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Frente Módulo

FILOSOFIA A 03
A busca pela verdade:
Sócrates e latão
SCRATES E OS SOSTAS – O SER HUMANO
COMO CENTRO O ROLEMA LOSCO
Contexto histórico: Após a vitória na guerra contra os Persas, Atenas despontou
como a maior e mais importante de todas as cidades-Estado
Atenas, o centro cultural (pólis) gregas, representando o que havia de melhor no
e político do mundo grego mundo grego. Com o crescente comércio e a expansão
marítima e pelo consequente enriquecimento progressivo,
Os lósoos naturalistas buscavam explicar a origem do a grande pólis desenvolveu uma classe comerciante muito
cosmos a partir de um (ou mais de um) princípio ordenador
infuente, que exigia uma participação mais consistente na
do universo (a arché). Nos séculos VI e V a.C., após
tomada de decisões da cidade, tornando, portanto, essencial
diversas tentativas de explicar racionalmente a natureza,
a consolidação das instituições democráticas e a participação
alguns lósoos começaram a restringir o campo de suas
investigações, buscando compreender uma parte da do demos (povo) na vida política.
natureza: o ser humano e a sociedade. Sócrates e os sostas
oram importantes lósoos desse momento.

Um aspecto importante acerca do desenvolvimento do


pensamento losóco é que as refexões losócas são
resultado do contexto histórico vivenciado pelas pessoas. Isso
signica que, quando a história muda, a Filosoa também
muda. Muitas vezes, o objetivo da Filosoa é compreender
a realidade, buscando sua verdade última. Por essa razão,
o ponto de partida da refexão é a realidade, caso contrário,
a Filosoa poderia se tornar um modo de pensar e de viver
sem conexão com a realidade do ser humano, perdendo toda
a sua beleza e sua razão de ser. Para compreendermos a
losoa de Sócrates e dos sostas, e a guinada losóca que
eles representaram na História da Filosoa (a ponto de muitos
considerarem Sócrates o verdadeiro iniciador desse modo
Istockphoto

de pensar), precisamos compreender o contexto histórico


em que seus pensamentos surgiram.
Atenas hoje.
O período de Sócrates e dos sostas pode ser caracterizado
por duas mudanças que serviram como reerência para as Historicamente, o poder estava nas mãos de poucas
refexões daquela época: pessoas, que representavam a aristocracia dominante
desde os primórdios daquela civilização, tempos em
1) A mudança da Filosofia na perspectiva
geográfco-política, posto que ela se desloca da que as pessoas ainda viviam em pequenas vilas e se
Ásia menor e da Magna Grécia, onde cam as cidades organizavam em torno da agricultura e da posse de terras.
de Cóloon, Éeso, Mileto e Samos, que oram o berço Com a ormação das pólis a partir do século VIII a.C., essas
da Filosoa pré-socrática, para a Grécia continental, aristocracias ainda se impunham como representantes
a Ática, mais especicamente, para Atenas. do poder – inclusive o religioso – pelos laços de sangue,
2) A mudança da problemática filosófica: os pela tradição e pela autoridade. Porém, nesse cenário de
pré-socráticos preocupavam-se com a natureza e transormações, a aristocracia começou a perder seus
sua origem, e nesse novo momento a Filosoa busca privilégios. Prova disso oram as reormas políticas realizadas
compreender o ser humano e a sociedade. nesse período.

Bernoulli Sistema de Ensino 35


rente A Módulo 03

Em 594 a.C., Sólon undou a democracia e as leis a que Ao contrário do que ocorria antes, na nova política ateniense
todos deveriam se submeter sem poder apelar às tradições não havia mais espaço para que alguns se impusessem, pelo
particulares patriarcais. A partir de 510 a.C., Clístenes poder ou prestígio, aos outros, sendo todos os cidadãos iguais
organizou a política, principalmente as instituições que perante a cidade nesse novo momento.
representariam o lugar para as maniestações dos cidadãos
Por essa razão, o conhecimento de alguns sobre um
no governo e na tomada de decisões na cidade. Entre
assunto especíco não os azia melhores do que os outros,
essas instituições, havia a Boulé, conselho de quinhentos
sendo considerada tirania a imposição do saber ou orça de
cidadãos escolhidos por sorteio, que cuidava das questões
indivíduos sobre a opinião dos demais, postura não mais
políticas cotidianas, e a Ekklesía, assembleia geral de todos
admitida. Na política ateniense, aquele que possuía mais
os cidadãos atenienses. O poder de azer leis, de resolver
técnica ou mais competência não tinha mais poder do que
confitos, de declarar inícios ou ns de guerras, de administrar
os outros cidadãos que não as possuíam.
a cidade estava nas mãos do povo, estabelecendo-se, assim,
a democracia (demos: cidadãos, povo; krátos: poder). Dois princípios undamentais guiaram a democracia grega:

Apesar de o termo democracia ter sua origem na Grécia, 1 – Isonomia: igualdade de todos os homens perante
o modo como os gregos viviam sua democracia era muito a lei.
distinto do modo como as democracias modernas se 2 – Isegoria: o direito de todo cidadão expor em público
organizam hoje. A democracia atual é representativa, suas opiniões e ideias e tê-las em consideração nas
o que signica que alguns são escolhidos para representar tomadas de decisão.
os interesses e as necessidades do povo. No caso do Brasil,
eles são os vereadores, preeitos, deputados, senadores, Economicamente, Atenas também se transormou em

governadores e presidente da república. Dierentemente uma potência sem precedentes na história da Grécia.

da democracia contemporânea, na Grécia antiga eram Pelo desenvolvimento do comércio e do artesanato,

considerados cidadãos somente os homens maiores de tornou-se um porto cosmopolita pelo qual chegavam e
partiam praticamente todas as mercadorias produzidas e
21 anos, livres, naturais de Atenas e que tinham posses,
comercializadas entre os vários povos do mundo conhecidos
pelo menos uma casa e alguns escravos. Assim, não havia
nessa época. Consequentemente, passou a ser um centro
a participação de todo o povo, já que mulheres, crianças,
urbano importantíssimo, com um poder bélico e naval
estrangeiros e escravos não eram considerados cidadãos.
também sem precedentes, o que trouxe problemas sérios
Em segundo lugar, era uma democracia direta ou participativa,
de rivalidade com outros povos; sendo um dos resultados
em que os cidadãos podiam maniestar em praça pública
a Guerra de Peloponeso, narrada detalhadamente por
(ágora) suas opiniões e ideias, de modo que os cidadãos podiam
Tucídides e Xenoonte.
participar diretamente do processo de tomada de decisão.
O voto não existia como meio de eleger um representante no Mesmo em meio à Guerra de Peloponeso, Atenas conheceu
governo, mas como instrumento de maniestação da vontade o auge de seu desenvolvimento. Esse período cou conhecido
particular para a decisão em casos especícos. como “O século de Péricles” (de 440 a 404 a.C.).

A Guerra de eloponeso
Esse conronto entre Atenas e Esparta, um dos mais importantes e conhecidos da Antiguidade,
aconteceu em Peloponeso, península ao sul da Grécia. Atenas constituía o mais importante
Autor desconhecido / Museu Arqueológico de Esparta

polo político e comercial do mundo no século V a.C., e Esparta, cidade-estado grega de


tradição tipicamente militarista, cultivava hábitos austeros para ormar o caráter guerreiro de
seus cidadãos. Segundo Tucídides, a razão undamental da guerra oi o crescimento do poder
ateniense e o temor gerado por esse crescimento entre os espartanos devido à ascendente
infuência dos atenienses na península de Peloponeso. Diante do poderio militar de Esparta,
Atenas se rendeu, culminando com execução de um golpe político, encabeçado pela antiga
aristocracia ateniense, acabando com a democracia e implantando um sistema de governo
autoritário, a Tirania dos Trinta, que durou menos de um ano. Guerreiro grego.

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A busca pela verdade: Sócrates e latão

A tragédia grega: educando Desrespeitando a lei imposta pela cidade – e não pelos
deuses –, por amor ao seu irmão e pelo dever da tradição,
a partir dos novos valores da pólis
segundo a qual as mulheres deveriam enterrar os mortos

Nesse contexto de alterações em Atenas, o gênero literário de suas amílias, Antígona enterrou seu irmão.

e teatral, denominado de tragédia grega, ocupou um papel A essência do enredo é o confito gerado pela contra-
de suma importância para os gregos, principalmente durante posição entre a tradição e as novas possibilidades da
os séculos V e VI a.C. Os principais representantes oram democracia. Esse confito é exemplicado pelo seguinte
Sóocles, Ésquilo e Eurípides. questionamento: Antígona deve obedecer às leis da cidade
Podemos descrever três aspectos importantes da tragédia e dos seres humanos, ou deve seguir as leis naturais ou
nesse período: divinas que lhe garantiam o direito de enterrar seu irmão?
Se, de um lado, temos os direitos garantidos aos seres

LOSOA
A relação da tragédia com o aspecto humanos pelos deuses ou pela própria natureza, ou seja,
cívico do povo e da cidade a tradição, do outro temos as leis da cidade que podem
confitar com esses direitos tradicionais.
As tragédias eram escritas e representadas durante
as estividades cívicas de Atenas para serem utilizadas
como instituição social de caráter democrático e levarem
os gregos a refetirem sobre a cidade e o surgimento da
democracia. A própria cidade nanciava os escritores e
as apresentações, e um grupo de cidadãos ou um colégio
ormavam o coro da tragédia.

Nikiphoros Lytras / Galeria Nacional da Grécia


Leis divinas versus leis humanas
Esse segundo aspecto da tragédia, intrinsecamente ligado
ao seu papel cívico, tem como undo as transormações das
relações entre as pessoas que, inicialmente, se vingavam
umas das outras, azendo, de acordo com o direito dado
Na tragédia grega Antígona, a protagonista quer enterrar seu
pelos deuses, com que as leis e as tradições aristocráticas
irmão para que ele não perca a honra, indo contra as leis da
permitissem tais atitudes. Porém, na terceira parte da cidade, as quais a proibiam de azê-lo.
tragédia (em geral as tragédias eram trilogias), os deuses
davam às pessoas a possibilidade de decidirem, mesmo
contra as leis divinas tradicionalmente aceitas, as penas
aos crimes cometidos por eles. Dessa orma, a democracia,
eetivada na discussão e no diálogo, seria a responsável
pela decisão sobre os destinos das pessoas por meio das
leis criadas e dos julgamentos realizados em seus tribunais,
Charles Jalabert / Museu de Belas Artes de Marselha

independentes das divinas.

Essa contraposição, porém, gerou um confito entre as


pessoas, o qual oi bem exemplicado na tragédia Antígona,
de Sóocles. Nessa obra, Antígona deseja enterrar Policine,
seu irmão que havia sido morto após atentar contra a cidade,
que era governada por Creonte (tio de Antígona). Pela lei da
cidade, como Policine oi acusado de traição política, seu corpo
Nessa representação, Antígona e seu irmão Édipo sendo alvo da
não poderia ser enterrado nem receber as honras do ritual reação das pessoas por ter enterrado seu irmão, contrariando
únebre, tendo de car exposto até ser devorado por animais. as leis da cidade.

