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» — Re
Alisa
O
Connan
PAULA HAWKINS
foi jornalista na área financeira durante
15 anos, antes de se dedicar inteiramente
à escrita de ficção.
https://archive.org/details/escritonaagua0000hawk
PAULA HAWKINS
ESCRITO
“NA
ÁGUA
os livros em primeiro
lugar
Edição original
Título: Into the Water
Texto: O 2017 Paula Hawkins
Excerto do poema The Numvers Game, in Dear Boy:
O Emily Berry, com permissão de Faber & Faber.
Excerto de Alucinações: (O) 2012 Oliver Sacks,
com permissão de The Wylie Agency (UK) Limited.
Letra de Down by the Water: PJ] Harvey, com permissão
de Hot Head Music Ltd. Todos os direitos reservados.
Capa: Jaya Miceli
Fotografia da capa: Jessica Robyn /Millennium Images
Publicado por Transworld Publishers,
uma chancela do Penguin Random House Group, Londres.
Todos os direitos reservados.
Edição em português
Título: Escrito na Água
Tradução: Miguel Martins
Revisão: José João Leiria
Paginação: Ana Seromenho
ISBN: 978-989-8800-88-6
Depósito legal: 423 761/17
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editora os livros em primeiro lugar
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SEGUNDA-FEIRA, 10 DE AGOSTO
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TERÇA-FEIRA, 11 DE AGOSTO
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para o local e, antes que desse por isso, estava a conduzir lenta-
mente pelas ruelas estreitas cheias de jipes, com uma mancha
de pedra rosada na periferia da minha visão, em direção à igreja,
em direção à antiga ponte, agora com cuidado. Mantive o olhar
no asfalto à minha frente e tentei não olhar para as árvores, para o
rio. Tentei não ver, mas não conseguia evitá-lo.
Encostei à beira da estrada e desliguei o motor. Olhei para cima.
Havia árvores e degraus de pedra, verdes por causa do musgo e
traiçoeiros depois da chuva. Todo o meu corpo tinha pele de gali-
nha. Lembrei-me disto: a chuva gelada a embater no asfalto, luzes
azuis intermitentes a competirem com os relâmpagos para ilu-
minarem o rio e o céu, nuvens de respiração diante de rostos em
pânico, e um rapazinho, branco como um fantasma e a tremer, le-
vado pelos degraus acima, até à estrada, por uma mulher-polícia.
Ela estava a agarrar-lhe na mão e tinha os olhos muito abertos e
enlouquecidos, a cabeça a virar-se para um lado e para o outro en-
quanto chamava alguém. Ainda consigo sentir o que senti nessa
noite, o terror e o fascínio. Ainda consigo ouvir as tuas palavras
na minha cabeça: Como seria? Consegues imaginar? Veres a tua mãe
morrer?
Afastei o olhar. Liguei o carro e voltei para a estrada, passei a
ponte até onde o caminho faz uma curva. Procurei a curva — a pri-
meira à esquerda? Não, não é essa, a segunda. Lá estava ela, aquele
velho e castanho casco de pedra, a Casa do Moinho. Com uma
picada na pele, fria e húmida, e o coração a bater perigosamente
depressa, conduzi o carro para lá do portão aberto, seguindo pelo
caminho de acesso privado.
Encontrava-se lá um homem, a olhar para o telemóvel. Um polí-
cia fardado. Aproximou-se rapidamente do carro e eu baixei a
janela.
— Sou a Jules — disse. — A Jules Abbott? Sou... irmã dela.
— Ah. — Ele parecia envergonhado. — Sim. Certo. Claro.
Olhe — e virou-se para trás, para a casa —, de momento não está cá
ninguém. À rapariga... a sua sobrinha... saiu. Não sei para onde...
Tirou o rádio do cinto.
Abri a porta e saí.
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— Sabem que ela era obcecada pelo poço, por tudo o que lá
aconteceu, por toda a gente que lá morreu. Vocês sabem disso.
Até ela sabe isso — disse eu, olhando para a Julia.
Ela abriu a boca e voltou a fechá-la, como um peixe. Parte de
mim queria contar-lhes tudo, parte de mim queria contar-lhes tin-
tim por tintim, mas qual seria, afinal, a utilidade? Não creio que
sejam capazes de compreender.
O Sean — o inspetor Townsend, como é suposto eu chamar-
“lhe quando são assuntos oficiais — começou a fazer perguntas à
Julia: quando foi a última vez que falou com a minha mãe? Qual
era o estado de espírito dela na altura? Havia alguma coisa que
a estivesse a incomodar? E a tiá Julia ficou ali sentada e mentiu.
— Não falo com ela há anos — disse ela, com o rosto a ficar
vermelho-vivo ao dizê-lo. — Afastámo-nos.
Ela conseguia ver-me a olhar e sabia que eu sabia que ela era
uma aldrabona. Ficou cada vez mais vermelha e, depois, tentou
desviar as atenções de si própria, falando comigo.
— Porquê, Lena, porque é que dizes que ela saltou?
Olhei para ela durante muito tempo antes de responder. Queria
que ela soubesse que eu via que ela estava a mentir.
— Estou surpreendida por me perguntares isso — disse eu.
— Não foste tu que lhe disseste que ela tinha um desejo de morte?
Ela começou a abanar a cabeça e a dizer:
— Não, não, não disse, não desse modo...
Mentirosa.
O outro detetive — a mulher — começou a falar acerca de como
«não temos provas, neste momento, que indiquem que se tratou
de um ato deliberado» e acerca de como não tinham encontrado
um bilhete.
Então, tive de me rir.
— Acham que ela deixaria um bilhete? A minha mãe não dei-
xaria um bilhete, foda-se. Isso seria, tipo, tão prosaico.
A Julia acenou com a cabeça.
— Isso é... é verdade. Consigo imaginar a Nel a querer que toda
a gente tivesse dúvidas... Ela adorava mistérios. E teria adorado
ser o centro de um.
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MARK
ERA O DIA MAIS QUENTE DO ANO até agora e, dado que o Poço das
Afogadas estava interdito, por motivos óbvios, Mark foi para mon-
tante, para nadar. Havia um troço em frente ao chalé dos Wards
em que o rio se alargava, com a água a correr, veloz e fresca, sobre
seixos cor de ferrugem, na margem, mas, no centro, era profunda
e suficientemente fria para nos arrancar o fôlego dos pulmões e
fazer a pele arder, o tipo de frio que nos fazia rir alto, devido ao
choque que provocava.
E ele fê-lo, riu-se às gargalhadas — era a primeira vez em me-
ses que lhe apetecia rir. Também era a primeira vez em meses
que estava dentro de água. Para ele, o rio deixara de ser uma fonte
de prazer e passara a ser um local de horror, mas hoje voltara a
mudar, Hoje, dava-lhe uma sensação agradável. Soubera desde que
acordara, mais leve, com as ideias mais claras, com os membros
mais relaxados, que hoje era um bom dia para ir nadar. Ontem,
tinham encontrado Nel Abbott morta na água. Hoje, era um bom
dia. Ele não sentia tanto como se se tivesse libertado de um fardo,
mas mais como se um torno — que lhe andara a pressionar as
se
têmporas, ameaçando-lhe a sanidade, ameaçando-lhe a vida —
tivesse, por fim, desapertado.
