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ACÓRDÃO
2. De acordo com o entendimento desta Corte, a fraude à cota de gênero deve ser aferida
caso a caso, a partir das circunstâncias fáticas de cada hipótese, notadamente levando-se em
conta aspectos como falta de votos ou votação ínfima, inexistência de atos efetivos de
campanha, prestações de contas zeradas ou notoriamente padronizadas entre as candidatas,
dentre outras, de modo a transparecer o objetivo de burlar o mínimo de isonomia entre
homens e mulheres que o legislador pretendeu assegurar no art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97.
5. Também quanto à candidata Maria Eterna, há outros elementos que confirmam que sua
candidatura foi meramente fictícia, haja vista que: (a) obteve votação zerada; (b) prestação de
contas sem registro de despesas; (c) efetuou propaganda eleitoral em favor de candidato
adversário.
7. A referida candidatura mostrava-se natimorta desde o início, considerando que, nos termos
da Súmula 42/TSE, resultante de jurisprudência consolidada há quase 15 anos, “a decisão que
julga não prestadas as contas de campanha impede o candidato de obter a certidão de
quitação eleitoral durante o curso do mandato ao qual concorreu, persistindo esses efeitos,
após esse período, até a efetiva apresentação das contas”. Além disso, não se pode eximir a
grei de responsabilidade, visto que descumpriu o dever de avaliar com antecedência a
possibilidade mínima de êxito do registro de candidatura que pleiteou, assumindo por sua
conta e risco o lançamento de candidata que apresentava óbice relevante, além de não a ter
substituído a tempo e modo.
8. O intuito de burlar a regra do art. 10, § 3º, da Lei das Eleições fica ainda mais evidente
porque a candidata apresentou: (a) votação inexpressiva: obteve 11 votos em município com
mais de 150.000 habitantes; (b) prestação de contas sem registro de despesas.
9. A reforma do aresto a quo não demanda reexame de fatos e provas, vedado pela Súmula
24/TSE, mas a análise de fatos públicos e notórios disponíveis no Sistema Divulgacand desta
Justiça especializada.
10. No que tange à inelegibilidade – aplicável apenas a quem tiver “contribuído para a prática
do ato” (art. 22, XIV, da LC 64/90) –, extrai-se das razões recursais que os recorrentes não
pugnaram pela incidência da sanção. Assim, deixo de decretá-la quanto a Maria Carmelita e,
ainda, aos dirigentes partidários que não integraram o processo (por sua vez, em relação a
Maria Eterna, ela própria formalizou a desistência da candidatura logo no início do período
eleitoral).
11. Agravo provido para conhecer do recurso especial e lhe dar provimento para: (a) cassar os
candidatos vinculados ao Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP) do
Diretório do Partido Republicano da Ordem Social (PROS) de Senador Canedo/GO; (b) anular
os votos obtidos pela chapa proporcional, com o recálculo dos quocientes eleitoral e partidário
(art. 222 do Código Eleitoral).
1. A ausência dos autores da AIJE à oitiva testemunhal não autoriza presumir que tenham perdido o interesse de
agir, mesmo porque os autores não arrolaram testemunha. De todo modo, não lhes foi oportunizado manifestar a
respeito, o que, per se, violou o direito ao contraditório explicitamente garantido no art. 10 do CPC, consumando
error in procedendo a impor a cassação da sentença e, considerando a madureza da causa, passar ao
julgamento do mérito.
2. A configuração de fraude à proporcionalidade fixada no art. 10, §3º, da Lei nº 9.504/1997 exige provas
inconcussas de fatos/circunstâncias do caso concreto que possam se somar denotando segura convicção sobre
premeditado objetivo (má-fé ou dolo) de burlar a citada regra.
3. No caso sob exame, alegou-se como indício de fraude tão-só a não substituição de uma candidata que
renunciou e de outra cujo RRC foi indeferido. Porém, não se comprovou qualquer fato/circunstância peculiar ao
caso e que estivesse em direta convergência com os apontamentos indiciários, ilidindo-se suposta premeditação
ou má-fé por parte das candidatas ou de sua sigla partidária.
4. Verificou-se que a sentença indeferitória do RRC da candidata Maria Carmelita transitou em julgado há menos
de 20 (vinte) dias das eleições 2020, o que impossibilitava sua agremiação de substituí-la, rechaçando o
ventilado intuito fraudulento.
