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Paisagens insólitas versus mito e realidade: “A praia do Acácio/praia da morte” em


Guajará-Mirim1

Carlos Alberto Medeiros da Silva2

Resumo: O presente artigo apresenta uma pesquisa e análise do mito e realidade sobre a
(Praia do Acácio/Praia da Morte) localizada no Município de Guajará-Mirim. O mencionado
espaço é considerado pelo imaginário coletivo como um local insólito por conta de algumas
tragédias (mortes/suicídios) ocorridas no referido espaço. O trabalho de pesquisa terá como
base teórica autores que discutem o tema proposto, no sentido que contempla um dos níveis
de pesquisa. Assim, apresentamos os aspectos históricos e teóricos à luz dos estudos de Stuart
Hall cuja discussão, está centrada na questão de uma possível “crise de identidade”, Homi
Bhabha no qual discute o deslocamento da diversidade cultural num espaço híbrido. Gaston
Bachelard que contempla o espaço como objeto de apreciação para a alma humana. Mircea
Eliade cujo pensamento trata do mecanismo, da função e da evolução do mito, Ernst Cassirer
que aborda a questão da consciência mítico-religiosa sob os pensamentos mítico e místico
implicados numa consciência lógica e Nietzsche que perspectiva algo mais próximo de uma
vida plena e carregada de significados, no que se refere aos povos antigos, pois esses
mesclavam a realidade ao mito coligado à existência nos mais profundos anseios
inconscientes. Disto, é concluso apreender que o espaço em pesquisa apresenta elementos
históricos coligados aos ficcionais envoltos nos conceitos míticos/místicos atrelados ao mito e
realidade e, conjuntamente, à memória, história e sociedade.

Palavras-chave: Identidade Cultural. Mito. Praia do Acácio/morte. Realidade.

1 Introdução
No presente trabalho de TCC (artigo) buscamos apresentar uma pesquisa sobre a
perspectiva do mito e da realidade, ou seja, analisar vários acontecimentos insólitos
(mortes/suicídios/afogamentos) ocorridos num espaço conhecido como (Praia do Acácio/Praia
da Morte) localizadas às margens do Rio Mamoré e também nas proximidades da antiga
Ferrovia Madeira Mamoré, localizados no Município de Guajará-Mirim.
O interesse pela pesquisa surge a partir de algumas questões básicas que, por sua vez,
exigem a busca de respostas e, por conseguinte, nos levam a compreender os fatos verídicos e
os pressupostos místicos e míticos que incidem do imaginário coletivo dos moradores do
“Pérola do Mamoré”.
Assim, partimos dos seguintes questionamentos: a) Por que ocorrem muitos incidentes
relacionados à praia do Acácio, ou seja, que fenômeno explica tais mortes, tanto acidentes

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TCC (artigo) apresentado ao DACL do curso de Letras do Câmpus da Unir de Guajará-Mirim como requisito
parcial para obtenção de título de Licenciatura em Letras Português e respectivas Literaturas sob a orientação
do prof. Dr. Edinaldo Flauzino de Matos.
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Acadêmico do Curso de Letras Português e respectivas Literaturas da turma 2014, do Câmpus de Guajará-
Mirim – Unir.
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quanto suicídios? b) Esses fenômenos poderiam estar relacionados aos mitos ou culturas
indígenas, considerando que, no município de Guajará-Mirim, há mais de quarenta
comunidades indígenas? c) Há vestígios que ligam o local em pesquisa aos povos indígenas?
d) O que se pode compreender de comentários, de pessoas da região diante de uma notícia
relacionadas às mortes na Praia em pesquisa? e) Seriam os acidentes, apenas, obra do acaso?
Diante destes pontos, e baseados em dados coletados, pode-se pressupor, no que se
refere às ambas questões, há várias hipóteses que permeiam o imaginário coletivo, porém,
considerando relatos que asseguram que o local, em tempos remotos, era utilizado para
sacrifícios humanos em rituais indígenas. Desta conjuntura, é possível que tais
acontecimentos estejam coligados aos mitos e cultos advindos dos povos indígenas,
considerando que, nas pesquisas realizadas, há relatos de que havia moradores indígenas
próximos e no local. Essa informação é confirmada, pela prerrogativa de que foram
encontrados materiais que apresentam traços dos objetos de origem indígena, tais como:
louças que eram utilizados nos rituais.
Na referida pesquisa objetiva-se inter-relacionar dados coletados como: históricos, tais
como: relatos orais (místicos/míticos3) e objetos que confirmam a história cultural e
colonizadora do município de Guajará-Mirim que, por sua vez, nos leva a compreender os
fenômenos de acidentes e suicídios no referido local. Desse objetivo geral, analisamos, para
melhor compreensão do trabalho proposto, dados históricos: notícias de jornais, fotografias,
que se referem ao local pesquisado. Também, avaliamos conteúdos advindos das entrevistas
realizadas, de modo informal, com moradores da região, no sentido de ouvir relatos orais
sobre a praia do Acácio/praia da Morte.
Nessa atividade, buscamos ouvir moradores antigos, descendentes de brancos e de
indígenas, a respeito do tema em pesquisa. Para complementar e apresentar certa veracidade,
do local mencionado, apresentamos fotografias e objetos que, de algum modo, tem relação
com a pesquisa.
Diante dos dados coletados, visando o não comprometimento com a questão ética,
elaboramos uma crônica (literária), vinculada a uma espécie de documentário, com o seguinte
título: “Praia do Acácio/Praia da Morte”. Nessa crônica, buscamos relacionar o conteúdo do
texto aos estudos teóricos: culturais, míticos/mitos, espaços, memórias e romances ficcionais.

