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Universidade Federal da Bahia

Programa de Pós Graduação em Estudos Étnicos e Africanos


Disciplina: Teorias da etnicidade
Professor: Dr. Osmundo Pinho
Mestrando: George da Hora Silva

Palavras chave: Racismo, pigmentocracia, colorismo.

Introdução

O presente ensaio pretende a luz de alguns marcos teóricos, avaliar os aspectos da mobilidade social
no Brasil a partir da discussão do colorismo/pigmentocracia, para tal retomaremos as discussões
clássicas do debate racial no país com intuito de ampliar as possibilidades analíticas com base na
construção de discursos, posicionamentos políticos, migração ou modificação do debate do uso da
raça, mito da democracia racial, construção de identidades e representações.

Uma breve historia do racismo

O racismo marcou a história da humanidade como um divisor de águas. Os retrocessos, os


processos de guerra, o acirramento de disputas entre povos vizinhos foram à base onde se assentou
o comércio e posterior tráfico de mão de obra escravizada do continente africano, a argumentação
do terceiro reich, os processos de segregação nos Estados Unidos da América e o apartheid sul-
africano.

Até a atualidade são sentido os impactos do pensamento ideologicamente racializado, não adiantou
a humanidade ter presenciado as atrocidades cometidas pelos defensores do racismo, a biologia que
outrora foi usada para sustentar o discurso de superioridade entre a espécie humana afirmar que do
ponto de vista cientifico não há distinções que categorizem diferenças suficientes para estabelecer
subespécies.

Na contemporaneidade nos deparamos com uma profusão de casos de racismo, de ascensão de


grupos neonazistas, de discursos de ódio nas redes sociais, e de ataques às pessoas pretas que vêm
seguidas da argumentação que, na era do “politicamente correto” o que era para ser visto como
piada é enxergada como racismo, por uma geração que, segundo aqueles que promovem os ataques,
veem racismo em tudo.

Em grande parte do mundo, onde as tensões raciais estão historicamente colocadas é quase possível
dizer que existe uma distinção muito clara na conformação social, onde estariam brancos de um
lado e pretos do outro, o que de certa forma permite não apenas uma facilidade em encontrar os
algozes, pois muitas vezes a postura racista é consolidada com uma estrutura ideológica que
permitiria “justificar” tais e atitudes.

Omi e Winant argumentam em seu texto, que representações de raça e estruturas de raça não
existem independente um do outro, portanto representações racistas e estruturas do racismo
funcionam juntas. Os autores definem "racial projects" como projetos que estabelecem conexões
entre representações e estruturas de raça.
Outro aspecto importante do argumento deles é que esses projetos raciais não são necessariamente
conservadores, atentando para o fato de entender tais relações baseadas na perspectiva das relações
com marcador racial.

Nessa perspectiva para Omi e Winant ações afirmativas são também projetos que mobilizam a
categoria de 'raça', para fazer a distinção, indicam que projetos raciais são racistas quando
mobilizam representações essencialistas da raça em ligação com estruturas de dominação
hegemônicas.

O Brasil em mais de um aspecto pode ser considerado singular, os processos de descoberta,


colonização, e desenvolvimento seguiram caminhos próprios quando comparados a outros
processos da mesma ordem.

Em especial nas Américas, essas particularidades estabeleceram que relações das mais diversas
ordens fossem dadas ou percebidas de forma também singular, no campo das relações sociais e
raciais não foi diferente.

Dessa forma lancemos mão de outro aspecto contido no texto de Omi e Winant, eles sustentam o
argumento que raça e racismo são processos históricos e contextuais, ou seja, nem raça nem
racismo funcionam da mesma forma em sociedades diferentes ou em momentos diferentes.

Dito isso, o artigo a seguir propõe discutir as problemáticas do racismo na sociedade brasileira, seus
desdobramentos, enfrentamento e possível apatia diante de situações de racismo no Brasil, verificar
se há dificuldade em perceber e apontar de forma clara atitudes que tenham como base um
preconceito de ordem racial.

