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Metodologias das Ciências Humanas e suas tecnologias

Aula 3. Introdução à História


Prof.ª Alex Andrade Costa

Descrição
A formação da História como campo da ciência ao longo do tempo e suas
principais bases conceituais e metodológicas.

Propósito
Dominar os conceitos e os métodos da história, bem como conhecer a sua
fundamentação como área do conhecimento, auxiliar os profissionais das
Ciências Humanas e da Educação a conseguir analisar fatos do passado de
forma coerente e responsável.

Objetivos

Módulo 1 Módulo 2 Módulo 3


Mito, memória e O conhecimento O ofício do historiador: métodos,
tempo: o surgimento histórico e seus técnicas e procedimentos.
da história. fundamentos.
Debater sobre a Analisar as possi- Debater sobre os procedimentos de
natureza da história, bilidades da histó- trabalho do historiador, como os
a especificidade de ria como forma de critérios de seleção de fatos
seu objeto e sua conhecimento históricos, os recortes cronológicos ou
metodologia. crítico. temáticos e a relação com as fontes.

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Introdução

Perguntas de um trabalhador que lê:

Quem construiu Tebas, a cidade das sete portas?


Nos livros estão nomes de reis;
Os reis carregaram as pedras?
E Babilônia, tantas vezes destruída,
Quem a reconstruía sempre?
Em que casas da dourada Lima viviam aqueles que a construíram?
No dia em que a Muralha da China ficou pronta,
Para onde foram os pedreiros?
Fonte: Bertolt Brecht, 1935.

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As múltiplas interrogações a partir do trecho da poesia de Brecht se somam a
outra questão fundamental: o que é a História e qual é sua utilidade no mundo
contemporâneo? Tal pergunta não é simples de ser respondida, pois a história
tem passado, ao longo do tempo, por sucessivas renovações da sua pesquisa e
da escrita, incluindo cada vez mais uma variedade de problemas, objetos e
fontes.

Nas seções seguintes deste conteúdo, apresentaremos os principais elementos


que levaram a área de História até o estágio em que conhecemos hoje em dia.

Além de seus métodos e conceitos basilares, veremos sobretudo como se


destaca o papel humano na escrita da história. Trata-se, afinal, do historiador
que, como sujeito do seu tempo, também é por ele influenciado.

Como alertava Brecht, a história centrada nos grandes acontecimentos e nos


heróis já não atende mais à necessidade demandada no presente. É preciso
entender o papel de grupos subalternizados e periféricos nos diversos processos
históricos.

Trabalhadores, prisioneiros, mulheres, sujeitos em situação de escravidão e toda


uma leva de grupos sociais antes ignorados ganharam espaço e “lugar de fala”
graças a historiadores comprometidos com essa historiografia. Porém, até se
chegar a esse ponto, o caminho foi bastante longo.
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1. Mito, memória e tempo: o surgimento da história


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Ao final deste módulo, você será capaz de debater sobre a natureza da
história, a especificidade de seu objeto e sua metodologia.

Memória e sociedade

Na mitologia grega, Urano (céu) e Gaia (terra) tiveram doze filhos – entre eles,
Mnemosine (memória), a deusa que opera as engrenagens do esquecimento e
da lembrança. Ela se uniu a Zeus; juntos, geraram as nove musas.

Entre essas musas, estava Clio (história). Chamada de “a Proclamadora”, Clio


teria como missão divulgar e celebrar as realizações. Mitologicamente, portanto,
a história é filha da memória.

À ausência de memória, dá-se o nome de amnésia. Ela pode surgir por três
motivos:
1. Resultado de implicações de ordem psíquica devido a uma
perturbação mental.
2. Voluntária: criam-se meios para evitar se lembrar do passado,
alterando, por exemplo, uma fonte ou uma narrativa.
3. Involuntária: acontecimentos alheios à vontade humana podem
destruir ou apagar traços do passado (fontes históricas), como a

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destruição do patrimônio, a perda de documentos ou a morte de um
depositário da memória.

Para alguns povos, a memória está conectada à sua história. O povo judeu é
identificado como o “povo de memória” no sentido de que diversos rituais evocam
o passado e são repetidos incessantemente ano a ano (Festa das Tendas,
Festas das Luzes, Purim e Páscoa são alguns exemplos) não como meras
celebrações, e sim como parte da história.

Da mesma forma, o cristianismo, que nasce do judaísmo, também é uma


religião de lembrança: “fazei isso em memória de mim” é o centro da missa
católica que repete o ato de Jesus Cristo na última ceia.

Os livros sagrados de ambas as religiões, a Torá e a Bíblia, são compilados de


histórias contadas e repetidas por milhares de anos antes de serem transpostas
para o papel. Contudo, o objetivo delas é servir de recordação do processo de
salvação dos fiéis das respectivas religiões.

Sociedades africanas também podem ser incluídas entre os povos de memória. O


historiador Amadou Hampaté Bâ, nascido na região que hoje corresponde ao
Mali, na África Saariana, explica a importância da tradição oral e da memória para
o seu povo em particular e para outros tantos povos africanos, especialmente os
do deserto, que, em sua maioria, são pastores e nômades.

Na tradição desses povos, a fala é um dom divino e é por meio dela que tradições
e saberes, inclusive aqueles relacionados aos ofícios de sobrevivência cotidiana,
como ferreiros, tecelões e trabalhadores de madeira, eram transmitidos.

Guardados na memória, esses saberes eram transmitidos para as gerações mais


novas a partir de processos iniciáticos (HAMPATÉ BÂ, 2010).

Saiba mais
A história da fundação de Roma está ligada a uma origem mitológica: dois irmãos
gêmeos, Rômulo e Remo, participaram da fundação da cidade após terem sido
abandonados no rio e salvos por uma loba que os amamentou, mantendo-os
vivos.

A memória coletiva se afasta da concepção de memorização mecânica:

“enquanto a reprodução mnemônica palavra por palavra estaria ligada à


escrita, as sociedades sem escrita [...] atribuem à memória mais liberdade e
mais possibilidades criativas.” (LE GOFF, 2003, p.426)

A memória é o vivido no qual tempos históricos e lugares, muitas vezes, podem


se confundir, sem haver linhas de separação rígidas como as da história, que
estaria mais fortemente marcada pelas divisões do tempo. A memória coletiva,
sendo assim, forma a consciência de um grupo independentemente dos registros
materiais do passado.

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Mas se a memória não é a mesma coisa que história, o que, afinal, é a
história?

- História é o “contar” a vida de um povo ou lugar.


GABARITO: é difícil escrever sobre isso, e se foi fácil é que você ainda não
entendeu bem. Por isso, passaremos a tratar o que é História, passo a passo.

História é uma forma de explicar o que aconteceu no passado, embora não seja a
única. Como vimos, a memória também é uma dessas formas. Outra ainda mais
antiga que a história é o mito. Transmitidos de geração em geração, os mitos
serviam como explicação para as coisas sem comprovação, dados e elucidações.
Eles referem-se, em suma, a acontecimentos difíceis de serem datados.

Lupa Capitolina: loba amamentando Romulo e Remo. Escultura em


bronze, século XIII a.C.

Além de sua narrativa não ter demarcação cronológica, os mitos quase sempre
guardam uma lição sobre o que se deve ou não fazer. Mesmo com o seu declínio,
eles ainda continuam presentes em quase todos os povos não mais como a única
explicação do passado, e sim como uma forma paralela de explicá-la.

Exemplo
A história da fundação de Roma está ligada a uma origem mitológica: dois irmãos
gêmeos, Rômulo e Remo, participaram da fundação da cidade após terem sido
abandonados no rio e salvos por uma loba que os amamentou, mantendo-os
vivos.

História e sociedade

A História, como forma de explicação, nasce associada a outras ciências,


segundo uma perspectiva que atualmente poderia ser chamada de
multidisciplinar. Como, por exemplo:

Filosofia Biologia Matemática Astronomia

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Isso se deve tanto pelo perfil daqueles que primeiramente se propuseram a
registrar os acontecimentos quanto pela abrangência do que era escrito.

Essa característica foi se perdendo, tornando a História uma área particular do


conhecimento, distinta e – por que não dizer? – distante das demais. Tal fato
somente se alterou no século XX com a renovação da escrita da história, etapa
em que se passou a dialogar com outras áreas (desde a Antropologia até a
Psicologia), incorporando também novos objetos de pesquisa, questões e
métodos interpretativos. Até lá, porém, o percurso foi bastante longo.