5. A despeito de a renúncia da candidata Maria Eterna ter sido homologada quando ainda restavam 2 (dois) dias
do prazo para substitui-la, não se comprovou que o partido recorrido tenha sido intimado, no processamento do
seu DRAP, especificamente para lhe determinar que readequasse o percentual de gênero de sua chapa
proporcional (art. 36 da Resolução TSE nº 23.609/2019), situação que repele o pretenso indício de fraude pela
não substituição da candidata que renunciou; conduta que, isoladamente, poderia configurar apenas negligência
ou incúria da agremiação.
6. Recurso Eleitoral conhecido e provido em parte para cassar a sentença extintiva e, no mérito, julgar
improcedente os pedidos da AIJE.
a) quanto a Maria Eterna do Nascimento, “[a] prova, inconteste, do seu desejo de não
candidatura, está consignado no documento juntado aos autos, pelo próprio partido, no qual este
declara, textualmente, que a candidata na data de 24/09/2020, protocolou, junto ao partido
PROS, do qual era a sua Vice-Presidente, o seu PEDIDO DE RENÚNCIA, mas que o PROS, de
forma DELIBERADA e FRAUDULENTA, retardou a juntada do pedido de renúncia, só o
fazendo, perante a Justiça Eleitoral, no dia 20/10/2020” (fl. 10);
d) “Maria Carmelita, teve o seu pedido de registro indeferido [...] haja vista que a candidata não
tinha quitação eleitoral, por ter sido candidata nas eleições de 2018 e teve as contas de
campanha julgadas como não prestadas” (fl. 13);
f) “[o] TSE entende que caso as supostas candidaturas sejam apresentadas em desacordo com
as formalidades legais, ensejam, por certo, o indeferimento do DRAP” (fl. 17);
g) “[a]s duas candidatas (indeferida e renunciante) nunca tiveram o animus de ser candidata,
porquanto não fizeram campanha, não confeccionaram material de campanha e tiveram suas
prestações de contas zeradas ou em valores ínfimos” (fls. 18-19);
O recurso foi inadmitido pela Presidência do TRE/GO (ID 159.309.300), o que ensejou agravo
(ID 159.309.305).
Apresentaram-se contraminuta e contrarrazões (IDs 159.309.312 e 159.309.315).
VOTO
1. A fraude à cota de gênero de candidaturas femininas representa afronta aos princípios da igualdade, da
cidadania e do pluralismo político, na medida em que a ratio do art. 10, § 3º, da Lei 9.504/1997 é ampliar a
participação das mulheres no processo político-eleitoral.
[...]
[...]
(AgR-AREspE 0600651-94/BA, redator para acórdão Min. Alexandre de Moraes, DJE de 30/6/2022) (sem
destaque no original)
[...] “as circunstâncias indiciárias relativas à elaboração das prestações de contas, associadas aos
elementos de prova particulares de cada candidata – relações de parentesco entre candidatos ao mesmo
cargo, votação zerada ou ínfima, não comparecimento às urnas, ausência de atos de propaganda, entre
outros –, seriam suficientes para demonstrar, de forma robusta, a existência da fraude no cumprimento
dos percentuais de gênero previstos no art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97” (REspe 409-89/SP, Rel. Min. Sérgio
Banhos, DJE de 13/3/2020).
[...]
(ED-REspEl 0600743-91/SC, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJE de 2/8/2022) (sem destaque no original)
Em acréscimo, frise-se que, em recentíssimo julgado, esta Corte Superior assentou que as
agremiações partidárias – condutoras exclusivas das candidaturas no âmbito do processo eleitoral – devem se
comprometer ativamente com o lançamento de candidaturas femininas juridicamente viáveis, minimamente
financiadas e com pretensão efetiva de disputa.
Nessa perspectiva, se houver impugnação ao registro, devem os partidos, quando houver tempo
hábil, substituir candidaturas que não reúnam condições jurídicas para serem deferidas ou sobre as quais paire
dúvida razoável sobre a sua viabilidade ou, ainda, por outros meios, fazer as adequações necessárias à
obediência da proporção mínima de candidaturas masculinas e femininas, sob pena de virem a ser
consideradas fictícias para os fins de fraude à cota de gênero (art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97). Confira-se:
[...]
[...]