Usaremos como mote para conduzir a discussão aspectos do chamado “colorismo”, tendo em vista
o imenso grau de miscigenação da população no Brasil, e com isso questionar se uma gradiente de
cor contribuiu para reforçar o mito da democracia racial, e se esses aspectos moldam relações de
sociabilidade seja para inclusão ou exclusão dos indivíduos na sociedade brasileira.

Mestiçagem, eugenia e identidade nacional

Para iniciar o entendimento do processo de discurso politico sobre a mestiçagem no Brasil devemos
começar com os intelectuais que primeiro debruçaram-se sobre o tema no país, a chamada geração
de 1870 de pensadores brasileiros, destacando entre eles a figura do pensador sergipano Silvio
Romero.

Romero era um dos que decretavam que o Brasil estava entregue a “taras atávicas”, ele e seus
contemporâneos da intelectualidade da época, nesse momento estavam no ápice às discussões
racializadas.

Sustentadas em paradigmas cientificistas, e no caso do Brasil, por um forte de discurso de


nacionalismo, repudiar publicamente a mestiçagem era parte do que consolidava esse debate, com
especial atenção a Silvio Romero pensador que encarava a miscigenação como elemento basilar
para degradação que fatalmente iria desgraçar o país.
Atrelar o ideário de atraso a uma nação de indivíduos mestiços, frutos de relações sexuais não bem
quistas entre os europeus por aqui aportados e as populações indígenas ou africanas escravizadas,
gerava nos teóricos, todos formados ou em contatos com as escolas europeias e estadunidenses o
fortalecimento do discurso do degredo de uma nação mestiça.

O positivismo norteava os debates presumidamente científicos, falava-se no atavismo dos


considerados povos ditos primitivos, ancorados numa temporalidade desigual, onde os povos não
brancos estivessem nos primórdios dos processos de evolução.

Lançando mão de maneira tendenciosa de Charles Darwin e sua teoria das espécies, alegavam que
os encontros entre povos em lados opostos da evolução humana seriam desastrosos, e como os
filhos dos encontros entres as raças desenvolvidas e não desenvolvidas tendiam a gerar indivíduos
doentes, preguiçosos, com tendências ao crime e a loucura.

Autores brasileiros como Tavares Bastos, Joaquim Nabuco e Oliveira Viana vão à contra mão,
vendo na mestiçagem um elemento que aponta para a construção de uma nação que está de olho
num futuro, e que sua população mestiça pode ser pensada como símbolo de modernidade.

As perguntas que surgem diante dessas possibilidades são: Qual a cor desse mestiço? Teria ele um
tom de pele mais claro ou mais escuro?

Ainda nas primeiras décadas do séc. XX a ascensão da Alemanha nazista “chocou” o mundo com
os campos de concentração e a eficiente máquina de extermínio do Reich, o discurso de
superioridade racial encontrava sua expressão máxima, e mesmo que naquele momento esse debate
gera-se uma sucessão de acaloradas discussões sobrea a capacidade da humanidade para praticar o
mal, e que a ciência, dessa vez baseadas em processos de observação mais rigorosos, enunciava a
não distinção do ponto de vista biológico da espécie humana, os processos de segregação estavam
operando a pleno vapor, inclusive em países como os EUA que acabaram por entrar na segunda
guerra mundial e falavam ao mundo sobre as atrocidades cometidas pela Alemanha nazista, ainda
que em suas terras pessoas negras fossem enforcadas, incendiadas ou espancadas até a morte, em
especial na região sul das terras do Tio Sam.

Nascimento e Thomaz (2008:193) abordam os desdobramentos e chamam a atenção como as teorias


e discursos racializados com atenção ao panorama pós 2ª mundial se consolidam de forma dialógica
a base onde se assentam as justificativas para o racismo.

“Assim, seria possível falar de um racismo teórico ou doutrinal, em contraste com


um racismo pragmático, apoiado na reconfiguração de preconceitos raciais.
Nenhum dos dois pólos, contudo, deve ser visto como autônomo, na medida em
que os discursos teóricos serviram bem à legitimação de versões atualizadas de
preconceitos raciais tradicionais, ao mesmo tempo em que grande parte das
classificações raciais dos agrupamentos humanos baseadas em relatos de viagem
representaram pouco mais do que a tradução para uma linguagem científica
desses mesmos preconceitos tradicionais.”

