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HISTÓRIA A – 10.

º ANO

Módulo 1 (APONTAMENTOS)
Raízes mediterrânicas da civilização europeia – cidade, cidadania e império na antiguidade clássica

1. O modelo ateniense

A morfologia montanhosa do território grego, tornando difícil a comunicação entre as populações, bem
como as necessidades de defesa numa região que, ao longo do tempo, foi alvo de constantes migrações
contribuíram para isolar os grupos humanos. Por outro lado, o solo, pobre em recursos, motivou com
frequência rivalidades entre comunidades próximas. Desta forma, com o tempo, os grupos humanos
tenderam a constituir comunidades fechadas - a polis -, caracterizadas pela sua autonomia e
independência, as cidades-estado.
O espaço material e simbólico mais importante dos primórdios da cidade-estado era a acrópole, local
fortificado construído no ponto mais elevado do núcleo urbano, primitiva sede da polis e local de
instalação das principais instituições políticas e religiosas. A polis nunca atingiu proporções exageradas,
pelo que a reduzida dimensão da cidade facilitou o interconhecimento entre os seus cidadãos, propiciou
uma administração eficaz e promoveu a participação directa dos cidadãos na vida cívica e política. Estas
condições favoreceram ainda a perda de importância da acrópole, em benefício da Ágora,
progressivamente o centro cívico, político e económico da cidade.
A polis não se limitava ao espaço urbano propriamente dito; englobava igualmente as terras circundantes,
onde se cultivavam os produtos necessários à sobrevivência da população e se apascentavam os
rebanhos. Compreende-se que assim fosse, porque o ideal de autarcia pressupunha não só a existência
de instituições políticas próprias mas também que a cidade fosse auto-suficiente no plano económico e
militar, possuindo o necessário (alimentos, mão-de-obra, exército) à sua existência.