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Místico e mítico existem na língua portuguesa e estão corretos. São palavras parônimas, apresentando escrita
e pronúncia parecidas, mas significados diferentes. Místico se refere, principalmente, ao caráter de mistério de
algo, ou seja, ao caráter misterioso, espiritual e simbólico de algo. Mítico se refere ao caráter de mito de algo, ou
seja, ao caráter fantástico e lendário de algo. Disponível em: <https://duvidas.dicio.com.br>. Acesso em: 8 ago.
2017.
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A pesquisa e análise do tema “Paisagens insólitas versus mito e realidade: A praia do


Acácio/praia da morte em Guajará-Mirim” justifica-se por contemplar um dos eixos de
temáticos de formação do curso de Letras: Literatura atrelada aos estudos culturais e místicos
e míticos, história e memória, considerando que, a presente pesquisa, é um dos primeiros
temas de trabalho de TCC, no câmpus local, pois, a informação que se tem é que não há
nenhum trabalho de pesquisa sobre o tema, disponível na biblioteca do câmpus da
Universidade Federal de Rondônia de Guajará-Mirim. Sendo assim, o referido trabalho
contribuirá para registros acerca dos estudos míticos, culturais e históricos.
O trabalho de TCC está baseado em autores que discutem o tema proposto ou servem
como embasamento da pesquisa por contemplar um dos níveis do tema estudado. Assim,
apresentamos os aspectos teóricos à luz dos estudos de Stuart Hall4 em A identidade cultural
na pós-modernidade (2011), no qual discute a questão de uma possível “crise de
identidade”, pela qual o estudioso questiona: Quais são os acontecimentos que promoveram
essa crise e que caminhos ela segue? Nessa perspectiva, Hall desenvolve os argumentos que
possibilitam visualizar o desenvolvimento dessa crise identitária, para o autor, são
transformações nas sociedades modernas do século XX que desloca ou descentraliza o sujeito
do seu espaço na sociedade, e de si mesmo, gerando uma crise de identidade para os
indivíduos.
No que se refere à questão do espaço destacamos os estudos filosóficos de Gaston
Bachelard em A poética do espaço (2000), no qual o autor discute em um de seus capítulos:
A dialética do exterior e do interior, no sentido de analisar a importância do espaço e do
pensamento metafísico envolto na perspectiva do aberto e do fechado como metáforas que se
ligam a tudo. O filósofo defende a ideia do mito pela conjuntura do interior e exterior em que
pressupõe uma análise por meio do imenso campo da imaginação.
No que compete discutir a questão do mito, apresentamos uma inter-relação aos
estudos de Mircea Eliade em Mito e Realidade (2000), no qual discute a conjuntura do Mito
como um fenômeno que tende a tornar cada vez mais raro. Assim, considerando que o
município de Guajará-Mirim agrega, atualmente, por volta de quarenta aldeias indígenas,
postulamos avaliar a inter-relação desse mito às sociedades arcaicas e tradicionais dos povos
indígenas. Também apresentamos como base teórica, necessária, os estudos de Ernst Cassirer
em Linguagem e Mito (2013), no qual o estudioso discute a figura mítica e sua posição na

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Resenha de Thayane Lopes Oliveira. Resenha HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade.
Tradução Tomás Tadeu da Silva, Guacira Lopes Louro. 11. ed. , 1. reimp. – Rio de Janeiro: DP&A, 2011.
Disponível em:<http://www.historia.ufc.br>. Acesso em: 15 ago. 2017.
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cultura humana, pois o estudioso, por meio de seus estudos linguísticos filológicos e
etnológicos, observa que o tema incide da relação do mito e do nome e encontra-se
correlacionado à linguagem que, por sua vez, se imbrica com o mito. Sendo assim, entende-se
que podemos inter-relacionar a representação do símbolo mitológico por meio da linguagem,
considerando que Cassirer estuda a função e a lógica especifica dos conceitos primários de
linguagem e mito.
No que se refere a história, coligamos o estudo do historiador (Manoel Rodrigues
Ferreira), no livro: Ferrovia do diabo (2005), no qual o autor relata fatos históricos da
ferrovia Madeira Mamoré, considerando que o jornalista, historiador e sertanista reconstruiu a
epopeia de uma das mais ambiciosas e trágicas obras de engenharia realizadas no Brasil: a
construção da The Madeira and Mamoré Railway Company.
O referido trabalho foi realizado por meio de pesquisa de campo: (entrevistas,
fotografias, objetos e coletas de dados históricos). Esses dados, por conseguinte, promoveram
a produção textual (crônica autoral, um misto de dados históricos e ficcional) e, na sequência,
realizou-se uma análise textual e contextual, inter-relacionada às bibliografias teóricas sobre a
temática do estudo. O corpus do trabalho encontra-se, assim distribuídos: a) Crônica Literária
“Praia do Acácio/Praia da Morte: b) Síntese de estudos (fichamentos/resenha) que, de algum
modo, está relacionado ou poderia explicar o tema apresentado, ou seja, aportes teóricos sobre
os elementos ficcionais e históricos contemplados na crônica (autoral) que implica os
conceitos míticos e místicos atrelados à memória, história e sociedade. c) Relatos ficcionais e
históricos da Praia do Acácio/praia da morte no qual é apresentado imagens, tais como:
fotografias, objetos e natureza do próprio local e recortes e comentários de notícias de jornais
(mídia eletrônica) acerca dos acontecimentos antigos e recentes no local.

