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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO

CENTRO DE ESTUDOS SUPERIORES DE IMPERATRIZ


DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA
CURSO DE HISTÓRIA LICENCIATURA PLENA

IURI HUMBERTO DA SILVA PETRUS

TRABALHO LIVRE E “RAÇA” NEGRA: as representações sobre o negro durante a


transformação do trabalho no Maranhão

Imperatriz
2011
IURI HUMBERTO DA SILVA PETRUS

TRABALHO LIVRE E “RAÇA” NEGRA: as representações sobre o negro durante a


transformação do trabalho no Maranhão

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado ao Curso de Licenciatura
Plena em História, do Centro de
Estudos Superiores de Imperatriz
(CESI), da Universidade Estadual do
Maranhão (UEMA) como requisito
para a obtenção do do título de
licenciado em História.

Orientadora: Profª Drª Regina Helena


Martins de Faria

Imperatriz
2011
Petrus, Iuri Humberto da Silva.
P498t Trabalho livre e a raça negra: as representações sobre negro durante
a transformação do trabalhão do Maranhão. – Imperatriz, 2011.
99 Fls.

Monografia (Curso de licenciatura plena em história/Universidade


Estadual do Maranhão)

1.Transformação do trabalho. 2.Maranhão. 3.Raça.


I. Título.

CDU 981
IURI HUMBERTO DA SILVA PETRUS

TRABALHO LIVRE E “RAÇA” NEGRA: as representações sobre o negro durante a


transformação do trabalho no Maranhão

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado ao Curso de Licenciatura
Plena em História, do Centro de
Estudos Superiores de Imperatriz
(CESI), da Universidade Estadual do
Maranhão (UEMA) como requisito
para a obtenção do título de licenciado
em História

Aprovada em: ____ /____ /____


BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________
Profª Drª Regina Helena Martins de Faria (Orientadora)
Universidade Federal do Maranhão - UFMA

_______________________________________________
Profª Nice Rejane da Silva Oliveira (Coorientadora)
Universidade Estadual do Maranhão - UEMA

______________________________________________
Prof Ms Edmilson Rosa Bezerra
Universidade Estadual do Maranhão - UEMA
A João, Albenisa e Carolina.
AGRADECIMENTOS

Gostaria de registrar que estou extremamente feliz de estar terminando esta longa (e
bote longa!) etapa de minha vida acadêmica, pessoal, profissional e de militância, pois sinto
que a vivência universitária proporcionou uma série de contribuições inestimáveis em minha
vida como um todo. Não que pense a Universidade, ou a Academia, como uma espécie de
espaço elevado às alturas celestiais de uma sociedade. Minha experiência provou-me o
contrário. Foi a Universidade que me fez perceber a necessidade de transpor seus próprios
muros, de não isolar-se, de construir junto com os movimentos sociais, enfim, de assumir a
responsabilidade social que todos nós deveríamos ter, universitários ou não.
Esse tempo também me fez perceber que, infelizmente, uma parcela muito grande das
pessoas simplesmente passam por esta instituição, não vendo a importância de sua atuação
junto à sociedade. Outra, menor, se encalabouça no micro mundo acadêmico. Mas o que
deixa feliz e ainda me faz acreditar na instituição universitária é perceber a participação ativa
de uma pequena parcela que não apenas senta nos bancos da Universidade, mas sabe da
importância maior da sociedade e do povo que da própria instituição. É para esses que
gostaria de agradecer, assim como para todos que tem este entendimento, mas que por
percalços da vida não podem ter uma participação mais ativa.
Agradeço a meu pai, minha mãe e minha irmã, por partilharmos a vivência do dia a
dia, mesmo que há seis anos separados geograficamente, assim como pelo fortalecimento que
nos proporcionamos uns aos outros.
A meu pai João por ter sido exemplo de dedicação, abdicação de si para cuidar de
quem está ao lado e ter me ensinado a indignar-se diante de qualquer injustiça, assim como
não deixar de acreditar nos sonhos mais difíceis. Pelo exemplo de insistência em querer
aprender. Aguardo a sua monografia daqui a quatro anos!
A minha mãe Albenisa pela cumplicidade, dedicação e ter me ensinado a cuidar de
quem a gente gosta e dar tudo de si, assim como pela dedicação ao companheiro.
A minha irmã Carolina pela paciência, carinho e ter feito brotar em mim um amor
incondicional.
A toda minha família e em especial a todos os meus avós, inclusive o que está ausente
em matéria, pelo carinho e lições de vida.
A professora Regina por ter aceitado me ajudar mesmo com tão pouco tempo e sem
nem me conhecer direito. Mesmo se não tivesse a sua orientação já estaria muito agradecido
pela luz que seus trabalhos me deram.
A professora, coorientadora e amiga Nice Rejane por ter me dado coragem para buscar
o auxílio da professora Regina. Por ter escutado esta pessoa chata e velha reclamando da
monografia e também por ter compartilhado um dos poucos momentos em que fugi da
monografia (e cai no álcool!) nestes quatro meses de enclausuramento.
Ao professor e amigo de corredor Edmilson Bezerra pelas muitas conversas e também
por ter dividido algumas angústias acadêmicas bem antes de eu começar a escrever este
trabalho.
Aos funcionários da Biblioteca Pública Benedito Leite, em especial um vigilante
muito gente fina que não sei o nome mas que parece o Seu Madruga. Aos funcionários do
Arquivo Público do Estado do Maranhão, em especial à Mara, pela sua atenção e vontade de
ajudar, e a dona Lourdes, funcionária de há muito tempo e tão conhecedora do acervo que, só
de me ouvir falando vagamente o que nem eu sabia que pretendia fazer desta monografia, me
apresentou leituras essenciais, mas que também me deram medo de cometer um plágio!
Aos rodoviários de São Luís, que me fizeram um linda e consistente greve de uma
semana, parando a cidade e quase me deixando sem material de trabalho, pois a Biblioteca só
abriu no último dia da semana, e me deram orgulho de ver como a classe trabalhadora ainda
consegue se organizar.
A Rosi pela compreensão na ausência e pela paixão na presença, além de ter
acreditado que posso ser uma pessoa melhor. Também pela ajuda nesta etapa de monografia e
pela normatização que até hoje espero!
Ao companheiro de apartamento Torres pelos gráficos by Torrito e também por me
proporcionar momentos de descontração nestes meses que me trancafiei em casa.
Ao amigo e graduando Renan que dividiu várias angústias e compartilhou do mesmo
processo junto comigo e vai ter que também vestir aquela roupa horrível. Pelas deliciosas
refeições na casa de sua mãe, sou agradecido à Lúcia, e, é claro, simplesmente pela grande
amizade.
Ao amigo Carlos Leen, vulgo Carlin, por ter me emprestado seu projeto de monografia
e ter ajudado a fazer o meu.
Ao amigo Arnon por ter me emprestado seu livro e por me fazer morrer de rir só de
falar com ele e ver sua alegria.
A amiga Flávia por ter feito meu abstract e peço desculpas por ter alterado pequenas
palavras. Também por ter que me aturar agora que está morando com Fabrício.
Aos amigos Vivi (grande amiga e irmã), Kênya, Mayara, Mayra, Fabrício, Anderson
(próximo período tu não escapa da monografia!), Jhonny, Jairo, Alain Delon, Luís, Alcindo e
muitos outros que compartilharam bons e maus momentos e sabem o quanto são especiais,
assim como proporcionam conversas triviais ou produtivas. Gosto de repetir uma frase que
escutei da boca de Nice: “Os amigos são a família que escolhemos”. Agradeço também a
todos os amigos por compreenderem a minha ausência nestes meses de escrita.
A todos os funcionários e professores do CESI-UEMA por seu esforço (apesar de que
alguns dão nos nervos!) profissional e por levantar a bandeira da Autonomia e Luta!
Acho que é só! Só quero registrar minha felicidade em fazer esses agradecimentos e
alívio por poder, depois de um bom tempo, escrever algo menos formal e na primeira pessoa
do singular. Não aguentava mais tanta impessoalidade!
Ah... Não posso esquecer de agradecer à ABNT por ajudar a diminuir as florestas,
aumentar as plantações de eucalipto e aumentar o lucro das empresas de celulose, com suas
paginação, espaçamento e folhas impressas apenas na frente! Vocês são grandes pensadores!
O que os olhos veem

“O retrato da favela tem só uma imagem, mais


cada olho tem sua interpretação pra essa
imagem meus olhos veem quando eu olho pra
favela almas tristes, sonhos frustados,
esperanças destruidas, crianças sem futuro,
vejo apenas vitimas e dor.
Os olhos do gambé veem traficantes com r-15
e lançador de granada, vagabundas drogadas,
mães solteiras desempregados embreagados
no balcão do bar adolescentes viciados, pivete
com pipa com rojão avisando que os homi tão
chegando, veem em cada barraco um
esconderijo uma boca em cada senhora de
cabelo branco uma dona maria mae de
bandido.
Os olhos do politico veem presas ignorantes,
ingenuas, marionetes de manuseio simples a
faca e o queijo, o passaporte pra genebra o
talão de cheque especial o tapete vermelho
pra loja da mercedes o tamanco o vestido o
modis e o vibrador da sua puta. Veem o mar
de peixes cegos que sempre mordem o mesmo
anzol.
Os olhos do boy esses ai, esses nao veem
nada, nenhum problema, não veem a fome os
aviões com droga, o trafico de arma, as
escolas sem telhado, lousa, professor,
segurança o jovem sem acesso a livro, quadra
esportiva, centro cultural; não veem os ossos
no cemiterio clandestino as vitimas da
brutalidade da policia, o povo esquecido e
desassistido os olhos do boy só são capazes de
enxergar na imagem da favela, o medo, o
medo em forma de hk na ponta do seu nariz.
E você truta o que seus olhos veem quando
olham pra favela?”

Eduardo e Dum Dum (Facção Central)


RESUMO

A presente pesquisa objetiva apresentar como contribuição para a História social do


negro no Maranhão, assim como para a História da transformação do trabalho, a análise das
representações construídas pelos letrados maranhenses acerca dos escravos, dos libertos e dos
negros, em virtude da transição do trabalho escravo para o livre. A sociedade maranhense do
século XIX era extremamente escravagista e a classificação social feita pelos letrados de
então era fortemente baseada em critérios étnico-raciais fundamentados pela escravidão. Com
o avanço mundial do capitalismo industrial e do liberalismo, o escravismo tornava-se cada
vez mais irracional e ilegítimo, sendo apenas questão de tempo a implementação do trabalho
livre. Os letrados maranhenses, enquanto participantes das elites, estavam preocupados em
sugerir medidas voltadas para a gradual transição para o trabalho livre, visando manter
subordinadas as classes trabalhadoras e até mesmo a compulsoriedade do trabalho. Durante
este debate e influenciados pelo racismo científico, eles construíram e preservaram
representações sobre os escravos, os libertos e/ou os negros, atuando na mudança das relações
raciais durante o processo de transformação do trabalho. A mudança ocorrida no mundo do
trabalho também representou uma mudança das relações de poder, porém, preservando os
critérios étnico-raciais de classificação social, agora mais ainda através da categoria raça.

Palavras-chave: Transformação do trabalho. Maranhão. Raça. Negro. Elites.


ABSTRACT

This study aims to present a contribution to social history of blacks in Maranhão, as


well as the history of transformation of work, analysis of the representations constructed in
the state by the elites about the slaves, the free ones and the blacks, in virtue of the transition
of the slave labor to the free. Maranhão's society of the nineteenth century was extremely
slave and the classification made by the learned people was havely based on ethnic and racial
criteria grounded on slavery. With the advancement of global industrial capitalism and
liberalism, slavery became increasingly irrational and illegitimate, and it was only matter of
time to the implementation of free labor. The learned people of Maranhão, as participants of
the elites, were concerned to suggest measures to the gradual transition to free labor, in order
to keep subordinate the working classes and even the compulsoriness of work. During the
debate, influenced by scientific racism, they have built and preserved representations of the
slaves, free ones and/or blacks, working on changing race relations during transformation
process of work. The change in the world of work also represents a change of power relations,
however, preserving the ethnic and racial classification, now even more through the race
category.

Keywords: Transformation of work. Maranhão. Race. Black. Elites.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO …..................................................................................................................12
CAPÍTULO 1 – MARANHÃO: APOGEU E DECLÍNIO DE UMA EMPRESA
MERCANTIL ESCRAVISTA …...........................................................................................22
1.1 Sentido da colonização: expansão produtiva, comercial e territorial …....................26
1.2 Estrutura socioeconômica …..........................................................................................33
1.3 Forças contrárias à prosperidade e a mudança dos tempos …...................................40
CAPÍTULO 2 – PROPOSTAS DE TRANSFORMAÇÃO DO TRABALHO …............49
2.1 Tranquilidade pública e segurança individual ….........................................................50
2.2 Ou trabalha ou trabalha ….............................................................................................53
2.2.1 Um povo indolente e preguiçoso …...............................................................................55
2.2.2 E o negro? …..................................................................................................................60
2.3 O Amor por princípio, a Ordem por base e o Progresso por fim …...........................62
2.3.1 Teoria positiva da sociedade brasileira ….......................................................................64
2.3.2 Como abolir a escravatura …..........................................................................................66
2.3.3 Racialização e assimilação: novas estratégias de poder ….............................................67
CAPÍTULO 3 – A PREOCUPAÇÃO POR TRÁS DO OTIMISMO …...........................70
3.1 Eis que surge a abolição …..............................................................................................70
3.2 A transformação do trabalhador …...............................................................................72
3.3 Guiando o liberto “despreparado” e salvando a “lavoura” …....................................74
CONSIDERAÇÕES FINAIS …............................................................................................86
REFERÊNCIAS …...................................................................................................................88
APÊNDICES …........................................................................................................................97
INTRODUÇÃO

Durante o século XX, a historiografia maranhense atribuiu papel crucial à


agroexportação na análise da realidade regional. Muito do que foi produzido teve como
principais referências os escritos deixados pelas elites locais do século anterior,
principalmente os que se propunham falar sobre a lavoura1. Os produtores de tal análise
histórica do Maranhão, em especial as elites durante o século XIX, basearam-se na
observação de que a instalação de uma estrutura agroexportadora, simbolizada pela
implantação da Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão, proporcionou uma
série de transformações (sociais, econômicas, políticas e culturais) através da dinamização da
produção agrícola.
Talvez a principal destas transformações tenha sido “a intensificação do trabalho
escravo [africano], [gerando] profundas modificações na fisionomia étnica da região”
(RIBEIRO, 1990, p. 31)2, chegando a população escrava a representar maioria absoluta
(66,6% em 1819) da população maranhense durante alguns anos, segundo levantamento
censitário do Conselheiro Antonio Veloso (apud RIBEIRO, 1990, p. 57). Contudo, o que se
percebe nos textos das elites do século XIX e também de parte significativa da produção
historiográfica do século XX, é que o escravo africano e suas práticas cotidianas, assim como
os índios, mestiços e livres pobres, não ocupam lugar central nessas obras. São analisados
basicamente em função do processo de transição do trabalho escravo para o livre, com claro
viés, por parte dos contemporâneos a esse processo, de manter e reafirmar o trabalho
compulsório.
Entende-se que o olhar elitista sobre os escravos e libertos3, que juntos com grande
parte dos livres pobres comporiam a população considerada negra no século XX, exerceu
forte influência na História social do negro no Maranhão. Certamente as práticas desses atores
sociais abrangem grande parte dessa História, na medida em que são sujeitos e a constroem.
Entretanto, acredita-se também na contribuição da visão de mundo construída sobre eles pelas

1 Termo utilizado pelos letrados do século XIX como referência à produção agrícola voltada para a exportação,
assim como o lavrador era proprietário de terras ligado à agroexportação.
2 Opta-se por manter a grafia original de todas as citações utilizadas.
3 No Brasil Império, a escravidão indígena era proibida, logo entende-se que os escritos analisados na presente
pesquisa fazem referência aos africanos e seus descendentes, que foram ou estavam escravizados, quando
utilizam os termos escravo e liberto. Opta-se por trabalhar basicamente com o olhar das elites do Maranhão,
no século XIX, sobre as pessoas identificadas por essas duas categorias, considerando que estavam
associados aos que eram classificados como integrantes da “raça” negra. Entretanto, é sempre relevante
lembrar que o termo “negro” não está sendo usado como sinônimo de escravo e/ou liberto.

12
elites, como integrantes de uma classe social reunida por um “conjunto de aspirações, de
sentimentos e de ideias” em comum, conforme Lukàcs (apud CHARTIER, 2002, p. 47). Essa
visão de mundo influenciou na trajetória social do negro, principalmente no século XX, na
medida em que as representações sobre ele estavam cotidianamente presentes na sociedade.
No intuito de colaborar para a História social do negro no Maranhão, percebe-se que é
essencial o estudo das representações sobre os escravos africanos e seus descendentes, que
estavam sendo alforriados cada vez mais, e os próprios libertos, inseridas no debate da
transformação do trabalho4 durante o Oitocentos. Por outro lado, afirma-se a necessidade de
resgatar essa temática sobre o trabalho através de uma abordagem diferenciada das
comumente observadas5. Alguns estudos abordam a transição para o trabalho livre como um
processo puramente econômico de mudança do tipo de mão de obra explorada, outros,
partindo da experiência paulista, acabam generalizando o processo de transição ocorrido
naquela província para o restante do país. A maioria não aponta as modificações e
permanências, ocorridas em decorrência da transição, que viriam a afetar a população
paulatinamente considerada negra.
Compreende-se, junto com Cunha (2004, p. 214), que “o fim da escravidão racial
brasileira significou mais do que a transformação do trabalho, implicou também na transição
das formas de regulação das relações raciais, visto que estas não teriam mais a escravidão
como instituição reguladora” e passariam a atuar mais ainda através da categoria raça,
aumentando o público-alvo a ser subordinado. Partindo desse pressuposto, adotar-se-á a
perspectiva diferencialista desse autor, segundo a qual, “a transição não é apenas econômica,
ou seja, somente do regime de trabalho escravo para o semi-escravo e livre, mas é também
das formas de preservação e reprodução do poder, de mentalidades, das maneiras de ser e agir
individual e coletivamente” (CUNHA, 2004, p. 38). Sendo assim, é essencial frisar a
centralidade racial, ou a questão racial, na transformação do trabalho e não apenas a
econômica.

4 A expressão transformação do trabalho foi consolidada desde os debates no século XIX, porém, não
expressa exatamente, ou exagera as mudanças ocorridas no mundo do trabalho. Houve sim a passagem
significativa do trabalho escravo para o trabalho livre, junto com a formação de um mercado de trabalho
livre, contudo, o cotidiano do trabalho conservou certas práticas existentes no escravismo e os
contemporâneos não presenciaram uma enorme transformação no ambiente de trabalho. Opta-se por
continuar utilizando aquela expressão tanto por sua já consolidada posição, quanto por não encontrar outra
que melhor expresse a transição do trabalho escravo para o livre. Agradece-se à orientadora do presente
trabalho por esta observação.
5 Faria (2001, p. 14) divide os trabalhos sobre a transformação do trabalho no Brasil em “pelo menos, três
grupos”: uns abordam especificamente a vida econômica e social do Brasil, outros, a crise do escravismo e
abolição e os últimos, a formação do mercado de trabalho livre.

13
Desta forma, constata-se que o presente trabalho surge da confluência de duas
temáticas: uma é ligada ao processo de desagregação do sistema escravista e a consequente
formação de um mercado de trabalho livre; a outra, ao debate sobre as teorias raciais
brasileiras surgidas entre os séculos XIX e XX, na sua maioria “influenciadas pelo
determinismo biológico do fim do século XIX” (MUNANGA, 2006, p. 55). A relação destas
temáticas se torna cada vez mais íntima a partir da observação de que o negro ocupa lugar de
destaque em ambas; numa porque parcela significativa de seus antepassados foi mão de obra
essencial a um sistema de exploração do trabalho; noutra porque é uma das principais
categorias de análise dos teóricos de tal temática.
Na primeira temática, a falência do sistema escravista de exploração do trabalho pode
ser contextualizada desde a passagem do século XVIII ao XIX por uma série de
transformações sociais, econômicas, políticas e ideológicas ligadas à revolução industrial e ao
liberalismo, além da contínua e essencial resistência do negro, a qual não é objeto do presente
trabalho. Eric Hobsbawn (1977, p. 50) esclarece sobre a revolução industrial:
O que significa a frase “a revolução industrial explodiu”? Significa que a certa altura
da década de 1780, e pela primeira vez na história da humanidade, foram retirados
os grilhões do poder produtivo das sociedades humanas, que daí em diante se
tornaram capazes da multiplicação rápida, constante, e até o presente ilimitada, de
homens, mercadorias e serviços.

A revolução industrial liderada pela Inglaterra proporcionou forte internacionalização


do capitalismo e expansão da economia mundial durante o século XIX, o que vem a resultar
em realidades locais muito mais passíveis de influências externas. E uma das influências
desse processo é exercida sobre a escravidão, que era elemento estruturante do sistema
colonial mercantilista, o qual foi se tornando impraticável em sua rigidez devido à
“acumulação capitalista, a revolução nos meios de transporte e no sistema de produção, assim
como o crescimento da população na Europa e a crescente divisão do trabalho” (COSTA,
1998, p. 29). Desta forma, a quebra dos “grilhões” técnicos que emperravam a capacidade
produtiva das sociedades acabou por quebrar indiretamente os grilhões que trancafiavam os
escravos.
Os escravistas brasileiros pagavam cada vez mais caro para obter um escravo, devido a
“luta contra o tráfico [que] teve início em 1807, quando a Inglaterra o proibiu a seus súditos e
encetou a longa campanha para eliminá-lo em outros países” (CARVALHO, 2007, p. 293). O
preço dos cativos ficou mais caro principalmente entres as décadas de 1840 a 1870,
caracterizadas pelo fim do tráfico intercontinental no Brasil e pelo tráfico interprovincial.

14
Além do encarecimento da força de trabalho, as mudanças econômicas ocasionadas pela
expansão do capitalismo, assim como o fim do tráfico intercontinental, proporcionaram novas
possibilidades de investimento (ferrovias, bancos, indústria, mecanização), mostrando que “a
imobilização do capital, característica do sistema escravagista, não era mais racional”
(COSTA, 2007, p. 365).
Concomitantemente, a doutrina liberal surge como um conjunto de princípios e
proposições caracterizados pelo combate ao Antigo Regime, o qual tinha em alguns Estados
europeus o sistema colonial como principal política econômica de acumulação mercantilista
do capital. Essa doutrina proporcionou um conjunto de preceitos teóricos e morais destinados
a deslegitimar a escravidão. Para um melhor esclarecimento do que veio a ser o liberalismo,
Emília Viotti da Costa esclarece (2007, p. 134-35):
Na Europa, o liberalismo foi originalmente uma ideologia burguesa, vinculada ao
desenvolvimento do capitalismo e à crise do mundo senhorial. As noções liberais
surgiram das lutas da burguesia contra os abusos da autoridade real, os privilégios do
clero e da nobreza, os monopólios que inibiam a produção, a circulação, o comércio
e o trabalho livre. Na luta contra o absolutismo, os liberais defenderam a teoria do
contrato social, afirmaram a soberania do povo e a supremacia da lei, e lutaram pela
divisão de poderes e pelas formas representativas de governo. Para destruir os
privilégios corporativos, converteram em direitos universais a liberdade, a igualdade
perante a lei e o direito de propriedade. Aos regulamentos que inibiam o comércio e
a produção opuseram a liberdade de comércio e de trabalho.

Dentre as diversas possibilidades de análise do liberalismo, principalmente porque em


“toda parte onde os liberais tomaram o poder, seu principal desafio foi transformar a teoria
em prática” (COSTA, 2007, p. 135), aqui importa entender sua influência sobre a derrocada
do escravismo no Brasil, o que, apesar das aparências, não é tão simples, já que se percebe
durante a história política do Império certa articulação entre ideologia liberal e prática
escravista. Sendo assim, seguindo a interpretação do liberalismo durante o século XIX
proposta por Alfredo Bosi (1988), temos em primeiro momento (hegemônico até fins da
década de 1850) o “liberalismo oligárquico”, caracterizado pela defesa da liberdade comercial
e de participação política (censitária e indireta), aliado a uma ideologia liberal-escravista:
Porque foram, sem dúvida, as lutas da burguesia agroexportadora [e escravista] que
tinham cortado os privilégios da Metrópole graças à abertura dos portos em 1808;
esses mesmos patriotas tinham garantido, para si e para sua classe, as liberdades de
produzir, mercar e representar-se na cena política (BOSI, 1988, p. 7).

A partir da década de 1860 começa, segundo esse autor, o fortalecimento do “novo


liberalismo”, caracterizado pela defesa das reformas sociais, especialmente do trabalho livre:
a relação se faz entre a nova corrente ideológica, visível desde os anos 60, e o
dinamismo econômico e social que a extinção do tráfico instaurou no País já a partir

15
de 1850. Os capitais que montavam em cerca de 16 mil contos, liberados para afluir
ao comércio, à manufatura, à rede de transportes ou ao puro jogo da Bolsa, na
verdade aceleraram o processo de urbanização e o emprego do trabalho assalariado.
A situação foi alimentada, estruturalmente, pela contínua expansão agroexportadora
que a demanda internacional sustentou até o fim do século: a existência de um
mercado interno e um pólo urbano em desenvolvimento na região Sudeste foi a
condição necessária para a emergência de valores liberais mais amplos do que os
professados pelo discurso intra-oligárquico (BOSI, 1988, p. 25-6).

