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46º.

Encontro Anual da Anpocs

GT08 – Ciências Sociais e Descolonização


Coordenação:
Adelia Miglievich (UFES)
Lucas Oliveira (UFBA)

Uma leitura decolonial sobre a humilhação social pelo viés da “redução


sociológica” de Guerreiro Ramos: ganhos teóricos, epistemológicos e
analíticos.

Márcio Ferreira de Souza

Universidade Federal de Uberlândia

Outubro de 2022
Uma leitura decolonial sobre a humilhação social pelo viés da “redução sociológica”
de Guerreiro Ramos: ganhos teóricos, epistemológicos e analíticos.

Introdução

Considerando os rumos históricos do Brasil, a partir do início da colonização


portuguesa, a dinâmica da humilhação se configurou como elemento central de
manutenção de hierarquias sociais e viabilizou a sedimentação de uma nação que se
construiu por meio de processos contínuos de exclusões sociais. É consensual entre
autores, inclusive, de diferentes matrizes interpretativas do Brasil o argumento
generalizado de que nossa colonização se ergueu sobre o tripé da monocultura, do
latifúndio e da mão de obra escrava (FREYRE, 2006; PRADO JÚNIOR, 1993). A
escravização da população indígena e negra como base elementar da economia brasileira
resultou em perniciosos impactos econômicos, políticos e sociais no decorrer da história.
A despeito da Lei n.º 3.353 de 13 de maio de 1888, que oficialmente extinguiu a
escravidão no Brasil, o legado deixado aos séculos XX e XXI foi de permanência do
racismo estrutural como exemplo mais sintomático, fazendo com que se manifeste
explicitamente e, principalmente, de modo mais mascarado no Brasil. É, portanto, um
tema altamente desafiador para as ciências sociais brasileiras. Sem desprezar sua ação
contra a população indígena, cabe a lembrança de que no Brasil embarcou o maior
contingente numérico de escravizados africanos, contando com mais de 4 milhões de
pessoas, aproximando de um terço do total do tráfico transatlântico. Tão longo período de
domínio do tráfico negreiro sob o controle de Portugal para as regiões litorâneas de
Pernambuco, da Bahia, do Rio de Janeiro imprimiu as profundas marcas da escravidão
que se ergueu por meio de uma dinâmica de humilhação extrema, justificadas pela Coroa
portuguesa, pela igreja e pela conivência das “civilizadas” nações europeias (DORIGNY,
GAINOT, 2017; ALENCASTRO, 2018).

Castro Alves (1847-1871), em seu poema O navio negreiro, original de 1868


(ALVES, 2007: 12-13) expressou com sensibilidade as agruras dos africanos que foram
usurpados de suas terras, apartados de seus familiares e desumanizados nos navios
negreiros que os direcionavam para se tornarem propriedades de senhores brancos
colonizadores e trabalharem sob o comando de feitores:

1
Era um sonho dantesco... O tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho,
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros... estalar de açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar...
Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras moças, mas nuas e espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs!

As consequências da escravização negra no Brasil foram abordadas por


estudiosos que chegaram a conclusões diversas. Em sua tese de doutorado sobre as
relações entre branquitude e poder nas organizações empresariais e no poder público,
Maria Aparecida Silva Bento (2002) sintetizou duas linhas iniciais de “estudos” (aspas da
autora) sobre as relações raciais no Brasil: uma leitura que focou na ideia de inferioridade
biológica dos negros, servindo como como fonte de justificativa da escravidão e uma
leitura que se contrapôs à base biologizante da inferioridade racial, mas que se
concentrou no dado da escravização como fonte de uma deformidade psíquica dos
negros. A questão central de Bento é pensar o “pacto narcísico da branquitude”, isto é, o
fato da questão racial no Brasil “ocultar” o elemento branco de sua história. Faltou (e
falta), segundo Bento, suficiente atenção para o legado da escravidão por parte da
população branca, isto é, considerar a herança dos privilégios da branquitude. Privilégios
esses que foram cristalizados e naturalizados.

Esta relevante questão levantada por Bento foi abordada por Alberto Guerreiro
Ramos (1915-1982) na década de 1950, quando ele propôs justamente uma inversão a
respeito dos estudos sobre as relações raciais no Brasil. Por que focar no “problema do
negro” e não na “patologia do ‘branco’ brasileiro”? Guerreiro Ramos, que o racismo
institucional brasileiro identificou como “mulato, metido a sociólogo”1, é um autor
referencial para uma abordagem crítica à colonialidade da sociologia brasileira. Em sua

1
Lúcia Lippi Oliveira, em entrevista com Guerreiro, em 1981, faz referência à ficha do autor no Conselho
de Segurança Nacional onde estava escrito: "Alberto Guerreiro Ramos, mulato metido a sociólogo". A
entrevistadora questionou: “O senhor acha que seu insucesso social tem alguma coisa a ver com o fato de
ser mulato? Guerreiro responde: “Deve ter, estou convencido de que tem. O Brasil é o país mais racista do
mundo, do meu ponto de vista. Há um negócio contra o preto. Isso é um país cretino, um país cretino e de
cretinos. É uma coisa paradoxal, pois eu não tenho nenhum problema nos Estados Unidos. Sou negro e nos
estados unidos nunca senti minha cor. No primeiro dia de aula eu digo, às vezes: “Como vocês estão
vendo, eu sou um preto”. Os sujeitos ficam chocados. É mesmo, ninguém percebe”. (OLIVEIRA, 1995:
174).

