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LUZ, Valter Freitas Santos

A BOA HISTÓRIA

Valter Freitas Luz Santos ¹


Universidade Estadual de Santa Cruz - UESC

Professor: Homero Chiaraba Gouveia

Departamento de Ciências Jurídicas

Colegiado de Direito
22/09/2023

RESUSMO

Este trabalho tem como objetivo principal estabelecer uma relação entre as fontes de
informação usadas para falar sobre teoria da História. Em particular, vamos destacar como se
produzir uma boa história. Usando método qualitativo vamos examinar como a história é
produzida com base no estudo teórico da ciência da História. E também, questionar como essa
narrativa afeta o campo jurídico.
Palavras-chaves: Positivismo; História; Direito

ABSTRACT

This work aims to establish a relationship between the sources of information used to discuss
the theory of History. In particular, we will highlight how to produce a good story. Using a
qualitative method, we will examine how history is produced based on the theoretical study of
the science of History. We will also question how this narrative affects the legal field.
Keywords: Positivism; History; Law

1 INTRODUÇÃO

A humanidade tem debatido ao longo do tempo qual é a melhor maneira de examinar


nossa história. No século XIX, não foi diferente. Os historiadores desse período buscavam
responder à seguinte pergunta: “O que pode ser considerado fonte histórica?”. Eles procuravam
segurança, um suporte que permitisse a exposição do conteúdo de maneira confiável.

Assim, chegaram ao positivismo, que consistia em uma abordagem material tradicional,


baseada em suportes escritos como livros ou qualquer outra forma de material impresso, a
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maioria dos quais era relacionada ao Estado. Dessa forma, tudo que não estivesse registrado
não era considerado parte da história.

Contudo, o homem não vive apenas de fatos políticos; esse método positivista excluía
muito da nossa verdadeira história. Portanto, para contar uma história autêntica, é crucial estar
atento a quatro fatores: suspeita do poder, suspeita do romantismo, suspeita da continuidade e
suspeita da ideia de progresso e evolução.

2 HISTERIOGRAFIA POSITIVISTA

No século XIX, começou o movimento positivista, que se disseminou por diversas áreas
dos estudos das ciências sociais aplicadas, incluindo história e direito. Na história, os
positivistas enfatizavam a importância das fontes escritas, coletando e analisando dados
empíricos, como documentos, registros e evidências tangíveis. Apenas os fatos eram
considerados como base para a história. No campo do direito, colocavam a lei como a única
fonte de autoridade, aplicando-a estritamente aos casos concretos. Ambos evitavam fazer
julgamentos morais sobre os eventos. Assim, percebe-se que a abordagem positivista era muito
restritiva, sem espaço para valores, independentemente de quais fossem.

Existe um conceito no direito chamado positivismo conceitual, no qual o valor mais importante
é a coerência lógica interna, em oposição à justiça e à realidade social aplicada. Na produção
histórica, encontramos essas mesmas características. Os positivistas acreditavam que o
historiador deveria ser um relator de fatos de maneira objetiva, sem emitir juízos de valor, ou
seja, apresentando os fatos de forma imparcial.

Essa forma positivista de ver o direito e a história acabou sendo resumida a uma visão
eurocêntrica, pois os eventos eram escritos a partir da perspectiva da época. Isso fez com que
ignorassem as histórias de outras culturas baseadas em outros tipos de fontes, como a oralidade
e a memória.

3 CRÍTICA A HISTERIOGRAFIA POSITIVISTA

A abordagem positivista, a partir do século seguinte, passou a ser muito criticada por
seu alto nível de cientificismo. Um método excessivamente objetivo tende a negligenciar os
aspectos culturais e subjetivos. Esse método procura ignorar a perspectiva do pesquisador,
negando, assim, às narrativas os significados simbólicos. Isso resulta em uma visão simplista e
extremamente limitada, pois não consegue capturar a complexidade da vida humana.
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Entretanto, “quem conta um conto, aumenta um ponto” (LOPES, p. 3). A seleção das
fontes, a interpretação dos acontecimentos e a maneira de escrever são escolhas dos
historiadores, dos juristas e de outros pesquisadores, influenciadas por sua própria perspectiva.
Por exemplo, ao contar uma história que enfatiza o progresso, são escolhidos os eventos e as
pessoas que contribuíram para esse progresso.

É impossível criar uma história sem valores. Quando um indivíduo realiza uma pesquisa
e a relata, seus valores ainda estão presentes. Assim, é impossível ter uma história imparcial
sobre a Segunda Guerra Mundial, diante das atrocidades do regime nazista. O pesquisador pode
concordar ou discordar do que estava sendo feito, e isso se refletirá em sua obra.

Esse tipo de pesquisa não leva em conta o contexto social, político e cultural no qual os
eventos ocorreram, concentrando-se nos grandes eventos e figuras sem explorar as dinâmicas
sociais subjacentes. Um exemplo disso é a "ida do homem à lua". Embora em 1969 o homem
tenha chegado à Lua, não se considera o contexto de crise que os EUA viviam, com um grande
número de baixas na guerra do Vietnã.

A história, o direito e outras ciências sociais não são exatas. Portanto, basear-se apenas
em dados empíricos, como os livros, não é suficiente. A história da humanidade é um processo
complexo e dinâmico que não pode ser reduzido a uma linha reta de progresso. Existem
declínios, como o debate sobre a descriminalização do aborto na época atual, mostrando que
também há retrocessos no pensamento humano.

Existem outras fontes que podem ser usadas para construir a história. Geralmente, os
eventos registrados estão relacionados ao Estado, mas há também a vida cotidiana. Como era a
vida das pessoas nos EUA durante a chegada do homem à lua? Essas histórias são contadas pela
memória e pela oralidade das pessoas da época. O movimento conhecido como Nova História,
surgido na França, tem como objetivo criar uma história material.

