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PENSANDO HISTÓRIA E

DESCOBRINDO PATRIMÔNIOS
Profa. Ma. Thais Gomes

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1 A TRANSFORMAÇÃO
É A ESSÊNCIA DA HISTÓRIA

Heródoto, filósofo grego, é considerado o pai da história, pois é ele quem vai empre-
gar o termo História como sinônimo de fazer investigação e procurar a verdade. A
História, portanto, busca explicações para uma situação vivenciada aqui e agora, e,
nesse sentido, os historiadores estão ligados à realidade de um tempo e lugar como,
por exemplo, a ação da política, do clima, das epidemias, de economia, do patrimô-
nio, da cultura.

Os historiadores devem ter, também, o compromisso com a veracidade dos fatos.


Como descreve Políbio, historiador do século II a.C., “Desde que um homem assume
atitude de historiador, tem que esquecer todas as considerações, como o amor aos
amigos e o ódio aos inimigos... pois assim como os seres vivos se tornam inúteis
quando privados de olhos, também a história da qual foi retirada a verdade nada mais
é do que um conto sem proveito” (Borges, 1980, p. 20).

O que nos alerta Políbio é para a necessidade da imparcialidade ao tratar de temas


investigados e para que se possa confrontar a veracidade dos fatos. A história, tanto
como outras disciplinas, recorre a registros, a documentação e a interpretação dos
dados levantados para essa confrontação da realidade.

Esses registros podem ser materiais como casas, prédios, monumentos, cartas, per-
gaminhos, livros, selos, jornais, documentos de arquivo etc., como, também, podem
ser registros imateriais: saberes e fazeres; a forma de plantio e colheita da mandioca
dos indígenas de Santa Catarina; a confecção de panelas de barro de uma determi-
nada comunidade; as festas, as canções folclóricas, as danças, dentre muitas outras
manifestações.

Para a interpretação desses inúmeros dados, a história recorre a determinadas técni-


cas que ajudarão a lidar com essa documentação. Tendo em vista que as sociedades
se estruturam em diferentes grupos ou classes sociais, para se ter uma melhor com-
preensão desses dados, a História promove a observação de sinais.

EXEMPLO

Pensemos na relação dos grupos sociais, de uma sociedade, como os chamados “donos
do poder”. É necessário, primeiro, fazer algumas perguntas chaves: “Quem detém o poder
político?”; “Quem exerce esse poder?”; “Quem detém o poder econômico?”; “Como são
distribuídas as riquezas?”; “De quais formas o prestígio social é reconhecido?”; “Se percebe
preconceitos de gênero de uma maneira sútil e muito bem articulada? Ou o preconceito não
existe?”.

A partir dessas perguntas e suas respectivas respostas temos um quadro que nos permite
formar um esboço bastante assertivo das sociedades analisadas.

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Esse exemplo pode ser observado como o método da história. Evidentemente esta-
mos trazendo, para este momento, referências de como pensar história. E, para o fim
do texto, sugestões de leitura serão apresentadas para aprofundamento sobre o tema
“o que é história”.

A história como todas as disciplinas das áreas humanas está em desenvolvimento


constante. Desde a pré–história, as primeiras investigações gregas até o uso das
novas tecnologias, as formas de registrar fatos e a maneira do historiador escre-
ver a história variam. Essas mudanças, encontram explicações que os historiadores
denominam de Escolas Históricas. Destacamos algumas dessas Escolas, como: o
Positivismo; o Materialismo-histórico; a Escola dos Analles, que nos revelam as trans-
formações dos tempos e o modo de ver, perceber a realidade e escrever a História.

Essas escolas nos remetem aos valores das sociedades através dos tempos. Um
exemplo disso é a história com abordagem dos grandes feitos históricos, das elites
brancas, identificadas com o Positivismo. A predileção pelas histórias das grandes
Revoluções ou pela história política podem ser identificadas com o materialismo his-
tórico ou, ainda, a abordagem de temas como história dos modos de higiene de dife-
rentes culturas através dos tempos pode ser identificada com a História dos Annales.
Dessa maneira, cada abordagem corresponde aos valores das sociedades que se
modificam como o passar dos anos, décadas, séculos.

