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SUGESTÃO DE PERSONAGENS:

Mascarrile e pai: Guilherme


Testemunha, Du Croisy e Jodelet: Márcio
Moliere e filha: Edu
Rei e filha: Abaetê
Repórter, Marrote e La Grange: Juliana

AS PRECIOSAS RIDÍCULAS DE MOLIÈRE


Adaptação: Mírian Virna

REPÓRTER (Juliana) – Morreu hoje em Paris, no auge de sua produção


teatral, Jean-Baptiste Poquelin, conhecido por todos como Molière.
Moliere, que era diretor, ator, comediógrafo, autor de teatro, encenador e
produtor desmaiou durante a apresentação da comédia de sua autoria
intitulada “As Preciosas Ridículas”.
Devido à sua estreita relação com o rei, devido ao conteúdo de crítica social
de suas peças, ou devido ao clima de rivalidade com outras companhias
teatrais, a guarda Real não descarta a hipótese de envenenamento por
vingança ou queima de arquivo.
A guarda Real, entretanto, já tem uma testemunha... uma testemunha que
não quer se identificar.

TESTEMUNHA (Abaetê) – Ah, não! Num quero mesmo! Não me identifica.

REPÓRTER - Ela afirma que Moliére teria sido vitima de envenenamento.

TESTEMUNHA - Olha seu moço em primeiro lugar não me identifica. Não me


identifica!!! Seguinte: Eu tenho uma barraquinha de cachorro quente ali na
pracinha do Palais Royal, né? E ontem à noite eu tava lá trabalhando pra
ajudar no sustento da família, né? Sabe como é, seu moço, família numerosa?
Moro lá nas províncias... Daí chegou uma dona muito chique, né? Maquiada,
cheia das jóias, salto agulha... E pediu meu saleiro emprestado... Eu na maior
das boas intenção, na inocência, falei pra ela: mas dona meu saleiro ta vazio...
Aí ela falou que servia assim mesmo... Que ela ia botar um sal que ela mesma
trouxe de casa. Daí, fazer o que? Não sabia das maldades dessa dona, né seu
moço? Caí na besteira de emprestar... Daí a pouco eu vejo aquela mulher

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chique, maquiada, cheia das jóias, salto agulha entrando no teatro com uma
espiga de milho cozido na mão e meu saleiro na outra... Só que o saleiro
agora tinha uma caveirinha preta desenhada. Eu não pude fazer nada não seu
moço... Mas não me identifica! Não me identifica, tá seu moço?

Repórter - De acordo com as informações que a testemunha forneceu, a


Guarda Real já tem uma suspeita: Uma importante dama da sociedade
parisiense, uma verdadeira representante do movimento preciosista que teria
se ofendido com conteúdo critico da peça “As preciosas Ridículas”. O ápice da
produção de Moliére se deu quando encenava para corte do rei Luiz XIV, o rei
sol, monarca com quem Moliére mantinha uma estreita relação. O rei Luiz
XIV, o rei sol, era patrocinador de Moliére que em troca atendia aos seus
caprichos escrevendo peças sob sua encomenda.
O enterro de Molière se realizar-se-á essa noite no cemitério dos nato-
mortos, as escondidas.

MÁRCIO – Olha lá! O rei Luiz!

TODOS (música) – Luiz XIV lá, lá lá, lá...

REI (Abaetê) - Boa noite a todos, adorei a presença de... Ah, mas quem eu
vejo aqui... Veja se não é o meu dramaturgo predileto. O mais bonito, o mais
galante, o do cabelo mais negro de Paris: Moliére!!!!

TODOS (música) – É Moliére lá, lá lá, lá...

REI - Moliére, mandei chamá-lo porque eu tenho uma surpresa para você,
mon chér.

MOLIÈRE (Eduardo) - Uma surpresa para mim majestade?

REI – Ahã... Como é do conhecimento de toda Paris, esse ano eu completo 22


primaveras.

MOLIÈRE - Ah, que alegria.

REI - E recuso-me a comemorar meu aniversario sem me deliciar com as


minhas próprias risadas, provindas de uma peça sua, é claro.

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MOLIÈRE - Uma peça majestade? Mas outra?

REI - Ahã. Eu até já pensei no título, o que você acha de: “le cocovã que chup
chup e non cansa”? Não é espetacular?