2 Crônica Literária: “Praia do Acácio/Praia da Morte”

“[...] bem podia ter acontecido como vai descrito”, [..],


“Preste atenção:”
Márcio Souza

Praia do Acácio ou Praia da Morte


A princípio devo dizer que o nome da Praia do Acácio apresenta um paradoxo que
envolve a questão do gênero masculino e feminino, considerando que esse nome é oriundo
das acácias, plantas que o nome origina do grego akákios, que significa “inocência”, noutras
palavras, “que não tem maldade”. Essas flores, às margens do rio Mamoré, embelezavam o
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ambiente. Resta dizer que, por coincidência ou por questões míticas/místicas, atualmente,
próximo ao local, existe um morador conhecido pela alcunha de (Velho Acácio).
Coincidências? Ou acaso? No decorrer do tempo o nome da praia passa a ser reconhecida
pelo chamamento masculino, pela alcunha de um nome de morador do local, em detrimento
do feminino, que era bem representado pelas sublimes acácias.
Historicamente, ali, bem antes da construção da Estrada de Ferro Madeira Mamoré,
situada às margens do referido rio, na encosta do bairro Tamandaré, o mencionado local
envolve inúmeras conjecturas que encontram-se arrastadas de misticismo, fantasia e tragédias
reais. A praia em voga, cuja a palavra, coincidentemente, representa sinônimos que
submergem nos seguintes termos: crumatá, curimbatá, curimã, curumbatá, grumatá. Como já
disse, o local corresponde à junção de muitas pedras, sendo “uma” específica. Essa pedra
misteriosa, mesmo localizada em conjunto, à uma pequena ilha “aparentemente pacata”, não é
sinônimo de passividade. Ressalto, não se engane caro leitor, pois o local ainda exibe uma
belíssima “cachoeira pequena” que, por sua vez, deu origem ao nome da cidade. Acresce que
à sua frente pode-se contemplar, todas as tardes, um misto de cores que envolvem beleza e
medo proporcionado pelo “pôr do sol” que o torna inigualável, único em Guajará-Mirim. Esse
nome que origina-se dos termos indígenas (cachoeira pequena) representa muito bem os
primeiros moradores dessas terras antes da colonização.
A praia do Acácio/das acácias/da morte tornou-se afamada, entre os moradores, por
suas múltiplas e paradoxais antíteses, ou seja, uma beleza que causa certo terror, noutras
palavras, bonita e perigosa. Devo ressaltar outra característica idiossincrática desse estranho
local, pois durante o período da seca exibe-se, de forma inerte, aos visitantes, as suas águas
escuras esverdeadas que compõe uma espécie de lodo e nostalgia. Digo, o nível da água
aludido é evidenciado, especificamente, no mês de setembro ou enquanto se estende o período
da seca. Assim, a praia mantém-se estática como se não apresentasse nenhum perigo aos
visitantes, no entanto, caro leitor, caso sinta a curiosidade em conhecer o local, não se engane,
essa aparente mansidão pode ser um convite traiçoeiro.
Curiosamente, quando termina o mês de setembro, período que o nível das águas
aumenta, por conseguinte, torna-se barrenta. Como já disse, a praia do Acácio tem a
prerrogativa de encantar os visitantes pela sua beleza insólita. A praia da morte, local
incomum, faz jus à alcunha, pois na realidade muitas pessoas já perderam as suas vidas, seja
por acidente ou suicídios. Conforme moradores mais antigos, por meio de seus relatos,
descrevemos pressuposições que, supostamente, poderiam explicar a perspectiva do
mito/místico que cerca os mistérios do local: a primeira, refere-se aos relatos de que na praia,
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em voga, povos indígenas, num passado distante, praticavam cerimoniais, ou seja, rituais
pagãos que, por sua vez, utilizava-se do local para invocar os espíritos da selva no intuito de
acalmar os deuses e, por conseguinte, angariar prosperidade em toda a taba. Os rituais eram
sempre realizados nas primeiras sextas-feiras do mês de setembro, pois era nesse mês que a
praia do Acácio ganhava evidência. Assim, era oportuno para os primeiros moradores da
região (indígenas), reunirem-se para realizar o seu culto sob o comando de um xamã que, por
sua vez, pedia para que a tribo se curvasse ao espírito da luz (deus Sol).
Os rituais sempre aconteciam ao entardecer porque, segundo descendentes indígenas,
aquele momento do Sol mais fraco seria a única forma de agradá-lo. No decorrer de tempos
em tempos e com o surgimento de novos xamãs, começaram a ser realizados sacrifícios
humanos, considerando que só as oferendas de animais, artefatos, cestos e outros não estavam
surtindo o efeito esperado. De tal modo, na cultura dos mencionados povos, eles precisavam
melhorar o nível das suas oferendas, pois não estariam mais agradando o (deus Sol). Dessa
necessidade, os povos indígenas passaram a exagerar na oferenda dos sacrifícios, pois
escolhiam índias virgens, na maioria, crianças que nem haviam menstruado para seus rituais.
Segundo moradores e descendentes indígenas, os rituais aconteciam da seguinte
maneira: as índias eram lançadas de cima da pedra conhecida pela alcunha lúgubre de “pedra
da morte” que aponta nas águas do rio Mamoré. Esse fato ocorria, sempre, ao pôr do sol, no
momento em que o Sol tocava as matas com o objetivo de indicar para a tribo que o (deus
Sol) havia autorizado o início do ritual. Dessa forma, as oferendas humanas só eram
realizadas com os objetivos de acalmar os espíritos. Como já foi dito, o referido ritual ocorria
sempre no mês de setembro período em que iniciava-se as tormentas de chuvas e a escassez
de caça. Nesses meses, notícias sobre mortes no local são mais recorrentes.
No início do século XX, com a colonização do município de Guajará-Mirim e,
consequentemente, com a chegada do homem branco tais rituais foram extintos. Nessa
conjuntura, os deuses foram abandonados por tais povos que migraram desse pequeno local
urbanizado para regiões longínquas às margens do Rio Mamoré. Consequentemente, tais
espíritos passam a não serem reverenciados, porém, a partir de então, começam acontecer as
constantes tragédias que envolvem acidentes e suicídios dos povos brancos.
No decorrer dos acontecimentos, dar-se-á origem ao mito da praia da morte que,
segundo o morador mais antigo da região, acredita-se que por falta dos rituais, os espíritos
encontram-se zangados, por conseguinte, de algum modo, atraindo pessoas brancas para o
local que terminam por perder suas vidas tanto por acidentes quanto por suicídios. Essas
pressupostas intervenções dos espíritos poderiam nos levar a entender o porquê de tal mistério
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de tantas vidas perdidas derivadas de certo desagravo dos espíritos contra o homem branco
em por terem invadido tal região que, por direito e essência, pertencia aos primeiros e mais
antigos moradores da região, ratifico, aos povos indígenas.
O segundo fator que também explicaria tal fenômeno das mortes na praia do
Acácio/das Acácias/da morte advém de relatos de moradores antigos da cidade e, até mesmo,
de descendentes das comunidades indígenas, pois, conforme alguns informantes, eles
acreditam que o local em pesquisa/análise teria sido amaldiçoado por um acontecimento
ocorrido a muitos anos. A proposição que faz parte do imaginário coletivo, a praia do
Acácio/a praia da morte foi amaldiçoada por uma índia, filha de um xamã, que atirou-se nas
águas do rio por causa de um homem branco de nacionalidade americana que se chamava
Danna Merril. Esse sujeito, por sua vez, foi contratado pela empresa construtora da ferrovia
para fazer os registros fotográficos ao longo da construção da tão temida ferrovia. Danna
Merril era um fotógrafo jovem que gostava de desafios, e mediante à proposta feita pela