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rente A Módulo 03

A nova educação ateniense: Os sofistas: os mestres


uma nova Areté na arte de ensinar
Com as reormas realizadas por Sólon e Péricles, surgiu um O conhecimento sobre os sostas é pequeno e incerto,
novo cenário social, político, econômico e cultural em Atenas. já que não há, além da obra de Isócrates – um sosta tardio –,
nenhuma obra escrita por eles. Dos mais importantes
A situação de Atenas nesse período era constituída de:
sostas, como Protágoras, Górgias e Hípias, não temos
nascimento da democracia; gradativa perda do poderio por
mais do que reerências de citações e ragmentos eitas
parte da aristocracia dominante, ligada à terra, ao sangue
por lósoos que discordavam da atividade soística, como
e à guerra; desenvolvimento de uma nova classe social,
Tucídides, Aristóanes, Platão e Aristóteles. Por essa razão,
composta pelos artesãos e comerciantes; o nascimento
o conhecimento sobre os sostas situa-se no contexto das
de valores caros a essa nova classe que surgia.
críticas eitas a eles por aqueles que não concordavam com
Anteriormente, para a aristocracia, classe social undamentada a sua atividade.
no sangue e na linhagem, o termo areté se reeria à ormação
do jovem guerreiro belo e bom, orjado pelo treinamento ísico,
possuidor de uma coragem ímpar para a guerra e decidido, caso
A atividade dos sofistas
necessário, a morrer na rente de batalha, coroado pela “bela Nesse período de transormações, surgiu um modo de vida
morte”. Os guerreiros deviam car no ócio durante toda a vida, proundamente marcado pela gura do cidadão, o qual devia
sem poder trabalhar, até o dia em que sairiam para a guerra. cultivar os valores cívicos, de modo que o demos governasse
Por isso, de acordo com esse modo de vida, era imprescindível a cidade discutindo e tomando decisões em conjunto
a presença do escravo para os trabalhos manuais, que eram na ágora. Para que os homens pudessem eetivamente
desprezados e considerados tarea indigna para homens participar dessa democracia, era essencial que tivessem
superiores. A educação do guerreiro era eita no ginásio, visando as habilidades necessárias para concretizarem a discussão
à pereição do corpo. Com preceptores (mestres) que lhes uma vez que não era possível o exercício da democracia,
ensinavam poesia, com base na leitura de Homero e Hesíodo, nos moldes atenienses, sem a habilidade de expor suas ideias
buscavam a pereição do espírito. Esses belos e ortes guerreiros por meio de argumentos. Foi essa a unção dos sostas:
pertenciam à estirpe dos áristoi (os melhores). ensinar o cidadão a alar. Eles eram mestres de retórica
ou oratória, ambas entendidas como a arte de alar bem.
Nesse novo momento, o termo areté se modicou, já que Eram proessores, muitas vezes itinerantes, que, passando
o modo de vida ideal do ateniense mudou. A nova areté se de cidade em cidade, ensinavam, somente mediante
reeria à ormação do cidadão para o governo da pólis e pagamento, aos jovens, dando mostras de sua eloquência
visava à excelência moral e política, resumindo as virtudes ao manipular as palavras no meio do povo.
cívicas do cidadão que deveria ser capaz de, correta e
dignamente, pensar no bem da pólis. O ideal de excelência, Foram os sostas os primeiros proessores na história da
nessa perspectiva, era o cidadão como bom orador, aquele educação. Ensinavam a arte de argumentar e persuadir,
que na ágora pronunciava seu discurso e azia política, pois a undamental para que o cidadão se destacasse com
democracia, maior e mais importante característica da pólis, argumentos e vencesse as discussões na democracia grega.
se concretizava pelo logos, pela palavra, pela discussão. Quem soubesse alar melhor, sabendo convencer o outro,
quem tivesse astúcia nas palavras ganhava a discussão
em praça pública.
A mudança de preocupação
da ilosofia: o ser humano O relativismo sofístico
como foco
Assim, com as transormações históricas ocorridas na
Grécia, a preocupação da Filosoa se deslocou da busca da
compreensão da arché da natureza, representada pela Filosoa
pré-socrática, para a busca da compreensão do ser humano.
Nesse novo momento, o cosmos não era mais o oco de
René Magritte / Museu Boijmans Van Beuningen

investigação, mas sim o indivíduo e a sociedade. Os lósoos


buscaram, portanto, pensar o ser humano enquanto cidadão
e todos os aspectos políticos, sociais, econômicos e culturais
que dizem respeito aos homens livres e responsáveis pelo
uturo da cidade. Pode-se dizer que houve, naquele momento,
uma guinada antropocêntrica em que a pólis, as leis, o governo,
a cidadania se tornam mais importantes em detrimento da
busca da compreensão da origem e do uncionamento do
universo. Inseridos nesse contexto, os sostas oram guras
importantes para a História da Filosoa devido ao ato de se Os sofstas não acreditavam que existiam verdades únicas e
colocarem como os responsáveis por ensinar aos cidadãos aquilo absolutas sobre nada. Nessa representação do quadro de Renné
que era essencial para que a democracia se tornasse possível: Magritte, vemos como uma mesma imagem pode ser vista
a arte de alar. e interpretada por mais de um ponto de vista.

38 Coleção Filosofia / Sociologia


A busca pela verdade: Sócrates e latão

Os sostas transmitiam seus ensinamentos tanto para


Em honra dos soistas, deve ser dito que a persuasão
pequenos grupos de adultos quanto em aulas particulares
é preerível à orça e à violência e que a retórica é, por
para os mais jovens, principalmente aqueles de amílias mais
excelência, uma arte democrática que não pode forescer
abastadas, que viam em seus ensinamentos o caminho mais
numa tirania. Por isso Aristóteles lembra que o nascimento
curto e promissor para a ascensão política.
da retórica em Siracusa coincidiu com a derrubada do tirano.
Considerando a importância da democracia para a
GUTHRIE. W. K. C. The sophists.
sociedade grega, alar bem signicava ser ouvido e seguido
Londres: Cambridge University Press, 1971. p. 188. [Fragmento]
pelos outros, possibilitando azer valer suas ideias e sobrepor
as suas opiniões às dos demais.
Enm, a soística não era uma escola, pois não teve um
Devido a esse desejo de alcançar poder político, os sostas
undador. É um ensinamento, uma paideia. Os sostas
eram muito bem recebidos pelas amílias das classes sociais
ensinavam a deender e a atacar, uma ou outra coisa
emergentes, constituídas pelos comerciantes e artesãos.
quando conveniente, da mesma orma e com a mesma orça
Se as ideias podem ser deendidas ou condenadas, se é persuasiva. Por isso, aquele que discute deve aprender tanto
possível argumentar persuasivamente a avor ou contra

LOSOA
os argumentos contrários quanto os avoráveis ao mesmo
qualquer ideia, signica então que os sostas não acreditavam assunto se quiser vencer na discussão e azer valer sua
em verdades únicas e absolutas sobre nada. Ao discursarem opinião sobre a dos demais.
em praça pública, os sostas introduziram em Atenas o ardor
e o interesse pela dialética, enquanto disputa de ideias, e pela rotágoras de Abdera (481-411 a.C.)
retórica, entendida como a arte de alar bem. Trouxeram à
tona uma questão undamental para a compreensão de seu
pensamento: a crítica quanto à pretensão da Filosoa de
alcançar as verdades últimas das coisas. Será que realmente
existe uma natureza, uma essência, uma verdade única e
determinante que serve para todas as pessoas? Ou será
que as verdades podem variar, não passando de convenções
humanas sobre temas diversos?

Baseados na experiência de terem contato com pessoas


de outras regiões e por morarem na Jônia, região portuária

Jusepe de Ribera / Museu Wadsworth Atheneum


que recebia várias embarcações vindas de outras regiões,
os soistas deendiam não existirem valores, normas
ou ideias únicas e absolutas para todas as pessoas.

Em Atenas, os democratas deendiam que as leis, os cos-


tumes, as normas e valores antigos, próprios da aristocracia,
não passavam de convenções, as quais adquiriram, com o
passar do tempo, caráter de verdade única e inalterável, e que,
por isso, poderiam ser alteradas ou mesmo desconsideradas.
As consideradas verdades morais, políticas, religiosas, sobre Representação de Protágoras. Seu princípio do homo mensura
a natureza das pessoas, divididas como melhores ou piores, resume o relativismo soístico.
a origem dos estados e cidades; tudo era considerado pura
convenção, somente maniestação da vontade humana Sua mais importante rase, que resume seu pensamento e
de um determinado período histórico. em grande medida toda a soística, é “O homem é a medida
de todas as coisas; das que são por aquilo que são e das
Nessa perspectiva de que tudo se trata de convenção, basta
que se argumente, que se convença, que se apresente as que não são por aquilo que não são”. Dessa rase se inere
razões para que as leis, costumes, normas e “verdades” se o princípio do homo mensura, ou seja, do ser humano como
modiquem. É esse o signicado de retórica: a arte de oerecer medida das coisas, das ideias, das verdades. Segundo esse
razões, argumentos que possam persuadir as pessoas daquilo princípio, o ser humano é aquele que mede, julga e avalia
que é melhor e útil para elas e para a cidade. A arte da retórica, todas as coisas, como as experiências, as normas, os atos
a qual é a arte de convencer, undamenta-se, então, na arte em geral. Com esse pensamento, Protágoras negava que
da dialética, que é a arte de discutir e conrontar ideias. existisse um critério absoluto de verdade que determinasse
o also e o verdadeiro, sendo o único critério de avaliação
A retórica ensina, em primeiro lugar, que o que conta não das armações o próprio indivíduo. As coisas poderiam ser
é o ato em si, mas o que dele aparece, aquilo que pode de uma orma para alguém e completamente dierentes para
persuadir os homens. É a arte do logos que não é somente outra pessoa. Se o ser humano individual osse o critério para
discurso e raciocínio, mas também aparência e opinião, tudo, cada um pensaria e julgaria da maneira que mais lhe
conviesse ou que mais se adequasse às suas necessidades.
na medida em que estas se opõem aos atos, e sua nalidade
Dessa orma, ninguém estaria errado, mas cada um teria
é a persuasão.
a sua verdade.

Bernoulli Sistema de Ensino 39


rente A Módulo 03

Sócrates teve uma vida pobre e despojada com sua


SCRATES mulher Xantipa e seus lhos, pois deixou todas as tareas
práticas para se dedicar à sua missão. Dedicava-se dia e
noite ao conhecimento de si e levava todos os que dele se
aproximavam a buscá-lo por meio dos amosos diálogos,
realizados em praça pública, em círculos echados de amigos
ou qualquer outro lugar em que pudesse alcançar seu
objetivo: buscar levar as pessoas à verdade.

Sócrates: a “encarnação” da ilosofia


A losoa socrática se baseia, undamentalmente, nas
ideias do “Conhece-te a ti mesmo” e do “Só sei que nada sei”.
Com esse embasamento, a preocupação central e o mais
importante em toda a losoa de Sócrates oi pensar o ser
humano tal como os sostas aziam. Sócrates não se interessou
pelo conhecimento da origem do Universo, como era típico
Autor desconhecido / Museu Glyptothek

do pensamento pré-socrático, nem mesmo com as técnicas


do bom discurso, motivo de crítica por parte dos sostas.