O que se percebe, nesta classificação dos liberalismos no Brasil desenvolvida por Bosi,
é que os valores liberais já influenciavam o ambiente intelectual brasileiro desde o início do
Oitocentos, porém, só tiveram uma ampliação que pudesse garantir a condenação da
escravidão em meados do século. Esta consolidação dos valores liberais também pode ser
explicada pelo que Nelson Werneck Sodré encara como “lenta circulação de elites”, que tem
origens remotas no tão propalado bacharelismo, e seu horror ao trabalho físico, das elites
brasileiras formadas nas universidades europeias e que aos poucos foram se desligando da
atividade rural (parte delas, já que a maioria ainda transitava nos dois meios) e dedicando-se
às profissões liberais ou à própria máquina estatal. “A elite agrária vai ser substituída pela
elite dos letrados” (SODRÉ, 1998, p. 57).
O surgimento dessas elites, ou sua modificação, traz à tona algumas manifestações de
preocupação com a transformação do trabalho e com reformas sociais. As elites maranhenses
também apresentaram alguns representantes preocupados com as reformas sociais necessárias
à transição ao trabalho livre no Maranhão, onde, mesmo com a exportação de muitos
escravos para o Sudeste, em 1887 ainda existia aproximadamente 33.300 cativos, sendo a
sexta província do país com maior número deles.
A partir da importância de analisar o caso maranhense e suas especificidades nesta
transição e da constatação de que representantes das elites também estiveram preocupados
com essa questão, é que se percebe os escravos e os libertos, assim como outros grupos
sociais, sendo analisados como elementos importantes na formação do mercado de trabalho
livre e necessitando de uma nova disciplina imposta para o trabalho. A disciplina do trabalho
escravo era marcada pelo “espetáculo punitivo”, basicamente através da “tecnologia do
chicote”, com o controle exercido pela apropriação do corpo (marcando-o com o castigo),
assim como a alma dos escravos (SOUZA FILHO, 2005). Contudo, o liberalismo vinha
tratando de minar os fundamentos dessa disciplina.
Paralelamente e desde o século XVII, segundo Foucault (2007), cada vez mais
consolidava-se uma disciplina, ou “as 'disciplinas'”, atuando sobre a mecânica do corpo,

16
aproveitando suas habilidades e exercitando-as. No mundo do trabalho, esta disciplina, que se
tornaria típica das fábricas, passa a ser exercida sobre a mão de obra através de um controle
vigilante do tempo, do espaço, da atividade e do próprio corpo. Ela também atuaria como
“uma arte do corpo humano, que visa não unicamente o aumento de suas habilidades, nem
tampouco aprofundar sua sujeição, mas a formação de uma relação que no mesmo
mecanismo o torna tanto mais obediente quanto é mais útil, e inversamente” (FOUCAULT,
2007, p. 119). Esta nova “mecânica” ou “microfísica do poder” sobre o trabalhador será o
principal meio de controle do trabalho livre.
Todavia, a formação do mercado de trabalho livre no Brasil não se deu pautada
unicamente por essa nova forma de controle. As elites sentiram a necessidade de preservar
certas estruturas de poder atuantes também sobre o corpo do cativo, mas de forma diversa da
“tecnologia do chicote”. Elas estariam ligadas às relações etno-raciais consolidadas pela
escravidão, necessitando assim de outra fundamentação. As relações passaram a ser
fundamentadas também pelas teorias raciais brasileiras – a segunda temática que norteia o
presente trabalho – que compuseram o denominado racismo científico6, o qual “era um
processo de ressignificação, de transmutação do racismo – um fenômeno secularmente
conhecido – para o conhecimento científico” (CUNHA, 2004 p. 46).
As teorias raciais surgidas entre os séculos XIX e XX no Brasil nascem da forte
influência de concepções científicas ou pseudocientíficas advindas da Europa: darwinismo
social, antropometria, positivismo, evolucionismo, antropologia criminal e variedades. Elas
adentram o Brasil por volta de 1870 como modelos explicativos dos povos ao redor do
mundo, no contexto do imperialismo neocolonial, carregados de etnocentrismo europeu
(branco e ocidental) e biologismo, objetivando naturalizar e hierarquizar as diferenças sociais
e culturais. Contudo, assim como aconteceu ao liberalismo, Lilia Schwarcz “afirma que essas
teorias não foram simplesmente transplantadas ao país uniforme e inalteradas, ao que consta,
foram ressignificadas de modo a se adequarem à busca por uma identidade nacional no
período republicano” (apud OLIVEIRA, 2005, p. 11). Por isso se fala em teorias raciais
brasileiras.
Neste debate racial, as elites também estavam preocupadas em analisar o negro, o
mestiço, o branco e o índio, como elementos participantes de uma nacionalidade em
construção. O debate teve como ápice o mito da democracia racial consolidado e simbolizado

6 Este processo não se deu unicamente no Brasil.

17
por Gilberto Freire na década de 1930. Contudo, antes da consolidação desse mito – que já
foi negado apesar de ainda exercer grande influência na sociedade brasileira –, apresentaram-
se alguns posicionamentos contrários, principalmente relativos ao negro e ao mestiço.
Um dos expoentes deste debate foi Sílvio Romero, que defendia o surgimento de um
povo tipicamente brasileiro, resultante da miscigenação das três “raças” (branca, índia e
negra). Para ele, com a “homogeneização da sociedade brasileira, dar-se-ia a predominância
biológica e cultural branca e o desaparecimento dos elementos não brancos (MUNANGA,
2006, p. 56). Ou seja, propunha a absorção dos índios e negros através do processo de
branqueamento, o qual, diga-se passagem, foi bastante presente no discurso elitista.
Apresentando a mesma opinião sobre a inferioridade dos considerados não brancos, o
médico maranhense Nina Rodrigues surge:
Contrariando a maioria da elite, ele não vê no mestiço um caminho que levasse mais
cedo ou mais tarde a um Brasil branco. A influência do negro, disse, há de construir
sempre um dos fatores de nossa inferioridade como povo; nada poderá deter a
eliminação do sangue branco (MUNANGA, 2006, p.61).

Mas também tiveram nomes como Alberto Torres e Manuel Bonfim, que analisaram a
História do Brasil e não viram a diversidade racial como problema nacional. Na identificação
das causas desse problema apontavam a “inadequação entre a realidade do país e as
instituições tomadas de empréstimo das nações antigas” e os “problemas herdados da era
colonial” (MUNANGA, 2006, p. 66-7).
Neste debate há diversos posicionamentos sobre o negro, inclusive diametralmente
opostos. Porém, a análise de uma espécie de História das teorias raciais brasileiras até a
década de 1930 mostra a predominância da defesa do branqueamento, da inferioridade do
negro e do mestiço e da atribuição de características negativas ao negro (indolência,
vadiagem). Sendo que tais atributos ainda não eram analisados como um aspecto cultural, da
maneira que Gilberto Freire o fez, mas como um aspecto biológico e intrínseco à raça. No
Maranhão, as elites também apresentam o discurso de inferiorização do negro, contudo, é
importante conhecer as especificidades regionais possíveis, já que aqui não houve a entrada
de estrangeiros como mão de obra e elemento “civilizador” tão desejado.
A partir da observação de que as teorias raciais, de certa forma, ainda se apresentam
como problemática atual e são tributárias das representações das elites sobre o negro,
principalmente quando do fim próximo da escravidão, objetiva-se analisar a transição do
trabalho escravo ao livre, enfocando a questão etno-racial como um dos aspectos centrais.
Consequentemente, far-se-á a análise das representações sobre os escravos e os libertos,

18
construídas pelas elites e inseridas nesse processo transitório. Para tal buscou-se
fundamentação teórica e metodológica em alguns conceitos e estudiosos.
Primeiro, parte-se do entendimento de que o próprio termo negro é uma construção
social formulada pelo europeu e, durante a escravidão moderna, reduziu a enorme diversidade
étnica africana à identidade negra, metamorfoseando etnias em raça. Para Barros (2008, p.
48), essa (re)construção do negro contextualiza-se da seguinte forma:
Por ora, registremos que a desconstrução da diversidade de etnias negras e das
realidades culturais africanas, mergulhando-as dentro de uma grande raça localizada
em um espaço geográfico único e imaginariamente homogêneo – e a simultânea
visão desta parte da humanidade como “inferior”, ao mesmo tempo em que se
encarava o continente africano como lugar exterior à “civilização” – tudo isto,
juntamente com uma nova noção de “escravo”, constituiu o fundo ideológico da
montagem do sistema escravista no Brasil.

A racialização do africano foi também extremamente eficiente nas colônias escravistas


para, através da mesma redução étnica, “evitar a formação de grupos, [e] fortalecer a ideia de
que todos eram 'negros', uma raça talhada para o serviço escravo” (BARROS, 2008, p. 52).
Consequentemente, percebe-se que o conceito raciológico “negro” foi articulado para
viabilizar a escravidão africana.

Com o fim da escravidão, novamente essa categoria foi utilizada para fundamentar
relações sociais que se modificavam, especialmente as do mundo do trabalho. O racismo
científico impôs à raça um significado biológico nunca antes encarnado, proporcionando
novos elementos na análise da questão racial. A discussão acumulada pelo racismo científico
possibilitou que as elites brasileiras encaminhassem a transformação do trabalho encarando a
questão racial como um dos aspectos centrais dessa transição. A racialização mais uma vez
garantiu a subordinação de determinados grupos sociais.
Em seguida, pressupõe-se a existência de elites no Maranhão, pois, segundo a definição
feita por Bobbio (1998, p. 385-91), em toda sociedade há minorias que detêm o poder,
principalmente através de suas formas política, econômica ou ideológica, diante de uma
maioria alijada de seu controle. Recorrendo ao conceito de visão de mundo de Lukàcs (apud
CHARTIER, 2002, p. 47), pode-se afirmar que as elites compartilham de um “conjunto de
aspirações, sentimentos e ideias que reúne os membros de um mesmo grupo (de classe social
na maioria das vezes) e os opõe a outros grupos”.
Dentro das elites, o setor dos letrados merece especial atenção. Afirma-se a inserção
deles nas elites, apesar de nem todos aparentarem fazer parte da minoria controladora do

19
poder político social, devido a observação de que a sociedade maranhense era composta por
“uma imensa maioria de iletrados e excluídos” (FARIA, 2001, p. 26). Desta forma, o simples
domínio da cultura letrada7, possibilitava-lhes certo poder ideológico capaz de influenciar no
debate da transformação do trabalho, assim como na consolidação de representações. Os
letrados produziram a maioria das fontes primárias que serão analisadas nesta monografia.
A afirmação de haver uma visão de mundo comum entre as elites maranhenses é
corroborada pelo estudo de Flávio Reis sobre a oligarquia política maranhense, podendo ser
traçado um paralelo quanto à socialização das elites. Ele vê a consolidação de um “padrão de
carreira” político nos moldes identificados por José Murilo de Carvalho, para o que este
denominou elite política nacional:
A homogeneidade ideológica e de treinamento é que iria reduzir os conflitos intra-
elite e fornecer a concepção e a capacidade de implementar determinado modelo de
dominação política. Essa homogeneidade era fornecida sobretudo pela socialização
da elite, que será examinada por via da educação, da ocupação e da carreira política
(CARVALHO, 2007, p. 21).

Na análise das imagens construídas sobre os escravos e libertos, a pesquisa utiliza


também um pressuposto epistemológico observado por Pierre Bourdieu:
O poder simbólico é um poder de construção da realidade que tende a estabelecer
uma ordem gnoseológica […] As diferentes classes e frações de classes estão
envolvidas numa luta propriamente simbólica para imporem a definição do mundo
social mais conforme aos seus interesses, e imporem o campo das tomadas de
posições ideológicas reproduzindo em forma transfigurada o campo das posições
sociais (BOURDIEU, 2010, p. 9 e 11, grifo no original).

A análise da produção intelectual maranhense levará em consideração que “ideologias


devem a sua estrutura e as suas funções mais específicas às condições sociais da produção e
da circulação” (BOURDIEU, 2010, p. 13), assim como exercem ou podem exercer forte
influência na imagem que a sociedade e seus grupos sociais têm de si.
Aliado ao entendimento da importância do poder simbólico e traçando uma homologia
com a historiografia, pretende-se trabalhar com o conceito de mentalidade “para qualificar
uma história que não escolhe como objecto nem as ideias nem os fundamentos socio-
económicos das sociedades” (CHARTIER, 2002, p. 40). Desta forma, o pressuposto essencial
da pesquisa é a existência de uma mentalidade coletiva das elites maranhenses, encontrada
nas representações que elaboraram sobre os escravos e os libertos. É importante lembrar, com
Chartier (2002, p. 17), que “As representações do mundo social assim construídas, embora
aspirem à universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são sempre determinadas pelos

7 Cf. Chartier (2002).

20
interesses de grupo que as forjam”.
Esses são os principais referenciais teórico-metodológicos da monografia, embora
outros sejam utilizados. Assim, no primeiro capítulo apresenta-se o processo histórico que
possibilitou a estruturação da agroexportação no Maranhão e a consequente consolidação da
escravidão de africanos e seus descendentes. Conjuntamente, é apresentada a trajetória
expansiva dessa empresa mercantilista, assim como as representações de letrados do início do
século XIX sobre a formação social da província. Finalizando esse capítulo, apresentam-se
alguns elementos considerados à época como entraves à expansão mercantilista no Maranhão
e algumas mudanças econômicas ocorridas em meados do século XIX, contextualizando a
análise das propostas de transformação do trabalho analisadas.
O segundo capítulo trata de duas propostas de transformação do trabalho escritas em
meados da década de 1860, buscando identificar as representações sobre escravos e libertos e
suas relações com a questão racial. A exposição é precedida de uma contextualização sobre o
período compreendido entre 1840 e 1866, entendido como uma época perpassada por um
clima de insegurança devido a resistência escrava.
O principal tema do terceiro capítulo é a análise de propostas elaboradas em virtude de
um concurso aberto pela Associação Comercial do Maranhão, em 1888, para a apresentação
de propostas sobre a transformação do trabalho. Estas estão inseridas no contexto de
fortalecimento do abolicionismo e expressam pequenas mudanças nas representações
elaboradas pelos letrados sobre os diferentes grupos sociais internos às classes trabalhadoras,
em virtude da necessidade de formação de mercado de trabalho livre.
Cabe destacar que o caminho constante na presente monografia é parte do traçado por
Faria (2001), contudo, diferentemente desta autora e orientadora, ressalta-se a questão racial
inserida na transição ao trabalho livre. Por fim, é importante reafirmar que a interpretação dos
documentos acima mencionados é direcionada para a apropriação das representações, em
diferentes conjunturas, sobre o escravo e o liberto, procurando o que restou de permanência e
estrutural nas mesmas, visando trazer para o debate da transformação do trabalho no
Maranhão uma outra centralidade: a racial.

21
CAPÍTULO 1
MARANHÃO: APOGEU E DECLÍNIO DE UMA EMPRESA MERCANTIL
ESCRAVISTA

Para se analisar a imagem construída pela elite letrada maranhense sobre os escravos e
os libertos, durante a desagregação do sistema escravista, torna-se necessário entender o
processo histórico que resultou na consolidação de uma sociedade escravista agroexportadora
no Maranhão. O conhecimento da estrutura socioeconômica maranhense é imprescindível na
interpretação dos escritos deixados por indivíduos pertencentes à elite letrada, para que, a
partir desta análise do individual, seja possível apreender o que se apresenta como elemento
comum às pessoas da classe superior. Da mesma forma, é de extrema importância conhecer o
processo histórico que permitiu a consolidação desta estrutura socioeconômica.
A importância desse processo histórico reside no que Caio Prado Jr. definiu como
sentido, o qual é percebido através de acontecimentos essenciais à história de determinado
ente (estado, nação, colônia, povo), que agrupados possibilitam entender a orientação ou rumo
histórico tomado por esse ente no decorrer de sua existência:
É isto que se deve, antes de mais nada, procurar quando se aborda a análise da
história de um povo, seja aliás qual for o momento ou o aspecto dela que interessa,
porque todos os momentos e aspectos não são senão partes, por si só incompletas, de
um todo que deve ser sempre o objetivo último do historiador, por mais particularista
que seja. Tal indagação é tanto mais importante e essencial que é por ela que se
define, tanto no tempo como no espaço, a individualidade da parcela de humanidade
que interessa ao pesquisador: povo, país, nação, sociedade, seja qual for a
designação apropriada no caso. É somente aí que ele encontrará aquela unidade que
lhe permite destacar uma tal parcela humana para estudá-la à parte (PRADO
JÚNIOR, 1999, p. 19).

A partir desta noção de sentido, especificamente do sentido da colonização do


Maranhão, é possível compreender a estrutura socioeconômica ali consolidada a partir de
meados do século XVIII e que declinaria um século depois, acompanhando o processo de
desagregação do escravismo ocorrido em toda a sociedade brasileira.
Contudo, a apropriação que se faz daquele conceito aponta para seu entendimento
como algo que não é pré-determinado nem determina a história de um ente. Deve-se
compreendê-lo como a apreensão da direção histórica tomada, por exemplo, por uma
sociedade, para que se possa tentar analisar sua totalidade, garantindo assim sua
individualidade diante de outras sociedades. O sentido não é imutável, mas possibilita a
explicação do direcionamento histórico de uma sociedade.
Antes de continuar a descrição do processo histórico que resultou na estrutura

22
socioeconômica maranhense, é necessário pontuar-se algumas considerações sobre a
historiografia relativa ao período. Segundo Alfredo Wagner Berno de Almeida (2008), existe
na tradição intelectual maranhense uma ideologia da decadência fundada no início do século
XIX por patronos e clássicos8 da historiografia regional, consolidada e adaptada pelo discurso
dos administradores e de outros letrados durante aquele século. Ela caracteriza-se pela análise
dos objectos agriculticos do Maranhão e constatação de que se presenciaria uma decadência
da lavoura, sendo esta a causa primeira dos problemas econômicos da província. Através da
análise de relatórios e falas dos presidentes da província e outros escritos, Almeida constata
que as explicações ganham ares de senso comum, não precisando nem explicar por que a
lavoura estava decadente, quando a província passava por crises inerentes ao sistema
agroexportador9 e a economia como um todo não estagnou, inclusive com a pequena produção
se expandindo (FARIA, 2001, p. 36-9).
Os textos assim concebidos operavam com uma noção simples de causalidade e
elencavam entraves (falta de braços, conflitos com indígenas, altos preços dos escravos,
flutuação dos preços, entre outros), com suas respectivas soluções para voltar-se à
prosperidade. A questão do trabalho tem um lugar importante na ideologia da decadência:
Os suportes intelectuais das diferentes interpretações estão colados de maneira
excludente à trajetória social de uma classe determinada. Inspirados nos
determinismos biológicos e geográficos classificam todos os demais grupos e
camadas sociais como contraditando a racionalidade de suas proposições e como
erigindo obstáculos ao que entendem como o progresso da região. As ideologias do
progresso e do trabalho racional ilegitimam as práticas produtivas dos demais grupos
e camadas sociais. Só conseguem divisá-las como vivendo em permanente
ociosidade (ALMEIDA, 2008, p. 45, grifo no original).

Esta representação elitista da realidade, dentre outros aspectos, porque voltada para a
grande lavoura10, afirma o presente de quem escreve como o tempo de decadência, opondo-se
a um passado glorioso, sendo que todos definem o início da história da lavoura do Maranhão
nos anos de 1755-56 (ALMEIDA, 2008, p. 150), justamente quando da criação da Companhia
de Comércio do Grão-Pará e Maranhão. Este procedimento, além de só ver o setor da
8 Patronos de cadeiras no Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão, como Raimundo José Souza Gaioso,
Francisco de Paula Ribeiro, Fr. Francisco de N. S. dos Prazeres e Antônio Bernardino Pereira do Lago. Os
clássicos são João Antônio Garcia de Abranches e Manoel Antônio Xavier que, apesar de não possuírem
cadeiras com seus nomes no Instituto, também são consagrados na historiografia regional. Para entender o
funcionamento e os meios da consagração destes escritores ver Almeida (2008).
9 Como será explicado mais a frente, o sistema agroexportador, sobretudo o maranhense, possui sua oferta e
demanda extremamente dependente das conjunturas internacionais, podendo qualquer queda de preço das
suas mercadorias gerar forte crise.
10 Este termo, que é equivalente ao termo plantation, representa a tradicional forma de produção agrícola das
colônias americanas, baseada no tripé: escravismo, grande propriedade rural e produção para o mercado
externo.

23
agroexportação, cria uma espécie de pré-história maranhense caracterizada por miséria e
barbárie. A propagação dessa ideologia é tal, apesar de algumas décadas recentes de crítica,
que influenciou a sociedade maranhense e também muitos historiadores, que a referendam
sem qualquer crítica à periodização ortodoxa difundida :
Nada seria, pois, mais enganador do que manter esta periodização ortodoxa
preservando suas incongruências e intenções políticas que, antes de serem do
domínio do pensamento científico, constituem-se em fruto da subordinação dos
intérpretes às versões oficiais fixadas pelo campo de poder (Bourdieu, 1974).
Nutrindo uma descontinuidade, que institui uma pré-história da agricultura, sem
desenvolver um esforço de repensá-la, deixando-a prudentemente em suspenso,
corre-se o risco de endossar o oficialismo da época acerca da representação de um
tempo histórico e suas respectivas divisões em fases e períodos (ALMEIDA, 2008,
p. 43-4, grifou-se).

Destarte assume-se o risco alertado por Alfredo Wagner, adotando os anos de 1755-56
como ponto de partida da presente monografia. Contudo, algumas reflexões são necessárias
acerca de noções consolidadas pela ideologia, principalmente a periodização ortodoxa.
Primeiramente, a historiografia tem mostrado que, a partir da segunda década do século XVII,
chegam à São Luís duzentos e quarenta casais açorianos 11 para promover a colonização, do
que antes era apenas uma localidade militar, diga-se de passagem, instalada depois da ameaça
dos franceses12. Segundo Roberto Simonsen (apud COUTINHO, 2004, p. 34-5), estes
primeiros colonizadores principiaram o tráfico de índios escravizados 13, exportação de
algodão e produtos da terra, e já em meados daquele século:
[...] alguns lavradores, adentrando a boca dos nossos rios, desenvolviam rudimentar
atividade agrícola, ora no cultivo da mandioca, do arroz e do fabrico do açúcar, ora
na colheita de produtos da terra, como fumo, madeiras diversas, cascas para tinta,
etc. (COUTINHO, 2004, p. 41-2, grifo-se)14.

A existência, anterior à instalação da Companhia, de diversas atividades extrativas,


agrícolas e comerciais administradas pelos jesuítas 15, através da catequização e trabalho dos

11 Dados obtidos em Coutinho (2004, p. 34)


12 Não se objetiva abordar o início da colonização portuguesa, muito menos a fundação francesa de São Luís,
como divisores entre a pré-história e a história maranhenses, porém, apenas apontar a existência da produção
de bens comerciáveis, mesmo que em escala reduzida e parcamente integrada à economia mercantilista,
desde o século XVII.
13 É preocupação da presente monografia, já que discute ideologia e mentalidade, frisar que este tráfico deve ser
entendido, nesta passagem, como evidência da existência de relações econômicas inseridas no mundo
mercantilista, já que a ideologia da decadência estigmatizou o período colonial anterior à Companhia de
Comércio do Grão-Pará e Maranhão, “ora de gentilidade, ora de estado de barbaridade” (ALMEIDA, 2008,
p. 43), partindo do pressuposto de que tais relações econômicas seriam insignificantes, gerando certa
invisibilidade e esquecimento sobre aquele período.
14 Vale ressaltar que a fabricação do açúcar através da cana é uma atividade, mesmo que dominada pelo
colonizador português, que exige maiores conhecimentos e estrutura que a simples agricultura.
15 Segundo Almeida, a ideologia da decadência, especificamente os escritos dos patronos e clássicos que a
fundaram, é imbuída de um antijesuitismo oficial, típico da administração pombalina.

24
índios16, também possibilita refletir sobre as noções consolidadas pela ideologia. Segundo
Lima (2006, p. 70-1), um inventário dos bens dos missionários produzido por Alexandre de
Sousa Freire17 informa que os jesuítas possuíam diversas propriedades em São Luís, às
margens do Pindaré e do Itapecuru com gado, algodão, cravo, baunilha, salina e até ofereciam
a mão de obra indígena para roças, canoas e demais atividades que os colonos quisessem
explorar. Além de despertar para as noções da ideologia, estes dados possibilitam “um novo
olhar sobre a tese de miserabilidade reinante na capitania” (CAMPOS, 2010, p. 125).
Por último, conforme o próprio Alfredo Wagner B. de Almeida, o questionamento
desta linha de raciocínio desenvolvida por indivíduos das classes superiores gira em torno da
percepção de que ela encobre problemas bem maiores relacionados à natureza do sistema
agroexportador escravista, principalmente quanto à imobilização e disciplina do trabalho
sobre as classes inferiores18.
Por outro lado, a escolha deste acontecimento histórico, início das atividades da
Companhia de Comércio do Grão-Pará e Maranhão, se dá por entender que ele representa um
desvio19 essencial e marcante no sentido da colonização maranhense, especificamente na
formação de uma sociedade escravista:
O sentido da evolução de um povo pode variar; acontecimentos estranhos a ele,
transformações internas profundas do seu equilíbrio ou estrutura, ou mesmo ambas
estas circunstâncias conjuntamente, poderão intervir, desviando-o para outras vias
até então ignoradas (PRADO JÚNIOR, 1999, p. 19).

16 Os constantes conflitos que marcaram parte da História do Maranhão entre colonos e jesuítas eram relativos à
utilização do trabalho indígena. Para aqueles importava apenas utilizar o trabalho forçado dos índios, além
dos lucros obtidos com o tráfico, não tanto quanto o transatlântico. Para os últimos interessava também
catequizá-los e exercer uma forma “branda” e “racional” de exploração do trabalho indígena. Isto não quer
dizer que não houve conflitos entre jesuítas e indígenas, a exemplo de ataques destes sobre aqueles. Sobre
tais ataques, ver Coutinho (2004).
17 Alexandre de Sousa Freire nasceu por volta de 1670, formou em Teologia no Colégio de São Paulo, dirigido
por jesuítas, e entrou na vida religiosa, contudo, depois veio a seguir a carreira militar. Comandou, já no
século XVIII, um terço de tropa auxiliar na Bahia e foi Governador e Capitão-General do Estado do
Maranhão e Grão-Pará de 1728 a 1732, tendo travado diversas contendas com missionários, sobretudo
jesuítas. Ver Lima (2006), Meireles (2001) e Santos (2005).
18 Este termo será utilizado na presente monografia em referência ao discurso das elites para com estas classes,
mas frisa-se que inferior deve ser entendido como enquadramento no patamar mais baixo numa pirâmide
social, e não no sentido de inferioridade, o qual é defendido por estas elites.
19 O verbete desviar possui dois significados aqui úteis: “Mudar a direção de” e “Alterar o destino ou aplicação
de”. O verbete contínuo possui um: “Em que não há interrupção; seguido, continuado”. Logo, a
descontinuidade histórica, do presente de quem fala para o passado, legitimada pela ideologia da decadência
não o é mais através da noção de desvio, pois, pressupõe a existência de movimento enquanto a primeira
pressupõe interrupção. Ver Almeida (2008) e Ferreira (2008, p. 263 e 314).

25
1.1 – Sentido da colonização: expansão produtiva, comercial e territorial

Durante sua formação histórica, o Maranhão integrou o processo de expansão do


comércio europeu através do Atlântico, mais especificamente do império colonial português
na América (FURTADO, 1980; PEREIRA, 2006). A expansão comercial portuguesa foi
orientada pelos princípios econômicos do mercantilismo, que consiste numa série de doutrinas
e práticas dos Estados Modernos europeus adotadas para prosperar a riqueza da nação, a qual
era maior quanto mais metais preciosos existissem dentro do país, necessitando apresentar
uma balança comercial favorável. Cada Estado Moderno europeu adotou uma política
mercantilista específica para obter êxito econômico. Portugal direcionou-se para a prática
colonialista como instrumento de seu mercantilismo.
A região que hoje constitui o Estado do Maranhão passou a compor efetivamente o
império colonial português em 1615, quando da expulsão dos franceses que chegaram três
anos antes ao local onde está a cidade de São Luís. Contudo, a região passou quase um século
e meio sem ter uma participação mais efetiva na economia mercantilista. É justamente em
meados do século XVIII que surge um desvio essencial e marcante no sentido da colonização
maranhense, resultando em sua sociedade escravista.
A Cia. de Comércio do Grão-Pará e Maranhão (1755-1778), lembrando que ela
simboliza um processo mais abrangente (a estruturação do sistema agroexportador), surge no
mesmo contexto de outra similar, a Cia. de Comércio de Pernambuco e Paraíba (1759-1780).
Durante o século XVIII, a política mercantilista portuguesa estava significativamente voltada
para o Brasil, e o Estado português já apresentava sinais de crise financeira, que foi
contornada na primeira metade do século através da compensação da balança comercial pelo
ouro produzido na colônia. Apesar desta primeira metade do século ter presenciado uma
revolução dos preços, que proporcionou longo período de ascensão econômica mundial,
Portugal constantemente enfrentava problemas para manter sua balança comercial favorável
devido a fatores como: inexistência de uma burguesia mercantil ativa, produção interna
agrícola e manufatureira reduzidas, declínio da indústria açucareira colonial desde o século
anterior; resultando em desmonetarização na metrópole (RIBEIRO JÚNIOR, 1976).
Neste contexto de crise, inicia-se em Portugal o período pombalino, assim
denominado por ser quando o Marquês de Pombal, ministro de D. José I, assume diversas
atribuições governamentais, garantindo onipresença nos assuntos concernentes ao Estado. O

26
Marquês era bastante influenciado pelo nascente iluminismo europeu, o qual adentrou
lentamente em Portugal sob os olhos do Estado, e como homem pragmático que era, diante do
quadro traçado acima, viabilizou uma série de reformas políticas, sociais e econômicas
preocupadas “em aumentar a eficácia administrativa” (RIBEIRO JÚNIOR, 1976, p. 42).
Quanto à colônia, pretendia “um reativamento da economia vigente antes do surto minerador”
(RIBEIRO JÚNIOR, 1976, p. 40) e, para isso, cria as Companhias de Comércio do Grão-Pará
e Maranhão e de Pernambuco e Paraíba como instrumento para, respectivamente, integrar
uma região praticamente isolada das relações comerciais e reativar uma região açucareira em
declínio, ou seja, revigorar o mercantilismo e o comércio através da agroexportação
escravista.
As normas mercantilistas, sem ortodoxia, foram as soluções adotadas por Portugal
pombalino na tentativa de regeneração econômica. O fortalecimento do Estado
absolutista, intrínseco à prática mercantilista, foi elemento constante nesse período, o
que explica as arremetidas do déspota contra o clero e a nobreza, visando antes
subordiná-los do que destruí-los (RIBEIRO JÚNIOR, 1976, p. 42).