No Brasil depois das duas fases de posicionamento politico/ideológico sobre a mestiçagem, a


primeira falando do atraso, a segunda pensado um processo de construção de identidade nacional e
a saída para a situação do país.
Getúlio Vargas durante seu primeiro governo no chamado Estado Novo favoreceu um modelo de
imigração seletivo com caráter eugênico, com intuito de clarear a população mestiça do país,
fazendo assim surgir uma raça mais forte e superior e antes mesmo de eleito já levava o discurso ao
púlpito em sua campanha eleitoral.

“Durante muitos anos, encaramos a imigração exclusivamente sob os seus aspectos econômicos imediatos; é
oportuno entrar a obedecer ao critério étnico, submetendo a solução do problema do povoamento, as
conveniências fundamentais da nacionalidade”.(KOIFMAN,2010)

Elemento importante de contextualização é o fato que o Brasil pós-abolição não teve nenhuma
politica de acolhimento ou reparação com a população de ex-escravos, que foram lançados a própria
sorte.

Irônico que um dos aspectos da política de imigração do governo varguista concedia posse de
pequenos lotes de terra a grupos étnicos advindos da Europa, e, ainda assim o projeto eugênico do
governo brasileiro não englobava qualquer europeu, eram apenas grupos específicos e na forma da
lei deixava claro que “tipo” de povos estava sendo convidado.

Butler (1998) argumenta em sua análise comparativa com a cidade de São Paulo de como o
movimento negro não se formou de maneira unificada em Salvador pós a abolição da escravidão no
país. Uma das razões indicadas é que entre a grande massa de pessoas pretas, havia vários grupos
“étnicos” e famílias, com relações diversas, muitos baseados em laços clientelistas, segundo a
autora impedindo/dificultando a formação de uma identidade negra mais abrangente.

Democracia racial, um mito para quem?

Dentro do espaço acadêmico e da militância dos chamados movimentos negros é quase impossível
tratar das questões relacionadas ao racismo sem lançar mão do conceito erroneamente atribuído a
Gilberto Freyre em sua obra Casa grande e senzala, atribuição essa que rendeu ao autor o fardo de
passar o resto da vida justificando o fato, independente de ter sido ou não o criador.

A obra de Freyre abriu portas para se retomar uma discussão do ideal encontrado no Brasil desde a
época da primeira república, a ideia que as relações racializadas não seriam um fator de grande
importância na sociedade.

Um dos aspectos apontados por Freyre seria que a “pouca” tensão existente no país pós-abolição
teria em si muito mais um caráter baseado na desigualdade criada a partir do conceito de classe que
sustentado pela questão de raça/cor.

Ele sustentava que o alto grau de miscigenação da formação do Brasil criou uma situação que
exerceria uma democratização sobre as diferenças e antagonismos, dessa forma dando
maleabilidade a processos mais duros de socialização, como por exemplo, o das questões pautadas
no conceito racializado.

Antônio Sergio Guimarães irá contextualizar a ideia atribuída a Freyre de maneira clara:

Sem ter cunhado a expressão, e mesmo avesso a ela, já que evocava uma
contradição em seus termos (as raças são grupos de descendência e, portanto
fechados, ao contrário da democracia que ele pregava),mas grandemente
responsável pela legitimação científica da afirmação da inexistência de
preconceitos e discriminações raciais no Brasil, Freyre mantém-se relativamente
longe da discussão enquanto a ideia de uma democracia racial permanece
relativamente consensual, seja como tendência, seja como padrão ideal de relação
entre as raças no Brasil (2001, p. 153-154).

Críticos do autor pernambucano, em especial o paulista Florestan Fernandes, que foi um dos
primeiros a contestar as alegações de que no Brasil havia uma relação cordial entre pretos e
brancos.

Para Fernandes nem de longe a tensão poderia meramente ser entendida com base no conceito de
classe clássico como previsto na obra de Karl Marx, onde o antagonismo nasce da tensão entre as
forças inseridas no modo de produção, em especial no capitalismo.