SAIBA MAIS

Leituras Indicadas:

Iniciação aos Estudos Históricos de Jean Gleenisson;

A Escola dos Annales 1929-1989 de Peter Burke;

A Revolução Francesa da Historiografia de Peter Burke;

A Beira da Falésia- A História entre Certezas e Inquietude de Roger Chartier.

A história chega ao século XXI e para compreender sua situação atual nos valemos
da história em processo, em que entendemos os indivíduos como seres sociais que
vivem em sociedades cujas constantes rupturas ou permanências fazem parte das
transformações dos seres humanos. Numa extensão ampla dos sentidos da história,
podemos pensar que tudo que aconteceu com os seres humanos, com a natureza e
com o universo dizem respeito ao objeto de estudo da História.

2 PARA QUE SERVE A HISTÓRIA


A função da história, desde seu início, foi a de fornecer as sociedades uma explicação
de suas origens e transformações, atualmente, por exemplo, a história se coloca cada
vez mais próxima de outras áreas do conhecimento, como a sociologia, a antropolo-
gia, a economia, a geografia etc., áreas que igualmente procuram explicar as socie-

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dades. Porém, cada uma dessas tem seu enfoque específico, por isso, chamamos
de interdisciplinar, a cooperação entre as diversas áreas.

O ser humano é finito, temporal e histórico. Vivemos em um determinado período no


tempo, em um espaço físico concreto; nesse tempo e nesse lugar agimos em relação
ao nosso passado, ao nosso presente e tentamos projetar nosso futuro. Ao explicar
as transformações resultantes das ações humanas, a história leva a perceber que a
situação de hoje é diferente de ontem e procura esclarecer como e por que.

Para os que não sabem das alterações passadas, a realidade que vivem pode pare-
cer eterna ou estática, e, como tal, justificada. Isso leva a uma atitude passiva, a um
conformismo. Ao contrário da apatia, o conhecimento histórico, dessas alterações
passadas, e a compreensão de suas condições, podem levar ao desejo e a atuação
concreta em busca de transformações, propiciando ativar as forças transformadoras
da história. Ajudando os indivíduos a se tornarem conscientes de si, dando-lhes pos-
sibilidades para realizar mudanças.

2.1 QUANDO A HISTÓRIA ENCONTRA O PATRIMÔNIO CULTURAL

O estudo da história é referência para perceber o movimento e a diversidade, possibi-


litando comparações entre grupos e sociedades, nos diversos tempos e espaços. A
história torna-se parâmetro ao respeito às diferenças, contribui para o entendimento
do mundo em que vivemos e para o mundo em que gostaríamos de viver. Por meio
dos diversos registros das ações humanas, dos documentos, dos monumentos, dos
depoimentos de pessoas, de fotografias, objetos, vestuários que o real vivido por ho-
mens e mulheres, nos diversos tempos e espaços, chega até nós.

Portanto, os registros e as evidências das ações humanas são fontes de estudo da


história. A história e o estudo do patrimônio, das memórias e das identidades, como
experiências humanas, tornam-se objeto de investigação do historiador que a trans-
forma em conhecimento.

Notável em relação a isto é a definição dada na lei de 1993 sobre o pa-


trimônio monumental: ‘Nosso patrimônio é a memória de nossa história
é o símbolo de nossa identidade nacional.’ Passando para o lado da
memória, ele se torna memória da história e como tal símbolo de iden-
tidade. Memória, patrimônio, história, identidade, nação se encontram
reunidos na evidência do estilo direto do legislador.