Desta forma, é como instrumento de inserção efetiva do Maranhão no complexo


mercantilista, objetivando transformá-lo em área produtora de divisas para a metrópole
portuguesa, que é criada aquela primeira companhia. E como tal, detentora do monopólio do
comércio, ela deveria estimulá-lo através do fornecimento de escravos africanos, créditos e
ferramentas para a produção agrícola, para os fazendeiros (CAMPOS, 2010, p. 130; PRADO
JÚNIOR, 1999, p. 149). E assim o fez, principalmente pelo investimento na produção de
algodão e arroz aproveitando a conjuntura internacional20 favorável aos dois produtos:
Os dirigentes da companhia perceberam desde o início que o algodão era o produto
tropical cuja procura estava crescendo com mais intensidade, e que o arroz produzido
nas colônias inglesas e principalmente consumido no sul da Europa não sofria
restrição de nenhum pacto colonial (FURTADO, 1980. p. 91).

A Companhia é extinta em 1778 por D. Maria I, contudo, a mercantilização da


economia maranhense já tinha garantido vida própria, ressalvadas as características inerentes
a tal sistema e suas crises (FARIA, 2001, p. 31), e a produção destes dois itens e de outros
continuou a crescer. A conjuntura internacional também favoreceu para que a produção não
decaísse quando da extinção da Companhia, devido às lutas pela independência das treze
colônias inglesas (MEIRELES, 2001, p. 170) e à crescente demanda de algodão por parte da

20 A historiografia transformou Marquês Pombal em um mito que promoveu repentinamente o desenvolvimento


comercial maranhense, então, torna-se importante ressaltar a conjuntura internacional como incentivadora da
instalação e consolidação do sistema agroexportador. Basta comparar as estatísticas comerciais de meados do
século XVIII em diante para observar que mostram um crescimento compassado das exportações de algodão
e arroz.

27
indústria têxtil, em plena Revolução Industrial. O arroz favoreceu-se no mercado português
com a crise nacional de produção do trigo e com o aumento da população europeia (FARIA,
2001, p. 32). Acontecimentos externos ao Maranhão e específicos de outros países ainda
influenciariam a produção cotonicultora e a arrozeira em outros momentos durante o século
XIX (FARIA, 2001, 31-2).
Para demonstrar que a direção histórica tomada pelo Maranhão, quando de sua
definitiva integração na economia mercantilista, não foi afetada pela extinção da Companhia,
cabe comparar alguns dados. Segundo Fran Paxeco (apud MEIRELES, 2001, p. 170), entre
1760 e 1771 partiram de São Luís para Portugal 71 navios levando, dentre outros produtos,
112.339 arrobas de algodão, 4.437 de arroz e 249.780 de atanados. Segundo dados do Resumo
dos Interesses que tem produzido as Praças do Pará e Maranhão, depois da extinção da
Companhia mostrando-se a quantidade de gêneros e seus valores, os Direitos competentes
que pagão tanto na casa da Índia, e Alfandega como ainda mesmo os seus Dismos e fretes
etc. (1778-1779), nestes anos entraram em Lisboa 31 navios com 50.856 arrobas de algodão,
210.000 de arroz, 44.939 atanados, 12.647 couros em cabelo e 2.372 meios de sola, sendo
“que a maior parte das cargas pertencesse a negociantes particulares” (apud CAMPOS, 2010,
p. 134-35). Nos dois últimos anos analisados, a exportação anual de algodão, arroz e atanado
(couro curtido) aumentou, sendo que os dois primeiros em proporções enormes. Este aumento
produtivo durará até, pelo menos, fins da segunda década do Oitocentos.
GRÁFICO 1 – Exportação de algodão 1760-1819

FONTE: Faria (2005, Gráfico 1).

28
A busca por terras para a produção dos principais artigos de exportação consolidou o
território do Maranhão que hoje conhecemos, assim como fundou vilas e aumentou a
população da província21. Para entender tal processo vale lembrar que, segundo Maria do
Socorro Coelho Cabral (1992), houve duas frentes de expansão da conquista e ocupação: uma
litorânea, a partir da cidade de São Luís e voltada para o comércio metropolitano, adentrando
pelos rios Itapecuru, Munim, Pindaré e Mearim, e outra interiorana, através da expansão da
pecuária ligada à produção açucareira na Bahia e em Pernambuco, chegando pelo sudeste.
A intensificação produtiva agroexportadora fez com que a frente litorânea adentrasse
pelos rios e ocupasse mais áreas para a produção e a interiorana expandiu até as áreas
limítrofes sul e sudoeste do atual território. O algodão possui certa especificidade técnica que
proporcionou mais ainda a expansão territorial:
Na localização, o algodoeiro não acompanhará as antigas e tradicionais culturas
tropicais brasileiras: o açúcar e o tabaco. Rebelde à umidade, e particularmente à
irregularidade das precipitações, que na época em que se abrem as maçãs deterioram
a fibra, as regiões mais arredadas do litoral, onde as chuvas são menos frequentes e
mais regulares, se avantajam sobre os setores que foram os de eleição para a cana e o
tabaco. No Maranhão, as culturas se internam subindo as margens do Itapicuru, e se
concentram sobretudo em Caxias. Deste último distrito provinha mais da metade da
produção maranhense (PRADO JÚNIOR, 1999, p. 150).

Já na década de 1820, o Frei Francisco de Nossa Senhora dos Prazeres (1891, p. 126),
um dos patronos da historiografia regional, retrata as margens do rio Itapecuru como “as mais
próprias para arroz e algodão” e “onde vivem os maiores lavradores da província”, sendo que
cada fazenda apresentava quantidade considerável de escravos. Ele também descreve a
ocupação das margens do Munim, próprias para a cultura do algodão, e as do Mearim e
Pindaré, mais voltadas para a pecuária. Esta frente de expansão territorial adentrou o baixo
curso desses quatro rios para conquistar e produzir em suas margens, através de mercadorias
voltadas para a exportação e em escala menor para o consumo interno da província.
Posteriormente, a cana-de-açúcar também contribuirá para consolidar e intensificar a
conquista da Baixada e do litoral ocidental (FARIA, 2001, p. 45). A navegação costeira e a
dos rios Itapecuru, Mearim e Pindaré possibilitaram a penetração da frente de expansão
litorânea. Tão importante quanto essa frente foi a interiorana, não tanto pela exportação de
seus produtos – já que o algodão, o arroz e, depois, o açúcar eram bem mais comercializados
21 É interessante ressaltar que este aumento populacional diz respeito apenas aos grupos sociais integrados, de
uma forma ou de outra, à conquista “civilizacional” do território. Antes da chegada dos colonizadores às
terras que futuramente constituíram o Maranhão, nelas vivia enorme quantidade de índios, divididos em
diversas etnias, que foram assassinados ou traficados como escravos para outras capitanias, a medida que a
“civilização” avançava. Apenas uma parcela menor da população real indígena foi incorporada a esse
processo.

29
para o exterior que o couro –, e sim por ocupar áreas pouco habitadas do sertão. No início do
século XVIII chegava ao Maranhão a frente de expansão interiorana, ligada à atividade
pecuária do Nordeste açucareiro. Com a instalação do sistema agroexportador, a expansão da
pecuária se torna mais atuante na ocupação do território maranhense, pois as ligações com a
região da frente de expansão litorânea passam a ser muito mais constantes, através da
exportação de couro e, principalmente, pelo fornecimento de carne para consumo interno,
logo, a relação dicotômica litoral/sertão passa a ser minimizada por haver certa integração
econômica da região meridional, como defende Cabral (1992, p. 159): “Durante o Império,
ampliaram-se os vínculos comerciais do sertão com o litoral. As exportações de couro
ganharam vulto e a região tornou-se distribuidora de gado para a capital e para os centros
algodoeiros e açucareiros”.
A frente de expansão do gado também fundou vilas e conquistou a região 22, porém,
com uma densidade populacional mais rala. A vila de Aldeias Altas, atual cidade de Caxias, é
um símbolo do processo de integração regional entre norte e sul, pois, integrada inicialmente
pela expansão da atividade pecuária, posteriormente pela cotonicultura, devido à expansão
desta atividade no Vale do Itapecuru. Sendo assim, passou a ser um grande entreposto
comercial, ligando o norte ao sul do Maranhão, sendo passagem também para outras
províncias, comercializando desde o gado, produtos alimentícios e da terra em geral, arroz e
algodão. Prazeres (1891, p. 133) a retratava como “a mais antiga, florecente e comerciante da
provincia”.
A pecuária também foi importante quanto à delimitação dos limites territoriais com as
províncias do Goiás e Pará, que só foi definitivamente solucionada na década de 185023. As
fronteiras maranhenses claramente tenderam a acompanhar grandes rios e acidentes
geográficos importantes, inclusive sendo esta a política oficial 24. Contudo, para garantir os
22 Mais uma vez deve-se lembrar que o avanço da “civilização” desconsidera a população indígena
“incivilizada” em suas estatísticas, ou seja, aqueles que permaneciam vivendo nas matas e recusando a tutela
do Estado não faziam parte da população.
23 O decreto nº 639 de 12/06/1852 desanexou da província do Pará e incorporou ao Maranhão o território entre
os rios Turiaçu e Gurupi, tornando o último a fronteira interprovincial. O decreto nº 773 de 23/08/1854
sancionou a atual fronteira entre Maranhão e Goiás “de conformidade com o auto de demarcação celebrado
[entre as duas províncias] em nove de Julho de mil oitocentos e dezesseis”. Interessante notar que esta
fronteira já era definida, porém, a atual cidade de Carolina ainda estava sob jurisdição do Goiás, devido à
incapacidade do governo provincial maranhense atuar sobre a região, o que só começou a se efetivar a partir
de meados do Oitocentos. Legislação disponível em <www.senado.gov.br/legislacao>. Acesso em: 20 jun
2011.
24 Um Ofício ao capitão de Regimento de Linha desta cidade Francisco de Paula Ribeiro enviado pelo
Governador Paulo José da Silva Gama em 15/02/1815 ordena ao referido militar a missão demarcatória entre
as províncias do Maranhão e Goiás e apresenta algumas orientações, dentre as quais “lembrar-se que os
cumes dos montes e rios são os melhores designativos para a linha divisória”, mesmo que fosse necessário

30
interesses da província do Maranhão (arrecadação de impostos) era necessário fundar
povoados nestas regiões fronteiriças, a exemplo de Porto Franco 25. Desta forma, a pecuária foi
gradativamente incorporando terras ao sul e ao sudoeste.
Acompanhando a produção pecuária do sul, cabe ressalvar que vilas situadas ao norte
do Maranhão, como Brejo, Guimarães e Icatu, nem sempre tinham sua produção direcionada
principalmente para o mercado externo:
Se a agroexportação intensificou a ação colonizadora, propiciando o crescimento
populacional e o avanço da conquista do território, levando consequentemente à
formação de novos povoados e vilas, convém lembrar que determinadas áreas
permaneceram dedicadas à produção para o mercado interno (FARIA, 2001, p. 44).

Por fim, a região mais a oeste do Maranhão continuou pouco integrada à economia
agrícola e pecuária, mantendo suas densas matas. Durante o século XIX estava praticamente
ocupada por índios e quilombolas, vindo a ser incorporada à “civilização” apenas a partir de
meados do século seguinte (FARIA, 2001, 45).
Traçado o sentido tomado pela colonização maranhense em seus principais aspectos
produtivo, comercial e territorial, é interessante relembrar o trecho da obra de Caio Prado Jr.
onde são discutidas as características que distinguem e definem a produção agrícola em larga
escala:
E isto tem grande significação econômica e social. É deste tipo de organização em
que se constitui a lavoura brasileira que derivou toda a estrutura do país: a disposição
das classes e categorias de sua população, o estatuto particular de cada uma e dos
indivíduos que as compõem. O que quer dizer, o conjunto das relações sociais no que
têm de mais profundo e essencial (PRADO JÚNIOR, 1999, p. 143, grifou-se).

Deixado bastante evidente que a grande lavoura maranhense, a semelhança da


nacional, direcionou as relações sociais até pelo menos fins do século XIX, é de extrema
necessidade frisar, para não descredibilizar a presente pesquisa e seu referencial teórico, que
há discordância específica quanto a definição do estatuto dos indivíduos que compõem
determinada classe, conforme mencionado no trecho acima.
Todas as pessoas possuem uma determinada visão de mundo – algo similar ao definido
por Prado Jr. como estatuto – que é, segundo Lukàcs (apud CHARTIER, 2002, p. 47),
definida como o “conjunto de aspirações, de sentimentos e de ideias que reúne os membros de
um mesmo grupo (de uma classe social, na maioria das vezes) e os opõe a outros grupos”.
Complementando o conceito de Lukàcs, Thompson afirma que a classe existe “quando alguns
abrir mão de parte do território. Ver Franklin e Carvalho (2007, p. 34-6).
25 Segundo Trovão (2008, p. 23), o governo do Maranhão fundou em 1855 o povoado de Porto Franco, na
margem ocidental do rio Tocantins, em frente ao povoado goiano de Boa Vista, objetivando evitar contendas
em áreas fronteiriças.

31
homens, como resultado de experiências comuns (herdadas ou partilhadas), sentem e
articulam a identidade de seus interesses entre si, e contra outros homens cujos interesses
diferem (e geralmente se opõem) dos seus” (apud PEREIRA, 2006, p. 28-9). Logo, cada
sujeito possui profunda ligação com a posição que ocupa em determinado modo de produção,
assim como sua visão de mundo certamente não é independente da classe social a que
pertence, contudo, sua participação na sociedade e sua visão de mundo não são determinadas
apenas por estes critérios, mas por uma gama de outros elementos que compõem a sua
experiência.
Por fim, cabe afirmar que a essas expansões produtiva, comercial e territorial, que
vieram a modificar a estrutura socioeconômica do Maranhão oitocentista, estavam inseridas
no processo de expansão da grande lavoura, da pecuária e do Estado. A partir de 1830 26 o
sistema agroexportador entrará em lento declínio, o que não significou estagnação da
expansão de todas as atividades produtivas e comerciais. Desta forma, a exportação do
algodão apresentou grande queda ainda na década de 1820, quando sintomaticamente alguns
patronos e clássicos escreveram suas obras.
GRÁFICO 2 – Exportação de algodão 1820-1888

FONTE: Faria (2005, Gráfico 1).

26 A exportação açucareira começara já durante o lento declínio da agroexportação algodoeira e surge


exatamente como estratégia de substituição da exportação desse produto.

32
Todavia, durante toda sua existência, o sistema agroexportador sempre enfrentou
dificuldades, quer nas épocas de retração ou de expansão. No entanto, os letrados,
diagnosticando os problemas de seu tempo, viam-nas como entraves que prejudicavam a
expansão do sistema. Vendo a época em que viviam por meio da ideologia da decadência,
consideravam que os entraves eram atuais, diante de um passado de “prosperidade”.
Enfrentar dificuldades é inerente a essa atividade econômica, sempre dependente do
mercado externo, de condições climáticas e outras questões conjunturais. Procurando entender
os entraves apontados pelos letrados, assim como as transformações ocorridas durante a
desagregação do escravismo no Maranhão, será analisada a estrutura socioeconômica da
grande lavoura no século XIX.

1.2 – Estrutura socioeconômica

O crescimento dos vínculos mercantilistas no Maranhão proporcionou uma série de


transformações sociais e econômicas que vieram consolidar o denominado sistema
agroexportador escravista. Alguns números, a exemplo dos citados no item anterior, podem
demonstrar facilmente algumas destas transformações: aumento da produção de gêneros
exportáveis, da população, dos impostos arrecadados e da circulação monetária. Melhor ainda
é perceber as entrelinhas que esses simples números podem conter, perceptíveis pela
observação de outros elementos.
Analisando primeiramente as estatísticas populacionais, a historiografia maranhense
tem apresentado dados de diversas fontes sobre as primeiras décadas do século XIX, que
demonstram certa inexatidão, contudo, da comparação entre as fontes é possível apontar
algumas tendências. A expansão da empresa tropical maranhense incentivou a vinda
espontânea de colonizadores portugueses e impôs a de africanos escravizados, levando a um
significativo aumento populacional (FARIA, 2001, p. 47). Segundo Meireles (2001, p. 190-
91), este acréscimo, durante a última metade do século XVIII, tem sua principal manifestação
no aumento dos escravos africanos. Em 1798, existiam na capitania27 78.860 pessoas e 46,5 %
eram escravos (africanos e seus descendentes).
27 Em 1772 a Coroa portuguesa dividiu o Estado do Grão-Pará e Maranhão, passando a existir o Estado do
Grão-Pará e o do Maranhão e Piauí, sendo que esta divisão só foi efetivada aqui em 1775. Então, desta data
até 1811 este Estado ficou subdividido em duas capitanias: a do Maranhão e a do Piauí, sendo esta
subordinada àquela. Ver Meireles (2001, p. 171).

33
No intuito de fazer comparações e perceber tendências, toma-se a liberdade de
reproduzir tabela com dados obtidos por Antonio Bernardino Pereira do Lago, presente na
obra de Regina Helena Martins de Faria:
TABELA 1 – População Livre e Escrava no Maranhão – 1821.
HOMENS MULHERES TOTAL
LIVRES 68.359
Brancos 12.647 11.347 23.994
Índios 5.118 4.569 9.687
Mulatos 13.419 11.874 25.111
Eclesiásticos - - 259
ESCRAVOS 84.534
Mulatos 3.706 2.874 6.580
Pretos 42.980 34.974 77.954
TOTAL 152.893
FONTE: Faria (2001, Tabela 1).

Conforme esses dados, a população escrava representava 55,3% da total, mostrando a


importância da escravidão para a agroexportação maranhense. Lago (apud FARIA, 2001, p.
48) “indica que 89.494 pessoas trabalhavam em atividades agrícolas no Maranhão, no ano de
1821 […] entre estas, 69.534 (77,7%) eram escravos. A maioria dos cativos (82,2%) estava,
portanto, nos trabalhos do campo e, certamente, na grande lavoura”. A população escrava
cresceu paralelamente ao crescimento da economia maranhense, isto é, este foi sustentado
pela mão de obra forçada daquela.
A participação econômica do escravo na grande lavoura maranhense pode ser afirmada
mais ainda quando confrontados esses dados com os de 184128, quando existiam 111.905
escravos29, equivalendo a 51,6% da população total. Os escravos ainda eram extremamente
importantes para a agroexportação, porém, o lento declínio desta já se fazia perceber na
diminuição proporcional dos cativos e ainda seria mais visível após o início, em 1846, do
tráfico interprovincial para a região cafeeira, ampliado com a proibição do tráfico
intercontinental de escravos30. E, para finalizar a apresentação de estatísticas sobre o aumento

28 Obtidos em Faria (2001, p. 48-9).


29 Houve um aumento do quantitativo de escravos relativamente a 1821, o que se justifica pelo fato de a
economia maranhense não ter parado de crescer, apesar das crises conjunturais.
30 Segundo Ribeiro (1990, p. 82-3), o Maranhão deixou de ser rota do tráfico intercontinental de escravos ainda
em 1831, quando da primeira lei declarando sua ilegalidade, devido a crise econômica vivenciada e causada
pela queda dos preços do algodão desde a década anterior. Por outro lado, citando trabalho anterior de sua
autoria, Faria (2001, p. 49-50) afirma a existência de indícios de que o Maranhão recebia escravos, apontados

34
dos escravos, toma-se novamente a liberdade de reproduzir tabela de outro trabalho
(RIBEIRO, 1990, p. 57) para que se observe a importância da mão de obra escrava através da
singularidade vivenciada pela província durante o quinquênio de maior exportação de
algodão31:
TABELA 2 – População das Províncias brasileiras na época do “boom” econômico
maranhense - 1819.
PROVÍNCIAS LIVRES ESCRAVOS TOTAL % DE ESCRAVOS
Amazonas 13.310 6.040 19.350 31,6
Pará 90.901 33.000 123.901 26,6
Maranhão 66.668 133.332 200.000 66,6
Piauí 48.321 12.405 60.726 20,3
Ceara 145.731 55.439 201.170 27,6
Rio Grande do Norte 61.812 9.109 70.921 12,6
Paraíba 79.725 16.723 96.448 17,4
Pernambuco 273.832 97.633 373.465 26,3
Alagoas 69.094 42.879 111.973 38,3
Sergipe 88.783 26.213 114.996 22,8
Bahia 330.649 147.263 477.912 30,8
Espírito Santo 52.573 20.272 72.845 27,7
Rio de Janeiro e Corte 363.940 146.060 510.000 28,7
São Paulo 160.656 77.667 238.232 32,6
Paraná 49.251 10.191 59.442 17,2
Mato Grosso 23.216 14.180 37.396 38,6
Santa Catarina 34.859 9.172 44.031 21,9
Rio Grande do Sul 63.297 28.253 92.180 30,7
Minas Gerais 463.342 168.543 631.543 26,7
Goiás 36.368 26.800 63.168 42,3
FONTE: Ribeiro (1990, Tabela 8).

Os dados sobre a população escrava confirmam a natureza escravista da economia


agroexportadora maranhense. Para reforçar essa compreensão pode-se citar autores do
período, que frequentemente comentavam sobre a carestia de produtos alimentares,
principalmente nas cidades:
A carestia ou falta de viveres, à excepção das carnes verdes em certo tempo, não
deixa de ser ás vezes bem consideravel n'este local. De ordinario a plantação dos

como provenientes de outras províncias, mas que poderiam muito bem ser africanos, oriundos de
desembarques clandestinos.
31 Dados estatísticos referentes ao ano de 1819 e atribuídos ao Conselheiro Antonio Veloso de Oliveira. Ver
Ribeiro (1990, p. 57).

35
legumes e de outras cousas necessarias á vida é preterida pela do algodão em quasi
todo ou em todo Itapucurú povoado; e na maior parte os seus lavradores não deixam
em outros lugares assaz distantes esses generos para o seu sustento. Eis aqui de
donde vem o principal motivo de uma miseria indubitavel; porque quando a
subsistencia, circumstancia que a lavoura deve olhar como da primeira necessidade,
falta primeiro áquelles que a deveriam ter promovido para outros; a fome geral da
probreza é um resultado infallivel (RIBEIRO, 1848, p. 51).

Neste trecho, Francisco de Paula Ribeiro está falando sobre a vila que é considerada a
de maior comércio, por ele e por Prazeres, lembrando que Caxias fica no Vale do Itapecuru,
onde estavam ricos cotonicultores, responsáveis pela maior produção agrícola da província.
Destarte, percebe-se o quanto a grande lavoura influenciava na economia local através dos
fazendeiros que iam às feiras comprar a maior parte das carnes “para o sustento de suas
escravaturas” (RIBEIRO, 1848, p. 49), assim como também direcionando a produção de
outras regiões (o sertão, Guimarães, Brejo) para subsidiar a grande lavoura.
A economia escravista também possibilitou certa mudança de hábitos dos
proprietários, tais como a compra de artigos de luxo e o envio dos filhos à Europa para
estudar. Segundo Prazeres (1891, p. 134):
Antigamente todas as mulheres uzavam de uma toalha em lugar de manto ou capa,
(1) oje só algumas pobres uzam d'ellas porque as outras todas se aceiam com bons
vestidos. Em casa as brancas nunca apareciam a homem, que não fosse de sua
família; oje já aparecem muito, quazi todas da cidade, e ribeira da Itapicurú.

Aqui vemos também as mudanças comportamentais relativas ao espaço urbano.


Contudo, o que interessa a esta monografia é observar a dinâmica social referente à relação
entre as elites e os escravos, especificamente as representações dos letrados sobre os últimos
que influenciariam as mudanças32 na imagem social dos futuros libertos durante a transição
para o mercado de trabalho livre. Sendo assim, retomando os dados da tabela 3, existia uma
minoria considerada branca de 15,7 %, que, a exceção dos brancos pobres, atuava no topo da
pirâmide de uma sociedade escravista e estratificada, impondo submissão e trabalho forçado a
mais da metade da população. Estas relações sociais eram extremamente desiguais e eivadas
pela marca ou estigma da escravidão, pois, a caracterização das classes ou estratos sociais por
parte das elites levava principalmente em conta o critério étnico, mesmo havendo certa
mobilidade social.
Consequentemente, seguindo os passos de Faria (2001), quanto à caracterização social
que alguns patronos e clássicos fizeram das classes, e de Almeida (2008), quanto ao
32 Talvez estas mudanças não tenham representado grande transformação sobre imagem social. Suas principais
características podem estar mais vinculadas à hierarquização social constante no período escravista que a
uma nova ética do trabalho livre, todavia, as transformações foram influenciadas justamente pela perspectiva
de subordinar o ex-escravo e seus descendentes a esta nova ordem, preservando certas estruturas de poder.

36
significado deste esforço intelectual das elites, opta-se por analisar a classificação social
elaborada por estes letrados do início do Oitocentos. Começa-se, então, com os escritos
deixados pelo Frei Francisco de Nossa Senhora dos Prazeres (1891, p. 133-34), que desde o
começo de sua descrição Dos abitantes do Maranhão, seos costumes e língua deixa evidente
que “A respeito dos costumes religiozos não entro em miudezas; só digo que os vicios da
incontinencia, da ambição e da crapula (nas classes inferiores) com os mais que d'estes
nacem, estão muito arraigados n'este paiz”. E logo adiante faz a ressalva de ainda existirem
pessoas virtuosas, informando um pouco de seus hábitos e características, o que, para Faria
(2001, p. 52), representa a tendência dos letrados de não retratarem a sociedade como um
todo, talvez por estarem divididos em estratos sociais tão desiguais. Todavia, pensa-se que
este trecho da obra, apesar da visível dificuldade do autor de lidar com uma classificação
totalizante, acaba por jogar em polos opostos as classes inferiores e as superiores, sendo
aquelas as detentoras dos vícios.
Prazeres (1891, p. 134) divide as classes sociais hierarquicamente em quatro: brancos,
índios, pretos e pardos. Os brancos são brasileiros ou estrangeiros, sendo a maioria destes
portugueses, os quais são os mais ricos “tanto em lavoura, como em comercio”. Ao falar
sobre os índios, em especial os selvagens 33, ele descreve-os detalhadamente, assim como seus
hábitos. Os outros índios seriam os cristianizados, já praticamente mestiços ou pardos 34,
porém, permanecendo indolentes. “Algumas nações tem oferecido paz, mas situando-as os
governadores da provincia nas vizinhanças dos brancos com adjutorios para a sustentação e
lavoura, muitas fogem outra vez para os matos, onde podem viver sem trabalhar”
(PRAZERES, 1891, p. 137). Este trecho apresenta uma noção do trabalho que desvaloriza as
atividades produtivas indígenas, tomando-as como não trabalho. Esta desvalorização do
trabalho é acompanhada também do preconceito étnico, que atribui caracteres negativos
(indolência, vícios, preguiça) ao índio.
Também é importante citar a divisão de Lago (1872, p. 411) sobre os índios, pois, ao
que parece, é a mais utilizada e a que tem importantes especificidades:
Distinguirei tres qualidades de indios; 1º civilisados que são aquelles que observam
nossas leis, usos e costumes; 2º domesticados, aquelles que vivem aldêados,
conervando porém seus usos, mas plantando e sem commetterem hostilidades; 3º
selvagens aquelles errantes sem domicilio certo e commettendo assassinios sempre

33 O olhar dos europeus e até de brasileiros tão eurocêntricos quanto aqueles, é voltado para os índios
“incivilizados”, o que se explica pela busca de tentar entender o outro, sendo que duas ideologias passaram a
existir para tal: etnocentrismo e exotismo. Para tal questão ver Faria (2001, p. 57-60).
34 Interessante notar que, para Prazeres, a cristianização do índio e vivência junto à colonização já possibilita
chamá-los de caboclos, praticamente todos já mestiços, perdendo sua indianidade.