Fernandes contestava o peso colocado no papel da miscigenação como um fator de agregação, e que
o projeto teria mais a ver com aumentar uma população escravizada, fruto dessas relações, mas não
negava esse mesmo processo como tendo potencial para criar uma sociedade menos desigual, via
possibilidades favoráveis na construção de uma “verdadeira” democracia racial:

Importa, em primeiro lugar, que se inclua o “negro” e o “mulato” (como outras


“minorias étnicas, raciais ou nacionais”) na programação do desenvolvimento
socioeconômico e nos projetos que visem aumentar a eficácia da integração
nacional. Dada a concentração racial da renda, do prestígio social e do poder, a
“população de cor” não possui nenhuma vitalidade para enfrentar e resolver seus
problemas morais. Cabe ao governo suscitar alternativas, que viriam, aliás,
tardiamente. Nessas alternativas, escolarização, nível de emprego e deslocamento
de populações precisariam ganhar enorme relevo. Em suma, aí se necessita de um
programa de combate à miséria e a seus efeitos no âmbito dessa população (2005,
p. 51-52).

Paul Gilroy (1991:28) argumenta especificamente contra a ideia de que relações raciais sejam
meros produtos da classe social, aponta para que conceitos como raça/racismo e classe/classismo
são estabelecidos em relações causais, de formas específicas e fortemente ligadas ou dependentes
dos contextos, pois:

“a raça não mais pode ser reduzido a um efeito dos antagonismos econômicos que surgem da produção, e a
classe tem que ser entendida em termos qualificados pela vitalidade das [lutas] articuladas pela “raça”.

Alguns pensadores estadunidenses ajudaram a consolidar a ideia de que no Brasil havia uma
sociedade sem grandes tensões raciais, podendo ser destacadas as visitas do linguista Lorenzo Dow
Turner e do sociólogo E. Franklin Frazier, ambos afro-americanos que visitaram o Brasil e a Bahia
nos anos 40.

Frazier ficou impressionado com a mobilidade dos pretos e em especial dos mestiços na sociedade
soteropolitana, impressões que publicizadas em sua obra, o que, guardadas as devidas proporções
ajudaram a fortalecer a ideia de uma sociedade no Brasil sem um sistema evidente ou institucional
de segregação racial como encontrado nos Estado Unidos da América.
Um ponto singular para compreender a história das relações raciais no Brasil e nessa discussão seria
o elemento da mestiçagem, embora o discurso sobre o lugar e o papel do mestiço na sociedade
brasileira tenha se modificado ao longo do tempo.

É na figura do mestiço, do “mulato” que irá residir alguns elementos que são importantes para
entender a construção de determinadas ideologias, e de certa forma um projeto de politico de caráter
eugênico no Brasil, projetos esses, que se fossem conhecidos por nossos visitantes estadunidenses
lançariam por terra a visão entusiasmada que eles tiveram das extremamente cordiais relações em
terras brasileiras.

De Jeca Tatu a “mulata” tipo exportação

O personagem de Monteiro Lobato ilustrou o imaginário da ideia do mestiço brasileiro pelos idos
de 1914, em especial o papel de um Brasil imenso e com boa parte de sua ocupação nas zonas
rurais.

Alguns alegam que o personagem Jeca Tatu seria uma critica as elites brasileiras, uma critica ao
descaso do Estado para com aqueles que estavam fora de seus padrões, a figura do “caboclo”,
verminoso, adoentado e maltrapilho, resultado do encontro entre portugueses, indígenas e africanas,
representação física do atavismo e do atraso caracterizada pela preguiça e falta de higiene.

Ao longo do sec. XX os discursos de debates sobre identidade nacional foram se modificando, isso
não quer dizer que do ponto de vista pratico ou de garantia ou ampliação dos direitos das
populações não brancas no Brasil tenham melhorado.

Ainda que não houvesse um sistema de apartheid institucionalizado, era crescente, e de alguma
maneira podemos pensar se até os dias atuais não se mantem formas elaboradas de uma serie de
mecanismos de segregação habilmente adaptados a nossa realidade, do elevador de serviço à
restrição de tipos muito específicos de roupas ou indumentárias.

