O termo “ Pré- História” tem sofrido diversas tentativas de contestação e justificativas
para seu completo desuso, tanto no meio acadêmico, quanto no que denomina-se de ensino básico. A questão central a ser debatida no presente trabalho, é , no entanto, a influência dos livros didáticos na construção de um imaginário que banaliza o termo e leva aqueles que passam por ele a aceitar que povos ágrafos não possuem história, e por isso, não devem ser reconhecidos como agentes sociais que modificaram modos do agir humano. Ademais, fazer uso da ideia de um momento anterior a história humana, apagando populações anteriores, rememora um dispositivo inaugurado no século XIX, a partir de, por exemplo, Lewis Henry Morgan- antropólogo norte-americano- no qual a primazia da documentação escrita era tida como o ponto mais alto de civilização da humanidade. Além disso, sua contribuição, conforme o renomado antropólogo social Celso Castro, perpassa também pelo campo dos estágios da evolução humana, na crença da existência destes três: selvageria, barbárie e civilização. Faz-se necessário, assim, debater acerca do papel que o etnocentrismo exerce na permanência do termo supracitado, apesar da existência de estudos que discordem de sua coerência, e também acerca da proposta que uma educação crítica possui para o rompimento de amarras reacionárias na educação brasileira. Contudo, há diversas ferramentas de estudo hodiernas que demonstram o papel que o Darwinismo Social exerceu na produção acadêmica brasileira, de modo a influenciar a criação e a permanência de termos preconceituosos. A arqueologia, nesse sentido, busca trazer um sentido para o agir humano no presente, a partir das observações que faz do passado, utilizando-se de ferramentas como vestígios- os quais podem dizer bastante sobre costumes de determinadas épocas. A grande questão é que, na medida em que não existe interdisciplinaridade entre as ciências humanas, o conhecimento torna-se restrito, o que pode ser evidenciado na distinção efetivada no século XIX entre a história e a arqueologia. Povos “primitivos”, os quais, segundo Auguste Comte ( 1798- 1857) estariam na fase da infância da humanidade. O arqueólogo Ângelo Alves Corrêia, no artigo intitulado de “Longue durée: história indígena e arqueologia”, recorda que o termo posto em análise está sendo substituído pelo “pré-colonial” devido a críticas modernas que tentam descolonizar a disciplina. Entretanto, um ponto de partida que enfatize que o marco da história brasileira é dado a partir da invasão portuguesa ainda faz parte de uma tradição colonialista, e dessa forma, ainda se constitui problemática. No entanto, ainda em relação a campos de estudo etnológicos, deve-se citar, sobretudo, a contribuição da antropologia, mas não a partir da tradição do método comparativo, como já citado por meio de Morgan. Nesse sentido, Franz Boas, considerado o “pai da antropologia moderna”, no texto “As limitações do método comparativo da antropologia”, propõe uma oposição ao evolucionismo e ao difusionismo. Avançando na leitura de Boas, percebe-se que a análise gira em torno de uma mudança no ponto de vista capaz de reconhecer que as generalizações amarram fenômenos culturais diversos e acabam por validar a produção e reprodução de conceitos discriminatórios- próprios de uma mentalidade colonial. Conclui-se que não cabe a utilização de um termo que nega a história de povos (no plural, porque são diversos) que produziram uma vasta cultura e deixaram distintos registros de suas existências, através de, por exemplo, artes rupestres. O avanço das ciências humanas tem demonstrado que relatos orais também possuem uma inegável validez, e são resultados de modificações dos seres humanos no mundo, e portanto, estes fazem parte daquilo que denominados de “história da humanidade” e não de uma “ ‘pré’- história “. A teoria de que há uma raça superior a outra não encontra mais a sua coloração na hodiernidade. Outrossim, como já trabalhado, a influência do positivismo é indubitável quando se fala acerca da subjugação de determinados povos, e aqui, especificamente, os que estão contextualizados no tempo “pré–histórico”. Nessa óptica, discorrer sobre uma história da educação significa atentar-se para a estrutura de organizações sociais e ideológicas. A Reforma da Instrução Pública Primária ( Decreto N. 981, do Governo Provisório) em 8 de novembro de 1890, refletiu o projeto ideológico republicano- fruto do tempo de glória da corrente positivista, nascido, pelo menos, sob o império de Dom Pedro II- responsável por alavancar estudos já realizados no Brasil e suas impressões intolerantes em relação aos povos originários do país. A fim de justificar a hegemonia branca no solo brasileiro, foi necessário recorrer à ciência como uma ferramenta incontestável. O fato de existir uma nomenclatura tão intolerante não é produto do acaso. Concomitantemente, um nome importante para pensar um Brasil branco é o médico e cientista brasileiro João Batista Lacerda (1846- 1915), conhecido por ter sido um poligenista convicto, apesar de supor ainda que a evolução humana tivesse apenas um caminho em direção à civilização. O cientista acreditava que, por exemplo, povos Botocudos deveriam “ser colocados a par dos Neo-Caledonios e Australianos entre as raças mais notáveis pelo seu grao de inferiorade intellectual” ( 1887, AMN). Infere-se, assim, que os esforços de subjugar povos a partir de ferramentas científicas influenciaram bastante aquilo que deveria ser apreendido pela educação a partir do ensino escolar, uma vez que o objetivo educacional de uma população é formado a partir de tendências socioculturais vividas. Sendo o Brasil, sobretudo no tocante a sua República, um país guiado por correntes segregacionistas, possui uma educação que é fruto de tais tendências advindas das estruturas de poder. Então não há saída do autoritarismo a partir da educação? Sim, há. Mas é por meio da luta popular e do despertar da consciência crítica que nasce aquilo que “freirianamente” denominamos de educação libertadora. A renomada escritora e professora brasileira Bianca Santana, no texto intitulado de “Recursos educacionais abertos: conhecimento como bem comum, autoria docente e outras perspectivas” discorre acerca de materiais didáticos monopolizados por empresas em nome de uma possível redução de recursos- argumento refutado por Santana, alegando a primazia do lucro. Além de que a história dos povos indígenas e africanos fica em desvantagem, uma vez que os editores não possuem repertório o suficiente para suprimir as demandas variadas -etnicamente e culturalmente falando- do Brasil. Ainda consoante a autora, a produção de materiais didáticos, para serem inclusivos, devem receber orientação das universidades públicas. Assim, não haveria incoerência entre debates acadêmicos e escolares, e dessa maneira, desconstruções como a do uso do termo “pré-história” encontrariam efetivação. Logo, a fim de desmontar amarras coloniais, essencialmente, no vocábulo educacional, o fim do uso do termo supracitado deve ser considerado, sobretudo por não adequar-se às exigências de um país democrático. Não reconhecer os povos originários como parte da história, é negar-lhes a humanidade. É coisificá-los. A modificação deve ser feita pelo uso da língua também, os termos dirigidos a eles nos livros didáticos faz parte de um projeto segregador, como já visto, reforçado no século XIX pelo Darwinismo Social. Um povo sem história não tem memória, e o que não falta a essas populações são esses dois fatores, basta, agora, o reconhecimento e a preservação de suas identidades.