2
produção intelectual podemos encontrar, já na década de 1940, uma leitura caracterizada
pelo que hoje convencionou-se a se denominar, de acordo com o termo cunhado por
Nelson Maldonado-Torres, por “giro decolonial” (MALDONADO-TORRES, 2017). A
proposta de giro epistemológico enuncia o caráter político da ciência, forjada por uma
pressuposição de neutralidade e denunciada pelas perspectivas pós-coloniais,
de(s)coloniais, pelas epistemologias do Sul Global, pelo feminismo negro. A obra de
Guerreiro Ramos pode ser, neste sentido, apontada pelo pioneirismo. Em meu ponto de
vista, possibilita uma leitura sobre o fenômeno sociológico da humilhação social, foco do
meu interesse no presente trabalho. Penso o racismo como um fenômeno social calcado
em bases de humilhação social mobilizada pela legitimação de violências explícitas do
sistema escravagista (desumanização, castigos corporais, torturas etc.) e, posteriormente,
por meio de mecanismos sociais de desvalorização cultural e estética das pessoas negras.
Guerreiro Ramos dedicou atenção a este segundo aspecto que, futuramente, foi abordado
por autoras de grande relevância para o feminismo negro no Brasil, como Lélia Gonzalez
(2020) e Sueli Carneiro (2011). A partir de Guerreiro levanto a seguinte indagação: quais
são os ganhos teóricos, epistemológicos e analíticos que as ciências sociais no Brasil
podem obter, considerando a interface entre uma “sociologia da humilhação social”
(DECCA, 2005; ANSART, 2005; HAROCHE, 2020) e a abordagem descolonizadora de
Guerreiro Ramos por meio de sua proposta de “redução sociológica”?

A questão central a ser mobilizada é aqui desenvolvida por meio do método da


descrição interpretativa sobre a humilhação como categoria de análise social, em
interface com a perspectiva de(s)colonial. Meu processo de análise foi construído via
textos teóricos propositivos de Guerreiro Ramos, produzidos originalmente nas décadas
de 1950. Os textos selecionados são de ordem epistemológica, com destaque para o livro
A redução Sociológica, publicado originalmente em 1958 (Ramos, 1996) e artigos de
militância2, especialmente Patologia Social do “branco” brasileiro e O negro desde
dentro, ambos publicados em Introdução crítica à sociologia brasileira, de 1957
2
Embora eu utilize aqui o termo “artigos de militância”, cabe destacar que não tomo a militância política
de Guerreiro Ramos (no movimento negro e como político) e sua produção teórica como apartadas. O
próprio autor via como ilegítima a acentuação da distinção entre teoria e prática. Registrei em outra
publicação que, “para Guerreiro, supor que o ser humano teoriza primeiro, agindo depois, é incorreto. O ser
humano não se esgota no pensar. Outras qualidades consistem no sentir e querer. O pensar [...] é apenas um
aspecto particular da vida. Pelo pensamento converte em objeto determinado conteúdo da ação (RAMOS,
1996: 108). A visão do ser humano é, então, estabelecida para além de um “ser-no-mundo”. O ser humano
“é também um ‘ser do mundo’ em determinada forma histórica particular” (RAMOS, 1996: 109)”
(SOUZA, 2009: 99).

3
(Ramos, 1995)3. Estabeleço conexões entre o campo investigativo de uma sociologia da
humilhação, considerando questões como a “inculcação dogmática” promovida pela
minoria colonizadora, que resulta em elementos de “desvalorização estética da cor
negra”, com o pensamento crítico pós-colonial decolonial/descolonial4 que, por sua vez,
possibilita uma ressignificação de bases teóricas e conceituais do campo sociológico
tradicional no Brasil que, em geral, foi construído por uma tendência eurocentrada.

Humilhação como categoria de análise

As dinâmicas da humilhação têm sido objeto de investigação das ciências sociais.


