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UNIVERSIDADE ESTADUAL VALE DO ACARAÚ

CENTRO DE HUMANIDADES – CH
HISTÓRIA E LICENCIATURA
HISTÓRIA DO BRASIL III
PROFESSOR CARLOS AUGUSTO P. SANTOS
ALUNO IGOR IURY CARVALHO LIMA

MESA 07/03/23: ORGANIZAÇÃO SOCIAL: EM TEMPOS DE TRANSIÇÃO POLÍTICA –


Jornada Histórica.
MESA 25/04/23: FONTES DE PESQUISA – Evento PET.
NASCIMENTO, Abdias do. O genocídio do negro brasileiro: processo de um racismo
mascarado. 3° ed. – São Paulo: Perspectivas, 2016. 232p.

SCHWARCZ, Lilia (Coord.). História do Brasil Nação. Volume 3 – Abertura para o mundo.
1889-1930. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. Introdução. As marcas do período, p.19-33.

ISTAN, Liamara Pasinatto; OLIVEIRA, Tarcisio Dorn de; PINHEIRO, Thaís Teixeira,
VILLANI, Monique. O PROCESSO DE FAVELIZAÇÃO NO PANORAMA HISTÓRICO
BRASILEIRO. XX Seminário Interinstitucional de Ensino, Pesquisa e Extensão.
Unicruz.2015.

AP1: Texto a partir dos eventos do semestre relacionados com a ementa da disciplina.
O presente texto é uma discussão sobre o papel da historiografia na construção da
consciência política para os movimentos sociais, com ênfase no movimento negro, a partir das
considerações de Abdias do Nascimento sobre “O Genocídio do negro Brasileiro” e o
processo de esquecimento sobre o qual a análise de Nascimento busca retratar ao denunciar a
tentativa de apagamento da existência dos negros que ganha uma destaque a partir da abolição
da escravidão aprofundando ainda mais a desigualdade social presente no atual território
Brasileiro.
Com isso, o enquadramento teórico deste texto se pauta na necessidade de discutir
raça e racismo como tema fundamental, logo, para essa proposta, iremos dialogar com
diferentes autores para problematizar essas questões que são tão presentes na Primeira
República, mas que também passam por um a tentativa de apagamento histórico no contexto
social, cultural, político e intelectual. Nos deteremos a pensar as referidas questões: o papel da
Ciência História; o problema político do negro no presente e passado; as fontes da
historiografia e a construção narrativa do negro na história; a importância da Historiografia na
política. Percebemos um vínculo forte entre determinadas questões sobre as quais surgem com
as atividades eventuais e os textos da disciplina.
● O papel da Ciência História
Para darmos início a este ensaio, necessitamos pensar o papel da Historiografia
enquanto construção científica, afinal, qual a importância do estudo do passado sob o viés da
História? Uma questão que de início pode parecer banal, mas que é de suma importância para
pensar a práxis política, diremos: O passado só precisa ser estudado, enquanto História, na
medida em que ele servir ao presente. Ou mesmo como disse Marc Bloch:
“A incompreensão do presente nasce fatalmente da ignorância do passado. Mas
talvez não seja menos vão esgotar-se em compreender o passado se nada se sabe do
presente” (2002, p.55).
Com isso, percebemos uma relação dialética que o passado e presente têm entre si, o
que é uma relação social, política e cultural que os seres humanos mantêm através da
consciência histórica. Ou seja, é o reconhecimento de si no mundo através da experiência do
tempo, a conexão que o seu passado, presente e futuro têm, a partir do trabalho da história,
permite que o homem se reconheça como ser ético, político e poético, e assim, não se permita,
supomos, alienar-se de si mesmo, e, ainda mais, pelos instrumentos de dominação de classe:
“O trabalho da história permite ao homem reconhecer ‘no suor de seu rosto’ aquilo
que ele é por suas aptidões naturais e, ao torna-se o que é, ao passar a se reconhecer;
ele faz do genus homo o ser humano histórico, ou seja, ético. [...] A História é o
saber da humanidade de si mesma, a certeza de si mesma” (DROYSEN, 2009, p. 64,
76).
Por dominação de classe, podemos entender um conjunto de aparatos jurídicos e
institucionais que verificam o mantimento da desigualdade social, a educação se torna,
segundo FERREIRA, uma delas:
“Durante décadas várias gerações inteiras foram educadas por uma historiografia
liberal positivista que narrava a história dos vencedores como única versão dos fatos.
{...}No caso da abolição, está implícito pela forma que nos era passada, que a
mesma fora uma dádiva dos brancos aos negros – os mais interessados no fim desta
sociedade. Tal ponto de vista compreende a história como uma ciência que busca o
passado apenas pelo passado” (2020, p. 52 – 53).
Nesse sentido, o papel da história é profundamente pedagógico, sobretudo se
olharmos a história da historiografia. Assim, os grandes paradigmas históricos, tais como
positivismo ou historicismo, se configuraram, no século XIX, através de necessidade de criar
uma identidade nacional compartilhadas por todos da nação o que passa a constituir um
modelo de ensino nacionalista. Portanto, vemos a construção de um discurso histórico
pedagógico que busca manter as desigualdades sociais presentes de cada contexto em torno de
uma espécie de nacionalismo, mas também podemos encarar a “essência” da ciência Histórica
através de uma perspectiva libertadora, com isso, História como um Discurso permite ao
Homem se desalienar de si:
“Porém, negros e negras militantes que dizem combater o racismo, não se
preocuparem em conhecer sua história, há aqui um problema seríssimo. E por que?
[...] Por que uma das práticas do racismo é silenciar sobre nossa história e
marginalizar nossa cultura” (FERREIRA, 2020, p. 54).
A partir das considerações de FERREIRA, podemos entender o papel que o
conhecimento histórico tem na libertação social, no caso do movimento negro, entender as
lutas do passado em consonância aquelas travadas no presente dá sentido ao rumo em que o
movimento toma. Desse modo, ainda acrescenta, na mesma perspectiva de NASCIMENTO1
sobre o apagamento cultural como uma tentativa de genocídio racial, que o silenciamento e a
destruição da história dos negros, em um contexto cultivado a partir de um período de
escravidão, é uma tentativa de deslegitimar e “marginalizar” a luta, é um Processo de
Racismo Mascarado.2 Não obstante, FERREIRA acrescenta:
“Um povo que não conhece sua história é um povo perdido. Fica à mercê das
produções construídas por quem está dominando” (2020, p. 58).
Ou seja, através disso, não se cria uma identidade ativa, mas sim uma submissão a
história dominante, tradicional e branca. Entender as raízes, com a história, é se firmar em um
lugar que lhe é negado ou que lhe foi tirado. Portanto, o exercício da História é uma tentativa
frustrante de dar harmonia à um passado, que só existe através da narrativa, e à um presente
conflituoso.

