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RESUMO: O presente artigo analisa o discurso constituído sobre as relações raciais no século
XIX no Brasil, tendo como foco principal a produção teórica do pensador e médico maranhense
Raimundo Nina Rodrigues e sua concepção acerca das “Raças humanas”. Nina Rodrigues é
apresentado a partir de seus alinhamentos teóricos e sua ocupação institucional, baseando-se no
fato de que sua produção não é neutra, mas localiza-se às injunções do momento, a interesses
políticos e ao próprio estado da ciência do período em que vive. O contexto histórico em que
elabora seus estudos é marcado por fenômenos que integram o projeto de formação do Brasil
enquanto uma nação moderna: a abolição da escravatura, a proclamação da República e a
marcante presença da população não-branca em território brasileiro. Um campo formado por
intelectuais, no qual Nina Rodrigues é também integrante, esboçará teorias explicativas que
expunham, de modo geral, a preocupação com a viabilidade de tal projeto atrelado à posição dos
negros, estes entendidos como empecilhos ao desenvolvimento nacional. De modo específico,
Nina articula seus estudos para além de um discurso médico-legal, inserindo-o em um cenário
de construção das ciências sociais. Assim, através da análise do discurso, buscou-se esboçar o
projeto criador deste autor, descrevendo sua condição de emergência, os pontos principais de
sua teoria e os diálogos com outros autores e temas comuns.
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Trabalho apresentado na 29ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de
agosto de 2014, Natal/RN.
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Mestre em Ciências Sociais/ Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais, na Universidade Federal
do Maranhão/UFMA.
Sua trajetória profissional obedeceu à várias incursões institucionais,
ocupou cargos e se destacou nos temas relacionados à medicina legal, antropologia,
direito, psicologia e sociologia. Contribuiu com artigos para a revista Gazeta Médica e
em 1889 ocupou a cadeira Clínica Médica na Faculdade de Medicina da Bahia. Nos
seus primeiros textos utilizou expressões como “etnologia”, “economia étnica”,
“antropologia patológica” para evidenciar sua preocupação com uma classificação racial
da população maranhense e também nacional. Trabalhou na intersecção de saberes
médicos na área jurídica. É tido, ainda, como “o pai fundador dos estudos afro-
brasileiros” pelos seus estudos sobre religião, genealogia e mitologia (FERRETI, 1999,
p. 23) e neste campo seus trabalhos são apresentados como uma leitura indispensável
embora quase sempre a referência se faça pela necessidade de corrigi-lo ou “atualizá-
lo”.
Entre as várias questões que podem ser identificadas em suas obras, a
presença do negro no Brasil é um ponto que ocupou suas análises. Marize Corrêa,
estudiosa de Nina, afirma que a produção teórica dele é “[...] obrigatoriamente citada
quando se trata de analisar as relações afro-brasileiras no país e, também, o estranho
caso de um pensador famoso cuja obra é praticamente desconhecida de grande parte dos
pesquisadores brasileiros” (CORRÊA, 2001, p. 62).
Esta mesma autora apregoa que além do desconhecimento, alguns estudos
têm o identificado a partir de um perfil monolítico que o decreta meramente como
racista, esquecendo-se do fato de que aquele que escreve está vinculado com os
diálogos, leis e interpretações de seu tempo.
Assim, dentro de um universo de possibilidades de análise, o objetivo deste
trabalho é perceber, por um lado, como a produção teórica de Nina Rodrigues emerge
em um contexto configurado por relações, tensões e hierarquias, onde a presença dos
“outros” (negros e miscigenados) foi o foco principal dos debates travados pelos
“estabelecidos” (os dirigentes que sonhavam com uma nação nos moldes europeus
civilizatórios). E, por outro lado, como os seus estudos situam-se num momento de
gênese das ciências sociais, onde as explicações sobre relações sociais complexas
sofrem a influência do protagonismo explicativo das ciências naturais e exatas.
