Você está na página 1de 31

AS ORIGENS DO

PENSAMENTO GREGO
Jean Pierre Vernant

Victória Sargentelli - Leonardo Maximo e Silva -


Tamires Almeida da Costa - Raquel Goulart
I - O quadro histórico
• No começo do II milênio, o Oriente e o Ocidente do Mediterrâneo, ainda não tinham se
separado;

• O mundo egeu e a península grega tinham uma continuidade cultural e étnica;

• Quando Creta sai do Cicládico, ainda permanece recebendo orientação do Oriente


Próximo;

• Os cretenses tinham contato com o Egito do Novo Império;

• Por volta de 2000 e 1900 a.c. uma nova população na Grécia continental surge;

• Os invasores da Grécia, os Mínios, formaram o mundo grego que é conhecido na


atualidade;
• Os Mínios vieram do Heládico Antigo;

• Eles são os antepassados dos gregos


pertencentes dos povos indo-europeus;

• Possuíam uma língua diferente, mas sabiam falar


o grego arcaico;

• A invasão feita não era uma ocorrência isolada, os Hititas também invadiram e
expandiram seus territórios no planalto anatólio;

• Em Tróade, Tróia I a Tróia V, a continuidade cultural e étnica permanecem a mesma


por quase um milênio, 3000 a 2600;

• Tróia VI torna conhecido o cavalo em Tróade;

• Tanto os Mínios de Tróade quanto os da Grécia sabiam sobre os cavalos;

• Cavalo: deus Posidão, Hippos ou Hippios;


• O cavalo era uma figura mítica para os primeiros Helenos e para outros povos indo-
europeus;

• Era mais utilizado para fins militares, como carros de guerra;

• Depois que os Mínios entram em contato com a Creta minóica, eles se deparam com um
estilo de vida e pensamento inovador;

• Após 1450, surge a civilização palaciana comum na ilha de Creta e na Grécia continental;

• Em Creta, o cavalo não aparece antes do minóico recente I, 1580 a 1450;

• O carro é usado, tomado dos Hurritas de Mitanni, população não indo-europeia, no


mundo micênico e no reino dos Hititas;

• O conto de Pélope explica, de forma mítica, como se normatizou os carros de guerra,


cavalo e carro;

• O uso do carro de guerra ajudou a especializar a atividade guerreira;


• A força militar do reino micênico dominou Creta em 1450;

• Os Aqueus tomam o Mediterrâneo oriental na expansão micênica, século XIV ao XII;

• Rodes, Mileto, Colofão, Claros, o norte de Lesbos, Tróade- cuja relações foram
estreitas-, a Costa meridional, Cilícia e Panfília foram também colonizados;

• Os Aqueus invadem, ao sul, a Fenícia, Biblos e Palestina;

• Por causa dos novos laços, comércio, entre os


micênios e o Egito, Creta deixa de ser o
intermediário entre o Egito e o continente
Grego;

• Os micênios fazem parte das grandes


civilizações do Mediterrâneo oriental, no
mundo do Próximo-Oriente.
II. A Realeza Micênica

● a vida desta civilização começa a ser melhor


entendida através da escrita Linear B (trata-se
de uma escrita silábica em placas de argila);

● Estilo de vida Palaciano: o palácio ocupa o


centro de toda organização estrutural da
cidade e possui Controle minucioso das
atividades sociais e econômicas
● NÃO existem registros de comércio privado. Nem mesmo a existência de
qualquer moeda;

● OS Aldeões micenicos viviam APENAS em função de colaborar com a


existência do palácio e do líder social: Basileus;

● Figuras centrais do estilo de vida palaciano:

- Anax: líder militar;

- Escribas: Auxiliavam o rei na gestão da vida pública, através da escrita. Cuidava


de arquivos e documentos.
● Invasão dórica:

- dentro deste levantamento histórico, houve a invasão


dórica que veio a destruir a realeza Micênica e o contexto
de vida palaciano.

● Consolidação do cidadão grego;

● Mudança do quadro social.