Outras duas características da História permanecerão em sua escrita por muito


tempo. Ela, afinal, nasce com a intenção da busca da “verdade”. Hecateu de
Mileto, no século V a.C., se propôs a “escrever o que acho ser verdade, porque
as lendas dos gregos parecem muitas e risíveis”, aponta Borges (1981, p. 17).

Além disso, havia uma preocupação dos primeiros historiadores em entender as


questões do seu tempo sob as lentes da história. Dessa forma, a palavra
“história”, que vem do grego antigo historie, teve diversas traduções.

Exemplo
A palavra “história” podia ser traduzida como “testemunha” no sentido de “aquele
que vê”, podendo também significar “procurar saber”, “informar-se” e ainda um
terceiro sentido: o de narração.

Para evitar essa confusão de significados, algumas línguas criaram palavras


diferentes para se adequar aos diferentes significados. Em inglês, existe uma
distinção clara entre history  e  story (história e conto), assim como em
português, embora a diferença entre história e estória (no sentido de “conto”)
tenha caído em desuso.

A definição mais comum – da qual certamente você já ouviu falar – sobre História
é de que ela é a “ciência do passado". Tal definição é rejeitada por uma série de
historiadores que consideram absurdo existir uma ciência que se dedique a
estudar o que já aconteceu.

O historiador Marc Bloch prefere defini-la como "a


ciência dos homens no tempo" a fim de destacar o
caráter humano da ciência e de seu principal objeto.
A História, portanto, é a ciência que, produzida por
pessoas, se detém a investigar a ação humana na
sociedade.

Marc Bloch

Para que serve a história? Certamente você já fez tal pergunta ou já a perguntou
a alguém.

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Resposta
Como apontamos, a resposta mais usual é que a função dela é “conhecer o
passado para entender o presente e preparar o futuro”. Vem do filósofo romano
Cícero, que viveu no século I a.C., a ideia de História como mestra da vida. Tal
frase demonstra que ela tem condições de criar um repertório de experiências
nas pessoas capaz de impedi-las de repetir os erros do passado.

Trata-se, no entanto, de uma visão equivocada sobre a história, pois a


compreensão do passado não tem o poder de controlar ou impedir que, no
presente, ações e práticas se repitam. Na verdade, o que ocorre muitas vezes é o
oposto: o reavivar de comportamentos e ideologias consideradas já superados.

“Mas o que pode a história nos dizer sobre a sociedade contemporânea?


Durante a maior parte do passado humano – na verdade, mesmo na Europa
ocidental, até o século XVIII – supunha-se que ela pudesse nos dizer como
uma dada sociedade, deveria funcionar. O passado era o modelo para o
presente e o futuro.” (HOBSBAWM, 1998, p.37)

Afirmar que a história não é mestra da vida não significa, contudo, que não
devemos compreender o presente pelo passado, e sim que podemos entender o
passado pelo presente para perceber que “toda a história é contemporânea” (LE
GOFF, 2003, p. 24).

Isso já nos leva a questionar: o que são o passado e o presente na História?

Passado e presente

Vimos anteriormente que muitas vezes, de forma equivocada, o passado é


tratado como um modelo (a ser seguido ou evitado) do presente. Do mesmo
modo, observamos que a História é definida como o campo de estudo do
passado. Mas você já se perguntou o que é o passado?

Segundo o historiador Eric Hobsbawm (2003), o passado é o período anterior aos


acontecimentos dos quais um indivíduo se lembra diretamente. Quando existe a
necessidade de rememorar um fato acontecido e se recorre a alguém ou a algum
tipo de meio (caderno de memórias, documentos civis, fotografias, anotações
etc.), aí surge a noção de passado.

Praia de Copacabana
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Exemplo
Todo ser humano tem consciência do passado pelo fato de viver com pessoas
mais velhas que narram fatos cujo indivíduo já não lembrava ou desconhecia.

Por outro lado, sua abrangência depende de diversas circunstâncias, como os


interesses pessoais e coletivos de quem se propõe a escrever a história, além
dos meios (fontes históricas) disponíveis para tratar desse passado. Tal situação
nos leva a entender que o passado não está pronto em determinado lugar à
espera do historiador para resgatá-lo, e sim que, a partir de alguns fragmentos
disponíveis (fontes históricas), é possível se aproximar de uma interpretação do
passado.

Atenção!

O historiador nunca poderá reconstituir o passado tal qual ele foi.

Walter Benjamin (1987) explica que articular historicamente o passado não quer
dizer conhecê-lo “como ele de fato foi”. Na verdade, significa apropriar-se de uma
reminiscência tal como ela relampeja.

Como ciência do passado, a História tem a função de não apenas contar sobre os
fatos do passado, mas também de recorrer aos métodos científicos de pesquisa,
de constituir uma análise série e aprofundada dele. Para isso, ela recorre à
datação dos fatos e aos testemunhos.

A cronologia é uma categoria importante para a História, pois a história se dá em


determinado tempo que precisa ser bem localizado. Já os testemunhos do
passado são amplos e variados. Falamos rapidamente deles antes: são as
fontes históricas. Como matéria-prima do trabalho do historiador, essas fontes
são minuciosamente interpretadas e questionadas, estendendo-se muito além de
uma repetição do que ela, a princípio, afirma ou sugere.

O trabalho do historiador é olhar com desconfiança e com outras perguntas


às fontes/testemunhas do passado. Em síntese, podemos afirmar que o
passado é matéria-prima da história, mas não é a própria história.

Mais à frente, voltaremos a isso. Por ora, é preciso entender que o passado, em
si mesmo, não interessa ao historiador e nem mesmo à sociedade. Só faz sentido
se debruçar sobre o estudo do passado em articulação com questões
contemporâneas.

Por outro lado, embora o passado não possa ser recuperado tal qual ele foi,
todos nós conhecemos alguém que enxerga nele determinada “época de ouro” da
qual o presente teria supostamente nos privado e busca reintroduzi-lo,
desprezando, porém, a compreensão de que, no presente, as condições nem
sempre favorecem o retorno a essa suposta época virtuosa. A compreensão que
as pessoas têm do passado forma a consciência histórica que se manifesta no

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plano concreto da vida humana no instante em que se emite opiniões ou se faz
escolhas políticas, ideológicas, econômicas e pessoais.

Embora a consciência histórica seja uma compreensão do passado, ela não tem
origem apenas na história ensinada e aprendida na escola ou lida nos livros de
história. Ela, afinal, também recebe a influência de diferentes e múltiplas fontes,
desde a moral religiosa e a ética familiar até os inúmeros mediadores de
informações históricas ou de uma concepção de passado.

Exemplo
Filmes veiculados pelo cinema, novelas e séries da televisão, assim como a
literatura e até mesmo os memes das redes sociais.

Por receber influências que nem sempre tratam o passado de forma adequada,
podendo inclusive distorcê-lo, a consciência histórica não demonstra ser crítica a
todo momento; pelo contrário, a consciência sobre o passado pode ser
influenciada por ideias equivocadas dele, levando o indivíduo a exaltar ou a
querer retomar práticas e concepções historicamente superadas. Esse desejo
inclui até práticas e pensamentos que já demonstraram ser inviáveis para a
humanidade.

Exemplo
Concepções racistas e xenofóbicas ou ideologias de ordem fascista.

Tempo e cronologia

O tempo configura um elemento fundamental do conhecimento histórico. Mas o


que é o tempo? Há uma sensível dificuldade de se definir o conceito de tempo,
embora a sua passagem possa ser percebida e registrada em diversas
circunstâncias, como as marcas deixadas na natureza (as estações do ano ou o
dia e a noite) e no próprio corpo humano (o processo de envelhecimento)
demonstram.

Nesses exemplos, é possível constatar algo fundamental para se entender o


tempo e, por consequência, a história: o tempo não é algo fixo e imutável. Pelo
contrário: ele evoca a ideia de ciclos e mudanças. Foi para demarcar esse
processo que as sociedades humanas passaram a marcá-lo das mais diversas
formas – entre elas, o calendário.

Para os povos tupi, a passagem de tempo é demarcada pelo conjunto de


elementos da natureza relacionado à sobrevivência, como a época das chuvas e
da seca ou sobre o que plantar e colher em cada um desses tempos.

