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MIGUEL WANDSCHNEIDER
Miguel Wandschneider iniciou a sua actividade de curadoria em 1997.
Como curador independente, foi responsável por vários projectos antes
de em 2006 assumir a programação de arte contemporânea da
Culturgest. A propósito do trabalho que vem desenvolvendo nesta
instituição, a Artecapital foi conhecer as ideias e os objectivos que
orientam a sua estratégia curatorial, assim como a sua posição no
contexto artístico nacional e internacional.
Por Liz Vahia
Miguel Wandschneider no seu gabinete na >>>>>>
Culturgest.
LV: Desde 2006 que o Miguel é responsável pela programação
Outras entrevistas: de arte contemporânea da Culturgest. Pode referir à Artecapital
os parâmetros e objectivos com que iniciou esse trabalho e que
NUNO CENTENO têm pautado a sua escolha das propostas a apresentar?
MW: Uma das ideiaschave que tem estado na base da programação
HUGO CANOILAS de exposições da Culturgest é a de proporcionar a descoberta
permanente de artistas muito pouco conhecidos ou mesmo
MEIKE HARTELUST completamente desconhecidos em Portugal, e em muitos casos pouco
ou mal conhecidos na cena artística internacional, ou até nos seus
LUÍSA JACINTO próprios países de origem. Interessoume, e continua a interessarme,
fazer uma programação vigilante e crítica relativamente às lógicas e
VERA CORTÊS aos processos de consagração, uma programação que reclama a sua
própria autonomia e uma participação activa no contexto internacional,
que recusa ser um eco ou andar a reboque dos cânones e das modas
ANTÓNIO BARROS
que vão sendo definidos e reproduzidos no contexto internacional. Em
2004, quando comecei a trabalhar na Culturgest, e um ano e meio
MIGUEL GARCIA depois, quando arrancou o programa de exposições por mim
concebido, os artistas internacionais mostrados nas instituições de arte
VASCO ARAÚJO portuguesas eram ainda, na sua grande maioria, artistas consagrados,
muitas vezes já com o seu lugar na história, e que expunham em
CARLOS ANTUNES Portugal depois de o seu trabalho ter corrido mundo. Ainda hoje,
persistem no nosso país enormes défices, lacunas e desfasamentos na
XANA recepção da produção artística contemporânea.
Aquela ideia matricial desdobrase numa outra, concomitante, que tem
PEDRO NEVES MARQUES deixado uma marca saliente no programa de exposições da Culturgest:
a de apresentar posições artísticas fortemente individualizadas
MAX HOOPER SCHNEIDER oriundas de contextos semiperiféricos específicos. Numa primeira fase,
entre 2006 e 2009, isso traduziuse sobretudo, mas não só, em várias
BEATRIZ ALBUQUERQUE exposições individuais de artistas holandeses. E teve expressão, a
partir de finais de 2009, numa certa ênfase em artistas belgas de
VIRGINIA TORRENTE, JACOBO diferentes gerações. Mas uma tal linha programática nunca foi,
contudo, hegemónica, sendo contrabalançada por uma representação
CASTELLANO E NOÉ SENDAS muito significativa no programa expositivo de artistas alemães, mas
também franceses e dos Estados Unidos da América, a par de muitos
PENELOPE CURTIS outros de diferentes origens. De resto, a questão das relações entre
centros e periferias está longe de se reduzir a uma dimensão
EUGÉNIA MUSSA E CRISTIANA TEJO geográfica. Nesse sentido, as escolhas concretas assumem um
significado muito claro quanto ao nosso posicionamento. Dou alguns
RUI CHAFES exemplos apenas: em 2007, organizámos uma retrospectiva do Jean
LucMoulène, artista cuja carreira estava em grande medida confinada
PAULO RIBEIRO à França; coproduzimos e apresentámos em 2008 a primeira
retrospectiva de Frances Stark, e em 2009 a primeira retrospectiva
KERRY JAMES MARSHALL itinerante de Daan van Golden; neste mesmo ano, organizámos a
primeira exposição do alemão Jochen Lempert numa instituição fora do
seu país de origem; em 2010, fomos a primeira instituição estrangeira
CÍNTIA GIL
a organizar uma exposição (mais uma vez, retrospectiva) do artista
espanhol Asier Mendizabal; artistas como os belgas Jos de Gruyter &
NOÉ SENDAS Harald Thys e Koenraad Dedobbeleer tiveram aqui, respectivamente
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17/10/2018 MIGUEL WANDSCHNEIDER - Entrevista | ARTECAPITAL.NET
em 2009 e em 2010, a sua segunda exposição numa instituição
FELIX MULA estrangeira; em 2012, o norteamericano Michael E. Smith, então um
quase ilustre desconhecido, fez na Culturgest a sua segunda exposição
ALEX KATZ numa instituição. Poderia multiplicar os exemplos...