11. Do exame das premissas fáticas registradas pela instância ordinária, extrai-se o seguinte:
a) o registro da candidatura de Eloide Oliveira da Silva foi indeferido por ausência de comprovante de
escolaridade, na véspera do prazo fatal para a substituição dos candidatos;
b) a candidatura de Maria Amelia Soares dos Santos Borges foi indeferida por ausência de quitação eleitoral,
mesmo tendo a candidata ajuizado, antes do período eleitoral, pedido de regularização com tutela de urgência,
com a finalidade de fazer cessar os efeitos da inadimplência no dever de prestar contas eleitorais da campanha
de 2016;
c) embora não tenha havido intimação do partido para a adequação do DRAP, é incontroversa a respectiva
ciência sobre a situação jurídica das candidatas, mais especificamente a inexistência de comprovante de
escolaridade de Eloide Oliveira da Silva e a não quitação eleitoral de Maria Amelia Soares dos Santos Borges,
decorrente da omissão do dever de prestar contas no pleito anterior;
d) a despeito do indeferimento do registro, não houve notícia de que as candidatas buscaram medidas jurídicas
para reverter o resultado provisório do processo de registro de candidatura;
12. A partir do parâmetro hermenêutico de que o lançamento de candidaturas femininas deve ser efetivo,
minimamente viável no plano jurídico, a insistência do partido em manter, como integrantes de sua cota
mínima, candidatas com óbices relevantes ao deferimento dos respectivos registros, associada à inação
das candidatas para a defesa de suas candidaturas e para a consequente continuidade das campanhas,
evidencia a fraude ao art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97, mediante o preenchimento ficto da cota de gênero por
quem não tinha a pretensão nem as condições jurídicas para participar do pleito.
13. Se o partido agravado decidiu manter candidaturas femininas juridicamente inviáveis, ou sobre as
quais pairava razoável dúvida, fê-lo por conta e risco e sob pena de, uma vez desatendido o mínimo
legal, ver reconhecida a fraude aos comandos normativos alusivos à promoção da participação da
mulher na política e na representação de cargos parlamentares.
[...]
A partir dessas considerações, passo ao exame do caso dos autos, em que se impugnam as
candidaturas de Maria Carmelita Gomes Ferreira e de Maria Eterna do Nascimento, havendo elementos
robustos a evidenciar o descumprimento da ação afirmativa em análise.
A fraude à cota de gênero na candidatura de Maria Carmelita Gomes Ferreira revela-se, de
início, a partir dos seguintes elementos preliminares:
(a) a candidata teve o seu pedido de registro às Eleições 2020 indeferido, por meio de sentença
publicada em 24/10/2020, devido à ausência de quitação eleitoral, tendo em vista que suas
contas do pleito de 2014 foram julgadas como não prestadas e não há notícia de que procurou
regularizar a situação (processo 0600439-80, acessível ao público por meio do Sistema
Divulgacand);
(b) a grei, além de não interpor recurso contra a sentença de indeferimento do registro, em
nenhum momento tomou o cuidado de providenciar a substituição da candidata.
Assim, ao tempo em que se requereu o registro de Maria Carmelita ao pleito de 2020, sua
candidatura era juridicamente inviável devido à falta de quitação eleitoral. Isso porque, nos termos da Súmula
42/TSE, resultante de jurisprudência consolidada há quase 15 anos, “a decisão que julga não prestadas as
contas de campanha impede o candidato de obter a certidão de quitação eleitoral durante o curso do mandato
ao qual concorreu, persistindo esses efeitos, após esse período, até a efetiva apresentação das contas”.
Por conseguinte, a referida candidatura mostrava-se natimorta desde o início, considerando o
intransponível óbice da falta de quitação eleitoral.
Além disso, não se pode eximir a grei de responsabilidade, visto que descumpriu o seu dever de
avaliar com antecedência a possibilidade mínima de êxito do registro de candidatura que pleiteou. Ao agir
dessa forma, assumiu, por sua conta e risco, o lançamento de candidata que apresentava óbice relevante ao
deferimento, além de não a ter substituído a tempo e modo nem ter feito as adaptações necessárias para
preservar a proporção entre candidatos de cada gênero.