Uma mulher-polícia fora lá a casa, uma detetive muito jovem,
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com um ar doce e ligeiramente infantil, que lhe fizera deseja
er Coisa
contar-lhe coisas que, na verdade, não devia. Callie Qualqu
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LOUISE
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Disto, sentia que podia estar certa: quando Katie disse boa-noite,
sorriu e beijou a mãe do modo como sempre fazia. Abraçou-a, não
mais apertada ou demoradamente do que era habitual, e disse:
— Dorme bem.
Como é que ela tinha sido capaz, sabendo o que ia fazer?
Diante de Louise, o caminho desfocava-se, com as lágrimas a
obscurecerem-lhe a visão, pelo que não reparou na fita até estar
em cima dela. Polícia. Não Atravessar. Ela já ia a meio da colina
e aproximava-se do cume; teve de fazer um desvio pronunciado
para a esquerda, para não perturbar o último chão que Nel Abbott
alguma vez pisara.
Arrastou-se pela cumeeira e desceu a encosta da colina, com
os pés a doerem-lhe e o cabelo a colar-se-lhe ao couro cabeludo,
por causa do suor, até chegar à desejada sombra em que o cami-
nho atravessava um matagal de árvores à beira do poço. Cerca de
um quilómetro e meio mais à frente no caminho, chegou à ponte
e subiu os degraus até à estrada. Um grupo de raparigas jovens
aproximava-se dela pela esquerda e ela procurou, como sempre
fazia, a sua filha entre elas, tentando ver a sua cabeça castanho-
-clara e ouvir o ribombar do seu riso. O coração de Louise voltou
a ficar destroçado.
Observou as raparigas, com os braços à volta dos ombros umas
das outras, agarrando-se, uma massa entrelaçada de carne macia;
no seu centro, apercebeu-se Louise, encontrava-se Lena Abbott.
Lena, tão solitária naqueles últimos meses, estava a ter O seu mo-
mento de celebridade. Também ela seria olhada de boca aberta
e lastimada e, passado algum tempo, evitada.
Louise afastou-se das raparigas e olhou fixamente colina acima,
na direção de casa. Curvou os ombros, deixou cair o queixo e espe-
rou conseguir passar despercebida, porque olhar para Lena Abbott
era uma coisa terrível, conjurava imagens horríveis na mente de
Louise. Mas a rapariga avistou-a e gritou:
— Louise! Sra. Whittaker! Espere, por favor.
Louise tentou caminhar mais depressa, mas tinha as pernas
pesadas e o seu coração estava murcho como um balão velho, e Lena
era jovem e forte.
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O POÇO DAS AFOGADAS
DANIELLE ABBOTT (inédito)
Prólogo
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e a imaginar como teria sido, que sensação teria produzido, quão fria
devia ter estado a água para a Libby naquele dia.
Como adulta, o mistério que me tem consumido é, claro está, o da
minha própria família. Não devia ser um mistério, mas é, porque, apesar
dos meus esforços para construir pontes, a minha irmã não fala comigo
há vários anos. No poço do seu silêncio, tentei imaginar o que a atraíra
para o ro na calada da noite, e até eu, com a minha imaginação singu-
lar, não consegui. Porque a minha irmã nunca foi a dramática, a que
era dada a gestos arrojados. Podia ser dissimulada. ardilosa, tão vingativa
como a própria água, mas ainda estou perplexa. Pergunto-me se não
estarei sempre.
Decidi, no decurso do processo de tentar compreender-me a mim
própria e à minha família e às histórias que contamos uns aos outros,
que tentaria entender todas as histórias de Beckford, que tentaria pôr
por escrito todos os derradeiros momentos, tal como os imaginava, das
vidas das mulheres que foram parar ao Poço das Afogadas de Beckford.
Tem um nome soturno; e, contudo, o que é afinal? Uma curva do rio,
somente. Um meandro. Achá-lo-ão se seguirem todas as voltas e revira-
voltas do rio, a dilatar-se e a transbordar, dando vida e roubando-a,
também. O rio é, à vez, frio e límpido, estagnado e poluído; serpenteia
por entre florestas e corta, como aço, por entre as dúcteis Cheviot Hills,
e, depois, mesmo a norte de Beckford, abranda. Repousa, só durante
um pouco, no Poço das Afogadas.
É um local idílico: carvalhos dão sombra ao caminho, faias e plá-
tanos pontuam as encostas, e há um banco de areia inclinado do lado
sul. Um local onde remar, onde levar as crianças; o lugar ideal para
um piquenique num dia de sol.
Mas as aparências iludem, porque este éum local mortífero. A água,
escura e vítrea, esconde o que se encontra sob a sua superfície: algas para
nos emaranharem, para nos arrastarem para baixo, rochas afiadas
para nos cortarem a carne. Por cima, emerge o penhasco de ardósia
cinzenta: um desafio, uma provocação.
Este é o local que, ao longo de séculos, reclamou as vidas de Libby
Seeton, de Mary Marsh, de Anne Ward, de Ginny Thomas, de Lauren
Slater, de Katie Whittaker, e mais — inúmeras outras, sem nome nem
rosto. Eu queria perguntar porquê, e como, e o que nos dizem as suas
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vidas e mortes acerca de nós próprios. Há quem prefira não fazer essas
perguntas, quem prefira abafar, suprimir, silenciar. Mas eu nunca fui
dada à tranquilidade.
Neste trabalho, nesta memória da minha vida e do poço de Beckford,
queria começar não com afogamentos mas com natação. Porque é assim
que isto principia: com as bruxas a nadarem — o tormento da água.
Ali, no meu poço, esse lugar de beleza pacífica, a cerca de um quiló-
metro de onde me encontro sentada agora, foi onde as trouxeram e as
ataram e as atiraram ao rio, para se afundarem ou nadarem.
Há quem diga que as mulheres deixaram algo de si próprias na
água; há quem diga que esta conserva o seu poder, porque, desde então,
tem atraído para as suas margens as desafortunadas, as desesperadas,
as felizes, as perdidas. Vêm até cá para nadarem com as suas irmãs.
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e dei por mim, de novo, no rio. Como disse, para onde quer que
nos viremos, acabamos sempre junto ao rio. Em qualquer caso,
tinha o meu telemóvel na mão, tentando perceber por onde é que
era suposto ir, quando avistei um grupo de raparigas a passarem
por cima da ponte. A Lena, um palmo mais alta do que as outras,
afastou-se delas.
Saí do carro e fui atrás dela. Havia uma coisa que lhe queria
perguntar, uma coisa que a tia dela tinha mencionado, mas, antes
que a conseguisse alcançar, ela começou a discutir com alguém
— uma mulher, talvez de 40 e tal anos. Vi a Lena agarrar-lhe o
braço, a mulher a afastar-se e a levar as mãos à cara, como se tives-
se medo de que lhe batessem. Então, separaram-se abruptamente,
com a Lena a ir para a esquerda e a mulher a seguir em frente,
colina acima. Segui a Lena. Ela recusou-se a contar-me o que se
passara ali. Insistiu que não tinha havido nada de mal, que não
fora, de todo, uma discussão e que, de qualquer modo, não era da
minha conta. Uma atuação arrojada, mas o rosto dela estava raiado
de lágrimas. Ofereci-me para a levar a casa, mas ela disse para me
pôr a andar.
