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Apontamentos de História

INTRODUÇÃO
Na Idade Média, os homens enfrentam uma realidade dominada por diversos poderes,
resultando em um mundo instável e dividido, a que a Igreja dá união por meio da fé e
submissão ao bispo de Roma, conferindo ao Ocidente uma identidade distinta dos seus
vizinhos, Bizâncio e o Islão.
A partir do ano mil, a economia recupera-se, os campos tornam-se mais produtivos, a
população cresce, as cidades ganham importância e as rotas comerciais reativam-se. O
século XIII representa o auge dessa prosperidade. No século XIV, entretanto, o cenário
muda. Catástrofes, como grandes fomes e a devastadora peste, assolam a Europa,
resultando na perda dos ganhos populacionais e precipitando o Ocidente em uma crise
acentuada.

PODERES E CRENÇAS – MULTIPLICIDADE E UNIDADE


- A MULTIPLICIDADE DE PODERES
A Época Medieval começa com o declínio do Império Romano do Ocidente, marcado
pela fragmentação do território em diversas unidades políticas. Surgem reinos, incluindo
um império que se considerava herdeiro do poder romano, mas a autoridade de reis e
imperadores era pouco percebida pela gente comum. A vida cotidiana era mais
influenciada por autoridades locais, como magistrados urbanos e senhores nobres que
controlavam a maioria das terras na Europa, formando os senhorios. Estima-se que esses
senhorios representassem cerca de quatro quintos das terras europeias, com os
habitantes sujeitos à autoridade de senhores privados.

- OS SENHORIOS
O senhorio, na Idade Média, era a terra pertencente a um nobre ou membro do alto
clero. Embora as terras pudessem formar um conjunto contínuo, era mais comum
encontrá-las dispersas. O núcleo central do senhorio incluía o castelo do senhor, terras
aráveis, bosques e aglomerados populacionais, complementado por outros senhorios e
terras dispersas.
Além dos rendimentos econômicos da terra, o senhor exercia autoridade sobre os
habitantes, detendo o direito de julgar, impor penas, taxar, recrutar para o exército e, em
casos mais extremos, até cunhar moeda própria. Os senhores mais poderosos formavam
exércitos privados e detinham poderes políticos que, nos dias atuais, seriam exclusivos
do Estado. Esses poderes políticos eram conhecidos como "ban" ou "bannus". Este
duplo poder do senhor - o domínio económico e a autoridade sobre os Homens – é uma
das características mais marcantes dos tempos medievais.

- DUCADOS E CONDADOS
Os duques e condes eram membros destacados da nobreza medieval, frequentemente
ligados à casa real. Possuíam imensos senhorios, ampliados ao longo do tempo por
doações régias. Esses senhorios abrangiam não apenas terras agrícolas e aldeias, mas
também diversas vilas e, por vezes, cidades importantes.
Este tipos de senhorios eram comuns em toda a Europa, caracterizando-se pela imensa
riqueza e poder. Em alguns casos, esses grandes senhores desafiavam abertamente a
autoridade do rei ou imperador, embora, em teoria, devessem obediência a eles.

- OS REINOS
Os reinos são extensas unidades políticas lideradas por um rei. A estabilidade de um
reino depende do reconhecimento da superioridade de uma família, que exerce a realeza
de forma hereditária, e da delimitação de um território sob a autoridade do monarca. O
nascimento no reino coloca todos os indivíduos sob a dependência do rei, cuja
autoridade suprema é utilizada para garantir o bem comum.
A formação de um reino implica a identificação entre o rei, o território e os seus
habitantes, gerando a convicção de que existem laços étnicos, históricos, culturais e
políticos que unem a comunidade.
No século XIII, na Europa Ocidental, países como Portugal, Castela, Aragão, França e
Inglaterra já constituem reinos consolidados, enquanto mais a oriente, países como
Polônia, Hungria ou Bulgária estão nos estágios iniciais do processo de formação de
reinos.