Fazendo sempre a pergunta “o que é...?”, Sócrates se pôs


a serviço da verdade em busca de denições claras e únicas
sobre aquilo que determina a moral humana a m de encontrar
a verdade que servisse como critério das ações dos indivíduos
Busto de Sócrates no museu de Glyptothek, em Munique,
em sociedade.
Alemanha.
Essa missão de Sócrates começou quando seu amigo
Quereonte, indo consultar o Oráculo de Delos e perguntando-o
[...] meu amigo Sócrates, que não temo proclamar
quem era o homem mais sábio que existia, recebeu a notícia
o homem mais justo de seu tempo [...].
de que esse homem era Sócrates. Imediatamente, oi contar
PLATÃO. Carta sétima. In: PAVIANI, Jayme.
ao amigo o que o Oráculo disse. Surpreso com essa notícia,
Platão e a República. Rio de Janeiro:
Sócrates sabia que o Oráculo não podia estar errado e, então,
Jorge Zahar, 2003. p. 10.
colocou-se a questionar o que poderia haver por trás de tal
revelação. Nesse momento, inicia-se a chamada pesquisa
Nascido em Atenas em 470/468 a.C., lho de Soronisco,
socrática: ele saía em visita a todos os homens considerados
escultor, e Fenarete, parteira, Sócrates é considerado por
sábios de seu tempo, ou que tinham essa ama, os artesãos,
alguns o undador da chamada Filosoa Clássica. Pelo que
políticos e poetas mais importantes, dialogando com eles para
tudo indica, estudou Geometria e Astronomia com Arquelau
vericar o que haveria nele próprio de dierente dos outros
e se aproximou da concepção de cosmos de Anaxágoras.
homens que pudesse azer com que ele, e não os outros,
Saiu da cidade somente três vezes, e todas elas para lutar na osse considerado o mais sábio. Ao terminar suas visitas,
Guerra de Peloponeso. Nunca assumiu um cargo político de percebeu que enquanto os outros acreditavam que de ato
importância, como Péricles, por exemplo, tendo tido apenas sabiam tudo, Sócrates tinha consciência de que não sabia nada,
três participações nos tribunais da cidade, sendo que nas ou seja, notou que os outros acreditavam saber sobre todas as
duas primeiras se recusou a cumprir ordens que iam contra coisas e que por isso se echavam ao conhecimento, enquanto
as leis de Atenas. A terceira vez que esteve no tribunal oi ele reconhecia que aquilo que conhecia era muito pouco
como acusado. Em seu julgamento, oi condenado à pena ou insignicante em relação a tudo o que se podia conhecer.
capital, morrendo com 70 anos de idade.
Sócrates reconhecia que a cada conhecimento obtido uma
Diz a história que Sócrates começou a se dedicar à Filosoa nova ignorância surgia. Dessa orma, ele resumiu, em sua
quando, após visitar o Oráculo de Delos e ouvir uma voz vivência, o espírito da Filosoa, que se constitui na busca
interior que chamou de daimon (espécie de espírito bom incessante pela verdade por meio da investigação, da crítica e
ligado à pessoa que indicava os caminhos que ele não deveria do questionamento. Para Sócrates, a verdadeira losoa é uma
trilhar), entendeu a inscrição acima da porta do templo que atividade investigativa diante do mundo e não um conjunto
dizia “Conhece-te a ti mesmo” e tomou essa máxima como de conhecimentos e saberes prontos e acabados sobre o ser
sua missão até a morte. humano e o mundo.

40 Coleção Filosofia / Sociologia


A busca pela verdade: Sócrates e latão

O método de análise conceitual Ao buscar as ideias ou conceitos únicos, o ilósoo


acreditava que tais conceitos eram os undamentos das ações
Quando Sócrates se colocava a conversar com seus humanas e, por isso, determinariam o certo e errado, o bom
interlocutores, ele buscava deliberadamente não as opiniões e o mau, o justo e o injusto, etc. Para o lósoo, a nalidade
variadas de cada um sobre aquilo que estava sendo discutido, da vida ética é a autonomia, que é a capacidade do ser
mas o conceito em si mesmo. Para Sócrates, não importava humano de se guiar, dando para si, por meio da razão que
o que cada pessoa em particular pensava sobre o assunto ou encontra as verdades, suas próprias leis e normas morais.
os exemplos de uma ação que tinha uma característica, como
ações corajosas de um determinado indivíduo. A Sócrates O método socrático
interessava conhecer os conceitos de coragem, de justiça,
de verdade, entre outros conceitos do campo da moral.
do conhecimento

LOSOA
Johann Friedrich Greuter / Domínio Público
Raael Sanzio / Domínio Público

Para Sócrates, o conhecimento era alcançado por meio do diálogo.


Sócrates em sua prática do diálogo. Detalhe da obra A Escola A imagem representa Sócrates debatendo com seus alunos.
de Atenas.
Como já oi dito, Sócrates utilizava o diálogo a m de
Vejamos um exemplo, retirado do diálogo Ménon de Platão: encontrar o conceito ou a verdade única. Ele acreditava que
esse conceito estaria dentro da pessoa e que, para alcançá-lo,
Ménon: Você pode me dizer, Sócrates, se a virtude é algo
bastaria que as ideias ossem despertadas. A isso chamamos
maiêutica ou parto das ideias. No mesmo diálogo Ménon,
que pode ser ensinado ou que só adquirimos pela prática? Ou
Sócrates deixa clara essa ideia:
não é nem o pensamento nem a prática que tornam o homem
virtuoso, mas algum tipo de aptidão natural ou algo assim?
Sócrates: [...] Você deve considerar-me especialmente Portanto, em todos aqueles que não sabem o que são certas

privilegiado para saber se a virtude pode ser ensinada ou coisas, se encontra o conhecimento verdadeiro dessas coisas

como pode ser adquirida. O ato é que estou longe de saber [...]. E tais conhecimentos oram despertados nele como de

se ela pode ser ensinada, pois sequer tenho a ideia do que um sono; e creio que se alguém lhe zer repetidas vezes e

seja a virtude [...] E como poderia saber se uma coisa tem de várias maneiras perguntas a propósito de determinado

uma determinada propriedade se sequer sei o que ela é. assuntos, ele acabará tendo uma ciência tão exata como

Diga-me você próprio, o que é virtude? qualquer pessoa da tua sociedade [...]. Ele acabará sabendo,
sem ter possuído mestre, graças a simples interrogações,
PLATÃO. Ménon. Tradução de Maura Iglésias.
extraindo o conhecimento de seu próprio íntimo.
Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio, 2001. p. 23.
PLATÃO. Ménon. Tradução de Maura Iglésias.
Rio de Janeiro. Ed. PUC-Rio, 2001. p. 61-63.
É importante deixar claro que o objetivo de Sócrates
ao buscar a verdade sobre todas as coisas diz respeito
diretamente à vida das pessoas na cidade. Chamado de Para Sócrates, o conceito é a ideia do que a coisa é em
“pai ou undador da ética”, Sócrates acreditava que as si mesma, em sua essência, que é universal, e como tal
ações humanas deveriam seguir os mesmos valores, sendo só pode ser obtida pela razão. Ao dizer que a verdade está
estes racionalmente atingidos por todos. Um dos maiores no ser humano, ele está armando que a razão humana,
problemas socráticos se encontra no campo da ação: ao movimentar-se na direção da verdade, encontraria em
como as pessoas devem agir? O que é correto azer? si mesma a verdade. Se a racionalidade é a mesma para
Como devemos nos portar como cidadãos? Quais devem ser todos e opera pelos mesmos caminhos em todos, deve-se,
os caminhos para governar a cidade? então, alcançar os mesmos resultados pelo seu exercício.

Bernoulli Sistema de Ensino 41


rente A Módulo 03

O caminho que leva ao conhecimento verdadeiro se dá Sócrates buscava a verdade e não a aparência mutável das
na orma de diálogo e pode ser dividido em duas partes: coisas ou a beleza e técnicas do argumento. Para isso, saiu
da multiplicidade das opiniões contrárias para a unidade
1º momento – exortação ou ironia. Nesse momento,
do conceito, da verdade única, para alcançar a coisa em si.
Sócrates chama o interlocutor para o exercício da
Filosoa, a m buscar a verdade juntamente a ele
em uma atitude de reutação dos argumentos com O julgamento e morte de Sócrates
o objetivo de enraquecer os preconceitos e opiniões
de caráter sensorial e sem undamentação. Sócrates oi levado ao tribunal como réu, por corromper a
juventude e por exercer impiedade, ou seja, ele oi acusado
2º momento – indagação ou reminiscência. Nesse
de introduzir novas crenças para os cidadãos da cidade.
momento, Sócrates az perguntas, comentando as
Um dos argumentos que sustentam essa tese é de que
respostas, reazendo as perguntas a m de aproximar
Sócrates dizia escutar uma voz interior, o daimon, e acreditar
seu interlocutor da verdade. Esse processo de parto
que este seria como um deus que lhe indicava o que não
das ideias só pode ter como protagonista o indivíduo
deveria azer. Do tribunal Sócrates saiu direto para a prisão
a quem Sócrates ajuda a alcançar a verdade.
para aguardar o dia de sua morte.
Assim, a pessoa atinge, com a ajuda de Sócrates,
graus dierentes e cada vez mais aproundados O lósoo oi acusado de perverter os lhos dos aristocratas
de abstração, aproximando-se por suas próprias com seus ensinamentos, levando-os a duvidarem dos valores
conclusões daquilo que procura, ou seja, da verdade tradicionais atenienses. Ao que tudo indica, o julgamento oi
em si. injusto e manipulado. Sócrates não se deendeu e aceitou
sua condenação. Mesmo no período em que esteve preso
As diferenças entre Sócrates esperando o dia de sua morte, tendo possibilidade de ugir,
e os sofistas não aceitou essa proposta em delidade às leis da cidade.

A partir do que oi dito, podemos compreender as dierenças


undamentais que distinguem a losoa de Sócrates da
atividade dos sostas. Os sostas eram proessores de
política, de oratória, de retórica, de virtude que ensinavam
as técnicas de como as pessoas podiam deender suas
ideias, de modo a levar seu interlocutor ao convencimento.
Eles não estavam preocupados com a verdade, até porque Daniel Nicholas Chodowiecki / Domínio Público

não acreditam que existisse uma única verdade sobre as


coisas. Eles se julgavam detentores de um conhecimento
que seria transmitido a quem pagasse por ele. Transmitiam
em orma de monólogos um saber pronto e acabado sem
discuti-lo. Sendo céticos, não acreditavam em verdades
únicas para todos, mas a “verdade” que se sobressairia
às demais seria a daquele que melhor argumentasse. Essa imagem representa a morte de Sócrates, no momento
Assim, para os sostas não importava o conteúdo da ideia, em que ele recebe o cálice de cicuta, o veneno que o matou,
mas como ela seria exposta. por ter incomodado os mais poderosos de Atenas com os seus
questionamentos.
Ao contrário dos soistas, Sócrates não ensinava,
perguntava. Não expunha, mas induzia à relexão, A verdadeira injustiça do julgamento está no ato de
uma vez que, para esse ilósoo, o conhecimento já que os juízes não aceitaram o ensinamento socrático mais
está dentro da pessoa e deve somente ser despertado, importante: o de que, para passar dos preconceitos (doxa)
sendo, por isso, errado cobrar para ensinar, razão pela à Ciência e à verdade, é necessário não aceitar passivamente
qual chamava os soistas de “prostitutos do saber”. o que está posto e cristalizado como verdade incontestável.

