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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS


FACULDADE DE HISTÓRIA

ANTONIO RAFAEL DE OLIVEIRA BARROS


MARCEL D OLIVEIRA CASTRO

3ª AVALIAÇÃO: RESUMOS DOS TEXTOS 19 E 21 DOS SEMINÁRIOS DE HISTÓRIA


DO BRASIL REPUBLICANO (1889 - 1945)

BELÉM
2023
TEXTO 19. CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. Imigrantes indesejáveis: ideologia do
etiquetamento durante a era Vargas. Revista USP, São Paulo, n. 119,
outubro/novembro/dezembro 2018. pp. 115-130.

O premiado artigo de Maria Luiza Tucci Carneiro, “Imigrantes indesejáveis: ideologia


do etiquetamento durante a era Vargas” faz uma análise de diferentes representações da imagem
do imigrante, a partir da construção da figura do judeu e do japonês durante a era Vargas, de
1930 a 1954. No entanto, já desde a década de 1920, a pessoa estrangeira no Brasil era
enquadrada em dois lugares, os “desejáveis” ou “indesejáveis”, sendo este último interpretado
como alguém de “raça inferior”, segundo as teorias eugenistas e políticas excludentes da época.

A autora tenta recuperar as raízes desse pensamento intolerante que, contribuiu para a
persistência de políticas discriminatórias por parte do Estado brasileiro, instigando violências
físicas e simbólicas. Essas imagens possuem potencial como fontes históricas, colaborando com
a reconstituição de estigmas e preconceitos que povoam o imaginário coletivo. É a partir das
problemáticas do tempo presente, da persistência de discursos racistas, mesmo que tenham uma
nova roupagem, que a autora lança seu olhar sobre o passado, a partir da (re)leitura dessas
imagens, observando as metáforas e analogias, colhendo informações nas entrelinhas, nas
omissões e deformações visuais e textuais, conforme os estudos de Boris Kossoy (2014). Essas
imagens como fontes históricas das intolerâncias que persistem não podem servir como meras
ilustrações nos estudos imigratórios.

Nessas imagens, o imigrante é interpretado como o “outro”, objeto de avaliações


superficiais que culminam em ódio e repulsa. Com efeito, a autora identifica evidências do uso
de ideias do pensamento eugenista que inspirou práticas discriminatórias através dessas
imagens. Os valores e a autopercepção do homem civilizado europeu estão diretamente
associados à construção dessas imagens que materializam o preconceito racial. Assim, essa
mentalidade intolerante moldou a produção de imagens estereotipadas de chineses, japoneses,
portugueses, ciganos, negros e judeus, todos apontados como elementos perigosos para a
composição da população brasileira. Assim, o governo brasileiro para garantir a ocupação de
espaços considerados vazios e o branqueamento da população, estimulavam a imaginação
coletiva com a ideia do “trabalhador ideal”.

Durante a era Vargas, o governo colocou em prática uma vergonhosa política


imigratória, claramente racista e intolerante, ao vetar concessão de vistos aos judeus, ciganos,
negros e japoneses. A ideologia do trabalho, o “trabalhismo”, foi movimentada por uma
mentalidade intolerante e seletiva etnicamente e ideologicamente. O discurso racista
transformava minorias em seres indesejáveis e indigestos para a construção da raça e da
brasilidade. Por outro lado, era incentivado a entrada de “bons” imigrantes, todos aqueles que
estavam estabelecidos em critérios aceitáveis de etnia e ideologia. Assim, as correntes
imigratórias não poderiam estar comprometidas com doutrinas exóticas e corrosão social, traços
que pertencem às representações estereotipadas dos “indesejáveis”.