Justifico esta proposta como uma contribuição ao espaço de análise que tem
se preocupado com a construção, ou reconstrução, teórica da realidade sócio-cultural
brasileira: o campo do Pensamento Social Brasileiro, o qual refere-se ao estudo das
temáticas, concepções, tradições sociais, culturais e políticas e de uma vasta gama de
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problemas e discursos que marcam a história do país e que, ao serem retomados e
analisados, contribuem para enfatizar uma concepção de processo histórico-social e a
perspectiva teórica e metodológica sustentadas pelos distintos autores representantes
destes momentos (BOTELHO, 2009).
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Sobre o sentido moderno de nação: uma comunidade imaginada (ANDERSON, 2008) constituída
através de uma ação política e discursiva (HALL, 2002) que unifica culturalmente e ideologicamente,
vinculando os grupos étnicos ao território (GUIBERNAU, 1997).
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discurso de uma nação moderna? Contra os prognósticos negativos à nação brasileira
teses, estudos e pesquisas surgirão como forma de “solucionar” tal problema.
A resposta a estas questões receberá influência de fora do país. Em um
esforço de adaptação, as teorias racistas europeias serão absorvidas de forma seletiva e
fornecerão as bases para a construção de um discurso nacional (SCHWARCZ, 1993).
As teorias racistas podem ser definidas como constructos de um momento
específico da história ocidental, quando a percepção da diferença entre os homens torna-
se tema constante de debate e reflexão. Posteriormente serão bastante criticadas;
principalmente por apresentarem um olhar etnocêntrico sobre o restante do mundo e,
ainda, por atribuir estágios comuns aos diferentes grupos étnicos e culturais,
desconsiderando as especificidades dos mesmos4. Mesmo mostrando fragilidade,
quando caem em descrédito na Europa estas passam a exercer forte influência no Brasil,
encontrando uma ampla acolhida e difusão entre os intelectuais brasileiros, espalhados
em alguns centros de conhecimento do território.
SKIDMORE (2012) sistematiza as teorias racistas a partir de três escolas: a
primeira é chamada de etnológico-biológica, onde predominavam as medições
fisiológicas e craniológicas e classificações taxonômicas, que resultaram em um
gabinete de curiosidades e coleções. Era o momento científico de fundação de uma
Antropologia profissional. A segunda escola, Histórica, representando o pensador
Gobineau que utilizava evidências históricas para mostrar que a raça branca tinha
alcançado um grau de civilização e superioridade. O culto do arianismo também é
característico desta perspectiva. Por fim, a escola do darwinismo social, que apresentou
a diferença entre as raças como essencial e permitiu a criação de um diagnóstico de
submissão entre tipos raciais.
Tais teorias refletiam também o estado da ciência social da época: o
momento de busca da consolidação como um campo de saber científico. A antropologia
e a sociologia, bem como outras áreas afins, nascem impregnadas e influenciadas pelos
modelos de explicação das ciências exatas e biológicas. Portanto, era comum o emprego
de termos tais como “leis”, “organismo”, “função”, “seleção”, “raça”, etc. entre os
primeiros estudiosos sociais que buscavam entender a origem do social, da diversidade
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Carlos Moore (2007) considera, no entanto, que o fenômeno do racismo é bem mais antigo do que se
pensa, não estando vinculado somente à escravização dos africanos, à expansão do capitalismo, à
Modernidade. Na Antiguidade o racismo, embora não nomeado neste termo, sempre foi uma realidade
social e cultural pautada exclusivamente no fenótipo, antes de ser um fenômeno político e econômico
pautado na biologia.
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cultural do mundo e, ainda, as explicações para os fenômenos que inauguram a
modernidade (colonialismo, capitalismo, revoluções etc.).
O Brasil, um país dependente, produto da colonização e um dos últimos a
manter o regime escravista, foi considerado um solo fértil para a comprovação destas
teorias e, principalmente, para a (re)invenção de uma inferioridade para o negro.