Na contemporaneidade, o calendário mais utilizado, o gregoriano, divide o tempo


a partir do movimento de translação da Terra; por conta disso, o ano possui 365
dias. Esse calendário é fortemente marcado pelo cristianismo: primeiramente, por
definir uma contagem de eras dividida entre o tempo antes e depois de Cristo; em

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segundo lugar, por incluir uma série de demarcações do tempo a partir das
celebrações religiosas, levando a sociedade a organizar suas vidas nesse
contexto. Mesmo quem não segue as religiões cristãs acaba sendo influenciado
por essa demarcação do tempo.

Exemplo
Os feriados religiosos que se impõem sobre o calendário civil.

Não raro, muitos povos acabam convivendo com mais de um calendário: um rege
a vida civil, enquanto outro organiza sua vida religiosa ou de tradição de origem,
como é o caso de judeus e dos chineses.

Exemplo
O ano de 2021, no calendário gregoriano, corresponde a 5781 no calendário
judaico e a 4719 no calendário chinês.

O calendário judaico começa a sua contagem no ano da suposta criação de


Adão. Além disso, a contagem de tempo é lunissolar: os meses são contados a
partir dos ciclos lunares; os anos, a partir dos ciclos solares. Desse modo, os
anos podem variar de 12 a 13 meses com 29 ou 30 dias. Esse calendário tem
uma função essencial para demarcar nascimentos, mortes e outras celebrações
judaicas.

Já o calendário chinês é lunissolar, ou seja, é organizado de acordo com as


fases da Lua e a posição do Sol. Por isso, o ano novo chinês tem início na
primeira lua nova.

Outra forma de se demarcar o tempo, além da cronológica, é defini-lo a partir das


experiências humanas na sociedade. Tempos de guerra, a era das revoluções e
a Antiguidade, entre outros, são alguns exemplos nos quais se pode olhar para o
passado e entendê-lo sob o prisma das experiências humanas.

O tempo histórico, no entanto, se diferencia do cronológico, pois a marcação


de sua passagem não se deve aos movimentos lunares ou solares, e sim à
sucessão de acontecimentos que se dão no plano da curta, média ou longa
duração. Entenda cada um deles.

Curta duração
Refere-se ao “tempo breve, ao indivíduo, ao evento”. Está presente na narrativa
factual, destacando, sobretudo, os eventos políticos e os “heróis”. Em termos
numéricos, esse tempo pode se referir a um dia e/ou a alguns poucos anos.

Média duração
Conjuntura de vários anos ou décadas. O que chama a atenção, por exemplo,
não é uma revolução ou uma guerra (ou uma decisão de um político), e sim um
conjunto de elementos que nos permite ver o movimento histórico por meio do
crescimento demográfico, do movimento dos salários ou do volume da produção
agrícola ou industrial.
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Longa duração
Análise que compreende um conjunto mais amplo de décadas ou séculos, pois a
realidade se altera em uma velocidade muito lenta, quase imperceptível
(BRAUDEL, 2007, p. 44-49)

Tempo e temporalidades

“Quem poderá explicá-lo breve e facilmente? Quem poderá alcançar sua


noção com o pensamento, a ponto de dizer sobre ele uma palavra exata? E,
no entanto, em nossos discursos, que ideia damos como mais conhecida e
mais familiar que a de tempo? E, quando falamos a seu respeito, a
entendemos, assim como a entendemos quando dela ouvimos falar. O que
é, portanto, tempo? Se ninguém me pergunta, eu sei: se eu quero explicá-lo
a quem me pergunta, não sei.” (AGOSTINHO apud NICOLA, 2005, p. 131)

Analisando o que se estudou até aqui, é importante considerar as três formas


distintas de analisar os acontecimentos no tempo:

Tempo cíclico Tempo linear Múltiplas


Presente em narrativas Contempla a ideia de temporalidades
míticas e religiosas, progresso e mudança. No Implica reconhecer que
possui a ideia de eterna tempo linear, os acon- sociedades, povos e cul-
repetição, em que a a- tecimentos históricos se turas possuem histórias
ção humana terá sem- dão em sequência evo- diferentes que ora podem
pre as mesmas conse- lutiva, abarcando de igual se cruzar, ora seguem
quências, ainda que em modo diferentes povos e trajetórias próprias, inclu-
lugares e povos dis- sociedades. indo a própria ideia de
tintos. história como processo.

BNCC e o tempo

Assista, no vídeo a seguir, a BNCC e a demanda pela unidade do tempo.

BNCC e o tempo
Prof. Dr. Rodrigo Rainha

Vem que eu te explico!


Os vídeos a seguir abordam os assuntos mais relevantes do conteúdo que você
acabou de estudar.

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Módulo 1 - Vem que eu Módulo 1 - Vem que eu Módulo 1 - Vem que eu te
te explico! te explico! explico!
Tempo e Cronologia Tempo histórico Tempo e temporalidades

Falta pouco para atingir


seus objetivos.

Vamos
praticar
alguns
conceitos?

Questão 1

“O que é, efetivamente, o tempo? Quem poderá explicá-lo breve e facilmente?


Quem poderá alcançar sua noção com o pensamento, a ponto de dizer sobre ele
uma palavra exata? E, no entanto, em nossos discursos, que ideia damos como
mais conhecida e mais familiar que a de tempo? E, quando falamos a seu
respeito, a entendemos, assim como a entendemos quando dela ouvimos falar. O
que é, portanto tempo? Se ninguém me pergunta, eu sei: se eu quero explicá-lo a
quem me pergunta, não sei. Todavia, com segurança afirmo saber que se nada
passasse, não haveria o passado: se nada acontecesse, não haveria o futuro, se
nada fosse, não existiria o presente."
Fonte: AGOSTINHO apud NICOLA, 2005. p. 131.
Marque a alternativa correta.
A. Temporalidade é uma categoria definida a partir da cronologia, não
dependendo da intervenção do historiador.
B. Temo histórico e tempo cronológico são formas semelhantes de se demarcar
os acontecimentos históricos.
C. Das formas de se analisar os acontecimentos históricos, as “múltiplas
temporalidades” permitem entender a história como um processo.
D. Os calendários são criações de diferentes povos que se caracterizam por
tomar como referência o calendário cristão.

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E. Embora possa haver diferentes formas de se olhar o passado e registrar os
acontecimentos, o tempo histórico é sempre fixo, imutável.

Parabéns! A alternativa C está correta.

Entender a história como um processo pressupõe considerar que os


acontecimentos não seguem uma linearidade ou uma sequência de eventos que
podem ser previstos. Da mesma forma, não se trata de uma história que está em
constante repetição e cujos acontecimentos semelhantes têm sempre o mesmo
fim. As “múltiplas temporalidades” influenciam no desenrolar da história,
deixando-a sempre imprevisível.

Questão 2

“É inevitável que nos situemos no continuam de nossa própria existência, da


família e do grupo a que pertencemos. É inevitável fazer comparações entre o
passado e o presente. É essa a finalidade dos álbuns de fotos de família ou
filmes domésticos. Não podemos deixar de aprender com isso, pois é o que a
experiência significa.” Fonte: HOBSBAWM, 1998, p. 36.

Considerando os conceitos de passado e presente estudados, marque a


alternativa correta.
A. As noções mais atuais de História sustentam a ideia de que é preciso aprender
com o passado para evitar cometer os erros históricos no presente.
B. A ciência histórica considera que não é possível reconstituir o passado da
maneira com que ele se deu, mas, pelas fontes, é possível se aproximar de
traços do passado.
C. A consciência histórica é resultado de concepções e experiências que se
obtêm no presente, não havendo a interferência do passado.
D. O principal sentido dos estudos históricos é se debruçar sobre o passado,
contando tal qual ele ocorreu, tomando-o como exemplo para o presente.
E. Tempo histórico, também denominado tempo cronológico, é a forma pela qual
os historiadores registram os acontecimentos.

Parabéns! A alternativa B está correta.

O passado não pode ser reconstituído na sua integralidade, já que o historiador


nunca terá a condição de conhecer e analisar as múltiplas experiências que
somente aqueles que viveram naquela época e naquele lugar tiveram. Sobram
fragmentos do passado (na forma de fontes) juntados como um grande quebra-
cabeças do qual algumas peças estarão perdidas para sempre. Desse modo, o
passado chega a nós sempre de forma fragmentada e com lacunas.

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2. O conhecimento histórico e seus fundamentos
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Ao final deste módulo, você será capaz de analisar as possibilidades da
história como forma de conhecimento crítico.