No que diz respeito aos artistas estrangeiros, têm predominado
PEDRO TUDELA exposições antológicas ou retrospectivas, justamente para permitir um
mergulho em profundidade nesses mundos individuais e
SANDRO RESENDE desconhecidos. Relativamente aos artistas portugueses, e sem
descartar o modelo da exposição retrospectiva, têm sido preocupações
ANA JOTTA recorrentes dar relevo a artistas de diferentes gerações cujo trabalho
me parece justificar uma recepção mais séria e atenta, focar um
determinado período da prática de certos artistas, ou um corpo de
ROSELEE GOLDBERG
trabalho relevante, por vezes pouco conhecido ou mesmo
desconhecido, dentro do conjunto da sua obra, mostrar de forma
MARTA MESTRE extensiva o trabalho de artistas relativamente novos e ainda não
consagrados. Independentemente do recorte das exposições, um
NICOLAS BOURRIAUD princípio sagrado que tem estado subjacente à programação é a não
hierarquização entre os artistas na distribuição dos recursos
SOLANGE FARKAS disponíveis, sejam eles veteranos ou novos, consagrados ou
desconhecidos, estrangeiros ou portugueses; ou seja, há a recusa
JOÃO FERREIRA absoluta do critério da reputação no processo de tomada de decisões
relativas à definição do programa e à organização das exposições.
POGO TEATRO Em última instância, o que está em jogo é uma questão política, a meu
ver, crucial: a emancipação do contexto artístico português e dos
JOSÉ BARRIAS agentes que nele participam relativamente às relações de força no
contexto artístico internacional, o mesmo é dizer, ao modo como aí se
JORGE MOLDER determina e reproduz a divisão social do trabalho de difusão da arte
contemporânea. Trabalhamos para tornar possível e cada vez mais
RUI POÇAS arraigada, aqui em Portugal, uma relação em tempo real, e não em
diferido, com práticas artísticas contemporâneas que consideramos
relevantes, e uma relação que não esteja amarrada nem ao
JACK HALBERSTAM
mainstream, nem a certas tendências conjunturais. Estou a falar da
necessidade de sincronização (nem sempre em sintonia) com o
JORGE GASPAR e ANA MARIN contexto artístico internacional. As escolhas concretas que têm sido
feitas não são, em todo o caso, um reflexo condicionado do tipo de
GIULIANA BRUNO preocupações acima explicitadas; elas resultam da experiência, da
contextualização e da avaliação do trabalho dos artistas com quem
IRINA POPOVA colaboramos – aquilo a que se pode chamar trabalho de campo ou,
mais prosaicamente, trabalho de casa.
CAMILLE MORINEAU
LV: Houve uma intenção de criar uma identidade distintiva em
ÂNGELA M. FERREIRA termos de programação de exposições para a Culturgest, tanto
no panorama nacional como internacional?
BRIAN GRIFFIN Sente cumpriremse as expectativas que tinha quando iniciou o
trabalho como curador na Culturgest?
DELFIM SARDO MW: Houve, desde o início, como terá ficado expresso na minha
resposta anterior, a vontade de construir uma programação autónoma,
ÂNGELA FERREIRA diferenciada e relevante, quer no contexto local, quer no contexto
internacional.
