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17/10/2018 MIGUEL WANDSCHNEIDER - Entrevista | ARTECAPITAL.

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MIGUEL WANDSCHNEIDER  
 
 
Miguel Wandschneider iniciou a sua actividade de curadoria em 1997.
Como curador independente, foi responsável por vários projectos antes
de em 2006 assumir a programação de arte contemporânea da
Culturgest. A propósito do trabalho que vem desenvolvendo nesta
instituição, a Artecapital foi conhecer as ideias e os objectivos que
orientam a sua estratégia curatorial, assim como a sua posição no
contexto artístico nacional e internacional.
 
Por Liz Vahia
 
Miguel Wandschneider no seu gabinete na >>>>>>
Culturgest.  
 
  LV: Desde 2006 que o Miguel é responsável pela programação
Outras entrevistas:  de arte contemporânea da Culturgest. Pode referir à Artecapital
  os parâmetros e objectivos com que iniciou esse trabalho e que
NUNO CENTENO    têm pautado a sua escolha das propostas a apresentar?
  MW: Uma das ideias­chave que tem estado na base da programação
HUGO CANOILAS    de exposições da Culturgest é a de proporcionar a descoberta
  permanente de artistas muito pouco conhecidos ou mesmo
MEIKE HARTELUST    completamente desconhecidos em Portugal, e em muitos casos pouco
  ou mal conhecidos na cena artística internacional, ou até nos seus
LUÍSA JACINTO    próprios países de origem. Interessou­me, e continua a interessar­me,
  fazer uma programação vigilante e crítica relativamente às lógicas e
VERA CORTÊS    aos processos de consagração, uma programação que reclama a sua
própria autonomia e uma participação activa no contexto internacional,
 
que recusa ser um eco ou andar a reboque dos cânones e das modas
ANTÓNIO BARROS   
que vão sendo definidos e reproduzidos no contexto internacional. Em
  2004, quando comecei a trabalhar na Culturgest, e um ano e meio
MIGUEL GARCIA    depois, quando arrancou o programa de exposições por mim
  concebido, os artistas internacionais mostrados nas instituições de arte
VASCO ARAÚJO    portuguesas eram ainda, na sua grande maioria, artistas consagrados,
  muitas vezes já com o seu lugar na história, e que expunham em
CARLOS ANTUNES    Portugal depois de o seu trabalho ter corrido mundo. Ainda hoje,
  persistem no nosso país enormes défices, lacunas e desfasamentos na
XANA    recepção da produção artística contemporânea.
  Aquela ideia matricial desdobra­se numa outra, concomitante, que tem
PEDRO NEVES MARQUES    deixado uma marca saliente no programa de exposições da Culturgest:
  a de apresentar posições artísticas fortemente individualizadas
MAX HOOPER SCHNEIDER    oriundas de contextos semiperiféricos específicos. Numa primeira fase,
  entre 2006 e 2009, isso traduziu­se sobretudo, mas não só, em várias
BEATRIZ ALBUQUERQUE    exposições individuais de artistas holandeses. E teve expressão, a
  partir de finais de 2009, numa certa ênfase em artistas belgas de
VIRGINIA TORRENTE, JACOBO diferentes gerações. Mas uma tal linha programática nunca foi,
contudo, hegemónica, sendo contrabalançada por uma representação
CASTELLANO E NOÉ SENDAS    muito significativa no programa expositivo de artistas alemães, mas
  também franceses e dos Estados Unidos da América, a par de muitos
PENELOPE CURTIS    outros de diferentes origens. De resto, a questão das relações entre
  centros e periferias está longe de se reduzir a uma dimensão
EUGÉNIA MUSSA E CRISTIANA TEJO    geográfica. Nesse sentido, as escolhas concretas assumem um
  significado muito claro quanto ao nosso posicionamento. Dou alguns
RUI CHAFES    exemplos apenas: em 2007, organizámos uma retrospectiva do Jean­
  Luc­Moulène, artista cuja carreira estava em grande medida confinada
PAULO RIBEIRO    à França; coproduzimos e apresentámos em 2008 a primeira
  retrospectiva de Frances Stark, e em 2009 a primeira retrospectiva
KERRY JAMES MARSHALL    itinerante de Daan van Golden; neste mesmo ano, organizámos a
  primeira exposição do alemão Jochen Lempert numa instituição fora do
seu país de origem; em 2010, fomos a primeira instituição estrangeira
CÍNTIA GIL   
a organizar uma exposição (mais uma vez, retrospectiva) do artista
 