Portanto, eu fui. Conduzi de volta para o posto e apresentei ao
Townsend informações pormenorizadas acerca da identificação
formal do corpo pela Jules Abbott.
Em consonância com o ambiente geral, a identificação foi
esquisita.
— Ela não chorou — disse eu ao chefe, e ele fez uma espécie
de movimento para baixo com a cabeça, como que a dizer: Bem,
isso é normal.
— Não foi normal — insisti eu. — Não se tratou de um cho-
que normal. Foi mesmo estranho.
Ele mexeu-se na cadeira. Estava sentado atrás de uma secre-
tária num escritório minúsculo nas traseiras do posto e parecia
enorme para a sala, como se pudesse bater com a cabeça no teto
se se levantasse.
— Estranho como?
— É difícil explicar, mas ela parecia estar a falar sem produzir
nenhum som. E também não me estou a referir aquele género de
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Tu saltaste?
Essa palavra, que me deixava um amargo de boca. Tu não salta-
rias. Nunca o farias, não é assim que se faz. Foste tu que me dis-
seste isso. O penhasco não tem altura suficiente, disseste. São só
55 metros do topo do penhasco até à superfície da água — as pes-
soas podem sobreviver à queda. Portanto, disseste, se quisesses
mesmo, tinhas de ter a certeza. De saltar de cabeça. Se se quiser
mesmo, não se salta, mergulha-se.
E, a não ser que queiras mesmo, disseste, porquê fazê-lo? Não dês
nas vistas. Ninguém gosta de quem só quer dar nas vistas.
As pessoas podem sobreviver à queda, mas isso não quer dizer
que sobrevivam. Aqui estás tu, afinal de contas, e não mergulhaste.
Foste de pés para baixo e aqui estás: tens as pernas partidas, a coluna
partida, estás partida. O que é que isso quer dizer, Nel? Quer dizer
que perdeste a coragem? (Isso não é nada teu.) Não a suportavas,
a ideia de saltar de cabeça, estragando a tua linda cara? (Sempre
foste muito vaidosa.) Para mim, não faz sentido. Nem parece teu,
fazer o que disseste que não farias, contrariares-te a ti própria.
(A Lena disse que não há aqui nenhum mistério, mas o que
sabe ela?)
Peguei-te na mão e pareceu-me estranha, não só por estar tão
fria, mas porque não lhe reconheci a forma, o toque. Quando é
que pegara na tua mão pela última vez? Talvez ma tivesses esten-
dido no funeral da mamã? Lembro-me de te ter virado as costas,
olhando para o papá. Lembro-me do aspeto da tua cara. (De que
é que estavas à espera?) O meu coração petrificou no meu peito,
abrandou, tornando-se um tambor fúnebre.
Alguém falou.
— Desculpe, mas não é suposto tocar-lhe.
A luz zumbiu sobre a minha cabeça, iluminando a tua pele,
pálida e cinzenta contra o aço por debaixo de ti. Pus o meu polegar
sobre a tua testa e passei um dedo pela tua face.
— Por favor, não lhe toque.
A agente Morgan encontrava-se mesmo atrás de mim. Conse-
guia ouvi-la a respirar, lenta e regularmente, sobre o som do zum-
bido das luzes.
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DEVIA TER SIDO EU. Sou a parente mais próxima, a família dela. A pes-
soa que a amava. Devia ter sido eu, mas não me autorizaram a
ir. Deixaram-me sozinha, sem nada que fazer senão ficar numa
casa vazia e fumar até se me acabarem os cigarros. Fui à loja da
vila para comprar alguns — a mulher gorda de lá, às vezes, pede
a identificação, mas eu sabia que hoje não o faria. Estava mesmo a
sair quando vi aquelas cabras da escola — a Tanya e a Ellie e essa
malta toda — a descerem a estrada na minha direção.
Senti que ia vomitar, e limitei-me a baixar a cabeça e a virar-lhes
as costas. Comecei a andar tão depressa quanto conseguia, mas elas
viram-me, chamaram-me e começaram todas a correr para me apa-
nharem. Não sabia o que é que elas iam fazer. Na verdade, quando
me apanharam, começaram todas a abraçar-me e a dizer o quanto
lamentavam o sucedido, e a Ellie até teve o descaramento de chorar
algumas lágrimas fingidas, foda-se, e eu deixei-as estarem em cima
de mim, deixei-as porem os seus braços à minha volta e alisarem-
-me o cabelo para trás. Na realidade, soube-me bem ser tocada.
Atravessámos a ponte; elas estavam a falar acerca de irmos até
ao chalé dos Wards para metermos umas pastilhas e irmos nadar.
— Será como um velório, uma espécie de cerimónia — disse
a Tanya.
Idiota do caralho. Acharia, sinceramente, que eu hoje tinha von-
tade de ficar pedrada e de nadar naquela água? Eu estava a pensar
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Abanei a cabeça.
— Não. Ela ter-me-ia dito.
Ela ter-me-ia avisado.
— Teria? — perguntou a Julia. — Porque sabes que a Nel...
a tua mãe... tinha uma certa maneira de ser, não sabes? Quer dizer,
sabia como entrar na cabeça das pessoas, como irritá-las.
— Não, não tinha! — cortei eu, embora fosse verdade que,
às vezes, tinha, mas só com pessoas estúpidas, só com pessoas
que não a compreendiam. — Tu não a conhecias de todo, tu não a
compreendias. És só uma cabra ciumenta: já o eras quando eram
novas e continuas a ser. Meu Deus. Nem sequer vale a pena falar
contigo.
Saí de casa, muito embora estivesse esfaimada. Mais valia pas-
sar fome do que sentar-me a comer com ela, isso parecer-me-ia
uma traição. Eu estava sempre a pensar na mamã, ali sentada,
a falar para o telefone, e no silêncio do outro lado. Cabra sem cora-
ção. Uma vez, aborreci-me com ela por causa disso e irritei-me:
— Porque é que não paras com isso? Porque é que não a esque-
ces? Obviamente, ela não quer ter nada que ver connosco.
A mamã disse:
— Ela é minha irmã, é a minha única família.
— Então e eu? Eu sou da tua família.
Ela riu-se e, depois, retorquiu:
— Tu não és da minha família. És mais do que família. És parte
de mim.
Parte de mim desapareceu, e nem sequer me autorizaram a
vê-la. Não me permitiram apertar-lhe a mão ou dar-lhe um beijo
de despedida ou dizer-lhe quanto lamento o sucedido.
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havia para fazer, na realidade. Beckford não era como a praia, não
havia nenhum parque de diversões, nenhum salão de jogos, nem
sequer um campo de minigolfe. Havia a água: e era tudo.