- O IMPÉRIO
Após a queda do Império Romano do Ocidente, persistiu o ideal de uma autoridade
comum, refletido na tentativa de recriar um império universal e cristão. Esse sonho
aparentemente concretizou-se em 800 d.C., quando o Papa coroou Carlos Magno, rei
dos Francos, como imperador do Ocidente em Roma. Contudo, o império de Carlos
Magno foi breve, e, após sua morte, dividiu-se. No século X, Otão I, rei da Alemanha,
reviveu o sonho imperial ao aliar-se ao Papa e receber a coroa imperial, formando assim
o Sacro Império Romano-Germânico, abrangendo territórios germânicos e italianos.
Entretanto, o Sacro Império não realizou o sonho de domínio universal. Na Europa
Ocidental, os reinos organizados tornaram-se mais fortes. Disputas entre o Papa e o
imperador, juntamente com a ascensão de grandes senhores que estabeleceram
principados autônomos, enfraqueceram o poder imperial
No século XIII, o Sacro Império era um conjunto de territórios governados por
príncipes locais que escolhiam um imperador, cujo cargo, apesar de honroso, não
conferia poder efetivo.

- AS COMUNAS
A partir do século XI, impulsionadas por um período de paz e prosperidade, as cidades
europeias ressurgem como centros de comércio e artesanato, habitadas por indivíduos
ativos e empreendedores. Descontentes com o domínio dos grandes senhores, as cidades
buscaram autonomia desde cedo.
O movimento pela liberdade urbana começou no século XI no Norte da Itália, liderado
pelos mercadores, o grupo mais ativo e influente. Eles formaram a "comuna", uma
associação da população da cidade que apresentava reivindicações ao senhor e, se
necessário, lutava por elas. Essas lutas espalharam-se por toda a Europa, resultando em
episódios violentos em cidades como Milão, Cambrai e Colônia.
As cartas comunais, concedidas muitas vezes de forma negociada, garantiam direitos e
liberdades à cidade. No século XII, muitos burgos europeus receberam as suas cartas
comunais, que eram guardadas pelos burgueses e determinavam estatutos e privilégios
específicos para cada cidade. Na Alemanha e na Itália, as comunas conseguiram
consideráveis privilégios administrativos, reorganizando-se com conselhos de burgueses
e magistrados que regulavam todos os aspetos da vida urbana, exceto os religiosos. As
cidades independentes, especialmente na Itália, cresceram extraordinariamente e
ocuparam posição de destaque nos circuitos econômicos europeus.

- A IMPRECISÃO DE FRONTEIRAS
A turbulência política na Idade Média resultava em fronteiras imprecisas e instáveis.
Anexações, guerras e acordos políticos frequentes alteravam a configuração dos
territórios independentes. O mesmo acontecia a nível interno: o desmembramento ou a
junção de senhorios, as liberdades conquistadas pelas cidades, as usurpações senhoriais
ou os progressos da autoridade real traçavam delimitações efémeras, de contornos mal
definidos.

- A UNIDADE DA CRENÇA
Apesar do fracionamento político, a Europa Ocidental mantinha uma unidade cultural
pela fé compartilhada. A Igreja era a única instituição que ultrapassava fronteiras,
solidificando-se em todos os países e regiões, contribuindo para a construção de uma
identidade comum. Assim, a ideia geográfica do Ocidente transformou-se numa
realidade cultural, a Cristandade Latina, um conjunto de terras e povos cuja língua
litúrgica era o latim e que, em questões religiosas, estava subordinado ao bispo de
Roma, o Papa.