E como era feito esse controle imigratório? Inicialmente, no exterior, através de


estratégias do Itamaraty que fazia circular normas de controle de forma secreta entre 1937 até
1953, o que ocasionou graves consequências para refugiados políticos, imigrantes que ficavam
sem conseguir um refúgio seguro. Foi o Ministério da Justiça e dos Negócios Interiores do
Brasil o órgão responsável pelo controle da comunidade de refugiados. A autora argumenta que
o ministério atuava por meio do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) existente
nos estados, como o Departamento Estadual de São Paulo, o Deops/SP.

Registro em prontuários, fichamentos, prisões e expulsões. A investigação sistemática


do aparelho repressor do Estado de grupos humanos e ideologias consideradas “degeneradas”
e “perniciosas” comprovam a violação dos direitos fundamentais.

A autora pesquisou documentos oficiais de diplomatas, assim como nos arquivos da


polícia política brasileira em busca de fontes para reconstituir a ideologia do etiquetamento do
governo brasileiro. O etiquetamento estava fundamentado numa lógica da desconfiança. Dessa
forma, tanto as autoridades diplomatas quanto as policiais tinham o mesmo objetivo, que era
“purificar” a sociedade das ideias “malditas” e das “raças indesejáveis”, através de teorias
científicas, o suspeito era classificado para em seguida ser investigado, em busca de indícios
que pudessem comprovar a perniciosidade que motivavam essas pessoas.

O cruzamento entre variadas fontes, juntamente com o exame de iconografia vinculadas


na imprensa possibilitou recuperar alguns elementos que conformam a lógica do raciocínio
dessas autoridades. Em particular o imigrante ou refugiado judeu, essa lógica os representa
como desumano, imoral e violento, imagem reforçada pela fotografia ou pela charge que lhes
dava forma. Das variadas humilhações, a ação de arrancar fotografias de álbuns de família e
inseri-las em prontuários e dossiês para ilustrar a versão das autoridades é exemplar dos
métodos de repressão policiais.

O estudo sobre o perfil de refugiados judeus do nazismo através das Fichas Consulares
de Qualificação possibilitou identificar a formação de redes de solidariedade de imigrantes com
nacionais. Assim, o exame desses documentos revelou a coexistência de dois mundos, um
visível e “real”, e outro clandestino e “recluso”. A criminalização dos ilegais, embasada no
etiquetamento dos imigrantes judeus, os culpabilizava pela infração, o que os torna, quando
reincidentes, em “reféns do próprio passado”.

A autora insere seu estudo no campo da história cultural, lugar onde arte e política se
prestam como ferramentas para identificar e comparar diferentes visões de mundo diante o
mesmo tema, no caso do presente trabalho, de como foi construída a figura do imigrante
indesejável e visto como um “outro”. A imagem que persiste do imigrante judeu é de um
parasita que vive do trabalho alheio, revolucionário, comunista, articulador de conspirações
para controlar o mundo ou, conforme a ambivalência das representações estereotipadas sobre
os imigrantes, como é o caso dos japoneses que ora são representados como trabalhadores
disciplinados, ora como indolentes e falsos.

Parte significativa do fluxo imigratório para o Brasil ocorreu durante a diáspora política
ao longo do século XX, sobretudo no pós-Primeira Guerra Mundial. O discurso racista era
construído de forma a culpabilizar o “outro”, seja o negro, o japonês ou o judeu, pelo atraso,
por falta de compromisso com a nação, ou por promoverem a guerra. Todos esses elementos,
portanto, eram nocivos à sociedade e deviam ser rigorosamente reprimidos. Essa identidade
atribuída aos imigrantes estava profundamente inspirada nos ideais de superioridade das teorias
racistas importadas do velho continente. Assim, ilustradores de periódicos nacionais muitas
vezes vinculavam valores racistas em caricaturas de humor e política, o que reforçava a
xenofobia e o racismo no Brasil.