Algumas semanas depois de o verão começar, uma vez estabe-
lecidas as rotinas, tendo toda a gente descoberto onde pertencia
e com quem devia andar, quando os forasteiros e os da terra se
tinham misturado, com amizades e inimizades estabelecidas, as
pessoas começaram a andar em grupos ao longo da margem do
rio. Os miúdos mais novos tendiam a nadar a sul da Casa do
Moinho, onde a água corria lentamente e havia peixes para pescar.
Os miúdos maus passavam o tempo junto ao chalé dos Wards,
onde consumiam drogas e faziam sexo, brincavam com tabu-
leiros Ouija e tentavam conjurar espíritos irados. (A Nel disse-
-me que, se olhássemos com atenção suficiente, ainda conse-
guíamos ver vestígios do sangue do Robert Ward nas paredes.)
Mas a multidão maior reunia-se no Poço das Afogadas. Os rapa-
zes saltavam dos rochedos e as raparigas tomavam banhos de sol,
havia música e faziam-se churrascos. Havia sempre alguém que
trazia cerveja.
Eu teria preferido ficar em casa, lá dentro, longe do sol. Teria pre-
ferido ficar deitada na cama, a ler ou a jogar às cartas com a mamã,
mas não queria que ela se preocupasse comigo, porque tinha coi-
sas mais importantes com que se preocupar. Queria mostrar-lhe
que era capaz de ser sociável, que era capaz de fazer amigos. Que
era capaz de andar acompanhada.
Eu sabia que a Nel não ia querer que eu fosse. Na opinião
dela, quanto mais tempo eu passasse em casa, melhor, e me-
nos provável seria que os amigos dela me vissem — a bucha,
o embaraço: a Julia, gorda, feia e chata. Ela contorcia-se na mi-
nha companhia, sempre a andar alguns passos à minha frente ou
deixando-se ficar dez para trás; o seu desconforto ao pé de mim
era suficientemente óbvio para chamar a atenção. Certa vez,
quando nós as duas saímos juntas da loja da vila, ouvi um dos
rapazes da terra a falar.
— Ela tem de ser adotada. Não é possível que a puta da gorda
seja irmã verdadeira da Nel Abbott.
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olhar. Ele e a Nel faziam piadas acerca disso e, às vezes, ele olhava
para mim e lambia os lábios e ria-se.
Também lá estavam os rapazes, mas estavam do outro lado,
a nadar, a subir a margem, a empurrarem-se dos rochedos,
a rirem-se e a dizerem palavrões e a chamarem maricas uns aos
outros.
Era assim que parecia ser sempre: as raparigas ficavam sen-
tadas e esperavam que os rapazes fizessem disparates até se far-
tarem e, então, eles aproximavam-se e faziam coisas às raparigas,
às quais estas às vezes resistiam e outras vezes não. Todas as rapa-
rigas, exceto a Nel, que não tinha medo de mergulhar para a água
e de molhar o cabelo, que apreciava a brutalidade desorganizada
dos seus jogos, que conseguia manter o equilíbrio entre ser um
dos rapazes e ser o objeto supremo do desejo deles.
Claro que não me juntei aos amigos da Nel. Estendi a mi-
nha toalha debaixo das árvores e sentei-me sozinha. Havia outro
grupo de raparigas mais novas, mais ou menos da minha idade,
sentadas um pouco mais longe, e uma delas era uma rapari-
ga que eu reconheci dos verões passados. Ela sorriu-me e eu
retribuí-lhe o sorriso. Fiz-lhe um pequeno aceno, mas ela des-
viou o olhar.
Estava calor. Ansiava, então, por entrar dentro de água. Conse-
guia imaginar, exatamente, qual seria a sensação na minha pele,
suave e limpa, conseguia imaginar os meus dedos dos pés a en-
terrarem-se no lodo viscoso, conseguia ver a luz quente e cor de
laranja nas minhas pálpebras ao deixar-me flutuar de costas. Tirei
a minha t-shirt, mas isso não me refrescou nada. Reparei que a
Jenny me estava a observar, e ela franziu o nariz e, depois, olhou
para baixo, para o chão, porque sabia que eu registara o desagrado
no seu rosto.
Virei-lhes as costas a todos, fiquei deitada sobre o meu lado
direito e abri o meu livro. Estava a ler A História Secreta, da Donna
Tartt. Ansiava por um grupo de amigos assim, muito unidos e
fechados e brilhantes. Queria alguém a quem seguir, alguém que
me protegesse, alguém notável pelo seu cérebro, e não pelas suas
pernas compridas. Embora soubesse que, se houvesse pessoas
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horas. Hoje em dia, fazia menos isso. Não só por estar cansado
ou por lhe doerem as pernas; era a vontade que lhe faltava.
Não retirava prazer das coisas que, outrora, o tinham divertido.
Contudo, continuava a gostar de ver como estavam as coisas e,
quando se sentia bem das pernas, ainda conseguia caminhar até
lá e regressar num par de horas. Naquela manhã, todavia, acordara
com a barriga da perna esquerda inchada e dorida, e com o latejar
monótono da sua veia persistente como o tiquetaque de um reló-
gio. Portanto, decidiu levar o carro.
Ergueu-se da cama, tomou um duche, vestiu-se e, de repente,
lembrou-se, com uma irritação súbita, de que o seu carro ainda
estava na oficina — esquecera-se completamente de ir buscá-lo
na tarde anterior. Resmungando consigo próprio, atravessou o
pátio a coxear, para perguntar à sua nora se lhe emprestava o dela.
A mulher de Sean, Helen, estava na cozinha a limpar o chão.
No período letivo, já se teria ido embora — era diretora da escola
e fazia questão de estar todos os dias no seu escritório às 7h30.
Mas, mesmo nas férias escolares, não era pessoa de ficar na cama.
A indolência não estava na sua natureza.
— Levantaste-te cedo — disse Patrick ao entrar na cozinha,
e ela sorriu.
Com rugas a plissarem-lhe os olhos e madeixas grisalhas no
cabelo castanho e curto, Helen parecia mais velha do que os seus
36 anos aparentavam. Mais velha, achava Patrick, e mais cansada
do que devia estar.
— Não conseguia dormir — disse ela.
— Oh, lamento, querida.
Ela encolheu os ombros.
— O que é que se pode fazer? — Pôs a esfregona no balde
e encostou-a, de pé, à parede. — Posso fazer-lhe café, papá?
Era assim que ela o tratava agora. A princípio, parecera-lhe
estranho, mas, agora, gostava; aquecia-o, o afeto na sua voz ao
pronunciar a palavra. Ele disse que levaria café num recipiente,
explicando que queria ir para montante.
— Não vai para ao pé do poço, pois não? Só eu é que acho...
Ele abanou a cabeça.
Ti
PauLA HAaWKINS
— Não. Claro que não. — Ele fez uma pausa. — Como é que
o Sean está a lidar com isso tudo?
Ela voltou a encolher os ombros.
— Você sabe. Ele não fala lá muito.