MOLIÈRE - Sem sombras de dúvidas majestade. Mas daqui a quantos meses é


o seu aniversário?

REI - Meses Moliére? Meu aniversário é semana que vem meu querido!

MOLIÈRE – Ah...

REI - Ah Moliére, por falar em peça, a quantas anda aquela peça que eu te
encomendei no baile da semana passada sobre os burgueses ridículos que
não sabem dançar? Cadê?

MOLIÈRE - Bom majestade, o tempo e as dificuldades... Não está pronta.

REI - Ah Moliére, mas o que é isso? Eu tenho ótimas idéias, eu te digo todas
elas porque estou louco para vê-las em cena. Não largue a pena viu Moliére,
não largue a pena!

MOLIÈRE - Não largarei a pena majestade. Eu lhe fico muito grato majestade.

REI - Ah sim Moliére, por falar em gratidão, eu queria saber a respeito


daquela sua peça que você vai estrear hoje à noite. Como é mesmo o nome
dessa peça?

MOLIÈRE - As Preciosas Ridículas.

REI - Isso, As Preciosas Ridículas. Ela vai ser apresentada hoje aqui, não é
mesmo? Eu queria saber Moliére qual é a possibilidade de você me dar uma
pequena participaçãozinha na sua peça.

MOLIÈRE - Majestade... Isso é completamente inviável.

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REI - Ah, por favor, por favor, por favor! Eu já fiz oficina de teatro! Nas férias.
Na igreja... Mas foi um luxo!

MOLIÈRE - Mas, mas mesmo assim majestade...

REI - Ah Moliére! Não acredito que você já se esqueceu de todos os favores


que lhe fiz! Você sabe do que eu estou falando, não sabe? De todos os
favores que eu fiz a você durante todos esses anos... Ah Moliére, por favor,
diz que sim, diz que sim.

MOLIÈRE - Bom Majestade...

REI - Ai que loucura! Eu sabia que você ia deixar! Assim... Quando é que eu
começo?

MOLIÈRE - Agora mesmo majestade.

REI – Uuuuuuuhhhhh! E qual vai ser o nome da minha personagem?

MOLIÈRE - (pensando, faz as contas) La Grange, majestade

REI - La Grange...

MOLIÈRE - É um homem rústico, rude

REI - Exótico não? Mas acho que não saberia fazer um rústico...

MOLIÈRE – Tem razão... Que tal... Du Croisy??

REI – Adorei! Este é um homem erudito?

MOLIÈRE – Majestade... Melhor... Têm duas filhas de um fazendeiro...Vamos


caminhando que eu acho alguma coisa pra você no caminho.
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DU CROISY (Márcio) - Senhor La Grange...

LA GRANGE (Juliana) - Diz.

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DU CROISY - Olhe um pouco para mim sem dar risada.

LA GRANGE - Diz.

DU CROISY - O que me diz da nossa visita? Agradou-lhe?

LA GRANGE - Na sua opinião, há razões para termos apreciado?

DU CROISY - Pra falar verdade, não muitas.

LA GRANGE - Pois eu confesso-lhe que estou completamente horrorizado.


Onde já se viu, cinco caipiras como estas se fazerem de rogadas e dois
homens tratados com mais desprezo do que nós?

DU CROISY - Fomos mal tratados demais! Não é Sr. La Grange?

LA GRANGE - Mal tratados demais... Nunca vi tanto cochicho, tanto bocejo,


tanta esfregação de olhos.

DU CROISY - Esfregavam muito mesmo! Né?

LA GRANGE - Demais... Com muito custo resolveram nos trazer cadeiras.

DU CROISY – Demoro, né Sr. La Grange? Chega to com as varizes tudo


arrebentada de tanto que fiquei em pé!

LA GRANGE - Acaso nos responderam outra coisa além de sim e não a tudo o
que perguntamos?

DU CROISY - Parece-me que você está tomando a coisa muito a peito.

LA GRANGE - Não há dúvida que a tomo, e tanto que pretendo vingar-me


daquelas insolentes.

DU CROISY - Vingar-me Sr. La Grange? Ai credo! O senhor é vingativo demais,


viu!

LA GRANGE - Elas merecem.

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DU CROISY - Mas não pode!

LA GRANGE – Pode sim senhor! Elas vão pagar pelo que nos fizeram! Eu
conheço o motivo do desprezo delas.