4 A BOA HISTÓRIA

Para falarmos sobre como se deve produzir uma boa história, é importante ter em mente
que "a história só é história na medida em que não consente nem no discurso absoluto, nem na
singularidade absoluta, na medida em que seu sentido se mantém confuso e misturado"
(RICOEUR apud LOPES, p. 4). Assim, para montar uma boa história, não é necessário
necessariamente negar os grandes eventos, mas compreender que enquanto eles aconteciam,
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havia outro lado da história que não era conveniente mostrar. Portanto, para criar uma história
completa, é necessário estar atento a ambos os lados. E para isso, devem-se levantar suspeitas.

A primeira delas é a suspeita de poder. Isso implica que, ao escrever a história total, é necessário
questionar o exercício do poder. Examina-se como o poder é exercido, quem o detém, como é
legitimado e como influencia a vida das pessoas. Se falarmos sobre conservadorismo, chegamos
às grandes autoridades, mas se pretendemos falar de uma ideologia militante, falamos sobre o
poder do povo pela derrubada dessa autoridade.

A segunda é a suspeita do romantismo. O passado é frequentemente retratado de maneira


heroica ou idealizada do que realmente foi. Será que Dom Pedro I realmente estava à margem
do rio Ipiranga em cima de seu cavalo branco, levantando sua espada de forma heroica e
gritando "Independência ou morte", ou estava sofrendo de uma forte disenteria? Assim, os
historiadores críticos questionam essas representações idealizadas e buscam uma compreensão
mais complexa e autêntica do passado.

A terceira é a suspeita das continuidades. Esta sugere que as sociedades são moldadas por uma
série de mudanças e continuidades ao longo do tempo. O futuro não é uma simples linha de
evolução do presente e do passado. As gerações anteriores eram diferentes da atual, em termos
de valores, crenças e contextos sociais únicos. Por mais que muitos aspectos do passado tenham
progredido para melhorias, como o direito das mulheres e o combate ao racismo e à xenofobia,
vemos também muitos aspectos que parecem estar regredindo. Um exemplo disso é o debate
sobre a descriminalização do aborto, a privatização das empresas estatais e o voto sigiloso do
STF. Portanto, devemos ter em mente que as gerações futuras serão diferentes, e isso não
necessariamente significa uma evolução.

Por fim, mas não menos importante, a suspeita da ideia de progresso e evolução é essencial.
Questionar a crença de que a sociedade está sempre avançando em direção a um estado melhor
é crucial. Muitas vezes, as pessoas tendem a ver seu próprio tempo como o ápice do progresso
humano. Segundo Ricoeur, essa ideia se constitui quando se decide conservar da história apenas
aquilo que pode ser considerado como "acumulação de algo adquirido" (RICOUER apud
LOPES, p. 7). Nesse nível, não há drama, não se fala em crises e decadências. No entanto, é
importante ter em mente que o progresso não é linear e que as sociedades podem regredir em
certos aspectos. Portanto, devemos questionar a ideia de que o presente é uma evolução natural
e inevitável do passado, enfatizando as complexidades e contradições das mudanças sociais ao
longo do tempo.
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5 CONCLUSÃO

Ao analisar a trajetória da historiografia, desde os debates do século XIX até as críticas


contemporâneas ao positivismo, torna-se evidente que a busca pela verdade histórica é
complexa e multifacetada. Os historiadores do passado buscavam respostas sobre o que deveria
ser considerado como fonte histórica, limitando-se muitas vezes a registros escritos e fatos
políticos. No entanto, a verdadeira história vai além desses parâmetros restritos.

Este estudo destaca a importância de levantar suspeitas sobre diferentes aspectos ao contar uma
história autêntica. A suspeita do poder nos leva a questionar quem detém o controle sobre as
narrativas históricas e como isso influencia nossa compreensão do passado. A suspeita do
romantismo nos alerta para as representações idealizadas do passado, incentivando-nos a buscar
uma compreensão mais genuína e complexa. A suspeita das continuidades nos lembra de que
as sociedades são moldadas por mudanças e permanências, desafiando a visão linear do
progresso. Finalmente, a suspeita da ideia de progresso nos faz refletir sobre a crença na
evolução constante e nos lembra que as sociedades podem regredir em certos aspectos.

Portanto, uma boa história é aquela que abraça a complexidade, reconhece as múltiplas
perspectivas e não teme confrontar os poderes estabelecidos. É uma narrativa que vai além dos
eventos políticos, capturando a vida cotidiana, as vozes marginalizadas e as dinâmicas sociais
subjacentes. É uma história que não se contenta com idealizações românticas, mas busca a
verdade mesmo que ela seja desconfortável. É uma história que reconhece que o progresso não
é linear, que crises e retrocessos são partes inevitáveis do processo histórico.

Em última análise, ao abraçarmos a suspeita como uma ferramenta essencial na construção da


história, podemos nos aproximar mais da verdade, mesmo que essa verdade seja complexa,
multifacetada e, por vezes, contraditória. Ao entender que a história é uma interseção de poder,
memória, valores e mudanças sociais, podemos construir narrativas mais inclusivas, autênticas
e significativas, que nos ajudam a compreender não apenas o passado, mas também o presente
e o futuro com maior clareza e discernimento.
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REFERÊNCIAS

HESPANHA, Antônio Manuel. Histórias das instituições: épocas medieval e moderna.


Coimbra: Almedina. 1982.

LOPES, José Reinaldo de Lima. O direito na história: lições introdutórias. 2000.

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