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QUINTA-FEIRA, 13 DE AGOSTO
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Sa
O POÇO DAS AFOGADAS
Libby, 1679
O ntem disseram que seria amanhã, portanto é hoje. Ela sabe que
não falta muito. Virão para a levarem para a água, para a
fazerem nadar. Ela quer que aquilo chegue, deseja que chegue, não
será cedo demais. Está cansada de se sentir tão suja, da comichão
na sua pele. Sabe que, na verdade, não a ajudará quanto às cha-
gas, agora pútridas e a cheirarem mal. Precisa de bagas de sabuguei-
ro, ou talvez de calêndula, não sabe bem qual seria melhor, ou se
já será demasiado tarde para fazer o que quer que seja. A tia May
saberia, mas agorajá morreu, há oito meses que foi pendurada numa
forca.
Libby gosta da água, adora o rio, embora tenha medo das profun-
dezas. Agora, estará suficientemente frio para a enregelar, mas, pelo
menos, tirará os insetos da sua pele. Raparam-na logo que a prende-
ram, mas, agora, o cabelo voltou a crescer um pouco, e há coisas a ras-
tejarem por toda a parte, a cravarem-se nela, ela sente-as nos ouvidos,
nos cantos dos olhos e entre as pernas. Coça-se até sangrar. Será bom
que tudo isso, o cheiro do sangue, seja levado pela água.
Vêm de manhã. Dois homens, jovens, de mãos calejadas, de boca
rude, ela já antes lhes sentiu os punhos. Agora já não, eles têm cuidado
com isso, porque ouviram o que o homem disse, o que a viu na floresta,
com as pernas abertas e o Diabo entre elas. Riem-se e esbofeteiam-na,
mas também têm medo dela e, em qualquer caso, hoje em dia não é lá
muito agradável olhar para ela.
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SEGUNDA-FEIRA, 17 DE AGOSTO
NICKIE
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disso, pelo que, o que quer que tivesse a dizer às nadadoras, teria
de dizê-lo dali de baixo.
Nickie estava quase precisamente naquele lugar da primeira
vez que vira Nel Abbott. Fora um par de anos antes e ela estava a
fazer a mesma coisa — a chapinhar um pouco, a refrescar-se —
quando avistou uma mulher no cimo do penhasco. Observou-a a
andar para trás e para a frente, uma e outra vez, e, à terceira vez,
houve um formigueiro nas palmas das mãos de Nickie. Algo de
maléfico, pensou ela. Observou a mulher a agachar-se, a pôr-se
de joelhos e, depois, como uma cobra a deslizar sobre a barriga,
a avançar mesmo até à beira do penhasco, com os braços a balou-
çarem para fora da berma. Com o coração na boca, Nickie gritou:
— Eil
A mulher baixou os olhos e, para surpresa de Nickie, sorriu e
acenou-lhe.
Nickie via-a bastante por ali depois disso. la muitas vezes ao
poço, para tirar fotografias, fazer desenhos, anotar coisas. Estava
lá em cima a qualquer hora da noite ou do dia, fizesse o tempo
que fizesse. Da sua janela, Nickie observara Nel a atravessar a vila
a pé, em direção ao poço, na calada da noite, durante um nevão,
ou quando a chuva agreste caía com força suficiente para arrancar
a pele à carne.
Às vezes, Nickie passava por ela no trilho e Nel não recuava,
nem sequer reparava que tinha companhia, de tão absorta que
estava pela tarefa que tinha em mãos. Nickie gostava disso, ad-
mirava a concentração da mulher, o modo como o seu trabalho
a consumia. Também apreciava a devoção que Nel tinha ao rio.
Outrora, Nickie gostava de mergulhar na água nas manhãs quen-
tes de verão, embora, agora, esses dias pertencessem ao passado.
Mas Nel! Nadava de madrugada e ao crepúsculo, tanto no inverno
não a
como no verão. Embora, agora que pensava nisso, Nickie
tivesse visto a nadar no rio há algum tempo, há algumas semanas
ver-
já. Talvez mais? Tentou lembrar-se da última vez em que, na
a sua
dade, a tinha visto na água, mas não conseguiu, até porque
a
irmã estava novamente a tagarelar-lhe ao ouvido, toldando-lhe
visão mental.
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Fechou os olhos com muita força. Foram até ao rio. O pai estacionou
o carro em cima da ponte e disse-lhe:
— Espera. Espera aqui.
Mas estava escuro e a chuva no tejadilho do carro parecia uma
metralhadora, e Sean não era capaz de fugir à sensação de que estava
mais alguém com ele dentro do carro, conseguia ouvir-lhe a respiração
irregular. Portanto, saiu e correu, tropeçando nos degraus de pedra
e caindo sobre a lama do trilho, errando na escuridão, à chuva, em
direção ao poço.
Mais tarde, na escola, correu o boato de que ele vira tudo — era ele
o rapaz que observara a mãe a saltar para a morte. Não era verdade.
Não viu nada. Quando chegou ao poço, o seu pai já estava dentro de
água, a nadar em frente. Ele não sabia o que fazer, pelo que voltou
para trás e sentou-se debaixo das árvores, com as costas apoiadas num
tronco largo, para que ninguém o pudesse surpreender.
Pareceu que tinha estado lá durante muito tempo. Ao olhar para
trás, perguntava-se se não teria até adormecido, muito embora, devido
à escuridão e ao ruído e ao medo, isso não parecesse lá muito verosímil.
Aquilo de que se conseguia lembrar era de uma mulher a aparecer
— Jeannie, do posto da polícia. Tinha um cobertor e uma lanterna
e levou-o de volta para a ponte. Deu-lhe chá doce a beber e esperaram
lá pelo pai dele.
Mais tarde, Jeannie levou-o para casa dela e fez-lhe tostas de queijo.
Mas era impossível que Lauren pudesse ter sequer suspeitado.
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— Porquê, Josh?
— Acho que devíamos contar — disse ele.
Eu conseguia sentir as primeiras gotas de chuva quente nos
meus braços e olhei para cima, para o céu. Estava mortalmente
escuro, com uma tempestade a aproximar-se.
— Não, Josh — disse eu. — Não vamos contar.
— Lena, temos de contar.
— Não! — voltei eu a dizer, e agarrei-lhe no braço com mais
força do que era minha intenção e ele ganiu como um cachorro
quando lhe pisamos a cauda. — Fizemos uma promessa. Tu fizes-
te uma promessa.
Ele abanou a cabeça e, por conseguinte, enterrei-lhe as unhas
no braço.
Ele começou a chorar.
— Mas para que é que a promessa serve agora?
Larguei-lhe o braço e pus-lhe as mãos nos ombros. Obriguei-o
a olhar para mim.
— Uma promessa é uma promessa, Josh. Estou a falar a sério.
Não contes a ninguém.
Ele tinha razão, de certo modo, a promessa não servia de nada.
Nada de bom sairia dali. Mas, ainda assim, eu não a podia trair.
E, se eles soubessem acerca da Katie, fariam perguntas sobre o
que aconteceu depois, e eu não queria que ninguém soubesse
acerca do que nós fizéramos, a mamã e eu. Do que fizéramos e do
que não fizéramos.
Não queria deixar o Josh assim e, de qualquer forma, não me
apetecia ir para casa, pelo que pus o meu braço à volta dele e dei-
-Jhe um apertão reconfortante e, depois, peguei-lhe na mão.
— Anda daí — pedi-lhe. — Anda comigo. Sei de uma coisa
que podemos fazer, uma coisa que nos fará sentir melhor.