DU CROISY - Então me conta qual é o motivo para conosco?

LA GRANGE - É esse tal de preciosismo.

DU CROISY - Sabia que era o preciosismo

LA GRANGE - Está muito em moda em Paris.

DU CROISY - Diz que está in.

LA GRANGE – in!

DU CROISY – E pelo que me parece nós dois estamos out.

LA GRANGE - O problema é que o preciosismo contaminou Paris, e aquelas


caipiras foram envenenadas por ele. Elas se transformaram num misto de
preciosa e coquete.

DU CROISY – Croquete, Sr. La Grange?

LA GRANGE – COQUETE!!!

DU CROISY - Grosso!

LA GRANGE - Se você concordar, pregar-lhes-emos uma peça que lhes


mostrará toda a sua patetice.

DU CROISY - Como assim? Como é essa peça?

LA GRANGE - Eu não sei! Eu tenho que pensar num plano!

DU CROISY - Então pensa que eu acredito nas suas idéias. Vai pensa...

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LA GRANGE – Ah!!!

DU CROISY - Eu acho que ele teve uma idéia!

LA GRANGE - Eu tive uma idéia!

DU CROISY - Eu não disse?

LA GRANGE - Eu tenho um empregado, chamado Mascarille.

DU CROISY - Calma aí, deixa eu acompanhar: um empregado chamado


Mascarille... Prossiga.

LA GRANGE - Que para muita gente é um grandessíssimo pedante.

DU CROISY - Um empregado chamado Mascarille e que é um grandessíssimo


pedante! To te ouvindo.

LA GRANGE - Ora, não há nada que faça mais sucesso hoje em dia do que o
pedantismo. Ele é um extravagante, que enfiou na cabeça a idéia de querer
fingir-se fidalgo. Jacta-se de ser galante e poeta e tanto desdenha dos outros
empregados que chega a chamá-los selvagens.

DU CROISY – Selvagem? Nossa mais que grandessíssimo pedante! E que


pretende fazer com ele?

LA GRANGE - Que pretendo fazer com ele? Que pretendo fazer com ele? Que
pretendo fazer com ele?

GORGIBUS (Guilherme) - Salve!! E então? Os senhores viram as minhas


filhas? Me diga, qual foi o resultado da visita?

DU CROISY – Foi uma mer...

LA GRANGE – Melhor perguntar pra elas... Isso é uma coisa que elas lhe
contarão melhor do que nós. O que podemos dizer-lhe é que lhe ficamos
muito gratos e continuamos seus humílimos servidores.

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DU CROISY - Humílimos servidores.

GORGIBUS - Ué! Parece que estão saindo mal satisfeitos daqui. De onde viria
o descontentamento deles? É preciso saber o que aconteceu. Vou chamar a
criada! Marotte!

MAROTTE (Juliana) - Que deseja, senhor?

GORGIBUS - Onde estão suas patroas?

MAROTTE - No gabinete delas.

GORGIBUS - Que estão fazendo?

MAROTTE - Passando pomada para os lábios.

GORGIBUS - Isto já é pomada demais. Diga-lhes que desçam. (Marotte sai)


Creio que essas malvadas querem arruinar-me com suas pomadas. Em toda
parte só vejo claras de ovos, leite virginal, e outras bugigangas. Desde que
chegamos em Paris, acabaram com o toicinho de mais de uma dúzia de
porcos. Essa moda de cosmética vai acabar me levando à bancarrota!

FILHAS - Papai!

GORGIBUS - Será realmente necessária tanta despesa para vocês ensebarem


o focinho?

TODAS - AHÃNN...

GORGIBUS - Façam-me o favor de dizer o que fizeram àqueles senhores, que


vejo saírem com tanta frieza! Não lhes pedi que os recebessem como
pretendentes?

ANTIGONA (Abaetê) - E que apreço queria o senhor que fizéssemos, meu pai,
do procedimento irregular de uma gente assim?

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SOCRÁTICA (Eduardo)- E como poderia, meu pai, uma rapariga razoada
habituar-se à pessoa deles?

GORGIBUS- Mas, afinal, que lhes censuram vocês?

ANTIGONA - Bonita galanteria! Iniciar um encontro amoroso falando


diretamente em casamento?

GORGIBUS - E por onde querem vocês que eles comecem? Pela


concubinagem?