História e verdade

É comum ouvirmos expressões, como, por exemplo, “verdadeira história” ou “a


história mostrará a verdade”. Mas como se define a verdade e de que forma a
história lida com isso?

Para o historiador Carlo Ginzburg (2007), uma afirmação falsa, uma verdadeira e
uma inventada não apresentam, do ponto de vista formal, nenhuma diferença. O
que vai distinguir uma das outra é a intenção de quem produz a narrativa e a
maneira com que usa as fontes: enquanto a narrativa inventada corresponde ao
que é produzido intencionalmente para ser uma ficção (e assim é reconhecida), a
falsa manipula os testemunhos do passado a fim de querer se passar como
verdade.

A ideia de verdade em História está ligada à forma com que a pesquisa


historiográfica é produzida, ou seja, se ela segue os princípios básicos da ética
profissional e dos métodos de pesquisa.

Atenção!
Não existe pesquisa histórica isenta, já que o historiador sempre é impulsionado
pela sua concepção de história, como, por exemplo, o processo de seleção de
fontes e a escolha do objeto da pesquisa e da maneira como constrói a narrativa.
A maior ou menor proximidade que ele tenha com um objeto não poderá servir
como desculpa para ele negar, esconder ou manipular fontes e conclusões.

Soma-se a tais princípios a necessidade que o historiador tem de analisar as


fontes de sua pesquisa de forma cuidadosa e responsável, contextualizando-as e
cruzando com outras fontes e bibliografias para evitar uma escrita abusiva da
história. Essa escrita pode se manifestar nas interpretações grosseiras e com
distorções a fim de atender, na maioria das vezes, a interesses ideológicos e
políticos.

Durante muito tempo, os historiadores tiveram receio em adotar o conceito de


verdade em suas pesquisas para evitar um caráter supostamente elitista de
domínio do conhecimento ou levar o debate para um contexto excessivamente
filosófico acerca dela. Contudo, nos últimos 50 anos, o conceito de verdade
passou a fazer parte dos debates historiográficos de uma forma mais aberta por
duas razões:
1. Posicionar-se de modo frontalmente contrário à interpretação histórica
da escola metódica.
2. Ampliação do alcance da internet e da popularização das redes sociais e
aplicativos de conversa: é possível ver de maneira crescente a tentativa de

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se relativizar a história a partir do crescimento avassalador de distorções
históricas, negacionismos e revisionismos, que são resultado da propagação
de fake news históricas difundidas por meios diversos.

Pierre Vidal-Naquet (1988) explicou essa estratégia nos anos 1980, período no
qual ele via ressurgir movimentos fascistas na Europa. Para o autor, o
negacionismo não tenta apagar o passado ou escrever uma “nova verdade”. Ele,
na verdade, precisa do passado para relativizar fatos e adulterar dados com o
propósito de construir uma narrativa enganosa, pois uma mentira, uma história
inventada, é facilmente detectável.

Como alerta Eric Hobsbawm (1998), poucas ideologias intolerantes foram


construídas com base em mentiras ou ficções, isto é, sem nenhuma evidência. O
abuso ideológico mais comum da história são o anacronismo e a distorção das
informações.

O conceito de verdade em história, portanto, não é definitivo, pois a pesquisa


histórica está em constante evolução. A qualquer momento um documento ou
fonte pode desmantelar toda uma suposta verdade, alterando a interpretação
sobre os acontecimentos.

Tal realidade, portanto, indica que a História é uma ciência viva. Embora lide com
subjetividades e interpretações das fontes, isso não quer dizer que ela seja uma
mera opinião.

História e ciência

Você deve se lembrar de que anteriormente vimos que a ideia de história como
reflexão intencionalmente voltada para a reflexão crítica da memória tem suas
raízes fincadas na Antiguidade. Atribui-se a Heródoto e Tucídides o ponto de
partida desse processo de registro.

Heródoto Tucídides

Durante séculos, a escrita da história oscilou entre estilos muito diversos, desde a
hagiografia e a história dos governos/reinos e impérios até um trânsito com a
Filosofia e a Teologia.

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Hagiografia - é um tipo de biografia, dentro do hagiológio, que consiste na
descrição da vida de algum santo, beato e servos de Deus proclamados por
algumas igrejas cristãs, sobretudo pela Igreja Católica, pela sua vida e pela
prática de virtudes heróicas. 

Contudo, no século XVIII, com o advento do Iluminismo, a produção


historiográfica começou a se aproximar do que se conhece hoje em dia após
passar por uma forte mudança de caráter teórico e metodológico, culminando
com sua cientificização no século seguinte.

No século XIX, muitas ciências se constituíram – entre elas, a Sociologia, a


Antropologia e a História. A constituição de tais conhecimentos como campos da
ciência se deu a partir do momento que eles passaram a incorporar
procedimentos metodológicos e formas de investigação específicas, afastando-se
do campo da narrativa literária ou filosófica até então predominante. Até esse
momento, a história era escrita a partir de uma das três grandes correntes:

História de base humanista


Inspirada em Cícero e Heródoto, ela tinha uma forte inspiração na retórica e na
eloquência da escrita de Tucídides. Constituída como “mestra da vida” e modelo
de comportamento, a história de base humanista deveria ter uma utilidade prática
na vida de seu leitor.

História erudita
Surgiu como um “novo humanismo”, dando ênfase às descrições de instituições,
costumes, cultos, leis e finanças. Isso levou a história a abandonar o caráter
meramente estatístico das narrativas de história política.

História filosófica
A busca pela verdade produziu a noção de fato histórico a partir da crítica, da
desconfiança e da triagem de documentos. Impulsionada pelo Iluminismo, a
história filosófica procurou encontrar nos fatos uma ordem “racional” e uma ideia
de “progresso” na evolução temporal, rejeitando a simples acumulação de dados,
o que caberia à memória.

A principal mudança da história a partir do século XIX foi deixar de ser


considerada uma crônica baseada em testemunhos das gerações anteriores
tomados como verdades inquestionáveis. Com isso, ela recuperou o sentido
originário (grego) de história, conforme citamos anteriormente, como campo de
investigação.

A evolução na escrita da história deu-se com a incorporação de uma base de


caráter metódico-documental também chamada de historiografia "positivista".

De forma equivocada, se confunde a historiografia positivista com a escrita da


história de maneira episódica (factual) e descritiva (história tradicional).

15
Contudo, a historiografia positivista é a dos "fatos", isto é, da valorização dos
documentos e da narrativa. Sujeita a um "método", ela pode ser chamada, por
isso, de "escola metódica" (MARTINS, 2010). Dessa forma, a história também
se viu impactada pelo caráter cientificista tanto alemão quanto francês em
ascensão no século XIX, reformulando de vez a produção historiográfica.

Mas, afinal de contas, a História é uma ciência?

Resposta
A resposta a essa pergunta ainda é alvo de controvérsias, até mesmo entre os
historiadores da atualidade. Para alguns historiadores, ela é uma ciência que se
distingue das demais por ser, ao mesmo tempo, arte. A História é ciência ao
coletar, achar e investigar, mas também é arte ao dar forma ao colhido, ao
conhecido e ao representá-lo. Enquanto as outras ciências satisfazem-se com a
ideia de mostrar o achado, ela se interessa em “reconstituir” e analisar o processo
nos quais os acontecimentos se deram.

A História ensinada

Como reconhecimento de seu caráter científico, somente no século XIX a História


passa a ser ensinada como um campo específico do conhecimento. Antes disso,
era ministrada como parte de outras ciências, como a Filosofia, a Gramática e a
Catequização.

No entanto, o contexto de instituição da História como campo de ensino se deu


com o objetivo de colaborar com o processo de formação e reconhecimento das
nações que se organizavam naquele momento. Sua finalidade era estimular o
sentimento de patriotismo.

Já as características da História, segundo Falcon (1997, p. 65), eram:

 O Estado-nação como tema central tanto da investigação quanto da narrativa


históricas.
 A crítica erudita das fontes elemento essencial para desenvolver o método
histórico, garantia da cientificidade do conhecimento.
 Introdução dos conceitos de história como singular coletivo em conexão com o
novo conceito de revolução.
 A perspectiva historicista aplicada tanto à história-matéria quanto à disciplina.

O momento de criação da História como disciplina também coincide com a


instituição da escola laica e obrigatória na França, cristalizando uma ruptura de
poderes entre Estado e Igreja, até então a principal entidade a ofertar e controlar
o ensino em várias partes do mundo.