Penso aqui, portanto, em uma “sociologia da humilhação”, construída a partir de
referências intelectuais oriundas de uma variedade de autores e autoras e de uma
multiplicidade de contextos. Do campo da psicologia social, por exemplo, Evelin G.
Lindner, tem apresentado consideráveis contribuições por meio de análises acerca do
“sentimento de ser humilhado”, a partir de investigações sobre as experiências
contemporâneas das guerras civis na Somália, Ruanda e Burundi, além do caso particular
do holocausto na Alemanha de Hitler (LINDNER, 2000). Lindner (2000) associa a
humilhação a uma série de arbitrariedades movidas contra grupos sociais e indivíduos
minoritários e vulneráveis. Uma variedade de exemplos pode ser encontrada nas mais
diversas publicações de sua autoria. Em sua interpretação a humilhação social se

3
A edição original da Introdução Crítica à Sociologia Brasileira data de 1957 por Editorial ANDES Ltda,
Rio de Janeiro. O livro é dividido em três partes: A primeira parte é intitulada Crítica da Sociologia
Brasileira e contém cinco capítulos. A segunda parte contém o texto integral da Cartilha Brasileira do
Aprendiz do Sociólogo, publicado anteriormente por Est. De Artes Gráficas C. Mendes Júnior, Rio de
Janeiro, 1954 (173 páginas), num total de dez capítulos. A terceira parte intitula-se Documentos Para uma
Sociologia Militante e contém três capítulos, é aqui que constam os textos Patologia Social do “branco”
brasileiro e O negro desde dentro (este publicado originalmente em 1954 na revista Forma). Utilizo neste
trabalho a edição de 1995.
4
Não pretendo explorar aqui cada um desses conceitos, tendo em vista que há outras publicações que
tratam da questão de modo sistemático. Para tanto sugiro a leitura do artigo Colonialidade : O lado mais
escuro da modernidade (MIGNOLO, 2017). Em certa passagem o autor argumenta que ¨a crescente
sociedade política global indica que as opções descoloniais aumentarão exponencialmente, e assim
contribuirão para remapear o fim da estrada para a qual a civilização ocidental e a matriz colonial de poder
nos levaram” (p. 14). Em nota de rodapé complementa (MIGNOLO, p. 15 nota 11): “Uma pesquisa do
Google sobre os termos “decolonial” (descolonial), “decoloniality” (descolonialidade) e “decolonization of
knowledge” (descolonização do conhecimento) mostra um número crescente de entradas nos últimos cinco
anos. Antes desse período, encontrava-se pouco sobre “decoloniality” (descolonialidade). A tendência
acadêmica era para “postcoloniality” (pós-colonialidade), particularmente nos Estados Unidos. No antigo
Terceiro Mundo, com a exceção da Índia, a pós-colonialidade não tem muita acepção – ainda menos no
mundo árabe-islâmico, na Ásia Central e no Cáucaso, ou até no Sudeste Asiático, nas Américas do Sul e
Central e no Caribe”.

4
configura como “arma de guerra em conflitos armados” e tais conflitos foram, em sua
grande parte, movidos por rivalidades étnicas e em violações dos direitos humanos.

Ressalto que desde as esferas privadas, a exemplo de violências sofridas


principalmente por mulheres e crianças (agressões, abuso sexual), passando pela esfera
pública, no âmbito do trabalho (assédio moral), na vida cotidiana (episódios de violência
contra a dignidade dos indivíduos, sobretudo os mais vulneráveis) ou no âmbito da
política (perseguições, torturas e execuções, sobretudo de/por lideranças políticas), a
humilhação social é um elemento historicamente presente na vida cotidiana, funcionando
como uma dinâmica de poder e hierarquização de indivíduos e grupos sociais sobre
outros. Numa conferência sobre humilhação, dignidade e direitos humanos, proferida à
Comissão dos Direitos Humanos (Brasil, 2012), Lindner ressaltou o uso da tortura, no
último milênio, como forma de manutenção de hierarquia de poder:

Como exemplo, vi um documentário sobre um casamento no


Cazaquistão, em que o pai da noiva deu um chicote para o noivo para
ele bater na mulher e mantê-la no lugar dela. E todos os ditadores do
mundo acreditam que o trabalho deles é, de fato, manter essa estrutura.
E a tortura é a forma pela qual eles vão conseguir manter essa ordem
social (LINDNER, 2012: 10).

Algumas leituras sobre a humilhação social revelam o caráter político do


fenômeno a partir do princípio de manutenção de hierarquias por meio do que Pierre
Ansart (2005) denominou como a “invenção do inimigo” ou Achille Mbembe (2017)
ressaltou como as “políticas da inimizade”. Ansart abordou tanto as humilhações
políticas quanto as políticas da humilhação em contextos históricos contemporâneos
específicos que, por meio da invenção do inimigo, potencializaram uma manipulação do
imaginário legitimadora das mais diversas formas de humilhações que manifestadas em
práticas extremas de violências resultaram em massacres, extermínios, mortes ou por
ações institucionalizadas de controles sociais por meio do Estado, das religiões, dos
meios de comunicação, que reproduzem e mantém suas diversificadas dinâmicas de
controle e de exclusão social, como legitimadoras da humilhação social. Como resultado
do jogo de poder, a invenção do inimigo a ser combatido emerge como um projeto
forjado politicamente. Temos aí uma chave para a compreensão das dinâmicas de poder
que se efetivam, preferencialmente, pelo expediente da humilhação social.