ANTIGONA - Ah, papai, como cheira a burguesia o que o senhor está dizendo!
O senhor deveria esforçar-se um pouco por aprender a graça das coisas.

SOCRÁTICA - Concordo.

GORGIBUS - Meninas, o casamento é coisa sagrada e começar por ele, é


proceder como gente de bem.

FILHAS - Misericórdia!

ANTIGONA - Se todos pensassem como o senhor, logo não haveria mais


romance!

SOCRATICA - ...Ai, romance...

Todas se excitam

GORGIBUS - Por que estão suspirando essas deslambidas?

ANTIGONA - Meu pai, o casamento só deve acontecer depois das outras


aventuras.

GORGIBUS - Aventuras? Que aventuras?

SOCRATICA - Ora, as aventuras...

ANTIGONA - Os rivais...

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SOCRATICA - A perseguição dos pais...

SOCRATICA - Os ciúmes...

ANTIGONA - As queixas...

SOCRATICA - Os desesperos...

ANTIGONA - Os raptos...

TODAS: AH!

SOCRATICA - E outras tantas aventuras, meu pai!

ANTIGONA - Eis aí como ocorrem as coisas na sociedade bem.

TODAS: AHÃN (CONCORDANDO)

SOCRATICA - E essas regras, na boa galanteria, não podem ser dispensadas.

TODAS - AHÃ (DISCORDANDO)

ANTIGONA - Mas chegar de supetão à união conjugal e iniciar o romance


justamente pelo fim! Francamente meu pai!

SOCRATICA - Não há nada mais comercial do que tal proceder.

GORGIBUS - Que diabo de jargão estou ouvindo aqui?

SOCRATICA - Fazer uma visita amorosa sem se trajar adequadamente! Deus


meu, que apaixonados são esses?

ANTIGONA - Não se agüenta, não se tolera.

GORGIBUS - Creio que todas estão doidas varridas e não consigo


compreender patavina de toda essa algaravia. Até você Gorete?!

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SOCRATICA - Pelo amor de Deus, meu pai, esqueça-se desses nomes bizarros
e chame-nos de outra maneira.

GORGIBUS - Nomes bizarros? Não são os seus nomes de batismo?

ANTIGONA - Meu Deus, como o senhor é vulgar! A mim, uma das coisas que
mais me espanta, é que lhe tenha sido possível ter tido filhas tão espirituais
quanto nós.

ANTIGONA - Acaso já se ouviu falar, em estilo escorreito, em Gorete e


Bernadete?

ANTIGONA - Preferimos nomes mais galantes como...

SOCRATICA – Socrática!

ANTIGONA – Antigona! São nomes que escolhemos e demos a nós mesmas.

GORGIBUS - Papai não admite que vocês troquem seus nomes! E quanto a
esses senhores que aqui estiveram quero que vocês se disponham a recebe-
los por maridos. Papai é viúvo e estou cansado de cuidar de duas franguinhas.

TODAS - Franguinhas?

ANTIGONA - Por mim, meu pai, só posso dizer-lhe que acho o casamento
uma coisa perfeitamente chocante. Como se pode tolerar a idéia de dormir
ao lado de um homem nu?

Todas ficam excitadas

GORGIBUS - Estão loucas furiosas! Ou casam logo, ou, entram para um


convento! Dá licença! Tenho mais o que fazer.

ANTIGONA - Mon Dieu! Querida irmã, como papai tem a forma enterrada na
matéria!

SOCRATICA - Como é espessa a sua inteligência e quanta escuridão lhe vai na


alma!

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ANTIGONA - Sinto-me envergonhada por ele.

SOCRATICA - Custa-me acreditar que sejamos realmente suas filhas.

MAROTTE - Aí está um lacaio que deseja saber se as senhoras estão em casa


pois seu amo quer visitá-las.

ANTIGONA - Aprenda, pascácia, a expressar-se menos vulgarmente. Diga: “Aí


está o necessário que indaga se as senhoras se encontram a disposição para
se tornarem visíveis”.

MAROTTE - Credo! Não entendo o latim.

SOCRATICA - Quanta impertinência!

ANTIGONA - É, não se agüenta, não se tolera!

SOCRATICA - E quem é o amo desse lacaio?

ANTIGONA - Deve ser outro grosseirão.

MAROTTE - Diz que é um tal de marquês de Mascarille.

