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Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP)

Renata Veit

Resenha crítica sobre os capítulos “O poder na estória” (p. 19-23), e “Teorizando a


ambiguidade e rastreando o poder”, da obra “Silenciando o passado: poder e a produção
da história” e sobre os capítulos “O contexto da imigração – a “solução” até “O Século
XX. Embranquecimento. Miscigenação. Democracia Racial”, da obra “Direito e
Relações Raciais. Uma introdução crítica ao racismo”.

Brasília - DF
2023

Buscando um estudo mais abrangente sobre a história do direito, foi consultado


o capítulo 1. “O poder na estória” (p. 19-23), e “Teorizando a ambiguidade e rastreando
o poder” (p. 52-62), da obra “Silenciando o passado: poder e a produção da história” de
Michel-Rolph Trouillot.

Trouillot foi um haitiano que se radicou nos Estados Unidos após as


perseguições políticas ditatoriais de François Duvalier. Concluiu o Doutorado no
Programa de História e Cultura Atlântica, da Universidade de John Hopkins (1985)1.

Nos EUA, foi professor de antropologia e ciências sociais na Universidade de


Chicago e se destacou com a publicação de obras como “Open the Social Science”
(1990), “Silencing the Past: Power and the Production of History” (1995) e “Global
Transformations” (2003). Algumas de suas obras foram publicadas em francês, inglês e
krèyol haitiano e versam sobre temas como a revolução haitiana, o campesinato da
Dominica e Estado e globalização.

Além dos estudos supracitados, o presente trabalho se apoiou nos capítulos 1.4.
O contexto da imigração – a “solução” até 1.8 – O Século XX. Embranquecimento.
Miscigenação. Democracia Racial, da obra “Direito e Relações Raciais. Uma introdução
crítica ao racismo”, de autoria de Dora Lúcia de Lima Bertúlio.

Dora Bertúlio é uma pesquisadora brasileira e possui mestrado em Direito pela


Universidade Federal de Santa Catarina (1989). Além de ser professora titular da
Universidade Federal do Paraná, possui experiência na área de Direito, especialmente
em Direito Público. Atua principalmente em temas ligados ao racismo, relações raciais,
discriminação racial, ações afirmativas e história do direito brasileiro2.

1
https://editorialdeantropologia.weebly.com/autores/michel-rolph-trouillot
2
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No capítulo “O poder na estória”, Trouillot o inicia narrando a história sobre
uma das supostas conquistas do general Antonio López de Santa Anna no México, em
Tejas, especificamente no “Álamo”. Conforme demonstra o autor, em verdade, “a
história da conquista” se relativiza segundo os narradores, atores e fatos históricos
posteriores.

Após esse pequeno exemplo prático, aponta que o uso da palavra “história” pode
indicar um processo sócio-histórico - “o que ocorreu” –, mas, também, o conhecimento
do processo sócio-histórico ou estória sobre esse processo. De cara, o autor salienta que
a linha entre eles é tênue. Na mesma linha, o autor relembra que os seres humanos
participam na história não apenas como atores, mas também como narradores, o que,
naturalmente, influencia o que sabemos sobre nossa história.

Mais adiante, no capítulo “Teorizando a ambiguidade e rastreando o poder”,


Trouillot ressalta que a história é sempre produzida num contexto histórico específico e
os atores históricos também são narradores. Para ele, é necessária uma teoria da
narrativa histórica, onde se reconheça tanto a distinção quanto a sobreposição entre
processo e narrativa. Como processo social, a história envolve pessoas em três posições:
1) como agentes ou ocupantes de posições estruturais – estratos e agrupamentos que
pertencem as pessoas, como status, classe; 2) como atores, em constantes contato com o
contexto – conjunto de caracteres que são específicos no tempo e no espaço, que sua
existência e compreensão residam essencialmente sobre particulares históricos; e 3)
como sujeitos consequentes, conscientes de suas próprias vozes. Para o autor, essa
ambiguidade entre as vozes dos sujeitos da história é uma premissa da obra e é inerente
ao que ele chama de “dois lados da historicidade”.

De forma extremamente racional, o autor defende que mais importa entender


“como a história funciona” do que “o que é a história”, considerando a relevância
prática desses estudos. Em suas palavras “Pois o que a história é muda com o tempo e o
lugar, ou, dito de outra forma, a história se revela apenas por meio da produção de
narrativas específicas”. Portanto, para ele, o foco deve recair sobre o processo e
condições de produção das narrativas “para descobrir o exercício diferencial de poder
que viabiliza certas narrativas e silencia outras”.
Um dos fatos importantes, é que a produção histórica não é exercida apenas por
historiadores profissionais, mas também por atores políticos, estudantes, escritores de
ficção, entre diversos outros.