42 Coleção Filosofia / Sociologia


A busca pela verdade: Sócrates e Platão

Para conhecer os valores caros aos cidadãos e à pólis, Devido a esses atos, Atenas tentou, inclusive, negociar
é necessário saber de ato o que são esses valores e não uma trégua na Guerra de Peloponeso com seus inimigos
simplesmente aceitar o que parecem ser, isto é, as opiniões espartanos, a qual durou curtos seis anos, sendo a guerra
sobre eles. Os questionamentos de Sócrates, seus diálogos e restabelecida até 404 a.C., com a vitória de Esparta.
sua eloquência ameaçavam os mais poderosos, que temiam Na juventude de Platão, Atenas estava em claro declínio,
que a refexão proposta por Sócrates levasse à dúvida, devido, principalmente, à Guerra de Peloponeso. Prestes a
ao desrespeito às leis e, mais grave, mostrassem às pessoas ser invadida pelas tropas da Macedônia, a grande pólis grega
que aqueles que em primeiro lugar deveriam respeitar e ser havia perdido sua democracia e seu povo estava desorientado.
eis às leis não o aziam.

latão e a fundação da metafísica


LATO:

FILOSOFIA
O termo “metaísica” se reere àquilo que ultrapassa a
A CRAO A METAÍSCA esera ísica. De acordo com essa perspectiva, os seres são
ormados por duas dimensões: a ísica, que compreende as
coisas materiais e sensíveis, portanto mutáveis, e a essência,
Vida e contexto histórico
que se constitui naquilo que é imutável e que só pode ser
Platão, um dos pensadores mais importantes de toda compreendido pela racionalidade humana. Com o estudo da
a História da Filosoa, nasceu em 427 a.C. em Atenas. metaísica, busca-se conhecer aquilo que é essencial do ser

Descendente da antiga nobreza da cidade, recebeu uma e que está para além de sua matéria.

educação esmerada para se tornar um guerreiro bom e Alguns teóricos armam que Platão undou a metaísica,
belo, características próprias à sua classe social. Para isso, pois a sua losoa oi a primeira a deender a existência de
requentou o ginásio, oi educado pela música e pela poesia, uma realidade distinta do mundo sensível. Essa dimensão

teve ormação para a política (na nova areté) e para a guerra suprassensível, na perspectiva platônica, cou conhecida

(de acordo com os antigos costumes da aristocracia). como mundo inteligível ou mundo das ideias. Contudo,
alguns teóricos criticam essa terminologia (uso do termo
Estudou com Crátilo, com quem aprendeu as ideias “mundo”) pela conusão que pode trazer. Na concepção
de Heráclito. Aos vinte anos, tornou-se discípulo de platônica, deve-se entender por ideias não uma ormulação
Sócrates, tendo sido o mais importante de seus seguidores. da inteligência humana, mas pensá-las como ormas
Teve contato com os pitagóricos, com os quais aprendeu inteligíveis que existem por conta própria e que constituem

a importância da Matemática. a essência ou causa primeira da realidade sensível, ou seja,


ultrapassam a esera da capacidade intelectiva humana.
Morreu em 347 a.C., aos 80 anos. Diz-se que, ao receber
Platão queria chegar a um conhecimento do ser que
a visita de um amigo, já no leito de morte, em estado ebril,
ultrapassasse a mera aparência, a qual pode gerar uma
solicitou à escrava que tocasse a lira enquanto conversava
multiplicidade de impressões, conundindo o sujeito no
com seu visitante, como era costume da hospitalidade
processo de obtenção do conhecimento. Para que a pessoa
ateniense. Segundo esse relato, algumas horas mais tarde alcance um conhecimento verdadeiro sobre as coisas,
a ebre aumentou e Platão aleceu. ela deve buscar obter o saber imutável e essencial. Com
essa teoria, Platão procurou chegar à natureza última dos
A Atenas que Platão conheceu em sua inância, em seu auge
seres, segundo a qual tudo o que existe, sejam coisas
de desenvolvimento político, econômico, cultural, emergindo
materiais ou imateriais, se origina da ideia; algo que seria
como centro do mundo, não oi a mesma de sua juventude e
a verdadeira pereição dessas coisas ou seres. A ideia se
maturidade. Aos dois anos de idade, Platão vivenciou dois atos
reere, portanto, à natureza essencial do ser. Assim, para
importantes que representam os problemas aos quais a cidade Platão, conhecer a essência é conhecer o que a coisa é em
estava submetida: a morte de Péricles, um dos mais importantes si e não somente o que se pensa sobre a coisa a partir da
políticos atenienses, e uma peste, que matou milhares de maniestação visível (o que percebemos) dos seres ou coisas.
pessoas, aproundando ainda mais a grave crise ateniense. Platão denomina essa natureza essencial de ideia ou orma.

Bernoulli Sistema de Ensino 43


Frente A Módulo 03

A orma platônica encontra-se em um nível superior, Ao contrário de Heráclito, Parmênides acredita que
no mundo inteligível ou das ideias. A separação entre o o que existe é somente o ser, entendido como aquilo
sensível e o inteligível, entre o visível e o invisível, está na base que é imóvel, imutável e eterno. Assim, para Parmênides
da teoria do conhecimento de Platão, uma vez que conhecer só existiria a essência, sendo que a aparência, aquilo que
verdadeiramente o que uma coisa é signica encontrar, se transorma, seria o não ser (pois, uma vez que muda,
por meio da razão, a orma inteligível que a originou, orma ele nada é). Segundo Platão, Parmênides também cometeu
essa oriunda da esera superior e pereita das ideias, onde um erro ao negar a existência das coisas sensíveis.
estão as verdades, as essências de todas as coisas.
Desse modo, Platão tenta solucionar esse problema,
Nesse contexto da esera inteligível, Platão ala do propondo que tanto o ser quanto o não ser existem, sendo
Demiurgo, uma espécie de deus-artíce que criou todas que cada um possui características undamentalmente
as coisas do mundo sensível. De acordo com Platão, distintas. Ao refetir sobre a esera sensível e a inteligível,

o Demiurgo, tomando como modelo as ideias inteligíveis ou Platão identiicou a dimensão inteligível com a teoria

ormas pereitas, que são eternas e imutáveis, deu orma proposta por Parmênides, pois as ideias inteligíveis são

à matéria disorme (assim como o Deus cristão, ao criar pereitas e imutáveis. Já a tese de Heráclito é identicada no

o ser humano, modelou o barro disorme), imprimindo mundo sensível, no qual tudo está em constante movimento.

nessa matéria a orma, de acordo com o modelo pereito. O ser humano vive no mundo sensível, estando, portanto,

Para compreendermos melhor: há uma orma (na esera à mercê da mudança e da transitoriedade. Porém, a alma do

ideal ou das ormas pereitas) que oi modelo de todas as ser humano, que veio do inteligível, corresponderia àquilo

coisas. A partir desse modelo, o Demiurgo criou todas as que não muda, e por meio dela a pessoa poderia buscar as
verdades das ideias (ou essências) da realidade inteligível.
coisas sensíveis, que são, portanto, uma cópia (o mundo
sensível). Sendo cópia, segundo Platão, o mundo sensível
Contudo, surge um problema: como o ser humano
é impereito, mutável, passageiro. alcança esse conhecimento, saindo do sensível em direção
Platão considera que, para alcançar a verdade última e ao inteligível para atingir a verdade “em si e por si”?
essencial das coisas, é necessário um exercício de refexão.
Assim, a verdade para Platão não está na realidade sensível,
A ascensão dialética
que não passa de cópia impereita, mas na imutabilidade,
Para Platão, o conhecimento das ideias acontece por meio
na pereição das ideias que devem ser buscadas pelo ser
da dialética, processo de ascensão em busca da verdade.
humano. Encontrando-as, a pessoa encontra a verdade,
De acordo com a perspectiva platônica, a pessoa não alcança
a essência daquilo que busca compreender.
a verdade de uma só vez, mas o conhecimento se dá em
uma subida gradativa e constante até que o sujeito alcance
Como é possível conhecer: a ideia em si, ou seja, contemple, ao nal desse processo,

a epistemologia de latão a orma inteligível.

Um dos pontos undamentais da losoa platônica é sua Na teoria do conhecimento exposta no livro VI de
A república, Platão dierencia graus de conhecimento,
posição losóca acerca do problema em relação a como se
undamentando-se na separação entre a esera sensível
produz um conhecimento do ser, oriundo do embate entre
e a inteligível.
os lósoos naturalistas Parmênides e Heráclito. Heráclito
é conhecido como o lósoo do devir, ou seja, para ele, A alma, por meio de um processo de busca e ascensão,
tudo está em constante movimento e mudança. Por essa sairia do sensível, nível mais básico do conhecimento,
razão, segundo seu pensamento, não há o que se conhecer, a eikasía – conhecimento baseado somente nas imagens dos
porque o objeto a ser conhecido muda o tempo todo, seres – até atingir o mais alto conhecimento, a nóesis ou
assim como o sujeito cognoscente. Para Platão, Heráclito episteme, estando, no meio desse caminho, o conhecimento
erra ao considerar que a única coisa que existe é o devir, da pístis, ou doxa, e da diánoia. Platão resume esse processo
não existindo nada além do mundo ísico, da materialidade em um diagrama, a “Similitude da linha”, que representamos
das coisas sensíveis que estão em constante transormação. da seguinte orma:

44 Coleção Filosofia / Sociologia


A busca pela verdade: Sócrates e latão


Último Ocorre quando a pessoa, por meio do exercício racional, atinge a


intuição intelectiva, o conhecimento por excelência. Nesse estágio a
estágio pessoa alcança formas inteligíveis, chegando ao conhecimento
verdadeiro.
Episteme

O ser humano sai do mundo sensível e atinge o primeiro estágio do


conhecimento do mundo inteligível, o conhecimento matemático.
A matemática é um modo superior de conhecimento, por não lidar
3º Momento com as coisas sensíveis. Ela é abstrata e racional, não dependendo

LOSOA
dos sentidos que são imperfeitos, para atingir a verdade. Apesar de a
pessoa, nesse estágio de conhecimento, alcançar um modo superior
de conhecimento, este ainda não é o maior e nem o mais perfeito.


Nesse momento, o conhecimento alcança um nível superior, ainda na


esfera sensível. Observe que esse conhecimento, por se basear nos
2º Momento dados sensíveis, é sempre imperfeito, já que parte de opiniões
diversas, uma vez que cada pessoa pode perceber os objetos de
modo diferente, e os próprios objetos estão em constante mudança.
Doxa

Segundo o filósofo, o ser humano deve sair do grau mais inferior do


conhecimento, o conhecimento das imagens dos seres. Esse
1º Momento conhecimento é um conhecimento de “segunda mão”, como se fosse
a imagem refletida por um espelho. A pessoa não olha para o ser em
si, mas somente para a sua imagem refletida.

Yara Ferreira
Devemos enatizar que, para Platão, as ideias não são simples conceitos mentais, mas entidades ou essências que
existem por si mesmas em um sistema hierárquico bem organizado. No topo dessa hierarquia, estaria a ideia do Bem,
a mais importante de todas. A passagem de um grau a outro se dá pela dialética, quando a pessoa encontra as contradições
no nível de conhecimento inerior e passa ao grau seguinte. Nesse sentido, a educação ocupa papel undamental na losoa
platônica, pois é por ela que a alma é direcionada para contemplar a ideia do Bem (o que se conhece também como educação
da alma). Platão arma que a educação:

[...] seria uma arte da reviravolta, uma arte que sabe como azer o olho mudar de orientação do modo mais ácil e mais ecaz
possível; não a arte de produzir nele o poder de ver, pois ele já o possui, sem ser corretamente orientado e sem olhar na direção
que deveria, mas a arte de encontrar o meio para reorientá-lo.