espanhol Asier Mendizabal; artistas como os belgas Jos de Gruyter &
NOÉ SENDAS    Harald Thys e Koenraad Dedobbeleer tiveram aqui, respectivamente
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  em 2009 e em 2010, a sua segunda exposição numa instituição
FELIX MULA    estrangeira; em 2012, o norte­americano Michael E. Smith, então um
  quase ilustre desconhecido, fez na Culturgest a sua segunda exposição
ALEX KATZ    numa instituição. Poderia multiplicar os exemplos...
  No que diz respeito aos artistas estrangeiros, têm predominado
PEDRO TUDELA    exposições antológicas ou retrospectivas, justamente para permitir um
  mergulho em profundidade nesses mundos individuais e
SANDRO RESENDE    desconhecidos. Relativamente aos artistas portugueses, e sem
  descartar o modelo da exposição retrospectiva, têm sido preocupações
ANA JOTTA    recorrentes dar relevo a artistas de diferentes gerações cujo trabalho
  me parece justificar uma recepção mais séria e atenta, focar um
determinado período da prática de certos artistas, ou um corpo de
ROSELEE GOLDBERG   
trabalho relevante, por vezes pouco conhecido ou mesmo
 
desconhecido, dentro do conjunto da sua obra, mostrar de forma
MARTA MESTRE    extensiva o trabalho de artistas relativamente novos e ainda não
  consagrados. Independentemente do recorte das exposições, um
NICOLAS BOURRIAUD    princípio sagrado que tem estado subjacente à programação é a não­
  hierarquização entre os artistas na distribuição dos recursos
SOLANGE FARKAS    disponíveis, sejam eles veteranos ou novos, consagrados ou
  desconhecidos, estrangeiros ou portugueses; ou seja, há a recusa
JOÃO FERREIRA    absoluta do critério da reputação no processo de tomada de decisões
  relativas à definição do programa e à organização das exposições.
POGO TEATRO    Em última instância, o que está em jogo é uma questão política, a meu
  ver, crucial: a emancipação do contexto artístico português e dos
JOSÉ BARRIAS    agentes que nele participam relativamente às relações de força no
  contexto artístico internacional, o mesmo é dizer, ao modo como aí se
JORGE MOLDER    determina e reproduz a divisão social do trabalho de difusão da arte
  contemporânea. Trabalhamos para tornar possível e cada vez mais
RUI POÇAS    arraigada, aqui em Portugal, uma relação em tempo real, e não em
  diferido, com práticas artísticas contemporâneas que consideramos
relevantes, e uma relação que não esteja amarrada nem ao
JACK HALBERSTAM   
mainstream, nem a certas tendências conjunturais. Estou a falar da
 