37
que podem.

Os “pretos” são divididos por Prazeres em escravos e forros, assim como em africanos
e crioulos, estes, os nascidos no Brasil. Contudo, após esta divisão, o autor fala unicamente
dos escravos, os trabalhadores das lavouras, cuja “maior parte são tratados como escravos,
isto é, com pouco comer e muito trabalho” (PRAZERES, 1891, p. 138). Desta forma, apesar
de falar sobre as tiranias sofridas e mesmo da existência de “pretos” não escravizados,
Prazeres naturaliza a condição escrava dos “pretos”, assim como o tratamento violento,
tomando-os como sinônimo de escravos, estigmatizando-os. Faria (2001, p. 57), mesmo
afirmando que Prazeres também encara o trabalho agrícola como o papel social do “preto”,
atribui apenas a outros dois letrados 35, que veem os “negros” ou “pretos” como um único
grupo, a característica de naturalização da condição escrava do “preto”:
Expressam, assim, a estigmatização que recai sobre os africanos escravizados,
subtraindo-lhes a identidade étnica e cultural e impingindo a de cativo: o africano
torna-se escravo e, estando enegrecida a escravidão, ser negro é ser escravo. “Negro”
ou “preto” passam a ser termos equivalentes a escravo. Daí os índios escravizados
serem chamados “negros da terra”.

Por fim, Prazeres (1981, p. 138) fala sobre os mestiços ou pardos como resultado da
mistura das outras três classes, os quais, junto com os pretos, eram os que mais se ocupavam
dos maiores labores. A descrição sobre alguns hábitos urbanos dos mestiços mostra certa
tendência para igualá-los aos escravos:
Ainda se encontram mesmo pela cidade muitas pessoas (regularmente escravos) de
ambos os sexos núas da cintura para cima. Muitas pretas e mestiços trazem a cabeça
e pescoço coberto de ouro; algumas senhoras caprixam em trazer atraz de si duas ou
trez escravas carregadas do dito metal.

Esta definição incerta dos mestiços, que se faz presente em outros letrados, pode servir
de indício de que eles também sofriam, como ainda sofrem, com o estigma da escravidão.
Para complementar a classificação de Prazeres, é interessante notar que Francisco de Paula
Ribeiro (1848, p. 49-52) sistematiza superficialmente os habitantes da província em classes
sociais, sobressaindo sua obra pela descrição que faz dos índios, devido ao contato que teve
com eles em suas diversas missões ao sertão e de combate às “correrias”36.
Ao descrever as vilas de Itapucurú Mirim e Caxias, ele informa que a maior parte de
seus habitantes eram europeus37, vivendo do comércio e o restante eram pobres indolentes e
preguiçosos. Ainda fala da existência de nacionais que lidavam com o escoamento da lavoura

35 Raimundo José Souza Gaioso e Antonio Bernardino Pereira do Lago.


36 Este termo era utilizado à época para definir os ataques indígenas às povoações e fazendas.
37 Muito provavelmente, a maioria era portuguesa.

38
para a capital. Estes trechos são indícios, aliados à interpretação social de Gaioso (apud
FARIA, 2001, p. 53-6), que confirmam a empresa agroexportadora como aliança entre capital
mercantil38, Estado e grande proprietário rural.
Gaioso enquadra os “filhos do reino” e os “nacionais” em classes diferentes e com
fortes rivalidades, apesar de não culpar todos os reinóis pelos problemas causados ao Brasil.
Contudo, ele representa uma parcela destes como responsável principalmente pelo
endividamento dos proprietários rurais, em sua maioria nacionais, sendo que os portugueses a
que se referia eram os grandes comerciantes e os altos funcionários públicos. Daqui percebe-
se um dos problemas que afetaram a agroexportação e a relação entre fazendeiros e
comerciantes, não só no Maranhão, durante todo o Oitocentos: o endividamento constante
daqueles junto a estes.
Apesar de suas rivalidades, estas duas classes tinham muito mais aspectos de
solidariedade entre si, o que permite classificá-los como a minoria branca. Nos escritos dos
letrados percebe-se que as outras classes (negros, índios e mestiços) eram desenhadas como
um todo - a exemplo do termo classes inferiores de Prazeres - corrupto, vicioso, indolente e
preguiçoso, desqualificado ainda com muitos outros adjetivos em tons recriminadores. Por
outro lado, esta classificação das classes sociais, tendo a cor como categoria essencial, não foi
capaz de formar uma sociedade estanque. A historiografia apresenta exemplos de que houve
mobilidade social, um escravo podia torna-se forro ou um índio “civilizado” ser considerado
mestiço, e ambos podiam ascender socialmente. Esta maleabilidade social ocorria também
pela maleabilidade e tendência para miscigenação do português, apontadas por Sérgio
Buarque de Holanda (1995) e Gilberto Freire (1984).
Todavia, essa característica social conviveria com a visão hierarquizada das classes
sociais, como se vê nos escritos dos letrados, hierarquia determinada essencialmente pelo
critério étnico. Segundo Faria (2001, p. 62), o preconceito racial relativo aos negros teve
incentivo oficial, ainda no período colonial, quando foi estimulada a miscigenação dos
brancos com os índios e a integração destes à colonização, nada sendo feito a este respeito em
relação aos “pretos”. Além disto, estas classificações sociais já tinham o embrião do que se
tornou mais intenso no discurso raciologista da segunda metade do século XIX, que defendia
o embranquecimento, físico e ideológico, e que influenciou profundamente as propostas de
transformação do trabalho, principalmente no que tange aos africanos e seus descendentes

38 Até pelo menos o decênio de 1820 o capital português predomi nava sobre o nacional.

39
escravizados.
Por fim, após constatar que a sociedade escravista maranhense foi sustentada sobre
relações desiguais, tendo o critério étnico grande importância na definição das classes como
superiores ou inferiores, cabe duas ressalvas. A primeira é que esta classificação tem em vista
principalmente a região de expansão litorânea, pois, apesar de existirem proprietários rurais e
também escravos no sertão dos Pastos Bons 39, lá é gestado um tipo de elite que só começará a
aproximar-se culturalmente da nortista em fins do século XIX, assim como apresentará
conflitos políticos, que essa também possui só que em menor escala, com os controladores do
aparelho governamental40. Contudo, acredita-se que estas diferenças, a semelhança da
solidariedade entre comerciantes e grandes proprietários, não alteram substancialmente a
hierarquia da sociedade sertaneja e, especificamente, a imagem construída sobre o negro.
A segunda ressalva é que este quadro socioeconômico do Maranhão, aqui apresentado,
é bem característico de um período da expansão do sistema agroexportador, o qual
apresentará lento declínio a partir do decênio de 1830. Os letrados maranhenses apresentaram
uma série de entraves que possibilitaram e intensificaram este declínio, assim como
aconteceram transformações a partir de meados do século que direcionaram para a
desagregação do sistema escravista, influenciando a produção literária daqueles.

1.3 – Forças contrárias à prosperidade e a mudança dos tempos

Segundo Almeida (2008, p. 46-57), os escritos sobre a decadência da lavoura de


Garcia de Abranches, Gaioso e Manoel Antonio Xavier utilizam o termo entraves para
explicá-la e praticamente todos letrados propunham soluções ou medidas para cada entrave,
objetivando à prosperidade agrícola. A leitura dos letrados do início do século XIX traz à tona
uma série deles.
Lago (1872, p. 398) falando sobre o péssimo estado em que se encontrava a Vila Nova
de Pinheiro, em 1820, diz que “Os lavradores (que muitos já não são dos povoadores) são
gravemente incommodados pelo gado que alguns alli dolorosamente fazem pastar, a que
jamais deve consentir-se entre lavouras, as quaes logo se perdem”. E continua:

39 Para o estudo das especificidades históricas da região de expansão interiorana do Maranhão ver Cabral
(1992) e Franklin e Carvalho (2007).
40 Por volta de meados do século XIX há a formação de uma oligarquia política regional com práticas bem
definidas. Para entender a formação dessa oligarquia e sua atuação até as primeiras décadas do século XX,
ver Reis (1992).

40
Estes campos, onde termina o districto de Guimarães, e começa o de Alcântara,
merecem todavia observar-se de perto, para ver quantos obstáculos offerece a
produção do gado vaccum: são tres os principais: primeiro a falta d'agua; segundo, o
Morcego; terceiro, o meruim, especie de mosquito (LAGO, 1872, p. 397).

Nesses exemplos são observados problemas pontuais, mas que não deixaram de travar
o desenvolvimento das atividades produtivas.
Para Almeida, aos entraves eram geralmente atribuídos às flutuações do preço do
algodão, dos escravos e às “faltas” que necessariamente deveriam ser supridas. Sobre as
flutuações de preços tem-se que os da escravatura estavam constantemente aumentando,
gerando dificuldades no pagamento de juros altos pelo fazendeiro ao comerciante, que eram
considerados como outro entrave. Quanto ao algodão, a oscilação também prejudicava o
fazendeiro na negociação que tinha com o comprador e o exportador desta mercadoria. Então,
percebe-se que estes primeiros problemas mostram as relações complicadas entre a grande
lavoura e o capital comercial, gerando o endividamento e as crises daquela.
Podem ser elencados outros entraves apontados pelos letrados: navegabilidade dos
rios, vias de comunicação ruins, técnicas arcaicas, falta de instrução e outras mais. Contudo,
os que interessam à presente monografia relacionam-se à dinâmica social das classes
inferiores, pela necessidade de demonstrar a ação dos escravos, índios e livres pobres 41, para
não correr o risco de transformá-los em simples marionetes. É importante esclarecer que a
expansão da agroexportação no Maranhão foi dificultada, principalmente quando do seu lento
declínio, por fatores físicos e econômicos, mas também por fatores humanos. Estas barreiras
humanas ao “desenvolvimento agrícola e civilizacional” influenciaram bastante as propostas
de transformação do trabalho, principalmente nas alternativas apresentadas para manter o
caráter compulsório.
Seguindo esta linha de raciocínio, observa-se nos escritos dos letrados, principalmente
dos analisados por Almeida (2008), diversos exemplos de oposição das classes inferiores à
expansão da grande lavoura. Sobre os índios há diversos exemplos e toma-se a liberdade de
reproduzir inteiramente o título Dos Gentios Gamellas do Codó de uma das obras de
Francisco de Paula Ribeiro (1841, p. 297-98), que comandou algumas missões “defensivas”
contras eles:

41 Nas classificações dos letrados maranhenses do início do século XIX existem livres em todas as classes
sociais, e não havia uma classe específica dos livres pobres. Entretanto, seguindo a historiografia atual sobre
o período estudado, as classificações quase sempre dividem as classes inferiores ou dominadas em escravos,
índios e livres pobres, ficando neste último grupo os forros ou libertos e livres, sejam brancos, negros ou
mestiços. Certamente, como qualquer outra classe social, não há homogeneidade entre os livres pobres, ainda
mais numa sociedade escravista, devido a importância do critério étnico no cotidiano das pessoas.

41
31. Seguem-se para o rumo Sul, extremando com os Guajojáras, aquelle outro ramo
da nação Gamella, que dividido em duas grandes povoações frequentemente
hostilisa não só grande parte das fazendas que se estabelecem a Oeste do rio
Itapicurú, e que são pertencentes ao território da villa de Caxias, mas assim mesmo
todas aquellas que pelo dito lado Oeste se acham situadas pelo centro e pelas
margens do rio abaixo até à povoação ou lugar chamado Cantanhede, o qual está
situado trinta e seis leguas distante desta cidade de S. Luiz do Maranhão, segundo as
tortuosas voltas da respectiva navegação; ponto aquelle que é hoje considerado o
mais intimo dos nossos povoados, lavouras e commercio do dito Itapicurú.
32. Poderosos estes Gamellas em maior grau do que os Gamellas de Vianna,
desfructam todas as vertentes do riacho Codó que correm ao Nordeste da villa de
Caxias, e varias vezes, em retribuição das suas correrias, tem sido atacados pelas
nossas expedições dirigidas da mesma Caxias; mas infelizmente nenhuma destas
tem podido reduzil-os, antes pelo contrario ellas se recolhem em desbarato, assim
pelo methodo mau de fazer esta guerra commandada por officiaes inexpertos com
pouca gente, e essa mesma sem disciplina, como porque nunca tem sido auxiliada
por aquellas providencias inexcusaveis de similhantes casos; fatalidade esta, que
melhor analysaremos em outros lugares.
33. Os mesmos gentios tem por vezes levado captivas algumas pessoas nossas, e
entre estas a um Fuão de tal de Meirelles, que viveu com elles muitos annos, e que há
pouco tempo morreu nesta cidade, sabendo fallar muito bem aquelle idioma; porém
esta circumstancia nada serviu para approximar-se a reducção pretendida; assim
mesmo consta que dão asylo a muitos escravos fugidos de seus senhores, sendo
destes, segundo dizem, que provêm em grande parte a sua existente obstinação,
porque estes escravos, para eximir-se do captiveiro, illudem os Indios com mil
fabulas da nossa crueldade.
34. Em o anno de 1794 chegou a ser uma vez surprehendida umas das suas
povoações situada ao norte da outra, e ainda affectou querer reduzir-se; houve
porém tanta condescendencia com ella, e tão intempestiva que lhe deu tempo a
recobrar-se do sobresalto; pretendia-se arrancal-a daquelles matos, como justamente
devia ser: entretiveram elles esta sahida em quanto socegadamente sollicitavam
soccorros; deshouveram-se entre si os cabos da diligencia sobre preferencias do
commando, e entretanto chegou a outra aldêa para descercar a primeira: não houve
então mais remedio do que largar a presa, e fugir a expedição sem combater,
perseguida e frechada pela retaguarda até sahir as matas: era commandada por
Felix do Rego e Domingos Lopes, já fallecidos (grifou-se).

O próprio texto já informa muito sobre os índios e até os escravos. Era de interesse da
grande lavoura proceder a expansão territorial, porém, os índios representaram um forte
obstáculo, sendo que na região mais ocidental da província ela não obteve pleno êxito na
expulsão, domesticação ou assassinato deles. Eles também reagiam ao expansionismo dos
proprietários de terras e constantemente atacavam vilas, propriedades e lavouras, procurando
gêneros alimentícios, ferramentas e armas de fogo. Como já dito em outro momento, as
atividades produtivas dos silvícolas eram consideradas um não trabalho pela elite letrada e as
missões contra eles pretendiam domesticá-los, tornando-os “uteis a si mesmos e ao Estado”
(RIBEIRO, 1848, 46), ou afugentá-los para longe das localidades, principalmente das
fazendas.
Quanto aos sujeitos escravizados, o que se percebe nos letrados do começo do
Oitocentos é mais reclamação sobre os altos preços. Porém, certamente os cativos praticavam

42
diversas formas de resistência à escravidão42, que iam desde às fugas até o suicídio.
Independente das formas como se deu a resistência dos escravos, geralmente ela diminuiu a
produtividade da economia agroexportadora, pois, a mão de obra principal deste sistema
econômico era o próprio escravo.
Por outro lado, os quilombos têm lugar privilegiado na historiografia da resistência
escrava no Brasil43, menosprezando assim outras formas de luta. Também nesta monografia
privilegia-se o quilombo, entretanto, por questões puramente pragmáticas, já que as fontes
utilizadas nesta pesquisa pouco falam sobre as outras formas. Apesar de não haver muita
referência aos quilombos nesses primeiros letrados, Prazeres (1891, p. 114-16) relata sobre
um escravo fugido que, ao voltar da mata, fala da existência de um mocambo rico em ouro e
prata, próximo aos Campos da Lagarteira, na região da Baixada maranhense. A partir deste
boato ele usufrui de honrarias na capital e quando a expedição parte para achar o tal
mocambo, nada é encontrado. Esse relato refere-se a um quilombo que talvez nem tenha
existido, contudo, o próprio fato de acreditarem em sua existência, descontada a euforia pelo
ouro, indica que haveria semelhantes comunidades de escravos fugidos no Maranhão44.
Quanto aos livres pobres, para os primeiros letrados analisados, não representavam
tantos problemas para o desenvolvimento da lavoura, a não ser por alguns roubos e furtos
praticados. Contudo, a caracterização de indolência e preguiça permanecerá utilizada pelos
letrados até pelo menos o decênio de 187045.
A ação de resistência das classes dominadas contribuiu para o declínio do sistema
agroexportador, mesmo sabendo serem as crises inerentes a esse sistema. Contudo, a partir de
meados do século XIX outros elementos contribuíram para agravar as crises desse sistema
socioeconômico. O fortalecimento e propagação da ideologia liberal, intensificados pela
pressão diplomática e militar inglesa sobre o tráfico de escravos, possibilitou cada vez mais a
deslegitimação dessa instituição. Na lógica industrial capitalista de exploração do trabalho, a
escravidão vai deixando de ser considerada economicamente vantajosa, sendo mais
interessante a formação de mercado consumidor através do trabalho livre.
Junto às transformações internacionais ligadas ao desenvolvimento do capitalismo

42 Para um estudo mais detalhado da resistência escrava no Maranhão ver o segundo capítulo de Pereira (2006).
43 Cf. Gomes (1997, p. 03).
44 Para um estudo dos quilombos no Maranhão ver Assunção (1996).
45 O fracasso da pequena tentativa de colonização estrangeira em meados do século XIX, a desagregação do
escravismo e a vinda de retirantes cearenses com consequente fundação de colônias para recebê-los, fez com
que a impressão sobre o livre nacional alterasse de modo geral, objetivando engajá-lo na nova organização do
trabalho. Ver Almeida (2008) e Faria (2001).

43
industrial tem-se que as ações de resistência escravista praticadas pelos cativos tornam-se
mais frequentes e, consequentemente, o medo branco46 das elites também faz com que
repensem as relações de produção vigentes. Estes fatores contribuíram para a aprovação, em
setembro de 1850, da Lei Eusébio de Queiroz, que proibiu o tráfico intercontinental de
escravos47, trazendo para as elites nacionais a preocupação em substituir o braço escravo pelo
braço livre, já que a reprodução natural não proporcionava o reabastecimento desejado da
mão de obra.
As elites do Maranhão também estavam preocupada na substituição do tipo de mão de
obra a ser explorada, principalmente porque a extinção do tráfico intercontinental intensificou
o tráfico interprovincial de escravos. O quadro de declínio econômico da agroexportação e
consequente endividamento dos fazendeiros, devendo altos juros aos comerciantes, fez com
que aqueles encontrassem na venda de escravos uma saída para quitar ou amortizar as dívidas.
A exportação de escravos foi direcionada para as províncias cafeeiras, que estavam em franca
expansão produtiva e necessitavam de mão de obra. A tabela abaixo apresenta alguns dados
sobre este tráfico.
TABELA 3 – Escravos legalmente exportados do Maranhão
ANO Nº DE ESCRAVOS ANO Nº DE ESCRAVOS
1847 140 1857 1.361
1848 76 1858 1.094
1849 62 1859 358
1850 38 1860 221
1851 47 1861 675
1852 199 1862 404
1853 199 1863 259
1854 195 1864 141
1855 676 1865 85
1856 372 1866 113
FONTES: Paes Barreto (1858, p.13), Ribeiro (1990, Tabela 12) e Sousa Aguiar (1861, Mapa 12).

Estes dados são referentes apenas aos escravos exportados legalmente, ou seja, aqueles
que pagaram o respectivo imposto cobrado pela província, pois, o Presidente da província
46 Cf. Azevedo (2004).
47 É importante lembrar que existia uma lei de 07/11/1831 declarando livres os escravos que entrassem em
território brasileiro, assim como criminalizava a conduta dos importadores, contudo, não houve eficácia
quanto à aplicação. Por outro lado, a lei 581 de 04/09/1850, mais conhecida como Eusébio de Queiroz, que
estabeleceu medidas para a repressão do tráfico, obteve êxito e definiu o fim do tráfico intercontinental de
escravos para o Brasil.

44
Francisco Xavier Paes Barreto, que dispôs alguns destes números em relatório, apresenta uma
estimativa de 1.000 exportados entre 1846 e 1857 sem pagá-lo. Ribeiro (1990, p. 85) afirma
que “as autoridades constituídas não conseguiram ter nenhum controle” sobre o tráfico
interprovincial, e o pagamento de imposto sobre a transação, objetivando manter a mão de
obra na grande lavoura local, foi muitas vezes burlado. É importante ressaltar que durante o
período de 1861 a 1865 o decréscimo da venda de escravos para outras províncias é explicado
pelo rápido reavivamento da produção algodoeira devido à desorganização da produção dos
Estados Unidos, em plena guerra civil. Destarte, logo no ano seguinte aumenta o número de
cativos exportados.
Através da leitura dos tópicos relacionados à produção agrícola nos relatórios e falas
dos Presidentes da província de 1840 a 186648, percebe-se que ainda são apontados uma série
de entraves causando a decadência da lavoura, porém, o principal deles agora será a escassez
de mão de obra ou a falta de braços49. Este problema que claramente intensificou-se com o
tráfico interprovincial, sofre as consequências da crise do escravismo também através do
aumento das alforrias gratuitas e compradas, das fugas e da organização de quilombos.
Interessante notar que é recorrente nos relatórios e falas dos Presidentes, referências a fugas
de escravos, quilombos e correrias dos indígenas nos tópicos relativos à tranquilidade pública,
mostrando o quanto era preocupante a situação da grande lavoura. O clima de temor instalado
no campo, e menos intenso na cidade, será abordado no próximo capítulo, antes da análise das
propostas de transformação do trabalho.
Muitas soluções foram propostas para retornar à “prosperidade” do passado (instrução
agrícola, novas técnicas, navegação a vapor, mudança de cultivo), porém, a primeira,
principal e que interessa à presente monografia é a colonização. Deveria ser desenvolvida
com estrangeiros, levantando a possibilidade de envolver o livre pobre nacional apenas em
momento posterior, quando se constatou não ser possível trazer o imigrante europeu. Esta
predileção pelo estrangeiro na substituição do trabalho escravo pelo livre no Maranhão, pode
ser vista nos discursos dos presidentes de província, como na citação a seguir:
O systema de colonisação, que mais convém ao paiz, seria aquelle, que resultasse da

48 Este recorte temporal é devido à tentativa de entender o contexto em que estão inseridas as propostas
emancipacionistas analisadas no próximo capítulo, publicadas em 1865 e 1866.
49 Convém frisar que a suposta falta de braços alegada pelas elites é referente ao trabalho compulsório, tanto
pela gradual diminuição da mão de obra escrava, quanto pela impossibilidade de sujeitar os trabalhadores
livres do país à agroexportação, pelo menos na quantidade desejada. A leitura de vários escritos dos letrados
deixa evidente o desejo das elites em subordinar as pessoas livres das classes inferiores, ao trabalho
compulsório, inclusive desconsiderando o trabalho realizado por aqueles que viviam principalmente da caça e
da pesca ou outras atividades que não os subordinasse à agroexportação e às atividades dependentes desta.

45
emigração voluntaria de colonos moralisados e industriosos […] Que a corrente de
emigração hade chegar-nos tambem, é para mim um facto providencial, porque,
emfim, um paiz, formado com as condições do nosso, não póde ficar por muito
tempo estacionario e desaproveitado (MACHADO, 1853, p. 28).

A preferência pelo estrangeiro é bastante evidente no trecho acima. Opta-se por


abordar as relações entre esta preferência e a imagem construída, pelas elites maranhenses,
sobre o escravo, o liberto e seus descendentes, apenas nos próximos dois capítulos. Ainda na
década de 1850 foram instaladas algumas colônias de estrangeiros no Maranhão, contudo, não
obtiveram êxito:
Minguados tem sido os resultados dos sacrificios feitos pela Provincia nos ultimos
annos para promover e auxiliar a emigração e o estabelecimento de colonias no seu
fecundo territorio […] Destas colonias apenas sustenta-se a de Santa Izabel, em
razão dos desvelos e esforços do seu empresario o coronel Torquato Coelho de
Souza. Todas as mais se dissolvem, e com ellas se desvanecem as esperanças, que
nascerão com a sua fundação (TAQUES, 1857, p. 17).

O relatório desse presidente da província mostra que três anos após a fundação das seis
colônias de estrangeiros no Maranhão, apenas uma se mantinha. Ainda neste relatório,
Magalhães Taques (1857, p. 18) aconselha que imigração não seja mais realizada pela
província, e sim pelo Império, que possui condições suficientes para tal.
Paralelamente à desagregação do escravismo, outras mudanças ocorreram na
economia do Maranhão, que também repercutiram nas propostas analisadas nos próximos
capítulos. Seguindo a periodização proposta por Reis (1992, p. 07) para o sistema
agroexportador no Maranhão50, considera-se que, a partir de meados do século XIX, o capital
mercantil passa a se diversificar, não investindo apenas no setor agrícola, o qual também se
diversifica com a agroindústria do açúcar, enquanto o algodão segue seu declínio, a exceção
do surto produtivo durante a Guerra de Secessão.
O quinquênio de 1860-65 já apresenta uma exportação expressiva de açúcar, 24.942
sacas. Neste quinquênio, a exportação de algodão foi de 35.754,8 sacas, bem distante da
maior produção, alcançada em 1815-19 com 64.921,8 (FARIA, 2005, p. 233-35). O
Presidente Franco de Sá (1847, p. 56-60) observou, quase duas décadas antes, a mudança de
cultivo por parte dos proprietários de terras, que deixavam ou diminuíam a produção

50 A 1ª fase vai da crise do antigo sistema colonial no Maranhão (1808/1820) até metade do século XIX e é
caracterizada pela formação de um sistema de crédito próprio para a grande lavoura, independente das casas
comerciais sediadas na Metrópole, concentrado em São Luís, sendo o algodão o principal produto. A 2ª
abrange desde a metade do século até a crise final do sistema agroexportador maranhense, simbolizada pela
abolição, sendo marcante neste período os surtos de diversificação do capital mercantil em serviços,
primeiramente, e no setor fabril. Nesta fase a grande lavoura acrescenta a cana como sustentáculo. Cf. Reis
(1992, p. 06-17).