O fortalecimento do papel das militâncias, em especial dos movimentos negros, impulsionados


pelas lutas dos direitos civis nos EUA, o surgimento do grupo Panteras Negras, os processos de
independência no continente africano, movimentos como Negritude e o Pan-africanismo, serão
cruciais para consolidar os discursos, dessa vez, oriundos dos grupos subalternizados no processo
histórico.

Em meio a esse panorama, o Brasil passa a vender-se como um paraíso onde as tensões raciais
simplesmente não existem, e é com o Carnaval do Rio de Janeiro, na catarse da apoteose carioca
onde “brilham” pretos, brancos, mestiços de toda cor, e principalmente seu objeto de desejo e
afirmação, a mulata.

Esse ser objetificado, longe do recatado perfil da mulher branca pra casar, a mulata voluptuosa,
seminua, encharcada de suor, sambando em saltos altos e de seios parcamente cobertos a exalar
sexo e convidar o mundo a viver num país sem diferenças de classe, sem desigualdade e
principalmente sem racismo.
As mulheres pretas e mestiças que nos camarotes da Sapucaí, sorridentes e seminuas fazem pose ao
lado de importantes celebridades e chefes de Estado em visita à folia de Momo, em geral homens
brancos com seus olhos arregalados diante da exuberância desses corpos pigmentados e desnudos.

Impossível não citar o olhar embasbacado de Charles o príncipe de Gales diante da passista Piná,
ou do fisiculturista e astro de filmes de ação Arnold Schwarzenegger protagonizando cenas
vexatórias diante das mulatas na passarela do samba, mas, foi e de certa forma ainda é o cartão
postal do Brasil.

Colorismo ou Pigmentocracia

Diante do que até aqui narramos, façamos o esforço para imaginar como dentro da lógica de uma
nação de identidades oscilantes, entendendo que determinados projetos das elites acabam por
nortear a maneira como as populações irão se relacionar, nos mais diversos aspectos da vida em
sociedade, passando do simples gosto até temas mais complexos como identidade e auto percepção.

O mundo ocidental, depois de escravizar, bestializar, objetificar as populações africanas, passa


também a demonizar suas expressões culturais, bem como negativar os traços fenotípicos desses
povos e suas diásporas, interessante notar que nas mais diversas mídias, durante muito tempo os
negros eram representados de maneira a aparentar algum tipo de deficiência mental, ou com
determinados aspectos exagerados, em geral lábios ou olhos, ou com traços mais simiescos.

Se levarmos em consideração o poder que um discurso repetido pode promover nos indivíduos, em
especial naqueles que se encontram inseridos num lógica de subalternidade, não seria de se admirar
que mais cedo ou mais tarde, o impacto será absorvido por essas populações gerando-nos mesmos a
necessidade de quando possível afastar-se dos sinais que possam associa-los ao signo negativado.

Todavia discursos políticos não existem fora da temporalidade, e em dados momentos a visão do
negro começa a ser “explorada” de forma a vender identidades ligadas a uma ideal de etnicidade,
tomemos, por exemplo, as politicas publicitárias usadas pelos órgãos de turismo em especial na
cidade salvador desde a década de 1970.

As propagandas da Bahiatursa mostravam “baianas” paramentadas e seus tabuleiros de Acarajé,


isso chegou a fortalecer-se de tal maneira que a celebre Iyalorixá Menininha do Gantois chegou a
gravar um comercial para vender maquinas de costura para uma grande marca do setor, importante
salientar que sempre era vendida a ideia do exótico, dessa “Roma negra” um pedaço da África fora
do continente africano.

Black is beauty? Depende, papá!!!