Tucci Carneiro observa que é no contexto das grandes produções de café entre o final
do século XIX e início do XX, em particular no estado de São Paulo, que se consolida o discurso
oficial e científico sobre o imigrante. Ainda nos anos 1878, durante o Congresso Agrícola,
prevaleceu nos discursos a imagem do Brasil como uma nação branca e civilizada, o que
fundamentava uma política imigratória seletiva, desencadeando uma série de mobilizações
intelectuais sobre questões raciais, políticas, econômicas, conhecido como a “questão chinesa”
(1879).

As mudanças sociais e políticas ocorridas entre 1888 e 1889 com a Abolição do trabalho
escravo e a Proclamação da República deram força para a política de imigração, o que revelou
o ideal racista do branqueamento como parte do projeto étnico e político do estado brasileiro.
Os regulamentos de imigração reforçavam a preferência por pessoas aptas ao trabalho, visando
o trabalho urbano e industrial. Assim, o modelo ideal do “bom trabalhador” estava ancorado na
imagem do trabalhador branco e europeu, mais assimilável e com valores culturais aproximados
aos brasileiros.

De acordo com o levantamento da pesquisa, O incentivo a vinda de trabalhadores


estrangeiros para o país estava condicionado a um modelo de imigrante que estivesse disposto
a se assimilar e integrar com a sociedade nacional. O Estado brasileiro não estava interessado
em comunidades de imigrantes que desejavam preservar a sua identidade étnica e política. Com
efeito, a imigração ganhou espaço na discussão política e científica, sendo avaliada como um
problema étnico e político, foi rotulado como “questão”: questão chinesa, questão japonesa,
questão judaica.

Os imigrantes eram bem-vindo desde que estivessem dispostos a se assimilarem,


atendendo as regras impostas por uma elite ordenadora, que fundamentava os atos legais e
ilegais de exclusão a partir de visões raciais, políticas e religiosas, que reforçavam a negação
dos valores de grupos distintos, pois a ideia era a de que o grupo dominante, a elite ordenadora,
garantiria valores positivos para os seus membros. Em suma, o uso de um discurso nacionalista
que defendia um projeto imigratório que garantisse bons trabalhadores, ocultava uma
ambivalência de objetivos quando fundamentava esse ideal do imigrante em teorias racistas e
de supremacia dos povos brancos, cristãos e ocidentais.

O projeto de modernidade anunciado entre os séculos XIX e XX, em particular pela


burguesia cafeeira, caminhava lado a lado com estruturas jurídicas atrasadas e instituições que
datavam o período colonial. Uma vez que essa elite passou a circular uma multiplicidade de
discursos sobre a questão imigratória instigou conflitos entre diferentes projetos, em meio a
uma sociedade ainda baseada em valores racistas.

Em vista desse cenário, as revistas ilustradas tiveram o papel de moldar a opinião


pública sobre o imigrante. Fotografias, charges políticas e artigos sobre “conhecimentos úteis”
transformaram esse tipo de impresso em fontes de estudos da imigração. A saber, a edição de
álbuns fotográficos comemorativos na segunda metade do XIX fazem propaganda de um país
fantasioso, um paraíso tropical, colaboravam na transmissão de uma ideia de um Brasil
moderno e aberto aos trabalhadores imigrantes. Revistas ilustradas e cartões-postais também
colaboravam para oficializar a imagem de harmonia e progresso urbano. Essas estratégias
estavam em sintonia com as elites agrárias e industriais que buscavam adaptar-se ao novo
contexto do mercado internacional.
A autora considera que o projeto étnico-político defendido pelo governo Vargas,
inspirado em teorias racistas e nazifascistas da higienização da raça, manteve a noção de coesão
racial, um conceito herdado das teorias eugenistas do final do século. No entanto, a constituição
de 1934 ainda mantinha uma política de aparências, sustentado pelos mitos da democracia racial
e do homem cordial brasileiro. Foi nesse contexto que a primeira circular secreta foi aprovada,
estabelecendo o auge do antissemitismo político implantado por Vargas.