TODAS SE EXCITAM

ANTIGONA - Ah! Queridas, um marquês! Sim, vá dizer que pode ver-nos.

SOCRATICA - Algum formoso espírito que terá ouvido falar a nosso respeito.

ANTIGONA - Queridas, nos arrumemos um pouco e assim sustentemos a


nossa reputação.

Música #1
MASCARILLE (Guilherme) - As senhoritas hão de estar, sem dúvida, surpresas
da audácia da minha visita; mas a sua reputação lhes acarreta esta maçada.

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SOCRATICA - Queridas, é preciso mandar vir assentos.

ANTIGONA - Marotte! (risos envergonhados 2x) MOROTTE! (gritando)

MAROTTE - Sim senhora?

ANTIGONA - Transporte-nos depressa para cá as comodidades da


conversação.

MAROTTE - Que?

SOCRATICA - A cadeira!

MASCARILLE - Permita que eu me apresente: eu sou o Marquês de


Mascarille.

TODAS - Muito prazer!

MASCARILLE - E as senhoritas devem ser as filhas do Sr. Gorgibus! Quais são


as vossas graças?

SOCRATICA – Socrática!

ANTIGONA – Antigona!

TODAS - Muito prazer!

TODAS SE EXCITAM

MASCARILLE - Que nomes mais galantes! São do estilo neoclássico. E então?


Minha garganta secou no caminho até aqui... As senhoritas não teriam nada
para bebericar?

ANTIGONA - Ai meu deus!!! Que grossura! É culpa da Marrotte. Marrotte!!!!


Traga o chá para a visita!

MASCARILLE - Pois então, minhas senhoras, que me dizem de Paris?

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SOCRATICA - Oh vida! Oh azar! Que poderíamos falar?

ANTIGONA - Ora! Paris é o grande escritório das maravilhas, o centro do bom


gosto e das formosuras.

MASCARILLE - No que me concerne, entendo que, fora de Paris, não há


salvação para as pessoas de bem.

ANTIGONA - É uma verdade. Olha, fora de Paris não se agüenta, não se


tolera.

MASCARILLE - As senhoritas devem certamente receber muitas visitas: quais


são os belos espíritos que as freqüentam?

SOCRATICA - Oh azar! Oh vida! Ainda não somos conhecidas.

TODAS - Ãh! Ãh! (Negando)

ANTIGONA - Mas estamos a pique de sê-lo.

TODAS - AHÃ... AHÃ! (concordando)

MASCARILLE - Pois eu poderei servi-lhes melhor do que ninguém: todos me


visitam.

ANTIGONA - Ficar-lhe-emos eternamente gratas se nos fizer esta fineza.

SOCRATICA - Precisamos conhecer senhores de boa índole se quisermos


pertencer à sociedade “bem”.

ANTIGONA - São eles que dão impulso à reputação em Paris, e precisamos


deles se quisermos receber a fama de entendidas.

TODAS SE EXCITAM

MASCARILLE - Não se aflijam!

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TODAS – Não?

MASCARILLE - Não se aflijam!

TODAS – Não?

MASCARILLE - Não se aflijam!

TODAS – Não? Uai! Por que?

MASCARILLE – Nã nã nã nã não... Pretendo estabelecer em sua casa uma


Academia de belos espíritos.

TODAS SE EXCITAM

MASCARILLE - A começar por minha pessoa.

TODAS – Aaaaahhhhh...

MASCARILLE - Vamos “selvagem” leve essas xícaras! Mas, afinal, em que


gastam as senhoras o tempo?

SOCRATICA - Ai de nós!

ANTIGONA - Em nada de nada.

SOCRATICA - Vimo-nos num pavoroso jejum de passatempos.

MASCARILLE - Ofereço-me para levá-las um desses dias a La Comedia


Francés. Justamente agora deve estrear-se uma peça.

SOCRATICA - Um convite assim não se recusa.

ANTIGONA - É, não se recusa, não se renega.

MASCARILLE - Mas peço-lhes que aplaudam com vontade, quando lá


estivermos; pois comprometi-me a valorizar a peça, e o autor ainda hoje cedo
veio pedir-me. É costume aqui virem os autores ler-nos, a nós, pessoas de

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qualidade, as suas peças novas, para que nos comprometamos achá-las
bonitas, e lhe demos fama; e imaginem só se, depois de termos dito qualquer
coisa, a platéia se atrever a contradizer-nos. Nisso, procuro ser muito exato; e
após havê-lo prometido a algum poeta, grito sempre: “Que beleza!” antes
que se acendam as velas.