necessidade de sincronização (nem sempre em sintonia) com o
JORGE GASPAR e ANA MARIN    contexto artístico internacional. As escolhas concretas que têm sido
  feitas não são, em todo o caso, um reflexo condicionado do tipo de
GIULIANA BRUNO    preocupações acima explicitadas; elas resultam da experiência, da
  contextualização e da avaliação do trabalho dos artistas com quem
IRINA POPOVA    colaboramos – aquilo a que se pode chamar trabalho de campo ou,
  mais prosaicamente, trabalho de casa.
CAMILLE MORINEAU     
  LV: Houve uma intenção de criar uma identidade distintiva em
ÂNGELA M. FERREIRA    termos de programação de exposições para a Culturgest, tanto
  no panorama nacional como internacional? 
BRIAN GRIFFIN    Sente cumprirem­se as expectativas que tinha quando iniciou o
  trabalho como curador na Culturgest?
DELFIM SARDO    MW: Houve, desde o início, como terá ficado expresso na minha
  resposta anterior, a vontade de construir uma programação autónoma,
ÂNGELA FERREIRA    diferenciada e relevante, quer no contexto local, quer no contexto
  internacional.
PEDRO CABRAL SANTO    As minhas expectativas iniciais eram muito baixas. As nossas
  expectativas e avaliações não são independentes das condições com
CARLA OLIVEIRA    que trabalhamos, o mesmo é dizer, de um conjunto de limitações
  (incluindo as próprias) e de possibilidades. E as condições de partida
NUNO FARIA    pareciam ser muito ingratas e desfavoráveis para pôr em prática uma
  programação como aquela que veio a ser desenvolvida. Por exemplo,
EUGENIO LOPEZ    eu não trazia comigo, nem herdei da instituição, uma rede de relações
  que fosse operativa para desenvolver o tipo de programação que
JOÃO PEDRO RODRIGUES E JOÃO RUI desejava. Por outro lado, os espaços expositivos eram muito
problemáticos, para usar um eufemismo. A minha primeira
GUERRA DA MATA   
preocupação foi justamente propor e negociar melhorias substanciais
 
desses espaços – e isso foi conseguido num curto espaço de tempo.
ISABEL CARLOS    Outra condição necessária para desenvolver um programa nos termos
  desejados era reforçar a equipa de produção, e isso veio a acontecer
TEIXEIRA COELHO    com a entrada, em 2008, de uma pessoa com as competências raras
  do Mário Valente. Claro que o que se fez só foi possível por causa da
PEDRO COSTA    abertura e da cumplicidade do Miguel Lobo Antunes, assim como da
  liberdade total que sempre me deu, sem intromissões nem
AUGUSTO CANEDO ­ BIENAL DE interferências, para definir a programação. Uma atitude exemplar e
CERVEIRA    infelizmente rara (julgo que única) num país onde se anda sempre a
  pôr a foice em seara alheia.
LUCAS CIMINO, GALERISTA    Respondendo à sua pergunta: as expectativas foram largamente
  ultrapassadas. Quando comecei a trabalhar na Culturgest, dizia a mim
NEVILLE D’ALMEIDA    próprio que era necessário aproximar (por inflação) o campo dos
  possíveis ao campo dos desejos, e, inversamente, ajustar (por
MICHAEL PETRY ­ Diretor do MOCA deflação) o campo dos desejos ao campo dos possíveis. Aquela
aproximação foi muito maior e mais rápida do que julgava ser possível.
London   
E isso permitiu­me continuar. Mas, como em tudo na vida, eu vejo as
 
coisas segundo a perspectiva do “copo meio cheio, copo meio vazio”.
PAULO HERKENHOFF    Estou constantemente insatisfeito.
 
CHUS MARTÍNEZ     
LV: Confrontando o público com uma visão menos
 
“espectacular” da arte e apresentando artistas menos
MASSIMILIANO GIONI   
mediáticos, acredita que as propostas da Culturgest possam
  constituir um desafio para o espectador?
MÁRIO TEIXEIRA DA SILVA ::: MÓDULO ­
MW: A arte não é espectáculo, nem entretenimento. Essa é uma ilusão
CENTRO DIFUSOR DE ARTE   
gerada pela indústria do espectáculo, pela indústria do turismo e pelos
 
meios de comunicação social. A arte constitui um desafio,
ANTON VIDOKLE    particularmente exigente, para o espectador que tiver predisposição e
  interesse em entrar em relação com esse mundo. O espectador tem de
TOBI MAIER    fazer o seu trabalho, e esse trabalho não tem fim.
 
 
ELIZABETH DE PORTZAMPARC   
LV: É habitual a crítica reconhecer a sua programação como
  “conceptual”; imagino querer isto dizer que o Miguel se inclui

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DOCLISBOA’ 12    numa categoria de uma espécie de mente analítica, não visual,
  na medida em que os analíticos utilizam as nossas capacidades
PEDRO LAPA    de raciocínio mais que os nossos olhos para observar o mundo.
  Por outras palavras: concorda que na sua programação
CUAUHTÉMOC MEDINA    predomina sempre uma obsessão pela rigorosa ordem teórica,
uma programação fria, não sensorial, não sensível à percepção
 
da arte através dos olhos? Admite ser verdade que existe uma
ANNA RAMOS (RÀDIO WEB MACBA)  propositada relutância dos olhos na sua forma de programar?
  No entanto, existe uma vidência interior, o olhar, que abrange
CATARINA MARTINS    mais do que o mero acto de ver, que significa outra coisa.
 