● As fontes da historiografia e a construção narrativa sobre o negro na história


Podemos perceber que a Historiografia tradicionalista ainda é muito presente nos
manuais de ensino, nas produções acadêmicas, na consciência e cultura histórica, assim como
na busca de fontes, é uma ciência narrativa que ainda hoje barra a consciência política
libertadora, assim como a práxis política em prol do discurso dos ditos Vencedores – História
dos vencedores. Ainda na perspectiva de NASCIMENTO (2016, p.49), vemos que a
historiografia no Brasil, sobretudo no século XX e XIX, constrói seu objeto, quando se trata
das raças aqui presentes, partindo de uma alienação das relações entre brancos, negros e
indígenas: argumenta que elas vivem em harmonia já que misturaram seus genes; tiveram
suas culturas mescladas – “sincretizadas”; ou foram libertos pela bondade dos brancos. Mas
afinal, o que é que verifica ou falsifica essas narrativas que exaltam o mito de criação da
democracia racial?
No que diz respeito a história, facilmente responderemos que o processo de pesquisa
para a validação de determinados objetos estudados se faz através da abordagem crítica,
teórica e metodológica das fontes, já que são elas que nos permitem conhecer o passado que

1
Capítulo 6 e 9 de NASCIMENTO, Abdias do. O genocídio do negro brasileiro: processo de um racismo mascarado. 3° ed. –
São Paulo: Perspectivas, 2016. 232p.
2
Em referência a Obra de Abdias Nascimento: NASCIMENTO, Abdias do. O genocídio do negro brasileiro: processo de um
racismo mascarado. 3° ed. – São Paulo: Perspectivas, 2016. 232p.
agora só existe em fragmentos. Elas são, para a história e o tempo, o que as estrelas são para o
universo: corpos brilhantes que iluminam, nos guiam pela escuridão, mas que ainda não
podem dar conta de sua totalidade; sobretudo, para além do seu constante desaparecimento,
são, no conjunto do Arquivo, aquelas que conseguiram chegar para nós – por projeto ou acaso
–, dentre tantas outras produzidas no mesmo período. Podemos acrescentar ainda aos
documentos que verificam, ou não, determinadas narrativas sua própria subjetividade, ou
mesmo o estatuto de verdade que pode lhe garantir o valor Histórico, excluindo assim,
determinadas concepções em torno de outras. Nesse sentido, o tempo que dispomos como
objeto não é físico, e sim profundamente narrativo, só sabemos dos acontecimentos do
passado aquilo que foi falado deles, logo, significa dizer que se não há fontes, então não
haverá Tempo, História ou Historiador, porque se não houver fontes, o objeto observado
poderia jamais ter existido pela ausência de sua prova documental, como saberíamos?
Ademais, considerando que as fontes legitimas são fontes escritas, e considerando ainda a
destruição da documentação, como escrever a história dos negros, sobretudo no Ceará, sem
fontes? trazemos essa problematização para pensar com FERREIRA, que segundo ele:
“Estávamos totalmente desinformados e, portanto, dependentes e reféns das
informações oficiais produzidas por uma historiografia oficial que dizia não haver
condições de se construir uma história dos negros no Brasil por que Rui Barbosa, em
despacho datado de 14 de dezembro de 1890 e cumprido por intermédio de circular,
em 13 de maio de 1891, mandara queimar toda documentação sobre escravidão”
(2020, p. 50)
FERREIRA aponta para as dificuldades que o movimento negro tinha, durante os
encontros de formação e debates, em pensar a História dos negros no Ceará. Contudo,
acrescenta que o apagamento das fontes históricas, não se mostrava como eles pensavam,
como referido na citação. É necessário elencarmos o seguimento do problema ao pensar, com
NASCIMENTO (2016, p 49), sobre como essa historiografia que dita o lugar do negro no