ANTIGONA - Não se preocupe, gritaremos assim como o senhor: Que beleza!

MASCARILLE - Que maravilha! Agora posso leva-las ao teatro. Que tal


mudarmos de assunto! Vocês sabem que em Paris ser elegante está
diretamente ligado a estar bem visto; e vejo que as senhoritas tem um gosto
furioso por vossas vestimentas. Vamos falar do mais importante: vamos falar
sobre minha pessoa! Que lhes parecem os meus acessórios? Estão de acordo
com o traje?

SOCRATICA - Perfeitamente.

MASCARILLE - A fita foi bem escolhida?

ANTIGONA - Furiosamente bem.

MASCARILLE - É do mais puro Clodovil. Que dizem do meu legging?

SOCRATICA - Tem um ar adequadíssimo.

MASCARILLE - Posso gabar-me de que são um bocado mais justas do que


todos os que se fazem por aí.

ANTIGONA - É tão justinho!

MASCARILLE - E agora... Fixem um pouco neste lenço a atenção do seu


olfato.(uma a uma cheira o lenço e faz uma expressão)

ANTIGONA - Cheira terrivelmente bem.

SOCRATICA - Nunca respirei odor tão bem condicionado.

MASCARILLE - Posso garantir que não foram nada baratas.

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ANTIGONA - Ah, não foi não é? Nossa! Então, asseguro-lhe que o senhor e eu
simpatizamos um com outro.

MASCARILLE - A propósito, preciso dedicar-lhes um improviso que ontem fiz


em casa de uma das minhas amigas duquesas; pois sou infernal nos
improvisos.

SOCRATICA - O improviso é justamente a pedra de toque do espírito.

MASCARILLE - Então ouçam.

TODAS - Somos todas ouvidos.

MASCARILLE (recitando)
OH! Oh! Eu não prestava a mínima atenção:
E enquanto a contemplava, folgaz e pimpão,
Seu órgão pupilar furtou-me o coração.
Pega ladrão! Pega ladrão!! Pega ladrão!!!

SOCRATICA - Ah! Mas isto é o cúmulo da galanteza.

MASCARILLE - Tudo o que faço é extremamente singelo; não tem nada de


pedante.

ANTIGONA - Eu nunca vi poema tão agradável!

MASCARILLE - Atesto que as senhoritas têm bom gosto.

TODAS - Ahan! Ahan! (Concordando)

MAROTTE - Chegou mais visita, senhoras.

ANTIGONA - Quem?

SOCRATICA - Devem ser aqueles dois grosseirões novamente.

MAROTTE - Não é não. Diz que é um tal de Visconde de Jodelet.

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TODAS - O Visconde de Jodelet?!!!

TODAS SE EXCITAM

ANTIGONA - Ai meu deus! Que grossura. Desculpa ta seu moço, o senhor não
repara é que ela é louca

SOCRATICA - O Visconde de Jodelet... O senhor o conhece?

MASCARILLE - É o meu melhor amigo.

ANTIGONA - Marrote, faça-o entrar depressinha.

MASCARILLE - Já faz algum tempo que não nos vemos, e esta aventura me
encanta... Ei-lo.

Música #2

MASCARILLE - Ah! Visconde!

JODELET (Márcio) - Ah! Marquês!

MASCARILLE - Quanto prazer em vê-lo!

JODELET - Quanta alegria por encontrá-lo aqui!

MASCARILLE - Beije-me um pouco mais, pelo amor de Deus.

ANTIGONA - Vamos Marrote, será preciso sempre repetir-lhe as coisas? Não


percebe que é necessário o acréscimo de uma cadeira?

SOCRATICA - Queridíssima, estamos começando a ser conhecidas; eis a


sociedade "Bem" que principia a aprender o caminho de nossa casa.

MASCARILLE - Minhas senhoritas, permitam que eu lhes apresente este


gentil-homem.

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JODELET - Já estava ansioso por conhecer as filhas do senhor Gorgibus.
Saibam que a vossa fama se espalha rapidamente por Paris.

MASCARILLE - Não se espantem de encontrar o Visconde desse jeito; ele


acaba de convalescer de uma enfermidade que lhe deixou o rosto pálido
como as senhoritas estão vendo.

