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A democracia ateniense clássica

C. R. Baptista

O fim da tirania e o início dos ideais democráticos

O autor pretende fazer uma breve história da democracia ateniense. No século VIII, a
oligarquia havia sofrido, segundo o autor, várias alterações no sistema ditatorial. A Atenas
aristocrática era formada por conselhos e um líder eleito para administrar provisoriamente a
guerra, a economia, a legislação e a religião. Neste século, Atenas, dada a sua posição
estratégica geográfica, gozava de amplo sucesso e intercâmbio comercial; no entanto, a Grécia
desse período estava incorporada ao império macedônico.

Podemos encontrar germens de democracia no século VII e VI, quando o legislador Drácon,
nomeado como arconte provisório tomou as seguintes medidas:

1. Nomeou homens livres para elaborar leis;


2. Elaborou leis contra homicídio;
3. Proibiu a vingança da honra manchada;
4. Criou normas com princípios de solidariedade;
5. Criou leis de comuns a todos os atenienses.

Entretanto, artesões, comerciantes e proprietários de terras começaram a se manifestar


publicamente, reclamando mais participação na política da cidade. De igual modo, os escravos
reclamavam por mais direitos, devido à situação desumana a qual eram submetidos em
decorrência do êxito comercial de Atenas. Além disso, as classes mais baixas viram-se
ameaçadas pela possibilidade de se tornarem escravas, pois tinham de pagar 1/6 do que
possuíam em impostos.

Dado esse cenário, no século VI, mais precisamente em 594, Sólon, novo arconte, tomou as
seguintes medidas:

6. Ampliou o número de pessoas que participavam das decisões públicas;


7. Criou o Código.
8. Criou o que no governo de Clístenes veio a ser chamado de Boulé;
9. Rompeu com costumes aristocráticos;
10. Criou o tribunal da Heliae.

Mas, após Sólon, Atenas seria governada por dois tiranos ao decorrer do século VI: Hípias e
Hiparco, filhos de Pisístrato. Hípias foi muito rígido e, em decorrência disso, foi derrubado pelo
povo.

Começo de uma nova era

Como os descendentes de Pisístrato não podiam mais continuar no governo, porquanto foram
assassinados, a tirania chegou ao fim. Os artesões e comerciantes foram favorecidos e, então,
voltaram a reivindicar participação no poder público à aristocracia. Clístenes, em 507,
governou a cidade. Embora fosse um aristocrata, cedeu à pressão do povo, já que fora por ele
eleito. Efetivamente, a democracia nasce com Clístenes. Não é de pouca monta lembrar que os
espartanos tinham interesses em que isso acontecesse e, portanto, participaram e ajudaram
os atenienses a efetuar o processo.

O povo de Atenas estava interessado em um líder que pudesse descerrar o espaço público. O
autor do artigo diz que Clístenes teria sido um demagogo, um movimentador da massa. As
reformas de Clístenes são, resumidamente, as seguintes:

11. Qualquer homem nascido em Atenas e que estivesse numa faixa etária acima dos 18
anos, seria cidadão e poderia participar das decisões públicas.
12. Os Metecos, Xenos, escravos, crianças e mulheres não eram considerados cidadãos.
Portanto, a cidadania ateniense era concedida a cerca de 10%-15% da população.
13. Delegou à Boulé funções administrativas, como organização de assembleias e datas
para decisões públicas;
14. Aumentou de quatrocentos para quinhentos o número de participantes o número da
Boulé. A partir de Clístenes, o conselho era formado por sorteio entre os cidadão;
15. Fortaleceu a Assembleia (Eclésia), passando esta a ter reuniões mensais a fim de
aprovar, modificar e discutir as leis. Qualquer medida era votada em Assembleia e
independente de quem propusesse a medida política ou legal, a decisão final era por
voto da maioria.
16. Delegou aos estrátegos a compentência nos assuntos militares. Eram dez estátegos,
um para cada tribo (as tribos, a esta altura, foram ampliadas de quatro para dez)
17. Criou o Ostracismo.
18. Repartiu os atenienses em dez tribos, que antes eram quatro, a fim de misturá-las e
fazer com que um maior número de homens acedessem aos direitos cívicos.

Temos, portanto, três grandes instituições democráticas: as assembleias, nas quais qualquer
cidadão poderia participar e ter a palavra1; o Conselho dos quinhentos, a Boulé; e os tribunais
populares, constituído por dois órgãos de, respectivamente, cinquenta e seiscentos cidadãos.