Ainda sobre a análise do processo de produção da história, o autor destaca que


silêncios ingressam no processo nos momentos de: criação do fato (elaboração das
fontes); composição do fato (elaboração dos arquivos); recuperação do fato (elaboração
de narrativas); e significância retroativa (elaboração da história em última instância).
Um dos fatores que contribuem para os silêncios é o desnível de poder, entre os atores,
na produção de fontes, arquivos e narrativas.

Assim, conclui que o poder é constitutivo da estória, precede a narrativa e


contribui para sua criação e interpretação, portanto, deve ser rastreado por diversos
“momentos” para entender fundamentalmente o processo de produção histórica.

Os textos e conceitos acima encontram exemplo prático no trabalho de Bertúlio,


que narra o contexto da imigração no Brasil e a formação da Nação Brasileira. A autora
cita que a escravidão não era favorável ao desenvolvimento capitalista no Brasil, pois
não impulsionaria a indústria. Na obra, Bertúlio destaca o viés racista da elite nas
décadas seguintes ao fim da escravidão.

Em verdade, o poder da época queria se livrar do povo negro, não os


considerando como integrantes da Nação, porém, apesar das premissas racistas da época
aduzirem que negros eram inferiores biologicamente, fatores científicos, como a
reprodução humana, se sobressaíram e a população negra cresceu, mesmo sob fome,
segregação e discriminação.

Além de impulsionar o capitalismo, a intenção da eliminação da escravidão era


repelir os negros do território nacional e, inicialmente, substituí-los por imigrantes
europeus. Tal premissa fica clara no Decreto nº 528, de 28/06/1890:

“É inteiramente livre a entrada, nos portos da República, dos


indivíduos válidos e aptos para o trabalho (...) excetuados os indígenas
da Ásia ou da África (...). A polícia dos portos da República impedirá
o desembarque de tais indivíduos...”.

Em suma, os objetivos abolicionistas eram a substituição de mão-de-obra negra


pela branca e escrava pela livre.
No texto, é possível notar que só um lado da história é contado, sendo que a
inferioridade dos negros é narrada por brancos da elite, que discutem se é biológica,
intelectual ou cultural. Não há respeito aos dois lados da historicidade e o papel dos
negros sempre é definido pelos que usufruem do poder na época, através de atos
normativos, como as Posturas Municipais e leis penais, sistema judicial, sistema de
informação, entre outros.

Ademais, verifica-se que há diversos silêncios, como a ausência de narrativas


sobre as revoltas e comoções geradas por questões étnicas-raciais ocorridas no período.
Percebe-se que as narrativas buscam fundamentar a estória conveniente à época,
focando em premissas preconceituosas como “rebeldia” do índio em não querer
trabalhar ou “docilidade” do negro, que já era acostumado com o trabalho escravo.

Tendo falhado na eliminação dos negros e qualificação como país de brancos,


“cientistas” da época passaram a defender que a mestiçagem transportava benefícios do
branco para o negro. Surgem as teorias do embranquecimento. O racismo científico
substitui conceitos e avança para a miscigenação como forma de depuração da
população negra no Brasil.

Nas palavras de Bertúlio “Literatos, acadêmicos, cientistas políticos, todos se


articulam estabelecendo consensos e alimentando a corrente ideológica racista
interagindo com o poder social, político e econômico”.

Na verdade, dada a falência da eliminação do povo negro, o jeito foi, de forma


racista, reconhecer uma nova linhagem como formadora do povo brasileiro, que ainda
sim negasse o povo negro: o mestiço.

Os textos estudados contribuíram, e ainda contribuem, sobremaneira para a


análise da história mundial e chama atenção para diversos fatores que influenciam o
processo de construção das narrativas e como devemos nos atentar para isso, sob pena
de valorizarmos mais as narrativas do que os próprios fatos. Exemplo disso é a forma
como as estórias dos bandeirantes os colocam como verdadeiros heróis, porém, na
verdade sabe-se que suas façanhas estão mais para saqueadores e genocidas de índios,
como bem salientou Bertúlio.

Ademais, foi possível notar que nossas estórias nacionais possuem diversos
silêncios, especialmente quando o assunto se relaciona com escravidão, negros e
conflitos raciais e que o próprio Direito já foi utilizado como fonte de poder para
legalizar a conveniência das elites brancas dominantes.

Referências Bibliográficas:

TROUILLOT. Silenciando o passado: poder e a produção da história. Curitiba: Huya,


2016. Cap. 1 O poder na história (p. 19- 23) e Teorizando a ambiguidade e rastreando o
poder (p. 52-62).

BERTÚLIO, Dora. Direito e Relações Raciais. Uma introdução crítica ao racismo. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2019. 1.4. O contexto da imigração – a “solução” até 1.8. – O
sec. XX. Embranquecimento. Miscigenação. Democracia Racial (pp. 30-46).

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