Brasil, e sua contribuição para a suposta democracia racial, foi construída, portanto,
acrescentamos os problemas: como ela se utiliza das fontes? Quais são suas fontes? Quais
poderiam ser as tipologias documentais? como os autores as enquadram? Sob que propósitos?
O que foi possível chegar ao presente? Será que podemos verificar a percepção dessas
narrativas com o contexto que nos cerca – o presente?
Essas questões podem ajudar a fundamentar a consciência histórica da luta do
movimento negro, afinal, podemos ir além: quais sujeitos ou instituições históricas poderiam
produzir documentações para a história? quais sujeitos ou instituições seriam capazes de fazer
essas documentações sobreviverem ao tempo até os dias atuais? Por qual motivo fariam isso?
Quais os critérios de guarda poderiam delimitar essa sobrevivência? Quais grupos sociais
poderiam permitir essa sobrevivência? Poderemos esperar, sob critérios quantitativos, o
protagonismo de pessoas negras dentro desse processo? Não nos deteremos a responder
determinadas questões, e sim problematizar, através de um procedimento arqueológico do
saber, as incoerências da história intelectual. Todavia, pensar esses questionamentos nos leva,
de antemão, a achar o lugar atribuído aos negros na própria estrutura de produção da ciência e
a sociedade social que ela estuda.
● O problema político do negro no presente e passado
Se, até aqui, trabalhamos os problemas teóricos e metodológicos, agora buscaremos
pensar o MN no presente e no passado. O que é o movimento negro na História do Brasil?
Quais acontecimentos históricos fundamentam o MN? E no Ceará,3 o que sabemos dessa
história? Como a questão política está retratada dentro da Historiografia? A questão do negro
na américa é fundada em uma concepção de superioridade racial, logo, foram considerados
durante os últimos 500 anos talvez mais seres inferiores – não somente os negros africanos,
mas também os nativos americanos, logo, todos os não-brancos –, o que levou às políticas
escravagistas em toda a américa com a chegada da colonização. Desse modo, MBEMBE nos
introduz a ideia de raça:
“Vista em profundidade, a raça é ademais um complexo perverso, gerador de
temores e tormento de perturbações do pensamento e de terror, mas sobretudo de
infinitos sofrimentos e, eventualmente, de catástrofes” (2018, p. 27)
A partir dessa questão, encaramos o rosto de um genocídio que se inicia com a
escravidão, e se intensifica ainda mais com o fim dela (NASCIMENTO, 2016, p.79). Nesse
sentido, entender como esse conceito opera no presente nos permite conhecer uma construção
histórica do sujeito, de suas infinitas dores e suas “heranças”. Podemos considerar, ainda, a
operação do conceito de raça imbricado em uma lógica de curral;
“Historicamente, a raça sempre foi uma forma mais ou menos codificada de divisão
e organização das multiplicidades, fixando-as e distribuindo-as ao longo de uma
hierarquia e repartindo-as dentro de espaços mais ou menos estanques. (...) A raça é
o que permite identificar e definir grupos populacionais em função dos riscos
diferenciados e mais ou menos aleatórios dos quais cada um deles seria o vetor”
(MBEMBE, 2018, p. 75).
Através disso, entendemos como os grupos não-brancos estão organizados por uma
classe dominante para serem mantidos sob seu controle, mas o que isso significa
historicamente? Vejamos os exemplos das senzalas e dos quilombos, são lugares distintos,
mas onde as relações de raça operam com uma lógica de curral. Ou seja, onde os indivíduos,
por um lado, eram encarcerados sob os riscos que poderia apresentar de fuga ou de rebelião,
onde facilmente poderiam ser encontrados e punidos; e, por outro lado, o lugar onde deveriam