Isso tem a ver com o maior interesse do Estado em controlar a análise e a


narrativa sobre o processo histórico, já que a maior parte das fontes históricas
utilizadas na pesquisa e no ensino daquele tempo era de caráter governamental,
16
abrindo espaço para que os grupos detentores de poder político pudessem
direcionar o uso das fontes que a ele estivessem ligadas.

“poder é sempre poder do Estado — instituições, aparelhos, dirigentes: os


‘acontecimentos’ são sempre eventos políticos, pois são estes os temas
nobres e dignos da atenção dos historiadores.” (FALCON, 1997, p. 65)

No caso do Brasil, a criação da disciplina de História percorreu diversos


caminhos. Do período colonial até 1759, ela foi controlada exclusivamente pela
Igreja, especialmente por missionários jesuítas e franciscanos.
A escola primária (ou “escola de primeiras letras”), que perdurou até o início do
século XX, era lugar de aprender a ler, escrever e contar.
A História aparecia de forma tangencial na utilização de textos da “Constituição
do Império” e de outros, sobre a história do Brasil, usados nas aulas de leitura e
gramática. Além disso, a “história sagrada”, vinculando moral religiosa e fé,
perdurou até o século passado.
Somente em meados do século XX, houve um interesse maior em incorporar a
História como disciplina específica. No entanto, a ênfase era ensinar a
“verdadeira história da civilização”, que se resumia na história da Europa
Ocidental, enquanto a do Brasil ocupava uma posição secundária.
Com a abolição da escravidão e o advento da República, o mesmo viés de
constituição e formação do sentimento nacionalista registrado nas nações
europeias no século XIX se repetiu no Brasil: despertar o patriotismo vinculava-se
à necessidade de inculcar valores relacionados à preservação da ordem e da
obediência à hierarquia, que pareciam abalados naquele momento com o fim da
escravidão. Nesse sentido, a escola e o ensino de História seriam importantes
mediadores desse processo de acomodação das tensões de classe e raciais.
Por outro lado, o fortalecimento do espírito nacionalista pressupõe a “invenção de
tradições”. Para isso, a República definiu e incorporou no currículo e no
calendário escolar os “heróis” nacionais e os marcos históricos como elementos
visíveis de exaltação da pátria.

Tiradentes esquartejado, óleo


sobre tela, Pedro Américo,
1893.

17
A obra Tiradentes esquartejado é um óleo sobre tela de 1893 do pintor brasileiro
Pedro Américo. Trata-se, portanto, de uma alegoria criada pelo imaginário do
pintor mais de cem anos depois do fato histórico. Essa pintura é um exemplo da
criação do herói nacional, fazendo, de forma bem evidente, uma referência ao
Cristo crucificado com cabelos e barbas longas.

Em um país de formação basicamente cristã, ficava mais fácil construir heróis


associados ao mundo religioso, pois, em tese, eles teriam mais aceitação no
meio da população.

Além disso, o enforcamento seguido de esquartejamento associava Tiradentes ao


martírio tal qual Jesus, que entregou sua vida pelo povo.

Guerra do Paraguai: qual delas?

Você já ouviu falar em historiografia? São as diversas camadas de historiadores


que investigam um assunto, como o caso da Guerra do Paraguai. Vamos
conhecer essa história.

Estudo de caso : a Guerra do Paraguai.


Prof. Dr. Rodrigo Rainha

O fato histórico

O que é um fato histórico? Essa é uma pergunta essencial para se entender os


fundamentos da história. Vejamos: em algum momento da formação escolar ou
mesmo da vida fora da escola, ouvimos falar de Zumbi, líder do quilombo dos
Palmares, morto depois de um ataque ao quilombo em 1895.

Segundo o senso comum, Zumbi é exaltado como sinônimo de luta e coragem,


embora nem todos os historiadores compreendam a história dele do mesmo
modo. Zumbi pode até não despertar interesse da mesma maneira em todos eles.

Zumbi dos Palmares


18
Atenção!
Isso não quer dizer que mesmo o historiador sem grandes interesses pelo tema
desconheça o sujeito histórico que foi Zumbi, assim como o lugar e o tempo em
que esse fato se desenvolveu.

Voltemos para a pergunta: por que, diante de centenas de outros quilombos


invadidos e destruídos pelas forças de repressão em todo o Brasil, o de Palmares
tem tanto relevo? E por qual motivo, entre tantos líderes quilombolas capturados
e/ou mortos, Zumbi alcançou tamanho destaque?

A resposta a essas perguntas, além de esclarecer o que constitui um “fato”, nos


ajuda a entender por que História é ciência e arte ao mesmo tempo. Quem dá o
relevo do fato histórico é o historiador que analisa o acontecimento do passado e
todo o contexto em que ele se desenvolveu, interpretando-o conforme suas
expectativas e concepções teórico-metodológicas.

Entender a grandeza histórica de Palmares e de Zumbi não é algo simples. Tal


esforço depende inteiramente de o historiador selecionar este viés de análise ao
invés daquele.

Essa é a dimensão humana da ciência histórica – e ela tem profunda relação com
as concepções teórico-metodológicas do historiador. Por conta disso, é
impossível haver um conjunto de fatos históricos a existir independentemente da
interpretação do historiador.

Os fatos históricos são cognoscíveis cientificamente, mas essa exigência


deve levar em conta seus caracteres específicos.

Por um lado, esses fatos são contraditórios como o próprio decorrer da história.
Eles, afinal, são percebidos diferentemente (porque são ocultados) segundo o
tempo, o lugar, a classe ou a ideologia. Por outro, escapam à experimentação
direta por sua natureza passada: eles são susceptíveis apenas de aproximações
progressivas, sempre mais próximas do real, nunca acabadas nem completas
(CHESNEAUX, 1995, p. 67).

Uma primeira conclusão que podemos tirar daqui é que os fatos históricos nunca
chegam “puros” a nós, pois eles não existem nem podem existir de forma pura:
eles são sempre o resultado de escolhas de registro do historiador. Sendo então
uma ciência tão humana, a primeira preocupação ao se ler um livro de
História não deveria ser com o fato em si, e sim com quem o escreveu.

Em segundo lugar, é preciso compreender a necessidade do historiador de usar a


imaginação para interpretar e narrar a história, já que, na maioria das vezes, as
fontes históricas são insuficientes para compor a narrativa daquele tempo.

Atenção!
Tal insuficiência e estímulo ao uso de imaginação não podem se manifestar como
um sentimento de simpatia, o que pode levar o historiador a erigir uma narrativa

19
panfletária. Tampouco pode haver o abuso do imaginário. A ideia, portanto, é
existir uma imaginação controlada e limitada por contextos semelhantes, fontes
correlatas, entre outros fatores.

O terceiro ponto é um reforço ao que já foi dito anteriormente: nós podemos


visualizar o passado e atingir nossa compreensão do passado somente por meio
dos olhos do presente. O fato histórico acaba, assim, sendo definido muitas
vezes em função do seu significado na atualidade.

Vem que eu te explico!

Os vídeos a seguir abordam os assuntos mais relevantes do conteúdo que você


acabou de estudar.

Módulo 2 - Vem que eu Módulo 2 - Vem que eu te Módulo 2 - Vem que eu te


te explico! explico! explico!
História e verdade História e ciência História ensinada

Falta pouco para atingir


seus objetivos.

Vamos praticar alguns


conceitos?

Questão 1
“A ‘verdade’ equivale certamente a um ‘juízo verdadeiro’ ou a uma ‘proposição
verdadeira’, mas significa também ‘conhecimento verdadeiro’. É neste sentido
que a verdade é um devir: acumulando as verdades parciais, o conhecimento
acumula o saber, tendendo, num processo infinito, para a verdade total, exaustiva
e, nesse sentido, absoluta.” Fonte: SCHAFF, 1991, p. 105.
A partir dos estudos do módulo e da afirmação acima, é possível afirmar que:

20
A. em história, não existe a possibilidade de verdade, pois o historiador é incapaz
de narrar o passado da forma como aconteceu.
B. a historiografia produz verdades absolutas, pois utiliza fontes históricas que
são fidedignas ao passado.
C. a verdade em história é resultado de dois fatores principais: o acesso às fontes
históricas e a análise e interpretação do historiador.
D. todo historiador analisa os fatos históricos com neutralidade e distanciamento,
o que leva à interpretação verdadeira da história.
E. o anacronismo é um dos principais métodos dos historiadores para combater a
falsificação e as mentiras da história.