Ele ficou vermelho e eu comecei a rir-me.
— Não é isso, meu porcalhão!
Então, ele também se riu e limpou as lágrimas do rosto.
Caminhámos em silêncio em direção ao extremo sul da vila,
com o Josh a empurrar a bicicleta, a meu lado. Não havia ninguém
por ali, a chuva estava a cair cada vez mais forte e eu conseguia
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Não estava assinado, mas era óbvio que fora enviado pela mãe
da Katie. Ela avisou-te — e nem sequer foi só desta vez. No posto
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Acabei por levá-lo comigo para o posto. Não sabia bem que
mais fazer: ele não me deixava levá-lo a casa, e não o podia deixar à
beira da estrada naquele estado. Instalei-o no escritório das trasei-
ras, fiz-lhe uma chávena de chá e, depois, pedi à Callie que fosse a
correr comprar umas bolachas.
— Não pode interrogá-lo, chefe — disse a Callie, alarmada.
— Não sem um adulto responsável.
— Não vou interrogá-lo — respondi, irritado. — Ele está ame-
drontado e ainda não quer ir para casa.
Essas palavras despertaram uma memória: Ele está amedron-
tado e não quer ir para casa. Eu era mais novo do que o Josh, tinha
apenas 6 anos, e uma mulher-polícia estava a segurar-me na mão.
Nunca sei quais das minhas memórias são verdadeiras. Ouvi tan-
tas histórias acerca dessa altura, de tantas fontes diferentes, que
é difícil distinguir as memórias dos mitos. Mas, nesta, eu estava
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ESCRITO NA ÁGUA
Doi
PauLA HAWKINS
não é assim. Se eu fizer o que está certo, toda a gente vai ficar zan-
gada comigo e, se eu fizer o que está errado, não vão. Não devia ser
assim, pois não?
— Não — disse eu —, não devia. E não estou certo de que
tenhas razão acerca disso. Não consigo imaginar uma situação na
qual fazer o que está certo leve a que toda a gente se zangue con-
tigo. Uma ou duas pessoas, talvez, mas de certeza que, se é o que
está certo, alguns de nós vê-lo-emos desse modo. E ficar-te-emos
agradecidos.
Ele voltou a morder o lábio.
— O problema — disse ele, com a voz novamente trémula
— é que o mal já está feito. Venho demasiado tarde. Agora, é dema-
siado tarde para fazer o que está certo.
Ele voltou a chorar, mas não como antes. Não estava a lamuriar-
-se nem em pânico, desta vez chorava como alguém que perdeu
tudo, que perdeu toda a esperança. Ele estava desesperado, e eu
não conseguia suportar aquilo.
— Josh, tenho de pedir aos teu pais para cá virem, tenho mes-
mo — disse eu, mas ele agarrou-me o braço.
— Por favor, Sr. Townsend. Por favor.
— Quero ajudar-te, Josh, a sério que quero. Por favor, conta-
-me o que é que te está a perturbar tanto.
(Lembrei-me de estar sentado numa cozinha quente, que não
a minha, a comer tostas de queijo. A Jeannie estava lá e sentou-
-se a meu lado. Não me queres contar o que aconteceu, querido?
Por favor, conta-me. Eu não disse nada. Nem uma palavra. Nem uma
só palavra.)
O Josh, no entanto, estava pronto para falar. Limpou os olhos
e assoou o nariz. Tossiu, endireitou-se na cadeira e disse:
— É por causa do Sr. Henderson. Do Sr. Henderson e da Katie.
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Eu não contei nada disso à polícia. Não era nada que lhes
dissesse respeito.
Vieram lá a casa à noite, quando a Julia e eu estávamos a jan-
tar na cozinha. Correção: eu estava a jaritar. Ela estava só a em-
purrar a comida no prato, como sempre faz. A mamã contou-me
que a Julia não gosta de comer à frente de pessoas: é um resquí-
cio de quando era gorda. Nenhuma de nós estava a falar — não
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SEXTA-FEIRA, 21 DE AGOSTO
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O CHALÉ JUNTO AO RIO, o que vi quando fui correr, será a minha nova
casa. À curto prazo, pelo menos. Só até resolvermos esta questão
do Henderson. Foi o Sean quem o sugeriu. Ouviu-me a contar à
Callie, a agente, que quase me despistara na estrada esta manhã,
por estar tão exausta, e disse: |
— Bem, isso não pode ser. Devia ficar na vila. Podia usar o chalé
dos Wards. Fica mais acima junto ao rio e está vazio. Não é luxuoso,
mas não lhe custará nada. Dou-lhe as chaves esta tarde.
Quando ele saiu, a Callie sorriu-me de maneira forçada.
— O chalé dos Wards, hã? Tenha cuidado com a Annie louca.
— Desculpe?
— Aquele sítio junto ao rio, que o Patrick Townsend usa como
cabana de pesca, é conhecido como o chalé dos Wards. Como em
Anne Ward? É uma das mulheres. Dizem — contou ela, baixando a
voz até se tornar um sussurro — que, se procurarmos bem, ainda
conseguimos ver o sangue nas paredes.
Eu devo ter parecido perplexa — não fazia a menor ideia do
que é que ela estava a falar —, porque ela sorriu e disse:
— É só uma história, uma das antigas. Uma daquelas velhas
histórias de Beckford.
Eu não andava a prestar muita atenção a histórias centená-
rias de Beckford — tinha outras, mais recentes, com que me
preocupar.
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O POÇO DAS AFOGADAS
á estava dentro de casa. Estava lá. Não havia nada a temer no exte-
rior, o perigo estava lá dentro. Aguardava, estivera o tempo todo
a aguardar ali, desde o dia em que voltara a casa.
No final, contudo, para Anne, não se tratava do medo, mas da
culpa. Era a perceção, fria e dura como um seixo tirado da corrente,
daquilo que ela desejava, do sonho que se tinha permitido à noite
quando o pesadelo real da sua vida se tornara demasiado. O pesadelo
era ele, deitado a seu lado na cama, ou sentado junto à lareira, com as
botas calçadas e um copo na mão. O pesadelo era quando ela o apa-
nhava a olhar para si e via o nojo na cara dele, como se ela fosse
fisicamente repugnante. Não era só ela, sabia disso. Eram todas as
mulheres, todas as crianças, os velhos, todos os homens que não se ti-
nham juntado à luta. Ainda assim, doía-lhe ver — mais forte e mais
claramente do que qualquer coisa que alguma vez tivesse sentido na
vida — o quanto ele a odiava.
No entanto, ela não podia dizer que não merecia aquilo, pois não?
O pesadelo era real, vivia na casa dela, mas era o sonho que a
atormentava, por se permitir desejá-lo. No sonho, estava sozinha em
casa: era o verão de 1915 e ele tinha acabado de partir. No sonho, era de
tarde, com a luz a começar a mergulhar para o outro lado da colina,
para lá do rio, e a escuridão a avolumar-se nos cantos da casa, e ouvia-
-se bater à porta. Havia um homem à espera, fardado, entregava-lhe
um telegrama e, então, ela sabia que o seu marido nunca regressaria.
