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Rio de Janeiro:
Paz e terra, 1986.
Para tentar esta reflexão, convém pensar o porquê desta ênfase nas análises qualitativas
que são vistas como substitutas dos sofisticados métodos qualitativos. (p.95)
Porém esta voga de novas técnicas de investigação e o interesse pelos atores sociais de
carne e osso não se fizeram acompanhar de uma crítica teórico-metodológica
consistente. Respondiam a um mal-estar, a um desencanto com as generalizações
apressadas e os esquemas explicativos muito abstratos. Mas a volta ao concreto se deu
pelos mesmos caminhos já trilhados pela ciência positivista. (p.98)
Pelo menos em um ponto esta revisão era e é oportuna: é preciso repensar a noção de
determinação e de processos estruturantes para reconhecer um espaço para os sujeitos
sociais. (p.99)
Por outro lado, a intensificação da participação dos investigadores foi justificada, menos
como forma de aproximar para conhecer e mais como identificação de propósitos
políticos entre pesquisador e pesquisado. (p.100)
O encontro com desconhecidos, com que se pode cultivar uma relação de alteridade, é
que permite conhecer o modo de operar de sistemas simbólicos diversos que são ostos
em movimento por esta interlocução. O objeto do conhecimento é aquilo que nenhum
dos dois conhece e que, por isso mesmo, pode surpreender. Logo a novidade está na
descoberta de alguma coisa que não foi compartilhada e não – como quer a noção usual
de empatia – na comunhão. (p.103)
Os ardis da pesquisa-participante.
Neste caso, o pesquisador, que se identifica com o projeto político popular, não o
discutido em várias instâncias e lugares da sociedade maior, mas o projeto específico
desenvolvido no local por um pequeno grupo de pessoas, avaliza e participa da ação
coletiva do grupo, mas não avalia a sua própria presença enquanto estrangeiro num
grupo que não é o seu. A própria tensão sujeito/objeto é negada pela afirmação de que
todos são sujeitos críticos e autônomos numa mesma ação política, ou seja, a distinção e
o conseqüente distanciamento entre observador e observador deixaria de ter cabimento,
dissolvidos que ficam pelo engajamento num mesmo projeto político. (p112)
Além do mais, sem que o pesquisador muitas vezes o percebe, ele é o mero registro de
um discurso para fora, dirigido a um público mais amplo (como acontece em qualquer
pesquisa) mas que busca os seus verdadeiros interlocutores no caso: o Estado ou as
agências de financiamento. O antropólogo é sempre uma espécie de intermediário entre
o grupo que estuda e o resto do mundo, mas deve pensar continuamente sobre essa sua
particular intermediação que inclui o seu texto sobre as outras culturas ou sociedades
num circuito assim ampliado de comunicação entre os homens. (p.114)
Uma vez desfeita a associação entre o social e o consensual, entre a cultura e a língua,
outros modelos que dão lugar para as ambigüidades, tensões, inconsistências e conflitos
entram em cena. O social passa a ser pensado como drama, como campo de forças em
luta ou como política do significado. Com estes modelos, os significantes em cadeia
deixam de ser o foco da atenção e as disputas, nuanças, contextos dos significados, é
que exigem toda a perícia e cuidado do ator-observador que é o antropólogo. Por isso
mesmo, aprender de fato a linguagem dos “nativos” é tarefa absolutamente
indispensável. (p.112)
DURHAM, Eunice. A pesquisa antropologia com populações urbanas: problemas e
perspectivas. DURHAM, Eunice et. al. A aventura antropológica. Teoria e pesquisa.
Rio de Janeiro: Paz e terra, 1986.
O sucesso recente da antropologia está certamente vinculado ao fato de que, hoje essas
minorias desprivilegiadas emergem como novos atores políticos, organizam
movimentos e exigem uma participação na vida nacional da qual estiveram
secularmente excluídos. (p.18)
A esse fato soma-se também a crise dos esquemas explicativos globalizantes que
explicavam a chamada sociedade nacional.
Por outro lado, em virtude mesmo do que parece ser uma nova dinâmica da sociedade
brasileira, os esquemas globalizadores com os quais a sociologia e a ciência política
produziram, no passado, uma interpretação coerente da sociedade nacional, têm se
revelado singularmente inadequados. Nota-se hoje, claramente, nessas disciplinas, uma
crise explicativa que está provocando uma revisão crítica muito profunda tanto dos seus
pressupostos teóricos e metodológicos quanto da própria concepção da sociedade
brasileira que construíram no passado. (p.18)
No entanto é necessário uma crítica à produção antropológica recente. Como a
antropologia pode se colocar diante da politização de seus temas e objetos de
estudo?
Mas, se estamos certamente lidando de forma original e criativa com temas que nos
parecem, como aos demais, importantes e fascinantes, por outro lado pode-se notar uma
certa inconsistência dos resultados, uma multiplicação de pesquisas e de abordagens que
não se somam nem se integram, uma certa perplexidade sobre o que fazer com as
conclusões parciais e divergentes que estamos acumulando. E, na medida mesma em
que as populações e aos temas tradicionalmente estudados pela antropologia se
politizam, a reflexão antropológica parece singularmente desarmada para entender essa
nova posição do seu objeto na sociedade em transformação. (p.19)
Nas suas diferentes versões, o funcionalismo, pressupondo uma integração das partes no
todo, pressupõe também, inversamente, a presença da totalidade nas partes. Desse
modo, sua aplicação aos estudos de comunidade implica ver a unidade estudada como
fragmento da totalidade (a sociedade e a cultura), cujos elementos estruturantes ou
integrativos são qualitativamente idênticos aos do todo. A comunidade mantém com a
sociedade uma relação metonímica e é, por isso, imediatamente relevante para o
entendimento da sociedade ou da cultura, embora o conhecimento assim produzido seja,
obviamente, considerado incompleto. (p.23)