As lutas por libertação, a queda do regime apartheid na África do Sul, o surgimento dos blocos afro,
a consolidação de grandes artistas negros no mundo, vai reverberar no reforço e construção de
identidades, em especial na diáspora africana, mas mesmo com toda essa efervescência da busca de
um lugar numa sociedade de desigualdades, os impactos do colonialismo e da força da ideologia
hegemônica ainda fincavam suas garras nos processos de representação e na autoestima das
populações pretas.
Quem vai de lugares como os que nós viemos conviveram ao longo da vida com dizeres que
refletem bem o lugar da estética esperada em nossa sociedade, “não sei para que criar esse cabelo
ruim, essa piaçava”, “menino, que beiço de aparar jegue!” “vai à praia pra que? Já é preto feito
tição!” todas essas talvez fossem apenas expressões racistas e teriam menos “impacto” se viessem
de pessoas brancas, mas esse coro de depreciação sempre estava na boca das vitimas de uma
sociedade racista, mas é uma expressão em especial que tem relevância maior na discussão proposta
por nós nesse ensaio, é na frase “vê se casa com alguém mais clarinho para ver se limpa essa
barriga!” que reside alguns dos elementos que nos são importantes para pensar a questão que nos
aflige.

Não podemos precisar se pelo fato dos históricos projetos buscando um clareamento da população
brasileira ou como reflexo direto das populações pretas subalternizadas ao perceber que tons mais
claros de pele, ou traços mais “finos” permitira a esses indivíduos maior mobilidade na estrutura
social.

Se imaginarmos, por exemplo, o processo de alisar os cabelos a ferros quentes, gesto muito comum
nas mulheres pretas e mestiças, o uso de cosméticos com intenção dar uma clareada, numa espécie
de “black face” as avessas, importante salientar que é o homem preto a principal vítima da violência
direta do racismo e suas maquinações.

Mas são as mulheres pretas as principais vítimas da ditadura dos padrões estéticos e os principais
alvos da indústria de cosméticos, em especial a voltada para o alisamento químico dos cabelos e
mais recentemente do consumo de produtos químicos extremamente agressivos com intenção de
clarear a pele.

Haufbauer (s.d.) aponta em seu artigo sobre o processo de construção histórica de uma ideologia do
“branqueamento”, sinalizando a anterioridade da contraposição das cores em escala de valor moral,
antes mesmo de o debate ser racializado: “desde os primórdios das línguas indo-europeias, o branco
foi associado ao bem, ao bonito, a inocência, ao puro, divino, enquanto o negro era representado
como moralmente condenável, o mal, o diabólico”.

E que diabos é pigmentocracia?

O termo é creditado como sendo usando pela primeira vez pela por Alice Walker, uma escritora
estadunidense num ensaio chamado ‘Se o presente parece o passado, como será o futuro?’ em uma
coletânea publicada em 1983, onde a autora, feminista afro americana já consagrada com seu
romance A Cor Púrpura que foi lançado um ano antes e vencedor do premio Pulitzer.

O termo colorismo passa a ser usado para entender como a gradação da cor da pele dos não brancos
se se tornará um fator de acesso ou exclusão, em geral em sociedades que foram colonizadas pela
Europa ou nos países nos pós-escravidão.

Os especialistas apontam que diferente do racismo, que usaria o critério da pertença dos indivíduos
a um grupo racial/étnico/cultural, o colorismo carrega o marcador fenotípico como base para a
discriminação, dessa forma, não é o fato do individuo ser afro descendente, mas é qual pigmentada
é sua pele, ou quão fortes são os traços negroides que irão ser o foco da segregação.
O fato de esses indivíduos terem a pele mais clara, cabelos lisos ou alisados não quer dizer que
serão aceitos como brancos, em especial na sociedade brasileira, ativistas mais radicais atestam que
a camuflagem branqueada permitiria apenas que uma sociedade racista apenas tolere a presença de
sujeitos reconhecidos com elementos menos negros em seu fenótipo.

É possível pensar nos impactos que uma ideologia de branqueamento e sociedades onde suas
relações sejam baseadas em critérios de colorismo acabe por adoecer os indivíduos inseridos nessa
lógica.

Na década de 1970 dois estudos já poderiam ser considerados como um indício dos problemas de
auto percepção na população brasileira em, em 1970 o antropólogo estadunidense Marvin Harris em
seu levantamento chegou a catalogar 492 formas de declaração racial, em 1976 o IBGE (PNDA)
apresentou nada menos que 136 cores de pele declaradas pelos entrevistados, no afã claro de não se
perceberem ou não quererem se classificar como pretos.