46
cotonicultora para plantar cana e produzir açúcar. Ele também proporcionou uma série de
incentivos a esta nova atividade produtiva em grande escala no Maranhão, como a
distribuição de estudos sobre esta cultura e de mudas de cana.
Nestes quase vinte anos, a produção açucareira consolidara-se, a ponto de transformar
o Maranhão de importador em exportador de açúcar. Segundo Maria de Nazareth Baudel
Wanderley (apud FARIA, 2001, p. 34), a conjuntura, contrariando à tendência secular de
baixa do preço do açúcar, favoreceu esta produção e o comércio devido ao fim da escravidão
nas Antilhas Inglesas, causando-lhe uma desorganização temporária. Cabe ressaltar que esta
alta de preço do açúcar acabou por transferir para a cana fatores de produção, tais como
escravos, terras51 e capital, retirados da cotonicultura.
O capital mercantil passa a investir mais na produção açucareira, assim como se volta
para o setor de serviços. Um exemplo é a implantação da navegação à vapor nos rios Mearim,
Pindaré e Itapecuru, e na costa litorânea para o Pará e Ceará, na década de 1850
(PARANAGUÁ, 1859, p. 30-1). Tal negócio, além de representar diversificação produtiva do
capital comercial, auxiliou a lavoura mercantil.
Em 1856, o governo da província firmou contrato com a Companhia de Águas do Rio
Anil, concedendo-lhe privilégio de sessenta anos para a venda de água. A Companhia deveria
canalizar as águas desse rio, contudo, houve alguns problemas, inclusive a oposição de
vendedores ambulantes de água, que inviabilizaram o sucesso dessa empresa, sendo
incorporada por outra em 1875 (REIS, 1992, p. 09). Em março de 1861, outro contrato foi
celebrado, agora com os norte-americanos Marcos Williams e Silvestre S. Battin para que
fornecessem, através de uma companhia, a iluminação pública a gás hidrogênio, em São Luís
(SOUZA, 1861, p. 29). Em 1846 fora criado o Banco Comercial do Maranhão e, em 1858, o
Banco do Maranhão.
Estes exemplos, além da diversificação, mostram uma nova tendência de uma
concentração do capital mercantil, através das sociedades de capital. Tomando os bancos
como exemplo de uma sociedade anônima, é importante a contribuição de Flávio José Silva
Soares (apud FARIA, 2001, p. 37):
… a formação desta rede bancária, inserida em um quadro de expansão urbana e
comercial, não rompeu o controle dos grandes comerciantes sobre o financiamento
da produção agrícola. Obra desta classe de mercadores, os bancos operavam
basicamente no mercado de dinheiros, dinamizando a acumulação de capital
mercantil importador-exportador e reforçando o domínio sobre a lavoura de

51 A transferência de terra ocorreu em menor escala já que a cana utilizou mais as terras do litoral ocidental e da
Baixada, e o algodão era mais plantado no vale do Itapecuru.

47
exportação.

A década de 1860, apesar do meteórico revigoramento da produção algodoeira,


apresenta um Maranhão ainda fortemente agroexportador e escravista, todavia, em visível
estado de lento declínio, com sua produção cada vez gerando menores lucros e enfrentando a
resistência ao trabalho na grande lavoura por parte de indivíduos das classes inferiores. A
desagregação do escravismo se faz cada vez mais forte, levando as elites a pensarem sobre a
substituição do braço escravo pelo livre, especialmente após as primeiras experiências com
imigrantes estrangeiros não terem obtido o sucesso esperado.
Neste quadro, que agrupa uma estrutura socioeconômica ainda profundamente
agroexportadora e escravista, a escassez de mão de obra compulsória é apresentada como um
dos principais problemas. É nesse contexto que estão inseridas as duas propostas de
transformação do trabalho que serão agora analisadas.

48
CAPÍTULO 2
PROPOSTAS DE TRANSFORMAÇÃO DO TRABALHO52

Como descrito no último item do capítulo anterior, o Maranhão chega ao ano de 1865
apresentando quadro de desagregação do sistema escravista e da agroexportação, apesar da
nascente e promissora agroindústria açucareira e do rápido surto algodoeiro. Paralelamente,
estava ocorrendo a diversificação do capital mercantil, relacionada à formação de sociedades
de capital investidoras em serviços urbanos, financeiros e de transportes. O declínio da grande
lavoura era intensificado pelo tráfico interprovincial de escravos para as províncias cafeeiras.
Junto a esse quadro de declínio e de transformações econômicas do capitalismo
internacional, que consolidava a imagem de irracionalidade do trabalho escravo 53, temos
fatores relacionados à atuação dos escravos, em especial às formas de resistência à sua
condição sócio-jurídica, e das outras classes inferiores, que influenciaram proposições de
diversos setores da elite maranhense sobre a transformação do trabalho. Seguindo a linha
argumentativa diferencialista sugerida na introdução e baseada em tese de Sílvio Humberto
de Passos Cunha (2004), apresenta-se a questão racial como aspecto central da transição do
trabalho escravo para livre, apesar de boa parte da historiografia nacional, principalmente a
econômica, apresentá-la unicamente como transição econômica.
Desta forma, faz-se necessário analisar as propostas de transformação do trabalho
elaboradas por pessoas das elites maranhenses, e que apresentam este caráter de classe, atento
para as representações sobre as classes inferiores, em especial os escravos e os libertos. A
presente pesquisa propõe buscar nestes debates, as representações que tenham um viés racial,
identificando as mudanças e as permanências que compõem a imagem desses agentes sociais,
em face das ideias científicas em difusão no século XIX.
Neste intuito serão analisados textos de dois letrados. O primeiro será Reflexões

52 As propostas analisadas neste capítulo também podem ser denominadas emancipacionistas, a medida que
tecem sobre a libertação dos cativos. Por outro lado, entende-se que a denominação transformação do
trabalho leva em conta a maior preocupação de seus autores, que era a manutenção da exploração da mão de
obra e não a emancipação em si.
53 A expansão do capitalismo industrial e de sua ideologia liberal, principalmente das teorias da economia
política, resultaram em meados do novecentos na consolidação do status irracional do trabalho escravo, em
oposição ao mercado de trabalho livre, que seria racional. Este processo de irracionalizar o trabalho escravo
iniciou-se ainda no século XVIII e influenciou boa parte da historiografia sobre a escravidão, contudo,
segundo Azevedo (2004) há um processo, iniciado na historiografia brasileira a cerca de três décadas, de
negação desta suposta irracionalidade do trabalho escravo e para Maria Sylvia de Carvalho Franco (apud
AZEVEDO, 2004, p. 23) não há contraposição entre regime escravista pré-capitalista e um regime capitalista
baseado no trabalho livre, ambas formas de trabalho estão situadas no mesmo tempo histórico relacionam-se
como 'momentos do processo que inaugurou o modo de ser moderno das sociedades ocidentais'.

49
acerca do progresso material da província do Maranhão, escrito por Miguel Vieira Ferreira e
publicado em 1866. O outro trata-se de tese defendida e publicada em 1865 por Francisco
Antonio Brandão Jr., intitulada A escravatura no Brazil precedida d'um artigo sobre
agricultura e colonisação no Maranhão. Todavia, é importante acrescentar à contextualização
constante no capítulo anterior dados que fundamentam a visão das elites maranhenses sobre
os escravos.

2.1 – Tranquilidade pública e segurança individual

A Revolta da Balaiada54 revivesceu o medo das elites maranhenses, presente também


nas nacionais, de que acontecesse aqui um novo Haiti, devido à intensa mobilização dos
escravos neste movimento. Ao final da Revolta e durante toda a década de 1840, os
presidentes da província faziam questão de constar em seus relatórios o estado pacífico da
tranquilidade ou segurança pública, inclusive imputando uma natureza dócil aos maranhenses.
Contudo, em 1849, um presidente assim se expressa: “Quanto á segurança individual não são
tão agradaveis as informações que tenho a dar-vos” (PENNA, 1849, p. 5).
Nessa década, a noção de (in)segurança individual é vinculada basicamente aos crimes
cometidos por causa de diversas desavenças locais, principalmente nas localidades mais
afastadas da capital e com menor presença do Estado. Depois, inicia-se a tendência nos
escritos dos presidentes, até pelo menos meados da década de 186055, de enfatizar cada vez
mais a precariedade da segurança individual – que também englobava os crimes contra a
propriedade –, mesmo com alguns presidentes vendo resultados positivos, e, em
contrapartida, a traquilidade pública cada vez mais apresentando menos inconvenientes, no
máximo alguns conflitos relativos às eleições.
Paralelo a esta tendência constante nos relatórios houve a criação, concomitante ao fim
da Balaiada, de uma Guarda Campestre e, anos depois, de Esquadras do mato, ambas uma
espécie de polícia rural56 voltadas para a captura de escravos e combate aos quilombos,
indicando que os escravos continuavam a fugir de seus senhores e muitas vezes agrupavam-se
nas matas. Também começam a aparecer mais trechos relativos às fugas de escravos e
formação de quilombos:
54 Para este movimento popular ver Assunção (1996), Janotti (2005) e Serra (2008).
55 Não se afirma que esta tendência continuou nos anos seguintes por falta de conhecimento da documentação
relativa.
56 Sobre os aparatos de policiamento militar no Maranhão imperial ver Faria (2007)

50
Alem dos criminosos que infestão vários pontos do interior da Provincia, existe
grande numero de escravos fugidos, que não só ameação constantemente a existencia
dos Lavradores vizinhos aos logares onde se acoutão, mas tambem lhes causão
continuos damnos em suas lavouras e gados. As Autoridades Policiaes, a quem
incumbe a captura d'esses malfeitores, declarão que nada podem fazer por falta de
força à sua disposição; e o Governo vê-se inhibido de poder attender as frequentes
requisições que lhes são dirigidas neste sentido, porque a Força do Corpo de Policia
é apenas sufficiente para o serviço da Capital, e para destacar em alguns pontos mais
importantes da Provincia. De uma circunstanciada exposição que me dirigio o digno
Delegado de Policia desta Cidade [de São Luis], Antonio Gomes Claro, consta que
em menos de 3 annos que existirão os Guardas Campestres, creados pela Lei n. 144,
foram capturados só nesta Cidade e Ilha 592 indivíduos, sendo 569 escravos fugidos,
e 23 desertores (COUTINHO, 1850, p. 07).

Estes trechos sobre as fugas e quilombos, assim como sobre as “correrias” cometidas
pelos índios, passam a ocupar espaço importante nas seções sobre a segurança individual.
Durante os quinze anos que vão de 1850 a 1865, frequentemente aparecem notícias, dentro
desta seção57, de expedições contra quilombos, escravos fugidos capturados e grandes
dificuldades em combatê-los, ficando evidente o quanto a movimentação dos escravos era
preocupante para as classes superiores, tanto pela desorganização produtiva quanto pela
ameaça que representava para essas classes.
Junto à problemática da resistência escrava, crimes diversos eram cometidos, segundo
o entendimento dos presidentes, por pessoas consideradas vadias, que encontravam liberdade
para praticar seus atos de “vandalismo” e “barbaridade” devido alguns fatores, tais como:
justiça pública ineficiente, corpos de polícia sem efetivo suficiente, impunidade, proteção de
poderosos locais entre outros. Contudo, percebe-se que há uma associação entre os crimes
cometidos por vadios com a ideia de haver uma “desmoralisação geral da população menos
illustrada” (COUTINHO, 1850, p. 05). Os sujeitos denominados vadios compunham a
população livre pobre da província e eram vistos como problemas para a segurança individual
e para a propriedade:
Todos os nossos creadores se queixão á uma dos damnos, á que está sugeita a sua
propriedade pelos multiplicados furtos de gado, e, confiando pouco na efficacia dos
meios, que a lei poem á sua disposição, recorrem, ás vezes, á outros, donde dimanão
vinganças e violentas represalias. Os campos de Annajatuba, Vianna, Resfriado,
Chapada e Pastos-Bons estão inçados de vadios, que, em verdade, incommodão
muito os fazendeiros nelles estabelecidos. Acho conveniente que, a maneira do que
se practicou com os quilombos de escravos fugidos, se estabeleção esquadras de
guardas campestres, exclusivamente destinadas a fazer a policia desses campos
(MACHADO, 1854, p. 7).

57 As falas e relatórios dos presidentes da província do Maranhão apresentaram um padrão durante o século
XIX, sendo que na quase totalidade eram divididos em seções que tendiam a repetir-se, tais como:
tranquilidade pública, segurança individual, colonização, agricultura, administração da justiça, culto público
etc. Para um estudo sobre estes documentos ver Almeida (2008, p. 59-143).

51
Como se pode ver, esta parcela da população livre pobre preocupava as elites
maranhenses, mas não se deve esquecer, para não colocá-la na mesma vala comum, que os
escravos ainda representavam a principal mão de obra da agroexportação, mesmo com a
crescente venda deles para a região cafeeira.
Por outro lado, a segunda metade do século XIX presenciou a falta de braços como o
principal entrave à lavoura apontado pelos letrados, assim como as primeiras tentativas de
colonização estrangeira no Maranhão, que rapidamente conheceram o fracasso. A opinião
sobre a vinda do imigrante europeu pode ter mudado, mas no geral durante a década de 1860,
e até o início do século XX, permaneceu a ideia de ser ele o trabalhador livre ideal. Em
oposição a esta idealização, tem-se a imagem negativa do ex-escravo como trabalhador livre,
vinculada à irracionalidade do escravismo, mas com evidentes tons raciais. O livre pobre
nacional também possui uma imagem de inadequado ao trabalho, ligada à vadiagem, porém,
dar-se-á ênfase ao escravo devido ao direcionamento escolhido para este estudo.
Olímpio Machado58 foi um dos presidentes com atuação política mais marcante, em
função do combate aos quilombos, do incentivo à produção açucareira, como também por ter
encaminhado as primeiras tentativas de colonização estrangeira no Maranhão. Ainda no início
de seu governo, ele afirma a colonização como “uma necessidade, por assim dizer, fatal a
nosso paiz”, pois representaria “o exemplo civilizador da substituição do trabalho escravo
pelo livre”. Afirma também que a escravatura afastava os europeus do Brasil, apesar de não
explicar o por quê (1851, p.45).
Em suas colocações, têm-se um exemplo de como a “civilização” está vinculada ao
trabalho livre, contudo, ao trabalhador livre e estrangeiro, com características de morigeração,
inteligência, industriosidade e moralidade. Segundo Cunha Paranaguá, a colonização europeia
melhoraria a população provincial porque traria “habilitações artisticas e professionaes, e os
habitos do trabalho e a economia, que em geral caracterisam as classes laboriosas da Europa
civilisada” (1859, p. 25).
Essas passagens apresentam tons racialistas, apesar de permitirem contra-
argumentações. A população brasileira livre pobre, indígena e escrava teria adquirido tais
características devido às consequências da escravidão? Que consequências seriam estas?
Seriam morais? Os escravos as adquiriram devido à escravidão ou foram escravizados porque

58 Mineiro do partido conservador que governou o Maranhão por quase toda a primeira metade do decênio de
1850. Sua atuação política também foi marcante por ter feito uma “administração típica do período da
'conciliação' no Maranhão”, conforme Reis (1992, p. 37).

52
possuíam essas características?
Existia, então, um clima de insegurança individual fortemente influenciado pela
movimentação escrava, que mesmo sofrendo forte combate em alguns anos da década de
1850 continuou resistente a ponto de explodir uma rebelião escrava em 1867, oriunda do
quilombo São Benedito do Céu. O governo estava constantemente enviando tropas para
combater quilombos e capturar escravos em quase todas as comarcas.
Paralelo a esse clima de insegurança apresenta-se a necessidade de resolver o
problema da mão de obra reclamado pelas elites, já sendo previsível o fim do escravismo. Nas
discussões travadas, o discurso racialista se fará presente, implícito ou explícito, influenciado
por teorias científicas, como positivismo, evolucionismo, darwinismo social e liberalismo.
Apesar de os presidentes da província afirmarem haver tranquilidade pública, suas
percepções sobre a segurança individual, assim como as notícias sobre combate a quilombos
indicam que a resistência dos escravos manteve tensionadas as relações escravistas. Desta
forma, o debate sobre a transformação do trabalho no Maranhão também foi influenciado pelo
clima de tensão social, mesmo que não nos moldes da Balaiada. Este medo branco59
certamente influenciou o debate sobre a questão das relações de trabalho.

2.2 – Ou trabalha ou trabalha

No início do livro Reflexões acerca do progresso material da província do Maranhão,


Miguel Vieira Ferreira põe-se como agente privilegiado para “demonstrar com todo o rigor” a
“questão vital” a ser debatida, por ter refletido frequentemente sobre ela, em diversas fases de
sua vida60. Sendo assim, far-se-á um breve relato sobre sua vida, principalmente sua atuação
em São Luís na década de 186061.
Miguel Vieira Ferreira nasceu em 1837 na cidade de São Luís, porém, logo na infância
foi morar numa fazenda na região algodoeira do vale do Itapecuru. Seu pai, Fernando Luis
Ferreira (1803-1877), o iniciou nos estudos ainda durante a estada na fazenda do Itapecuru,

59 O medo branco é perceptível no discurso de alguns letrados maranhenses, como os próprios presidentes e os
“lavradores”, todavia, não se pode afirmar uma onda negra que representasse o recrudescimento da
resistência escrava no Maranhão, apesar de não se negar sua forte atuação. Ver Azevedo (2004).
60 No presente item da monografia opta-se por não referenciar as citações, a exceção das longas, retiradas de
Ferreira (1866) no intuito de não poluir o texto com demasiadas referências bibliográficas. As citações serão
identificadas apenas pelas aspas.
61 Todos os dados biográficos sobre este letrado foram conhecidos graças aos trabalhos de Regina Helena
Martins de Faria (2001; 2011b), inclusive algumas opiniões dele que não são desenvolvidas no seu livro,
porém, nos diversos números do jornal O Artista, o qual infelizmente não foi possível ter acesso.

53
pertencente à família de sua mãe, D. Luzia Rita Vieira da Silva Ferreira (1802-1880).
O parentesco materno de Miguel revela uma família com destacada participação social
nas elites maranhenses e até nacionais, apresentando desde um bisavô rico proprietário de
terras até um primo que ocupou altos cargos em uma carreira política nacional. Por outro
lado, na família paterna não se tem encontrado nenhum parente com riqueza ou título
nobiliárquico. Entretanto, a trajetória profissional de seu pai foi significativa, vindo a se
tornar militar ainda aos dezessete anos de idade, participou ativamente das lutas e
movimentações da adesão do Maranhão à Independência, ao lado dos independentes, como
também de levantes que corroboraram para a abdicação de D. Pedro I. Além de militar, ele
formou-se em Engenharia na Escola Militar da Corte, onde Miguel e seus dois irmãos tiveram
e mesma formação e seguiram também a vida militar.
A formação militar dentro da família provavelmente direcionou Miguel para o mesmo
destino profissional, da mesma forma que a falta condições financeiras, impossibilitando o
vislumbre de carreiras profissionais mais cotadas e a carreira militar passando a representar
uma chance de inserção social. A precária, para os moldes das elites maranhenses, condição
financeira do núcleo familiar de Miguel pode ser comprovada por algumas correspondências
que expõem as dificuldades que os irmãos passavam na corte quando de seus estudos, como
também pela temporada, durante a infância de Miguel, no interior do Maranhão em terras
pertencentes à familiares de D. Luzia.
Retornando à educação de Miguel, sua temporada no vale do Itapecuru terminou em
1851, quando foi para São Luís estudar no Liceu Maranhense e de lá, já alistado, para a
Escola Militar da Corte em 1855, onde bacharelou-se em Ciências Matemáticas e Físicas.
Ainda no Exército, ele agrupou-se ao Corpo de Engenheiros. Esta sua primeira temporada na
corte, até 1864, foi marcada pela publicação de alguns artigos seus em jornais, aulas
particulares e participação em algumas instituições ligadas as ditas ciências naturais62.
Em 1864 ele pediu dispensa do Exército por questões de saúde e volta a São Luís,
ficando até 1870, quando volta para o Rio de Janeiro até o final de sua vida, sendo que nesta
segunda temporada continuou publicando na imprensa e exerceu significativa atividade
republicana chegando inclusive a integrar um clube republicano. Converteu-se ao
presbiterianismo e por algumas divergências fundou a Igreja Evangélica Brasileira em 1879.
Para finalizar este resumo de biografia, cabe ressaltar que durante sua passagem por

62 Trabalhou no Observatório Astronômico da Corte, participou da fundação do Instituto Politécnico Brasileiro,


assim como da comissão demarcadora dos limites entre Brasil e Peru.

54
São Luís marcada pela publicação do livro ora analisado, Miguel foi diretor e gerente da Casa
de Fundição da Companhia de Navegação Fluvial do Maranhão, criou uma fábrica de tijolos
com um estabelecimento de ensino profissionalizante, participou da fundação do Instituto
Literário do Maranhão e da Sociedade Manumissora 28 de Julho, assim como foi redator
chefe do jornal O Artista, fundado por seu pai e tendo colaboração de seus irmãos.

2.2.1 – Um povo indolente e preguiçoso

Miguel Vieira Ferreira divide suas Reflexões em duas partes. A primeira é Reflexões
sobre o trabalho e as dificuldades com que luta a industria, e a segunda é O que se tem feito
para promover o nosso progresso material. Desde já, a de principal interesse à presente
monografia é a primeira, pois, como o próprio título mostra é onde são discutidos aspectos
sobre o trabalho, sem contar que é nesta parte que ele mais desenvolve seu pensamento sobre
o trabalho e a indústria, esta entendida na acepção ampla da Economia política, englobando
todas as atividades produtivas que gerassem produtos e serviços. Na outra parte há mais uma
demonstração e discussão, com forte tom crítico, sobre as iniciativas governamentais que se
propunham a promover o nosso progresso material.
Logo ao início da primeira parte de sua obra, Miguel atribui o atraso do Maranhão,
apesar de sua esplendorosa riqueza natural, à falta de capitais, principalmente de “capital
moral”. A princípio, não fica muito claro o que significa esta “falta de capital moral”.
Todavia, no decorrer do texto é desenvolvida uma argumentação sobre o que ele considera a
“questão vital, que muito importa ao nosso futuro”. Nessa discussão que tem o progresso
como um futuro certo e único, ele destaca a importância das obras estrangeiras sobre
“economia política e industrial”, oriundas da Europa e dos Estados Unidos, contudo, diz ser
“indispensável” o estudo “das circumstancias locaes, e moraes em que nos achamos”, pois os
estrangeiros não conhecem justamente “os habitos e o estado de atrazo do nosso povo”. E,
para Miguel, “Tudo entre nós é miseria! A população vive como uma tribu selvagem, sem
morada certa, sem costumes e sem lei : o trabalho é cousa que não conhecemos ainda”.
Através desta argumentação inicial percebe-se que o autor define uma especificidade
do atraso brasileiro e maranhense, a qual é relativa à formação social, sendo significativa a
ênfase dada às “circumstancias moraes”. E tais circunstâncias estão conectadas com a “falta
de capital moral”, atribuída por Miguel. Consequentemente, o “povo” ganha uma identidade

55
de atraso e uma responsabilidade pelo estado similar em que a nação se encontra. Está certo
que a “falta de capital moral” no “povo” é a causa de nosso atraso frente ao progresso
vindouro. E afirma: “Todos reconhecemos que o nosso typo é o da indolencia, que o nosso
caracter é o da frouxidão; tratemos pois de combater esses dous poderosos inimigos do
progresso, e depois appliquemos ao Brazil o mais que tiver feito prosperar a Europa”.
Das formulações iniciais de Miguel, infere-se que o “atrazo” e a “carestia” pela qual o
Maranhão passava, no seu entendimento, é em função do “pouco amor ao trabalho, em
primeiro logar, e em segundo a falta de aptidões que ha entre nós”. Aqui tem-se uma definição
precisa do que seria a tão propalada “falta de capital moral”. É muito interessante constatar
que uma obra preocupada em refletir sobre o “progresso material” de uma região, ocupe lugar
de destaque a caracterização social do “povo”, especificamente sua participação no mundo do
trabalho, assim como que as principais propostas de mudança sejam relativas a esse aspecto
da vida social.
Mais a frente, retomando a questão sobre quem seria o “povo” e qual sua participação
na busca pelo progresso, ele considera que a escravidão foi a responsável pela falta de “amor
ao trabalho” de nosso “povo”, pois, tornou “o trabalho manual indecoroso” já que a utilização
de escravos fez com que se perdesse o hábito do trabalho, deixando toda a população,
possuindo ou não escravos, na total “ociosidade”. Quanto à “falta de aptidões” ele pouco
descreve quais seriam as suas causas, apenas defende uma educação voltada para o trabalho.
No jornal O Artista, Miguel culpa a escravidão pelo atraso nacional por ter instalado o
princípio da injustiça e, segundo Faria (2011b, p. 7):
Esse “princípio” fora gerado porque os sujeitos escravizados eram considerados
“coisas” e, para discipliná-los, cada senhor desenvolvera um código próprio, a
despeito das leis vigentes. O Brasil era uma “terra de barbárie” porque os membros
das famílias senhoriais, criados vendo a prática constante de injustiças contra os
cativos, perderam a noção do que era justo.

Desta forma, inclusive pelo fato dele ter consideráveis leituras sobre Economia
Política, na qual o debate sobre a irracionalidade do trabalho escravo estava consolidado,
afirma-se que a escravidão ocupa lugar de destaque em sua obra, como uma instituição que é
alimentada por um “commercio illegitimo e revoltante”, porém, maior destaque ainda dá à
necessidade de suprimi-la. Considerava necessário acabar com o trabalho escravo para que
houvesse um ganho de “capital moral”, contudo, era primordial antes “organisar o trabalho”,
“crear trabalhadores” e “dar moralidade ao povo”. Percebe-se que sua maior preocupação não
era o fim da escravidão em si, mas sim a (re)organização do trabalho. Aqui já fica evidente o

56
caráter elitista de sua concepção de trabalho, obrigatório a todos que não tivessem
propriedades que lhes assegurassem renda suficiente para viver.
Junto com a extinção da escravidão era necessário moralizar o “povo”, a quem falta
“capital moral” por sua “indolencia” e, principalmente, pela falta de “amor ao trabalho”. Essa
é a principal preocupação de Miguel na primeira parte das Reflexões. Em toda a obra são
encontradas severas críticas à sociedade e à política: “Por toda a parte a nossa indole é a
mesma, todas as classes participão da mesma indolencia, e um estudo superficial poderia
fazer-nos crer que a preguiça é molestia indemica do Brazil”. Entretanto, no decorrer do texto
constata-se que a “preguiça” é atribuída muito mais atribuída aos livres pobres e o “povo”
gradativamente ganha contornos restritos a esta classe social.
A leitura do trecho abaixo possibilita a percepção de que, para Miguel, os
“lavradores”, muito provavelmente as elites como um todo, não eram consideradas como
“povo”:
[...] só lhe falta o capital moral. Faltão-lhe conhecimentos próprios para saber com
40 escravos colher da lavoura 10, 12 ou 20 contos de reis annuaes, livres de toda
despeza.
Os lavradores são a própria causa de seu atraso; porque, se conhecessem o que acabo
de dizer, mandarião sempre algum filho colher esse capital que lhe falta ou
estudando mesmo no Brazil na Escola Central, ou ainda melhor se fosse a Europa
frequentar Cursos especiaes de agricultura (FERREIRA, 1886, p. 44).

A partir da comparação deste trecho com o teor que a expressão “capital moral” é
significada em toda a obra, afirma-se que, para Miguel, o capital moral dos “lavradores” era
diferente do capital moral do “povo”. Para esse estava relacionado com a moralidade voltada
para o trabalho manual, enquanto para aqueles, era sinônimo de conhecimento técnico. Vale
ressaltar que Miguel estudou na Escola Central, que é a mesma Escola Militar da Corte, como
mais um indício de seu vínculo de classe.
Retornando à principal preocupação de Miguel – a “falta de capital moral” do “povo”,
simbolizada pelo seu “pouco amor ao trabalho” –, ele condiciona o progresso à resolução
desse problema, que necessariamente deve passar pela esfera estatal, com o intenso combate à
“ociosidade” ou vadiagem através de “bôas leis”. Daí as fortes críticas à classe política, que
deveria elaborá-las, mas era omissa e cometia erros, a exemplo do direcionamento dado ao
governo – incentivo à vinda de europeus – para a solução da falta de braços, consequência da
diminuição dos escravos e da suposta revelia ao trabalho por parte dos livres pobres. Para
Miguel, esse problema deveria ser solucionado “recorrendo mesmo a nossa gente”, para que
chegássemos ao “progresso”.