III. a crise da soberania
● Nova era da civilização grega: queda do poder micenico, transformações sociais nas artes
e, sobretudo na língua;

● Surgimento de uma nova arquitetura, onde construções urbanas não se agrupam mais em
torno de um palácio real, e sim centralizadas em um espaço comum;

● Imagem do rei, senhor de todo poder, substitui-se a ideia de funções sociais especializadas;

● Cidade está agora centralizada na Ágora, espaço comum, sede da Hestia Koiné, onde
eram debatidos problemas de interesse geral.
IV. O UNIVERSO ESPIRITUAL DA POLIS
● Constituída entre os séculos VIII e VII a.C, a polis vai originar uma nova forma de vida
e de relacionamento entre os homens. A palavra se torna o instrumento de poder
máximo no Estado e será divinizada pelos gregos: Peithó, a força de persuasão;

● No entanto, sua força não emana do cosmos, mas do logos. A palavra será o debate
contraditório; a defesa de ideias; a discussão, em que de acordo com a força de cada
argumento dos discursos contrários, o público é persuadido. As decisões que antes eram
tomadas pelo Soberano, passam a ser submetidas a debates que demonstrem todos as
consequências de uma decisão;

● Nasce então o vínculo entre a política e o logos, em que a arte da política é


essencialmente a arte da oratória. Historicamente, as pesquisas de Aristóteles só foram
possíveis devido à retórica e à sofística que, ao analisarem os discursos vitoriosos nas
assembleias e tribunais, pôs a lógica do verdadeiro, característica do saber teórico, em
oposição à lógica do verossímil e do provável, própria dos debates;
● Outra característica da polis é a publicidade dada à vida social. A vida de todos se
tornou de domínio público, tanto no sentido de se deixar de lado os interesses
privados, quanto no sentido de banir os processos secretos;

● Todo um conjunto de condutas, de processos, de conhecimentos é posto sob o olhar


público, sujeitos à crítica e à controvérsia, provocando uma mudança significativA;

● A palavra ganha total força nessa nova sociedade sendo usada como instrumento
político, enquanto a escrita enriquece o âmbito intelectual divulgando conhecimentos
previamente reservados e se torna comum a todos os cidadãos;

● O poder na polis não se impõe mais pela força física ou através do símbolo de
divindade do soberano, agora era a palavra que regia o quadro da cidade, tornando-
se instrumento da vida política. Posteriormente, com a escrita, seria possível registrar
e divulgar de maneira mais eficaz o conhecimento cultural e científico.
V. A crise da cidade. Os primeiros sábios

● A Sabedoria em “Sobre A Filosofia” (Aristóteles);

● A tradição dos Sete Sábios faz-nos atingir e compreender um momento de história social,
através de uma mistura de dados lendários, de alusões históricas, de sentenças políticas e de
chavões morais. Momento de crise, que começa no fim do século VII e se desenvolve no VI;

● É possível dizer que o ponto de partida da crise é de ordem econômica, sua origem é uma
efervescência religiosa e social ao mesmo tempo, e leva ao desenvolvimento de uma reflexão
moral e política, de caráter laico;
● Usa-se a questão dos homicídios para explicar a ideia da moral igualitária e a família;

● Segundo Aristóteles, a Polis é como uma família ampliada, que se forma agrupamentos de aldeias
que, por sua vez, reúnem núcleos familiares. Aristóteles tenta dar aos cidadãos o sentimento de
que eles são de alguma maneira irmãos;

● Vernant aborda no texto um olhar fixo para uma Polis organizada, inventando assim leis que
abrangem toda uma cidade. Os sete sábios neste contexto se engajam em um propósito de
fazermos uma reflexão aos conflitos, inserindo assim o direito como um movimento de história
social;

● As transformações econômicas estão ligadas à retomada e ao desenvolvimento dos contatos com o


Oriente.
● A Dike se trata de uma norma superior, uma regra geral, que se aplica igualmente a todos. A Dike concilia, harmoniza
tais elementos para deles fazer uma só comunidade, uma cidade unida;

● Disso resultará nos princípios que guiarão a democracia: a limitação à ambição e ao poder e submissão a uma regra
geral de valor universal; a garantia da divisão igual dos cargos, das honras e do poder entre indivíduos e grupos que
compõem o corpo social;

● As aspirações comunitárias e unitárias vão inserir-se mais diretamente na realidade social, orientar um esforço de
legislação e de reforma; mas, remodelando assim a vida pública, elas próprias vão transformar-se, laicizar-se;

● A atividade jurídica contribuirá para elaborar a noção de verdade objetiva, através de indícios e sinais, que o processo
antigo ignorava, no quadro “pré-jurídico”.
VI. A organização do cosmos humano
No processo de democratização de Atenas, como se confrontaram os valores
da aristocracia e os da população mais pobre?