Não bastasse o vício que macula a candidatura de Maria Carmelita desde o seu nascedouro – e
quanto ao qual o partido não adotou nenhuma providência –, o intuito de burlar a regra do art. 10, § 3º, da Lei
das Eleições fica ainda mais evidente porque a candidata apresentou:
(a) votação inexpressiva: obteve 11 votos em município com mais de 150.000 habitantes;
(b) prestação de contas sem registro de despesas, conforme se verifica pelo Sistema
Divulgacand;
(b) no mesmo dia 15/10/2020, a candidata entregou o termo de renúncia ao partido, que o
apresentou em juízo somente em 20/10/2020, vindo a ser homologado pelo juiz eleitoral em
24/10/2020.
A partir desse quadro fático, depreende-se a fraude à cota de gênero na candidatura de Maria
[...]
4. Na espécie, extrai-se do aresto a quo que a fraude à cota de gênero se revelou da seguinte forma: (a)
quatro candidaturas femininas lançadas pela Coligação Por uma Santa Isabel Melhor tiveram seus
registros indeferidos por total ausência de documentos obrigatórios; (b) não houve qualquer espécie de
irresignação, seja mediante embargos declaratórios ou recurso eleitoral, pelas supostas candidatas ou
pela respectiva legenda, a fim de anexar os documentos faltantes; (c) a grei em nenhum momento tomou
o cuidado de providenciar a substituição. Essas circunstâncias, em sua somatória, denotam a inércia
dolosa.
[...]
(REspEl 0000972-04/PA, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJE de 26/10/2022) (sem destaque no original)
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[...]
14. O contexto não autoriza concluir que essas falhas decorreram de erros administrativos da grei, conforme
entendeu a Corte de origem, pois, de um modo geral, nota-se a precariedade – ou má-fé – com que foram
instruídos os pedidos de registro, com uso de fotografia de pessoa diversa (como ocorreu com Solange) e de
recorte de imagem extraída da internet (tal como se deu com Roseli). Além disso, os partidos conduziram os
acontecimentos de forma a retardar a renúncia de Márcia, tornar inviável a de Rosimere e, quanto a uma
terceira (Creuza), nem sequer a comunicou sobre o indeferimento do registro para que pudesse sanear a
falha, o que enfraquece a justificativa de que não houve tempo hábil para substituí-las.
[...]
Também quanto à candidata Maria Eterna, há outros elementos que confirmam que sua
candidatura foi meramente fictícia, haja vista que:
Ressalte-se que a reforma do aresto a quo não demanda reexame de fatos e provas, vedado
pela Súmula 24/TSE, mas a análise de fatos públicos e notórios disponíveis no Sistema Divulgacand desta
Justiça especializada.
Caracterizada a fraude, tem-se como consequência a cassação de toda a chapa beneficiada,
sob pena de perpetuar a burla à previsão de mínima isonomia de gênero prevista no art. 10, § 3º, da Lei
9.504/97, e a inelegibilidade daqueles que efetivamente praticaram ou anuíram com a conduta, nos termos do
remansoso entendimento desta Corte Superior:
ELEIÇÕES 2016. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO (AIME). AÇÃO
DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). FRAUDE NA COTA DE GÊNERO. PROVAS ROBUSTAS.
COMPROVAÇÃO. PROVIMENTO.
[...]
[...]
(REspEl 764-55/PR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, DJE de 18/5/2021) (sem destaque no original)
No que tange à inelegibilidade – que, nos termos do art. 22, XIV, da LC 64/90, aplica-se apenas
àqueles que “hajam contribuído para a prática do ato” –, saliente-se que os recorrentes não pugnaram pela
incidência da sanção em seu recurso.
Por conseguinte, deixo de decretá-la quanto a Maria Carmelita e, ainda, aos dirigentes
partidários que não integraram o processo. Em relação a Maria Eterna, como se viu, ela própria formalizou a
desistência de sua candidatura logo no início do período eleitoral.
Ante o exposto, dou provimento ao agravo para conhecer do recurso especial e lhe dar
provimento para: (a) cassar os candidatos vinculados ao Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários
(DRAP) do Diretório do Partido Republicano da Ordem Social (PROS) de Senador Canedo/GO; (b) anular os
votos obtidos pela chapa proporcional, com o recálculo dos quocientes eleitoral e partidário (art. 222 do Código
Eleitoral).
Determino, por fim, a reautuação do feito e a imediata execução do aresto, independentemente
de publicação, comunicando-se com urgência ao TRE/GO.
É como voto.