empresa responsável pela construção da ferrovia, ele poderia ser reconhecido mundialmente
por divulgar imagens de uma região insalubre (Amazônica) que jamais nenhum fotógrafo
havia pisado ou pensado em estar, isso, por conta das dificuldades e os riscos de contrair
doenças tropicais.
Por volta do ano de 1909, o fotógrafo, juntamente com um grupo de operários, estava
a improvisar uma picada (trilha) próximo ao rio Mamoré, onde eles, de repente, encantaram-
se com o amarelo ouro que viram em uma planta de nome acácias. Assim, além do encanto
das cores, o seu perfume impregnava o ambiente ao longo da margem do rio. O encanto do
perfume dessas acácias fez com que o fotógrafo percebesse e, por conseguinte, parasse para
contemplar a beleza de uma praia e de um pôr do sol que era único para quem, naquele
momento, encontrava-se nos confins dessa região. Em meio ao cenário natural, Danna Merril
registrou toda a paisagem local. Vale ressaltar que esses registros se deram à parte,
considerando que não era prioridade de seu trabalho, uma vez que a sua função era registrar
os acontecimentos envoltos na construção da ferrovia, pois aquela paisagem insólita não fazia,
propriamente, parte do cenário encontrado pelos trabalhadores da construção da estrada de
ferro Madeira Mamoré. Mesmo assim, fez o registro e ainda nomeou o local, o qual deixou-o
hipnotizado por tanta beleza. Assim, surge a Praia da Acácias, a partir de então,
possivelmente, foi intitulada devido às acácias que o fotógrafo encantou-se em torno da
beirada dos barrancos e próximo à praia.
O fotógrafo americano, nesse contexto, foi protagonista de uma história que compõe
parte dos mitos de Guajará-Mirim, pois, segundo descendentes de operários que participaram
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da construção da estrada de ferro, o fotógrafo sempre que podia se deslocava até à praia que
havia dado o nome de acácia para banhar-se e, até mesmo, escrever/anotar em seu diário o
quão era triste a solidão nos confins da Amazônia. Ao passar dos dias, o fotógrafo, ao
aproximar-se da praia, observou que o local era frequentado por povos indígenas. Conforme
reza a lenda era, propriamente, o mês de setembro. Logo, Danna Merril notou que o local
estava acampado para a realização de rituais tribais que visavam a purificação da tribo e, até
mesmo, no chamamento aos deuses que os povos indígenas adoravam. O fotógrafo tinha
consciência que, se fosse pego por aqueles índios, dificilmente voltaria vivo para o
acampamento. Mesmo assim, não deixou de frequentar a praia do Acácio, pois sabia que o
único dia que não poderia adentrar ali era nas sextas-feiras, considerando que, nesse dia, era o
escolhido pelo Xamã da tribo para realizar os rituais.
Danna Merril, rotineiramente, passou a frequentar o local todos os dias e,
consequentemente, deixava seus amigos operários preocupados, pois temiam por sua vida já
que não havia somente índios naquela região. Acresce animais selvagens, mosquito da
malária, insetos, inclusive “escorpiões” (assunto) que que inaugura o romance ficcional Mad
Maria de Márcio Souza. O que mais intrigava alguns operários era que ele não falava para
onde ia. Porém, os trabalhadores observavam que o seu passeio sempre ocorria ao entardecer,
no momento do pôr do sol.
Em uma sexta-feira setembrina, Danna Merril, observou, do barranco onde se
encontrava, um grupo de índias andando pela praia, logo deduziu que estariam fazendo algum
tipo de preparação antes do início do ritual da sexta-feira. Na companhia desse grupo, o
fotógrafo foi atraído por uma índia que também tinha os cabelos pretos como as asas da
graúna, lembrando a Iracema de Alencar. O homem observou que ela tinha uma beleza
deslumbrante. Logo, pensou tragado por um romantismo saudosista da leitura que fizera do
romance de Alencar que ganhara de um alemão que havia passado por estas terras: Logo
pensou: “Bem que essa poderia ser a minha Iracema e eu o seu Martin e poderíamos ter um
Moacir, sem sofrimento, claro”.
Realisticamente, os cabelos da jovem índia eram negros comparando-os à dimensão e
a escuridão da selva, da qual temia devido os perigos constantes. Aquela índia o deixou
encantado desde o primeiro momento em que a viu. O que esse homem não sabia que tal índia
era filha do grandioso Xamã, logo, o velho índio jamais iria aceitar qualquer aproximação de
um homem branco com a tribo e muito menos de sua filha que se chamava Pituna, a qual
significava “noite” devido ao seu longo cabelo negro. Assim, ao longo do mês primaveril,
Danna Merril passou a ir todos os dias à praia das acácias, não para tirar fotos, mas para ver
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àquela bela jovem índia que nem sempre aparecia, pois as índias também realizavam serviços
na aldeia como: colher aipim para alimentar a tribo, pois essa função, culturalmente, era
realizada somente pelas mulheres da tribo. Em uma de suas saídas do acampamento, no final
daquela da tarde, resolveu ir até à praia para tomar banho e tentar esquecer um pouco dos
problemas que vivia ao longo da sua jornada de trabalho.
Vale ressaltar, caro leitor, que Merril era um ótimo nadador e sentiu-se no direito de
nadar até uma pedra que se destacava entre as outras e que parecia atraí-lo. O fotógrafo,
afoito, nadou até tal pedra na intenção de ter um local privilegiado para observar os detalhes e
a extensão da praia. O leitor deve imaginar, a essa altura, que pedra é essa! Então, ao se
aproximar dessa pedra sentiu uma força que o atraia para baixo, provavelmente vindo de
redemoinhos, pois a insalubre/incomum pedra encontra-se rodeada pelas correntezas de uma
cachoeira pequena. Já sem força e quase vencido pelas energias das águas, ele foi
surpreendido pela bela índia Pituna que o resgatou das águas e levou-o até às margens do rio
onde ela, bem baixinho, pronunciou algo que aquele homem não entendia, por ser essa língua
indígena de uma determinada tribo da região.
Nessa circunstância, deduziu que seria algum tipo de advertência, considerando que a
jovem e bela índia queria alertá-lo sobre algum perigo que ele corria naquele local. O
fotógrafo, salvo por aquela índia, memorizou a fala da jovem moça e, no dia seguinte,
procurou um antropólogo Francês que estudava línguas indígenas na região. Assim, traduziu o
enunciado, algo como Guajará-Mirim, que na língua do homem branco significa cachoeira
pequena. A partir de então, muitos antigos moradores acreditam que o município de Guajará-
Mirim tem esse nome por conta de cochicho entre uma índia e um branco.
Reza a lenda mítica que a filha do xamã se suicidou devido seu pai não ter aceito o seu
relacionamento com o homem branco e que antes de se atirar da pedra da morte nas águas do
rio Mamoré evocou uma maldição que perpetua até nos dias de hoje, segundo relatos de
moradores mais antigos, inclusive um descendente de trabalhadores da Estrada de Ferro
Madeira Mamoré, conhecido pela alcunha de “Vira-Porco”, outro sujeito mitológico na região
que morava próximo à mencionada praia.
O que se sabe é que no mês setembrino a praia do Acácio configura um espaço
insalubre que vitimiza os moradores da cidade e até turistas. Há, no imaginário coletivo o
mítico/mito que tal lugar fatalmente fez, faz e fará vítimas. Assim, há moradores que desde da
infância nunca frequentaram o espaço, em voga, com medo de ser tragado pela morte.
Conforme comprova a história, ainda haverá muito choro pelas perdas ocorridas no local. Há
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quem diga que há muitos religiosos cristãos praticando jejum e oração em prol da quebra da
maldição desse local. Enquanto a maldição não é [...].