Nesta nova configuração, o patrimônio se encontra ligado ao território e à


memória, que operam um e outro como vetores da identidade: a palavra-
-chave dos anos 1980. Mas, trata-se menos de uma identidade evidente
e segura dela mesma do que uma identidade que se confessa inquieta,
arriscando-se de se apagar ou já amplamente esquecida, obliterada, re-
primida: de uma identidade em busca dela mesma, a exumar, a ‘bricoler’,
e mesmo a inventar. Nesta acepção, o patrimônio define menos o que se
possui, o que se tem e se circunscreve mais ao que somos, sem sabê-lo,
ou mesmo sem ter podido saber. O patrimônio se apresenta então como
um convite à anamnese coletiva. Ao ‘dever’ da memória, com a sua re-
cente tradução pública, o remorso, se teria acrescentado alguma coisa
com a ‘ardente obrigação’ do patrimônio, com suas exigências de con-
servação, de reabilitação e de comemoração (HARTOG, 2006, p. 266).

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François Hartog, historiador francês no trecho acima escreve sobre a memória. Con-
ceito extenso, mas fundamental para se entender o Patrimônio e sua valorização na
arena de Mercado, em que o Patrimônio se tornou um dos principais ramos da Indús-
tria do Turismo.

É JUSTAMENTE A DISCUSSÃO: O QUE PRESERVAR, PARA QUEM PRESERVAR?

Figura 1: coliseu de roma: reaberto em 1º de junho de 2020, após 3 meses fechado ao público.

Fonte: UOL (2020).

3 O PATRIMÔNIO
MATERIAL/IMATERIAL INDIVIDUAL/COLETIVO
Duas ideias são recorrentes quando pensamos nos bens que transmitimos. Sejam
eles materiais, como fotos, livros autografados, imagem religiosa, ou emocionais,
como um broche, um relógio de família ou, ainda, uma pintura. Podemos acrescen-
tar, também, o patrimônio espiritual: lições de vida; a maneira de preparar o peixe; o
modo como dançamos; os provérbios repetidos em família são exemplos de um patri-
mônio imaterial. Então, temos algumas categorias aqui: Patrimônio Material, Imaterial,
Emocional, Espiritual.

Desse modo, distinguimos, também, o patrimônio individual, a partir de nossas per-


cepções e sentimentos e o patrimônio coletivo, as coletividades, condomínios, asso-
ciação de moradores. A coletividade se constitui de grupos diversos, com interesses
distintos. Então o que para uns é patrimônio, para outros não é. Além disso, os valo-
res sociais mudam com o tempo.

Por isso, convém analisar como o patrimônio foi visto ao longo do tempo, porque a
coletividade não é uma simples soma de indivíduos, pois, as coletividades são cons-
tituídas por grupos, em constante mutação, com interesses distintos e, às vezes,
conflitantes. Uma pessoa pode pertencer a diversos grupos e, no decorrer do tempo,

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mudar para outros. Passamos, assim, por grupos de faixa etária: crianças, adolescen-
tes, adultos, idosos. Passamos, ainda, por estudantes, profissionais e aposentados.

São, portanto, inúmeras as coletividades que convivem em constante interação e


mudança. Essa diversidade leva a multiplicidade e consequentemente as opiniões
resultam em diversidade de interesses. O que para uns é patrimônio para outros não
é, os valores mudam com o tempo e, por isso, temos a necessidade de analisar como
o patrimônio foi visto ao longo do tempo pelos grupos sociais.

3.1 UM POUCO DA TRAJETÓRIA DO PATRIMÔNIO


Patrimônio, do latim “patrimonium”. Na Antiguidade (em Roma), tudo que pertencia ao
pai, pai de família, pater. Isto é, patrimonium: legado por testamento. O patrimônio
era um valor aristocrático e privado. Era associado a transmissão de bens da elite
patriarcal romana. Patrimônio patriarcal/individual e privativo da aristocracia.

Na Idade média (século VI - XV) O patrimônio continua aristocrático, mas, passa a


ter, também, um valor simbólico, coletivo e religioso em que o culto dos santos, a
valorização das relíquias passa a ter lugar assim como os objetos rituais coletivos. O
Renascimento ao evocar valores humanistas, busca uma inspiração na Antiguidade
Clássica, Grega e Romana. Tem início as grandes coleções de objetos e vestígios da
antiguidade. Surge, nesse período, o fascínio pelo Antiquariato que se tornou ampla-
mente valorizado.