É mister lembrar que Atenas ainda possuía duas instituições menores: o areópago e os dez
arcontes, um de cada tribo, que o formavam. No entanto, estas instituições perderam
gradativamente o poder na primeira metade do século V: em 487, os arcontes passam a ser
nomeados por sorteio e em 462, o areópago começar a tratar apenas das questões referentes
ao patrimônio sagrado, tendo competência sobre o julgamento de crimes religiosos2.
Importante salientar, o homicídio era considerado crime religioso3.

Filosofia e democracia

1
Sabemos que não é bem assim e que, quando o arauto perguntava “quem quer falar?”, somente um
número pequeno de descendentes da aristocracia se pronunciava. Embora Peter Jones [Jones : XXXX]
alegue que esta tendência foi diminuindo no final do século V, ele cita pouquíssimos exemplos, o que
torna pouco provável que a maioria dos retores não fossem descendentes da aristocracia.
2
Cf. Eumênides, de Ésquilo.
3
Cf. Eutífron.
A publicização da palavra atraiu estrangeiros, professores daqueles que seriam os retores nas
assembleias4. Embora não fossem cidadãos, incidiam indiretamente na política ateniense.
Foram os chamados sofistas, dos quais se destacaram Protágoras e Górgias, por suas
elocubrações in lato sensu filosóficas. Tais problemas seriam reconhecidos por Platão, que
provavelmente nutriu admiração por estes pensadores, além da explícita rivalidade. Diálogos
como o Crátilo, O sofista e Teeteto demonstram não somente a admiração, mas a urgência em
resolver problemas levantados por estes dois sofistas. Importante notar, a filosofia nascente
não nutria afeição pela democracia.

(O autor do artigo utiliza erroneamente a palavra demagogia neste momento, inserindo um


significado moderno à palavra. Provavelmente, o primeiro a usá-la foi Aristófanes, para
designar negativamente os retores que “conduziam a massa” (demagogoi) e que não
advinham da aristocracia. Com isso, Aristófanes não queria insinuar que eles não cumpriam o
que prometiam, até porque as decisões teriam de passar pela assembleia pública, mas
simplesmente queria dizer que eram maus condutores. Claro, a visão de Aristófanes era
bastante conservadora neste sentido.)

Conflito e evolução comercial

Neste momento do texto, precisamos nos lembrar da importância das guerras médicas (498-
448) para a história da democracia ateniense. Atenas exerceu um papel decisivo na vitória das
guerras médicas. Com o fim das guerras médicas, Atenas, que já monopolizara o mercado
grego, criou a Confederação de Delos. As cidades participantes pagavam impostos e Atenas viu
seu poder político, bem como suas relações exteriores, crescer demasiadamente5.

A opulência de Atenas aumentou ainda mais a reivindicação do povo nas decisões públicas.
Após Clístenes, o poder político de Atenas ficou com os Areopagitas ou Conselho do Areópago,
situação que levou Atenas entrar em crise política; os cidadãos não concordavam com o
Areópago. Em consequência disso, um político da época que se tornou governante (não se
usava mais a expressão arconte), Efialtes, retirou o poder central dos Areopagitas em 462,
posteriormente, foi morto e considerado traidor em 461.

O governo de Péricles e a democracia em seu ápice na idade clássica

Péricles assumiu em 461 e promoveu diversas inovações, fortalecendo a democracia ainda


mais. Atenas, nessa época, veio a ser tornar o centro econômico e cultural da Hélade. A prática
política, a prática sofística, as festas, o teatro e os jogos olímpicos projetaram Atenas para tal
posição. Os ricos e descendentes da aristocracia se dedicaram às atividades do espírito, em
parte pela posse de escravos, como indica Aristóteles na Política; os artesãos, comerciantes e
camponeses produziam muito, devido a grande comercialização de mercadorias de Atenas.
Péricles tentou minar ainda mais a aristocracia, depois de Efialtes. Algumas medidas de
Péricles foram:

4
Ver nota 1.
5
Cf. The great dyonisia and civic ideology, de Simon Goldhill, para uma elucidação sobre a relação entre
a opulência de Atenas e as outras instituições, particularmente o teatro.
1. Péricles determinou que só fosse considerado cidadão quem fosse filho de pai e mãe
atenienses (em 451, a mulher foi reconhecida como ateniense), encurtando ainda mais
o cerco da cidadania criado por Clístenes. Talvez esta medida tenha sido tomada para
facilitar as decisões na assembleia. No entanto, outras cidades não a viram com bons
olhos. Péricles parecia querer fazer cintilar cada vez mais a opulência de Atenas frente
às outras cidades gregas.
2. A escravidão chegou a ser profissionalizada, digamos. Isso porque agora havia os
escravos que pertenciam à cidade e os escravos privados. É bom lembrar que não
havia estatuto que favorecesse os escravos: juridicamente, eles eram “qualquer coisa”
e não podiam possuir propriedades, formar famílias ou criar seus filhos. Importante
ressaltar que, no que tange aos escravos públicos, alguns exerciam funções militares e
até mesmo de policiamento: o que, de uma certa forma, tornou possível uma certa
autoridade do escravo sobre o cidadão. Mas a grande maioria dos escravos públicos
trabalhavam em arquivos, armazéns e tesouraria. Já os escravos particulares possuíam
certa liberdade: podiam trabalhar com o que quisessem, desde que servissem as horas
requisitadas na casa de seu senhor. Muitos escravos ficavam em praça pública, na
ágora, procurando quem os contratasse e sua condição salarial podia ser igual ou
maior a de um homem livre. É possível que tenham ocorrido debates em relação a
essa situação de quase paridade entre escravos e homens livres; por outro lado,
parece que Péricles teria afirmado que essa paridade era imprescindível para o projeto
de cidade que ele tinha.
3. Criou o serviço militar obrigatório dividido por classes econômicas: Os mais ricos eram
obrigados a servir na cavalaria ou tinham a obrigação de cuidar dos navios de guerra;
os de classe média faziam parte da infantaria e eram chamados de hopliticos ou
hoplitas, pois faziam parte da hoplita. Já aqueles que não tinham posse e dinheiro
faziam serviços auxiliares e muitos ajudavam como remadores.

Diferentemente dos escravos públicos, os escravos privados tinham alguns direitos:

1. Não havia distinção salarial entre escravos e homens livres;


2. Tinham direito à vida e garantia da proteção da polis, caso o patrão ou qualquer
cidadão os maltratasse6. Em caso de maus tratos e ameaças, eram-lhes garantidos
asilos.
3. O patrão, nos casos de maus tratos, poderia perder o escravo;
4. Em casos de homicídio, o assassino que matou o escravo responderia a uma ação
pública e poderia ser condenado por atimia7.

No entanto, não há motivos para supor que tudo isso funcionava na prática. É possível que
muitos casos de maus tratos tenham sido abafados. O depoimento de um escravo só era
aceito num tribunal, por exemplo, se tivesse sido obtido sob tortura. Casos raros como O
Jardim e Aristóteles, que deixou seus bens para seus escravos, constituem a exceção da
exceção. Aristóteles morreu na Macedônia, mas viveu vinte anos em Atenas sob essas
legislações; Epicuro, por outro lado, fundou sua escola durante o período helenista.

6
Cf Aristóteles, Política, livro I.
7
Cf. Platão, Eutífron. A atimia, literalmente “perda da honra”, fazia com que o então cidadão perdesse
permanentemente o direito à cidadania.
Um dos grandes louros que adornam a história de Péricles foi o da consciência do direito e do
dever de cada cidadão de participar da manutenção democrática. Em Péricles, a democracia
alcança seu apogeu, pois a consciência de cada cidadão estava voltada para o espírito da polis.
A liberdade privada não era superior à liberdade pública. O caso de Sócrates é um caso
interessante acerca da soberania da liberdade pública. Em 430, a Eclésia aprovou uma lei
proibindo o ensino da astronomia e o questionamento da existência dos deuses, limitando a
liberdade privada a favor das decisões públicas tomadas na Assembleia. Sócrates foi
condenado justamente por ferir esse princípio da liberdade pública.

Fim da democracia e considerações finais

Em 429, ano do nascimento de Platão, Cléon foi eleito para governar. Como este governante
não advinha da classe aristocrática, tomou medidas que fortaleceram a posição do povo,
fazendo com que os aristocratas começassem a questionar a democracia e a propor a
oligarquia como forma de governo. O que Cléon fez, na verdade, foi radicalizar ainda mais as
medidas que vinham desde a época de Clístenes.

A Confederação de Delos e a política tributária de Atenas suscitou a animosidade das outras


cidades. Atenas e Esparta, neste momento, entraram em guerra para disputar a hegemonia da
Hélade, vencendo os lacedemônios no lugar em que Atenas se vangloriava por atuar e nunca
imaginaria perder: o mar. Foi a chamada Guerra do Peloponeso (431-404). Contando com o
apoio da Pérsia e de outras cidades gregas, Esparta venceu; entretanto, sua hegemonia durou
muito pouco: em 371, Tebas entra em conflito com Esparta e vence. Em 350, Atenas e Esparta
enfrentam Tebas e vencem; porém, a esta altura, o conflito interno que foi a Guerra do
Peloponeso causou um enfraquecimento político e econômico, além do esgotamento militar,
abrindo a possibilidade de que a Hélade fosse reconquistada pela Macedônia de Filipe II. Foi o
início do período helenista e o início do fim da democracia ateniense, que não mais pode
desenvolver-se.

FIM

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