● Vernant começa o capítulo VI (Organização do cosmos


humano) falando sobre as mudanças nos valores morais dos
gregos de Atenas, onde apareceu a democracia;

● A areté (virtude) defendida pelos agrupamentos religiosos da


época — diz ele — era de tipo ascético, e se opunha à virtude
aristocrática, natural (de nascença) e caracterizada pelo valor
no combate e pela opulência na vida;

● Esses religiosos denunciavam sobretudo a riqueza, que


segundo eles estava substituindo (ou melhor, "comprando")
todos os antigos valores aristocráticos e os transformando;
● Não queriam o retorno à pureza dos valores aristocráticos originais: denunciavam
a própria essência dos valores aristocráticos, mostrando que ela permitia isso. A
essência desses valores aristocráticos era o desmedimento, materialização da
hybris;

● Deste ponto de vista, a responsabilidade da classe média seria justamente a


sophrosyne — oposição a toda hybris, viesse ela da injustiça pelos ricos ou da
subversão e da vingança pelos pobres. Então Sólon (da "classe média" grega) surge
como um líder mediador e, apesar da possibilidade de tornar-se um tirano, publica,
pelo contrário, um código de leis forjadas para manter o equilíbrio entre essas
forças. Há um racionalismo político em Sólon, todo direcionado para isso;
Esse sentido vai mudando. A sophrosyne —
que mais precisamente significa uma volta
à paz e à harmonia e/ou ao equilíbrio após
O que está ocorrendo é o um momento de "possessão" ou
seguinte. Originalmente, no "confusão" — desce do campo mítico
religioso (assim como a Diké) para o
campo religioso, a sophrosyne
campo da ágora. O conceito passa a ser
estava muito mais
usado, pela tendência cada vez mais
intimamente ligada à noção de política desses pensamentos, de uma
um retorno à pureza, de um maneira nova. Essa confusão da hybris é
livrar-se das impurezas; entendida em um sentido cada vez menos
espiritual e mais material, social, político;
● A sophrsyne se liga à racionalidade em oposição às paixões, que devem ser dominadas por ela,
domesticadas, pacificadas. Mais do que "igualdade" as leis procuravam proporcionalidade de vantagens e
posições, ajustando-as a quem elas se adequavam. Por outro lado, eram as mesmas leis, comuns a todos os
cidadãos — e nisto viam o princípio da igualdade, independentemente do conteúdo dessas leis;

● Na época há um tal de Anárcasis (p. 66) que zomba das pretensões de Sólon nesse sentido, dizendo que a
rede das leis deteria os fracos, mas seria arrebentada pelos fortes. A isso, Sólon opunha o exemplo das
convenções que eram seguidas por todos. Sophrosyne, o ideal perseguido dentro e fora das leis, pode ser
compreendido como comedimento;
Como se formou a noção de igualdade no processo de
democratização de Atenas?
● Vernant nos mostra que com esse esforço de buscar medida comum para
todos, que está presente no governo de Sólon, surge a moeda oficial, como
forma de controle estatal (da cidade, que era uma cidade-Estado) nas mãos
dos "legisladores", visando a moralização;

● Esse artifício racional moralizador (a moeda) deveria servir de


intercâmbio, ou medida comum, entre realidades diferentes. É dessa
maneira "proporcionalista" — à moda de Sólon — que as forças
aristocráticas entendem a igualdade. Os atenienses, na época, chamavam
de isotes o ideal de igualdade, e de eunomia a igualdade realizada;
● Os aristocratas em Atenas eram chamados de pediakoí, do pedíon — planície, onde se
concentravam os homens ricos da cidade, donos das terras ao seu redor. Havia ainda
as forças intermediárias (os mesoi) constituídas pelos parálios (classe média) que
povoavam o litoral e procuravam evitar vitórias dos extremos, isto é, tanto dos
pediakoí quanto das camadas mais pobres — que eram os homens das montanhas, nas
regiões interioranas, chamados diácrios;