MW: Nunca me apercebi que a crítica reconhecesse a programação de
NICOLAS GALLEY   
exposições da Culturgest como “conceptual”.
 
GABRIELA VAZ­PINHEIRO  Não encontro no programa de exposições da Culturgest o mínimo
  vestígio daquilo a que chama “uma obsessão pela rigorosa ordem
BARTOMEU MARÍ    teórica”. Não consigo vislumbrar essa característica no meu modo de
pensar, na minha atitude em relação à arte, na minha práxis. Julgo
 
que a programação sob a minha alçada é diametralmente oposta a
MARTINE ROBIN ­ Château de Servières   
“uma programação fria, não sensorial, não sensível à percepção da
  arte através dos olhos”, para usar as suas palavras. A arte interessa­
BABETTE MANGOLTE   me, antes de mais e acima de tudo, como experiência do corpo
Entrevista de Luciana Fina    (sensorial e cognitiva), como coisa que se esquiva à interpretação, que
  desafia e destabiliza o senso (e a experiência) comum, e não como
RUI PRATA ­ Encontros da Imagem    experiência intelectualizada, mesmo se a tomo também como objecto
  de reflexão e de conhecimento. A não ser que esteja em negação, não
BETTINA FUNCKE, editora de 100 NOTES consigo vislumbrar qualquer “relutância”, sequer involuntária, “dos
– 100 THOUGHTS / dOCUMENTA (13)    olhos na [minha] forma de programar”. Seria fastidioso alongar­me em
  exemplos para me fazer entender; teria de referir quase todos os
artistas que fizeram exposições individuais na Culturgest desde 2006.
JOSÉ ROCA ­ 8ª Bienal do Mercosul   
   
LUÍS SILVA ­ Kunsthalle Lissabon    LV: A próxima exposição na Culturgest, “Querido, reorganizei a
  coleção... por artista. Cartazes da Coleção Lempert (Capítulo 1
GERARDO MOSQUERA ­ PHotoEspaña    / 1.ª Parte)”, é dedicada a cartazes de artista. Estes materiais,
à partida efémeros mas que mereceram a atenção de muitos
 
artistas, irão constituir um ponto forte na programação da
GIULIETTA SPERANZA   
Culturgest até ao final de 2018. Como é que a referida
  exposição se integra na linha programática que tem seguido,
RUTH ADDISON    focada em apresentações individuais e específicas, temática e
  cronologicamente?
BÁRBARA COUTINHO   
MW: Trata­se da primeira de uma série de cinco exposições com
 
cartazes de artista e de exposição, que deixará uma impressão digital
CARLOS URROZ    muito vincada na programação da Culturgest durante os próximos
  quatro anos e meio. Os cartazes, provenientes de uma colecção
SUSANA GOMES DA SILVA    privada, porventura a mais significativa colecção privada desse tipo de
  materiais, serão escolhidos e organizados segundo perspectivas
CAROLYN CHRISTOV­BAKARGIEV    diferentes: primeiro, por artista; depois, por tópico (e para isso
  estamos a construir, de forma indutiva, um sistema classificatório); e
HELENA BARRANHA    finalmente, por ano (configurando uma linha temporal). As cinco
  exposições perfazem os três capítulos.
MARTA GILI    Há algumas exposições anteriores, relacionadas com a matéria
  impressa, com aquilo a que costumamos chamar printed matter, que
MOACIR DOS ANJOS    preparam o terreno para um projecto desta natureza: refiro­me à
  exposição da editora independente Roma Publications, em Lisboa, em
HELENA DE FREITAS    2006, e à exposição em torno da revista Dot Dot Dot, no Porto, em
  2009. Mas é um facto que os contornos deste projecto são atípicos e
JOSÉ MAIA    inéditos no quadro de programação da Culturgest. Tem toda a razão
  quando diz que o acento tem sido posto em exposições individuais.
Mas é preciso não esquecer que o programa tem sido pontuado por
CHRISTINE BUCI­GLUCKSMANN   
exposições colectivas muito específicas: por exemplo, e além das duas
 