PEDRO CABRAL SANTO As minhas expectativas iniciais eram muito baixas. As nossas
expectativas e avaliações não são independentes das condições com
CARLA OLIVEIRA que trabalhamos, o mesmo é dizer, de um conjunto de limitações
(incluindo as próprias) e de possibilidades. E as condições de partida
NUNO FARIA pareciam ser muito ingratas e desfavoráveis para pôr em prática uma
programação como aquela que veio a ser desenvolvida. Por exemplo,
EUGENIO LOPEZ eu não trazia comigo, nem herdei da instituição, uma rede de relações
que fosse operativa para desenvolver o tipo de programação que
JOÃO PEDRO RODRIGUES E JOÃO RUI desejava. Por outro lado, os espaços expositivos eram muito
problemáticos, para usar um eufemismo. A minha primeira
GUERRA DA MATA
preocupação foi justamente propor e negociar melhorias substanciais
desses espaços – e isso foi conseguido num curto espaço de tempo.
ISABEL CARLOS Outra condição necessária para desenvolver um programa nos termos
desejados era reforçar a equipa de produção, e isso veio a acontecer
TEIXEIRA COELHO com a entrada, em 2008, de uma pessoa com as competências raras
do Mário Valente. Claro que o que se fez só foi possível por causa da
PEDRO COSTA abertura e da cumplicidade do Miguel Lobo Antunes, assim como da
liberdade total que sempre me deu, sem intromissões nem
AUGUSTO CANEDO BIENAL DE interferências, para definir a programação. Uma atitude exemplar e
CERVEIRA infelizmente rara (julgo que única) num país onde se anda sempre a
pôr a foice em seara alheia.
LUCAS CIMINO, GALERISTA Respondendo à sua pergunta: as expectativas foram largamente
ultrapassadas. Quando comecei a trabalhar na Culturgest, dizia a mim
NEVILLE D’ALMEIDA próprio que era necessário aproximar (por inflação) o campo dos
possíveis ao campo dos desejos, e, inversamente, ajustar (por
MICHAEL PETRY Diretor do MOCA deflação) o campo dos desejos ao campo dos possíveis. Aquela
aproximação foi muito maior e mais rápida do que julgava ser possível.
London
E isso permitiume continuar. Mas, como em tudo na vida, eu vejo as
coisas segundo a perspectiva do “copo meio cheio, copo meio vazio”.
PAULO HERKENHOFF Estou constantemente insatisfeito.
CHUS MARTÍNEZ
LV: Confrontando o público com uma visão menos
“espectacular” da arte e apresentando artistas menos
MASSIMILIANO GIONI
mediáticos, acredita que as propostas da Culturgest possam
constituir um desafio para o espectador?
MÁRIO TEIXEIRA DA SILVA ::: MÓDULO
MW: A arte não é espectáculo, nem entretenimento. Essa é uma ilusão
CENTRO DIFUSOR DE ARTE
gerada pela indústria do espectáculo, pela indústria do turismo e pelos
meios de comunicação social. A arte constitui um desafio,
ANTON VIDOKLE particularmente exigente, para o espectador que tiver predisposição e
interesse em entrar em relação com esse mundo. O espectador tem de
TOBI MAIER fazer o seu trabalho, e esse trabalho não tem fim.
ELIZABETH DE PORTZAMPARC
LV: É habitual a crítica reconhecer a sua programação como
“conceptual”; imagino querer isto dizer que o Miguel se inclui
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17/10/2018 MIGUEL WANDSCHNEIDER - Entrevista | ARTECAPITAL.NET
DOCLISBOA’ 12 numa categoria de uma espécie de mente analítica, não visual,
na medida em que os analíticos utilizam as nossas capacidades
PEDRO LAPA de raciocínio mais que os nossos olhos para observar o mundo.