3
Problema principal abordado por FERREIRA.
ser caçados, reprimidos pelos riscos de revolta contra o sistema escravocrata. Ademais, são
esses lugares em que o MN nasce e se sustenta segundo FERREIRA, o lugar de opressão
direta e o de resistência. Não obstante, na atualidade, podemos encarar as favelas, os presídios
atuais como modelos materiais dessa lógica, são símbolos da desigualdade social e racial. O
primeiro como sinônimo de segregação criado por políticas de higienização, modernização e
branqueamento no início do século XX, segundo NASCIMENTO (2016, p. 88), que realocou
os negros ex-escravizados e brancos pobres na margem da sociedade como uma tentativa de
embelezar os centros das cidades, já que eram considerados o motivo do atraso social delas. O
segundo como um lugar de concentração dos indivíduos que foram largados as mãos do
destino por um processo de abolição que se formulou sem a devida integração dos negros,
sobre o qual aprofundou a desigualdade social, criou um estimulo para a marginalização dos
sujeitos e a sua concentração em presídios.
"A raça, desse ponto de vista, funciona como um dispositivo de segurança fundado
naquilo que poderíamos chamar de princípio do enraizamento biológico pela
espécie. A raça é ao mesmo tempo ideologia e tecnologia de governo" ((MBEMBE,
2018, p. 75).
Podemos perceber como esse conceito opera nesse contexto. Se, até o século XIX, o
Racismo poderia se configurar numa estrutura socioeconômica natural onde o indivíduo negro
era “Útil”, em seguida, aos fins do século XIX, a lógica de curral vai se caracterizar, com a
república e a abolição, como um elemento da desigualdade social, logo, como um indivíduo
“inútil”4 e perigoso. Até então os indivíduos estavam organizados em currais muito bem
localizados como propriedade; agora, estarão em currais definidos pelo Estado, não como
propriedade, e sim como cidadãos, assim, com os problemas vindos dessa liberdade, já que
não eram bem aceitos como cidadãos, vão ser jogados a margem da sociedade para que
possam ser controlados e monitorados novamente.
Nessa perspectiva, podemos perceber ainda como a raça e a lógica de curral se
mostram na historiografia. NASCIMENTO faz uma análise sobre a constituição do mito de
democracia racial em que o negro é excluído da história, impedido de construir sua própria
narrativa política, de sua consciência e experiência no tempo e espaço, e só é evocado para
fundamentar a narrativa dominante.
“Segundo esse julgamento, os africanos seriam também responsáveis, junto com os
europeus, colonizadores do Brasil, pela sistemática erradicação das populações
indígenas – ato de genocídio cuja a responsabilidade é exclusiva das classes
dirigentes, que na sua composição total são de origem branco europeu” (2016, p 50).