exposições acima mencionadas, 1+1+1=3 (duas exposições até hoje),
ALOÑA INTXAURRANDIETA    O modo como não foi (celebrando dez anos de castillo/corrales, Paris),
  Para o cego no quarto escuro à procura do gato preto que não está lá,
TIAGO HESPANHA    Tell It To My Heart: Reunido por Julie Ault, assim como uma exposição
  e todo um programa de concertos e performances, de difícil
TINY DOMINGOS    classificação, sob o título Cornelius Cardew e a liberdade da escuta. De
  qualquer modo, as escolhas e as decisões relativas à programação não
DAVID SANTOS    estão dependentes da sua conformação a uma grelha, que na
  realidade não existe e que seria falacioso estar a fabricar. A moldura
EDUARDO GARCÍA NIETO    da programação, isto é, as ideias e os critérios que a enquadram, vai
  sendo constantemente redefinida à medida que se avança. Este ciclo
VALERIE KABOV    de exposições com cartazes é disso exemplo flagrante.
   
ANTÓNIO PINTO RIBEIRO    LV: Que condicionantes encontra ao trabalhar num espaço
  institucional como a Culturgest?
PAULO REIS    MW: Tropeço sobretudo nas minhas próprias limitações.
   
GERARDO MOSQUERA    LV: Na sua comunicação no colóquio deste ano “Arte. Crítica.
  Política.”, organizado por Nuno Crespo, falou a propósito do
EUGENE TAN    contexto português de um “progressivo despovoamento da
  crítica de arte” a partir dos anos 1990 e na existência actual de
PAULO CUNHA E SILVA    uma crítica “domesticada e que domestica a arte”. Que lugar
  deveriam ter os críticos num contexto que o Miguel considere
NICOLAS BOURRIAUD    ideal?
  MW: Nessa comunicação comecei por dizer que a atitude crítica não se
JOSÉ ANTÓNIO FERNANDES DIAS    confina ao exercício, mais ou menos profissionalizado, mais ou menos
  especializado, da crítica de arte. A atitude crítica é uma dimensão
PEDRO GADANHO    fundamental das múltiplas actividades que têm lugar no campo
  artístico, desde logo, uma dimensão fundamental da prática artística,
GABRIEL ABRANTES    podendo tomar ou não forma discursiva. Mas se considerarmos a
  crítica de arte na sua acepção mais estrita, cuja modalidade dominante
HU FANG    é a recensão de exposições, e cujos espaços por excelência são as
revistas especializadas e os jornais, mais recentemente também sítios
 
de internet, então somos inevitavelmente levados a constatar que a
IVO MESQUITA   
 
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ANTHONY HUBERMAN    crítica de arte em Portugal morreu. Foi este o assunto da minha
  comunicação.
MAGDA DANYSZ    O progressivo despovoamento do campo da crítica de arte em
  Portugal, desde meados da década de 1990, primeiro mais vagaroso,
SÉRGIO MAH    depois mais veloz, é apenas um dos aspectos a considerar no
  diagnóstico dessa morte. Assistimos a uma migração para o campo da
ANDREW HOWARD    curadoria de muitos daqueles que em determinado período exerceram
  crítica de arte. Essa migração foi impulsionada e favorecida pela
ALEXANDRE POMAR    constituição, a partir de cerca de 1993, de um sistema institucional de
  difusão da arte contemporânea em Portugal. Nos últimos cerca de dez
anos, fazer crítica de arte, ou escrever recensões de exposições, tem
CATHERINE MILLET   
sido, para os recém­chegados, uma fase de iniciação que prepara o
 