JODELET - São os frutos das vigílias da corte e das fadigas da guerra.

MASCARILLE - Sabem as senhoritas que estão vendo no Visconde um dos


homens mais valentes do século?

JODELET - Você nada me fica a dever, Marquês.

MASCARILLE - É verdade que nos vimos nas ocasiões mais difíceis.

JODELET - Travamos conhecimento no exército e na primeira vez em que nos


vimos, ele comandava um regimento de cavalaria nas galeras de Malta.

MASCARILLE - É verdade; mas você já estava no ofício antes que eu


ingressasse nele; e, se não me falha a memória, eu era ainda oficial
subalterno quando você já comandava dois mil cavalos.

JODELET - Bela coisa é a guerra. Mas hoje em dia a corte recompensa muito
mal às pessoas de serviço como nós.

MASCARILLE - É por isso que estou querendo pendurar a espada.

TODAS - Pendurar a espada?

SOCRÁTICA - Sinto uma ternura furiosa pelos homens de espada.

ANTIGONA - Eu prefiro que o espírito adube a coragem.

MASCARILLE - Não se lembra, Visconde, da nossa última batalha?

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JODELET - Batalha? Ah, é claro que tenho de lembrar-me: foi quando recebi
na perna uma granada, cujas marcas trago ainda. Apalpe aqui, minha
senhora, por favor, que há de sentir o ferimento.

ANTIGONA - A cicatriz, de fato, é grande.

MASCARILLE - Dê me um pouco a sua mão e apalpe-me este aqui, logo atrás


da cabeça: achou?

SOCRÁTICA - Achei: estou sentindo qualquer coisa.

MASCARILLE - Foi um tiro de mosquete que levei na última campanha que fiz.

SOCRÁTICA - A cicatriz, de fato, é grande.

JODELET - Eis aqui outro golpe que me furou de lado a lado.

MASCARILLE - Vou mostrar-lhes um furioso ferimento.

Mascarille abaixa as calças. (Pausa)

ANTIGONA - A cicatriz, de fato, é grande.

TODAS SE EXCITAM

MASCARILLE - São marcas honrosas que mostram o que somos.

SOCRÁTICA - Não duvidamos.

MASCARILLE - Você trouxe a sua carruagem, visconde?

JODELET - Carruagem?

MASCARILLE - Sim, carruagem!

JODELET - Ah! Carruagem! Claro que sim. Por que?

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MASCARILLE - Levaríamos a passeio estas senhoras pelos arredores da
cidade.

ANTIGONA - Nossa, um passeio! Ah, mas não, não, hoje não poderíamos sair.

JODELET - Por quê?

TODAS - Papai não deixa!

MASCARILLE - Vamos, então, providenciar uma trilha sonora para realizar um


baile aqui mesmo.

JODELET - Está aí: boa idéia.

SOCRÁTICA - Nisso estamos de acordo.

ANTIGONA - Mas será preciso algum acréscimo de companhia.

MASCARILLE - Não se aflijam

TODAS – Não?

MASCARILLE - Não se aflijam

TODAS – Não?

MASCARILLE - Não se aflijam

TODAS – Não? Uai, por que?

MASCARILLE - Vou providenciar. Vou chamar minhas amigas duquesas.

Música #3

MASCARILLE - Deixe-me apresentas minha amigas Pettit e Phiphy

FILHAS - Muito prazer!

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LA GRANGE (à parte para Du Croisy) - Mal Criadas! Eu não disse que ia dar
certo?

PRECIOSAS - Como disse?

LA GRANGE (Com voz de Pettit) - Bem aventuradas as que nos recebem de


coração aberto...

ANTIGONA - O dia de hoje há de ser assinalado em nosso almanaque como


bem aventurado!

MASCARILLE - Será um dia inesquecível, sem dúvida. Não é Pettit? Pettit?


Pettit!!!

LA GRANGE - Huuuummm?

Todos se espantam com o rosnado

MASCARILLE - Não se espantem de encontrar as duquesas um pouco roucas.


Ultimamente elas têm se dedicado ao canto erudito. E os exaustivos ensaios
lhe agrediram as pregas.

PRECIOSAS - Hããã???

MASCARILLE - As pregas vocais.

PRECIOSAS - Ahhhhh...