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Atribuímos o critério de útil e inútil na perspectiva de Ailton Krenak. Seguindo a linha de Foucault em vigiar e punir,
KRENAK aponta que só somos úteis, enquanto humanidade, enquanto formos capazes de produzir, se não, somos despesa
inútil.
NASCIMENTO busca refletir como a obra de Gilberto Freyre contribuí para a
culpabilizar o negro por um problema proporcionado pelos brancos, afinal, eles não vieram
para cá por livre e espontânea vontade, muito menos estão em conflito com os povos
indígenas. Destarte, o conflito existe somente entro o Branco e o Não-Branco. Mas afinal, o
que isso significa? Se levarmos em conta a lógica de curral do conceito de raça, veremos que
existe uma raça, a branca, que organiza e explora as outras sobre seus critérios, e as que são
historicamente exploradas e aniquiladas.
Ademais, vale acrescentar, a raça dita superior, segundo NASCIMENTO (2016, p 83,
84), institui no século XX políticas públicas de genocídio de toda uma raça através da
miscigenação, ou melhor, as políticas de Branqueamento da população, o que nos introduz ao
lugar da luta antirracista. Atualmente, quando debatemos o conceito de raça e racismo, é
comum uma tentativa de barrar ou amenizar o debate quando se argumenta que “não há
racismo no brasil porque todos tem sangue negro, indígena e branco devido a essa
miscigenação”, contudo, argumentos como esse velam o mais violento processo de
apagamento da raça, os ditos “mulatos” são evocados no debate para deslegitima-la. Ou seja,
pensar a luta antirracista em um país tão miscigenado como o Brasil, segundo
NASCIMENTO (2016, p 84), pressupõe introduzir os “mulatos”, frutos dessa violência racial,
nessa luta, já que o maior objetivo das políticas de Branqueamento, dentre tantas outras, era a
purificação do sangue branco, o apagamento completo da mancha negra, portanto, uma
tentativa de o branco aniquilar tudo o que é não-branco.
“Porém, a despeito de qualquer vantagem de status social como ponte étnica
destinada à salvação da raça ariana, a posição do mulato essencialmente equivale
àquela do negro: ambas vítimas de igual desprezo, idêntico preconceito e
discriminação, cercados pelo mesmo desdém da sociedade brasileira
institucionalmente branca” (NASCIMENTO, 2016, p.83, 84).
O movimento negro se depara com problemas da própria consciência histórica,
pautados ainda por uma história tradicional brasileira que nos induz a uma falsa ideia de
democracia racial. O problema principal dessa análise gira em torno dessa Cultura histórica,
em entender como as narrativas nos são passadas e o lugar que elas ocupam hoje em relação a
realidade que percebemos no cotidiano, mas que também se segue de questões
teórico-metodológicas atualizadas para a atual historiografia.
● A importância da Historiografia na política
Chegamos à parte final do texto, onde buscaremos reunir a natureza das questões
abordadas até agora. Elencamos uma relação intrínseca entre História e a narrativa, a política
e a identidade, mas afinal, se nos dispusermos da citação anterior de BLOCH, poderemos
entender que incompreender as questões da escravidão, colonização e todos os problemas
constituídos por estes, permitem a completa ignorância dos problemas presentes sobre a
questão de raça, desigualdade social e racial, contudo, de nada adianta entender o passado
pelo passado, sem que haja plena relação com o presente, o passado, logo, a história, só existe
para servir a plena compreensão do presente. Entretanto, afirmar esse assunto nos pressupõe
um outro problema: O passado, as relações do Homem no tempo, só podem existir através da
narrativa – historiográfica ou documental –, então, o que nos dá o direito de compreender o
presente e passado sob os devidos termos? Sobretudo, por que o entender desse modo? Quais
seriam então seus critérios? Qual a importância de se pensar essa questão para os movimentos
sociais, principalmente o MN?