1.1. A Democracia Antiga: os direitos dos cidadãos e o exercício do poder


A instauração da ordem democrática em Atenas, cujas origens se podem atribuir às reformas de Sólon, no
século VI a. C. (abolição da servidão por dívidas, repartição dos cargos públicos, reforma dos pesos e
medidas), ficou a dever-se fundamentalmente à acção de Clístenes e Péricles. O primeiro, procurando pôr
fim ao peso das grandes famílias aristocráticas, redistribuiu os cidadãos por células-base, os demos, que
agrupou em 10 tribos. Tendo como preocupação a existência de igualdade nas condições materiais entre
as tribos, determinou que todos os homens livres do demos fossem cidadãos e pudessem participar na
vida política da cidade. O regime assim estabelecido chamou-se democracia.
Todos os cidadãos podiam participar na assembleia popular, a Eclésia, pelo que esta era considerada a
expressão da vontade dos demos. A Eclésia decidia sobre a paz e a guerra, decretava os impostos, elegia e
fiscalizava a acção dos magistrados, votava as leis e julgava crimes de traição.
O poder legislativo estava distribuído por outro órgão ao qual competia a preparação das leis para
discussão na Eclésia: a Bulé, constituída por 500 membros, sorteados anualmente, cabendo 50
representantes a cada tribo. Além da iniciativa legislativa, a Bulé possuía importantes poderes de gestão:
dirigia a diplomacia, controlava as finanças, vigiava a cobrança de impostos, julgava a acção dos
magistrados e resolvia outros assuntos correntes (conservação dos templos, organização de festas,
fixação de salários, verificação das condições de elegibilidade dos magistrados, policiamento da cidade,
etc.).
O poder judicial pertencia igualmente ao povo, que o exercia através de dois tribunais: o Helieu e o
Areópago. O primeiro era composto por 6000 juízes, tirados à sorte anualmente, cabendo 600 a cada
tribo. Os juízes (heliastas) distribuíam-se por 10 tribunais especializados e julgavam todo o tipo de crimes,
à excepção dos de morte ou contra a religião. O Areópago, outrora uma importante assembleia
aristocrática, viu as suas funções reduzidas com a democracia: constituíam-no antigos arcontes e julgava
questões religiosas, homicídios premeditados, incêndios e casos de envenenamento.
A execução das decisões da Eclésia cabia a dois tipos de magistrados: os estrategos e os arcontes. Os 10
estrategos, um por cada tribo e eleitos anualmente, eram os magistrados mais importantes, já que
comandavam o exército e a marinha, conduziam a política externa e controlavam as finanças. Os
arcontes, igualmente dez, eram tirados à sorte, presidiam às cerimónias religiosas, verificavam a
coerência das leis e tinham funções judiciais no Areópago.
Este modelo era uma democracia antiga ou directa. O povo não delegava poderes numa assembleia de
representantes para a elaboração das leis, como nos nossos dias; pelo contrário, participava pessoal e
directamente nas sessões da Eclésia.
Por outro lado, a democracia assentava no pressuposto de que a simples condição de cidadão era
suficiente para o exercício de cargos públicos, não exigindo para o efeito qualquer preparação especial
(isocracia). Nestas condições, o uso da palavra em público para apre- sentar propostas (a oratória) e
convencer os outros cidadãos a votá-las favoravelmente era um direito reconhecido a todos (isegoria),
fundamental para a vida da cidade. Para aqueles que pretendessem realizar uma carreira política,
exigiam-se obviamente qualidades oratórias superiores, sendo este um critério que distinguia os homens
sábios dos restantes.
A possibilidade de qualquer cidadão exercer cargos públicos estava, no entanto, condicionada pelo facto
de apenas os mais ricos disporem de fortuna que lhes permitia a dedicação à vida política a tempo
inteiro. Para ultrapassar este constrangimento, Péricles criou as mistoforias, subsídios atribuídos pelo
exercício dos cargos de juiz, buleuta ou arconte e pela participação dos cidadãos nas sessões da Eclésia.
Estes mecanismos permitiram na prática responder ao princípio da igualdade de todos os cidadãos
perante a lei (a isonomia) e contribuíram para o alargamento significativo do número de cidadãos
presentes nas assembleias.
Conscientes dos perigos, os atenienses instituíram diversos mecanismos de protecção da democracia. Por
um lado, a curta duração dos mandatos e a tiragem à sorte para a maioria dos cargos criavam obstáculos
ao exercício prolongado no poder. Por outro, a Bulé e a Eclésia exerciam o controlo sobre a acção dos
magistrados e obrigavam à prestação de contas no termo dos mandatos. Havia também um mecanismo
que evitava a entrada em vigor de uma lei aprovada pela Eclésia, desde que ela fosse "ilegal" (graphé
paranómon). Finalmente, perante a eventualidade de alguém pretender instalar um regime de poder
pessoal, a Eclésia podia decidir o afastamento da cidade durante 10 anos de todo aquele que fosse
acusado de constituir uma ameaça ao regime ou de subverter a ordem pública, perdendo então os seus
direitos políticos, embora não lhe fossem confiscados os bens pessoais. A esta prática chamava-se o
ostracismo.
Pese a importância civilizacional que a implantação desta primeira experiência democrática
inegavelmente constituiu, vários eram, no entanto, os limites à participação democrática no regime
ateniense.
Em primeiro lugar, destaque-se a reduzida dimensão do corpo cívico. Na realidade, numa população
total de cerca de 400 000 pessoas, apenas cerca de uma décima parte - 40 000, portanto - estava na
posse de direitos políticos, podendo participar activamente na vida da cidade. Acresce o facto de que,
entre estes, apenas cerca de 5000 a 6000 pessoas participavam com regularidade nas sessões da Eclésia,
dadas as carências de natureza económica ou o reconhecimento da improbabilidade de fazer aprovar
propostas suas.
Por outro lado, estavam excluídos da participação na vida política as mulheres, mesmo as dos cidadãos,
os metecos e os escravos. Relativamente às mulheres, as práticas sociais, legitimadas mesmo por
filósofos como Aristóteles, não só as excluíam da vida pública como, mesmo em casa, as remetiam para
um espaço específico - o gineceu -, onde desempenhavam tarefas ligadas ao trabalho doméstico e à
educação dos filhos.
Os metecos, estrangeiros atraídos pelas actividades comerciais a quem tinha sido concedida autorização
de residência, possuíam alguns direitos civis. Sujeitos ao pagamento de impostos e à prestação de ser-
viço militar, possuíam um tribunal próprio e participavam em divertimentos sociais, mas já não tinham
direito de possuir terras, participar na Assembleia ou ser eleitos para cargos políticos.
Por sua vez, os escravos não possuíam quaisquer direitos, mesmo civis, podendo ser vendidos como
qualquer mercadoria ou objecto. Constituindo cerca de metade da população ateniense, os escravos
trabalhavam nas minas, na agricultura e em ocupações domésticas, recebendo por vezes um salário como
os homens livres. Aceite socialmente a sua condição como natural, a situação pessoal era muito
diversificada; contudo, foi à custa da exploração do trabalho escravo que os cidadãos adquiriram
condições - o ócio - para conviver e dedicar-se à vida da cidade.
Façamos, ainda, uma derradeira referência a dois aspectos que, face a princípios democráticos, podemos
hoje considerar igualmente como limitações: o imperialismo e as restrições à liberdade na democracia
ateniense. Na realidade, a afirmação de Atenas (e do seu regime) no século V a. C. foi, em parte,
conseguida à custa da utilização, em proveito próprio, dos pesados tributos pagos pelas cidades da Ásia
Menor e do Mar Egeu, que constituíam o fundo comum de uma aliança criada na sequência das guerras
com os Persas - a Liga de Delos - destinado à mobilização colectiva em situação de defesa.
Por outro lado, o exercício da liberdade tinha limitações, designadamente a censura à própria liberdade
de expressão. O ostracismo apresentava, de facto, um lado perverso, pois conhecem-se diversas vítimas
que foram condenadas inocentemente, alvo de suspeitas infundadas. Quanto à censura, o caso mais
conhecido foi a execução do filósofo Sócrates, acusado de corromper a juventude e não acreditar nos
deuses da cidade. A liberdade em Atenas estava, desta forma, rigorosamente condicionada pela
obediência à lei e a actividade política apenas era reconhecida desde que se integrasse nos interesses do
Estado.