ANTIGONA - Nossa, adoraríamos vê-las cantar!

MASCARILLE - Ah! Tenho certeza que as duquesas não se recusariam a


alegrar nosso baile com a beleza de seus cantos.

PRECIOSAS - Canta! Canta! Canta!

LA GRANGE (à parte) - Canta você, Du Croisy.

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DU CROISY - Mas... Sr La Grange ...

PRECIOSAS - Começa! Começa! Começa!

MASCARILLE - Vamos, Duquesas. Não retardem mais o deleite que vosso


canto nos ofertará.

(La Grange dá um tapa no em Du Croisy que canta “Ne me quitte pas”)

SOCRATICA - Elas têm o talhe elegantíssimo.

ANTIGONA - E cantam com propriedade.

MASCARILLE - Elas têm o espírito como o diabo!

Aparece o pintinho de Du Croisy

TODAS - Menino?

ANTIGONA - São impostores!

LA GRANGE – Impostores? Vocês vão ver só!

SOCRATICA - São aqueles grosseirões que vieram hoje mais cedo nos visitar, o
La Grange e o Du Croisy.

TODAS – Oh! E agora? Quem poderá nós defender?

SOCRATICA - Visconde ajude-nos a expulsar esses grosseirões de nossa casa!

DU CROISY - Isso ai não é visconde não!

TODAS - Uai! É o que?

DU CROISY - Esse ai é o meu empregadinho

TODAS – Empregadinho? Oh! E agora? Quem poderá nós defender?

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ANTIGONA - Marquês ajude nós preciosas donzelas a expulsar esses três
impostores de nossa casa!

LA GRANGE - Marquês? Isso ai não é marquês não?

TODAS - Uai! É o que?

DU CROISY - Esse ai é o empregadinho do Sr. La Grange

LA GRANGE - Quanto a vocês, não é bonito nem direito seduzir eles assim.

DU CROISY - Suas sedutoras

LA GRANGE - E se querem amar eles, não vão amar eles preenchidos em


nossas roupas, não!

TODAS - Suas roupas!

DU CROISY - Sim, aquela calça justíssima ali é minha, e essa peita floral, é do
Sr. La Grange.

LA GRANGE - Quanto a vocês suas coquetes!

DU CROISY - Suas croquetes!

LA GRANGE - Suas pedantes!

DU CROISY - Suas peidantes!

LA GRANGE - Suas... suas... suas...

DU CROISY - Suas fanguinhas!

TODAS – Franguinhas? Franguinhas não!

MARROTE – Gente! O que está acontecendo?

(Edu cai no chão)

24
MARROTE – Seu Molière, o senhor está passando mal? Gente, acuda, alguém
me ajude!!!

TODOS - O que aconteceu? O que houve?

MARROTE - È o Seu Molière, ele está passando mal! Se bem que eu acho que
ele está improvisando!

TODOS - Improvisando? Uai, porquê?

MARROTE - Sei lá!!!

MASCARRILE (Encontrando o frasco de veneno) - Foi veneno, Molière foi


envenenado! E tem uma carta!

TODOS - Então lei-a!

CARTA (lida pelo rei) - Molière, o senhor jamais deveria ter zombado das
pessoas distintas que pertencem à “sociedade bem”. A sua peça ofende,
humilha, diminui. Desde sua primeira representação tenho de suportar
olhares irônicos, sorrisos maliciosos e piadas provindas de selvagens, digo
serviçais. Já não posso mais freqüentar os mesmo ambientes de outrora sem
que me sinta observada. A minha erudição, a minha elegância natural e todo
o brilho de uma imagem que construí arduamente durante toda a vida foram
destruídos pelo seu espírito de pilhéria. Hoje no exílio de minha solidão
procuro a paz que perdi e mesmo quando penso poder alcançá-la ainda que
fragilmente, o meu próprio olhar refletido no espelho torna-se o meu mais
cruel inquisidor. O senhor destruiu a minha vida Molière por isso sinto-me no
direito de destruir a sua. Assinado: A verdadeira preciosa. I want to be
alone...

ANTIGONA - Mas se Molière morrer, nós vamos ficar sem trabalho!

MASCARRILE - Pior do que isso, seremos onze personagens a procura de um


autor!

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MARROTE - Mas o que a gente vai fazer? Ele não escreveu o final da cena, eu
estou até ficando sem fala!!!

Música #3

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