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PauLa HaWkKINS
Quando, acordada, sonhava com isso, não lhe importava como é que
acontecera. Tanto lhe fazia que ele tivesse morrido como um herói ou
como um cobarde fugindo do inimigo. Tanto lhe fazia, desde que ele
estivesse morto.
Teria sido mais fácil para ela. Essa é que era a verdade, não era?
Portanto, porque é que ele não haveria de a odiar? Se ele lá tivesse
morrido, ela tê-lo-ia chorado, e as pessoas teriam sentido pena dela,
a mãe dela, os amigos dela e os irmãos dele (caso ainda sobrassem
alguns). Tê-la-iam ajudado, ter-se-iam unido em torno dela, e ela teria
ultrapassado o assunto. Teria sofrido por ele, durante bastante tempo,
mas isso teria chegado ao fim. Teria 19, 20, 21 anos, e teria uma vida
à sua frente.
Ele tinha razão para odiá-la. Três anos, perto de três anos que ele
passara lá fora, a afogar-se em merda e sangue de homens com quem
partilhara um cigarro, e, agora, ela desejava que ele não tivesse regres-
sado; amaldiçoava o dia em que o telegrama não chegara.
Ela amara-o desde os 15 anos e não se lembrava de como era a vida
antes de ele aparecer. Ele tinha 18 anos quando a guerra começara
e 19 quando partira, e voltara sempre mais velho, não meses, mas anos,
décadas, séculos.
Da primeira vez, contudo, ainda era ele mesmo. Chorara à noite,
abalado como um homem com febre. Dissera-lhe que não podia voltar
a ir para lá, que tinha demasiado medo. Na noite antes de dever re-
gressar, ela descobrira-o junto ao ro e arrastara-o para casa. (Nunca o
devia ter feito. Nessa altura, devia tê-lo deixado ir.) Detê-lo fora egoísta
da parte dela. Agora, percebia o que causara.
Da segunda vez que ele viera a casa, não chorara. Estava silencioso,
fechado, mal olhando para ela, exceto de modo dissimulado, de esgue-
lha, com as pálpebras semicerradas, e nunca quando estavam na
cama. Ele virava-a ao contrário e não parava nem quando ela implo-
rava, nem quando ela sangrava. Ele odiava-a nessa altura, já então a
odiava; a princípio, ela não se apercebeu disso, mas, quando ela lhe
disse quão triste se sentia por causa do modo como andavam a tratar
aquelas raparigas na prisão, e os objetores de consciência e tudo isso, ele
deu-lhe uma estalada na cara e cuspiu-lhe em cima e chamou-lhe puta
traidora de merda.
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ESCRITO NA ÁGUA
Da terceira vez que ele viera a casa, não estava lá, de todo.
E ela sabia que, agora, nunca mais regressaria. Não sobrava nada
do homem que ele fora um dia. E ela não se conseguia ir embora, não
conseguia apaixonar-se por outra pessoa, porque só ele existira sempre
para ela e, agora, desaparecera... Desaparecera, mas continuava sen-
tado junto à lareira, com as botas calçadas, e bebia e bebia, e olhava
para ela como se ela fosse o inimigo, e ela desejava que ele estivesse
morto.
Que espécie de vida era aquela?
Anne desejava que pudesse ter havido outra maneira. Desejava
conhecer os segredos que as outras mulheres conheciam, mas Libby
Seeton tinha morrido havia muito e levara-os consigo. Anne sabia
algumas coisas, claro, tal como a maior parte das mulheres da vila.
Sabiam que cogumelos apanhar e quais deixar, tinham sido avisadas
acerca da bela senhora, a beladona; tinham-lhes dito para nunca,
nunca lhe tocarem. Sabia onde esta crescia na mata, mas também
sabia o que ela fazia, e não queria que ele morresse desse modo.
Ele estava sempre com medo. Ela apercebia-se disso, conseguia vê-lo
nele, sempre que o observava de relance: ele estava sempre a olhar para
a porta, do mesmo modo que olhava para fora, ao crepúsculo, tentando
ver para lá da linha das árvores. Ele tinha medo e estava à espera de
que aparecesse alguém. E, o tempo todo, procurava no local errado,
porque o inimigo não estava lá fora, já tinha entrado em casa, no seu
lar. Sentava-se à sua lareira.
Ela não queria que ele tivesse medo. Não queria que visse a sombra
cair sobre si, pelo que esperou até ele estar a dormir, sentado na sua
cadeira, com as botas calçadas e a garrafa vazia a seu lado. Foi silen-
ciosa e rápida. Encostou-lhe a lâmina à nuca e cravou-a com força,
de modo que ele mal acordou, e desapareceu de vez.
Foi melhor assim.
No entanto, ficou tudo sujo, claro que ficou, pelo que, depois, ela foi
até ao rio, para lavar as mãos.
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DOMINGO, 23 DE AGOSTO
PATRICK
O sonHo QUE PATRICK TINHA com a sua mulher era sempre o mesmo.
Era de noite, e ela estava dentro de água. Ele deixara Sean na mar-
gem, mergulhara e nadara e nadara, mas, de algum modo, mal
estava suficientemente perto para a agarrar, ela desviava-se para
mais longe e ele tinha de voltar a nadar. No sonho, o poço era mais
largo do que na vida real. Não era um poço, era um lago, era um
oceano. Ele parecia nadar eternamente, e só quando estava tão
exausto que tinha a certeza de se estar a afogar, também ele, é que
acabava por conseguir agarrá-la, puxá-la para si. Ao fazê-lo, o corpo
dela rodava ligeiramente na água, virando a cabeça para a sua,
e ela ria-se com os dentes partidos e ensanguentados. Era sempre
a mesma coisa, só que, na noite anterior, quando o corpo se virava
na água, na sua direção, a cara era a de Helen.
Ele acordou com um pavor horrível, com o coração aos pulos,
quase a rebentar. Sentou-se na cama, com a palma da mão encos-
tada ao peito, sem querer reconhecer o seu próprio medo, nem o
modo como este estava misturado com um profundo sentimento
de vergonha. Abriu as cortinas e esperou que o céu se aligeirasse,
do preto para o cinzento, antes de ir ao quarto ao lado, o de Helen.
Entrou em silêncio, erguendo suavemente o banco ao lado do
toucador e colocando-o junto à cama dela. Sentou-se. A cara dela
estava virada para o outro lado, tal como estivera no sonho, e ele
combateu a vontade de pôr a mão sobre o ombro dela, de a abanar
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tempo, não disseste nada. Durante todo este tempo, tu... E, pior,
ainda pior do que isso, deixaste-o...
A voz dela subiu e, depois, desapareceu no ar, como fumo.
— Ficar impune? — A Lena terminou a frase. Já não estava a
chorar e, embora a sua voz tivesse ficado mais aguda, era forte,
e não fraca. — Sim. Deixei, e isso enojava-me. Enojava-me mesmo,
mas fi-lo por ela. Tudo o que fiz foi pela Katie.
— Não me digas o nome dela — silvou a Louise. — Não te
atrevas.
— Katie, Katie, Katie! — A Lena estava meio de pé, incli-
nada para a frente, com a cara a centímetros do nariz da Louise.