Por outras palavras: concorda que na sua programação
CUAUHTÉMOC MEDINA predomina sempre uma obsessão pela rigorosa ordem teórica,
uma programação fria, não sensorial, não sensível à percepção
da arte através dos olhos? Admite ser verdade que existe uma
ANNA RAMOS (RÀDIO WEB MACBA) propositada relutância dos olhos na sua forma de programar?
No entanto, existe uma vidência interior, o olhar, que abrange
CATARINA MARTINS mais do que o mero acto de ver, que significa outra coisa.
MW: Nunca me apercebi que a crítica reconhecesse a programação de
NICOLAS GALLEY
exposições da Culturgest como “conceptual”.
GABRIELA VAZPINHEIRO Não encontro no programa de exposições da Culturgest o mínimo
vestígio daquilo a que chama “uma obsessão pela rigorosa ordem
BARTOMEU MARÍ teórica”. Não consigo vislumbrar essa característica no meu modo de
pensar, na minha atitude em relação à arte, na minha práxis. Julgo
que a programação sob a minha alçada é diametralmente oposta a
MARTINE ROBIN Château de Servières
“uma programação fria, não sensorial, não sensível à percepção da
arte através dos olhos”, para usar as suas palavras. A arte interessa
BABETTE MANGOLTE me, antes de mais e acima de tudo, como experiência do corpo
Entrevista de Luciana Fina (sensorial e cognitiva), como coisa que se esquiva à interpretação, que
desafia e destabiliza o senso (e a experiência) comum, e não como
RUI PRATA Encontros da Imagem experiência intelectualizada, mesmo se a tomo também como objecto
de reflexão e de conhecimento. A não ser que esteja em negação, não
BETTINA FUNCKE, editora de 100 NOTES consigo vislumbrar qualquer “relutância”, sequer involuntária, “dos
– 100 THOUGHTS / dOCUMENTA (13) olhos na [minha] forma de programar”. Seria fastidioso alongarme em
exemplos para me fazer entender; teria de referir quase todos os
artistas que fizeram exposições individuais na Culturgest desde 2006.
JOSÉ ROCA 8ª Bienal do Mercosul
LUÍS SILVA Kunsthalle Lissabon LV: A próxima exposição na Culturgest, “Querido, reorganizei a
coleção... por artista. Cartazes da Coleção Lempert (Capítulo 1
GERARDO MOSQUERA PHotoEspaña / 1.ª Parte)”, é dedicada a cartazes de artista. Estes materiais,
à partida efémeros mas que mereceram a atenção de muitos
artistas, irão constituir um ponto forte na programação da
GIULIETTA SPERANZA
Culturgest até ao final de 2018. Como é que a referida
exposição se integra na linha programática que tem seguido,
RUTH ADDISON focada em apresentações individuais e específicas, temática e
cronologicamente?
BÁRBARA COUTINHO
MW: Tratase da primeira de uma série de cinco exposições com
cartazes de artista e de exposição, que deixará uma impressão digital
CARLOS URROZ muito vincada na programação da Culturgest durante os próximos
quatro anos e meio. Os cartazes, provenientes de uma colecção
SUSANA GOMES DA SILVA privada, porventura a mais significativa colecção privada desse tipo de
materiais, serão escolhidos e organizados segundo perspectivas
CAROLYN CHRISTOVBAKARGIEV diferentes: primeiro, por artista; depois, por tópico (e para isso
estamos a construir, de forma indutiva, um sistema classificatório); e
HELENA BARRANHA finalmente, por ano (configurando uma linha temporal). As cinco
exposições perfazem os três capítulos.
MARTA GILI Há algumas exposições anteriores, relacionadas com a matéria
impressa, com aquilo a que costumamos chamar printed matter, que
MOACIR DOS ANJOS preparam o terreno para um projecto desta natureza: refirome à
exposição da editora independente Roma Publications, em Lisboa, em
HELENA DE FREITAS 2006, e à exposição em torno da revista Dot Dot Dot, no Porto, em
2009. Mas é um facto que os contornos deste projecto são atípicos e
JOSÉ MAIA inéditos no quadro de programação da Culturgest. Tem toda a razão
quando diz que o acento tem sido posto em exposições individuais.
