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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

CAMPUS MARACANÃ
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS HISTÓRICOS I

NATHALIA PADILHA GERICÓ DA CONCEIÇÃO

QUAL É A FUNÇÃO DA PESQUISA E DO ENSINO DE HISTÓRIA HOJE?

RIO DE JANEIRO
2022
A pesquisa e o ensino de História buscam contribuir para a consciência de
que os indivíduos são os agentes transformadores do espaço inserido, em
determinado período e contexto social. Dessa forma a História, como ciência,
abarca a narrativa sobre o passado, bem como a construção do nosso futuro. O
estudo das civilizações necessita ir além de saber as datas do fato. Cabe ressaltar a
importância de assimilar quais alterações ocorreram na época e compreender como
os seus impactos refletem até hoje no cotidiano. (BLOCH, 2001)
Historicizar significa desconstruir o senso comum, ter a reflexão crítica
sobre o acontecimento buscando se aprofundar nas causas profundas. Segundo
Bloch (2001), a História busca lidar com seres humanos no tempo, com demandas
diferentes de acordo com o objeto. Portanto, a dinâmica produz fundamentos
passíveis de mudança. As subjetividades do historiador impactam na pesquisa
científica, diante do contexto histórico inserido, ocasionando a historicidade.
As definições de historicizar e historicidade não retiram o aspecto científico
da historiografia que, apesar da inexistência da repetição comprovada, permanece
com a utilização de métodos e investigação para transformar as narrativas em área
de conhecimento. De acordo com Prost (2017), a história como compreensão
consiste em particularizar um modo de conhecimento que, por ser diferente, não
torna-se ilegítimo, menos verdadeiro ou menos rigoroso que o objeto de estudo das
ciências naturais.
Tais narrativas carregam consigo os elementos básicos da espécie humana,
sendo capaz do historiador se colocar no lugar no outro, reconhecer o objeto de
pesquisa como alguém que, assim como ele, possui a própria vivência social. Por
conseguinte, compreender o outro enquanto humano condena atitudes
desumanizadoras, como a escravidão, nazismo e o etnocentrismo pois utiliza a
liberdade como guia norteador fundamental.
Não há naturalidades, há ações humanas que direcionam os grupos à
aceitação de determinada influência, seja por escolha, disputa pelo poder, entre
outras justificativas. Logo, nossas ideias produzidas não são fundamentos
universais, posto que explicam o homem em determinado tempo, sujeito à aspectos
complexos: cultural, linguístico, social, político, econômico e estrutural.
Bauer (2018) apresenta a repercussão da Comissão Nacional da Verdade
(CNV) na função social do historiador, bem como nas expectativas de familiares,
perseguidos, desaparecidos políticos e ex-presos na ditadura militar. O controle e
censura durante esse período suprimiram evidências da repressão, causando a
negação da realidade, esquecimento e deslegitimação dos relatos, de forma a
impossibilitar o luto de quem perdeu um ente querido. Nesse sentido, o historiador
precisa entender se a Comissão mitigou essa insatisfação em relação ao passado
ditatorial brasileiro, uma vez que a violação dos direitos humanos perpassa a
cassação dos direitos civis e permanece com a impunidade ocasionada pela Lei da
Anistia, além da falta de solução nos casos de desaparecimento.
Atualmente, com setores da sociedade incitando dúvidas sobre as urnas
eletrônicas, desrespeitando autoridades e solicitando a volta da ditadura militar, há
uma tendência a desmoralizar a democracia que tantos lutaram para reconquistar.
Neste panorama, o historiador tem papel fundamental no combate às notícias falsas,
que procuram descredibilizar a ciência, universidades públicas e outros
departamentos que buscam a evolução coletiva de forma progressista.
Bauer e Nicolazzi (2016) abordam que antes do historiador dizer a verdade,
cabe a ele evitar a mentira. Portanto, narrar o passado como ele ocorreu, a fim de
extinguir a possibilidade da história ser utilizada para a produção do falso. Num país
sem memória o risco de rescrever a história com inverdades torna-se maior. E na
construção do conhecimento, as fontes podem ser direcionadas de acordo com as
intenções de quem produziu, estabelecendo relações de poder.
No filme Negação (2016), a personagem historiadora Deborah enfrentou e
venceu no tribunal o historiador carismático David Irving que, mesmo utilizando
argumentos falsos, possuía uma legião de seguidores que compartilhavam as suas
ideias. Logo, Irving tornou-se uma ameaça para a escrita sobre o nazismo, posto que
argumentava sobre a negação do Holocausto e seus horrores. E as vítimas judias que
passaram por todo o sofrimento? Teriam os seus relatos silenciados?
Prost (2014) defende a função social da História, afirmando que como esta
disciplina é capaz de pensar por si própria há o risco de “desencantamento”, ou seja,
a impossibilidade de contar a história total. Atenção à história fragmentada, pois
torna-se uma arma para manipulações ideológicas. Nesse sentido, segundo o autor
referenciado, o ofício do historiador compara-se ao juiz, pois ambos precisam de
provas para fundamentar a sua tese.
O questionamento é o ponto de partida para transformar, desconstruir,
transgredir, bem como construir horizontes. A pesquisa e o ensino de história
permitem que possamos aprender com as lições do passado, para que as próximas
gerações não cometam os mesmos erros. O ofício do historiador precisa estabelecer
relações entre história, tempo e ética, de forma a estabelecer limites morais no
entendimento do fato histórico.
Diante dos argumentos expostos, pode-se concluir que a função da pesquisa
e do ensino de história hoje trata da construção da consciência social e do senso de
pertencimento com reflexão crítica. Quando a sociedade compreende o seu passado
e enxerga sua ancestralidade, maior a probabilidade de tornar-se um cidadão
engajado nas lutas pela dignidade humana e coletiva. Maior a chance de questionar
as determinações que afetam o seu cotidiano em vez de aceitá-las com passividade.
Maior a tendência de exercer a empatia com os desfavorecidos. Maior a
probabilidade de respeitar a pluralidade de ideias, linguagens e culturas. Sim, a
história é o motor essencial para desenvolver humanos mais seguros de si e fortes o
suficiente para impulsionar a própria vida, bem como a coletividade.
5. REFERÊNCIAS

BAUER, Caroline Silveira. Como será o passado? História, historiadores e a Comissão


Nacional da Verdade. Jundiaí, SP: Paco Editorial, 2017.
BAUER, Caroline Silveira; NICOLAZZI, Fernando. “O historiador e o falsário. Usos
públicos do passado e alguns marcos da cultura histórica contemporânea”. Varia
Historia, Belo Horizonte, vol. 32, n. 60, p. 807-835, set/dez 2016.
BLOCH, Marc. Apologia da História. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

NEGAÇÃO. Direção: Mick Jackson. Produção de BBC Films. Estados Unidos, 2016.
PROST, Antoine. A história como compreensão. In: Doze lições sobre a História. Belo
Horizonte: Autêntica Editora, 2014, pp. 133-152.
PROST, Antoine. “Conclusão: Verdade e função social da história”. In: Doze lições sobre
a História. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2014, pp. 253-272.

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