acesso à actividade desejada de curadoria. Não deixa de ser irónico
JOÃO PINHARANDA    que a direcção da Secção Portuguesa da Associação Internacional de
  Críticos de Arte seja constituída maioritariamente por pessoas cuja
LISETTE LAGNADO    identidade pessoal, profissional e social se produz na órbita da sua
  actividade enquanto curadores.
NATASA PETRESIN    A notória e acelerada deterioração, nos últimos anos, das condições
  para o exercício da crítica de arte (e não digo sequer para a sua
PABLO LEÓN DE LA BARRA    profissionalização) também contribuiu para essa desertificação. A
  inexistência, desde que as revistas Artes e Leilões e L+Arte se
ESRA SARIGEDIK    extinguiram há alguns anos, de uma única revista impressa dedicada à
  arte contemporânea é apenas a ponta do iceberg. Curiosamente, a
FERNANDO ALVIM    introdução da classificação das exposições em alguns jornais (medida
  em estrelinhas) coincide com o período de estertor da crítica de arte
ANNETTE MESSAGER    em Portugal, tornando­se assim uma espécie de esgar caricatural
  daquilo em que ela se tornou: manifestação epidérmica de gostos e
RAQUEL HENRIQUES DA SILVA    desgostos, gestão de fidelidades e infidelidades, moeda de troca em
  função de interesses e cumplicidades, sempre rasteiros. Ao fazer o
diagnóstico da morte da crítica de arte em Portugal, falei também de
JEAN­FRANÇOIS CHOUGNET   
uma crise de vocações, fenómeno que não é redutível à falta de
 
condições materiais para o seu exercício. A crítica de arte morreu em
MARC­OLIVIER WAHLER    Portugal também porque aqueles que ainda escrevem ou que
  entretanto começaram a escrever se demitiram da responsabilidade e
JORGE DIAS    da exigência inerentes à crítica de arte. É uma crítica preguiçosa, sem
  paixão nem curiosidade, imune a sobressaltos ou a perplexidades, em
GEORG SCHÖLLHAMMER    suma, como citou, “uma crítica domesticada e que domestica a arte” –
  por ela não passa um sopro da experiência de desfamiliarização que a
JOÃO RIBAS    arte produz e solicita no espectador.
  Perante esta tragédia, é ingénuo e contraproducente estar a idealizar
LUÍS SERPA    cenários. O que verdadeiramente importa é pôr em prática soluções
  parciais, modestas até, que sejam realistas e consequentes. A questão
JOSÉ AMARAL LOPES    é a mesma de sempre: que fazer? Mas essa não é a minha esfera de
  acção. Não sou sequer membro da AICA.
LUÍS SÁRAGGA LEAL     
  LV: Recentemente recordo­me de um artista português (Julião
ANTOINE DE GALBERT    Sarmento) ter referido que trabalhava para os seus pares, para
  os outros artistas, não para o público. Podem artistas e
JORGE MOLDER    curadores trabalhar unicamente para o reconhecimento dos
  seus pares, dos especialistas e da crítica de arte e não falarem
MANUEL J. BORJA­VILLEL    para o público na produção do seu trabalho? Concorda que este
  tipo de pensamento considera como bom e certo que o público
MIGUEL VON HAFE PÉREZ    pode sempre consolar­se com a esperança que compreenderá
dez anos mais tarde a arte que se produz actualmente?
 
JOÃO RENDEIRO    MW: Percebo o que o Julião Sarmento diz. Mas eu não sou artista, sou
  curador. E no meu trabalho de curador não tomo os pares ou os
MARGARIDA VEIGA    especialistas como grupo de referência. Trabalho com os artistas, vejo­
  me como compagnon de route dos artistas com quem trabalho, mesmo
daqueles que estão mortos. Quando estou a conceber e a organizar
uma exposição, o público não existe, é uma abstração, uma incógnita.
O público chega quando as exposições estão feitas e podem ser
visitadas, e é a ele que estas se destinam. É claro que me sinto a
pregar para os convertidos. Mas esse é o preço a pagar por fazer neste
país uma programação como a da Culturgest. E como poderia ser de
outra maneira com os mecanismos censurantes (a começar pelo
silêncio) em vigor nos diferentes domínios do campo mediático, que
relegam a programação de exposições da Culturgest para um gueto?
Trabalha­se na solidão. 
 

 
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