Mas é preciso não esquecer que o programa tem sido pontuado por
CHRISTINE BUCIGLUCKSMANN
exposições colectivas muito específicas: por exemplo, e além das duas
exposições acima mencionadas, 1+1+1=3 (duas exposições até hoje),
ALOÑA INTXAURRANDIETA O modo como não foi (celebrando dez anos de castillo/corrales, Paris),
Para o cego no quarto escuro à procura do gato preto que não está lá,
TIAGO HESPANHA Tell It To My Heart: Reunido por Julie Ault, assim como uma exposição
e todo um programa de concertos e performances, de difícil
TINY DOMINGOS classificação, sob o título Cornelius Cardew e a liberdade da escuta. De
qualquer modo, as escolhas e as decisões relativas à programação não
DAVID SANTOS estão dependentes da sua conformação a uma grelha, que na
realidade não existe e que seria falacioso estar a fabricar. A moldura
EDUARDO GARCÍA NIETO da programação, isto é, as ideias e os critérios que a enquadram, vai
sendo constantemente redefinida à medida que se avança. Este ciclo
VALERIE KABOV de exposições com cartazes é disso exemplo flagrante.
ANTÓNIO PINTO RIBEIRO LV: Que condicionantes encontra ao trabalhar num espaço
institucional como a Culturgest?
PAULO REIS MW: Tropeço sobretudo nas minhas próprias limitações.
GERARDO MOSQUERA LV: Na sua comunicação no colóquio deste ano “Arte. Crítica.
Política.”, organizado por Nuno Crespo, falou a propósito do
EUGENE TAN contexto português de um “progressivo despovoamento da
crítica de arte” a partir dos anos 1990 e na existência actual de
PAULO CUNHA E SILVA uma crítica “domesticada e que domestica a arte”. Que lugar
deveriam ter os críticos num contexto que o Miguel considere
NICOLAS BOURRIAUD ideal?
MW: Nessa comunicação comecei por dizer que a atitude crítica não se
JOSÉ ANTÓNIO FERNANDES DIAS confina ao exercício, mais ou menos profissionalizado, mais ou menos
especializado, da crítica de arte. A atitude crítica é uma dimensão
PEDRO GADANHO fundamental das múltiplas actividades que têm lugar no campo
artístico, desde logo, uma dimensão fundamental da prática artística,
GABRIEL ABRANTES podendo tomar ou não forma discursiva. Mas se considerarmos a
crítica de arte na sua acepção mais estrita, cuja modalidade dominante
HU FANG é a recensão de exposições, e cujos espaços por excelência são as
revistas especializadas e os jornais, mais recentemente também sítios
de internet, então somos inevitavelmente levados a constatar que a
IVO MESQUITA
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17/10/2018 MIGUEL WANDSCHNEIDER - Entrevista | ARTECAPITAL.NET
ANTHONY HUBERMAN crítica de arte em Portugal morreu. Foi este o assunto da minha
comunicação.
MAGDA DANYSZ O progressivo despovoamento do campo da crítica de arte em
Portugal, desde meados da década de 1990, primeiro mais vagaroso,
SÉRGIO MAH depois mais veloz, é apenas um dos aspectos a considerar no
diagnóstico dessa morte. Assistimos a uma migração para o campo da
ANDREW HOWARD curadoria de muitos daqueles que em determinado período exerceram
crítica de arte. Essa migração foi impulsionada e favorecida pela
ALEXANDRE POMAR constituição, a partir de cerca de 1993, de um sistema institucional de
difusão da arte contemporânea em Portugal. Nos últimos cerca de dez
anos, fazer crítica de arte, ou escrever recensões de exposições, tem
CATHERINE MILLET
sido, para os recémchegados, uma fase de iniciação que prepara o
acesso à actividade desejada de curadoria. Não deixa de ser irónico
JOÃO PINHARANDA que a direcção da Secção Portuguesa da Associação Internacional de
Críticos de Arte seja constituída maioritariamente por pessoas cuja
LISETTE LAGNADO identidade pessoal, profissional e social se produz na órbita da sua
actividade enquanto curadores.
