São Bento, onde também começaram a
se juntar os primeiros rappers brasileiros. Com o tempo houve uma divisão com os
rappers indo para a praça Rosevelt e os b.boys permanecendo na estação do metrô. Toda
essa ocupação do centro urbano da capital paulista não foi planejada. Ela se deu apenas
porque aquela região era de mais fácil acesso para os participantes, jovens pobres
moradores da região metropolitana que se empregam ou sub-empregavam no setor de
serviços daquele local.
O grafite surgiu na mesma época em que os b.boys começavam a dançar e os rappers
ensaiavam os seus primeiros versos pelos idos de 1983 e 1988. O pioneiro dessa arte
plástica no Brasil foi o artista Alex Vallauri. Ele foi um artista de classe média que
trouxe a prática do grafite para o Brasil depois de sua volta dos Estados Unidos.
Espalhou pelo meio urbano paulista, imagens divertidas e irreverentes com conteúdo
crítico-social, figurando personagens esquecidos da cidade como operários portuários e
prostitutas. Chegou a ser muito elogiado na 18° Bienal de São Paulo em 1985 com o seu
trabalho: A festa na casa da Rainha do frango assado, o qual foi considerado um dos
melhores trabalhos de arte latino-americana. Morreu em 27 de março de AIDS e o dia
de sua morte passou a ser considerado o dia nacional do grafite. A prática do grafite foi
reconhecido pelas instituições públicas somente na gestão de Luiza Erundina na
prefeitura paulista (1989 a 1992). Nessa época foram organizadas pelo poder público
em parceria com os artistas, políticas públicas que consolidassem essa forma de arte,
como a destinação de determinados espaços públicos para a execução da atividade, a
facilitação da aquisição da tinta spray e o financiamento de oficinas para a disseminação
da prática entre os jovens. (p.158-160)

5.2.1 Os Bailes Black

Os bailes Black tiveram uma grande importância no surgimento do movimento hip hop
por ser o primeiro espaço de afirmação da negritude. Eram freqüentados pelos jovens
negros, migrantes ou descendentes, os quais iam para essas festas principalmente para
se divertir ao som da música negra norte-americana (James Brown, Public Enemy,
Marvin Gaye, Billy Paul, Aretha Franklin, Dianna Ross e Michael Jackson e também de
artistas nacionais como Tim Maia, Jorge Ben Jor e Gérson “King” Combo).
A música rap norte-americana já se fazia presente nesses bailes, mas não era encarada
pelo seu conteúdo político social, apenas vista como batida para dançar. Ademais, os
locais onde aconteciam os bailes black não eram freqüentados pelos b.boys e rappers
por causa da diferença de estilo entre eles e também porque as próprias equipes
organizadoras não permitiam que eles entrassem. Os b.boys preferiam mais o centro de
São Paulo e outros espaços alternativos. Com o tempo, as equipes organizadoras dos
bailes começaram a permitir a entrada desses novos atores, porém não sem conflito com
os outros participantes. Esse enlace do hip hop com os bailes culminou no lançamento
do primeiro disco de rap brasileiro – Ousadia do rap, 1987, o qual foi lançado pela
produtora de uma equipe de Baile, cujo nome era Kaskatas Records. Foi através da
influência dos hip hoppers que os bailes black foram gradualmente transformando-se
em festas hip hop, o que consolidou tanto um espaço adequado para o movimento, como
também possibilitou através das produtoras das equipes de bailes, a consolidação do
gênero musical rap no mercado fonográfico alternativo.
No início, os grupos de rap ligados às equipes de bailes black faziam uma música mais
voltada para o divertimento e a dança. Foi somente no final da década de oitenta que
começaram a aparecer produções com conteúdo crítico-político com temáticas sobre a
discriminação social, as drogas, a criminalidade urbana, a violência policial e a
desigualdade social. Esta evolução se deve ao fato dos rappers serem verdadeiros
intérpretes das transformações da vida urbana, promovendo uma leitura crítica da
realidade social, possibilitando que as transformações urbanas dos anos 90 no país
fossem por eles registradas. À medida que a crise econômica e, consequentemente, a
crise social se exacerbava, o tom das letras de rap se tornava mais “pesado”. (p.164).
A história do hip hop em São Paulo envolve vários elementos articulados entre si, mas
mesmo que de modo fragmentário foram constituindo esse movimento cultural durante
toda a década posterior. As atividades de rua, os salões de baile, a produção de selos
independentes, as rádios comunitárias, os grupos de break, de grafiteiros, de rap e as
posses estabeleciam uma rede de atividades - a primeira vista fragmentadas - que
possibilitou a consolidação do movimento Hip Hop em São Paulo e de seu potente
discurso político que, nos anos 90, nos raps cantavam a brutalidade da crise social
juvenil em São Paulo. (p.164). (p.161-164).
5.2.2 A fala dos “manos” – O rap