Neste aspecto, a atuação dos institutos e museus, bem como das faculdades
de Medicina e Direito, concentrados em algumas regiões do país ocuparam papel
fundamental. De acordo com SCHWARCZ (1993), por exemplo, os museus
etnográficos de Belém, São Paulo e Rio de Janeiro faziam ampla utilização de
argumentos evolucionistas para explicar cientificamente as diferenças, classificá-las e
localizar os pontos de atraso. Partindo dos modelos das ciências naturais, esses
pesquisadores buscavam uma ponte entre as espécies botânicas, zoológicas e a
humanidade.
É destes espaços, portanto, que faziam parte intelectuais, escritores,
advogados e médicos, intelectuais considerados “homens de sciencia” e de "poder
ideológico", responsáveis pelas mentes, pela produção e transmissão de ideias, de
símbolos, de visões de mundo, de ensinamentos práticos, mediante o uso da palavra"
(Bobbio, 1997, p. 11).
E um aspecto que se destaca, em específico, é que a imagem do médico e do
advogado se confundia com a do cientista social, isto porque que os profissionais desta
área eram considerados como intelectuais de intervenção social. A sociedade era,
portanto, concebida como um corpo doente, sob o qual médicos, juristas e teóricos
teriam a missão de dar diretrizes para levá-lo à “sanidade”.
Alguns nomes que contribuíram e destacaram-se na missão de erigir um
discurso nacional foram Silvio Romero, Manuel do Bonfim, Alberto Torres, João
Batista Lacerda, Oliveira Viana, Euclides da Cunha, José de Alencar, Nina Rodrigues,
dentre outros. Apesar de apresentarem pontos de vista diferentes, estes autores
dialogavam por acreditar na inferioridade das raças não brancas e na degenerescência do
mestiço (MUNANGA, 2008).
Nina Rodrigues fez parte de dois centros que se destacavam no país, o da
Bahia e o do Rio de Janeiro, o que mostra suas influências. No primeiro centro, a Escola
tropicalista Bahiana, inicialmente predominaram temas ligados às epidemias que
assolavam Salvador e posteriormente temas da antropologia criminal. Já no segundo
centro, Rio de Janeiro, a pesquisa envolverá assuntos relacionados à higiene pública e às
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descobertas de doenças. Nos dizeres de Schwarcz (1993) estas duas escolas poderiam
ser resumidas, respectivamente, nos termos “medicina criminal” e “medicina tropical”.
De acordo com Maio (1995) a Escola Tropicalista Bahiana, assim
denominada, era uma articulação de médicos que, sintonizados com o conhecimento
científico internacional, lutaram pela afirmação da singularidade brasileira no terreno
das pesquisas das doenças tropicais. Foi no âmbito desta escola que fundou-se a revista
“Gazeta Médica da Bahia”, a qual veio a se constituir a principal revista científica de
medicina da época e onde Nina Rodrigues publicou seus diversos artigos.
Uma das influências dos médicos integrantes da escola bahiana eram os
métodos da escola positiva italiana, cujo grande teórico foi Cesare Lombroso que
buscou, através da etnologia, identificar o crime como um comportamento normal entre
as “raças inferiores”. Escreveu a obra “O homem delinquente”, com o objetivo de
mostrar como a criminalidade é um fenômeno inato e hereditário, decorrente do
processo evolutivo dos criminosos. Isto significava que a criminalidade estava ligada à
constituição biológica do ser humano (GOLD, 1991).
Assim, os médicos baianos consideravam a miscigenação, por princípio, um
retrocesso, uma degeneração. Utilizavam os exemplos de embriaguez, alienação,
epilepsia, violência ou amoralidade entre os mestiços para comprovar suas teses.