3 Síntese (resenha/fichamentos) dos estudos históricos e teóricos: Mito, Místico,


Realidade e linguagem

“[...] o homem desprovido de mitos permanece eternamente esfomeado, cavando e procurando


sempre raízes, nem que para as encontrar haja de transformar as antiguidades mais remotas” (2004,
p.142).
Nietzsche

3.1 Os deslocamentos ocorridos nas definições de sujeito e identidade que nos permite
entender essa crise identitária na pós-modernidade
Stuart Hall discute em A identidade cultural na pós-modernidade (2015), a
perspectiva de uma possível “crise de identidade”, e indaga os acontecimentos que,
possivelmente, promoveram essa crise e que caminhos ela segue.

[...] a identidade somente se torna uma questão quando está em crise, quando
algo que se supõe como fixo, coerente e estável é deslocado pela experiência
da dúvida e da incerteza (HALL, 2015, p. 9).

Conforme Thayane Lopes Oliveira, em resenha sobre o mencionado livro, é a partir


dessa afirmação de uma “crise de identidade” que Hall desenvolve os argumentos que
possibilitam visualizar o desenvolvimento dessa crise identitária. Considerando que são
transformações nas sociedades modernas do século XX que estão deslocando ou descentrando
o sujeito do seu espaço na sociedade e de si mesmo, gerando uma crise de identidade para os
indivíduos.
Assim, a identidade em questão, é pensada sob as definições de identidade/sujeito e as
mudanças ocorridas nessas definições ao longo do tempo. Para Hall, o sujeito aqui é passível
de modificações no diálogo com o mundo exterior. Trata-se de uma identidade móvel,
definida historicamente e não biologicamente. Assim, percebemos a transformação ocorrida
na identidade do sujeito moderno que passa de sujeito unificado a sujeito contraditório,
descentralizado. É o caráter de mudança permanente que as distingue das sociedades
tradicionais. O autor chama atenção para o processo de descontinuidades, processo que
libertou os indivíduos das amarras da tradição, promovendo uma ruptura com o passado,
mediante as seguintes proposições: a) Essas sociedades também são caracterizadas por não
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possuir um centro organizador único, elas são formadas por uma pluralidade de centros de
poder. b) Essa sociedade é marcada pela diferença, diferenças que produzem diferentes
sujeitos, isto é, identidades para os indivíduos. c) A identidade só precisa ser reafirmada
porque existe a diferença, se fossemos todos iguais, não precisaríamos afirmar nossa
identidade(s) para o mundo. d) A ideia de que nossa identidade é formada com base em um
processo psíquico e inconsciente, também vai de encontro com o ideal de sujeito racional e
consciente. d) A identidade não é algo inato do homem, ela construída ao longo do tempo por
processos inconscientes. e) Falar em identificação ao invés de identidade, já que identificação
traz um entendimento de um processo em andamento em oposição de identidade que parece
ser algo já acabado e definido.
Oliveira resume que a obra de Hall permite visualizar os deslocamentos ocorridos nas
definições de sujeito e identidade que nos permite entender essa crise identitária na pós-
modernidade. Vimos também como a globalização exerce impacto sobre a formação das
identidades culturais, mas que em oposição à aceitação geral que a globalização gera a
substituição do local pelo global, percebemos que o global se utiliza do local e até gera um
maior interesse pelo mesmo.

