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Apontamentos de História

O Modelo Ateniense
1.1. A democracia antiga
Foi na Grécia, mais propriamente na cidade-estado de Atenas, que nasceu a
democracia.

1.1.1. Um mundo de cidades-estado


Os gregos nunca formaram uma unidade política. O mundo helénico era constituído
por uma multiplicidade de pólis. As pólis são pequenas comunidades
independentes, em que os gregos viviam, com o seu governo e leis próprias. Cada
pólis (ou cidade-estado) ocupava um território próprio. Dada a pequenez do
território e a sua natureza montanhosa, o número de habitantes de cada cidade-
estado parece-nos, hoje, bastante pequeno. A população era, na sua maioria,
formada por escravos e estrangeiros, aos quais não era reconhecido o estatuto de
cidadão. Por isso, o corpo cívico (conjunto de cidadãos) era muito reduzido, mas,
mesmo assim, essencial à vida da pólis. O governo, a organização das cerimónias
religiosas e a feitura das leis, às quais os gregos devotavam um enorme respeito,
cabiam apenas aos cidadãos. O território, o corpo cívico e um conjunto de leis
próprias, eram imprescindíveis á existência da pólis.

Corpo Cívico (Cidadãos)


Componentes da Pólis Território
Leis próprias (Cada cidade tem leis adaptadas à
própria
cidade.

A organização do espaço cívico


A cidade grega começa por ser um espaço fortificado destinado à defesa. A
insegurança dos primeiros séculos da História grega privilegiou a criação de
espaços mais altos com condições de defesa onde, em caso de perigo, as pessoas
poderiam acolher-se. Foi em torno deste local alto, a acrópole, que nasceram as
primeiras cidades. Com o passar do tempo, a acrópole torna-se um local de culto e
nela encontravam-se os principais templos da cidade. A vida quotidiana da pólis
desenvolvia-se na parte mais baixa da cidade, a ágora ou praça pública. Era na
ágora que se realizava o mercado, onde os cidadãos se encontravam para
conviver e discutir os assuntos da pólis e onde se erguiam as principais
construções destinadas ao governo da cidade. Na ágora e na acrópole situavam-
se os mais belos edifícios da cidade.

1.1.2. A democracia ateniense


No conjunto de cidades-estado gregas, Atenas ocupava um lugar destacado. Para
além do seu poder económico e militar, a pólis ateniense tornou-se num centro
cultural e político. Um dos aspetos que contribuíram para o prestígio da cidade foi
a sua original forma de governo. Os atenienses chamaram-lhe democracia.
Os direitos dos cidadãos: isonomia, isocracia e isegoria
A igualdade entre todos os cidadãos foi solidamente estabelecida pelos
legisladores atenienses. A democracia ateniense é baseada em três princípios:
1. Isonomia = Igualdade de todos perante a lei e na participação cívica.
2. Isocracia = Igualdade de todos os cidadãos no acesso aos cargos públicos
de governo.
3. Isegoria = Igualdade de direitos no uso da palavra nos espaços cívicos.

Clístenes, justamente considerado o fundador da democracia ateniense,


estabeleceu uma nova divisão administrativa do território, que fracionou em 10
tribos, subdivididas em 10 demos (100 demos ao todo). Todos os anos eram
sorteados os cidadãos que deveriam prestar serviço nos diferentes órgãos políticos
da cidade. Daí a designação de democracia, palavra grega que significa,
literalmente, poder do demos ou poder do povo. Mais tarde, Péricles, o mais
destacado de todos os políticos atenienses, completou estas reformas com a
criação das primeiras mistoforias, espécie de pagamento feito pelo Estado aos que
exerciam funções públicas.