1.2. Uma cultura aberta à cidade.


Outro importante contributo civilizacional dos Gregos consistiu na sua concepção de cultura como factor
de integração social realizada através de um processo de aprendizagem devidamente organizado pelo
Estado, com vista ao desempenho na vida adulta dos papéis atribuídos ao cidadão. Para o efeito,
multiplicaram os espaços facilitadores desta aprendizagem para a cidadania, dentre os quais podemos
distinguir as manifestações cívico-religiosas e a educação, cujos reflexos se tornaram patentes na criação
e fruição cultural.

1.2.1. As grandes manifestações cívico-religiosas

As grandes manifestações cívico-religiosas organizadas por toda a Grécia incluíam os oráculos, os jogos,
os festivais e o teatro.
Os oráculos tiveram enorme importância entre os gregos porque eles traduziam religiosidade e ligação
profunda dos homens com os deuses. Na realidade, crendo que estes falavam aos homens, os gregos
consultavam-nos a propósito de iniciativas a empreender, de modo a seguir as orientações divinas. As
respostas dos deuses - os oráculos - eram mediadas pelos sacerdotes que as concretizavam sob a forma
de mensagens ambíguas, susceptíveis de interpretações diversas, contraditórias por vezes. Os oráculos
mais conhecidos foram proferidos no templo de Delfos, local a que acorreram os mais destacados
políticos e militares gregos.
Os jogos organizavam-se em homenagem aos deuses, devendo as hostilidades entre as cidades-estado
ser suspensas a fim de que todos os gregos neles pudessem participar. Constituíam, por isso, quer um
elemento de união entre os gregos quer um factor de desenvolvimento das manifestações culturais.
Os mais importantes eram os Jogos Olímpicos, realizados em Olímpia, de quatro em quatro anos, em
homenagem ao deus Zeus e ao herói Hércules, criador dos jogos. Englobavam cerimónias de culto,
discursos públicos e provas desportivas - corridas a pé e a cavalo, luta, pugilato e pentatlo. Por sua vez, os
Jogos Píticos, em homenagem a Apoio, celebravam-se em Delfos, alternando com os Jogos Olímpicos.
Eram quadrienais e incluíam concursos musicais e dramáticos, além das competições desportivas.
Os principais festivais - as Panateneias e as Dionísias - realizavam-se em Atenas, em homenagem a Atena
e Dioníso, respectiva- mente. As primeiras eram anuais e as suas manifestações musicais, poéticas e
desportivas culminavam com uma procissão ao templo da deusa, na Acrópole, onde lhe era oferecido um
manto bordado por raparigas das melhores famílias atenienses. Das segundas destacavam-se as Grandes
Dionísias, realizadas em Março de cada ano, com o objectivo de celebrar a renovação cíclica da natureza,
e incluíam cerimónias como o sacrifício, a exposição de tributos das cidades "aliadas" e representações
teatrais.
O teatro constituiu também uma importante manifestação cívica de carácter religioso. Tendo origem nas
festividades das Grandes Dionísias, inspirava-se na vida dos deuses e dos heróis, tornando-se, por- tanto,
uma expressão do sagrado. Contudo, a condição humana não era ignorada, na medida em que o
desenrolar da acção levava os homens, em obediência à sua vontade, a opor-se aos deuses, embora não
conseguissem escapar ao destino traçado. Os géneros teatrais - a tragédia e a comédia - eram
representados em teatros construídos ao ar livre, tendo os pobres acesso gratuito através de um fundo
público criado para o efeito.