5
Achille Mbembe, uma das mais relevantes referências contemporâneas na área
dos estudos pós-coloniais, por sua vez, ao abordar as “políticas da inimizade”, dirige-se
criticamente à uma ideia de “democracia universal da humanidade” como uma ficção, ou
seja, as democracias, para Mbembe (2017, p. 71), talvez “sempre tenham sido
comunidades de semelhantes”, “círculos de separação”. Paradoxalmente, a própria
adoção de uma política de Estado como “prática democrática”, incorre na distinção de
seus cidadãos de outras pessoas (os não semelhantes): “a separação, os movimentos de
ódio, de hostilidade e, sobretudo, a luta contra o inimigo”, emergem como consequências
do que inversamente, “as democracias liberais, já amplamente branqueadas pelas forças
do capital, da tecnologia e do militarismo aspiraram” (MBEMBE, 2017, 0. 72). Resulta
daí o conceito de necropolítica que, nas reflexões de Mbembe sobre a distribuição
assimétrica de oportunidade de viver e morrer no capitalismo, se refere ao modo como o
poder social e político, incluindo a conivência do próprio Estado, sentencia como
algumas pessoas podem viver e como outras devem morrer.
Claudine Haroche (2020) atentou para a dinâmica da humilhação como uma
“constante do político” e ressaltou o seu papel na expansão imperialista no século XIX; a
humilhação do sistema colonial, que fará perdurar segregações antigas. Podemos, neste
sentido, situar a colonização brasileira, edificada pelo pilar da escravidão, como
movimento político-social que imprimiu a marca do racismo como o seu maior legado
histórico, ainda que tenha sido ocultado ao longo do século XX sob a ideologia de uma
“democracia racial”, tema abordado criticamente por Guerreiro, como elemento de nossa
singularidade. Haroche também faz referências aos entretenimentos de massa dos anos da
crise econômica na América (do Norte?) dos anos de 1920 e 1930, que exibem a
humilhação do fraco, do trabalhador pobre, ridicularizando-o e rebaixando-o. Ainda que
esteja relacionada com a vergonha, a humilhação vai além, pois “toca o íntimo, o mais
profundo do indivíduo, e pode perturbar o seu aniquilamento. Ela supõe a consciência
que o indivíduo tem de si mesmo e o afeta profundamente” (HAROCHE, 2020, p. 468).
A dinâmica da humilhação mais do que um sentimento se constitui, no dizer de
Edgar de Decca (2005), como uma “ação racionalmente orientada”. Ele ressalta que
“embora nem sempre a ação de humilhar esteja na consciência dos agentes, a ordem
institucional reforça esses atos muitas vezes não propositais” (2005, p.108). Desse modo
a humilhação se revela como um fenômeno “intrínseco das nossas instituições”, ela é
estrutural e não está restrita à ação individual. Esta ideia é interessante para pensar a
6
questão no Brasil contemporâneo e como fonte de reflexão sobre a manutenção do
racismo.
A humilhação social, como já referi anteriormente, foi a base de sustentação do
processo de escravidão no Brasil, o racismo contemporâneo é o seu legado. Entretanto,
cabe destacar, como Bento propõe e como Guerreiro Ramos atentou, para a noção
branquitude como elemento importante. Noção crítica que viabiliza novas possibilidades
de reflexões sob o ponto de vista da crítica decolonial.

Guerreiro Ramos e questão racial e a humilhação sob a perspectiva da redução


sociológica: algumas possibilidades de leitura

Minha proposta de inquirição sobre a humilhação social pelo viés da “redução


sociológica” de Guerreiro Ramos toma como razões: (i) considerar as reflexões do autor
como uma chave de leitura pertinente para repensar a humilhação social (a partir dos
processos de hierarquizações sociais e raciais) como categoria de análise em articulação
com perspectivas decoloniais, do Sul Global e do feminismo negro; (ii) ao tratar dos
ganhos teóricos, epistemológicos e analíticos de uma leitura centrada na redução
sociológica e em outras abordagens teóricas de Guerreiro Ramos sobre a questão racial, a
proposta em tela contempla a releitura deste autor que permite dialogar com os “novos
descentramentos ocorridos na Teoria Social” e contribuir com perspectivas outras no
campo específico da sociologia da humilhação.