O exercício dos poderes


Assembleias, magistrados e tribunais asseguravam o exercício dos poderes do
estado na pólis ateniense:
- A Eclésia servia de base de toda a estrutura governativa. Reunia-se três a
quatro vezes por mês e nela deviam participar todos os cidadãos. Competia à
Assembleia discutir e votar leis, decidir da paz e da guerra, apreciar a atuação
dos magistrados ou deliberar sobre qualquer outro assunto que respeitasse o
governo da cidade. Os seus poderes não tinham limites. O voto exigia-se de braço
no ar, mas os cidadãos podiam também exigir que fosse secreto.

- A Bulé partilhava com a Eclésia o poder legislativo. Nos intervalos das sessões da
Eclésia, a Bulé era chamada a resolver os assuntos correntes. Estava-lhe também
atribuída a cobrança dos impostos e a supervisão das contas públicas. Formavam
este conselho 500 membros à razão de 50 por tribo. Ninguém podia ser membro da
Bulé mais do que duas vezes na vida. Os buleutas trabalhavam numa espécie de
sistema rotativo – as Pritanias.

- Os arcontes eram magistrados prestigiados, embora os seus poderes se


limitassem ao desempenho de funções religiosas ou judiciais. Competia-lhes a
organização das grandes cerimónias funerárias e religiosas e a presidência dos
tribunais. Era entre os antigos arcontes que se recrutavam os membros do
Areópago.
- Os estrategos comandavam a Marinha e o Exército. Os estrategos tornaram-se os
verdadeiros chefes de Atenas e alguns estrategos alcançaram um enorme
prestígio, tal como Péricles.. Péricles dominou a política ateniense durante quase
três décadas e ficou para a história como um dos homens mais notáveis do seu
século. Tal como as restantes funções governativas, a justiça era assegurada pelos
cidadãos comuns, reunidos em dois tribunais.

- O Areópago é um tribunal formado por antigos arcontes, outrora, o mais


importante tribunal de Atenas. As suas funções encontravam-se bastante
limitadas, competindo-lhe o julgamento dos crimes de homicídio e de desrespeito
aos deuses da cidade.

- O Helieu era constituído por 6000 juízes com mais de 30 anos, a quem incumbia o
julgamento da maior parte dos delitos. Funcionava por instruções e a instrução
dos processos competia aos arcontes e a outros magistrados. Finalizados os
discursos e as acusações do réu, os juízes pronunciavam-se pela absolvição ou pela
condenação.

Uma democracia direta


Na democracia direta não há partidos políticos, ou seja, cada cidadão representa-
se a si mesmo, desempenhando os cargos necessários ao bom desempenho da
cidade e interessando-se e participando no Governo da pólis com espírito de
cidadania – ele está ao serviço da cidade. A democracia grega era, por isso, uma
democracia direta e todo aquele que se desinteressava dos assuntos públicos era
mal visto pela pólis. A verdadeira dimensão humana cumpria-se através do
exercício da cidadania.
Tornava-se necessário assegurar a todos a participação nos cargos públicos e não
apenas aos mais cultos. É esta a razão que explica a preferência pelo sistema de
sorteio em relação ao sistema de eleição.

A importância da oratória
A oratória era o dom da palavra que permitia convencer e brilhar em política,
convencendo as pessoas através da fala. Todo o cidadão devia estar preparado
para apresentar propostas e discuti-las na Eclésia. Os oradores brilhantes
desfrutavam de elevado prestígio. Alguns fundaram escolas de retórica (arte de
bem falar) onde se instruíam os filhos das melhores famílias , desejosos de dominar
as regras do discurso político.

A proteção à democracia
Os Atenienses estavam atentos aos perigos que a palavra podia representar para
a democracia. Muitos políticos cativavam os atenienses com propostas e
irrealizáveis. Foi para atenuar estes excessos de demagogia (dom de convencer os
outros através promessas irrealizáveis ou discursos vazios) que se introduziu a
graphé paranomon, medida segundo a qual uma proposta, mesmo já aceite pela
Eclésia, podia ser anulada por ser contrária às leis da cidade. O seu autor
arriscava-se a ser julgado, condenado ou a pagar uma multa. O grande perigo que
a democracia receava era a tomada de poder por um só homem. Para o impedir,
os legisladores atenienses estabeleceram os ostracismo (votação de um cidadão
que os legisladores achavam que perturbava o funcionamento democrático, a
pessoa mais votada deixaria a cidade durante 10 anos, sem perder os seus bens ou
direitos para quando regressasse).