- O PODER DO BISPO DE ROMA


Desde os primórdios do cristianismo, o bispo de Roma foi reconhecido com uma
dignidade especial, mas a aceitação de sua supremacia sobre outros bispos gerou
disputas, levando ao corte de relações entre o clero do Ocidente e do Oriente no século
XI. O Papa Gregório VII desempenhou um papel crucial na consolidação do poder da
Igreja de Roma por meio da Reforma Gregoriana, que moralizou costumes e proclamou
a supremacia absoluta do papado. Isso resultou em conflitos com imperadores e
monarcas europeus.
Embora esses desentendimentos não tenham levado a uma vitória total do papado,
contribuíram para o reforço da autoridade e prestígio da Igreja. No século XIII, a Igreja
era a instituição mais poderosa e organizada do Ocidente, com um centro em Roma e
um chefe supremo, o Papa. Exercendo poder sobre todo o Ocidente e definindo valores
e rituais cotidianos, a Igreja possuía recursos humanos e materiais consideráveis,
incluindo um corpo de clérigos, arrecadação de taxas como a dízima, extensas
propriedades e generosas doações. O Direito Canônico diferenciava os seus membros da
população em geral.

- A CRISTANDADE OCIDENTAL FACE A BIZÂNCIO


O Império Bizantino, também conhecido como Império Romano do Oriente, perdurou
até 1453, quando Constantinopla caiu diante do Império Turco, aproximadamente mil
anos após a queda de Roma. O Império Bizantino via-se como o herdeiro direto do
mundo romano, destacando-se como um espaço civilizado com uma cultura refinada,
considerando-se superior aos "bárbaros" ocidentais.
Constantinopla (ou Bizâncio), a "nova Roma" fundada por Constantino, era o símbolo
do esplendor do império bizantino e o seu centro religioso. A rivalidade entre os bispos
de Roma e Constantinopla levou a um cisma, dividindo a Cristandade entre a Igreja
Ortodoxa Oriental, apoiada pelo Império Bizantino, e a Igreja Latina Ocidental, sob a
proteção de Roma. A cisão religiosa agravou-se em 1204, quando os cavaleiros da
Quarta Cruzada saquearam Constantinopla, revelando o fosso político e cultural entre as
partes da Cristandade. Apesar das discordâncias, as duas Igrejas compartilhavam a
mesma fé em Cristo.

- A CRISTANDADE OCIDENTAL FACE AO ISLÃO


Por volta do ano 610, Maomé, um mercador e caravaneiro árabe, iniciou uma intensa
atividade religiosa, acreditando ser o profeta de Alá, para tirar os Árabes da idolatria e
conduzi-los à salvação Uma noite, enquanto meditava na solidão do deserto, viu
aparecer-lhe o anjo Gabriel, que lhe disse: "Maomé, tu és o profeta de Alá. Prega!". Até
à sua morte, em 632, dedicou-se à glória de Alá e à difusão da sua palavra, fundando
uma nova religião e registrando os seus princípios no Alcorão. O legado de Maomé
transcendia o aspeto religioso, unindo os árabes sob uma mesma fé. Para a espalharem,
pregaram a Guerra Santa Jihad e dispuseram-se a conquistar o mundo.
O Islã expandiu-se rapidamente após a morte de Maomé, abrangendo três continentes
em cerca de um século. Por aproximadamente quatro séculos, a Cristandade viu-se
diminuída em relação ao Islã, que dominava militarmente, controlava o comércio
mediterrânico e florescia em civilização próspera e refinada.
Em 1095, uma série de grandes ofensivas militares denominadas por Cruzadas foram
iniciadas em resposta ao apelo do Papa Urbano II, buscando a libertação dos lugares
santos da Palestina. Este movimento reforçou a ideia de uma sociedade cristã unida por
um ideal religioso. As Cruzadas impactaram diversas áreas de encontro entre o mundo
cristão e muçulmano, resultando na Reconquista na Península Ibérica e na retomada de
rotas mediterrâneas. No século XIII, a Europa Ocidental havia recuperado sua posição
em relação ao Islão, delineando claramente as áreas de influência das duas religiões: o
Ocidente era cristão, enquanto o Oriente era muçulmano.