57
Aqui sua proposta de transformação do trabalho, que deveria acontecer paralela à
emancipação dos escravos, ganha contornos mais concretos. As “bôas leis” deveriam ser
elaboradas objetivando combater a “ociosidade” e “Si a população não sabe trabalhar, é
preciso ensinal-a, e se não quer é forçoso que a obriguemos”. A elaboração de leis que
tornassem o trabalho compulsório não era justificada pela intenção de cercear a liberdade,
mas sim de “negar direito á preguiça”63. Ele também associava a “ociosidade” ao decréscimo
da renda pública, utilizando uma série de argumentos do vocabulário da Economia Política,
assim como cálculos para provar que a arrecadação do Estado poderia aumentar através de
leis que protegessem a “população industriosa”.
Segundo Miguel, a “parte industriosa da população [...] vive em guerra viva com a
parte ociosa, que é sempre prejudicial e dilapidadora”. Consequentemente, as leis que
tornassem o trabalho obrigatório para os “ociosos” estariam resguardando os direitos dos
“industriosos”:
É preciso encarar diversamente a questão; é necessario que se dê mais protecção aos
homens industriosos e que se ponhão fortes embargos á ociosidade. A protecção que
os homens industriosos tem a esperar do governo, e a única que este lhes deve em
rigor, é a das leis e da execução respectiva. Não são as leis prohibitivas que se
exigem, a experiencia de sobra tem provado em outros paizes as nefastas
consequencias desse systema, filho legitimo do da balança do commercio; não, os
homens industriosos deste paiz querem leis que lhes garantão braços para o trabalho,
que os ponhão a cuberto da má fé e da ociosidade (FERREIRA, 1886, p. 22, grifo no
original).

Evidencia-se que Miguel divide a população entre “industriosos” e “ociosos”, sendo


que aqueles não deveriam exercer os trabalhos manuais, porém, dispor dos “braços” dos
ociosos a seu serviço. As leis deveriam garantir mão de obra a quem tivesse capital suficiente
para contratá-la, através da obrigatoriedade do trabalho.
A divisão entre “industriosos” e “ociosos” é definida mais ainda quando Miguel
propõe uma lei que obrigasse todos os livres, a partir de determinada “idade (14 annos por
exemplo) que não tivesse uma propriedade de certo valor, que fosse sufficiente para de sua
renda tirar uma subsistencia honesta, (por ex. 500$) fosse obrigado a trabalhar a jornal”. Estas
pessoas teriam um “livrete” que deveria ser preenchido pelos patrões e utilizado para
controlar se estavam trabalhando, assim como seu comportamento. Em caso da fiscalização
constatar descumprimento da lei, a pessoa seria presa ou recrutada para o Exército. Ou seja,
os livres que apresentassem renda não eram obrigados ao trabalho manual, apenas os pobres.
Por outro lado, a própria noção de trabalho contida na obra pode ser entendida através

63 Grifo no original

58
de um trecho em que fala da “industria que os fôrros exercem”. Informa que “elles trabalhão
um dia por semana, ou 2 horas por dia, e a população compra-lhes o producto como se fosse
resultado de um trabalho assiduo”. Também observa-se posicionamento similar quando fala
dos barqueiros e dos índios. A noção apresentada nega o trabalho realizado por grupos sociais
que não se submetem à lógica da produção para o mercado e de submissão à uma rotina de
trabalho regular, sobrevivendo basicamente da caça e da pesca ou trabalhando apenas alguns
dias para suprir necessidade imediatas.
Perceber que existem diferentes noções de trabalho é essencial para que se atente ao
significado da “ociosidade” propalada por Miguel. Estes livres pobres eram “ociosos”
enquanto não reduzidos à exploração do trabalho; as elites maranhenses objetivavam ocupá-
los na grande lavoura, no comércio e em quaisquer outras atividades produtivas por elas
controladas direta ou indiretamente. A necessidade de subordiná-los como mão de obra se
torna mais vital pela gradual diminuição dos escravos. Então, é essencial frisar que a
“ociosidade” possui relação com uma noção de trabalho que transforma as atividades
produtivas e de subsistência dos livres pobres, dos índios e dos forros em não trabalho.
Ainda nesta primeira parte da obra, Miguel acrescenta à “falta de braços activos ou de
trabalhadores”, a falta de “educação verdadeiramente artistica e industrial” e de “capital
monetario”, como “causas” que emperravam o desenvolvimento da “industria”. A questão
educacional, como já delimitada acima, faz parte do “capital moral” das classes superiores e o
capital econômico propriamente dito representava o grande problema do financiamento da
produção no Maranhão. Apesar de apontar estas outras causas, fica evidente que Miguel
encara o problema da mão de obra como o mais preocupante, inclusive na maneira como trata
a própria questão educacional, ao defender uma educação voltada para o trabalho, “artistica e
industrial”, tanto para os “trabalhadores” quanto para os “capitalistas”. Na segunda parte da
obra, discorre um pouco mais sobre tal questão.
Esta parte, intitulada O que se tem feito para promover o nosso progresso material,
apresenta uma análise crítica das atividades realizadas pela burocracia estatal para, no
entender de Miguel promover o nosso progresso material. O tom geral da análise é de forte
crítica ao governo, alegando que os políticos não possuem conhecimentos técnicos
específicos para realizar certos “melhoramentos”, a exemplo das obras públicas, assim como
estão mais preocupados em deixar seu “nome na historia”64. Além disto, encontra-se nesta

64 Grifo no original

59
parte outras fortes características do discurso de Miguel, que são a crítica ao bacharelismo e a
defesa da educação para o trabalho.
As duas temáticas são extremamente relacionadas a partir do momento em que se
entende que a crítica ao bacharelismo é devido à compreensão de que as belas artes, as
ciências teológicas e o direito não concorriam “tão directamente para o nosso progresso”, ao
contrário das “ciências físicas e naturais”, voltadas para as “artes” e “industria”, enfim, para
atividades que utilizam o trabalho manual.

2.2.2 – E o negro?

A leitura de Reflexões possibilita conhecer a grande preocupação de Miguel diante da


questão do progresso do Maranhão, onde considerava haver “atrazo da industria”, cuja
justificativa encontrava-se principalmente na “falta de capital moral” 65 ou “o estado de atrazo
do nosso povo”. A solução deste impasse, num contexto de diminuição da mão de obra
escrava e com um “povo” com “pouco amor ao trabalho”, passaria pelo combate à
“ociosidade” através de “bôas leis”, feitas e fiscalizadas pelo Estado, que obrigassem o
“povo” a trabalhar. Era preciso declarar “guerra aos ociosos”.
Apesar de Miguel afirmar serem todas as classes “indolentes” e a preguiça “molestia
indemica”, claramente percebe-se que o “povo” eram os livres e libertos pobres e os índios,
sendo que o escravo, sobre o qual o “senhor exerce uma acção direta”, muito provavelmente
sofreria da mesma falta de “amor ao trabalho”, caso não fosse gradualmente libertado. Então,
constata-se que sua proposta emancipacionista66, devido à ênfase no combate à ociosidade e
na obrigatoriedade do trabalho, optava pelo gradualismo, visando resguardar os interesses das
elites em obter braços aptos para explorarem o trabalho. Num debate 67 em que o “povo”
ganha ares de cancro a ser tratado para que possa vir o progresso, qual será o papel atribuído
ao negro?
Em Reflexões, Miguel não aborda especificamente o escravo, o liberto ou o negro
como grupos sociais específico. O máximo de aproximação que ele chega de algum destes

65 Capital moral seria, portanto, agir de acordo com os padrões “civilizatórios”: trabalho regular, inserido na
lógica de mercado, vendendo a força de trabalho ou o produto do seu trabalho. Agradece-se a contribuição
desse esclarecimento à orientadora.
66 Ele apresentou mais claramente suas ideias sobre como emancipar os escravos nO Artista. Ver Faria (2001).
67 Apesar de ser um texto escrito por um autor e não se trabalhar com documentos que dialoguem com ele,
acredita-se na existência de um debate resgatado pelo autor, não no sentido de que era algo esquecido, mas de
ser algo palpitante no seio da própria sociedade.

60
três perfis sociais é quando descreve as atividades produtivas realizadas pelos “fôrros”:
Haverá quem sustente que essa industria que os fôrros exercem, tirando sipó,
pindobas, fazendo carvão, cófos e meias-abas, é util a provincia. É util, não contesto,
mas deve ser bem regulada, porque alem da immoralidade tacitamente admittida pela
lei e pelas auctoridades governativas, acontece que essa industria não apresenta os
resultados que deveria apresentar. Achando-se entregue a meia duzia de salteadores e
ociosos, elles trabalhão um dia por semana, ou 2 horas por dia, e a população
compra-lhes o producto como se fosse o resultado de um trabalho assiduo. Deus
disse que Adam comeria com o suor do seu rosto mas a nossa gente livre sustenta-se
com o suor do rosto alheio (FERREIRA, 1886, p. 35-6).

Em nenhuma parte de Reflexões percebe-se referência às atividades produtivas


realizadas pela “gente livre” como “util” ao “trabalho” ou à “industria”. Ao contrário, Miguel
considera “util” a “industria” exercida pelos “fôrros”, que apresentam a mesma condição
jurídica daqueles. Isto não impede de perceber as atividades produtivas dos “fôrros” com um
certo rebaixamento, além de atribuir a elas uma “immoralidade” tácita, ao que parece
relacionando-as à ausência de “capital moral” tão propalada. Miguel critica o fato de os
libertos trabalharem apenas durante poucas horas por dia ou poucos dias por semana, o que
encarecia o produto, problemas que seria solucionado com o “trabalho a jornal”.
Desta forma, reafirma-se a impossibilidade de perceber em Reflexões, quanto à
imagem construída sobre o escravo, o liberto ou o negro, a existência uma classificação social
baseada em critérios étnico-raciais que diferencie-os dos livres pobres e dos índios 68, muito
menos uma perspectiva raciologista explícita. A abordagem de Miguel sobre o africano e seus
descendentes escravizados tende a aproximá-los dos livres pobres – dentre os quais estariam
certamente também pessoas negras e mestiças –, atribuindo-lhes uma mesma moralidade
destituída de “amor ao trabalho”, como fruto de séculos de escravidão. As classes inferiores
habituaram-se aos maus costumes devido à imagem negativa do “trabalho manual” exercido
pelos escravos, sob a ameaça do açoite. Elas deviam ser obrigadas ao trabalho e não os
estrangeiros, que deviam vir porque “nos trazem luzes de que precisamos, vem ensinar-nos a
tirar partido do recursos naturaes de que não dispomos, mas que a natureza nos fornece,
gratuitamente”. Esta ode à inteligência do estrangeiro europeu complementa a imagem de
inferioridade das classes inferiores, que deveriam ser obrigadas a criar novos costumes e
hábitos de trabalho.
Então, pode-se afirmar que Miguel apresenta apenas uma mesma imagem para o
escravo e o liberto, imagem fruto do liberalismo conservador em voga no Brasil e que a partir

68 Apesar dos índios também serem considerados indolentes e preguiçosos, tem-se maior cuidado em compará-
los as demais classes sociais, principalmente os considerados selvagens ou incivilizados.

61
da década de 1850 transformara-se para propor reformas sociais, especialmente o fim da
escravidão, porém, mantinham o seu caráter elitista, antipopular e conservador da ordem.
Essa influência intelectual faz com que Miguel aparentemente não diferencie as classes
através de critérios étnico-raciais, assim como também lhe proporciona o argumento da
irracionalidade do trabalho escravo, o qual se tornou premissa fundamental para a corrente
consagrada por Florestan Fernandes (2008), que no século XX aparentemente fugia da
perspectiva raciologista, porém, considerava o negro como um despreparado para o mundo do
trabalho, devido à “suposta influência deformadora da escravidão” (AZEVEDO, 2004, p. 19).
Ou seja, havia uma caracterização étnico-racial implícita nas explicações do engenheiro sobre
o lugar social do trabalhador.
É bom lembrar também que esse liberalismo conservador, no contexto de influência
das teorias raciais no Brasil a partir da década de 1870, proporcionou a identificação nos
bacharéis em Direito formados em São Paulo da condenação do determinismo racial, ao
mesmo tempo em que defendiam uma política imigrantista que rejeitava africanos e asiáticos.
Como diz Lilia Schwarcz (1993, p. 182): “A crítica ao determinismo racial não implicava,
portanto, descartar a perspectiva evolutiva. Os homens continuavam desiguais, porém
passíveis de 'evolução e perfectibilidade' em função da ação de um Estado soberano e acima
das diferenças não só econômicas como raciais”.
Miguel afirmava ser “muita desigualdade!” o fato de “a população industriosa, unica
que ajunta capitaes” ter seu dinheiro gasto em impostos para “sustentar ociosos”. A população
“ociosa”, que para ele não trabalhava, era considerada onerosa para a os “indutriosos” e para a
sociedade como um todo.
Por fim, é interessante notar que seu pai afirmou no jornal O Artista, “estarem os
índios moral e intelectualmente entre 'os brancos e os pretos', da mesma forma como a cor
vermelha se situa entre essa duas cores. Não obstante, podiam evoluir e civilizar-se, processo
em que a educação desempenhava um importante papel: 'a cultura da inteligência faz brotar o
talento'” (apud FARIA, 2001, p. 150).

2.3 – O Amor por princípio, a Ordem por base e o Progresso por fim69

Francisco Antonio Brandão Jr. obteve o título de doutor em Ciências Naturais, pela
Universidade de Bruxelas, através da defesa de sua tese A escravatura no Brazil precedida
69 Máxima positivista.

62
d'um artigo sobre agricultura e colonisação no Maranhão. Durante sua estada na Europa,
Brandão Jr. entrou em contato com o positivismo 70 e conheceu alguns adeptos da doutrina,
dentre eles Luiz Pereira Barreto71, a quem dedicou sua obra. Daí em diante, ele sempre
declarou-se positivista, o que fica evidente a partir da argumentação desenvolvida em A
escravatura no Brazil.
Pouquíssimas informações foram encontradas sobre a vida deste letrado 72. Nasceu e
viveu em uma fazenda algodoeira em Codó, a qual serviu de referência para a descrição de
diversos aspectos sobre a escravidão e a agricultura em sua tese. Em 1868, foi aprovado para
lecionar a cadeira de Elementos de Química e Física da Casa dos Educando Artífices, em São
Luís. Em 1874, foi contratado interinamente para a cadeira de Retórica e Poética do Liceu
Maranhense e, em 1879, foi efetivado através de aprovação em concurso, vindo a aposentar-
se apenas em 1899. Durante sua trajetória como professor, revelou-se profissional bastante
ativo, participando de diversas bancas examinadoras, solicitando reformas em laboratório de
Química, solicitando equipamentos e mais.
Brandão Jr. também enveredou para a carreira política, elegendo-se para as legislaturas
de 1870/1871 e 1892 a 1895, respectivamente, deputado provincial e deputado estadual. Na
primeira legislatura, apresentou um projeto de verba orçamentária para a alforria de escravas
menores de 10 anos, que não foi aprovado.
Ainda nessa legislatura, foi marcante a contenda política que teve com o vice-
presidente da província, Silva Maia. Durante debate sobre aprovação de um subsídio para a
publicação do Dicionário Histórico-Geográfico da Província do Maranhão, escrito por César
Augusto Marques, Brandão Jr. travou aguerrida defesa do projeto, o qual já tinha sido
devolvido por Silva Maia, sob alegação de dificuldades financeiras. Brandão Jr. adotou um
discurso oposicionista e crítico ao governo, o que lhe custou, por intermédio de manobras
políticas73 do vice-governador, o cargo de professor de Elementos de Química e Física.
Interessante notar que, a despeito de o mesmo Silva Maia ter indicado Brandão Jr. para um

70 Doutrina filosófica fundada, na primeira metade do século XIX, pelo francês Auguste Comte, tendo como
pressuposto básico a noção de que somente “uma completa reforma intelectual do homem” reorganizaria
efetivamente a sociedade. A humanidade desenvolveria seu espírito através três estados evolutivos: teológico,
metafísico e positivo. O pensamento positivo, que deveria triunfar ao final, só seria possível pelo
conhecimento sociológico. O positivismo tem reconhecida influência no Brasil durante os primeiros anos da
política republicana. Conforme Comte (1978, p. VII-XVIII).
71 Expoente do positivismo no Brasil.
72 Faria (2011a) fornece valiosa contribuição sobre a trajetória de vida deste personagem. Todos os dados
biográficos referentes à Brandão Jr. foram retirados desse artigo.
73 Silva Maia articulou para que o Legislativo aprovasse a extinção da cadeira que ele lecionava na Casa de
Educandos Artífices, em abril de 1871, conforme Faria (2011a).

63
cargo na Instrução Pública em 1868, ele manteve sua posição contrária ao governante, assim
como também é encontrado, na sua tese, um tom de crítica aos costumes políticos do Brasil.
Pouco se sabe sobre a vida familiar de Brandão Jr., contudo, A escravatura no Brazil
fez com que ele tivesse alguns problemas neste âmbito, o que fica claro pela leitura de carta
enviada a ele, por um de seus irmãos, comentando sobre a recepção da tese. Apenas para se
ter uma noção, o irmão lamenta a publicação, chama-o de “reformador do Brasil” e finaliza
dizendo “Meu irmão lançou-me à miséria!” (apud FARIA, 2011a, p. 95). Ao que parece,
Brandão Jr. estava certo ao dizer em sua dedicatória que contava “com o indiferentismo de
uns, com o rancor de outros, e, talvez, com as sympathias d'alguns”74.

2.3.1 – Teoria positiva da sociedade brasileira

Desde o primeiro capítulo de A escravatura no Brazil, fica evidente que a obra segue a
linha positivista de explicação da sociedade através da enunciação de que a “evolução do
espirito humano” passa por três “quadras”: “primitiva” ou “fetichista”, “theologo-
metaphysica” ou simplesmente “metaphysica” e a “positiva”. Apesar de não estar exatamente
conforme a classificação, definida por Comte, dos estados históricos da humanidade
(teológico, metafísico e positivo), a classificação de Brandão Jr. segue os passos do mestre
positivista. Para conhecer a representação desse letrado sobre o escravo, o liberto ou o negro
se faz necessário compreender o funcionamento da teoria social positiva, precisamente a
forma como ele a adaptou à realidade brasileira e maranhense.
Brandão Jr. define os estados, ou estágios, fetichista e positivo como os únicos
duráveis na evolução da humanidade, representando a “infancia” e a “verilidade”,
respectivamente. O estado metafísico seria “a quadra ilusoria ou transitoria” entre os outros
dois, sendo necessária a passagem por ele para chegar-se ao que seria o mais alto “gráo de
civilisação”, o “positivo final”. Contudo, para que determinada sociedade caminhasse para “o
verdadeiro progresso”, devia ser “homogenea, isto é, aquella que apresenta uma escala
perfeita de herarchia social, na qual os theóricos expoem e os praticos executam; havendo
uma perfeita divisão de trabalho”. O único caminho a ser seguido era esse, em todos os
estágios, evitando o “desmembramento total”.

74 No presente item da monografia opta-se por não referenciar as citações, a exceção das longas, retiradas de
Brandão Jr. (1865) no intuito de não poluir o texto com demasiadas referências bibliográficas. As citações
serão identificadas apenas pelas aspas.

64
Brandão Jr. vê “a differença de ideais”, “o jugo” de uma parte da sociedade sobre outra
e “a desmoralisação que produz”, como os fatores que alimentam o “desmembramento”
social:
E no estado metaphysico, o homem julgando-se ter o direito de liberdade de acção
combate todas as ideias antipaticas a sua, cahindo na horrivel contradicção de negar
aos outros o direito de tambem obrar segundo as suas concepções; esquecendo-se de
que cada homem procede sempre segundo as ideias do meio em que vive
(BRANDÃO JR., 1865, p. 82).

Para ele, tal qual no trecho acima, o Brasil passava “por esta quadra revolucionaria”,
tendo como agravante “sua heterogenidade de raças”. Além disto, o país passava, quando de
sua emancipação política, da “infancia social” diretamente para a “verilidade precoce”, não
respeitando o “desinvolvimento natural de todos os povos”. Este “desinvolvimento precoce”
conservou a existência de certos “vicios”, tais como a primazia dos “interesses pessoaes”, o
desrespeito à lei, a “sede de posições administrativas”, assim compondo um “quadro de
anarchia social”.
Todavia, os “vicios” herdados no processo de “desinvolvimento precoce” eram
concernentes principalmente às elites, tendo a política como campo privilegiado de ação
delas, o que não é de se espantar neste contexto. Era bem mais urgente resolver o problema da
“heterogenidade de raças”, que alimentava “um espirito de classe” e “antiphatia” entre as
“partes heterogeneas” da sociedade.
Certo de que Brandão Jr. via a sociedade brasileira como “heterogenea” em função das
diferentes “raças”, é importante que se conheça a classificação social elaborada por ele. A
hierarquia social traçada apresentava no topo os brancos, seguidos dos mestiços livres,
indígenas “civilisados” e negros livres e escravos. Os brancos e os mestiços 75 eram “copistas
da civilisação européa” e ocupavam “as posições oficiaes”, sendo que os últimos
representavam a maioria da sociedade. Os índios “civilisados” e os “negros forros” eram
“ociozos”, viviam em “cabanas”, praticamente não tinham “instrução” e “sentimento social”.
E no último degrau da escala social, nas palavras do próprio autor: “Os escravos... são
escravos! nenhuma instrução absolutamente!”. Destarte ele tenha separado-os dos “negros
forros”, a leitura da obra possibilita deduzir que “negro” e “escravo” são tidos como
sinônimos, a exemplo de quando são relatados os “horrores da escravidão”. Após passar todo

75 Apenas na primeira referência que faz aos mestiços, Brandão Jr. condiciona a adjetivação “livres”; em todas
as outras referências, que não são muitas, ele utiliza apenas “mestiços”. Quase no final da tese, ele faz a
seguinte referência: “classe dos homens livres que vivem da caça e da pesca”, dando a entender que estes
“homens livres” podem ser de qualquer “raça”.

65
o capítulo – O estado actual do escravo no Brazil – utilizando o termo “escravo”, Brandão Jr.
questiona: “Quantas vezes não terá o negro amaldiçoado á essa raça branca que há muito
tempo vive do seo suor, sem lhe dar as mais das vezes, outra recompensa do que um barbaro
castigo?”. Ele ainda considera que “na raça negra domina o sentimento”, a semelhança de
uma mulher “que traga em silencio as infidelidades do marido”.
É em função deste projeto de uma sociedade hierarquicamente “homogenea” que deve
ser entendido o projeto emancipacionista de Brandão Jr.

2.3.2 – Como abolir a escravatura

Para Brandão Jr. a escravidão fora legítima, pois “quaesquer haveres sancionados pela
sociedade são legaes”, assim como pela “necessidade” de uma “parte fraca” – o negro – ser
subordinado à uma “mais forte” – o branco –, sendo aquela “incapaz de dirigir-se” e esta
“capas de lhe dar a direcção”. Diante desta suposta legitimidade, ele entendia que atacar “o
direito de propriedade”, através da abolição imediata, seria permanecer com o problema da
“herarchia social”, pois lançaria na pobreza os que tiravam sustento através dos escravos.
Contudo, segundo Brandão Jr., a escravidão não era mais compatível com a
“civilisação” e seria extinta a qualquer momento, complicando a situação do Brasil, que ainda
apresentava uma “heterogenidade de raças e diferentes gráos de civilisação”. Portanto, a
abolição imediata incorporaria o escravo “como uma parte gangrenada”, “sem amor ao
trabalho” e muitas outras adjetivações que deixam claro a inferiorização racial do negro.
Preocupado em manter uma espécie de equilíbrio social e resolver o problema da
“heterogenidade”, Brandão Jr. critica também a proposta de conceder liberdade aos filhos de
escravas76, alegando que os escravistas os abandonariam, o que prejudicaria ainda mais o
Brasil. Sendo assim, propõe uma emancipação gradual da escravidão. E a primeira medida
seria tornar todos os escravos em “escravos da gleba”, ou seja, o governo deveria formular lei
que proibisse a venda de escravos. Também deveria existir uma lei que obrigasse quem
tivesse escravo, “os fazendeiros especialmente”77, a estabelecer um salário para os escravos.
Os castigos corporais deveriam ser extintos.
Além das leis e do fim dos castigos, Brandão Jr. propunha que o salário, cuja

76 A Lei do Ventre Livre foi aprovada em 28/09/1871 como fruto de um debate que já vinha de algumas
décadas.
77 Sua proposta emancipacionista é voltada para as atividades agrícolas.

66
finalidade é a compra da carta de alforria, deveria ser proporcional ao trabalho desempenhado
pelo escravo e que deveria ser estabelecido um preço razoável para a liberdade, conforme a
idade de cada um, objetivando que “em pouco tempo” todos estivessem libertos. Após a
compra da liberdade, seria formulado um contrato sujeitando os libertos “aos
estabelecimentos como colonos, pela sua incapacidade de derigirem-se por si mesmo”. E os
descendentes ainda permaneceriam escravos por um determinado tempo não definido pelo
autor. No fim das contas, era proposto um tipo de colonização, para a fixação compulsória do
liberto/colono à terra ou gleba, mesmo que sobre o disfarce de um contrato.
Também preocupado com o “melhoramento agricola”, principalmente do Maranhão,
ele defende a utilização de equipamentos agrícolas que facilitassem o trabalho dos escravos,
assim como de um “systema de plantação em symetria”, através de linhas e carreiras. Não
defende a utilização do arado, por considerá-lo inapropriado à agricultura local.

2.3.3 – Racialização e assimilação: novas estratégias de poder

Além da necessidade de emancipar gradualmente os escravos, visando resguardar mão


de obra para a agricultura, Brandão Jr. defendia a necessidade de “colonisar o paiz, e de
aperfeiçoar e animar a sua agricultura, hoje entregue quasi exclusivamente aos escravos”.
Para ele, o europeu era o trabalhador/colonizador ideal e o governo deveria incentivar sua
vinda para o país. A imigração oriunda do velho continente seria a forma de trazer para cá
uma “raça intelligente, civilisada e industriosa mais do que todas”, porém, ciente do fracasso
das primeiras tentativas de colonização estrangeira no Maranhão, Brandão Jr. enfatiza que os
imigrantes deveriam ter “moralidade” e não ser “indolente”: “pois que não queremos sómente
aperfeiçoar a industria deixando os sentimentos sociaes inteiramente incultos”.
Desta forma, a imigração representava para o nosso letrado um “melhoramento
agricola”, através do aperfeiçoamento das técnicas produtivas, assim como pelo exemplo de
“amor pelo trabalho” que poderia dar aos “homens livres que vivem da caça e da pesca”.
Entretanto, afirma-se que a colonização estrangeira apresenta uma perspectiva diferente da do
trabalho em si. Ela também seria parte do projeto de uma “sociedade homogenea”, que era
retardado pela permanência da escravidão, “impossibilitando a completa fusão dos seos
membros na organisação da herarchia social”.
Brandão Jr. via a imigração como possibilidade de aumentar a população branca e

67
intensificar o processo de fusão das “castas num só elemento”. Segundo o autor, a “raça
negra” já estava sofrendo esse processo, principalmente depois de extinto o tráfico
intercontinental de escravos, e a “branca”, por ser “a mais intelligente”, estava triunfando.
Embora, Brandão Jr. não fale o que seria exatamente esta “fusão”, seus argumentos sobre esse
processo, associados a sua visão favorável sobre o mestiço, possibilitam afirmar que ele fazia
a defesa da miscigenação; mais uma forma de assimilação do negro.
A preocupação em assimilar o negro à sociedade, sob a direção do branco, que
conhece “melhor a sua posição, e o gráo da escala social que o negro deve occupar”, é
frequente na tese. Chega a ser irônico o fato de Brandão Jr. mudar diametralmente de opinião
ao afirmar que os quilombolas “não são inimigos do trabalho”, quando escreveu, em outro
momento:
E quaes serão as consequencias de uma tão prematura medida [a abolição imediata]?
- Todos veem que o escravo, sem nenhuma instrução absolutamente, ainda na
infancia dos sentimentos sociaes; sem amor ao trabalho, e pelo contrario, vencendo-
o somente pelo receio do castigo; acrescendo habitar um paiz no qual as
necessidades da vida material podem ser satisfeitas somente com o pequeno trabalho
da caça, pesca e frutas que em abundancia lhe menistra as florestas, e ainda mais
alimentando uma antipathia pelos brancos e mestiços, repetimos, neste estado o
escravo não póde ser assimilado á sociedade, como uma parte gangrenada, e que só
serviria de incentivo á discordia que mina os nossos elementos apressando ainda
mais o nosso desmembramento total (BRANDÃO JR., 1865, p. 54, grifou-se).