Conclusão

O presente ensaio jamais foi pretendido como apontamento de soluções ou de reflexões profundas
sobre o tema abordado, haja vista que como produto voltado para o campo cientifico carece de um
maior levantamento bibliográfico e de uma inserção no campo empírico que a dinâmica acadêmica
nesse caso especifico não permitiriam, sendo assim, usaremos essa última sessão como espaço para
uma reflexão baseada nas experiências pessoais, que podem ser creditadas no espaço da erudição
apenas como senso comum.

Na experiência do cotidiano, em especial de uma história vivida em comunidades de populações


majoritariamente negras (sendo negros aqui entendidos segundo na categoria do IBGE, como a
soma de pretos e pardos, já que o uso do termo não branco implicaria em problematizar outros
grupos étnico/culturais) não é necessário nenhum estudo aprofundado para perceber os impactos de
uma sociedade racializadas com base nos elementos atribuídos ao colorismo.

A estética branca é valorizada e evidenciada não apenas nas mídias de massa e peças de
propaganda, é vista pelas ruas da Roma Negra nos esvoaçantes cabelos alisados de mulheres negras,
seja com química ou no ferro quente moderno (chapinha), na necessidade da usar apliques e
alongamentos ainda que com cachos, para emular o tamanho e caimento dos cabelos menos crespos.

Apesar de uma forte onda de resgate e valorização de uma estética baseada no que se pretende
enquanto abordagem afro-centrada, com a retomada dos cabelos Black Power, traçados, dreadlocks
e os turbantes, muitas pessoas em processo de transição, abrindo mão dos cabelos quimicamente
tratados.

Importante salientar que todo esse debate ganha força a partir dos anos 2.000 com o surgimento ou
consolidação das chamadas afirmativas, posição que trouxe a luz o racismo escamoteado do
brasileiro, contrários ou favoráveis as politicas de reparação foram tirados das sombras e obrigados
a defender suas posições, sendo os defensores das ações afirmativas defendendo a legitimidade de
politicas com intuito de reduzir a desigualdade ocasionada pela pelos processos de escravização dos
antepassados africanos trazidos ao Brasil.
Aqueles contrários a essas politicas, defensores fervorosos (cínicos?) do mito da democracia racial,
que agora acusam os responsáveis pelas politicas de reparação de “racializar” o país, quando não
alegando que o discurso de reparação não seria nada mais que vitimismo ou no mais sórdido dos
casos, acusando, por exemplo, do sistema de cotas de praticar “racismo reverso”.

Ainda que esses movimentos gerem discussão sobre a saída da ditadura do liso para a ditadura do
crespo, o debate traz a luz algo que por muito tempo estava restrito aos espaços de organização
politica, em especial das militâncias dos movimentos negros, hoje se fala no poder ideológico
usando as mídias de massa, padronização e modelos estéticos herméticos.

Apesar de parecer que o enfoque ou o alvo principal são as mulheres, os homens nem de longe
estão a salvo ou imunes a esses processos, seja pelo campo da estética ou comportamental, não é
incomum, que homens negros que gozem de alguma mobilidade sócia econômica, passem a
relacionar-se afetivo-sexualmente com pessoas brancas.

Em casos extremos, num processo claro de alienação passem a emular ações racistas por não se
entenderem como negro, caso comum entre os “morenos” e os “cabo verdes”, podemos citar o caso
clássico do jogador Neymar Jr, que declarou não ser vitima de racismo por não ser negro.

Não sejamos inocentes em acreditar que esses avanços são suficientes para reverter o quadro
histórico de hegemonia branca e seus impactos alienantes nas populações pretas na diáspora
africana, porém o fato de hoje podermos identificar com um pouco menos de dificuldade essas
armadilhas é sinal de um processo em curso, inexorável e que já trás e trará impacto, que, queremos
crer, serão responsáveis se não por mudar, ao menos abalar a estrutura do status quo.

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