O QUADRO ECONÓMICO E DEMOGRÁFICO - EXPANSÃO E LIMITES DO


CRESCIMENTO
- A EXPANSÃO AGRÁRIA E O CRESCIMENTO DEMOGRÁFICO
A partir do ano mil, as florestas europeias cederam espaço para terras cultivadas devido
a iniciativas de reis, senhores e ordens monásticas. As ordens monásticas, como São
Bento, Cluny e Cister, desempenharam um papel crucial distribuindo terras, atraindo
trabalhadores e fornecendo recursos para grandes arroteamentos. Avanços técnicos na
agricultura incluíram o uso crescente de ferro em utensílios, novas formas de atrelagem
e práticas agrícolas inovadoras, resultando em maior produtividade.
A introdução de técnicas como a rotação trienal de culturas e a fertilização dos campos
contribuíram para um aumento significativo na produtividade agrícola, acompanhado
pelo crescimento da pecuária. A abundância de alimentos impulsionou o aumento
populacional, reduzindo as epidemias e promovendo um clima de paz. Entre os séculos
XI e XIII, a população europeia quase duplicou, especialmente na zona ocidental,
tornando a Europa "um mundo cheio".

- O RENASCIMENTO DAS CIDADES E A DINAMIZAÇÃO DAS TROCAS


Além do setor agrícola, o período de prosperidade impulsionou o comércio e o
artesanato, resultando em significativo desenvolvimento. O seu dinamismo contribuiu
para o renascimento das cidades, que finalmente se recuperaram do declínio observado
desde a queda do Império Romano.

- O SURTO URBANO
Entre os séculos X e XIII, o desenvolvimento das cidades representa uma mudança
significativa na história, conforme destaca o historiador Carlo Cipolla. As cidades não
apenas crescem em número e tamanho, mas também passam por transformações
fundamentais. Antes centradas em aspetos políticos, militares ou religiosos, as cidades
medievais, a partir do século XII, assumem predominantemente uma natureza
econômica (Dossiê). Mercadores, banqueiros, artesãos e lojistas estabelecem-se nelas,
dando origem à burguesia, um novo grupo social vinculado à cidade e às suas
atividades. Além dos comerciantes e artesãos, a cidade atrai nobres em busca de luxo,
peregrinos em busca de hospitalidade e indivíduos desenraizados em busca de uma vida
melhor. A cidade torna-se um polo de atração em constante crescimento, atingindo seu
apogeu no início do século XIV, antes de ser afetada pela devastadora Peste Negra, que
reduz significativamente sua população.

- A DINAMIZAÇÃO DAS TROCAS LOCAIS E REGIONAIS


Durante o período medieval, embora as cidades fossem animadas por grandes feiras
internacionais em certas épocas do ano, os pequenos mercados agrícolas
desempenhavam um papel crucial na vida econômica diária, estabelecendo uma
conexão contínua entre a cidade e os campos mais próximos. Os camponeses viam
nesses mercados a oportunidade de vender excedentes como cereais, frangos, ovos,
queijo e adquirir bens como ferramentas agrícolas, vestuário e utensílios.
Os mercados eram frequentados principalmente pelos camponeses das aldeias mais
próximas, enquanto almocreves atuavam como intermediários, abastecendo a cidade de
alimentos e as áreas agrícolas com produtos manufaturados. Senhores leigos e
eclesiásticos, com seus palácios urbanos, desempenhavam um papel importante,
comercializando os excedentes de seus grandes domínios.
A regulamentação do mercado e o eficiente abastecimento da cidade tornaram-se
responsabilidades das autoridades urbanas, visando garantir a chegada dos produtos,
prevenir açambarcamentos, regular preços e assegurar a qualidade dos itens. Essas
medidas foram rigorosas, limitando quantidades e punindo comerciantes desonestos.
Esses mercados locais, pela repetição constante, representavam a maior parte das trocas
nesse período, impulsionando a economia monetária. Esse renascimento urbano
estimulou toda a vida econômica, orientando-a para o mercado e o lucro. O
desenvolvimento do comércio e da economia de mercado conduziu a uma verdadeira
revolução comercial, promovendo o crescimento da burguesia e, segundo Carlo Cipolla,
"mudando o rumo da História".

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