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brasileiro
Jefferson Cavalcanti Lima
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Introdução
A xenofobia enquanto fenômeno social traz em suas formas de manifestação
uma série de dinâmicas culturais que reforçam esteriótipos raciais, de classe e
de gênero potencializados pelo temor do contato com o outro, o estrangeiro. Na
construção da nacionalidade brasileira, inclusive na retórica da nação e na cultura
nacional, a presença de estrangeiros foi tema frequente. Dos debates raciais e
da crença de que o Brasil deveria ser um país com maioria branca aos períodos
de totalitarismo e antissemitismo, passando por políticas internas de integração
nacional e soberania do Estado sobre as pessoas, o xenofobismo, ou aversão à
diferença, foi um marco na construção do Brasil contemporâneo. Atualmente, as
dificuldades em integrar novos migrantes apenas reforçam quão sectária pode
ser a sociedade brasileira, mas também quão urgente é a proposição de políticas
públicas para migrantes e refugiados.
Neste capítulo, você vai conhecer os variados contextos nos quais as políticas
de intolerância foram parte constituinte não apenas do Estado brasileiro, mas
também de parte de setores da população. Para isso, verá uma discussão sobre
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para o Brasil se tornou uma polêmica de Estado. Embora não tenha ocorrido
nenhuma política definitiva durante o Estado Novo, o número de imigrantes
de origem judaica despencou no Brasil. Em um documento oficial do Ministério
das Relações Exteriores, em específico um ofício de Edgardo Barbedo, do
Consulado Geral do Brasil em Varsóvia, citado pela historiadora Maria Tucci
Carneiro, é possível ler: “De tempos imemoriais é sabido que o judeu não é
agricultor. Vive ele do baixo comércio, explora a miséria alheia e muitas vezes
a própria” (BARBEDO, 1936 apud CARNEIRO, 1994, p. 159).
É importante destacarmos a tendência de época em estigmatizar a co-
munidade judaica a partir de discursos que remontam ao antissemitismo
medieval. O judeu etiquetado como avarento e sectário é um dos grandes
marcos da construção cristã sobre o outro. Nesse sentido, é importante
destacar que tais construções ainda permearam os discursos políticos, até
mesmo no Brasil, na década de 1940.
No mesmo período, na então Era Vargas, os imigrantes de ascendência
eslava sofreram restrições duríssimas em seu cotidiano. Associações comuni-
tárias, escolas e clubes foram fechados sob o pretexto da nacionalização do
país e a interrupção do “imperialismo polonês no sul do Brasil”. Esse discurso
da nacionalização do interior também seria utilizado no combate aos grupos
de italianos, alemães, ucranianos e japoneses, com ênfase aos nipônicos,
acusados de não se integrarem ao Brasil e serem inferiores racialmente. Nesse
ponto, é importante atentar ao fato de que a política territorial brasileira,
principalmente na primeira metade do século XX, oscilou muito na abertura
e na permissão da chegada de imigrantes, permitindo a fixação e a feitura
de documentos em determinados contextos e, em outros, dificultando as
formas de ocupação de áreas no interior do país.
Nesse contexto, em específico, em 1945, o mundo assistia atônito aos
massacres cometidos na Europa durante os últimos meses da Segunda Guerra
Mundial. De tal contexto, não apenas a destruição de grandes metrópoles, a
revelação da “solução final” do Reich nazista contra os judeus, mas também
a construção da Organização das Nações Unidas (ONU) e a publicação da
Declaração Universal dos Direitos Humanos inauguravam um novo momento
nas relações internacionais e no tema da migração. No Brasil, os ventos do
final da guerra trouxeram a retirada de Getúlio Vargas do poder e também
a possibilidade de que o Brasil pudesse se reconstruir sobre outras bases,
inclusive no que diz respeito ao tema das migrações, agora balizadas pelas
garantias da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
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Estatuto do
Estrangeiro Lei de Migração
Coletar e utilizar dados precisos e desagregados como base para dados baseados
em evidências políticas.
Minimizar os fatores adversos e fatores estruturais que obrigam as pessoas a
deixar seus país de origem.
Fornecer informações precisas e oportunas em todas as fases da migração.
Garantir que todos os migrantes tenham prova de identidade legal e documen-
tação adequada.
Aumentar a disponibilidade e flexibilidade de caminhos para a migração regular
Facilitar o recrutamento justo e ético e salvaguardar condições que garantam um
trabalho decente.
Abordar e reduzir vulnerabilidades na migração.
Salvar vidas e estabelecer esforços internacionais coordenados contra migrantes
desaparecidos.
Fortalecer a resposta transnacional ao contrabando de migrantes.
Prevenir, combater e erradicar o tráfico de pessoas no contexto da migração.
Desdobramentos do presente
A dinâmica migratória na contemporaneidade trouxe ao Brasil uma série de
desafios. Inclusive, é correto afirmar que, sem esses, seria provável que a Lei
de Migração talvez não tivesse sido promulgada e que o Estado brasileiro não
tivesse acumulado a expertise no que diz respeito à mediação de conflitos e à
acolhida de migrantes em determinadas regiões do país. Poderíamos estipular
alguns marcos contemporâneos e identificar como as políticas públicas para
os migrantes oriundas desses desafios colaboram diretamente para que o
problema da xenofobia, e também da situação de precariedade que envolve
uma parcela dessas pessoas, pudesse ser minimamente contornado. No que
diz respeito aos marcos, é sugestivo pensarmos no caso haitiano.
O Haiti, em 2010, sofreu com catástrofes naturais, o que, naquele con-
texto, apenas agravou a situação de boa parte da população. Dada a crise
do capitalismo de 2008, os fluxos migratórios do norte global deixaram de
ser o grande epicentro, tornando o Brasil um país que, naquele momento,
acumulava bons resultados econômicos, uma nova possibilidade. Para a
surpresa de alguns atores do governo, na referida data, centenas de haitianos
solicitavam residência no Brasil na condição de refugiados. Em números
obtidos no Comitê Nacional de Refugiados, é possível perceber como os
números aumentaram, com maior ênfase, entre os anos de 2013 e 2015, por
exemplo. Se fizéssemos uma ponderação a partir de três datas, teríamos os
seguintes números: 442 solicitações em 2010, 16.779 em 2014 e, por fim, 2.362
em 2017. É perceptível como esse ciclo migratório corresponde ao contexto
especificamente dos problemas haitianos, mas também de momentos nos
quais a economia brasileira ainda dava sinais de crescimento. Em números
absolutos, ou seja, prevendo os que migraram sem a condição de refugiados, o
Brasil legalizou a entrada de cerca de 100 mil haitianos entre os anos de 2010
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