É então que nos deparamos com três desafios da História no tempo presente: o desafio
ético, político e poético, sobretudo, é um desafio de conexão do ser humano consigo mesmo.
O reconhecimento de si no mundo através da experiência do tempo, a conexão que o seu
passado, presente e futuro têm, a partir do trabalho da história, permite que o homem se
reconheça como ser ético, político e poético, e assim, não se permita alienar pelos
instrumentos de dominação de classe. Ou seja, se torna ético por sempre precisar se repensar e
pensar o seu papel social e seus objetos; político por ser o lugar em que a consciência e as
narrativas lutam para ter lugar e fundamentar a práxis social, por tomar partido; se torna
poético por construir o mundo ao seu redor, por buscar torná-lo belo.
Por outro lado, na perspectiva de Foucault, em Arqueologia do Saber, poderíamos
pensar a Ciência Histórica como uma disciplina fundada em uma relação de discursos
Oligárquicos e Aristocráticos que se configurou por seus próprios objetos e enunciados. Logo,
o campo disciplinar, até os dias atuais, está repleto dessas concepções tradicionais da
Historiografia, sobretudo no que diz respeito à disciplina escolar e a carga conteudista que nos
é imposta pelo sistema educacional – segundo Paulo Freire, um sistema de educação
Bancária. Todavia, não podemos negar, a História toma partido – se pelo menos utilizarmos
os termos marxistas “dominantes” e “dominados” – quando é ensinada na perspectiva
tradicional, na mesma medida em que toma quando se pauta numa questão problematizadora,
crítica e libertadora. Significa dizer então que trouxemos uma carga escolar que foca nossa
consciência histórica para a narrativa dos dominantes. Por outro lado, conhecer e
problematizar as narrativas que nos são colocadas, principalmente a partir de um novo ensino
de história, nos ajuda a entender nosso lugar na sociedade e lutar por um mundo mais justo
enquanto classe em busca de sua própria libertação. No caso do movimento negro, é de suma
importância apreender uma gama de discursos dominantes para cada vez mais desconstruir o
campo narrativo; tomar lugar no campo político de direito; e garantir seus direitos e
conquistar os objetivos. Afinal, lutar politicamente é uma tomada de posição no mundo, assim
como escrever a história é dar lugar para a tomada de posição.
Considerações finais
Com vista às tentativas de esquecimento que a historiografia tradicional, e dominante,
tem empreendido ao longo dos anos para excluir sujeitos e formar uma nacionalidade,
podemos perceber como se institui o lugar do racismo no recorte brasileiro. Ou seja, o negro
está posto dentro desse recorte como um ser sem lugar e identidade, na mesma medida em que
pode ser constituído por uma ideia de raça que torna sua imagem perigosa. Nessa perspectiva,
pensar o lugar da História como ciência se mostra essencial para questionarmos o lugar
construído para o negro criticamente, sem os relativismos e negacionismos presentes
atualmente. Ademais, não nos contentamos em entender somente o lugar de explorado dado
ao negro, necessitamos entender sua construção dentro da historiografia e pensar como essas
narrativas estiveram presente em um violento genocídio que se perpetua até os dias atuais,
logo, um genocídio que se instaura tanto na história social, cultural e política, mas que não
deixa de ser encontrado na história intelectual
Por fim, é necessário mantermos uma forte harmonia entre a história e a política, ou
mesmo, entre a teoria e a prática – práxis –, já que é no campo político em que podemos,
através do conhecimento histórico da experiência do homem no tempo, transformar o mundo
em que vivemos. Afinal, na perspectiva de MARX, muitos já trataram de conhecer o mundo,
agora cabe a nós mudá-lo.

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NASCIMENTO, Abdias do. O genocídio do negro brasileiro: processo de um racismo mascarado. 3°
ed. – São Paulo: Perspectivas, 2016. 232p.
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