1.2.2. A educação para o exercício público do poder

A educação tinha como objectivo a formação global e equilibrada dos jovens. A educação formal iniciava-
se por volta dos sete anos e abrangia apenas os rapazes, que entravam na escola acompanhados de um
escravo - o pedagogo -, continuando as raparigas em casa, entregues aos cuidados da mãe, com direito
apenas à aprendizagem de tarefas domésticas. As aprendizagens centravam-se em três áreas: os
fundamentos de leitura, escrita e cálculo, a cargo do gramático; a educação física e a preparação do
corpo, da responsabilidade do pedótriba; e o desenvolvimento das expressões (canto, música coral e
instrumental, poesia), a cargo do citarista. A partir dos 14 anos, os mais abastados prosseguiam estudos
em escolas como os ginásios, onde a formação incidia especialmente sobre o plano físico.
Não havia um ensino "superior" semelhante ao dos nossos dias. Contudo, o desenvolvimento da
democracia em Atenas, onde as qualidades oratórias com vista a influenciar os demais desempenhavam
papel de relevo, contribuiu para o aparecimento dos sofistas. O seu ensino, pelo qual se faziam
remunerar, centrava-se na transmissão de conhecimentos ligados à gramática, à retórica e à dialéctica,
visando directamente a preparação de cidadãos para o exercício da política. Esta especialização na
formação dos políticos não deixou de ser criticada pelos mais conhecidos filósofos gregos que, com a
fundação da Academia (Platão), permaneceram fiéis ao ensino da ciência, da filosofia e da matemática.

1 2 3. A arquitectura e a escultura, expressão do culto público e da procura da harmonia

O ideal humanista e racionalista dos gregos repercutiu-se no património artístico, designadamente pela
procura do equilíbrio, harmonia e proporção na arquitectura e por um esforço de idealização do real na
escultura.
Em resposta às necessidades de funcionamento das instituições e de realização das manifestações cívico-
religiosas, a arquitectura incluiu a construção de estádios, teatros, pórticos e sobretudo templos.
Os templos, erigidos em calcário ou mármore, eram construções modestas, com planta quadrangular e
uma estrutura simples: a naos ou cella, local onde se depositava a estátua do deus, precedida de uma
antecâmara, a pronaos; o opistodomos, espaço onde se colo- cava o tesouro do templo; e o peristilo,
zona que rodeava o conjunto, formado por colunas.
Preocupados com a harmonia e o equilíbrio, a arte obedecia a regras de proporcional idade (o cânon)
entre os diversos elementos do conjunto. Esta preocupação reflectiu-se na definição das ordens
arquitectónicas: a dórica, a jónica e a coríntia.
A ordem dórica (século VI a. C.) possuía colunas com arestas vivas, que assentavam directamente no
estilóbato, sem base. O capitel era simples, não tinha decoração; o friso era dividido em métopas,
normalmente esculpidas, e tríglifos. Os templos apresentavam um aspecto robusto, embora atarracado.
A ordem jónica (século VI a. C.) possuía colunas de arestas vivas, que assentavam numa base; o capitel
tinha volutas e o friso era contínuo. Os templos caracterizavam-se pela sua elegância e graciosidade.
A ordem coríntia (século V a. C.) era uma variante da jónica, distinguindo-se por apresentar o capitel
decorado com folhas de acanto. As colunas, por vezes, eram substituídas por figuras femininas, as
cariátides, ou masculinas, os atlas.
Os séculos V e IV a. C. são o período clássico da arquitectura grega, cujo expoente é representado pelo
Paterno. As suas colunas foram construídas seguindo a técnica da êntase, que consistia em conferir ao
estilóbato, fuste e entablamento uma curvatura convexa por forma a efectuar uma correcção óptica sem
a qual as colunas dos extremos pareceriam mais finas, o estilóbato apresentaria uma depressão no centro
e o entablamento uma reentrância. Na decoração do Pártenon, o génio de Fídias conseguiu transmitir a
suprema expressão da idealização do real através da harmonia das figuras, da naturalidade, do
movimento dos corpos e da perfeição dos rostos.
O humanismo e o ideal de beleza e de perfeição dos gregos estão igualmente presentes na escultura,
onde, representando deuses, heróis ou atletas, a temática é sempre a figura humana. Respeitando
embora o cânon, os escultores gregos conseguiram deixar o seu cunho pessoal nas obras de arte.
Dorífero, de Policleto, atinge a máxima expressão de respeito pelas proporções ideais do corpo humano.
Por sua vez, em Discóbolo, Míron conseguiu captar o movimento do lançador de disco, através do relevo
dos músculos, num rosto marcado pela serenidade.
De um modo geral, as esculturas do período clássico, reflectindo a procura da beleza suprema e da
máxima perfeição, idealizam o real, afastando-se dele. Só no século IV a. C. se assiste não já a uma
idealização da figura humana, mas ao aparecimento do naturalismo, o que ele significa de representação
real do corpo, das suas alegrias e tristezas, perfeições e defeitos, embora de forma delicada.

O Professor: Sérgio Fernandes

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