3.2 Homi Bhabha: O local da cultura e seus sujeitos


Margareth Schãffer ressalta em sua resenha sobre o livro: O local da cultura (2014),
segundo a estudiosa o estrudo trata da estabilização de um lugar, de identificações fixas de
sujeitos na cultura, em suma, algo da ordem da diversidade cultural, finalmente explicitada.
Assim, o livro discute: Locais da cultura e, no lugar de identificações fixas, encontra
categorias como entre-lugares, entre-tempos, hibridismos, estranhamento, identidade
intervalar, vidas duplas, entre outras.
Bhahba, autor do estudo, faz as seguintes indagação: De que modo chegam a ser
formuladas estratégias de representação ou aquisição de poder no interior de pretensões
concorrentes de comunidades em que, apesar de histórias comuns de privação e
discriminação, o intercâmbio de valores, significados e prioridades pode nem sempre ser
colaborativo e dialógico, podendo ser profundamente antagônico, conflituoso e até
incomensurável?” (BHABHA, 2014, p. 20).
As respostas a tais indagações sobre a representação da diferença, contidas nas
questões acima, são tecidas ao longo da obra, exigindo, do leitor, um ultrapassamento da
noção de diferença como “reflexo de traços culturais ou étnicos preestabelecidos, inscritos na
lápide fixa da tradição”. Assim, o estudioso faz as seguintes ponderações: a) Bhabha nos
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convida a meditar sobre os mundos desiguais, assimétricos; nos convida a reinscrever nosso
imaginário social; convida a metrópole ocidental a confrontar sua história pós-colonial. b)
Bhabha questiona se a representação dos antagonismos sociais e contradições históricas não
podem tomar outra forma que aquela do binarismo teoria versus política. c) Bhabha nos
apresenta a categoria da negociação. Essa, por sua vez, vem ocupar o lugar da negação da
dialética hegeliana, ou seja; há uma articulação dos elementos antagônicos ou contraditórios e
não um mais além, uma superação, tal como a dialética hegeliana propõe. Esse espaço de
negociação de instâncias contraditórias produz lugares e objetivos híbridos de luta e destrói as
polaridades negativas entre o saber e os seus objetos. d) Bhabha ressalta que essa
temporalidade da negociação ou tradução desmonta a dualidade do verdadeiro (verdade
revolucionária) e o falso (falsa concepção ideológica); entre o bom e o mau. e) Bhabha faz
uma analogia com o próprio processo de constituição psíquica do sujeito: duas instâncias que
vão estar eternamente em luta - Eros e Tanatos. Para sustentar o argumento cultural do duplo
estranho, o autor baseia-se na exposição de Freud sobre a ambivalência psíquica: f) Bhabha
nos apresenta um certo deslizamento ou divisão entre o artificio humano e a agência
discursiva da cultura: “Para ser fiel, é preciso aprender a ser um pouco infiel - crescer um
pouco fora do tom. Mas, o quanto pode-se ser infiel? Eis a questão colonial” (20016, p. 196).
g) Bhabha propõe que é através de suas instigantes reflexões ao longo de todos os capítulos da
obra, que pode ser possível demandar uma revisão radical da temporalidade social na qual as
histórias emergentes possam ser escritas, e tal revisão demanda, ainda, a rearticulação do
signo no qual possam se inscrever identidades culturais.
E é esse o convite que o estudioso faz ao leitor, noutras palavras, deixar-se seduzir
pela obra, apesar dos pré-juízos que nos acompanham sempre. Deixar-se desestabilizar pelos
argumentos bem colocados, pela trama das teorias e dos conceitos, pelo recurso à literatura,
que é uma constante nessa obra; enfim, deixar-se capturar por Pele negra, máscaras brancas,
fio condutor do pensamento de bhabhaniano.

3.3 A poética do espaço: a dialética exterior e interior do espaço


Conforme Gaston Bachelard “O exterior e o interior formam uma dialética de
esquartejanmento, e a geometria evidente dessa dialética nos cega tão logo a introduzimos em
âmbitos metafóricos” (2000, p. 215). Nesse sentido, o filósofo discute, a perspectiva de que
analisar o interior e o exterior de um determinado espaço implica na dicotomia e geometria
empregada pelos filósofos (ser ou não-ser), mais intensamente pelos metafísicos que,
16

metaforicamente, espacializam o pensamento (espaço aberto ou fechado) e pela psicologia


que analisa detalhadamente as possibilidades ontológicas.
Os lógicos traçam círculos que se tornam claras. O filósofo, com o interior e o
exterior, pensa o ser e o não-ser. A metafísica mais profunda está assim enraizada numa
geometria implícita, numa geometria que queiramos ou não – espacializa o pensamento; se o
metafísico não desenhasse, seria capaz de pensar? (BACHELARD 2000 p. 215-216). O
filósofo salienta que: “O interior e exterior não são abandonados à sua oposição geométrica.
De que vertedouro de um interior ramificado escoa a substancia do ser? o exterior chama? o
exterior não será uma intimidade antiga perdida do silêncio na sombra da memória?”
(BACHELARD, 2000, p. 232).
Conforme Aline Negra Silva, em resenha do livro, Bachelard, nesse capítulo, cita o
filósofo Jean Hyppolite para acrescentar a ressalva de que dele acerca da formação do mito
em torno da concepção do “exterior” e “interior” se apropria do campo da imaginação e da
expressão. “E assim, a simples oposição geométrica se tinge de agressividade. A oposição
formal não pode ficar tranquila. O mito a trabalho” (BACHELARD, 2000, p. 216). Segundo o
filósofo, tanto os filósofos quanto os metafísicos têm a necessidade de fixar um Ser, de
concretizá-lo, de igualar o ser do homem com o ser do mundo determinando através dos
advérbios de lugar: estar e aí.
Ao refletir sobre estas denominações adverbiais do espaço exterior e interior,
Bachelard enfatiza que “O aquém e o além repetem surdamente a dialética do interior e do
exterior” (2000, p. 216). Todavia, quando o interior e o exterior são vividos pela imaginação
a forma geométrica empregada a dialética do exterior e do interior multiplica-se em diversas
matizes.
Ao citar o poeta Henri Michaux, Bachelard busca concretizar uma possível “matiz de
ser” (2000, p. 220), e apresenta um conceito básico “Horrível interior-exterior” (2000, p. 220),
no qual o ser inacabável, não tem um local exato, não é nada. “O exterior e o interior são
ambos íntimos; estão sempre prontos a inverter-se, a trocar sua hostilidade” (BACHELARD,
2000, p. 221). Bachelard também trata da fuga para o interior que é considerada como uma
prisão. O filósofo incorpora a angústia antes que a imagem ative o cerne do ser, numa
tentativa de localizar manifestações de sua causalidade. Assim, produzir imagem exagerada
escapa aos hábitos da redução. Nesse espaço equívoco, o espírito perdeu sua pátria geométrica
e a alma flutua” (2000, p. 221). A dialética construída entre “redução reflexiva” (em termos
psicanalíticos para examinar, experimentar) opõe-se a “imaginação pura” empregada por
Henri Michaux quando revela sua “fobia do espaço interior, como se as lonjuras hostis já
17

fossem opressivas na pequenina célula que é um espaço íntimo.” (BACHELARD, 2000, p.