Há pelo menos dois elementos que despontam mais vivamente em relação a


Guerreiro Ramos que, na ordem de seu discurso argumentativo, ressaltam a construção
de uma leitura anticolonial: (i) sua crítica geral ao paradigma eurocêntrico dominante nas
ciências sociais brasileiras que afetou a construção de uma sociologia crítica, culminando
nos fundamentos da redução sociológica e (ii) sua própria visão sobre as relações raciais
no Brasil, que revela a “patologia do ‘branco’ brasileiro”.
Entendo que o tema do desenvolvimento nacional como o foco central da
sociologia de Guerreiro Ramos e abordei esta questão de modo mais minucioso em
minha dissertação de mestrado, defendida na UFMG (2000) e, posteriormente, publicada
em livro (SOUZA, 2009). Uma das conclusões a que cheguei foi a de que Guerreiro
Ramos construiu uma teoria do desenvolvimento nacional numa vertente política.

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Na condição de militante no movimento negro Guerreiro defendeu a valorização
da identidade étnica e sua integração como predicado para a constituição de uma nação.
Num primeiro momento de sua análise, conceitos como "nação", "nacionalismo" e
"Estado Nacional" estiveram fortemente associados e foram interpretados como artefatos
ficcionais. Ele já apresentava uma perspectiva anticolonial: a “nação”, antes disforme,
sem identidade e sem “povo”, num sentido político e sociológico propriamente dito,
passou a ser definida enquanto categoria sociológica a partir do momento da passagem da
sua condição "colonial" para outra condição histórica superior. A Independência de 1822,
entretanto, não suplantou nossa condição colonial. Uma “libertação colonial” encontrou
sua possibilidade no advento de uma classe burguesa, mas a nação passa, então, a ser
compreendida como categoria que faculta a definição de um Estado Nacional enquanto
organização político-institucional, deixando de operar num vazio histórico. O
nacionalismo é evocado como processo para a realização da nação e do Estado, definido
enquanto condição dos povos periféricos. Neste sentido, podemos observar uma
perspectiva dialética, em Guerreiro Ramos para quem os povos periféricos, ao adotarem
o nacionalismo, se tornariam universalistas (SOUZA, 2009).
A proposta de redução sociológica foi gestada a partir do olhar altamente crítico
de Guerreiro Ramos que já enunciara em seu livro lançado no ano anterior, Introdução
crítica à sociologia brasileira, princípios que constituiriam as bases para sua proposta
epistemológica e instrumental, calcada na necessidade de efetivação de uma sociologia
autêntica. A sociologia, tal como praticada no país se via “incapacitada para tornar-se o
suporte de uma interpretação objetiva da sociedade brasileira” (RAMOS, 1995: p. 36) e
seu processo evolutivo foi se constituindo “segundo influências exógenas”, conforme
circunstâncias particulares externas. Fator obstrutivo da configuração de um pensamento
científico autêntico. O percurso crítico de Guerreiro Ramos se constituiu visando
justamente romper a característica de “inautenticidade” da sociologia brasileira, pois ela
“não se organizou ainda para uma evolução em bases próprias, o que só teria sido
possível se as gerações de sociólogos se articulassem entre si num trabalho contínuo”
(1995: p. 43). Somam-se à “inautenticidade” outras características do fazer sociológico
no país que interpunham a possibilidade de um desenvolvimento de uma ciência crítica e
objetiva: a “simetria e sincretismo”, considerando que as orientações e tendências
emergem no Brasil, simetricamente, à Europa. O sincretismo, por sua vez, se revela no
fato de nossos pensadores conciliação doutrinas que são incompatíveis nos seus próprios
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países de origem. “Dogmatismo”, “dedutivismo” e “alienação” são outras marcas da
sociologia brasileira que foram apontadas por Guerreiro.
A proposta da redução sociológica estava sintonizada com o otimismo brasileiro
que naquela segunda metade dos anos 1950. Emergiu, portanto, no contexto da
efervescência do debate intelectual no interior do Instituto Superior de Estudos
Brasileiros (ISEB), que identificava possibilidades de condições de avanço e
transformações capitalistas e materiais. Consequentemente o país estava vivenciando a
possibilidade de se iniciar “de modo plenamente consciente, o trabalho de formulação de
uma sociologia nacional” (RAMOS, 1995: p. 44).
Guerreiro definiu a redução sociológica, como "atitude metodológica que tem por
fim descobrir os pressupostos referenciais, de natureza histórica dos objetos e fatos da
realidade social" (Ramos, 1996: 71). Três sentidos em sua aplicação foram atribuídos
pelo autor: (i) "como método de assimilação crítica da produção sociológica estrangeira”;
(ii) como “atitude parentética”, um tipo de “adestramento cultural do indivíduo”
habilitando-o a transcender “os condicionamentos circunstanciais que conspiram contra a
sua expressão livre e autônoma” e, por fim, (iii) “como superação da sociologia nos
termos institucionais e universitários” em que se encontrava, até então (Ramos,1996: 11-
12).
Guerreiro Ramos, embora percebesse a sociologia como universal, como um
“método de pensar corretamente os fatos”, um mesmo método em qualquer parte do
mundo, argumentou que “a descoberta da historicidade do pensamento é que veio
possibilitar o refinamento científico das ciências sociais, inclusive da sociologia”
(RAMOS, 1995: p. 45). Cabe ressaltar que a proposta de uma ciência nacional, em
Guerreiro Ramos, não perde de vista “a universalidade da ciência como técnica de
pensar”, isso quer dizer que “não impede que a sociologia se diferencie nacionalmente”
(idem). A lógica de Guerreiro acerca de um fazer sociológico nacional, não eurocêntrico,
seguiu o princípio normativo de que “desde que o sociólogo só existe nacionalmente, na
medida que o seu pensamento seja autêntico, terá de refletir as peculiaridades da
circunstância em que vive”. Dessa maneira, a sociologia se distingue nacionalmente em
relação aos temas e aos problemas tratados. O tema das relações raciais foi, portanto, um
tema caro para Guerreiro Ramos. Seja pela sua própria condição de um autor negro, o
que lhe determinou um lugar de fala privilegiado (“desde dentro”), no sentido de se