Que mudança misteriosa sofreram os “calhambólas”, muitos há bem pouco sob jugo
de um escravocrata, para deixarem de ser “inimigos do trabalho”? Se nas matas em que
viviam havia abundância de caça, pesca e frutas, por que deixaram de ser “inimigos do
trabalho”?
Brandão Jr. encarava os quilombos como “uma sociedade na sociedade” ou
“republica”, sendo que muitos se mostravam bastante populosos e a política governamental
maranhense de combate aos quilombos não impedia o surgimento de novos. Ele defendia,
também pela impossibilidade de saber ao certo quem é o dono do escravo capturado, ser
proveitosa a assimilação dos “calhambólas”, transformando-os em colonos do Estado. Logo,
era necessário convencer a elite branca de que os “calhambólas” não eram “inimigos do
trabalho”, para que se mudasse a tática de combate e evitasse um “desmembramento total”.
O exemplo dos calhambólas e a constante ameaça dos escravos assinarem a “carta de
liberdade com o sangue dos seos oppressores”, permite afirmar que o projeto
emancipacionista de Brandão Jr., apresenta a constante preocupação, além da garantia de mão
de obra, de acalmar os ânimos mais exaltados que poderiam proporcionar um verdadeiro

68
Haiti. Apesar de não acreditar nesta possibilidade, que denomina como “reacção material da
escravatura”, a todo momento transparece na tese a intenção de subordinar a “raça negra” e o
receio dela se voltar contra a “branca”.
Acredita-se que, com a falência do escravismo, Brandão Jr. vislumbra uma nova forma
de subordinação, que passa pela racialização como modo de preservar as estruturas de poder
dos brancos sobre os negros, assim como de manter a ordem do trabalho. Este discurso racial
baseou-se na afirmação de que a “raça negra” não poderia se autogerir por estar em um
patamar mais baixo de “civilisação”. A sociedade deveria assimilar o negro e sua suposta
inferioridade, que também deveria ser assimilada por ele próprio, como mais novo integrante
do corpo social.

69
CAPÍTULO 3
A PREOCUPAÇÃO POR TRÁS DO OTIMISMO

3.1 – Eis que surge a abolição

A guerra de secessão norte-americana (1861-1865) teve como efeito quase direto, pela
desorganização da produção daquele país, um curto alento à produção algodoeira maranhense.
Outro efeito, talvez menos perceptível, foi na crise do sistema escravista brasileiro, uma vez
que os escravos do sul dos Estados Unidos foram libertados, diminuindo mais ainda a
legitimidade da escravidão. Pode-se citar a interpretação alarmista de Brandão Jr., que via a
abolição naquele país como um sinal de que o Brasil deveria resolver logo o problema da
escravidão, a menos que quisesse presenciar similar conflito civil.
A consolidação de uma opinião nacional antiescravista, resultando no discurso
abolicionista das duas décadas finais do Império, ganha forças a partir da guerra do Paraguai
(1864-1870). Segundo Thomas Skidmore (apud RIBEIRO, 1990, p. 133), terminada a guerra
em março de 1870, o debate sobre o fim da escravidão recrudesce a medida que o conflito
expôs alguns problemas nacionais, como a própria dificuldade de recrutar soldados, cuja
solução foi o recrutamento de escravos. Diante da enorme contradição de livres e escravos
defenderem a pátria lado a lado, o governo central decretou que os escravos sob serviço
militar seriam alforriados. Tal medida fortaleceu a opinião favorável ao fim da escravidão.
César Marques (apud RIBEIRO, 1990, p. 133) informa que o Maranhão contribuiu
com 5.466 combatentes, sendo 407 escravos. Durante a guerra houve a diminuição do
contingente policial. Para Assunção (1996, p. 450), a situação ficou mais complexa para o
sistema escravista, porque o recrutamento afastava os livres pobres tanto para servir à pátria,
quanto para as matas, fugindo do recrutamento para a guerra. Os “grupos intermediários [do
escravismo], tão importantes para sua sobrevivência”, foram reduzidos e instalou-se um
quadro de insubordinação escrava que proporcionou a mencionada rebelião escrava do
quilombo São Benedito do Céu, em 1867.
Por outro lado, voltando à esfera nacional e ao fim do conflito, percebe-se o
fortalecimento da campanha abolicionista e, em setembro de 1871, é aprovada a Lei do Ventre
Livre78, tornando livres os filhos de escravas nascidos da data da publicação em diante. O

78 Estes filhos das escravas, chamados de ingênuos, seriam criados pelo proprietário da mãe até os 8 anos,
quando este optaria por vendê-los ao Estado mediante indenização ou utilizar seus serviços até a idade de 21
anos, que foi a opção da maioria dos proprietários. A lei do Ventre Livre, conhecida também como Rio

70
abolicionismo arranca em todo o país nas décadas de 1870 e 1880.
No Maranhão, esse movimento também foi tomando corpo e a imprensa jornalística é
um dos espaços em que é discutida a temática. Saindo do plano do discurso e da propaganda,
em 1881 foi fundado em São Luís o Centro Artístico Abolicionista Maranhense, o qual, além
de outras atividades, estimulava a fuga de escravos (RIBEIRO, 1990, p. 140). A partir de
meados da última década do Império, contando com ajuda dessa e outras agremiações,
escravos fugiam para o Ceará, onde a escravidão estava extinta desde março de 1884. As
fugas, aliadas a outras formas de resistência, atestam a participação escrava no processo que
resultou na abolição, pois, o discurso abolicionista acaba por dar ares de passividade aos
cativos. Entretanto, não se tem indícios de que, no Maranhão, tenha havido um
recrudescimento da resistência escrava nos últimos anos da escravidão.
Além das agremiações abolicionistas que atuavam através de reuniões, propaganda,
eventos, auxílio às fugas etc., foram criadas algumas instituições filantrópicas destinadas a
comprar alforrias. Uma delas foi a Sociedade Manumissora Vinte e Oito de Julho. Composta
por pessoas influentes das elites maranhenses foi fundada em 1869, porém, só pode atuar dois
anos depois, quando seu estatuto foi reaprovado. Segundo Ribeiro (1990, p. 137), essa
Sociedade libertou, em dois anos (1871-1873), 327 escravos. A Lei do Ventre Livre também
criava um Fundo de Emancipação, que receberia cotas específicas para cada província
emancipar escravos. Foram concedidas 2.211 alforrias, entre 1876 e 1887, com as cotas do
Fundo somadas ao pecúlio dos escravos (RIBEIRO, 1990, p. 148). Todavia, houve reações à
febre abolicionista, embora ela não tenha sido tão intensa no Maranhão.
Como descrito no primeiro capítulo, essa província tinha uma sociedade fortemente
escravista. Além das relações de produção, em torno do escravo giravam relações de poder
que o subordinavam sobremaneira ao seu senhor e o tornavam um elemento de status social.
Então, parte da elite escravista maranhense, desejosa de manter o status quo, manteve-se
firme diante de uma conjuntura que caminhava cada vez mais para a abolição. Foi esta reação
que alimentou alguns debates na imprensa maranhense, assim como dificultou a aplicação da
Lei do Ventre Livre: forjando nascimentos em datas anteriores à lei, dificultando a matrícula
dos escravos, para impedir que o Fundo de Emancipação não fosse convenientemente
utilizado, não concedendo a liberdade aos ingênuos que alcançavam 21 anos. Contudo, não se
pode exagerar a amplitude desta reação, pois ficava no âmbito dos setores mais

Branco, previu outras regulamentações que reforçavam a intenção de abolir a escravidão.

71
conservadores. Também, acredita-se que muitos tenham resistido ao abolicionismo, mais em
função do capital empatado, esperando e defendendo a abolição somente mediante
indenização.
Um dos últimos embates entre os abolicionistas e os grupos conservadores ligados ao
escravismo foi travado, na esfera política nacional, em decorrência da lei dos Sexagenários,
aprovada em 1885. Em suma, a lei concedeu liberdade aos escravos maiores de 60 anos, que
ficaram obrigados a prestarem mais três anos de serviço, como indenização ao proprietário. A
lei também previa o pagamento de indenização pelos escravos libertados pelo Fundo de
Emancipação. A aprovação dessa lei acabou intensificando a movimentação abolicionista em
todo o Brasil e a resistência escrava nas províncias do Sudeste. Assim, em 13 de maio de
1888, foi sancionada a lei Áurea, extinguindo a escravidão sem qualquer indenização.

3.2 – A transformação do trabalhador79

Paralelo ao abolicionismo, continuaram acontecendo discussões sobre a transformação


do trabalho, especialmente o voltado para a agroexportação. O que mais interessava às elites
nessas discussões é a questão relativa aos atores envolvidos na transição do trabalho escravo
para o trabalho livre: o escravo ou o futuro liberto, o livre pobre, o índio e o imigrante
europeu. Apesar das últimas duas décadas do Império não representarem um espaço de tempo
demasiado grande, houve algumas mudanças referentes às representações sobre aqueles atores
sociais elaboradas pelas elites maranhenses, em especial os letrados.
A principal preocupação dos letrados era como subordiná-los para o trabalho,
principalmente para a produção para a exportação. As representações foram influenciadas
pela desagregação do escravismo e por alguns projetos e experiências vividas.
Em relação aos índios, o avanço “civilizacional”, representado pela ação
governamental, continuou tentando incorporá-los através de colônias indígenas e aldeamentos
denominados diretorias parciais. Tais tentativas, apesar das grandes dificuldades, acabaram
inserindo uma minoria deles na sociedade “civilizada”, menos pela inserção nos trabalhos
agrícolas e mais como remeiros, extrativistas e combatentes a índios “selvagens” e

79 Este item baseia-se na proposição feita por Faria (2001) de que a transformação do trabalho no Maranhão
gerou um vasto debate sobre os atores sociais que deveriam compor o mercado de trabalho livre, em especial
a percepção de que no decorrer do século XIX, conforme as propostas eram ou não postas em prática, as
visões dos letrados sobre aqueles atores (escravo, índio, livre pobre e imigrante europeu) apresentaram
modificações.

72
quilombolas, enfim, em atividades subsidiárias da grande lavoura.
Apesar das dificuldades apontadas, as falas e os relatórios dos presidentes de província
mostram a preocupação dos governantes em colonizá-los para que não atrapalhassem o
avanço “civilizacional”. No entanto, Faria (2001, p. 156) informa que, por influência do
darwinismo social e do positivismo, as representações sobre os índios tenderam a
desconsiderá-los como mão de obra. Neste contexto, em 1884, o governo provincial deixou
de custear a “civilização e catequese” indígena.
Quanto aos livres pobres, para essa autora:
A pequena mudança demonstrada na posição das elites em relação aos livres pobres
não prosseguiu de maneira rápida e contínua [durante o século XIX]. Foi um
processo lento. Gradativamente iam sendo aceitos como homens e mulheres que
podiam ser integrados ao mercado de trabalho, se mudassem radicalmente o modo de
viver. Mas, até o final do período analisado [1888], continuaram a ser considerados
indolentes e extremamente resistentes ao trabalho regular e rotineiro. Essa
representação era apresentada pelos letrados com variados matizes (FARIA, 2001, p.
160, grifo no original).

Essa mudança está indicada no Recenseamento de 1872 (BRASIL, 1872), que mostra
a porcentagem de, aproximadamente, 71 % de livres e 29 % de escravos exercendo
“profissões agrícolas”80 no Maranhão. Bem diferente da estatística apresentada por Antonio
Bernardino Pereira do Lago (apud FARIA, 2001, p. 48), para o ano de 1821, quando o
trabalho nas atividades agrícolas era exercido por em 77,7 % por escravos e em 22,3 % por
livres. É possível que as informações do início do século se restringissem à grande lavoura 81,
mas certamente as relativas a 1872 envolviam esta e outras formas de produção rural. Os
dados representativos do crescimento demográfico da população livre pobre, segundo
Assunção (2010, p. 166-67), explicam a reorientação da produção agrícola para o mercado
interno.
É necessário citar a iniciativa governamental de fundar colônias para retirantes
cearenses fugidos da seca de 1877 a 1879. Para Faria (2001, p. 173-81), essa medida não foi
planejada. Teve um caráter emergencial para direcionar os milhares de migrantes que
chegavam, do que propriamente resolver o problema da falta de braços. Um caso peculiar foi
o da Colônia Prado, instalada nas terras do recém-batido quilombo Limoeiro, aproveitando-
lhe as instalações e roças. A cessação das verbas imperiais para socorrer os retirantes, em
1879, fez com que o governo provincial retirasse o apoio econômico às colônias,
80 Utilizou-se os dados referentes às “profissões agrícolas” e há outro campo com os “capitalistas e
proprietários”. Não foi possível saber se os dados de Antonio Bernardino Pereira do Lago foram calculados
seguindo o mesmo raciocínio.
81 Ver nota 10.

73
demonstrando o desinteresse em promover colonização com livres pobres nacionais.
Quanto ao estrangeiro, as colônias que se tem notícia foram instaladas em meados do
século e representaram um fracasso. Contudo, o imigrante branco e europeu continuou a ser o
trabalhador ideal nos escritos dos letrados, apesar de ressalvarem que deveriam vir pessoas
“moralizadas” e “industriosas”. Essa idealização não impediu que as elites se mostrassem
pessimistas quanto a possibilidade de realizá-la, tanto pelo insucesso das primeiras tentativas,
como pela suposta dificuldade que teriam os europeus para adaptarem-se ao clima ou pela
concorrência das províncias do sul e do sudeste.
O pessimismo certamente aumentou devido ao total insucesso da Sociedade
Maranhense Promotora da Colonização. Tendo seu estatuto aprovado em 1870 e vinculada ao
governo provincial, ela não entrou em atividade imediatamente porque não estava
regularizada, já que o governo imperial alegou que era o único competente para permitir o
funcionamento de instituições com o fim de trazer estrangeiro para promover a colonização.
Apenas em dezembro de 1873 seu estatuto foi aprovado pelo governo imperial, no entanto
não há registros de ter entrado em funcionamento. Mas, todas as experiências infrutíferas
neste sentido não foram suficiente para acabar com a esperança de um dia vir o imigrante
europeu.
Por fim, há o escravo ou futuro liberto. A historiografia sobre o Maranhão indica que,
apesar do aumento das fugas, não houve um recrudescimento da resistência. Por outro lado,
acredita-se que a não intensificação das lutas escravas, não foi suficiente para apagar o medo
branco das elites, presente nas representações. No intuito de apreender como os letrados viam
o escravo à beira da abolição e chamar a atenção para o aspecto racial inserido no debate
sobre a transição para o trabalho livre, analisar-se-á o concurso promovido pela Associação
Comercial do Maranhão.

3.3 – Guiando o liberto “despreparado” e salvando a “lavoura”

Aos 27 de abril de 1888, véspera da abolição da escravidão, foi publicado no jornal


Diário do Maranhão um convite da Associação Comercial do Maranhão “a todas as pessoas
que se interessão pelo futuro d'esta terra”, para reunião em sua sede no dia 30 de maio. Era
oferecido um prêmio de quinhentos mil réis para quem apresentasse “melhor methodo ou
plano” de “substituição do trabalho servil pelo trabalho livre, com applicação à lavoura da

74
provincia”. Os autores das propostas deveriam publicar “em algum dos jornaes diarios” até o
dia 20 de maio e utilizar “os proprios elementos da provincia”, pois não seria possível trazer
imigrantes.
Em 7 de junho, o Diário do Maranhão publicava a lista com 21 propostas 82
encaminhadas à Associação e publicadas, entre 5 de maio e 6 de junho, em um dos três
jornais: Diário do Maranhão, O Paiz e Pacotilha. O juri encarregado pela Associação de
analisá-las, entregou parecer dia 15 de junho e no dia 27 do mesmo mês este foi publicado no
Diário do Maranhão. Muitas propostas foram consideradas boas, porém, a situação da
lavoura não permitia que fossem aplicadas sem o grande dispêndio de capital, o que as
inviabilizava. Desta forma, o prêmio foi entregue à Sociedade Auxiliadora da Lavoura e
Industria, para empregá-lo no que achasse melhor.
A proposição do concurso bem próximo à Abolição, cujo trâmite legislativo já estava
em andamento, é sintomática, assim como conclusão final, de que a lavoura não estava em
boas condições, descapitalizada para investimentos. As elites compreendiam que o Maranhão
vinha se arrastando em uma crise e, com a liberdade dos cativos, algumas medidas seriam
necessárias. Esta é a tônica geral das propostas.
Neste sentido percebe-se que as medidas giraram em torno basicamente de três
aspectos: trabalhador, relações de trabalho e melhorias técnicas. O fim da escravidão era
unanimidade entre os letrados participantes, já que não houve defesa da mesma, sendo assim,
a necessidade de aprimorar as técnicas produtivas aparece em quase todas as propostas.
Acima de tudo, julgavam indispensável a capitalização da agricultura, logo, alguns sugeriram
uma aliança maior entre comércio e lavoura, através da formação de “associações ou
companhias de capitalistas” (proposta nº 10) para criar engenhos centrais, ou mesmo a
cessação das dívidas dos fazendeiros por parte dos comerciantes (proposta nº 13)83.
O aprimoramento das técnicas passava pela construção de ferrovias, adubação,
emprego de ferramentas, adoção de um “systema intensivo” entre outros. O arado também foi
bastante sugerido, entretanto, a proposta nº 21 defende que “o serviço aratorio não é
compativel com a educação, dos ex-escravos, affeitos á foice, ao machado e ao facho”.
Atribuir ao liberto a incapacidade em absorver uma inovação como o arado, pode ser visto
82 As propostas nos 2 e 7 são iguais, porém foram publicadas em dois jornais diferentes, sendo que uma delas
não estava assinada. A lista está presente no Apêndice A.
83 No presente item da monografia opta-se por não apresentar as referências bibliográficas relativas às citações
retiradas das propostas do concurso promovido pela Associação Comercial do Maranhão, no intuito de não
poluir o texto. As citações serão identificadas apenas pelas aspas e terão como referência o nº da proposta,
conforme Apêndice A.

75
como um indício de uma abordagem raciológica por parte dos letrados.
A proposição de uma educação agrícola, ou seja, voltada para o trabalho, também
esteve presente em algumas propostas. Philorgonagri (proposta nº 10) sugere a organização do
ensino agrícola para os “livres” e os “libertos”84, vinculado ao ensino primário, tendo como
principais matérias: “tractados de moral, de principios geraes de sciencias naturaes, de
agricutura, de horticultura e de outros concernentes á lavoura”. O autor da proposta nº 12
defende que o governo, ao invés de investir na imigração estrangeira, promova o
“melhoramento da educação da população nacional e sua applicação ao trabalho”, chegando a
sugerir a tributação dos pais que não levassem os filhos à escola.
A educação para o trabalho, fortemente aliada à “moralização” dos libertos e livres
pobres, pode ser encarada como uma melhoria técnica, à medida que as propostas a
vislumbravam como aquisição de conhecimento agrícola. Por outro lado, ela também pode ser
encarada como um elemento das relações de trabalho, pois objetiva formar mão de obra
preparada e sujeitada para o trabalho na lavoura, partindo da noção de que a população livre
pobre era “Analphabeta e sem a menor educação, sem habito de trabalho, viciosa e
malfeitora” (proposta nº 12).
A criação ou efetivação de legislação e o fornecimento de aparato policial para
combater a “ociosidade” também estão inseridos nas relações de trabalho examinadas no
concurso. A temática da obrigatoriedade do trabalho é sugerida por praticamente todos
participantes através de leis, a maioria, e/ou de regulamentos internos de trabalho. Alguns
propunham algo próximo dos típicos regulamentos das fábricas, com descontos em caso de
falta, mesmo que por doença. Mas, devido à ainda forte influência escravista, percebeu-se a
defesa da compulsão ao trabalho exercida pelo próprio proprietário de terra ou administrador
de colônia. Zero, autor da proposta nº 11, acreditava que por quererem “melhor vida e bem
estar”, os libertos não fugiriam ao trabalho, porém, defendia a demarcação de terras “para os
senhorios, que com melhor razão e força poderão obrigar ao trabalho aquelles que delle se
afastarem”.
Quanto à legislação, as propostas que a contemplavam, iam desde a necessidade de o
trabalhador provar sustentar-se “honestamente” para não ir pra uma prisão agrícola (proposta
nº 12) até a criação de “um attestado de bôa ou má conducta” para os empregados e

84 Faz-se questão de diferenciar “libertos” de “livres”, apesar da maioria das propostas não o fazer, por entender
que boa parte delas tem maior preocupação em discutir a problemática dos futuros “libertos”, pois grande
parte desses estava vinculada à “lavoura”.

76
preenchido pelos fazendeiros (proposta nº 16). O autor da vasta e detalhada proposta nº 6
atribui quatro “medidas dependentes do governo”: fixação do trabalho, repressão dos
vagabundos, estabelecimento da prova de trabalho e dilatação do Poder Judiciário. Propunha
também, como atribuição do “lavrador”: “Adstricção ao solo do ex-trabalhador escravo”.
Logo, defendia que o liberto seria obrigado a permanecer na fazenda.
A preocupação em obrigar os libertos e livres pobres a trabalhar está relacionada à
intenção de manter a agroexportação, para preservar o status quo dos fazendeiros. As
propostas apresentavam basicamente três formas para regulamentar as relações de trabalho no
campo: arrendamento, parceria e salário. As três formas de trabalho quase sempre
apresentaram variáveis Para se ter uma noção do significado social assumido por essas
relações, é interessante o trecho a seguir da proposta nº 21:
Esta entidade [o “lavrador”] desappareceu com o elemento servil, porque não poderá
manter suas actuaes lavouras de modo a tirar dellas um lucro compensador ou não
terá pessoal que desprese aquellas vantagens pela do minguado salario que poder
dar-lhe ou mesmo pela parceria, uma vez que tem facilidade em obter terras para
arrendar.
Os antigos lavradores deixarão este titulo indevido para dal-o a quem legitimamente
o deve possuir e converter-se-hão em simples proprietarios de immoveis ruraes, dos
quaes não poderão exigir mais que dos urbanos, isto é – o aluguel.

Mas, a maioria dos concorrentes era otimista e não vislumbrava esse futuro. Outros
também sugeriam o arrendamento. Licínio Stolon (proposta nº 3) considerava a possibilidade
de pagar salário aos “libertos” e aos “homens livres”, embora preferisse arrendar a terra, ao
mesmo tempo em que defendia a repressão aos “vadios” por parte do governo. Por outro lado,
Agrícola (proposta nº 13) recomendava aos cotonicultores a cobrança de um foro muito
pequeno, mas os “colonos” ficando obrigados a beneficiar o algodão nas máquinas do
“proprietário, pagando-lhe uma porcentagem. Esses exemplos mostram o cuidado que os
participantes tinham em preservar o poder dos fazendeiros, subordinando os trabalhadores.
O assalariamento puro foi o tipo de relação de trabalho mais rejeitada no concurso,
principalmente pela noção que os letrados tinham de que a agricultura não proporciona renda
suficiente para cobrir esses custos. Consequentemente, quem defendeu pagamento de salário,
aconselhou que fosse fixado bem baixo, a exemplo de Ceres (proposta nº 2), que defendeu
também como forma de incentivar o liberto, dar-lhe determinada porcentagem do lucro da
produção. O autor da proposta nº 6 propõe “um salario razoavel” e, baseado no positivismo,
condena a parceria por considerá-la uma quebra da hierarquia social. Mais uma vez percebe-
se a intenção de manter as relações de poder já estabelecidas.

77
A parceria é a relação que mais vezes apareceu nas propostas e, assim como as outras
duas, apresentou variações, inclusive com oferecimento de pequeno salário. Descartando o
salário como opção, Bethulia (proposta nº 9) argumentava que o proprietário deveria
estabelecer sociedade com o liberto, mas em que fosse “o centro director – o agente
intellectual e supremo”. Nesta sociedade ainda seriam firmadas “medidas regulares” sobre as
faltas e moléstias. Por outro lado, o autor da proposta nº 14 demonstra as vantagens e
desvantagens de três formas de “remuneração do trabalho”: diária, empreitada e parceria. Esta
última seria a melhor tanto para o proprietário, que só paga ao fim colheita, quanto para o
trabalhador, que teria mais “lucro” do seu trabalho, pois quanto mais produzisse maior o
“lucro”.
O assalariamento, quando não associado à parceria, deixava evidente a hierarquia entre
empregador e empregado. Para Faria (2001, p. 201):
A diversidade de denominações mascara um objetivo comum: passar a ideia de que
os trabalhadores teriam outro status, tornando-se sócios ou parceiros dos fazendeiros
ou dos organizadores da sociedade ou associação. No entanto, quando era detalhado
o funcionamento do núcleo colonial ou da sociedade, não havia praticamente
diferença das outras propostas. O controle estava sempre ao encargo do fazendeiro
ou de um representante dele e a remuneração era a menor possível.

Apresentadas as melhorias técnicas e as relações de trabalho 85, resta conhecer as


medidas aconselhadas em torno do tipo de trabalhador. Mesmo tendo a diretoria da
Associação Comercial ressaltado que os planos deveriam utilizar “os proprios elementos da
provincia”, alguns participantes insistiram na imigração estrangeira. Licínio Stolon (proposta
nº 3), antes de traçar seu plano utilizando o braço nacional, contesta que o clima do Maranhão
seja impróprio, citando exemplo de colonização holandesa em lugar de clima similar. Diz ter
ciência da dificuldade, devido à situação financeira da província, mas não considerava
impossível vir “a raça européa, única que nos convem”. Mais uma vez pode-se perceber um
indício da centralidade raciológica durante o debate da transformação do trabalho.
O autor da proposta nº 5 estava tão envolvido pela possibilidade de vinda do europeu
que chega a ser cômico, pois não sugere qualquer outra medida, senão a imigração. Ao
contrário da maioria, ele não propunha nenhuma medida voltada para obrigar o liberto ao
trabalho. Para garantir o futuro da lavoura, a iniciativa particular deveria trazer os “workmen”
para cá! Pode-se afirmar que todos viam o europeu como o trabalhador/colonizador ideal,

85 O modo como dividiu-se as proposições é apenas um método elaborado para tentar apreender a totalidade das
propostas, de forma a contribuir para a discussão central da presente pesquisa. Os participantes do concurso
escreveram de diferentes formas e alguns sequer apresentaram os três elementos aqui destacados.