PLATÃO. A República.
Tradução de José Cavalcante de Souza, Jorge Paleikat e João Cruz Costa.
São Paulo: Nova Cultural, 1991. p. 292. (Os Pensadores)

Bernoulli Sistema de Ensino 45


rente A Módulo 03

A imagem mais conhecida utilizada por Platão para explicar sua teoria do conhecimento cou conhecida como “Alegoria
da caverna”. Vejamos:

SÓCRATES – Figura-te agora o estado da natureza SÓCRATES – E, se, no undo da caverna, um eco lhes
humana, em relação à ciência e à ignorância, sob repetisse as palavras dos que passam, não julgariam
a orma alegórica que passo a azer. Imagina os certo que os sons ossem articulados pelas sombras
homens encerrados em morada subterrânea e dos objetos?
cavernosa que dá entrada livre à luz em toda extensão.
GLAUCO – Claro que sim.
Aí, desde a inância, têm os homens o pescoço e as
pernas presos de modo que permanecem imóveis e só SÓCRATES – Em suma, não creriam que houvesse nada
veem os objetos que lhes estão diante. Presos pelas de real e verdadeiro ora das guras que deslaram.
cadeias, não podem voltar o rosto. Atrás deles, a certa
GLAUCO – Necessariamente.
distância e altura, um ogo cuja luz os alumia; entre
o ogo e os cativos imagina um caminho escarpado, SÓCRATES – Vejamos agora o que aconteceria, se se
ao longo do qual um pequeno muro parecido com livrassem a um tempo das cadeias e do erro em que
os tabiques que os pelotiqueiros põem entre si e os laboravam. Imaginemos um destes cativos desatado,
espectadores para ocultar-lhes as molas dos bonecos obrigado a levantar-se de repente, a volver a cabeça,
maravilhosos que lhes exibem. a andar, a olhar rmemente para a luz. Não poderia
GLAUCO – Imagino tudo isso. azer tudo isso sem grande pena; a luz, sobre ser-lhe
dolorosa, o deslumbraria, impedindo-lhe de discernir
SÓCRATES – Supõe ainda homens que passam os objetos cuja sombra antes via. Que te parece agora
ao longo deste muro, com guras e objetos que se que ele responderia a quem lhe dissesse que até então
elevam acima dele, guras de homens e animais de só havia visto antasmas, porém que agora, mais perto
toda a espécie, talhados em pedra ou madeira. Entre
da realidade e voltado para objetos mais reais, via com
os que carregam tais objetos, uns se entretêm em
mais pereição? Supõe agora que, apontando-lhe alguém
conversa, outros guardam em silêncio.
as guras que lhe deslavam ante os olhos, o obrigasse
GLAUCO – Similar quadro e não menos singulares a dizer o que eram. Não te parece que, na sua grande
cativos! conusão, se persuadiria de que o que antes via era mais
SÓCRATES – Pois são nossa imagem pereita. Mas, real e verdadeiro que os objetos ora contemplados?
dize-me: assim colocados, poderão ver de si mesmos GLAUCO – Sem dúvida nenhuma.
e de seus companheiros algo mais que as sombras
projetadas, à claridade do ogo, na parede que lhes SÓCRATES – Obrigado a tar o ogo, não desviaria os
ca ronteira? olhos doloridos para as sombras que poderia ver sem
dor? Não as consideraria realmente mais visíveis que os
GLAUCO – Não, uma vez que são orçados a ter objetos ora mostrados?
imóveis a cabeça durante toda a vida.
GLAUCO – Certamente.
SÓCRATES – E dos objetos que lhes cam por detrás,
poderão ver outra coisa que não as sombras? SÓCRATES – Se o tirassem depois dali, azendo-o subir
GLAUCO – Não. pelo caminho áspero e escarpado, para só o liberar
quando estivesse lá ora, à plena luz do sol, não é de crer
SÓCRATES – Ora, supondo-se que pudessem que daria gritos lamentosos e brados de cólera? Chegando
conversar, não te parece que, ao alar das sombras que à luz do dia, olhos deslumbrados pelo esplendor ambiente,
veem, lhes dariam os nomes que elas representam? ser-lhe-ia possível discernir os objetos que o comum dos
GLAUCO – Sem dúvida. homens tem por serem reais?
André Persechini

Representação da “Alegoria da caverna”.

46 Coleção Filosofia / Sociologia


A busca pela verdade: Sócrates e latão

GLAUCO – A princípio nada veria. tivesse ele de dar opinião sobre as sombras e a este
respeito entrasse em discussão com os companheiros
SÓCRATES – Precisaria de algum tempo para se
ainda presos em cadeias, não é certo que os aria rir?
aazer à claridade da região superior. Primeiramente,
Não lhe diriam que, por ter subido à região superior,
só discerniria bem as sombras, depois, as imagens
dos homens e outros seres refetidos nas águas; cegara, que não valera a pena o esorço, e que
nalmente erguendo os olhos para a Lua e as estrelas, assim, se alguém quisesse azer com eles o mesmo e
contemplaria mais acilmente os astros da noite que dar-lhes a liberdade, mereceria ser agarrado e morto?
o pleno resplendor do dia. GLAUCO – Por certo que o ariam.
GLAUCO – Não há dúvida.
SÓCRATES – Pois agora, meu caro Glauco, é só aplicar
SÓCRATES – Mas, ao cabo de tudo, estaria, decerto, com toda a exatidão esta imagem da caverna a tudo
em estado de ver o próprio Sol, primeiro refetido na o que antes havíamos dito. O antro subterrâneo é o
água e nos outros objetos, depois visto em si mesmo mundo visível. O ogo que o ilumina é a luz do Sol.
e no seu próprio lugar, tal qual é. O cativo que sobe à região superior e a contempla é

LOSOA
a alma que se eleva ao mundo inteligível. Ou, antes,
GLAUCO – Fora de dúvida.
já que o queres saber, é este, pelo menos, o meu
SÓCRATES – Refetindo depois sobre a natureza modo de pensar, que só Deus sabe se é verdadeiro.
deste astro, compreenderia que é o que produz as Quanto a mim, a coisa é como passo a dizer-te.
estações e o ano, o que tudo governa no mundo Nos extremos limites do mundo inteligível, está a
visível e, de certo modo, a causa de tudo o que ele ideia do bem, a qual só com muito esorço se pode
e seus companheiros viam na caverna. conhecer, mas que, conhecida, se impõe à razão como
GLAUCO – É claro que gradualmente chegaria a todas causa universal de tudo o que é belo e bom, criadora
essas conclusões. da luz e do Sol no mundo visível, autora da inteligência
e da verdade no mundo invisível, e sobre a qual,
SÓCRATES – Recordando-se então de sua primeira
por isso mesmo, cumpre ter os olhos xos para agir
morada, de seus companheiros de escravidão e
com sabedoria nos negócios particulares e públicos.
da ideia que lá se tinha da sabedoria, não se daria
os parabéns pela mudança sorida, lamentando PLATÃO. A República. Tradução de José Cavalcante de Souza,
ao mesmo tempo a sorte dos que lá caram? Jorge Paleikat e João Cruz Costa. São Paulo:
Nova Cultural, 1991. p. 287-292.
GLAUCO – Evidentemente. (Os Pensadores)

SÓCRATES – Se na caverna houvesse elogios, honras


Platão usa uma metáora para explicar sua teoria losóca.
e recompensas para quem melhor e mais prontamente
De acordo com ela, a caverna é o mundo sensível onde vivemos.
distinguisse a sombra dos objetos, que se recordasse
A pouca luz da ogueira que projeta as sombras na parede da
com mais precisão dos que precediam, seguiam ou
marchavam juntos, sendo, por isso mesmo, o mais caverna é um refexo da luz verdadeira sobre o mundo sensível.
hábil em lhes predizer a aparição, cuidas que o homem Os prisioneiros são todas as pessoas que estão presas
de que alamos tivesse inveja dos que no cativeiro na esera sensível e impereita. As sombras são as coisas
eram os mais poderosos e honrados? Não preeriria sensíveis que as pessoas tomam como verdadeiras,
mil vezes, como o herói de Homero, levar a vida de mas que não passam de cópias das ideias pereitas.
um pobre lavrador e sorer tudo no mundo a voltar As correntes são os preconceitos das pessoas, a conança
às primeiras ilusões e viver a vida que antes vivia? nas opiniões obtidas pelos sentidos. O instrumento que az
possível se libertar das correntes para sair da caverna é a
GLAUCO – Não há dúvida de que suportaria toda
a espécie de sorimentos de preerência a viver da dialética. O prisioneiro que escapa é a representação do
maneira antiga. lósoo que busca o conhecimento e não se contenta com
aquilo que é “normal” e aceito por todos como verdade.
SÓCRATES – Atenção ainda para este ponto. Supõe
A luz que o prisioneiro vê é o próprio Sol, a ideia do Bem,
que nosso homem volte ainda para a caverna e vá
que ilumina toda a esera inteligível assim como o Sol ilumina
assentar-se em seu primitivo lugar. Nesta passagem
a sensível. O retorno à caverna com a intenção de levar as
súbita da pura luz à obscuridade, não lhe cariam os
pessoas para ora é o convite ao diálogo losóco. Dessa
olhos como submersos em trevas?
orma, o conhecimento, como representado na “Alegoria da
GLAUCO – Certamente. caverna”, é um ato de libertação e de iluminação da alma
SÓCRATES – Se, enquanto tivesse a vista conusa rumo à verdade; é a tentativa de retirar o ser humano da
– porque bastante tempo se passaria antes que ignorância das trevas do dogmatismo do senso comum e
os olhos se azessem de novo à obscuridade – levá-lo à claridade do conhecimento verdadeiro das ideias.