Parabéns! A alternativa C está correta.

A verdade em história é subjetiva, já que ela depende do acesso às fontes


históricas e do domínio dos métodos de pesquisa por parte do historiador, o qual
também é influenciado pela sua concepção moral, religiosa, ideológica e política,
levando-o a dar ênfase em alguns aspectos em detrimento de outros. A
historiografia sempre produz uma narrativa parcial, sendo impossível reproduzir a
verdade na sua integralidade; assim, a produção historiográfica é resultado do
próprio tempo no qual ela se circunscreve.

Questão 2
A história se constituiu de um processo contínuo de interpretação e de um diálogo
entre o presente e o passado. Desse modo, só é possível compreender
completamente o presente à luz do passado, sendo necessário esclarecer o que
são e como são constituídos os fatos históricos. Tendo isso em vista, como
podemos caracterizar o “fato histórico”?

A. Os fatos históricos já existem independentemente do historiador, constituindo


marcas do passado que são lembradas no presente.
B. O fato histórico pode ser definido como toda a narrativa do passado e se
evidencia pelas datas celebrativas dos grandes acontecimentos.
C. Os fatos históricos são sempre os mesmos para todos os historiadores, não
necessitando de interpretações.
D. O fato histórico é resultado da interpretação que o historiador tem do passado
e das escolhas que ele faz ao estudar o acontecimento.
E. Dá-se o nome de fato histórico a todos os acontecimentos estudados pelo
historiador de forma isenta e neutra.

Parabéns! A alternativa D está correta.

Na história, os relatos são mutáveis devido à ênfase que diferentes historiadores


dão aos episódios históricos. Destacar um ou outro episódio revela a
interpretação que se faz dela ao mesmo tempo que aponta para as escolhas de
ordem ideológica, conceitual e até política que movem seus autores a optarem
em dar ênfase a um fato em detrimento de outro.

21
3. O ofício do historiador: métodos, técnicas e procedimentos
-------------------------------------------------------
Ao final deste módulo, você será capaz de debater sobre os procedimentos
de trabalho do historiador, como os critérios de seleção de fatos históricos,
os recortes cronológicos ou temáticos e a relação com as fontes.

As escolas historiográficas

As pesquisas históricas que apresentam em seu bojo um conjunto de práticas


metodológicas e de interpretação com um padrão mínimo de elementos em
comum, seja no que tange aos objetos de pesquisa, aos problemas ou às fontes
utilizadas, são chamadas de escola historiográfica. A maioria dessas escolas –
embora isso não ocorra necessariamente – nasceu em torno de espaços comuns
de debate.

Exemplo
A mesma universidade, país, organização política ou revista de divulgação
acadêmica.

Isso se explica pelo fato de que, nesses espaços comuns, ocorrem intensos e
fecundos debates responsáveis pelo aperfeiçoamento e pela especialização da
escola historiográfica.

Outro fator: se a escola historiográfica, de fato, é escola, se pressupõe que há


quem aprenda com ela. A razão de qualificá-la com esse nome se deve ao fato
de que a produção intelectual de tal abordagem se multiplicou por, pelo menos,
mais uma geração de novos pesquisadores.

Descreveremos a seguir três escolas ou linhas de pensamentos decorrentes


da escola historiográfica:

Escola Alemã
Estabelecida em fins do século XVIII e tendo perdurado até mais da metade do
XIX, ela foi a responsável pela constituição da História como disciplina e pela
definição da figura do historiador como o profissional responsável pela pesquisa
historiográfica (a qual, conforme apontamos, já tinha sido ocupação de filósofos,
matemáticos e literatos).

Do ponto de vista metodológico, a Escola Alemã se empenhou em realizar o


método crítico das fontes, algo até então quase inexistente. Em oposição ao
Positivismo, ela foi a responsável pela criação do historicismo, cuja principal
contribuição deixada para a historiografia contemporânea reside na crítica
documental.

22
Pensamento marxista
Esse pensamento também deu uma importante contribuição para a historiografia
a partir do final do século XIX, quando se introduziu um referencial materialista
em contraposição ao idealista, provocando, com isso, o declínio da história
política tradicional e a ascensão da história econômica ou sociológica

Por vezes, o “materialismo histórico” foi tratado como “determinismo econômico”.


Algumas das principais concepções do pensamento marxista são: a interpretação
econômica da história, a relação base/superestrutura e a “luta de classes”.

Escola dos Annales


Em oposição à Escola Metódica, surgiu no século XX, na França, a Escola dos
Annales, cujo nome faz referência a uma revista científica responsável pela
publicação de artigos com parâmetros temáticos e/ou metodológicos comuns.

Uma das principais contribuições dos Annales deixada pelos seus fundadores,
também chamados de “primeira geração dos Annales”, diz respeito ao diálogo
com outras áreas do conhecimento, em especial das Humanidades, indo da
Antropologia até a Psicologia e da Geografia até a Economia.

Posicionando-se contra o historicismo e a história factual, linear e supostamente


neutra, os Annales lançam a “história-problema”, na qual a operação
historiográfica é regida por um problema colocado pelo próprio historiador a partir
das motivações de sua época, redefinindo o fato histórico como uma construção
do historiador. O programa dele também demandou a ampliação das fontes, não
se limitando aos arquivos e à história política tradicional, mas incluindo vestígios
e evidências de tipologias diversas.

Exemplo
Obras literárias, imagens iconográficas, diários de pessoas anônimas e jornais.

A partir dos Annales, a historiografia se redefiniu em diversas perspectivas de


análise, como a história cultural, a micro-história, nova história política, história
social, história das mentalidades e história da educação, entre outras.

Fontes históricas

Até aqui você já deve ter entendido o que são as fontes históricas, mas, devido à
sua importância para o ofício do historiador, precisamos aprender um pouco mais
sobre elas.

“Gostaria de começar por lembrar que, metaforicamente falando, as fontes


históricas constituem uma espécie de “máquina do tempo” para os
historiadores – ou poderíamos dizer que elas são o seu “visor do tempo”,
se pudermos tomar de empréstimo essas imagens que no momento ainda
fazem parte da literatura ou filmografia de ficção científica. Uma vez que o
historiador trabalha com sociedades que já desapareceram ou se

23
transmutaram – ou, mais ainda, com processos que já se extinguiram ou
que fluíram por meio de transformações que terminaram por atravessar os
tempos até chegar ao presente produzindo novos efeitos –, não existiria
outro modo de perceber essas sociedades ou apreender esses processos
senão a partir das chamadas “fontes históricas”, aqui entendidas como os
diversos resíduos, vestígios, discursos e materiais de vários tipos que,
deixados pelos seres humanos historicamente situados no passado,
chegaram ao tempo presente por meio de caminhos diversos.”
(BARROS, 2020)

De modo geral, as fontes históricas podem ser classificadas em:

Voluntária Involuntária
É a produzida com a intenção É aquela cujo vestígio foi produzido com
de deixar registros para a objetivos imediatos e sem a intenção de guardar
posteridade, como a obra de uma história para tempos posteriores, como é
Tucídides sobre a Guerra do caso de rituais religiosos, documentos de caráter
Peloponeso, diários de me- civil ou criminal e até mesmo os vestígios
mórias, cartas e monu- arquitetônicos habitacionais e destinados ao
mentos. lazer.

Além disso, as fontes ainda podem ser classificadas em outras duas categorias:

Fontes primárias Fontes secundárias


São escritas ou criadas dentro do São aquelas produzidas posteriormente ao
período em que se está estu- acontecimento ou por alguém que, embora
dando. Se um historiador, por vivesse na mesma época, não foi tes-
exemplo, estivesse pesquisando temunha do fato. Seguindo o exemplo da
sobre a independência do Brasil, Independência do Brasil, podemos conside-
ele poderia usar algumas fontes rar que o quadro de Pedro Américo
primárias, como as correspon- Independência ou morte, pintado em 1888
dências de José Bonifácio, os (66 anos após a independência) por alguém
documentos sobre a guerra da que nem era nascido na época, e o edifício-
independência na Bahia ou mes- monumento do Museu do Ipiranga, em São
mo a arquitetura do palácio da Paulo, projetado para conservar a memória e
Quinta da Boa Vista, no Rio de a versão conservadora da proclamação da
Janeiro, incendiado em 2018. Independência, cuja construção teve início
Elas constituem, portanto, fontes em 1885, são exemplos de fonte secundária
de “primeira mão”. ou de “segunda mão”.