Foi das equipes de Break que dançavam no centro de São Paulo que surgiram os
primeiros rappers brasileiros. Inicialmente eles capturaram as influências do movimento
negro norte-americano passadas através das letras e viodeo-clipes de grupos de rap
daquele país. Trocavam informações através de revistas e fanzines sobre os grupos de
rap e os principais líderes negros norte-americanos. Eram auto-ditadas, pois foi a partir
desse contato que passaram a refletir também sobre a historia da escravidão brasileira e
a posição do negro na atual sociedade brasileira. Esse auto-didatismo e a as trocas de
informações entre eles foram fundamentais na formação do caráter político-
contestatório da música rap brasileira. As longas letras de rap, permeadas por gírias
locais, retratam o universo da periferia. Um universo do qual a mídia e o poder público
se afastaram. Os rappers com suas narrativas e denúncias sobre o mundo da periferia,
em nenhum momento, procuram amenizar os desdobramentos da desindustrialização e
dos rumos político-econômicos que o país seguiu a partir dos anos 90. A dramaticidade
da crise social que se engendrou - sintetizada nas chacinas, na violência policial, no
racismo, na miséria, na segregação urbana, etc. - é exposta a partir do ponto de vista
de quem as vivencia cotidianamente. Jovens privados dos sistemas de apoio social,
saúde, educação e segurança do Estado não hesitam em enfrentar o discurso político
de que as desigualdades sociais do Brasil estão sendo reduzidas. Ao mesmo tempo em
que denunciam, permanecem como referência para os milhares de jovens que vivem
“do lado de cá” da ponte. (p.165-166).
O Hip Hop ao permitir que os jovens elaborem uma interpretação sobre suas
realidades sociais, compreendam parte da história que, muitas vezes, não é ensinada
nos bancos escolares. Incentiva a busca de informações e também desenvolve o
sentimento de coletividade - o “pertencer” a um lugar, a uma posse, a um grupo de
rap, de break ou de grafite – cria um espaço onde esses jovens são ouvidos, vistos,
notados, repercutindo, naturalmente, na auto-estima dos mesmos. (p.166).