Com efeito, foram acionados mitos políticos para justificar os atos de repressão contra
minorias étnicas “indesejáveis”. Essas teorias sustentaram o debate sobre qual a melhor raça
para compor o povo brasileiro, e qual tipo étnico deveria ser incentivado a emigrar para o Brasil.
Durante os anos 1930 e 1940, a intensa campanha nacionalista, anticomunista e xenófoba serviu
para encobrir valores racistas e antissemitas das elites políticas brasileiras. As práticas
autoritárias e repressoras do governo Vargas estavam, dessa forma, encobertas pelo slogan
político “promover o homem brasileiro e defender o desenvolvimento econômico e a paz social
do país”.

Em síntese, por mais de meio século, intelectuais e políticos brasileiros defenderam a


ideia de que os imigrantes deveriam apagar seus vínculos de origem e renovarem suas
identidades. Essa assimilação e integração nacional favoreceu a miscigenação acelerada a partir
dos anos 1930, o que serviu como elemento na construção do imaginário da democracia racial
no Brasil. No entanto, os registros deixados pelas autoridades que regulamentavam o fluxo de
imigrantes no Brasil e controlavam os estrangeiros radicados em território nacional demonstra
que nem sempre esses imigrantes atendem ao modelo de cidadão idealizado pelo Estado
nacional, sendo representados de forma desumanizada, como aconteceu com a imagem do
judeu.
TEXTO 20. FERREIRA, Marieta de Moraes & SARMENTO, Carlos Eduardo. “A
República brasileiras: Pactos e rupturas.” In. GOMES, Ângela de Castro, PANDOLFI, Dulce
Chaves & ALBERTI, Verena (orgs). A República no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira e
CPDOC, 2002.p.463-473.