Como porta-vozes, os intelectuais, incluindo Nina Rodrigues, buscavam
através dos seus estudos “melhorar o Brasil”. Teorias foram propostas, à exemplo do
branqueamento, aceito por grande parte destes estudiosos, que inferia um processo
evolutivo de “purificação” do sangue africano através da suposta superioridade do
branco. O branqueamento teve efeitos não somente simbólicos nas relações cotidianas
(casamentos de negros com brancos), mas ainda consequências políticas tal como o
incentivo à entrada de estrangeiros no país.
Nina Rodrigues, ao contrário, não compartilhava nos pormenores desta ideia
de melhoramento do negro. Acreditando na inferioridade atávica deste, propunha um
outro modo de tratar a diferença racial.
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O autor utilizava-se da hipótese poligenista, segundo a qual haveria várias
espécies humanas no planeta, e do “evolucionismo social”, para afirmar que a adaptação
é um dos fatores para se compreender as diferentes fases em que se encontram as “raças
humanas”. Esses alinhamentos teóricos mostram como o autor construía seu argumento
partindo das “concepções científicas modernas” para atacar o que chamada de
“concepções espiritualistas”, as ideias utilitaristas liberais.
Dialogando com o evolucionismo rejeitando algumas das suas premissas:
concebia a oposição quase insuperável entre “raça superior” e “raça inferior”. Mas
negava os princípios que acreditava na perfectibilidade humana.
Assim filiou-se ao determinismo que ditava a existência de raças estanques,
impassíveis de desenvolvimento social e mental. Através da crença nas leis da natureza,
afirmava que a “evolução mental” dos povos estava condicionada às leis de
desenvolvimento de natureza orgânica, guiada pela evolução do “reino animal”.
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Tomava como exemplo também as chamadas “civilizações bárbaras
brilhantes”, como definia os povos que viviam no Peru e no México, que
“desappareceram totalmente na cocurrencia social com a civilisação européia, muito
mais polida e adiantada” (NINA RODRIGUES, 1938, p. 49).
Atribuía o insucesso da política de conversão e civilização dos índios no
Brasil também à “incapacidade orgânica dos aborigenes para a adaptação social” (NINA
RODRIGUES, 1938, p. 49).
Nesses exemplos de contato entre “civilizações”, termo que remete ao
discurso etnocêntrico, as diferenças entre os povos sempre demonstravam, conforme o
autor, a superioridade da civilização branca. As populações não brancas pareciam ao
médico um obstáculo à universalização de princípios liberais e para a consolidação de
uma nação no sentido moderno.
O raciocínio de Nina Rodrigues levava à resolução da seguinte equação: se
a ciência havia demonstrado a inexistência de um substrato comum em todas as raças
humanas, isto significava que as “raças” eram diferentes. Sendo essa diferença de ordem
biológica, ela impedia que uma “raça inferior” alcançasse uma “raça superior” de forma
rápida.
Os negros e mestiços eram os principais alvos e sobre estes últimos, o autor
condenava a mestiçagem. Os mestiços careciam de unidade antropológica, isto é,
estavam em meio termo. De acordo com SCHWARCZ (1993), Nina Rodrigues destaca
que as raças puras estariam ameaçadas de desaparecimento, por oposição ao
“mestiçamento” gradual da população brasileira, que tenderia a crescer.
Por isso mesmo, duvida da unidade étnica, presente e, sobretudo, futura,
pretendida por muitos outros pensadores do momento e considera pouco provável que a
raça branca viesse a predominar no Brasil. Em uma de suas passagens afirma:
[...] Nestes casos de cruzamento acaba sempre por dar nascimento a produtos
evidentemente anormais, impróprios para a reprodução e representando na
esterilidade de que são feridos, estreitas analogias com a esterilidade terminal
da degeneração psíquica. (RODRIGUES, 1938, p. 132)
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cruzamentos entre as raças humanas distintas não levassem a formação de indivíduos
fisicamente híbridos, a mestiçagem entre as raças levaria a certa forma de hibridismo
moral que já os tornava degredados quando comprados às raças consideradas puras
(RODRIGUES, 1938).