NATASA PETRESIN A notória e acelerada deterioração, nos últimos anos, das condições
para o exercício da crítica de arte (e não digo sequer para a sua
PABLO LEÓN DE LA BARRA profissionalização) também contribuiu para essa desertificação. A
inexistência, desde que as revistas Artes e Leilões e L+Arte se
ESRA SARIGEDIK extinguiram há alguns anos, de uma única revista impressa dedicada à
arte contemporânea é apenas a ponta do iceberg. Curiosamente, a
FERNANDO ALVIM introdução da classificação das exposições em alguns jornais (medida
em estrelinhas) coincide com o período de estertor da crítica de arte
ANNETTE MESSAGER em Portugal, tornandose assim uma espécie de esgar caricatural
daquilo em que ela se tornou: manifestação epidérmica de gostos e
RAQUEL HENRIQUES DA SILVA desgostos, gestão de fidelidades e infidelidades, moeda de troca em
função de interesses e cumplicidades, sempre rasteiros. Ao fazer o
diagnóstico da morte da crítica de arte em Portugal, falei também de
JEANFRANÇOIS CHOUGNET
uma crise de vocações, fenómeno que não é redutível à falta de
condições materiais para o seu exercício. A crítica de arte morreu em
MARCOLIVIER WAHLER Portugal também porque aqueles que ainda escrevem ou que
entretanto começaram a escrever se demitiram da responsabilidade e
JORGE DIAS da exigência inerentes à crítica de arte. É uma crítica preguiçosa, sem
paixão nem curiosidade, imune a sobressaltos ou a perplexidades, em
GEORG SCHÖLLHAMMER suma, como citou, “uma crítica domesticada e que domestica a arte” –
por ela não passa um sopro da experiência de desfamiliarização que a
JOÃO RIBAS arte produz e solicita no espectador.
Perante esta tragédia, é ingénuo e contraproducente estar a idealizar
LUÍS SERPA cenários. O que verdadeiramente importa é pôr em prática soluções
parciais, modestas até, que sejam realistas e consequentes. A questão
JOSÉ AMARAL LOPES é a mesma de sempre: que fazer? Mas essa não é a minha esfera de
acção. Não sou sequer membro da AICA.
LUÍS SÁRAGGA LEAL
LV: Recentemente recordome de um artista português (Julião
ANTOINE DE GALBERT Sarmento) ter referido que trabalhava para os seus pares, para
os outros artistas, não para o público. Podem artistas e
JORGE MOLDER curadores trabalhar unicamente para o reconhecimento dos
seus pares, dos especialistas e da crítica de arte e não falarem
MANUEL J. BORJAVILLEL para o público na produção do seu trabalho? Concorda que este
tipo de pensamento considera como bom e certo que o público
MIGUEL VON HAFE PÉREZ pode sempre consolarse com a esperança que compreenderá
dez anos mais tarde a arte que se produz actualmente?
JOÃO RENDEIRO MW: Percebo o que o Julião Sarmento diz. Mas eu não sou artista, sou
curador. E no meu trabalho de curador não tomo os pares ou os
MARGARIDA VEIGA especialistas como grupo de referência. Trabalho com os artistas, vejo
me como compagnon de route dos artistas com quem trabalho, mesmo
daqueles que estão mortos. Quando estou a conceber e a organizar
uma exposição, o público não existe, é uma abstração, uma incógnita.
O público chega quando as exposições estão feitas e podem ser
visitadas, e é a ele que estas se destinam. É claro que me sinto a
pregar para os convertidos. Mas esse é o preço a pagar por fazer neste
país uma programação como a da Culturgest. E como poderia ser de
outra maneira com os mecanismos censurantes (a começar pelo
silêncio) em vigor nos diferentes domínios do campo mediático, que
relegam a programação de exposições da Culturgest para um gueto?
Trabalhase na solidão.
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