Bernoulli Sistema de Ensino 47


Frente A Módulo 03

A reminiscência da alma: O corpo não nos permite chegar ao conhecimento das


ormas porque ele é constituído de matéria e nele estão
“Conhecer é relembrar” os sentidos – tato, olato, paladar, audição e visão –,
que só permitem um conhecimento ilusório e passageiro dos
Ao pensarmos sobre a “Alegoria da caverna”, podemos nos
seres. A alma humana, por outro lado, possui uma origem
perguntar se todas as pessoas podem se libertar da caverna,
supraterrena, e sua destinação é o conhecimento da verdade
do conhecimento sensível e impereito, para atingir a visão
e do Bem. Por isso, ela busca o que é superior e não se
do Sol, alcançando o conhecimento pereito e verdadeiro das
prende à transitoriedade do mundo sensível.
Ideias. A resposta de Platão a essa pergunta encontra-se na
teoria da reminiscência da alma. Platão, em sua obra Fedro, para alar sobre a separação
existente dentro da alma humana, utiliza o “Mito do
Utilizando-se de outra metáora, recurso didático
cocheiro”. Nele, tem-se a imagem de uma carruagem, que,
característico do lósoo, Platão esclarece seu pensamento
guiada por um cocheiro, é puxada por dois cavalos, um bom
por meio do “Mito de Er”, conhecido também como o “Mito
e obediente e outro mau e desobediente. A carruagem é a
da reminiscência” ou “da Anamnese”.
metáora do próprio ser humano que tem a sua alma dividida
Nesse mito, Platão narra a história do pastor Er, que, em três partes:
levado por uma deusa, visita o reino dos mortos, onde cam
as almas de todas as pessoas contemplando serenamente 1ª Parte – racional ou alma racional: representa o
as ormas inteligíveis. Nesse lugar, as almas aguardam um cocheiro, aquele que deve conduzir a carruagem ao seu
dia em que poderão se encarnar em novos corpos, sendo destino. A parte racional deve comandar os cavalos e
que elas poderão escolher a vida que terão na Terra. Após dirigi-los ao conhecimento do inteligível. Localizada na
sua escolha, elas são encaminhadas ao rio do esquecimento, cabeça, é a sede do pensamento, sendo uma aculdade
Léthe (contrário a Alétheia, que signica verdade ou o ativa e superior.
não esquecido). Aquelas almas que escolherem uma vida 2ª Parte – colérica ou alma irascível: representada
de prazeres, desejos, luxúrias, ama, prestígio, riquezas, pelo cavalo que é iel e obedece ao cocheiro, está
bebem a água do rio do esquecimento em muita quantidade. localizada no peito (o coração, representando, portanto,
Aquelas almas que escolherem uma vida de conhecimento, o mortal) e se reere à aculdade combativa da alma cuja
de sabedoria, bebem a água do rio em pouca quantidade. unção é garantir a manutenção e a segurança do corpo
Nesse caso, as almas que beberam muita água se aastam e da vida. Por isso, essa parte da alma se irrita contra
quase por completo do conhecimento, pois esquecem as tudo o que pode ameaçar a pessoa ou lhe causar dor e
ideias que um dia contemplaram. Já as almas que beberam sorimento, protegendo a vida contra os perigos das coisas
pouca água estão mais próximas do conhecimento, materiais e mundanas.
pois acilmente podem se lembrar das ideias pereitas que
3ª Parte – apetitiva ou alma apetitiva ou concupis-
um dia contemplaram. Estas desejarão alcançar a verdade,
cente: representada pelo cavalo mau e desobediente, é a
serão atraídas por ela, amarão o saber, pois nelas, ao terem
parte da alma que busca as coisas materiais e a satisação
contato com as coisas sensíveis, haverá a vaga lembrança
dos desejos e prazeres corporais. Localizada no baixo ventre,
das ormas que um dia contemplaram.
se preocupa com a bebida, a comida, o sexo e os prazeres
Assim, podemos compreender por que, para Platão, ísicos em geral. Mortal, sempre insatiseita e sedenta de
conhecer é relembrar. As ideias já oram contempladas, mais prazer, é a parte passional ser humano, e, por isso,
o ser humano já as conhece pela alma. O processo de precisa ser controlada.
conhecimento consiste em, por meio da dialética, levar a
alma à lembrança daquilo que ela já vislumbrou um dia. Com essa metáora, Platão arma que o cocheiro, com a
ajuda do cavalo bom, deve dominar o cavalo mau. Assim,
é necessário que a alma racional, com a ajuda da alma irascível,
A teoria da tripartição da alma: domine a alma apetitiva. A tarea moral da alma racional é a
de se sobrepor e dominar as outras duas, harmonizando-as
a psicologia platônica e consigo. Para Platão, a alma temperante é aquela que
a divisão entre corpo e alma não cede aos impulsos dos prazeres, administrando-os
de acordo com a racionalidade, sabendo de seus limites.
Vimos que, na losoa platônica, é clara a separação entre As virtudes dessa parte da alma são a coragem e a orça.
a realidade sensível e a inteligível, o que nos leva à conclusão Com essas virtudes, essa parte da alma age diretamente
de que o conhecimento dessas duas eseras também é no domínio da alma apetitiva, controlando até onde podem
dierente, sendo o conhecimento do sensível impereito ir os desejos e prazeres, preservando a integridade do ser
e passageiro, e o do inteligível, pereito e verdadeiro. humano e discernindo o que é bom do que é mau para
Sendo o ser humano constituído de corpo e de alma, apenas a vida do corpo, com a nalidade de impedir que a pessoa
a alma pode alcançar o conhecimento verdadeiro das ideias. se perca na busca indiscriminada dos prazeres.

48 Coleção Filosofia / Sociologia


A busca pela verdade: Sócrates e Platão

O eros é justamente este anseio de voltar para o lugar de


onde veio, lugar este em que conhecia a beleza em si, por
meio da contemplação das ideias. O eros é este desejo de voar
novamente, depois de ter perdido as asas e ter-se precipitado
para cá embaixo. É a tentativa de lembrar o que se esqueceu.
O eros é a busca da recordação daquela realidade primeira,
onde o homem, neste mundo, somente pela Filosoa poderá
satisazer seu desejo de transcendência.
TEIXEIRA, Evilázio Francisco. A educação do homem
segundo Platão. São Paulo: Paulus, 1999. p. 94. [Fragmento]

John Holbo
A concepção política de latão
O Mito do cocheiro az uma comparação entre um cocheiro e
dois cavalos com as partes da alma do ser humano. Sendo um lósoo que se importou undamentalmente

FILOSOFIA
com a vida da cidade, Platão tratou da política em sua obra
A república. Ele procurou apontar os caminhos adequados
O amor platônico para que a cidade pudesse ser corretamente governada,
de orma a alcançar seu bem maior: a elicidade dos
Na concepção do senso comum, o amor platônico é
cidadãos no cumprimento da justiça. Segundo o lósoo,
entendido como idealizado e inacessível, impossível de ser a nalidade da política não é outra senão a realização da
realizado, um amor irreal e enganoso. Porém, essa acepção, justiça para o bem comum da cidade, e nunca a simples
encontrada inclusive em dicionários, não corresponde à posse do poder. Nesse aspecto, o homem livre é somente
concepção platônica de amor, pois, segundo o lósoo, o cidadão da pólis, sendo que sua liberdade se realiza
o amor não é um sentimento, mas sim uma orça que na cidade, vivendo junto aos seus concidadãos. Assim,
impulsiona a pessoa a chegar em algum lugar. a moral privada (particular) é considerada inerior à moral
pública (coletiva) e, por consequência, os interesses
pessoais devem estar aquém dos interesses coletivos.

Contrariando os sostas, Platão acredita que a cidade não


Antiga Galeria Nacional da Alemanha

deve ser governada pelo melhor discurso, pois este pode não
conter a melhor ideia. Além disso, o lósoo não acredita que
qualquer pessoa possa ocupar o governo da cidade, sendo
Anselm Feuerbach /

contrário à democracia e à monarquia, acreditando que a


cidade deveria ser governada pelos melhores em inteligência
e sabedoria, ou seja, por um governo de poucos a avor de
todos, sendo estes poucos os lósoos. A orma de governo
Em sua obra O banquete, Platão ala sobre a natureza do amor. proposta por Platão é denominada de soocracia (Sophos:
sábios; Kratia: poder).
Na losoa de Platão, o tema da beleza, da busca pelo
belo, não se restringe ao campo da estética. O lósoo Tal como a alma possui três partes ou aculdades, a pólis
também é possuidora de três partes ou classes sociais
considera a arte como uma orma ainda mais impereita
distintas: a dos magistrados, a dos guerreiros ou soldados
de conhecimento, já que seria a imitação daquilo que já é
e a do povo, constituída pelos agricultores, comerciantes
imitação, ou seja, a arte é imitação do real e este, por sua
e artesãos.
vez, é cópia da ideia pereita.
Segundo Platão, em sua nova proposta política, a cidade
Para Platão, a beleza está junto ao Bem, ideia mais
deveria ser governada pelos magistrados, desde que eles
sublime, que na “Alegoria da caverna” corresponde ao Sol.
ossem adequadamente preparados para isso, devendo
A beleza deve ser buscada pelo eros. O eros, o amor, é a orça haver uma clara separação das unções de cada uma das
mediadora entre o sensível e o inteligível. O amor em si não classes sociais. Os agricultores, artesãos e comerciantes
é belo nem bom, mas é a orça que leva o sujeito à busca deveriam ser educados para o estrito cumprimento de sua
do belo e do bom. Desse modo, o amor não é o m em si unção, a de cuidar da sobrevivência da cidade. A classe dos
mesmo, mas o caminho que leva ao conhecimento da ideia. guerreiros ou soldados deveria ser educada para guardar e
proteger a cidade. Os guerreiros deveriam ser escolhidos por
A Filosoa encontra-se, assim, entre a ignorância e a
um processo de educação ainda quando crianças, processo
sabedoria, pois é o reconhecimento de que não se sabe, mas
do qual participariam tanto homens quanto mulheres e em
que se pode chegar a saber. O que leva a pessoa a buscar o que haveria uma escolha daqueles que deveriam seguir
saber, dedicando-se ao exercício da dialética para encontrar o para o treinamento cívico (ginástica, música, dança e arte).
conhecimento, é o amor. O amor é, portanto, a orça geradora Os soldados não teriam absolutamente nenhuma posse
que az a pessoa buscar aquilo que um dia esteve junto de particular, nem mesmo ormariam amílias. Eles deveriam
si e, pelo processo de esquecimento, se tornou distante, ser como cães de guarda: carinhosos e aáveis com os seus
mas ainda alcançável pelo exercício da dialética. e terríveis e implacáveis com os inimigos.