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contrapor à uma “sociologia enlatada” (nossa marca, até então) a partir de uma
perspectiva focada em uma “sociologia dinâmica”.
Para as minhas reflexões mais específicas no presente texto, foco na dimensão
racial a partir de Guerreiro Ramos, para quem mais do que abordar o “problema do
negro”, coube direcionar o olhar sociológico para o que denominou como “patologia” do
branco brasileiro. Afinal, o racismo é uma construção da branquitude. Há, neste sentido,
um questionamento do negro como “problema”. O “problema”, inversamente, diz
respeito mais a uma ausência de uma sociologia objetiva, cujos pensadores, com uma
outra exceção, não conseguiram enxergar nos estudos sobre as relações raciais no Brasil:
o “negro vida”, isto é, aquele “que não se deixa imobilizar; [que] é despistador, protético,
multiforme, do qual, na verdade, não se pode dar versão definitiva, pois é hoje o que não
era ontem e será amanhã o que não é hoje” (RAMOS, 1995: p. 215). Sob este aspecto,
Guerreiro chamou atenção justamente para o caráter dinâmico e objetivo da ciência,
contrapondo-se às leituras focadas no “negro tema”, ou seja, aquele que é objetificado
(“uma coisa examinada”), que é visto “ora como ser mumificado, ora como um ser
curioso, ou de qualquer modo como um risco, um traço da realidade nacional que chama
a atenção” (RAMOS, 1995: p. 215). A crítica de Guerreiro se direciona para uma gama
de autores. O negro não é necessariamente “o” problema. Esta é uma questão que se
refere propriamente ao caráter patológico do “branco” brasileiro. E as aspas, em relação
ao branco fazem sentido quando se trata da complexa questão da miscigenação racial no
Brasil. A tese central de Guerreiro foi construída pela observação de que “existe uma
patologia social do branco do Norte e do Nordeste”. Tal patologia implica que, no Brasil
e nestas regiões, principalmente, as pessoas de pele mais clara “tendem a manifestar, em
sua autoavaliação estética, um protesto contra si próprias, contra a sua condição étnica
objetiva”. Este desequilíbrio coletivo na autoestima da população negra, no Brasil, é o
que Guerreiro Ramos considera como “patológico”.
Guerreiro tratou, portanto, de uma questão relativa à autopercepção, naquele
contexto, de uma maioria da população negra, carente de representações positivas
(políticas e estéticas) e, conforme sua condição “desde dentro”, identificou questões que
implicam um olhar colonizado predominante nos setores mais gerais da nossa sociedade.
Em seu texto O negro desde dentro, Guerreiro discorreu sobre os valores estéticos do
colonizador europeu como predominantes no Brasil. Esta valorização do tipo
“caucasiano” se constituiu em detrimento da cor negra, à qual foram associados os
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significados mais pejorativos, enquanto à brancura os símbolos de positividade se
sobressaíam: o "belo", o "sublime", o "excelso".
Obviamente que tudo isso causou fortes impactos para a população negra no
Brasil. Uma questão de autopercepção, autodefinição e autoaceitação. Temas que hoje
são mais frequentemente abordados por autoras representativas do feminismo negro.
Patricia Hill Collins (2016), por exemplo, no contexto afro-americano, leva em conta a
autodefinição e a autoavaliação como chaves para a compreensão das experiências das
mulheres negras. Como implicação da autodefinição emerge o desafio ao “processo de
validação do conhecimento político que resultou em imagens estereotipadas
externamente definidas da condição feminina afro-americana”. A autoavaliação, por sua
vez é o processo que “enfatiza o conteúdo específico das autodefinições das mulheres
negras”. Neste sentido, a autora se empenha em substituir as pretensas imagens definidas
externamente como “imagens autênticas de mulheres negras” (COLLINS, 2016: 102).
No contexto latino-americano Guerreiro Ramos e Lélia Gonzalez já haviam denunciado
processos mascarados de humilhações impostos à população negra por meio da ideologia
do branqueamento e da noção de democracia racial ideologicamente forjadas. Lélia, em
sintonia com Guerreiro argumentou, por exemplo que a ideologia do branqueamento
esteve a serviço de uma “política desenvolvida pelos governos brasileiros para branquear
a população do país ao encorajar uma massiva imigração europeia, sobretudo no período
de 1890-1930” (2020: 169). Tudo isso porque a perseguida ideia de civilização poderia
ser ameaçada “por conta de seus negros, índios e mestiços”. O mito da democracia racial,
que por sua vez será forjado no contexto de mudanças na sociedade brasileira na década
de 1930, resultou em “certos rearranjos políticos e ideológicos”. De acordo com a análise
de Lélia, este mito da democracia racial “funciona nos níveis público e oficial”, enquanto
a ideologia do branqueamento “define os afro-brasileiros no nível privado e em duas
outras esferas”, em nível consciente e inconsciente. Numa esfera consciente, tal ideologia
“reproduz aquilo que os brancos dizem entre si a respeito dos negros e constitui um
amplo repertório de expressões populares pontuadas por imagens negativas dos negros”.
No âmbito do inconsciente, os mecanismos do branqueamento atribuem “papeis e lugares
estereotipados” ao homem e mulher negros: trabalhos braçais sem qualificação, trabalho
doméstico para as mulheres negras ou, mesmo quando há certa imagem positiva,
relacionada à ascensão social, tais imagens ainda encontram respaldo em estereótipos