24
Independência ou morte, por Pedro Américo, óleo sobre tela, 1888. Exposta
no Museu Paulista.

Documentos e arquivos

Embora imaginação e criatividade sejam parte do ofício do historiador, como


frisamos neste texto, essas condições devem ser utilizadas de forma muito
controlada, pois a base do trabalho do historiador são as fontes históricas.

Descreveremos, daqui por diante, algumas das principais categorias de fontes e


seus usos.

A história é feita de textos, frisava o historiador francês do século XIX Fustel de


Coulanges. Essa afirmação expressa bem o pensamento daquela época no qual:
25
“o fetichismo dos fatos do século XIX era completado e justificado por um
fetichismo de documentos.” (CARR, 1982, p. 18)

Conforme destacamos, a historiografia do século XIX interessava-se pela busca


da verdade histórica – e, nesse caso, nada melhor que os documentos. Exemplos
de fontes que supostamente contavam a verdade do passado, decretos, tratados,
registros cíveis, atas, correspondência oficial, cartas e diários particulares eram
usadas de forma acrítica.

Segundo o senso comum, sempre existe uma tendência de conferir mais


veracidade ao que está escrito, principalmente quando tais textos fazem parte de
instituições religiosas e poderes públicos. Só que documentos, mesmo aqueles
de caráter oficial/governamental, também são narrativas construídas sobre o
passado: eles podem conter adulterações, esconder ou modificar dados e ser
produzidos com o propósito de enganar.

A documentação não pode ser tomada como registro “da verdade”, e sim de
“uma verdade” ou de uma “parte da verdade” que se quis registrar.

Cabe ao historiador interpretar as informações da documentação, prefe-


rencialmente cruzando os dados com outras fontes, antes de tirar qualquer
conclusão.

A forma e a condição com que os documentos são arquivados também devem


ser levadas em consideração no momento da pesquisa histórica, pois podem ser
evidências de controle excessivo e manipulação das informações. Isso é comum
em governos ditatoriais e autocráticos que impõem censura ou sigilo excessivo
sobre documentos que deveriam ser de livre acesso ao público.
Ao se impedir o acesso, inclusive de pesquisadores, a essa documentação, a
intenção é que partes do passado não sejam conhecidas. Nesse caso, a escrita
da história sempre conservará lacunas até que o acesso a essa documentação
seja liberado. Situação parecida acontece quando há descuido (intencional ou
não) com a preservação da documentação, levando à perda irreversível de
fontes.
“O saber histórico é o produto de fontes, todas elas vindas do passado, e de uma
crítica vinda do historiador, um especialista que explora seu conteúdo! Mas não é
preciso advertir que o trabalho do historiador não pode estar limitado a isso.
Nada é uma fonte pela própria natureza, e é o problema colocado pelo historiador
que, identificando um traço que fornece uma resposta, transforma assim um
documento em uma fonte histórica. Os registros e marcas do passado são
matéria-prima. O historiador, diante dessa matéria-prima, das fontes, faz
perguntas, coloca problemas. Mas é preciso inicialmente saber o que essa fonte
dizia antes dos outros, como era usada para outra coisa, ou seja, é preciso
adquirir conhecimento sobre ela (isso significa que o historiador já possui
conhecimento da história da época em que o documento foi produzido) e, a partir
desses dados obtidos, talvez essa fonte possa fornecer e acrescentar novas ou
algumas informações para a pesquisa. Cabe ao historiador, dessa forma,
selecionar e delimitar as fontes adequadas para sua pesquisa.”
(MONIOT apud BITTENCOURT, 2009, p. 328)
26
As fontes visuais

Com o avançar da “operação historiográfica”, o conceito de “documento” ou


“fontes” se transformou, deixando de entender o “documento” apenas como
“escritos oficiais” capazes de registrar a verdade da história, como pensavam os
historiadores ligados, sobretudo, à escola metódica francesa do século XIX. Essa
transformação levou a classe a tratar como fonte histórica tudo aquilo que seja
material ou não e que possibilite reflexões e interpretações sobre o passado.

Por outro lado, as fontes visuais sempre despertaram a atenção do historiador e


do público em geral. Pinturas, quadros, fotografia, produção cinematográfica e,
mais recentemente, charges, HQs e memes de internet são explorados como
fontes históricas para se entender um contexto, um personagem ou um
acontecimento, já que eles configuram registros e representações do passado
com os quais o historiador pode estabelecer um diálogo investigativo.

“As imagens estabelecem uma mediação entre o mundo do espectador e do


produtor, tendo como referente a realidade, tal como, no caso do discurso,
o texto é mediador entre o mundo da leitura e o da escrita. Afinal, palavras e
imagens são formas de representação do mundo que constituem o
imaginário. (PESAVENTO, 2003, p. 86)

Considerando a diversidade das fontes visuais, o historiador tem de estar atento


para analisar cada uma conforme a própria característica e seus limites. Ele
também precisa considerar os aspectos da época em que essas fontes foram
produzidas e os de seu autor, porém o mais importante – e que estamos
reforçando em todas as fontes aqui apresentadas – é entender que as fontes
visuais não são o real, e sim uma representação dele.

O filme (até mesmo o documentário), a fotografia e a pintura precisam ser


analisados sob esse prisma, pois são produzidos a partir de escolhas de luz,
enquadramento e recortes, entre outros itens. Nesse sentido, eles são o resultado
de visões de mundo ou, como já falamos, da “consciência histórica” de quem
produziu ou financiou sua produção.

Por isso, as produções visuais estão cheias de lacunas, silêncios e


intencionalidades.

No contexto da renovação historiográfica do século XX, as imagens passaram,


nos mais diversos formatos, a ser incorporadas à pesquisa histórica como fonte,
embora, em alguns casos, elas ainda sejam utilizadas como ilustração. A grande
diferença entre ambas é que, no caso da ilustração, o seu caráter é meramente
acessório, ocupando o lugar de representação do passado, enquanto entender as
imagens como fontes significa que elas devem ser problematizadas e
contextualizadas.

É preciso reafirmar ainda que a produção visual, em seus mais diferentes


formatos, se constitui como “representação” do passado, já que eles são
composições criadas para evidenciar uma imagem, favorecendo uma
27
interpretação anteriormente planejada. Além disso, também é importante
ressaltar que muitas produções visuais, como filmes (tanto os de ficção como os
documentários), por exemplo, não têm compromisso com a historiografia – e é
por esse ângulo que elas devem ser analisadas.

Vista do Teatro Real de São João no Rio de Janeiro, Brasil.

A memória e a oralidade como fontes

A história oral se trata do relato de sujeitos históricos acerca da própria


existência. Por conta disso, é possível recorrer tanto à memória quanto aos
documentos, aos objetos e às fotografias, entre outros exemplos, ou seja, a tudo
aquilo que, de alguma maneira, ajude a reavivar a memória e a compor da
narrativa.

A pesquisa histórica com base na história oral depende de uma cuidadosa


metodologia de pesquisa, podendo ocorrer em entrevista (estruturada ou
livre) formal ou informal, além de ser colhida no formato de depoimentos.

Ainda como parte da metodologia, ao pesquisador cabe seguir parâmetros éticos


em relação à entrevista e ao entrevistado, já que, em muitos casos, ele está
lidando com temas sensíveis, muitos dos quais foram experimentados pelo
narrador e cuja lembrança pode causar dor, constrangimento ou raiva.

Como explica o historiador Antonio Montenegro:

“A relação entre o entrevistador e o entrevistado é outro aspecto


constitutivo da produção de um depoimento. A postura de um entrevistador
deve ser de um parteiro que não conhece a pressa e a impaciência e está
disponível para ouvir as histórias do entrevistado com o mesmo cuidado,
atenção e respeito, tenham essas significado ou não para a pesquisa em
tela.” (MONTENEGRO, 1993, p. 57)

Como toda fonte histórica, a história oral pode conter alterações e desvios
propositais (quando o narrador quer desviar de um assunto e, com isso, não
responde às perguntas ou insiste em conduzir a narrativa em outra direção) e
28
não propositais (como aqueles decorrentes do esquecimento ou da confusão
mental). Desse modo, é importante ressaltar que a história ali analisada deriva do
olhar e da experiência de alguém.