Bernoulli Sistema de Ensino 49


Frente A Módulo 03

EXERCCÍOS 03. (PUCPR) Na terceira parte da Apologia de Sócrates há a


seguinte armação: “é possível que tenhais acreditado,
ROOSTOS ó cidadãos, que eu tenha sido condenado por pobreza
de raciocínios, com os quais eu poderia vos persuadir, se
eu tivesse acreditado que era preciso dizer e azer tudo
01. (IFSP) Mas escuta, a ver se eu digo bem. O princípio
U26L para evitar a condenação. Mas não é assim. Caí por alta,
que de entrada estabelecemos que devia observar-se
não de raciocínios, mas de audácia e imprudência, e
em todas as circunstâncias, quando undamos a cidade,
não por querer dizer-vos coisas tais que vos teriam sido
esse princípio é, segundo me parece, ou ele ou uma das
gratíssimas de ouvir, choramingando, lamentando e
suas ormas, a justiça. Ora nós estabelecemos, segundo
azendo e dizendo muitas outras coisas indignas, as quais,
suponho, e repetimo-lo muitas vezes, se bem te lembras,
é certo, estais habituados a ouvir de outros”.
que cada um deve ocupar-se de uma unção na cidade,
aquela para qual a sua natureza é mais adequada. Considerando esta passagem, já sendo a transcrição de
suas últimas palavras, é possível armar que Sócrates
PLATÃO. A República.
A) lamenta sua raqueza argumentativa perante
Trad. de Maria Helena da Rocha Pereira.
a quantidade de pessoas que o condenou.
7. ed. Lisboa: Calouste-Gulbenkian, 2001. p. 185.
B) ressalta a preocupação de seu discurso com a verdade
Com base no texto e nos conhecimentos sobre a e não com elegante retórica, como os pretensos
concepção platônica de justiça, na cidade ideal, assinale “sábios” o aziam.
a alternativa correta.
C) reconhece sua diculdade em elaborar um discurso
A) Para Platão, a cidade ideal é a cidade justa, ou seja, persuasivo, mesmo com todo seu esorço para isso.
a que respeita o princípio de igualdade natural entre
todos os seres humanos, concedendo a todos os D) desculpa-se por decepcionar tantos admiradores
indivíduos os mesmos direitos perante a lei. e os aconselha a não empregar seus recursos
argumentativos.
B) Platão deende que a democracia é undamento
E) conclui que sua derrota decorreu de seu discurso
essencial para a justiça, uma vez que permite a todos
audacioso e imprudente.
os cidadãos o exercício direto do poder.
C) Na cidade ideal platônica, a justiça é o resultado 04. (UEL-PR) Leia o texto a seguir:
natural das ações de cada indivíduo na perseguição de
seus interesses pessoais, desde que esses interesses Tudo isso ela [Diotima] me ensinava, quando sobre
também contribuam para o bem comum. as questões de amor [eros] discorria, e uma vez ela me
perguntou: – que pensas, ó Sócrates, ser o motivo desse
D) Para Platão, a ormação de uma cidade justa só
amor e desse desejo? A natureza mortal procura, na medida
é possível se cada cidadão executar, da melhor
do possível, ser sempre e car imortal. E ela só pode assim,
maneira possível, a sua unção própria, ou seja,
através da geração, porque sempre deixa um outro ser novo
se cada um izer bem aquilo que lhe compete,
em lugar do velho; pois é nisso que se diz que cada espécie
segundo suas aptidões.
animal vive e é a mesma. É em virtude da imortalidade que
E) Platão acredita que a cidade só é justa se cada a todo ser esse zelo e esse amor acompanham.
membro do organismo social tiver condições de
PLATÃO. O Banquete. São Paulo: Nova Cultural, 1987.
perseguir seus ideais, exercendo unções que
p. 38-39 (Adaptação). (Os Pensadores)
promovam sua ascensão econômica e social.
Com base no texto e nos conhecimentos sobre o amor
02. (PUCPR) A obra Apologia de Sócrates, de Platão, em Platão, assinale a alternativa correta.
M6DG descreve a deesa de seu mestre perante as acusações A) A aspiração humana de procriação, inspirada por Eros,
de não aceitação dos deuses reconhecidos pelo Estado, restringe-se ao corpo e à busca da beleza ísica.
de introduzir novos cultos e de corromper a juventude.
B) O eros limita-se a provocar os instintos irrefetidos e
Considerando a proposta geral da obra, é incorreto dizer
vulgares, uma vez que atende à mera satisação dos
que Sócrates
apetites sensuais.
A) assumiu a responsabilidade dos atos aludidos pelos
C) O eros ísico representa a vontade de conservação
denunciantes, mas repudiou a atitude destes por não
da espécie, e o espiritual, a ânsia de eternização por
valorizarem a liberdade de pensamento em busca
obras que perdurarão na memória.
da verdade.
D) O ser humano é idêntico e constante nas diversas
B) em sua autodeesa, procurou recordar quem ele era,
ases da vida, por isso sua identidade iguala-se
ou seja, realizou uma revisão sobre a questão “quem
à dos deuses.
é Sócrates”.
E) Os seres humanos, como criação dos deuses, seguem
C) considerou inaceitável um homem livre valer-se de
a lei dos seres innitos, o que lhes permite eternidade.
sosticada retórica ou de apelos emocionais para
obter sua absolvição.
05. (PUCPR) Sócrates representa um marco importante da
D) recomendou sua condenação à morte, uma vez que História da Filosoa; enquanto a losoa pré-socrática se
considerava mais digno uma morte na verdade que preocupava com o conhecimento da natureza (physis),
uma vida na mentira. Sócrates procura o conhecimento indagando o homem.
E) tinha a preocupação de reutar qualquer perspectiva Com base em seu conhecimento da losoa de Sócrates,
religiosa, uma vez que suas críticas levavam ao ateísmo. assinale a alternativa correta.

50 Coleção Filosofia / Sociologia


A busca pela verdade: Sócrates e Platão

A) Sócrates, para não ser condenado à morte, negou, diante Como esses prisioneiros nunca perceberam outra coisa
dos seus juízes, os princípios éticos da sua losoa. senão as sombras e o eco, têm eles essas imagens pela
B) Discípulo de Sócrates, Platão utilizou, como protagonista verdadeira realidade. Se eles pudessem, por uma vez,
da maior parte de seus diálogos, o seu mestre. voltar-se e contemplar, a luz do ogo, os próprios objetos,
cujas sombras oram apenas o que até agora viram; e se
C) O método socrático compõe-se de quatros partes: pudessem ouvir diretamente os sons, além dos ecos até
a maiêutica, a ironia, a poética e a metaísica. então ouvidos, sem dúvida cariam atônitos com essa
D) Tal como os sostas, Sócrates costumava cobrar nova realidade. Mas se além disso pudessem, ora da
dinheiro pelos seus ensinamentos. caverna e à luz do sol, contemplar os próprios homens
E) Sócrates, ao armar que só sabia que nada sabia, vivos, bem como os animais e as coisas reais, de que as
queria, com isso, sinalizar a necessidade de adotar uma guras projetadas na caverna eram apenas cópias, então
atitude arrogante e dogmática diante do conhecimento cariam de todo ascinados com essa realidade de orma
tão diversa.
e apontar um novo caminho para a sabedoria.
PLATÃO. 7.º livro da República, p. 514.
06. (UENP-PR) Desde o ano de 2008, a Grécia tem
Ei, moço! Pode Que Como se Estamos
enrentado uma grave crise econômica, ato que tem

FILOSOFIA
me dizer o que vocês pergunta existisse contemplando
atraído a atenção dos noticiários internacionais para a estão fazendo? mais outra coisa a vida!
boba! pra fazer!
situação dessa nação. Situada ao sul da Europa, em um
arquipélago de relevo bastante acentuado, muito antes
da atual crise econômica, teve seu espaço ocupado por
grupos que deixaram marcas signicativas nas sociedades
posteriores. A respeito dos gregos na Antiguidade
Clássica, assinale a armativa incorreta.
A) Na Grécia Antiga, existiram diversas cidades com
Que Como se Estamos
governos independentes, que se chamavam pólis. Ei! O que vocês pergunta existisse contemplando
Também conhecidas por nós como cidades-Estado, estão fazendo? mais outra coisa o fantástico
boba! pra fazer! show da vida!
as pólis apresentavam dierenças entre si, mas tinham
uma base cultural comum, relacionada à língua (embora
houvesse dialetos) e à religião, por exemplo.
B) As duas pólis que mais se destacaram oram Atenas
e Esparta. Ambas exerceram, em dierentes períodos,
domínio político sobre as demais cidades-Estado gregas.
C) É comum atribuir, aos gregos antigos, a invenção da Copyright© 2002 Mauricio de Sousa Produções Ltda. Todos os direitos reservados.

Filosoa; dentre os maiores pensadores do período,


três são os mais conhecidos: Sócrates, Platão Relacionando o ragmento do texto de Platão e a tirinha
e Aristóteles. da Turma da Mônica, de Maurício de Souza, com os
seus conhecimentos sobre o Mito da Caverna, assinale
D) Algumas palavras que utilizamos em nosso cotidiano
a alternativa incorreta.
têm origem grega. A palavra democracia, por exemplo,
deriva da língua grega e signica, de maneira geral, A) Os homens acorrentados no undo da caverna são
aqueles que passam a vida contemplando sombras,
uma orma de governo na qual o povo (demos em
acreditando que elas correspondem à realidade
grego) exerce poder, isto é, participa, de alguma orma,
e à verdade.
das decisões políticas.
B) Para Platão, existem três níveis de conhecimento:
E) Atenas oi uma cidade-estado que cou marcada pelo
o primeiro é chamado de agnosis, que signiica
desenvolvimento da democracia na Grécia Antiga.
ignorância, e corresponde ao estágio dos homens no
Seu sistema político envolvia todos os cidadãos,
interior da caverna; o segundo é denominado de doxa,
o que, dierentemente de outros povos gregos, incluía
ou opinião, e é o primeiro estágio de conhecimento,
mulheres e estrangeiros nas decisões políticas.
que se orma logo após os homens saírem da caverna
e contemplarem a realidade; o terceiro é designado
07. (UENP-PR) Conosco homens, aí se diz, se passa o mesmo
pela palavra grega epistheme, que signica ciência,
que com prisioneiros, que se achassem numa caverna
ou o conhecimento em sua integralidade.
subterrânea, encadeados, desde o nascimento, a um
banco, de modo a nunca poderem voltar-se, e assim C) Para Platão, existe um único mundo sensível e
só poderem ver a parede oposta à entrada. Por detrás inteligível, de orma que os homens devem aprender
com a experiência a distinguir o conhecimento
deles, na entrada da caverna, corre por toda a largura
verdadeiro de impressões alsas dos sentidos.
dela, um muro da altura de um homem, e por trás deste,
arde uma ogueira. Se entre esta e o muro passarem D) O visível, para Platão, corresponde ao império
homens transportando imagens, estátuas, guras de dos sentidos captado pelo olhar e dominado pela
animais, utensílios, etc., que ultrapassem a altura do subjetividade. É o reino do homem comum preso
muro, então as sombras desses objetos, que o ogo az às coisas do cotidiano.
aparecerem, se projetam na parede da caverna, e os E) O inteligível, para Platão, diz respeito à razão. É o reino
prisioneiros também percebem, além da sombra, o eco do homem sábio, que descona das primeiras impres-
das palavras pronunciadas pelos homens que passam. sões e busca um conhecimento das causas da realidade.

Bernoulli Sistema de Ensino 51


Frente A Módulo 03

08. (UFLA) Na carta VII, Platão, reerindo-se à situação D) ato de o povo eleger seus representantes políticos
política de sua época em Atenas – época imediatamente para tomar decisões sobre os destinos da cidade e
posterior ao término da Guerra do Peloponeso –, arma denir os seus direitos, em praça pública, de modo a
o seguinte: evitar atitudes arbitrárias e injustas dos governantes.

A legislação e a moralidade estavam corrompidas a tal E) participação direta dos cidadãos nas decisões de
ponto que eu, inicialmente pleno de ardor para trabalhar a interesse do todo no âmbito do espaço público.
avor do bem público, considerando esta situação e vendo
como tudo caminhava à deriva, acabei por car conuso. 10. (UFU-MG) O diálogo socrático de Platão é obra baseada
Não deixei, entretanto, de procurar nos conhecimentos e em um sucesso histórico: no ato de Sócrates ministrar
especialmente no regime político os possíveis indícios de os seus ensinamentos sob a orma de perguntas e
melhoras, mas esperei sempre o bom momento para agir. respostas. Sócrates considerava o diálogo como a orma
Acabei por compreender que todos os Estados atuais são por excelência do exercício losóco e o único caminho
malgovernados. Fui então irresistivelmente conduzido a para chegarmos a alguma verdade legítima.
louvar a verdadeira losoa e a proclamar que somente
De acordo com a doutrina socrática,
à sua luz se pode reconhecer onde está a justiça na vida
pública e privada. A) a busca pela essência do bem está vinculada a uma
visão antropocêntrica da losoa.
PLATÃO. Cartas. Lisboa: Editorial Estampa,
B) é a natureza, o cosmos, a base rme da especulação
1980. p. 50 (Adaptação).
losóca.
Sobre a relação entre política e a losoa de Platão,
C) o exame antropológico deriva da impossibilidade do
é correto armar:
autoconhecimento e é, portanto, de natureza soística.
A) Platão deende não haver relação entre o pensamento
D) a impossibilidade de responder (aporia) aos dilemas
racional e sua constatação a respeito da má qualidade
humanos é sanada pelo homem, medida de todas
dos governos de sua época.
as coisas.
B) O ato de existirem refexões sobre a política na
losoa de Platão é algo proundamente relacionado
11. (Unicamp-SP) A sabedoria de Sócrates, lósoo ateniense
aos eventos de sua própria biograa.
que viveu no século V a.C., encontra o seu ponto de
C) Como Platão se desiludiu com a política a partir da partida na armação “sei que nada sei”, registrada na obra
situação que observava na cidade onde ele mesmo Apologia de Sócrates. A rase oi uma resposta aos que
vivia, não há, em sua obra, refexões diretamente armavam que ele era o mais sábio dos homens. Após
relacionadas a esse tema. interrogar artesãos, políticos e poetas, Sócrates chegou
D) Para Platão, não az sentido relacionar losoa e à conclusão de que ele se dierenciava dos demais por
política porque a política se resume a relações de orça reconhecer a sua própria ignorância.
(ou de poder) que, como tais, não são passíveis de O “sei que nada sei” é um ponto de partida para a
conhecimento e nas quais a losoa não pode intervir. Filosoa, pois
A) aquele que se reconhece como ignorante torna-se
09. (UFPA) Em Atenas [...] o povo exercia o poder, mais sábio por querer adquirir conhecimentos.
3Y1E diretamente, na praça pública [...]. Todos os homens B) é um exercício de humildade diante da cultura dos
adultos podiam tomar parte nas decisões. Hoje sábios do passado, uma vez que a unção da Filosoa
elegemos quem decidirá por nós. A democracia antiga era reproduzir os ensinamentos dos lósoos gregos.
é vista, geralmente, como superior à moderna. Mas a C) a dúvida é uma condição para o aprendizado e
democracia moderna não é uma degradação da antiga: a Filosoia é o saber que estabelece verdades
ela traz uma novidade importante – os direitos humanos. dogmáticas a partir de métodos rigorosos.
A questão crucial dos direitos humanos é limitar o D) é uma orma de declarar ignorância e permanecer
poder do governante. Eles protegem os governados dos distante dos problemas concretos, preocupando-se
caprichos e desmandos de quem está em cima, no poder. apenas com causas abstratas.