222). Nesse contexto do interior e exterior o pensamento bachelardiano salienta que: “O
interior e o exterior aqui são mote para discussões, que “o ser que medita seja livre no seu
pensamento” (BACHELARD, 2000, p. 233).

3.4 Origem, Mito, Realidade e Linguagem: Eliade, Cassirer e Nietzsche


Mircea Eliade em Mito e Realidade (2016), discute a importância do mito vivo, para
o mito na acepção usual do termo visto como: fábula, ficção, pensando aqui na atualidade. No
entanto, as sociedades arcaicas consideravam o mito como história verdadeira coligada ao
caráter sagrado. “Mas esse novo valor semântico conferido ao vocábulo ‘mito’ torna o seu
emprego na linguagem um tanto equívoco’ (2016, p. 7-8). Numa acepção simplória, mitos são
histórias que as culturas criam para tornar compreensíveis, inteligíveis e interpretáveis o
mundo e a existência humana. Mitos são também narrativas sagradas dedicadas a explicar a
origem e a existência das coisas ocorridas em tempos e em mundo diferentes ou anteriores aos
nossos. Assim, os mitos apresentam a constante inter-relação aos elementos ficcionais: forças
desconhecidas, feitiços, encantos ou inimigos sobrenaturais.
Conforme Angeli em artigo: “Histórias dos índios de lá” ressalta que “Todas essas
histórias, ou quase todas, são uma parte do riquíssimo patrimônio que recebemos dos povos
indígenas que habitaram ou dos ainda habitam o Brasil” (SILVA, 2008, p. 141). Para o
estudiosa, mitos, no sentido simbólico, explicam muitos aspectos da geografia do território
dos povos indígenas. “[...] explicam a existência de certas plantas ou de certos animais. Por
exemplo, a narrativa mítica que conta a origem do povo” (SILVA, 2008, p. 145). Assim,
Angelli salienta que os mitos são comuns aos povos indígenas, principalmente quando se trata
de mitos de origem. Enquanto que Eliade acredita que os indígenas compõem, na sua
essência, as sociedades dos mitos. Para ele: “Os indígenas voltarão a ser os senhores de suas
ilhas” (2016, p. 8).
No que se refere a Ernst Cassirer em Linguagem e Mito (2013), os mitos resultam das
experiências coletivas dos homens, que não se reconhecem como produtores desses mitos, já
que não têm consciência da projeção do seu eu subjetivo para os elementos do mundo.
Froehlich, em sua resenha sobre o livro: Linguagem e Mito ressalta que, conforme Cassirer,
os mitos construídos por indivíduos, não podem ser considerados mitos genuínos.

Em Platão, os mitos foram elaborados de forma livre, com finalidades éticas


e pedagógicas definidas. Platão não estava submetido ao seu poder. Já o mito
18

verdadeiro não se reconhece a si mesmo como uma imagem ou metáfora; a


sua imagem é a própria realidade. As emoções expressas são transformadas
em imagens e essas imagens são as interpretações do mundo exterior e
interior (2009, p. 305-306).

Dessa conjuntura, Froehlich, é através da história da humanidade, que o homem


começa a aprender com o mito, uma nova e estranha arte: a arte de exprimir, isso significa
organizar os seus instintos mais profundamente enraizados, as suas esperanças e temores. Por
isso, o pensamento mítico não deve ser compreendido como mera ilusão ou patologia, e sim
como uma forma de objetivação da realidade mais primária e de caráter específico.
O mito, como as demais formas simbólicas, constrói espontaneamente sua realidade,
mas ocorre que o mito não toma consciência da sua própria atividade espiritual criativa. Ou
seja, a produção mítica é uma espécie de “ficção inconsciente”, pois se trata de uma produção
espontânea, sem consciência da sua autoria. Conforme foi exposto anteriormente, o elemento
comum entre as formas simbólicas, além da sua origem espiritual, é que em todas há uma
relação entre o signo e o significado. Já a diferença reside na forma em que se dá essa relação
em cada uma dessas formas, no mito, na linguagem e na ciência. No mito, a relação entre
signo e significado é de identidade, na linguagem é de representação, e, na ciência, de
independência.
Cassirer afirma ainda que o pensamento mítico não diferencia nem o signo do
significado, nem a imagem da coisa. Para o pensamento mítico, a palavra não é um mero
signo convencional e abstrato que está no lugar da coisa, mas antes está indissociável com ela.
Existe uma identidade entre a palavra que designa e a própria coisa designada; a palavra é
tomada como a própria coisa.
Nietzsche em A origem da tragédia (2004) ressalta que “só assim poderá, com efeito,
medir até que ponto é capaz de compreender o “mito” essa imagem abreviada do mundo que
por ser uma redução da aparência não pode deixar de conter um milagre (2004, p. 141). “Só o
mito pode preservar, da incoerência de uma atividade sem fim preconcebido, as faculdades da
imaginação e as virtudes do sonho Apolínio. As imagens do mito devem ser os espíritos
tutelares invisíveis e onipotentes, propícios ao desenvolvimento da alma adolescente, e os
signos de mito anunciam ou explicam ao homem feito a sua vida e os seus combates; [...]”
(NIETZSCHE, 2004, p. 141). Nietzsche interessou-se sempre por encontrar um ponto seguro
por onde justificar a existência do mundo e dos indivíduos. A polémica em torno do
argumento niilista em Nietzsche defronta-se constantemente com esta dialética. Ocupa-se
permanentemente em destruir ídolos e deuses, crenças e convicções.
19

4 Relatos ficcionais e históricos da Praia do Acácio

“Talvez a situação fenomenológica venha a ser definida com relação às indagações


psicanalíticas se pudermos destacar, a propósito das imagens poéticas, uma esfera de
sublimação pura”
(BACHELARD, 2000, p. 13)
Figura: 01

Fonte: fotografia5 do arquivo do autor


Figura: 02

Fonte: Google6

4
A referida fotografia trata-se da tão temida pedra da morte, núcleo central da praia do Acácio. Esse objeto pode
ser identificado por visitantes da praia.
20

Figura: 03

Fonte: Google7

Figura: 04

Fonte: José Benedito da Silva morador antigo do bairro Tamandaré (já falecido)8

6
Fonte do Google: Disponível em: <http://arielargobe.blogspot.com.br. Acesso em: 10 nov. 2017
7
Fotografia feita em 2017, no mês de setembro “Banhistas” em um sábado. Disponível em:
<http://www.diarioguajara.com.br>. Acesso em: 10 set. 2017.
21

Figura: 05

Fonte: fotografia do autor tirado no dia 10/04/2016.