78
uma minoria insistindo na sua vinda, outra parte, certa da impossibilidade e a maioria
lamentando-a.
Após afirmar que a imigração seria “muito dispendiosa” para as finanças da província,
o autor da proposta nº 14 recomenda catequizar os indígenas. Ele é o único que propõe
“civilizá-los”, alegando que não são “inimigos do trabalho”. A quase total invisibilidade do
índio no concurso indica a tendência, presente em outros letrados, de cada vez mais não
encará-lo como mão de obra.
Idealizado o europeu e o índio quase totalmente excluído como alternativa de mão de
obra, o braço nacional é praticamente representado durante o concurso pelos “libertos” e
“homens livres”. Cabe enfatizar, como já ressaltado na nota 84, que as propostas apresentam
o liberto também como sendo o “homem livre”, o “novo cidadão”, fazendo parte da
“população nacional”, entretanto, é perceptível que há uma abordagem diferenciada entre os
dois grupos sociais. Tal diferenciação se faz principalmente pelo fato de a maioria dos
concorrentes estarem muito mais preocupados em traçar um plano para a transformação do
trabalho utilizando-se do liberto, já que ele aparece bem mais nas propostas.
Entende-se que a maior atenção dada ao liberto está ligada aos interesses do setor
agroexportador, na medida em que estava preocupado em manter presos à terra os sujeitos
antes escravizados – “adstricção ao solo”. Alguns fazendeiros já utilizavam trabalhadores
livres, a exemplo do autor da proposta nº 16, que se diz “lavrador” e emprega “braços
escravos e livres”, contudo, os cativos ainda representavam população significativa do
trabalho agrícola. Desta forma, consideravam que seria menos difícil manter o liberto na
lavoura, que chamar o “homem livre” a ela. Além do mais, o próprio autor da proposta nº 16
via os escravos como “capital empatado” e defendia a abolição mediante indenização.
A característica de obrigatoriedade do trabalho e combate à ociosidade, presente em
praticamente todas as propostas, está ligada tanto ao liberto quanto ao livre pobre. Ambos
deveriam ser educados para o trabalho, “moralizados” e submetidos à mesma
compulsoriedade ao trabalho. De outro modo, percebe-se que a pecha de “ocioso” é atribuída
muito mais ao “homem livre”, como na proposta nº 12:
O nosso homem livre é uma entidade que não existe economicamente fallando: ou
porque seja má a educação do nosso povo, ou porque sejão inefficasses nesta parte
as nossas leis, e certo é que a nossa população livre vive ociosa e arredada do
trabalho, causando damnos e prejuisos aos proprietarios.

Esse mesmo participante traça uma espécie de tratado moral ou um “histórico” do


“homem livre” atribuindo-lhe características como embriaguez, imoralidade e indecência.

79
Apesar de descrever detalhadamente o que chama de “lamentavel estado social”, ele
considera a população livre “dotada de boa indole, faltando somente educal-a e chamal-a ao
trabalho”. Em todas as propostas, a exceção das que sequer o mencionam, o livre pobre não é
descartado para o trabalho, a despeito de todos os “vicios” que lhe atribuem.
O autor da proposta nº 14 propõe inclusive “a colonisação nacional” por intermédio de
“propaganda” direcionada aos “ociosos”. Interessante que em nenhum momento ele menciona
qualquer coerção ao trabalho, ao contrário da maioria dos outros participantes. Também
afirma não ser pessimista e acreditar que os libertos continuariam a trabalhar, mesmo que em
outras fazendas, crendo ser este o melhor momento para os “lavradores” firmarem contrato
com os “ex escravisados” que permanecessem na fazenda.
A consciência dos esforços necessários para educar para o trabalho, “moralizar” e
reprimir, não impediram que a maioria das propostas mantivessem um tom de otimismo.
Acredita-se que a visão otimista preponderante no concurso tem funcionamento similar ao
proposto por Pereira (2006, p. 177-78) para as representações sobre a escravidão na década de
1880, no Maranhão:
(…) as críticas à escravidão e à defesa de sua abolição tal como apresentadas no
jornalismo periódico e nas monografias do concurso proposto pela Associação
Comercial, foram, em última instância, estratégias ideológicas elaboradas com o
propósito de dissimular a desagregação das classes dominantes já em curso, por
conta da decadência da agricultura mercantil e, por isso mesmo, sugerir os meios
necessários para a recomposição das relações de dominação de classe em outras
bases. Do contrário, não seriam recorrentes as propostas de criação de leis
repressivas, de penitenciárias agrícolas e de tribunais correcionais para que se
corrigissem aqueles comportamentos considerados como “vagabundagem”,
“ociosidade”, “vícios” e “abusos”.

Neste sentido, esta espécie de dever ser otimista presente no concurso chega até a ser
um diferencial em relação às obras analisadas no capítulo anterior, escritas dois decênios
antes. A perspectiva de um futuro tranquilizador está associada nas propostas principalmente à
figura do liberto, geralmente entendendo que não haveria grandes dificuldades para mantê-lo
engajado no trabalho.
A leitura das propostas possibilita a percepção de que são atribuídas diversas
características aos libertos, frequentemente ligadas a sua antiga condição de escravo ou
mesmo à “natureza” da pessoa liberta. Tais características são comuns às desenvolvidas no
âmbito do racismo científico86, que predominou no Brasil até fins da terceira década do século
XX, e da tese de irracionalidade do trabalho escravo 87, que vê o negro como um despreparado
86 Cf. Schwarcz (1993).
87 Ver Fernandes (2008).

80
devido à “suposta influência deformadora da escravidão” (AZEVEDO, 2004, p. 19) e que
teve forte inserção acadêmica pelo menos até as décadas de 1960 e 1970. Entendendo que “o
fim da escravidão racial brasileira significou mais do que a transformação do trabalho,
implicou também na transição das formas de regulação das relações raciais, visto que estas
não teriam mais a escravidão como instituição reguladora” (CUNHA, 2004, p. 214), percebe-
se que a questão racial assume centralidade neste concurso quando da discussão sobre o
liberto, já que recém egresso do cativeiro.
De forma alguma afirma-se que os letrados participantes, como as próprias elites, viam
negros apenas entre os libertos. Porém, não tendo a maioria dos participantes domínio sobre o
racismo científico, que ainda estava se consolidando, a única possibilidade era que a temática
racial girasse em torno do liberto. Somente quando o racismo científico ganha maior inserção
social, a partir do século XX, é que fica claro, para a sociedade como um todo, a existência do
negro como centro da questão.
Partindo desse entendimento da representação sobre o liberto, continuar-se-á a análise
das medidas propostas no concurso relativas à sua utilização como mão de obra. Como já
afirmado, o tom geral era de otimismo e alguns acreditavam que o liberto ficaria no campo.
Os autores das propostas nos 5 e 11 acreditavam que este, motivado pela nova condição,
trabalharia com mais satisfação, vendo isto como algo natural e lógico, e recomendavam
basicamente medidas voltadas para a melhoria técnica. A própria vinda de trabalhadores
europeus era encarada como tal, pois, “traria novas praticas e conhecimentos para novos
productos e artes, sciencias”.
Na mesma linha, o autor da proposta nº 21 atribui ao liberto, como “aspiração muito
natural e legitima”, um “desejo” de ter sua própria produção, terra e animais, por isso
aconselha aos proprietários o arrendamento da terra. Mas, isto não o impede de defender leis
que obriguem ao trabalho, assim como orientar os “ex-senhores” a “guiar os primeiros
passos” dos libertos, do contrário, abandonados “aos seus naturaes instinctos, a embriaguez da
liberdade os conduzirá á ociosidade, á indolencia e d'ahi são incalculaveis os males por vir”.
Quais seriam esses instintos? Fica a dúvida, mas já é um indício da naturalização da questão
racial.
Agrícola (proposta nº 13) acreditava que os libertos, habituados à vida no campo,
continuariam trabalhando nas atividades rurais e os que partissem logo voltariam. Para esse
letrado isso aconteceria “principalmente” quando eles começassem a habituar-se à

81
“moralidade da família”, que não era vivenciada devido sua condição escrava. É certo que a
escravidão desfez e até impediu de serem construídos laços familiares entre muitos africanos
e seus descendentes, mas diversos estudos comprovam a existência de laços familiares entre
escravos. Além do mais, a concepção de família do autor, assim como das elites, baseada
principalmente no casamento católico, excluía as relações típicas de uma família entre os
escravos, jogando-as para o concubinato e a libertinagem. Os libertos carregarão o rótulo de
pessoas imorais, devassas e libertinas, e futuramente os negros, pois, “a condição de escravo
foi formalmente extinta com o fim da escravidão, contudo, não se extinguiu o fulcro da
escravidão: o ser negro” (CUNHA, 2004, p. 15, grifo no original).
Bethulia (proposta nº 9) propunha “sociedades com os libertos” tendo o proprietário
como “centro director”, mas descarta a possibilidade de serem “fornecedor de canna”, por
considerar que: “Os libertos jamais se colligarão, as desconfianças medrarão, e elles se irão
dividindo, separando os seus serviços, fazendo conseguintemente menos, e acabarão por se
desgostarem – com prejuizo para a fabrica, que conta com os seus fornecimentos”. Além de
propor um guia para os libertos – as elites deveriam guiar a transformação do trabalho – a
proposta subtrai a capacidade associativa àqueles, seres incapazes de estabelecer
autonomamente sociedades, inclusive entre si.
Também traçando uma espécie de sociabilidade do liberto, Carlos Theodoro
Gonçalves (proposta nº 15) desaconselha aos proprietários auferir “frutos por arrendamento”,
em virtude de não:
Esperar que os libertos entre si se associem [o que] é uma esperança perigosa,
infeliz. Elles não alimentão sentimentos de sociabilidade; são desconfiados por
excellencia: rixosos de condição: logo sem um centro que os dirija, e que respeitem
e confiem, nada d'elles se pode e deve esperar – sinão crimes e ociosidade.

O apontamento do liberto como ser sem capacidade associativa é um forte indício da


centralidade raciológica da transição para o trabalho livre. O “liberto”, e num futuro bem
próximo o “negro”, representaria um ser antissocial, perigoso e preguiçoso, a não ser que sua
participação na sociedade fosse orientada pelo proprietário ou, futuramente, pelas elites
brancas. Uma consequência bem mais sutil e simbólica da atribuição de uma conduta anti-
associativista é a negação da capacidade dos próprios libertos, depois os negros, de se unirem.
Muito provavelmente essa compreensão contribui para prejudicar a organização dos negros
durante o século XX.
O mesmo Carlos Theodoro Gonçalves (proposta nº 15) não recomenda o
assalariamento por entender que o escravo foi educado “refractario ao estimulo” e o salário

82
não seria incentivo suficiente para que se esforçasse no trabalho. Assim como outros
participantes que acham que o liberto não teria ambição, no sentido de competição, ele atribui
ao liberto a característica de despreparo para lidar com a principal forma de remuneração do
trabalho livre na sociedade capitalista. Constitui-se assim “o mito de inadequação do ex-
escravo às relações capitalistas, ou melhor, às novas relações de trabalho no pós-abolição”
(CUNHA, 2004, p. 19).
O liberalismo considerou irracional o trabalho escravo e o liberto um despreparado
para o trabalho livre. A especificidade do Maranhão, e do concurso, está no fato de que a
impossibilidade de trazer o imigrante europeu para cá, fez com que a “suposta influência
deformadora da escravidão” (AZEVEDO, 2004, p. 19) não fosse tão acentuada pelos letrados,
já que visavam manter os libertos como mão de obra. Todavia, “o mito de inadequação”
continuava fazendo parte do discurso letrado.
Para finalizar a abordagem sobre o liberto, ressaltando a centralidade racial, é bastante
interessante analisar a proposta nº 6, por ser a única em que se pode afirmar a influência do
racismo científico, especificamente do positivismo. Essa proposta já chama a atenção pelo
tamanho, pois foi dividida em cinco números do jornal Diário do Maranhão. O autor divide-a
em três partes, a primeira ocupa os três primeiros números e representa “a historia agricola da
nossa provincia”. Na segunda, são elencadas as medidas para a transformação do trabalho e
na terceira o plano é exposto.
Na primeira parte, o autor apresenta, resumidamente devido ao espaço, sua teoria
positiva. Aparecem noções como a de evolução da humanidade, indo todas as sociedades para
um mesmo futuro ou progresso, porém, algumas estavam mais adiantadas e outras estagnadas,
as quais sofriam com determinadas mudanças, como a que se passava no Brasil. O autor
enquadra o Maranhão entre as estagnadas. Usa a nomenclatura “raça” quando apresenta,
como consequência da Lei do Ventre Livre, a abertura de “um vacuo enorme entre os seres de
mesma raça”. E, com um vocabulário claramente positivista, associando trabalho e evolução,
afirma que o “trabalhador” “arrasta os ultimos vestigios da servidão, com toda a sua
ignorancia acima de todos os seus vicios”, por isso “ficará ainda desiquilibrado”, “antes de
encorporar-se” à sociedade. Já se pode afirmar que, para o autor, o liberto permanecerá
excluído da sociedade por determinado tempo e sua “raça” ainda carregará determinados
“vicios”.
Na segunda parte, propõe uma série de medidas a serem tomadas pelos “lavradores”,

83
pela Associação Comercial e pelo governo. Vale destacar que as medidas recomendadas ao
governo são típicas da obrigatoriedade do trabalho e do combate à ociosidade, já vistas em
outras propostas. Dentre as sugeridas para o “lavrador”, é interessante notar a recomendação
da “Adstricção ao solo do ex-trabalhador escravo”, já comentada em outro momento.
Quando do desenvolvimento do plano, J. D. A. M. afirma que:
É certo que muito temos que esperar da raça negra que é a raça affectiva, e nos traz
um poderoso contingente para a futura moralidade das nossas instituições. Mas por
outro lado o deffeito primordial da educação e os vestigios indeleveis de um jugo
degradante, trarão um elemento poderoso para a desordem social. Isto porem, não
perturba a marcha progressiva do paiz. São escolhos que apparecem constantemente
nas transições sociaes. Uma montanha que desaba não turva senão por momentos as
aguas do oceano.

A despeito do entendimento do negro como um perigo para a ordem social, devido às


consequências da educação e da escravidão, mas que a categoria raça tende a naturalizá-las, o
autor necessita afirmar que isto não retardará o progresso. A inevitabilidade do progresso,
passa pelo que denomina de “raça affectiva”, semelhante à atribuição que Brandão Jr (1865,
p. 38), também positivista, faz à “raça negra”. Ela, a “raça”, seria dominada pelo
“sentimento”, como uma mulher “que traga em silencio as infidelidades do marido”. Esta
caracterização pressupõe a aceitação, por parte dos negros, do domínio dos brancos.
Então, cabia à “raça intelligente” aproveitar “a tendencia affectiva” da “raça negra” ou
“fetichistas da Africa”. Apresentando J. D. A. M. a noção de que adstringir o liberto ao solo
não seria tão difícil, pois, sendo “fetichista” 88, teria “um amor acrysolado á terra” e seria a
“raça” que melhor manifesta “o apego e a veneração”, restava à “raça intelligente”, aos “ex-
senhores”, procurar meios de “conserval-os” na fazenda.
Para manter o liberto na fazenda deveria ser oferecido salário, e não parceria nem
arrendamento. Quanto à primeira, o autor entendia que igualaria os papéis sociais do
fazendeiro e do trabalhador, sendo que a teoria social positiva afirma dever existir uma
“ordem social”, uma hierarquia social”. Quanto ao segundo, o liberto “estava acostumado a
ser dirigido” e não obteria sucesso por conta própria. Ambas formas seriam prejudiciais à
lavoura e à “ordem social”.
Por fim, o autor ainda faz uma crítica à moralidade do “proletariado brazileiro”, que
estava “corrompido pela escravidão”, a qual tem como “fulcro” o ser negro.
Consequentemente, a “mancebia”, a “prostituição” e os “desregramentos”, que ajudaram a

88 Cabe lembrar que o estado fetichista seria um estado primitivo da humanidade. Cf. Brandão Jr. (1865) e
Comte (1978).

84
“enegrecer” os “livros das parochias” com vários “nascimentos illegitimos”, passam a ser
características ligadas ao ser liberto, ao ser negro. A função moralizadora do branco e/ou do
proprietário seria incentivar a família entre os libertos, assim como aplicar “correctivo
energico” aos desvios morais, considerados típicos deste grupo social.
A análise das propostas oferecidas no concurso possibilita perceber uma série de
atributos sociais e morais impostos ao liberto, que geraram uma imagem de inferioridade
inata também ao negro. Esses atributos indicam a existência de uma centralidade racial do
debate sobre a transformação do trabalho. Segundo Cunha (2004, p. 46), estava em curso “um
processo de resignificação, de transmutação do racismo – um fenômeno secularmente
conhecido – para o conhecimento científico”.
No intuito de manter as relações de poder antes exercidas e legitimadas pela
escravidão, os letrados utilizaram-se de estratégias para preservá-las sobre uma nova
fundamentação. Desta forma, o poder antes exercido sobre o escravo, tenderá a ser exercido
sobre o negro, através de mecanismos menos físicos, os quais não foram descartados, e mais
simbólicos, contudo, aproveitando-se da herança da escravidão sobre o negro, transformando-
se em herança “negra” e funesta. Mas, certo é que a preocupação das elites em preservar
certas relações de poder, para isso transmutando-as, está ligada com o alerta de Philorgonagri
(proposta nº 10) para não esperar que “viesse bater á porta com um cortejo assombroso, negro
e ameaçador: ouvindo-se vozes de grita dos timidos e covardes a bradarem salve se quem
puder”!89

89 Grifo no original.

85
CONSIDERAÇÕES FINAIS

O debate sobre a transformação do trabalho promovido pela elite letrada maranhense


durante o século XIX, permite a observação de que ela estava fundamentalmente preocupada
em preservar a subordinação das classes inferiores como mão de obra a ser utilizada nas
atividades produtivas controladas pelas elites. Nesse intuito, foram propostas uma série de
medidas tendo o escravo, o índio, o livre pobre e o imigrante europeu como os atores sociais
do trabalho e principais alvos dessas medidas.
Aproximando-se da abolição da escravatura, vendo que as experiências com o
imigrante europeu e índio foram fracassadas, resta às elites tentar subordinar o liberto e o
livre pobre. Apesar de algumas mudanças pontuais no debate da transição para o trabalho
livre, principalmente as relativas às representações sobre os atores do trabalho, percebe-se que
as proposições dos letrados permaneceram insistindo na necessidade de manter a ordem e o
controle no mundo do trabalho, que seria, do ponto de vista deles, a garantia efetiva da
exploração de mão de obra, quando não a manutenção da própria compulsoriedade do
trabalho. Para tal, propuseram diversas alternativas: prisões, escravidão de gleba, diferentes
relações de trabalho, educação para o trabalho, combate à “ociosidade”, entre outros. Essas
propostas mostram a preocupação em criar, preservar e transformar formas de subordinação
das classes trabalhadoras. Por outro lado, observa-se também a intenção em preservar um
outro tipo de dominação.
A sociedade maranhense apresenta em sua composição um critério etno-racial,
fundamentado na escravidão, como cimento que a consolidou durante séculos e a “raça”
negra foi transformada no estigma da escravidão. A abolição representava uma ameaça às
posições de poder das elites. Entretanto, estas não estavam apenas na capacidade de forçar ao
trabalho a parcela da sociedade submetida ao jugo da escravidão. A estigmatização do negro
ainda permaneceria fortemente inserida na sociedade e as elites trataram de aproveitá-la como
outro tipo de dominação, herdeiro da escravidão racial.
Mais do que carregar a herança escravista, essa forma de dominação incorpora o
racismo científico. Por intermédio dos letrados, percebe-se que a perspectiva raciológica,
especialmente sobre o negro, encontra eco nas elites. Devido à necessidade de reforçar a
subordinação de boa parte das classes trabalhadoras, já que a escravidão deixaria de existir
como forma de exercício do poder, o discurso dos letrados apresenta uma ênfase cada vez
maior na inferioridade da “raça” negra. A questão racial, que certamente existia há muitos
séculos, passa a ter maior destaque nessa transição para o trabalho livre.
86
A centralidade raciológica da transformação do trabalho consiste justamente em
constatar, nesse caso através dos escritos dos letrados, que as relações sociais como um todo
tomaram um rumo no sentido de reafirmar o critério étnico-racial como um dos fatores
determinantes. Todavia, à semelhança do cotidiano do trabalho, que ainda apresentaria
práticas herdeiras da escravidão, não se pode afirmar que tenha havido propostas de
transformação radical. Tomando de empréstimo uma afirmação de Pereira (2006, p. 177-78),
ao falar sobre as propostas do concurso da Associação Comercial, entende-se que a
centralidade raciológica dessa transição afirma-se pela presença de:
[...] estratégias ideológicas elaboradas com o propósito de dissimular a desagregação
das classes dominantes já em curso, por conta da decadência da agricultura
mercantil e, por isso mesmo, sugerir os meios necessários para a recomposição das
relações de dominação de classe em outras bases.

Por fim, acredita-se na importância de acrescentar e afirmar a centralidade raciológica


da transição do trabalho livre para o escravo como contribuição para o conhecimento das
relações raciais no Maranhão, em especial as que envolvem da população negra. Antes de
finalizar, apresenta-se um trecho da entrevista concedida pelo Deputado Federal do Maranhão
Francisco Escórcio, ao jornal Correio Popular em 3 de agosto desse ano de 2011 (Disponível
em <http://www.jornalcorreiopopular.com/?p=12072>. Acesso em: 10 ago. 2011):
Qual o problema do Maranhão?

As desigualdades. Eu vejo que o Maranhão passou por alguns períodos: primeiro foi
no início, quando nós tivemos um Maranhão composto de índios e de negros. Pouca
quantidade de brancos. Isso nos levou a uma situação que só o tempo se encarregou
de fazer essa miscigenação. Depois nós tivemos um período em que fizemos uma
sociedade de muitos brasileiros que vieram pra cá, principalmente os retirantes da
seca. Os retirantes da seca não traziam nada, a não ser a esperança de viver no nosso
estado. E o próprio tempo se encarregou de fazer com que eles se misturassem à
nossa população. Agora estamos vendo um Maranhão diferente, cheio de
oportunidade onde estão desembarcando pessoas com tecnologia, investimentos e
isso é muito bom para o Maranhão. Precisamos ter audácia e a iniciativa de
capacitar a nossa população para não perder as oportunidades que estão chegando.

É muitíssimo interessante perceber que um representante da atual elite política


maranhense apresenta um discurso parecido com o de alguns letrados de há mais um século
atrás. A resposta acima tem uma grande diversidade de elementos possíveis de ser
destrinchados e analisados em outro trabalho. Elementos envolvendo preconceito racial,
social, marginalização da pobreza, desenvolvimentismo, esperança no que vem de fora e
muito mais, que poderiam despertar diversas temáticas além da aqui discutida. Contudo, cabe
ressaltar que mais de um século após a abolição ainda é possível observar no discurso das
elites locais como a questão racial assume um papel central na explicação dos nossos
“problemas”.

87
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provincia, passou a administração da mesma ao exm. senhor doutor Pedro Leão Velloso, no
dia 24 de março de 1861; acompanhado do officio com que o mesmo exm. sr. dr. Pedro Leão
Vellozo a passou ao exm. sr. doutor Francisco Primo de Souza Aguiar, no dia 25 de abril de
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Assembléa Legislativa Provincial, por occasião de sua installação no dia 21 de abril de
1865, acompanhada do relatorio com que lhe passou a administração o exm. sr. dr. Ambrozio
Leitão da Cunha, no dia 23 de abril do mesmo anno. São Luiz: Typ. de B. de Mattos, 1865.
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apresentou no dia 3 de maio de 1858, por occasião de sua installação, o exm. sr. vice-
presidente da provincia acompanhado da exposição feita pelo exm. snr. presidente, doutor
Francisco Xavier Paes Barreto ao passar-lhe a administração. Maranhão: Typ. da
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VIEIRA, João Pedro Dias. Relatorio do exmo sr. vice-presidente da provincia apresentado ao
exmo sr. presidente Dr. João Lustosa de C. Paranaguá, ao passar-lhe a administração no dia
19 de outubro de 1858. Maranhão: Typ. da Temperança, 1858b. Disponível em
<http://www.crl.edu/brazil/provincial/maranh%C3%A3o>. Acesso em: 23 jun. 2011.

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APÊNDICES

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APÊNDICE A – Relação dos trabalhos remetidos ao júri nomeado pela Associação Comercial
do Maranhão, na reunião de 30 de maio de 1888

Nº 1 – Nemo à Associação Commercial. Pacotilha, n° 124 e 151 de 05/05 e 02/06 – Nemo.

Nº 2 – A substituição do trabalho servil pelo trabalho livre. Pacotilha, nº 130 e 150 de 11/05 e
01/06 – CERES.

Nº 3 – Transformação do trabalho. Pacotilha, nº 133 de 14/05 e Diário do Maranhão, nº 4423


de 06/06 – Licínio Stolon.

Nº 4 – A substituição do trabalho escravo. Diário do Maranhão, nº 4405 de 14/05 – Editorial.

Nº 5 – A substituição do trabalho servil pelo trabalho livre. Diário do Maranhão, nº 4406 de


16/05 – E. J. de Albuquerque Mello.

Nº 6 – Transformação do trabalho. Pacotilha, nº 135, 136, 137, 138 e 151 de 17, 18, 19 e
20/05 e 02/06 – J. D. A. M.

Nº 7 – A substituição do trabalho servil pelo trabalho livre. O Paiz, nº 112 de 18/05 – Sem
assinatura.

Nº 8 – Á Associação Commercial. Diário do Maranhão, nº 4409 de 19/05 – Proudhon.

Nº 9 – Substituição do trabalho. Pacotilha, nº 138 de 20/05 – Bethulia.

Nº 10 – Transição do trabalho escravo a trabalho livre. Diário do Maranhão, nº 4410 de


21/05 – Philorgonagri.

Nº 11 – Não se perde nada em ler e ajuizar. Diário do Maranhão, nº 4410 de 21/05 – Zero.

Nº 12 – Meritíssimos senhores directores da Associação Commercial. Diário do Maranhão, n°


4416 de 28/05 – Eu.

Nº 13 – Reorganisação do trabalho agrícola na provincia. Diário do Maranhão, nº 4417 de


29/05 – Agrícola.

Nº 14 – A substituição do trabalho. Diário do Maranhão, nº 4418 de 30/05 – L. Quintinus


Cincinatus.

Nº 15 – Sem epígrafe – O Paiz, nº 121 de 30/05 – Carlo Theodoro Gonçalves.

Nº 16 – Klerú, 5 de maio de 1888. O Paiz, nº 122 de 01/06 – F. J. C.

Nº 17 – Ilmo sr. presidente e mais membros da Associação Commercial. O Paiz, nº 122 de


01/06 – Marché.

Nº 18 – A substituição do trabalho servil pelo trabalho livre. O Paiz, nº 123 de 02/06 – P. J.

98
Nº 19 – Transformação do trabalho agrícola no Maranhão. Diário do Maranhão, nº 4420 de
02/06 – C. I. V.

Nº 20 – Estatutos da colônia Tabocal. Pacotilha, nº 152 de 03/06 – José Ascenço Costa


Ferreira.

Nº 21 – Á digna Associação Commercial. Diário do Maranhão, nº 4423 de 06/06 – S. A. A.

Maranhão, 06 de junho de 1888.


Joaquim Domingues Moreira.

(Publicado no Diário do Maranhão de 7 de junho de 1888, p. 1)

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