JANINE, Renato. A democracia. Publiolha,


12. (Unicentro-PR) A Filosoa se destina ao homem enquanto
São Paulo, 2001. p. 8-10 (Adaptação).
homem, ou a uma elite echada em si mesma?
A superioridade da democracia antiga com relação A) Para Platão, poucos homens são aptos para a losoa,
à moderna pode ser atribuída ao(à) e só adquirem tal aptidão após longa propedêutica.

A) poder dado aos homens mais velhos, dotados B) Há dois tipos de vida na terra, disse Aristóteles, uma
de virtude e sabedoria, para decidirem sobre os própria dos sábios e a outra da massa dos homens.
destinos da cidade. Para Aristóteles, a elicidade é possível apenas para
os sábios.
B) condução, de orma justa, da vida em sociedade e
C) Sócrates não costumava conversar com todos, entre
garantia do direito de todos os habitantes da cidade
velhos e jovens, optava pelos jovens, por isso é acusado
de participarem das assembleias.
de corromper a juventude. Entre nobres e escravos,
C) poder dado aos homens que se destacaram como os optava pelos nobres, pois na Grécia antiga apenas aos
mais corajosos nas guerras e aos mais capazes nas homens livres era concedida a permissão de losoar,
ciências e nas artes, para estes tomarem as decisões além do que, entre os gregos, acreditava-se que
nas assembleias realizadas em praça pública. os escravos eram desprovidos de razão.

52 Coleção Filosofia / Sociologia


A busca pela verdade: Sócrates e Platão

D) Para Kant, a losoa não está aí para todos, pertence D) As virtudes para Platão não estavam associadas
a poucos eleitos. à natureza das almas, segundo o ilósoo todos
E) Descartes dizia que a Filosoa é o conhecimento os homens possuem a mesma natureza racional,
pereito de todas as coisas, mas nem todos os seres e suas almas são iguais, sendo desejável, portanto,
humanos podem alcançá-lo, só aquele que é capaz que desenvolvam as mesmas virtudes.
de se libertar dos desejos mundanos para usuruir
E) Platão, era relativista do ponto de vista ético,
dos prazeres puramente intelectuais oriundos do ato
contemplativo, isto é, do cogito ergo sum. considerava que embora as virtudes e os valores
ossem paradigmas existentes no mundo das ideias,
13. (Unimontes-MG) Via de regra, os sostas eram homens como eles deveriam se realizar no mundo ísico,
IKOA que tinham eito longas viagens e, por isso mesmo, estariam relacionados a condições muito particulares
tinham conhecido dierentes sistemas de governo. de concretização, e não poderiam ser considerados
Usos, costumes e leis das cidades-Estado podiam variar desvinculados da história e de circunstâncias
enormemente. Sob esse pano de undo, os sostas particulares.
iniciaram em Atenas uma discussão sobre o que seria
natural e o que seria criado pela sociedade.

FILOSOFIA
GAARDER, J. O Mundo de Sofa. SEO ENEM
São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

Sobre os sostas, é incorreto armar que 01. (Enem–2017) Uma conversação de tal natureza
QCBX
A) eles tiveram papel undamental nas transormações transorma o ouvinte; o contato de Sócrates paralisa
culturais de Atenas. e embaraça; leva a refetir sobre si mesmo, a imprimir
B) eles se dedicaram à questão do homem e de seu lugar à atenção uma direção incomum: os temperamentais,
na sociedade. como Alcibíades, sabem que encontrarão junto dele todo
C) eles eram mercenários e só visavam ao lucro na arte o bem de que são capazes, mas ogem porque receiam
de ensinar. essa infuência poderosa, que os leva a se censurarem.
D) eles oram os primeiros a compreender que o “homem É sobretudo a esses jovens, muitos quase crianças, que
é medida de todas as coisas”. ele tenta imprimir sua orientação.
BRÊHIER, E. História da flosofa. São Paulo: Mestre Jou, 1977.
14. (UENP-PR) Sócrates oi considerado um dos principais
ilósoos da antiguidade clássica. Ao propor uma O texto evidencia características do modo de vida
refexão sobre o problema da consciência, levou às socrático, que se baseava na
últimas consequências a preocupação antropológica que A) contemplação da tradição mítica.
havia se iniciado com os sostas. Uma das principais
B) sustentação do método dialético.
contribuições de Sócrates oi o desenvolvimento da
categoria “consciência” que está associada à concepção C) relativização do saber verdadeiro.
que possuía de que o ser humano era dotado de uma D) valorização da argumentação retórica.
alma racional, na qual estavam depositadas verdades
E) investigação dos undamentos da natureza.
eternas, e que o conhecimento dessas verdades era
imprescindível para o desenvolvimento de uma vida ética.
Depois de Sócrates, as preocupações sobre a natureza
02. (Enem–2016) Os andróginos tentaram escalar o céu para
da alma, e sobre a Ética jamais abandonaram a losoa. combater os deuses. No entanto, os deuses em um primeiro
Sobre o tema, assinale a alternativa correta. momento pensam em matá-los de orma sumária. Depois
decidem puni-los da orma mais cruel: dividem-nos em
A) Sócrates desenvolveu uma ética relativista, deen- dois. Por exemplo, é como se pegássemos um ovo cozido
dendo que os valores não podem ser considerados
e, com uma linha, dividíssemos ao meio. Desta orma, até
absolutos, e estão relacionados aos consensos
hoje as metades separadas buscam reunir-se. Cada um
existentes em cada contexto histórico, devendo ser
considerados validos na medida em que possuem com saudade de sua metade, tenta juntar-se novamente
alguma utilidade pragmática. a ela, abraçando-se, enlaçando-se um ao outro, desejando
ormar um único ser.
B) Platão, um dos mais importantes discípulos de
Sócrates, se aastando do modelo desenvolvido por
PLATÃO. O banquete. São Paulo: Nova Cultural, 1987.
ele, que desconsiderava a incontinência (akrasia)
como ator relevante para a ormação da conduta, No trecho da obra O banquete, Platão explicita, por meio
desenvolveu uma metáora de alma tripartite, de uma alegoria, o
segundo a qual, a alma seria semelhante ao condutor
da briga de dois cavalos, sendo que um deles seria A) bem supremo como m do homem.
altivo e elevado, e o outro atarracado e indolente. B) prazer perene como undamento da elicidade.
C) Sócrates concordava com os soistas quando C) ideal inteligível como transcendência desejada.
armavam que o “homem era a medida de todas
D) amor como alta constituinte do ser humano.
as coisas”, sendo esse aorisma um dos principais
postulados de sua ética. E) autoconhecimento como caminho da verdade.

Bernoulli Sistema de Ensino 53


rente A Módulo 03

03. (Enem–2016) Estamos, pois, de acordo quando, ao ver O conhecimento, para Platão, é obtido quando a pessoa
algum objeto, dizemos: “Este objeto que estou vendo tem A) reconhece sua ignorância e a impossibilidade de alcançar
tendência para assemelhar-se a um outro ser, mas, por o conhecimento verdadeiro na realidade inteligível.
ter deeitos, não consegue ser tal como o ser em questão B) investiga o mundo por meio das experiências que
e lhe é, pelo contrário, inerior”. Assim, para podermos a levarão a conclusões certas e verdadeiras.
azer estas refexões, é necessário que antes tenhamos C) coloca-se a investigar a si mesma buscando as verdades
tido ocasião de conhecer esse ser de que se aproxima o pela razão na realidade inteligível.
dito objeto, ainda que impereitamente. D) tolera a ignorância dos demais, porém sem admitir
a sua própria.
PLATÃO. Fédon. São Paulo: Abril Cultural, 1972.
E) reconhece modestamente não ser possível encontrar
Na epistemologia platônica, conhecer um determinado verdades, pois estas ultrapassam suas capacidades.
objeto implica
A) estabelecer semelhanças entre o que é observado em
GAARTO Meu aproveitamento
momentos distintos.
B) comparar o objeto observado com uma descrição
detalhada dele. ropostos Acertei ______ Errei ______
C) descrever corretamente as características do objeto
01. D
observado.
D) azer correspondência entre o objeto observado e seu ser. 02. E
E) identicar outro exemplar idêntico ao observado.
03. B

04. (Enem) Para Platão, o que havia de verdadeiro em


04. C
Parmênides era que o objeto de conhecimento é um objeto
de razão e não de sensação, e era preciso estabelecer 05. B
uma relação entre objeto racional e objeto sensível ou
material que privilegiasse o primeiro em detrimento do 06. E
segundo. Lenta, mas irresistivelmente, a Doutrina das
Ideias ormava-se em sua mente. 07. C

ZINGANO, M. Platão e Aristóteles: o ascínio da Filosoa. 08. B


São Paulo: Odysseus, 2012 (Adaptação).
09. E
O texto az reerência à relação entre razão e sensação,
um aspecto essencial da Doutrina das Ideias de Platão 10. A
(427 a.C.-346 a.C.). De acordo com o texto, como Platão
se situa diante dessa relação? 11. A
A) Estabelecendo um abismo intransponível entre as duas.
12. A
B) Privilegiando os sentidos e subordinando o conheci-
mento a eles. 13. C
C) Atendo-se à posição de Parmênides de que razão
14. B
e sensação são inseparáveis.
D) Armando que a razão é capaz de gerar conhecimento,
mas a sensação não.
Seção Enem Acertei ______ Errei ______
E) Rejeitando a posição de Parmênides de que a sensação
é superior à razão. 01. B

05. Mas, Teeteto, se voltar a conhecer, estará mais preparado 02. D

após esta investigação, ou ao menos terá esta atitude


03. D
mais sóbria, humilde e tolerante em relação aos outros
homens, e será sucientemente modesto para não supor 04. D
que sabe aquilo que não sabe.
PLATÃO. Teeteto. In: MARCONDES, Danilo. Iniciação à história 05. C

da flosofa: dos pré-socráticos a Wittgenstein.


Rio de Janeiro: Jorge Zahar. p. 48 (210c). Total dos meus acertos: _____ de _____ . ______ %

54 Coleção Filosofia / Sociologia

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