Nesse mesmo período, com a Invenção da imprensa, passam a ser publicadas obras
clássicas com a preocupação de catalogação e coleta de tudo o que era antigo, como
moedas, inscrições em pedra, vasos cerâmicos, estatuaria em mármore, em metal.
Vestígios de edifícios etc. E, finalmente, com o advento e surgimento dos Estados
Nacionais, o patrimônio transforma-se, pois, se consolida a ideia de patrimônio – ideia
de nação, país (Nação, do verbo em latim “Nascere”, local de nascimento).

Renascimento: Grandes coleções de objetos e vestígios da antiguidade. Surge nesse


período o fascínio pelo Antiquariato.

E o Patrimônio? Em tais sociedades, ele não era algo público e compar-


tilhado, mas privado e aristocrático, na forma de coleções de antigui-
dades, como no famoso caso do imenso acervo dos papas que, hoje,
está no museu do Vaticano. O surgimento dos Estados Nacionais era
o que faltava para desencadear uma transformação radical no conceito
de Patrimônio (FUNARI; PELEGRINE, 2000, p. 15).

Mas, a partir da Revolução Francesa é que as noções que conhecemos hoje passa-
ram a ser construídas, como por exemplo os conceitos de cidadão, território, nação,
pertencimento.

O Nacionalismo e o Patrimônio. Em plena Revolução Francesa, em


meio as violências e lutas civis, criava-se uma comissão encarregada
da preservação dos monumentos nacionais. O objetivo era proteger
os monumentos que representavam a incipiente nação francesa e sua
cultura (FUNARI; PELEGRINE, 2000, p. 19).

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Ainda, temos um longo percurso a traçar sobre o Patrimônio e, subsequentemen-
te, veremos desdobrar-se o fio condutor desse Tema. Vamos abaixo observar como
se Institucionaliza o Patrimônio no Brasil, através do IPHAN- Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional, instituição responsável pela salvaguarda do Patrimônio
Brasileiro.

3.2 O PATRIMÔNIO E A CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA

De acordo com o Art. 216 da Constituição Federal Brasileira (1988, p. 126):

Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e


imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de refe-
rência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formado-
res da sociedade brasileira, nos quais se incluem: (EC no 42/2003). I– as
formas de expressão; II– os modos de criar, fazer e viver; III– as criações
científicas, artísticas e tecnológicas; IV– as obras, objetos, documentos,
edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-
-culturais; V–os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagísti-
co, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

Segundo o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, o patri-


mônio cultural de um povo é formado pelo conjunto dos saberes, fazeres, expressões,
práticas e seus produtos, que remetem à história, à memória e à identidade desse
povo.

CONCLUSÃO
O patrimônio cultural de uma sociedade é, também, fruto de uma escolha que, no
caso das políticas públicas, tem a participação do Estado por meio de leis, institui-
ções e políticas específicas. Essa escolha é feita a partir daquilo que as pessoas con-
sideram ser mais importante, mais representativo da sua identidade, da sua história,
da sua cultura, ou seja, são os valores, os significados atribuídos pelas pessoas a
objetos, lugares ou práticas culturais que os tornam patrimônio de uma coletividade
(ou patrimônio coletivo).

REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição Federal Brasileira. Brasília, 1988.

BRASIL. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN.


Homepage. Brasília: Ministério do Turismo, 2020.

FUNARI, Pedro Paulo; PELEGRINI, Sandra de Cássia Araujo. Patrimônio Histórico


e Cultural. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.

HARTOG, François. Tempo e patrimônio. Varia História, [S.L.], v. 22, n. 36, p. 261-
273, dez. 2006. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/vh/v22n36/v22n36a02.
pdf. Acesso em: 20 jan. 2021.

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UOL. Após quase três meses, Coliseu de Roma é reaberto ao público. 2020.
Disponível em: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/ansa/2020/06/01/apos-
quase-3-meses-coliseu-de-roma-e-reaberto-ao-publico.htm. Acesso em: 12 dez.
2020.

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