A autora Marieta de Moraes Ferreira tem doutorado em História pela Universidade


Federal Fluminense (1991) e Pós-doutorado pela École des Hautes en Sciences Sociales (1997)
e pós-doutorado pela Universidade de São Paulo (2011). Pesquisadora e professora titular do
CPDOC/FGV (1978/2012) e editora da Revista Estudos Históricos (1992/1998). Atualmente é
coordenadora do programa FGV Ensino Médio; Diretora executiva da Editora FGV. Tem
experiência na área de História, com ênfase em História do Brasil República, atuando
principalmente nas seguintes áreas: historiografia, história oral, história política, história do Rio
de Janeiro, ensino de História, entre outros.
O autor Carlos Eduardo Sarmento possui graduação em Bacharelado em História pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro (1993), mestrado em História Social pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro (1996) e doutorado em História Social pela Universidade Federal do
Rio de Janeiro (2002). Atualmente é pesquisador da Fundação Getúlio Vargas-RJ e Membro de
corpo editorial do Leonardo Pós (Santa Catarina). Tem experiência na área de História, com
ênfase em História do Brasil. Atuando principalmente nos seguintes temas: política, Rio de
Janeiro, clientelismo, imprensa.
Os pesquisadores revelam que existiu um chamado pacto negociado dos anos 1930 e
que houve o chamado golpe do Estado Novo.
Para isso, identificam que devido a grande diversidade que caracterizava as forças
políticas no início da década de 1930, pode-se esquematicamente dois projetos distintos de
organização do Estado: uma proposta corporativista e centralizadora, e outra liberal-federalista,
e que de um lado colocavam-se Vargas, os tenentes e os grupos oligárquicos de menor expressão
política, em grande parte do Norte e do Nordeste, e de outro, as oligarquias regionais mais
poderosas do Sul e do Sudeste, que lutavam para reconquistar sua autonomia.
Apontam que os partidários da proposta centralizadora consideravam muito arriscado
ampliar a participação política, com a formação de partidos e a realização de eleições diretas
em todos os níveis, e que para eles, a população brasileira, ainda desorganizada, permanecia
sob o controle das oligarquias regionais e, consequentemente, sem condições de atuar de
maneira efetiva no processo de organização do país, e que essa tarefa modernizadora deveria
caber às novas elites, que, através de um Poder Executivo forte e não comprometido com os
interesses diretos das antigas oligarquias regionais, se encarregariam de promover as reformas
necessárias para absorver as forças emergentes atender às demandas sociais da classe
trabalhadora; já em contrapartida, as forças oligárquicas do Sul e do Sudeste tinham como
bandeira básica o respeito ao federalismo, o que em última instância significava a manutenção
de seus esquemas de poder regionais, ainda muito bem articulado.
Mostram que, temerosas, as forças políticas vinculadas a Vargas montaram estratégicas
para minimizar o poder dessas oligarquias, e que entre elas, em destaque, estava o Código
Eleitoral de 1932, que estabeleceu a Justiça Eleitoral e o voto secreto; mas que, apesar disso,
vários avaliadores insistiam que as práticas coronelistas continuavam muito fortes, e que o
poder de manipulação dos processos eleitorais, e que para neutralizar essa e ampliar a
representação de novos atores políticos, foi prevista, já na Constituinte, uma bancada de
deputados eleita diretamente pelos sindicatos oficiais de empregados e empregadores,
conhecidos como deputados classistas; e que os demais constituintes seriam eleitos pelo voto
popular direto, como o foram, apoiados por partidos regionais reorganizados para a ocasião.
Os autores enfatizam que a Constituinte, instalada em 15 de novembro de 1933, deveria
servir para a construção de um novo pacto político que harmonizasse os interesses dos
principais grupos em conflito e permitisse a emergência de um novo modelo de Estado.
Definem que as forças políticas que defendiam uma proposta centralizadora e
corporativista foram vitoriosas ao ampliar o poder intervencionista do Estado, principalmente
em assuntos econômicos e sociais, ao manter a representação de classes e ao garantir um novo
mandato para Vargas, eleito de maneira indireta pela Constituinte para governar o país até 1938;
contudo, autores afirmam que a Constituição de 1934 também reafirmou os princípios básicos
do federalismo, garantido aos estados e às suas elites políticas muito da autonomia perdida em
1930.
Os autores afirmam que o clima político de meados da década de 1930, foi de crescente
radicalização e mobilização; e que as massas urbanas pressionavam por meio de greves e
manifestações, criando uma polarização do quadro político entre direita e esquerda, e que a
criação da Ação Integralista Brasileira (AIB), em 1932, e da Aliança Nacional Libertadora
(ANL), em 1935, expressam bem esse contexto.
Os pesquisadores dizem que, pouco a pouco, a Constituição de 1934 foi sendo
desrespeitada pelos próprios governantes, e os princípios autoritários foram ganhando espaço;