● Depois de Sólon, Clístenes — chegando ao poder apoiado em uma acordo entre


famílias poderosas que disputavam o poder — fez uma reforma que instituiu dez
"tribos", cada uma delas formada por cidadãos dos 3 territórios (litoral, planície e
montanhas). Assim os misturava deliberadamente. Com isso, se abriu espaço político
para uma isonomia considerada como igualdade em sentido mais radical.
VII. Cosmogonias e mitos de soberania
Como Vernant se posiciona nos debates
acerca das relações entre filosofia e mitologia?
● Inicia falando sobre os debates entre os estudiosos que reduzem todo esse processo a uma
ruptura brusca e os que, como ele, veem aí uma mudança gradual. J. Burnet, segundo ele,
vê um salto quase inexplicável no aparecimento da filosofia, do mito à busca da ciência. F.
M. Conrad, ao contrário, vê na filosofia uma transposição para o mundo laico daquilo que
antes era mito — e na filosofia algo bem diferente da ciência e de seu método
experimental;
● Assim como nos mitos, o pensamento filosófico considerava uma unidade
primordial da qual, por segregação e diferenciação sucessivas, teriam
emergido "pares de opostos — o sombrio e o luminoso, o quente e o frio" etc.
Opostos cuja mistura em diferentes doses e composições teria constituído as
coisas do mundo. A semelhança entre as cosmovisões religiosas e as racionais
não é apenas geral: vai até as minúcias (p. 76 );

● Avançando nessas observações de Conrad, Vernant fala muito da ideia de


geração de algo por elementos considerados enquanto "pai" e "mãe" desse
algo, tanto nos sistemas religiosos quanto nos racionais;
Vejamos como são as teogonias gregas — os relatos sobre a
origem dos deuses na mitologia.

1. "O universo é uma hierarquia de poderes". Sua ordem exprime relação entre
agentes, constitui-se por relações de força, vínculos de domínio e submissão
etc;

2. Essa ordem surgiu também, ela própria, pela iniciativa de um agente;

3. Esse agente é superior aos demais, domina-os, e determina suas funções e


posições na hierarquia.
Segundo Vernant, na famosa Teogonia de Hesíodo, que já anuncia
a passagem para a filosofia, vemos um pensamento que começa a
ser mais "físico" e menos religioso. Mas para romper com o
vocabulário e com a lógica do mito, seria necessária a Hesíodo
uma concepção de conjunto capaz de substituir o esquema mítico
de uma hierarquia de poderes dominada por um Soberano. E ele
não chega a esse ponto.
"O maior é o espaço porque dentro dele cabe tudo. O mais veloz é o intelecto
porque passa através de tudo. A mais forte é a necessidade porque tudo
domina. O mais sábio é o tempo porque tudo revela.“

Tales de Mileto
VIII. A nova imagem do mundo
● Anaximandro, discípulo de Tales de Mileto,
pertencente à escola jônica, foi fundador da
astronomia na Grécia;

● também acreditava que existia um unitarismo na


origem de tudo (arqué). Porém, discordava do seu
mentor na na ideia de que a água era o elemento
originador;
● Anaximandro entendia que a origem de tudo era o
ápeiron (infinito);

● Propõe a ideia de geometrização do espaço;

● Para ele, a Terra tinha formato cilíndrico e se


sustentava através de diversas forças que atuam ● Não se submeteu apenas ao regime
sobre ela, ou seja, sem nenhuma ordem hierárquica; cosmológico, a polis também
adotou uma nova concepção de
espaço público.
Conclusão
• Devido a situação social e mental que a Grécia vivia, o pensamento racional surgiu;

• A razão não é um fenômeno visto pela escola de Mileto como algo que simplesmente nasceu, a
escola deu forma a razão;

• A Razão grega não é um estudo científico contemporâneo;

• A Razão da Grécia primeiramente se formou no meio político;

• Os gregos debatiam em praças públicas, e com o tempo, esta atividade ajudou na construção
da reflexão;
• Os mitos foram perdendo a credibilidade gradativamente por causa dos Sábios que faziam questionamentos e
quebravam o sentido dos mitos usando argumentos que se centralizavam em conceitos antropológicos;

• Para os gregos, o homem livre não se separa do cidadão, ele tem o privilégio de possuir tanto a razão quanto os
direitos cívicos;

• Com o pensamento político, novas áreas de reflexão foram estabelecidas;

• A filosofia se firma em Miletos e cria independência;

• Os filósofos começam a se questionar sobre o que seria o Ser e o Saber e como eles se correlacionam, com isso acabam
por criar a própria racionalidade sem fazer experimentos;
• A Razão grega não se desenvolveu na matemática,
nem no comércio, mas na linguagem;

• Mesmo com todas as limitações e suas inovações, a


Razão continua sendo filha da cidade.
Fim.

Você também pode gostar