Continuando sua argumentação passa, então, a criticar o Direto, o qual
estaria envolto de “concepções metafísicas”, no terreno mais específico do direito penal
clássico:
Então eles se poderão conter pelo temor do castigo e receio da violência, mas
absolutamente não terão consciência de que seus atos possam implicar a
violação de um dever ou o exercício de um direito, diverso daquilo que até
então era para eles direito e dever. A dificuldade real está toda em avaliar a
responsabilidade do índio e do negro já incorporados à nossa sociedade,
gozando dos mesmos direitos e colaborando conosco com a civilização do
país (RODRIGUES, 1938. P. 114).
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antepassada dos negros brasileiros, considerada selvagem e bestial. Neste ponto, cabe a
ressalva que a busca por esta tendência o leva também para o campo da psicologia, com
a tentativa de compreender a linguagem, os costumes, as artes daqueles estrangeiros da
sua terra mesmo que de forma a mostrar evidências para o comportamento desviante.
(CORRÊA, 2001).
Continuando sua crítica sobre o Direito, o pesquisador demonstrou que as
“variações raciais” implicavam em diferentes critérios na definição de crime, portanto,
não sendo possível aplicar um único critério, no caso o livre-arbítrio, para definir a
responsabilidade penal:
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Gabriel Tarde (Criminalité Comparée e Philosophe pénale ) e Rafaelle Garofalo (La
Criminologie).
Observa-se neste ponto, também, a aproximação de Nina Rodrigues com as
concepções de Cesare Lombroso, o qual apresentou em seus estudos a necessidade de
uma criminologia para cada povo. Utilizou a teoria de Lombroso para explicar casos
como o de Lucas da Feira, por exemplo, e melhor elucidar as teses trabalhadas neste
livro.
As teses apontadas no início do livro servem, portanto, como uma conclusão
antecipada, a qual aponta para o impacto das raças humanas na responsabilidade penal
brasileira.
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apenas copiando modelos dos “povos civilizados à europeia” e não atentado para as
especificidades locais.
A necessidade de um código penal, que considerasse o “momento
antropológico” dos indivíduos em sociedade, é colocada por Rodrigues, uma vez que o
legislador brasileiro, por se cercar de “recapitulação abreviada” dos evolucionistas e
criminalistas, criou benefícios e regalias a todas as raças, considerando-as iguais. O
código penal, portanto, deveria avaliar e identificar racialmente os indivíduos,
penalizando-os em conformidade às suas características mentais.
A ausência prática de uma classificação racial, de acordo com estatísticas
levantadas pelo autor, demonstraria que o código penal brasileiro tinha a finalidade de
“levar à penitenciária qualquer raça brasileira indistintamente” (RODRIGUES, 1938).
Assim, o autor chama a atenção para a singularidade da realidade brasileira,
caracterizada pela heterogeneidade racial. Discute “o Brasil antropológico e étnico”,
segundo seus próprios critérios, destacando a composição étnica e sua distribuição
climática e geográfica.
Ao afirmar que o direito nacional é ausente da discussão sobre os
“elementos antropológicos” envolvidos penal e criminalmente, o autor propõe a
seguinte divisão dos grupos raciais presentes na sociedade brasileira: raça branca, raça
negra, raça vermelha, mestiços5.
Pode-se concluir que a apropriação de teorias deterministas raciais por Nina
Rodrigues também tinha basicamente a mesma função dos seus contemporâneos: a
justificação das desigualdades raciais no século XIX, após a abolição e o advento da
República. Ele procurou construir um discurso autorizado através da ciência médica,
posicionando-se em relação à forma que considerava correta para compreender a
questão das “raças” em relação à definição de um tema social – responsabilidade penal
– que emerge naquelas circunstâncias inscritas à formação da nação brasileira.