e que Vargas sagazmente manipulava as fragilidades e os temores das diferentes forças políticas
e construía uma rede de apoio civil e militar para sustentar o projeto centralizador que
acalentava; e que alguns instrumentos foram utilizados para isso, como a aprovação da Lei de
Segurança Nacional, em 1935, que fora usada para o fechamento da sede da ANL na capital
federal, a prisão de várias de suas lideranças, no que houve resistência de um levante armado,
promovido pelos membros da ANL que acabou por provocar um endurecimento do regime; e
que de imediato Vargas conseguiu aprovar no Congresso a decretação de estado de sítio, que
concedeu poderes excepcionais ao chefe do Executivo; e com isso, o presidente se fortaleceu e
o equilíbrio dos poderes da República ficou comprometido.
Os autores demonstram que a submissão do Congresso ficou clara com a criação de três
emendas constitucionais: a primeira criava a figura jurídica do estado de guerra interna, a ser
declarado em caso de subversão das instituições; a segunda permitia a cassação dos militares
envolvidos em atos subversivos; e a terceira permitia a demissão de funcionários civis nas
mesmas condições, sem prejuízos dos processos penais; e que teve como exemplo a prisão do
dirigente do Partido Comunista do Brasil (PCB), Luís Carlos Prestes, e que foi um pretexto para
a decretação de estado de guerra, em 21 de março de 1936; quando Vargas deu assim um passo
decisivo para a consolidação de um regime de exceção, não se furtando a demonstrar os poderes
praticamente irrestritos que passara a deter.
Paralelamente a todos esses acontecimentos, Marieta Ferreira e Carlos Sarmento,
discorrem que desenvolvia-se a campanha presidencial, já que as eleições estavam marcadas
para janeiro de 1938; Vargas declarava que respeitaria o resultado das urnas e deixaria a
presidência ao final do mandato para o qual fora eleito, enquanto publicamente assumia tal
postura, reunia-se com auxiliares e autorizava Francisco Campos, seu futuro ministro da Justiça,
a preparar um novo texto constitucional para o país, inspirado nas experiências fascistas
europeias.
Os autores sinalizam que no mês de junho de 1937, o Congresso entendeu que o perigo
da radicalização havia sido dissipado e rejeitou o pedido de governo de prorrogação do estado
de guerra, em vigor desde abril do ano anterior; por outro lado, o governo concedeu anistia a
alguns presos políticos; o ambiente parecia desanuviar-se. Contudo, no dia 30 de setembro de
1937, o governo divulgou o texto do chamado “Plano Cohen”, documento contendo detalhes
sobre a articulação de um golpe comunista no Brasil - só mais tarde a falsidade do documento
viria à tona, tendo como capitão Olímpio Mourão Filho, militante da AIB, assumindo a autoria,
explicitando que a intenção da farsa fora fornecer munição política para um golpe de força - no
que fez com que a Câmara dos Deputados aprovasse o retorno de estado de guerra.
Os pesquisadores finalizam explanando que toda essa estratégia de intimidação
cuidadosamente preparada propiciou as condições para que o golpe desferido no dia 10 de
novembro de 1937 fosse um golpe “silencioso”, Vargas autorizou as tropas militares a cercar e
fechar as sedes do Senado e da Câmara dos Deputados e, em pronunciamento transmitido pelo
rádio, decretou o fim do regime baseado na Constituição de 1934 e a outorga de uma nova Carta
à nação; e que apesar dos protestos efêmeros de alguns opositores, como Pedro Aleixo,
presidente da Câmara dos Deputados, o golpe foi aceito como fato consumado.
Marieta Ferreira e Carlos Eduardo Sarmento concluem que o regime inaugurado em 10
de novembro de 1937, conhecido como Estado Novo, não deve ser entendido como um
desdobramento natural de um processo iniciado com a Revolução de 30; mas que sua
implantação foi o resultado de muitas lutas travadas entre forças políticas que defendiam
projetos distintos.

CONCLUSÃO

As autoras dos textos analisam a persistência de políticas autoritárias e excludentes,


como a criação da Lei de Segurança Nacional (1935), Tribunal de Segurança Nacional (1936)
e a implementação da polícia política brasileira, o Departamento de Ordem Política e Social -
Dops, dentre outros órgãos fundamentais no policiamento, repressão e no controle de grupos e
indivíduos. As autoridades do governo brasileiro durante a era Vargas justificavam a exclusão
e o controle de imigrantes em território nacional através do filtro de teorias raciais do século
XIX. Assim, se faz necessário problematizar a concepção normalmente aceita do Estado Novo
varguista apenas como sinônimo de um estado inovador e moderno, muito comum na cultura
escolar. Essa noção equivocada estabelece o Estado Novo como um desdobramento natural da
Revolução de 1930, um estado em oposição ao regime da Primeira República, nomeada desde
então de forma depreciativa como a República Velha. Em síntese, os textos se complementam
por apresentarem elementos que se configuram como medidas abusivas do projeto político de
Getúlio Vargas, assim como examinar alguns impactos sociais e culturais da ideologia do
governo.

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