5.2.3 O hip hop, a Mídia e a indústria fonográfica.

O reconhecimento do hip hop pelo público das classes médias somente se deu mediante
a difusão do estilo pelos meios de comunicação como o rádio, a televisão e a indústria
fonográfica. Entretanto, a relação entre o hip hop e a mídia de massa é no mínimo
delicada, muito mais no caso do rap, o qual é a manifestação artística que tem mais
destaque nos meios de comunicação. A relação é tão delicada que às vezes a própria
mídia acusa o rap, por causa de sua linguagem às vezes muito crua, autoritária e realista,
de ser uma apologia ao crime e à violência.(p.167-168)
Foi a partir dos anos 90, mais especificamente em 1997 ano do lançamento
independente do CD dos Racionais MCs “Sobrevivendo no Inferno”, que o movimento
ganhou visibilidade e se expandiu para além dos bairros da periferia, despertando
também o interesse da grande indústria fonográfica no Brasil para o rap. No país, 75%
dos discos vendidos são de artistas nacionais. Só entre 1997 e 1998 este CD dos
Racionais vendeu 500 mil cópias, o equivalente a vendagem dos últimos discos dos
Rolling Stones, do U2 e do Oasis juntos (três grandes nomes do rock internacional)
(p.168-169).
O interessante é que quando o gênero musical rap estourou com os Racionais MC’s, a
própria mídia que antes taxavam os rappers de apologistas da violência, depois passou a
chamá-los de “sociólogos sem diploma”. A segunda metade dos anos 90 foi o período
em que a música “Diário de um Detento” dos Racionais MCs tocava, várias vezes ao
dia, nas principais rádios do país. Na MTV – canal de música voltada para o público
juvenil – era exibido um programa de rap e, em 1998, os Racionais MCs ganhavam o
prêmio de melhor videoclipe do ano, escolhido pela votação da audiência da emissora.
Grupos de rap eram entrevistados nos principais canais de televisão aberta, e o
trabalho das posses e ONGs envolvidas com o Hip Hop eram destacados. (p.169).
Ao mesmo tempo em que os integrantes do Hip Hop acham benéfico a busca de espaços
na mídia para dar maior visibilidade ao movimento cultural, eles também renegam a
possibilidade de ver o seu trabalho (principalmente no caso do rap) tratado como um
passageiro modismo televisivo. Segundo eles a saída para a não-cooptação pelo sistema
midiático são os espaços de produção e distribuição alternativos, as rádios comunitárias
e das posses de hip hop. (p.169-172).

5.2.4 O Hip Hop e o poder público.

O papel das posses é de fundamental importância para a elaboração e manutenção do


discurso social crítico do movimento hip hop. Na cidade de São Paulo, a origem das
posses remonta ao anos de 1988, quando foi criado o MH2O-SP que tinha como
objetivo organizar as equipes de Break do centro. (p. 172).
Nas posses, espaços de organização do movimento Hip Hop 253 através da arte do break,
do rap (DJs e rappers) e do grafite as formas de opressão, as tensões e os conflitos, que
marcam o cotidiano de grande parte da juventude paulistana, são expressas e
debatidas. Um local de agregação dos ‘manos’, onde uma relação de grupo é
estabelecida – apresentando seus trabalhos, aprendendo arte, trocando experiências - e
a política de intervenção nos espaços da cidade é concretizada, seja através de shows,
palestras, oficinas em escolas estaduais e municipais, fóruns governamentais, etc.
(p.173).
As reuniões das posses, o discurso dos rappers, os eventos promovidos nas periferias
envolvendo os quatro elementos do Hip Hop, etc. aglutinam um público juvenil com o
qual outros movimentos sociais (como o movimento negro, onde a linguagem
institucionalizada prevalece) e as políticas sociais dificilmente conseguem dialogar.
Crianças, adolescentes e jovens adultos que não freqüentam os bancos escolares, não
trabalham, suas famílias (quando têm) estão desestruturadas, envolvidos com o crime,
se aproximam do Hip Hop através da dança, da pintura, da música como formas de
lazer e diversão, mas que, ao mesmo tempo falam de problemas e realidades que lhes
são comuns, com uma linguagem acessível e, porque não dizer, moderna. Uma arena
política que não necessariamente passa pelas formas tradicionais de se fazer política,
através de partidos políticos e sindicatos. Apresenta-se também como um importante
canal de comunicação que já é utilizado como veículo de políticas públicas voltadas à
população juvenil.(p.174).
O valor do movimento Hip Hop na sociedade brasileira, particularmente na paulistana,
está difundido e se aprimorando. Um movimento que emergiu com grande força entre
os jovens moradores da periferia de São Paulo e está se consolidando por todo o país.
A força do Hip Hop pode ser observada também na aproximação do poder público,
sendo valorizado pelos órgãos de cultura e de educação oficiais e também pelos
inúmeros trabalhos acadêmicos produzidos sobre o tema nos últimos 16 anos.(p.175).

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