A opção de se utilizar da história oral parte de vários pressupostos:

 Ausência de outros tipos de fontes.


 Reação a explicações genéricas e globalizantes que desprezam o local e o
particular.
 Atitude de dar voz aos sujeitos como atores da história.

Podemos reduzir tais pressupostos com as seguintes palavras:

“[...] a história oral são as memórias e recordações das pessoas vivas sobre
seu passado. Como tal, está submetida a todas as ambiguidades e
debilidades da memória humana; não obstante, nesse ponto, não é
consideravelmente diferente da história como um todo, a qual, com
frequência, é distorcida, subjetiva e vista pelo cristal da experiência
contemporânea.” (SITTON; MEHAFFY; DAVIS JR, 1995, p. 9)

Formas de fazer história

Já pare pensou que história não é uma linha. Logo, se não é uma linha, podemos
nos perguntar: como podemos fazer História? O que faz um historiador? Vamos
pensar sobre essas questões.

Formas de se fazer Historia


Prof. Dr. Rodrigo Rainha

Vem que eu te explico!

Os vídeos a seguir abordam os assuntos mais relevantes do conteúdo que você


acabou de estudar.

Módulo 3 - Vem que eu te Módulo 3 - Vem que Módulo 3 - Vem que eu


explico! eu te explico! te explico!
As escolas historiográficas Fontes históricas Documentos e artigos

29
Falta pouco para atingir
seus objetivos.

Vamos praticar alguns


conceitos?

Questão 1
“As fontes históricas são as marcas da história. Quando um indivíduo escreve um
texto ou retorce um galho de árvore de modo a que esse sirva de sinalização aos
caminhantes em certa trilha; quando um povo constrói seus instrumentos e
utensílios, mas também nos momentos em que modifica a paisagem e o meio
ambiente à sua volta – em todos esses momentos, e em muitos outros, os
homens e mulheres deixam vestígios, resíduos ou registros de suas ações no
mundo social e natural.” Fonte: BARROS, 2020, p. 1.

De acordo com os estudos deste módulo, marque a alternativa correta.

A. As fontes históricas se concentram em vestígios materiais deixados pelo ser


humano ao longo de sua vida que servem como referência para se conhecer o
passado.
B. A história somente pode ser escrita e entendida a partir da pesquisa com as
fontes primárias, pois elas foram produzidas por quem de fato viveu o
acontecimento descrito.
C. Embora haja uma diversidade de fontes, a história deve sempre privilegiar a
pesquisa das fontes documentais, pois elas são registros oficiais do passado.
D. Todos os registros escritos são considerados fontes históricas primárias e
voluntárias.
E. As fontes secundárias, embora tenham sido produzidas posteriormente ao
acontecimento histórico, são importantes para o historiador por revelarem os
interesses e o contexto de sua produção.

Parabéns! A alternativa E está correta.

As fontes históricas são classificadas como primárias e secundárias,


considerando-se o tempo em que foram produzidas. Para a historiografia
contemporânea, contudo, ambas são importantes e se complementam, não
havendo uma hierarquização entre elas.

30
Questão 2

“As fontes não seriam meros registros repletos de informações a serem


capturadas pelos historiadores, mas também diversificados discursos a serem
decifrados, compreendidos, interpretados. Não mais seriam apenas uma solução
para o problema, mas parte do próprio problema.” Fonte: BARROS, 2020, p. 8.

Sobre as fontes documentais, escolha a alternativa correta.

A. A documentação de caráter oficial, ou seja, aquela produzida por instituições


públicas e governos, continua sendo a principal fonte para o historiador.
B, A historiografia da chamada “escola positiva” ou “escola metódica” privilegiava
os documentos escritos por acreditar que neles se encontrava a verdade
histórica.
C. As fontes escritas precisam ser reproduzidas pelo historiador em sua
pesquisa, evitando fazer interpretações sobre as circunstâncias em que foi
produzida.
D. O historiador tem de analisar o passado, fazendo um constante cruzamento
com outras fontes, à exceção das fontes documentais.
E. Ao contrário da memória e da oralidade, as fontes escritas são mais difíceis de
ser manipuladas e, por isso, podem ser mais fiéis sobre o passado.

Parabéns! A alternativa B está correta.

Tendo seu auge no século XIX, época em que se formou a historiografia, dois
conceitos eram fundamentais: o de verdade e o de prova. Nesse sentido, os
documentos escritos, especialmente os oficiais, constituíam a matéria-prima
fundamental dos historiadores da “escola metódica” ou “positiva” que buscavam
transcrever o que encontravam na documentação.

Considerações finais

Verificamos neste conteúdo que a História é, acima de tudo, uma ciência da


interpretação. Interpretar fontes históricas escritas e visuais constitui, além do
ofício do historiador, o grande desafio que todos nós encontramos cotidianamente
nas diferentes ações que desenvolvemos.

Devido ao caráter amplo da história, ela está presente em diferentes espaços e


meios, desde um filme ao qual assistimos até a uma conversa sobre política e
economia. O estudo dela, portanto, não pode mais ser visto como “lições” sobre o
passado que ensinam a sociedade contemporânea a agir no presente. A
importância do passado é ajudar na compreensão do presente, entendendo que
ambos são tempos diferentes que guardam mudanças e permanências.

Da mesma forma, o caráter “humano” na escrita da história, ou seja, o fato de que


os historiadores não são pessoas neutras e isentas de subjetividades na
pesquisa e na escrita, contribui para se evitar que essa pesquisa seja vista como
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uma “recuperação” do passado e seus resultados, como uma verdade definitiva,
o que não quer dizer que a história deva ser confundida com meras opiniões dos
historiadores.

A História, por ser uma ciência, tem objetividade. No entanto, seu objeto de
estudo é marcadamente subjetivo, englobando o homem em sociedade e suas
mudanças ao longo do tempo (passado e presente).

Podcast

Neste podcast, o Professor Rodrigo Rainha recupera os principais pontos


trabalhados no material. Vamos ouvir! 00:00 - 11:13

Referências

BARROS, J. d’A. Fontes históricas: uma introdução à sua definição, à sua


função no trabalho do historiador, e à sua variedade de tipos. Cadernos do tempo
presente. v. 11. n. 2. jul./dez. 2020. p. 3-26.
BENJAMIN, Walter. Teses sobre o conceito da história, 1940. Obras
escolhidas, v. 1, 1987.
BITTENCOURT, C. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo:
Cortez, 2009.
BORGES, V. P. O que é história?. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1981.
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Escritos sobre a história. Tradução de J. Guinburg e Tereza Cristina Silveira da
Mota. São Paulo: Perspectiva, 2007. p. 41-78.
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Janeiro: Paz e Terra, 1982.
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Domínios da História. Rio de Janeiro: Campus, 1997.
GINZBURG, C. O fio e os rastros: verdadeiro, falso, fictício. São Paulo:
Companhia das Letras, 2007.
HAMPATÉ BÂ, A. A tradição viva. In: História geral da África I: metodologia e
pré-história da África. 2. ed. Brasília: Unesco, 2010.
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LE GOFF, J. Memória e história. Campinas: Unicamp, 2003.
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MONTENEGRO, A. T. História oral: caminhos e descaminhos. Revista brasileira
de História. n. 25/26. 1993.
NICOLA, U. Antologia ilustrada de Filosofia das origens à idade moderna.
São Paulo: Globo, 2005.
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professores (y otras personas). México: Fondo de Cultura Económica, 1995.
VIDAL-NAQUET, P. Os assassinos da memória: um Eichmann de papel e
outros ensaios sobre o revisionismo. Campinas: Papirus, 1988.

Explore +
Leia este artigo para entender algumas das principais mudanças que a área da
História teve nos últimos tempos, bem como aprofundar alguns conceitos
fundamentais, como o de tempo histórico, e conhecer outros, como os conceitos
de estrutura e ação:
GUARINELLO, N. L. História científica, história contemporânea e história
cotidiana. Revista brasileira de História. v. 24. n. 48. 2004.

Que tal a assistir um filme? Vamos ver duas obras que abordam o debate sobre
a forma de contar a história:

a) Narradores de Javé (2003)
Este filme fala sobre uma cidade que desapareceria por conta de uma represa,
sendo então pensada uma forma de guardar seu registro.

b) Amistad (1997)
Esta película aborda um navio negreiro que viveu um levante dos escravos e a
disputa de narrativa – principalmente histórica – sobre o direito dos sujeitos que lá
estavam.

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