Figura: 06

Fonte: imagem produzida pelo autor com base na reportagem9

8
A figura 04 mostra a descoberta de um jarro fúnebre na praia do Acácio na década de 90 no mês de setembro, a
fotografia foi cedida por um dos moradores do bairro Tamandaré, na figura 05, fotografia tirada no museu de
Guajará-Mirim, mostra alguns jarros encontrados nas mediações da praia do Acácio na década de 80.
9
Disponível em: <http://www.rondoniaovivo.com>. Acesso em: 10 ago. 2017.
22

Figura: 07

Fonte: Comentários feitos por leitores no portalguajara10


Figura:08

Fonte: Fotografia do autor do trabalho com base na notícia: rondoniaovivo11

10
Disponível em: <http://www.portalguajara.com>. Acesso em 10 de ago. 2017.
11
Disponível em: <http://www.rondoniaovivo.com>. Acesso em: 10 ago. 2017.
23

Figura: 09

Fonte: Imagem elaborado pelo autor da pesquisa sobre os comentários de internautas Portal Guajará12

12
Disponível em: <http://www.portalguajara.com>. Acesso em 10 de ago. 2017.
24

Figura: 10
Raimundo Batista (vira porco)

Fonte: Fotografia do acervo do autor da pesquisa

Figura: 11
Casa do senhor Raimundo (vira porco) pouco tempo antes da demolição em 2010

Fonte: fotografia do arquivo do autor da pesquisa.


25

Figura: 12

Fonte: Fotografias de arquivos do autor da pesquisa, tirada em 05/09/2017

Considerações finais
Considerando as leituras de bibliografias: históricas e teóricas acerca do assunto,
conforme descrição nesse artigo, e, em conjunto ao vasto material coletado na pesquisa de
campo, tais como: fotografias, leituras de romances ficcionais materiais e livros e documentos
históricos (arquivos de jornais), pode-se ponderar que o caso da praia do acácio nos coloca
diante de uma situação estranha e singular, pois mistura perspectivas místicas, míticas e a
realidade na forma mais triste e cruel, avaliando as tragédias descritas.
Ressaltamos que, por questões de ética, misturamos elementos históricos e ficcionais
na descrição da crônica. Assim, nem tudo que é relatado no texto ficcional (formato de uma
crônica) pode ser levado como verdade ao pé da letra. O texto produzido agrega entrechos
ficcionais como: Iracema de Alencar, e também faz alusão a Danna Merril, fotógrafo legitimo
da Ferrovia do diabo. Assim, o suposto romance com uma jovem índia local, a sua
ficcionalização não passa de uma menção ficcional para lembrar sua importância por ter
andado por essas terras. Outros elementos ficcionais encontram-se inter-relacionados à ficção
de Márcio Souza no que diz respeito ao romance Mad Maria, principalmente, o assunto dos
escorpiões e a epígrafe.
Dado ao tempo escasso para o desenvolvimento deste trabalho, acrescentamos
elementos e propostas críticas, em forma de resenha, de autores que, possivelmente, servirão
de aporte teórico para estudos futuros sobre o tema. No entanto, ressaltamos que no presente
trabalho a contribuição teórica é sugestivo e não corresponde a um inter-relação autêntica de
26

confronto entre pesquisa e material bibliográfico. Assim, os fichamentos estão propostos


como sugestão para trabalhos futuramente mais aprofundados.

Abstract: This article presents a research and analysis of the myth and reality about (Praia do
Acácio / Praia da Morte) located in the Municipality of Guajará-Mirim. The mentioned space
is considered by the collective imaginary as an unusual place because of some tragedies
(deaths / suicides) that occurred in the space. The research work will be based on theoretical
authors who discuss the proposed theme, in the sense that it includes one of the levels of
research. Thus, we present the historical and theoretical aspects in the light of the studies of
Stuart Hall whose discussion is centered on the question of a possible "crisis of identity",
Homi Bhabha in which he discusses the displacement of cultural diversity in a hybrid space.
Gaston Bachelard who contemplates space as an object of appreciation for the human soul.
Mircea Eliade whose thought deals with the mechanism, function, and evolution of the myth,
Ernst Cassirer which addresses the question of myth-religious consciousness under the
mythical and mystical thoughts implied in a logical consciousness and Nietzsche that
approaches something closer to a full and charged life of meanings, as far as ancient peoples
are concerned, for they merged reality with the myth connected with existence in the deepest
unconscious longings. From this, it is concluded that the space in research presents historical
elements related to the fictional ones wrapped in mythic / mystical concepts linked to myth
and reality and, together, to memory, Identity. Myth.history and society.

Keywords: Acácio beach/death. Cultural identity. Myth. Reality.

Referências
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27

FROEHLICH, Neila Salete Gheller. “CASSIRER, Ernest. Linguagem e Mito. 4 ed. Tradução
de J. Guinsburg, Mirian Scahnaiderman. São Paulo: Perspectiva, 2009”. Resenha da Revista
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SCHÂFFER, Margareth. “Entre-lugares” da cultura: diversidade ou diferença? Resenha


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SOUZA. Márcio. Mad Maria. Rio de janeiro: Record, 2005.

NIETZSCHE, Friedrich. A origem da tragédia. Trad. José Joaquim de Faria. São Paulo:
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OLIVEIRA, Thayane Lopes. HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade.


Tradução Tomás Tadeu da Silva, Guacira Lopes Louro. 11. ed. , 1. reimp. – Rio de
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