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“atribuídos pelo sistema”, que reduzem a pessoa negra a uma objetificação de
entretenimento (GONZALEZ, 2020: 169-170).
Sueli Carneiro (2005; 2011), na linha argumentativa de Guerreiro Ramos e Lélia
Gonzalez, chama atenção para o epistemicídio5, o dispositivo de racialidade/biopoder6 e
o contrato racial como mecanismos racionais de humilhação social que “se prestam como
contribuição ao entendimento da perversidade do racismo” (CARNEIRO, 2011: s/p.). Em
sua leitura do epistemicídio (CARNEIRO, 2005; 2011) como construção do outro (o
outro negro) como “não ser” observa a dimensão histórica ao apontar para o processo
ideológico de branqueamento na sociedade brasileira que a partir da escravidão que se
empenhou em manipular e a inculcar uma “identidade do negro de pele clara como
paradigma de um estágio mais avançado de ideal estético humano”, impondo a crença de
que “o negro de pele escura deveria perseguir diferentes mecanismos de
embranquecimento”, a aprender a não saber o que é e, o que deve “querer ser”. Assim
afirma:

Temos sido ensinados a usar a miscigenação ou a mestiçagem como


carta de alforria do estigma da negritude: um tom de pele mais claro,
cabelos mais lisos ou um par de olhos verdes herdados de um ancestral
europeu são suficientes para fazer alguém que descenda de negros se
sentir pardo ou branco, ou ser “promovido” socialmente a essas
categorias. E o acordo tácito é que todos façam de conta que acreditam
(CARNEIRO, 2011: s/p.).

Guerreiro já havia chamado a atenção para o fato da associação da beleza negra,


quando evocada, ao folclórico, ao popular, ao ingênuo e ao exótico. Em sua leitura esta é
uma atitude de preconceito inconsciente de quem, na verdade, rejeita a aceitação desta
beleza. Sob este aspecto o autor se posiciona contra o que percebe como uma aculturação
do negro, isto é, a sua submissão ao padrão europeu. Para Guerreiro, como consequência,
em certo sentido o próprio negro age como cidadão aculturado ou assimilado. Advertiu,
portanto, que “a beleza negra vale intrinsecamente e não enquanto alienada” e que “o que
confere positividade à negrura não é uma reivindicação racial, mas sim uma

5
Conceito de epistemicídio sob inspiração de SANTOS, Boaventura Santos. Pela Mão de Alice. São
Paulo: Cortez Editora, 1995.
6
Quanto ao conceito de biopoder, Carneiro argumenta em sua tese: “o que aqui apresentamos contempla
nossa intenção, qual seja, a de que esta tese seja, apenas, um exercício de aplicação de conceitos de
dispositivo e biopoder de Michel Foucault ao domínio da racialidade, por meio dos quais busca-se aqui
demonstrar a existência de um dispositivo de racialidade/biopoder operando na sociedade brasileira, que,
articulando múltiplos elementos, dentre eles o epistemicídio, configura a racialidade como um domínio que
produz saberes, poderes e subjetividades com repercussões sobre a educação.