1.1.3. Os limites da democracia antiga


A democracia antiga e a atual têm profundas diferenças. A democracia antiga
funcionava apenas para um grupo de cidadãos. A maior parte da população via-se
excluída da participação política e de muitos outros direitos civis.

A reduzida proporção do corpo cívico


A Ática teria uma população de cerca de 400 000 habitante. Destes, apenas
40 000 eram cidadãos atenienses! As mulheres não contavam politicamente; eram
apenas mulheres, não eram cidadãs. Formavam cerca A privação dos direitos
políticos continha também os metecos, indivíduos que viviam na Ática, mas que a
lei considerava estrangeiros. E finalmente, os escravos, que eram despojados de
todos os direitos e da sua condição de seres humanos. A participação democrática
estava reservada a uma escassa minoria. Esta situação era vista com naturalidade
no mundo grego. Na época de Péricles, os cidadãos tinham de ser filhos de pai e
mãe atenienses e a eles estavam reservadas a vida política e a posse de bens de
raiz (casas e terras). O cidadãos tinha diversas obrigações, delas as três mais
importantes: a participação militar quando concluísse os 18 anos, a participação
nas assembleias e magistrados e o pagamento de impostos, quem não pagasse, era
expulso. Os cidadãos tanto podiam ser grandes proprietários, pequenos
camponeses, comerciantes, artesãos ou, até mesmo, operários.

Os excluídos: mulheres, metecos e escravos


As mulheres atenienses poucos direitos tinham. Elas dedicavam-se ao trabalho
doméstico e à educação das crianças. O casamento fazia-as passar da tutela do
pai para a do marido, que se podia divorciar quando quisesse. Se ficassem viúvas,
ficavam sob a autoridade do filho mais velho ou do parente masculino mais
próximo.
As mulheres habitavam uma zona especifica, o gineceu, onde decorria a maior
parte da sua vida. Com exceção das grandes festas religiosas em que
participavam, muito raramente saíam à rua, sempre sob o recato de um véu e a
vigilância de uma escrava. Não iam sequer ao mercado, já que as compras eram de
privilégio masculino. Esta completa discriminação de sexos, foi, na altura,
justificada por grandes pensadores como Aristóteles, para quem a inferioridade da
mulher era ditada pela Natureza, que atribuía ao homem capacidades de mando, e
à mulher, submissão e obediência.

Os metecos provinham de outras cidades-estado ou de fora do mundo grego.


Autorizados a viver na Ática permanentemente, passavam a sua condição de
estrangeiros de pais para filhos. Apesar de estarem sujeitos a muitas obrigações
dos cidadãos, a lei obrigava-os ao pagamento de um imposto suplementar, o
metécio, e impunha-lhes numerosas restrições. Os metecos desempenhavam um
papel económico relevante, como artesãos e comerciantes. Estas atividades
permitiam-lhes acumular riqueza em dinheiro, mercadorias ou escravos. Mas
dificilmente conseguiam elevar-se á condição de cidadãos.

Os escravos constituíam praticamente metade da população da Ática. Eram de


origem estrangeira. A lei não lhes reconhecia personalidade civil, nem família e,
muito menos, o direito de possuir bens. Eram considerados pela lei uma vulgar
mercadoria. Os escravos domésticos, encarregados dos cuidados da casa, podiam
considerar-se privilegiados. Apesar de plenamente aceite em todo o mundo antigo,
a injustiça da condição escrava não passou despercebida a ilustres atenienses.

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