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BELÉM
2023
TEXTO 19. CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. Imigrantes indesejáveis: ideologia do
etiquetamento durante a era Vargas. Revista USP, São Paulo, n. 119,
outubro/novembro/dezembro 2018. pp. 115-130.
A autora tenta recuperar as raízes desse pensamento intolerante que, contribuiu para a
persistência de políticas discriminatórias por parte do Estado brasileiro, instigando violências
físicas e simbólicas. Essas imagens possuem potencial como fontes históricas, colaborando com
a reconstituição de estigmas e preconceitos que povoam o imaginário coletivo. É a partir das
problemáticas do tempo presente, da persistência de discursos racistas, mesmo que tenham uma
nova roupagem, que a autora lança seu olhar sobre o passado, a partir da (re)leitura dessas
imagens, observando as metáforas e analogias, colhendo informações nas entrelinhas, nas
omissões e deformações visuais e textuais, conforme os estudos de Boris Kossoy (2014). Essas
imagens como fontes históricas das intolerâncias que persistem não podem servir como meras
ilustrações nos estudos imigratórios.
O estudo sobre o perfil de refugiados judeus do nazismo através das Fichas Consulares
de Qualificação possibilitou identificar a formação de redes de solidariedade de imigrantes com
nacionais. Assim, o exame desses documentos revelou a coexistência de dois mundos, um
visível e “real”, e outro clandestino e “recluso”. A criminalização dos ilegais, embasada no
etiquetamento dos imigrantes judeus, os culpabilizava pela infração, o que os torna, quando
reincidentes, em “reféns do próprio passado”.
A autora insere seu estudo no campo da história cultural, lugar onde arte e política se
prestam como ferramentas para identificar e comparar diferentes visões de mundo diante o
mesmo tema, no caso do presente trabalho, de como foi construída a figura do imigrante
indesejável e visto como um “outro”. A imagem que persiste do imigrante judeu é de um
parasita que vive do trabalho alheio, revolucionário, comunista, articulador de conspirações
para controlar o mundo ou, conforme a ambivalência das representações estereotipadas sobre
os imigrantes, como é o caso dos japoneses que ora são representados como trabalhadores
disciplinados, ora como indolentes e falsos.
Parte significativa do fluxo imigratório para o Brasil ocorreu durante a diáspora política
ao longo do século XX, sobretudo no pós-Primeira Guerra Mundial. O discurso racista era
construído de forma a culpabilizar o “outro”, seja o negro, o japonês ou o judeu, pelo atraso,
por falta de compromisso com a nação, ou por promoverem a guerra. Todos esses elementos,
portanto, eram nocivos à sociedade e deviam ser rigorosamente reprimidos. Essa identidade
atribuída aos imigrantes estava profundamente inspirada nos ideais de superioridade das teorias
racistas importadas do velho continente. Assim, ilustradores de periódicos nacionais muitas
vezes vinculavam valores racistas em caricaturas de humor e política, o que reforçava a
xenofobia e o racismo no Brasil.
Tucci Carneiro observa que é no contexto das grandes produções de café entre o final
do século XIX e início do XX, em particular no estado de São Paulo, que se consolida o discurso
oficial e científico sobre o imigrante. Ainda nos anos 1878, durante o Congresso Agrícola,
prevaleceu nos discursos a imagem do Brasil como uma nação branca e civilizada, o que
fundamentava uma política imigratória seletiva, desencadeando uma série de mobilizações
intelectuais sobre questões raciais, políticas, econômicas, conhecido como a “questão chinesa”
(1879).
As mudanças sociais e políticas ocorridas entre 1888 e 1889 com a Abolição do trabalho
escravo e a Proclamação da República deram força para a política de imigração, o que revelou
o ideal racista do branqueamento como parte do projeto étnico e político do estado brasileiro.
Os regulamentos de imigração reforçavam a preferência por pessoas aptas ao trabalho, visando
o trabalho urbano e industrial. Assim, o modelo ideal do “bom trabalhador” estava ancorado na
imagem do trabalhador branco e europeu, mais assimilável e com valores culturais aproximados
aos brasileiros.
Com efeito, foram acionados mitos políticos para justificar os atos de repressão contra
minorias étnicas “indesejáveis”. Essas teorias sustentaram o debate sobre qual a melhor raça
para compor o povo brasileiro, e qual tipo étnico deveria ser incentivado a emigrar para o Brasil.
Durante os anos 1930 e 1940, a intensa campanha nacionalista, anticomunista e xenófoba serviu
para encobrir valores racistas e antissemitas das elites políticas brasileiras. As práticas
autoritárias e repressoras do governo Vargas estavam, dessa forma, encobertas pelo slogan
político “promover o homem brasileiro e defender o desenvolvimento econômico e a paz social
do país”.
CONCLUSÃO