O médico Nina Rodrigues “racializou” o debate em um momento
suficientemente tomado pelas teorias científicas das raças, só que usou seus
conhecimentos para caracterizar a inferioridade e não a igualdade. Por isso mesmo, suas
propostas, entre elas a ideia da formação de dois códigos penais que levasse em
consideração as variações raciais, foram condenadas pelas gerações de críticos futuros.
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Nina Rodrigues é considerado pioneiro na constituição do campo antropológico no Brasil. Seu percurso
pela etnografia das religiões e das populações africanas na Bahia, descrevendo seus costumes,
vestimentas, culinária, rituais etc., despertou o interesse de outros pesquisadores para promover estudos
de igual foco (FERRETI, 1999).
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Vale, contudo, destacar que com a busca pela diferenciação e relativização do crime, os
negros eram arremessados ao estado de debilidade psíquica, transmitida hereditária e
permanentemente. Um sujeito associado à ingenuidade, com tendências patológicas à
criminalidade, transformado em um criminoso nato, que deveria ser retido. A condição
do negro, na sociedade, se alterara sintomaticamente, de mercadoria e escravizado a um
suspeito constante.
Em síntese das principais ideias colocadas sobre a obra do autor, destaca-se
que o relativismo proposto por Nina, com base na raça, é apoiado em dimensões
observáveis: rituais, comportamentos etc. Tudo isso, apesar do apego ao critério racial,
abre espaço para refletir sobre as variações entre os povos, o que mais tarde será
colocado por outros autores a partir da noção de cultura, os chamados autores
culturalistas. Nota-se, portanto, a percepção do médico sobre as especificidades dos
povos, mas presa a matriz biológica-racial.
Mesmo tratando os negros sob o signo de uma inferioridade evolutiva,
busca protestar contra o tratamento discriminatório que lhe eram impostos. Apesar do
viés racial, ele é pioneiro em denunciar a preferência penal no Brasil por certos
segmentos sociais. Seu pioneirismo também se faz em contrapor de forma
questionadora a igualdade política a outros aspectos da realidade, seu limite foi insistir
no aspecto “científico” da raça.
Considerações Finais
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Raimundo Nina Rodrigues é um dos que representa e responde às demandas
deste momento histórico específico, enquanto interprete e tradutor da própria realidade.
Na análise da obra “As raças humanas e a responsabilidade penal no Brasil” tentei
apresentar como o autor procurava comprovar o atraso evolutivo das populações negras,
consideradas estagnadas, assim como a degenerescência psíquica e social que levaria
estes grupos, bem como os mestiços, a uma corrupção moral inata.
Assim, a obra do autor representa de certa forma uma resposta à grande
questão da época: qual o lugar do negro na nova sociedade brasileira, após a abolição e
a república? Qual o papel do Estado com relação a estes novos sujeitos sociais? Diante
da diversidade existente no país, Nina Rodrigues e seus discípulos relativizaram a
diferença em desigualdade e propuseram através do direito criminal a distribuição
destes sujeitos por meio da origem racial, caracterização essa capaz de “identificá-los” e
“contê-los” de modo marginalizado e inferior, conforme as exigências do período.
Salvo todas as críticas ao autor, ele pode ser apreendido como um fundador
de discursividade, no sentido expresso por Foucault (1997, p. 280) de que “esses autores
têm de particular o fato de que eles não são somente os autores de suas obras, de seus
livros. Eles produziram alguma coisa a mais: a possibilidade e a regra de formação de
outros textos”.
Referências
FERRETI, Sergio F. Nina Rodrigues e a Religião dos Orixás. In: Gazeta Médica
brasileira. Volume 76, Suplemento 2. Bahia, 2006.
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FOUCAULT. A arqueologia do saber. 2.ed. Rio de Janeiro : Forense Universitária,
1997.
GOLD, Stephen Jay. A falsa medida do homem. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
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