12
reivindicação objetiva” (Ramos, 1995: 244). Valendo-se do universo da cultura letrada,
Guerreiro toma o campo da poesia produzida no Brasil naquele contexto da década de
1950, como exemplo da forja de estereótipos dos negros como indivíduos
subalternizados, principalmente a mulher (outra aproximação entre Guerreiro e Lélia),
apresentada em termos dionisíacos e como objeto de prazer. Poetas como Vinícius de
Moraes, Mário de Andrade, Jorge de Lima e Nicolas Guillén, servem de exemplos para
esta afirmação de Guerreiro Ramos.
Uma certa passagem no texto citado traduz de maneira mais direta a relação da
militância de Guerreiro com sua produção intelectual, quando ele destaca o papel do
negro como objeto de versões de cuja elaboração não participa. Sob esse aspecto, é
possível aproximar as leituras de Guerreiro e a perspectiva de Sueli Carneiro sobre o
epistemicídio. Guerreiro apontou para o reflexo de uma perspectiva excludente da
“autenticidade” do negro que, significa uma lealdade consigo próprio, em termos de suas
"contingências existenciais, imediatas e específicas". Desse modo, verifica que o negro,
visto pela ótica daqueles que o analisam externamente, ainda que "de boa fé", é bastante
divergente do que denomina o " negro desde dentro" (Ramos, 1995: 248).
Por fim, cabe destacar que o debate sobre descolonização das Ciências Sociais no
Brasil tem encontrado em Guerreiro Ramos um pioneirismo e suas contribuições, neste
sentido, vêm sendo reconhecidas em publicações mais recentes que abordam a atualidade
do autor e sua perspectiva descolonizadora, como os artigos assinados por Fábio Borges
e Maria Luiza Martins (2021), Nádia Maria Cardoso da Silva (2020) e João Marcelo
Ehlert Maia (2015). Este último, por sinal, ressalta a “centralidade do colonialismo na
reflexão de Guerreiro Ramos” no período entre 1953 e 1964 quando o autor aborda mais
sistematicamente sobre a constituição de uma sociologia periférica, momento de gestação
das reflexões que culminam na redução sociológica. Não é meu objetivo no presente
texto me deter detalhadamente sobre tais reflexões, mas aponto para a relevância de se
pensar o tema da recepção e reconhecimento atual do pensamento de Guerreiro Ramos
como um pensador crítico do pensamento colonizador.

13
Considerações finais

Focar na dinâmica da humilhação social para a compreensão de um ordenamento


hierárquico e excludente na sociedade brasileira implica estabelecer uma leitura que
concilia subjetividades e elementos objetivos. Para além de um mero sentimento a
humilhação social é uma ação: estabelece bases racionais de hierarquizações que se
constituem por exclusões, a exemplo do racismo estrutural. Guerreiro Ramos contribuiu
para um entendimento sobre os processos de humilhação social em sua proposta
epistemológica de redução sociológica, tendo em vista que tal proposta possibilita um
diálogo com leituras calcadas em epistemologias alternativas não eurocentradas. Além da
crítica ao eurocentrismo, Guerreiro propôs uma epistemologia das ciências sociais a
partir de bases descolonizadoras sobre a questão racial no Brasil. Ao abordar o racismo
como estruturador da sociedade brasileira e ao tratar a questão do negro “desde dentro”,
assumiu um lugar de fala enquanto intelectual e militante (categorias não dissociadas),
invertendo o problema do negro na sociologia brasileira considerando do racismo como
uma patologia social do “branco” brasileiro. Neste sentido observo a pertinência de
estabelecer diálogos entre Guerreiro Ramos e as perspectivas descentralizadoras
(decoloniais/descoloniais, pós-coloniais, epistemologias do sul), embora no presente
texto eu tenha me atentado mais para leituras conexas entre Guerreiro Ramos e autoras
representativas do feminismo negro, como Lélia Gonzalez e sua proposta de um
feminismo afro-latino-americano, atenta às particulares de demandas por reconhecimento
das mulheres negras e indígenas e às críticas aos processos de desvalorização estética e
social de homens e mulheres negros; Sueli Carneiro e sua crítica ao apagamento de
saberes de povos subalternizados, traduzida pela noção de epistemicídio; Maria
Aparecida Silva Bento e sua perspectiva crítica sobre o pacto narcísico da branquitude. A
dimensão da humilhação social foi aqui pensada como um dado do racismo estrutural no
Brasil como projeto político excludente fortalecedor do processo patológico do branco
brasileiro. Uma leitura a partir da perspectiva de descentramento do pensamento
colonizador, com base na redução sociológica de Guerreiro Ramos permite atentar para
as dinâmicas da humilhação social como mecanismos de manutenção do racismo e
possibilitar ganhos teóricos, epistemológicos e analíticos sobre a questão do negro,
sobretudo a partir do foco na dimensão da “branquitude” no Brasil.

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