— Sra. Whittaker — e voltou a cair sobre a cadeira —, eu amava-a.
Você sabe quanto eu a amava. Fiz o que ela queria que eu fizesse.
Fiz o que ela me pediu para fazer.
— Não podias ter tomado essa decisão, Lena, de esconderes
de mim, a mãe dela, algo tão importante quanto isto...
— Não, a decisão não foi minha, foi dela! Eu sei que você acha
que tem o direito de saber tudo, mas não tem. Ela não era uma
criança, não era uma menininha.
— Ela era a minha menininha!
A voz da Louise era um gemido, um lamento. Apercebi-me
de que me tinha agarrado à bancada, de que também eu estava
prestes a chorar.
A Lena voltou a falar, agora com a voz mais suave, suplicante.
— A Katie fez uma escolha. Tomou uma decisão e eu acatei-a.
— Ainda com mais gentileza, como se soubesse que se estava
a movimentar em terrenos perigosos: — E não fui a única. O Josh
fez a mesma coisa.
A Louise puxou a mão atrás e deu uma estalada na cara da Lena
com muita força. O estalo ressoou, ecoando contra as paredes.
Eu saltei para a frente e agarrei no braço da Louise.
— Não! — gritei eu. — Já chega! Já chega! — Tentei pô-la de
pé. — Tem de se ir embora.
— Deixa-a! — cortou a Lena. — O lado esquerdo da cara dela
estava vermelhíssimo, mas a sua expressão era calma. — Não te
metas, Julia. Ela pode bater-me, se quiser. Pode arrancar-me
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NICKIE
NICKIE FEZ O QUE JEANNIE LHE DISSERA para fazer: foi falar com Lena
Abbott. O tempo tinha arrefecido, com uma pontinha de outono
a antecipar-se, pelo que se cobriu com um casaco preto, enfiou as
folhas no bolso interior e caminhou em direção à Casa do Moinho.
Mas, quando lá chegou, apercebeu-se de que havia lá outras pes-
soas, e não estava com disposição nenhuma para uma multidão.
Especialmente, não depois do que aquela Whittaker dissera, acer-
ca de ela só se interessar por dinheiro e explorar o sofrimento das
pessoas, o que não era, de modo algum, justo. Isso nunca fora o
que ela pretendera. Se ao menos as pessoas lhe dessem ouvidos...
Ficou diante da casa durante um bocado, a olhar, mas doftam-lhe
as pernas e tinha a cabeça cheia de ruídos, pelo que deu meia-
«volta e fez todo o caminho de regresso a casa. Nalguns dias, sentia
a sua idade, e, noutros, sentia a da sua mãe.
Não tinha estômago para o dia, para a luta que se avizinhava.
De volta à sua sala, dormitou na cadeira e, depois, acordou e pen-
sou que talvez tivesse visto Lena a dirigir-se ao poço, mas podia
ter sido um sonho, ou uma premonição. Mais tarde, no entanto,
,
muito mais tarde, no escuro, teve a certeza de ter visto a rapariga
movendo-se como um fantasma ao atravessar a praça, um fantasma
con-
com um propósito, a caminhar bastante rapidamente. Nickie
que
seguiu sentir o ar a dividir-se quando ela passou, a energia
emanava dela, conseguiu senti-la lá em cima, na sua salinha escura,
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PauLA HAWKINS
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Esperei pela Lena até que, derrotada pelo cansaço, acabei por
ir para a cama. Tinha tido tanta dificuldade em dormir desde que
regressara a este sítio e estava a pagar por isso. Colapsei, entrando
e saindo de sonhos, até ouvir a porta do andar de baixo a abrir-
-se. Os passos da Lena nas escadas. Ouvi-a entrar no seu quarto
e ligar a música, suficientemente alto para que eu ouvisse uma
mulher a cantar.
2Bs:
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PARTE TRÊS
SEGUNDA-FEIRA, 24 DE AGOSTO
MARK
ERA TARDE QUANDO ELE CHEGOU A CASA, um pouco depois das duas
da manhã. O seu voo de Málaga atrasara-se e, depois, ele perdera
o talão do parque de estacionamento e levara uns enfurecedores
45 minutos a descobrir o carro.
Agora, desejava ter demorado mais tempo, desejava nunca ter
encontrado o carro, de todo, ter tido de ficar num hotel. Assim,
poderia ter sido poupado, só durante mais uma noite. Porque,
quando se apercebeu, na escuridão, de que todas as janelas da sua
casa tinham sido partidas, soube que não iria dormir, nem nessa
noite nem em nenhuma. O descanso tinha terminado, a paz de
espírito fora destruída. Ele fora traído.
Também desejava ser mais frio, mais duro, ter arrastado a sua
noiva consigo. Nesse caso, quando viessem buscá-lo, poderia dizer:
«Eu? Acabo de regressar de Espanha. Quatro dias na Andaluzia com
a minha noiva. A minha namorada de 29 anos, atraente e com um
bom emprego.»
No entanto, isso não teria feito diferença, pois não? Não teria
importado o que ele dissesse, o que fizesse, como vivera a sua vida:
os
crucificá-lo-iam de qualquer forma. Isso não importaria para
o facto
jornais, para a polícia, para a escola, para a comunidade,
de andar
de ele não ser um depravado qualquer, com um historial
ria que
atrás de raparigas com metade da sua idade. Não importa
por ele.
ele se tivesse apaixonado, e que se tivessem apaixonado
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RI
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feito à sua irmã (porque era isso que aquilo parecia, parecia sem-
pre que te estavam a fazer alguma coisa), mas que não conseguia
desviar o olhar.
— Eu disse-lhe que te tinhas metido comigo e que, depois,
fugiste a chorar, quando eu te rechacei, e ela foi a correr atrás de
ti — continuou ele.
Houve uma súbita vertigem de imagens na minha cabeça: o som
das tuas palavras, o calor da tua raiva, a pressão das tuas mãos ao
fazeres-me uma amona na água e, depois, a agarrares-me no cabelo
e a puxares-me para a margem.
Minha cabra, minha cabra estúpida e gorda, o que é que tu fizeste?
O que é que estás a tentar fazer?
Ou teria sido: Minha cabra estúpida, o que é que tu estavas a fazer?
E, depois: Eu sei que ele te magoou, mas do que é que estavas à
espera?
Cheguei ao carro, atrapalhando-me à procura das chaves com
as mãos trémulas. O Robbie ainda estava atrás de mim, e conti-
nuava a falar.
— Sim, vai-te lá embora, minha cabra mentirosa. Nunca achaste
que a rapariga aqui estivesse, pois não? Isso foi uma desculpa, não
foi? Vieste ver-me. Querias voltar a comer-me? — Eu conseguia
ouvi-lo a rir enquanto se afastava, debitando a sua tirada de despe-
dida a partir do outro lado da rua. — Não tens hipótese, menina,
desta vez não. Podes ter perdido um bocadinho de peso, mas con-
tinuas a ser uma feiosa de merda.
Liguei o carro, arranquei e, depois, parei. Dizendo palavrões,
voltei a ligar o motor e parti estrada abaixo, carregando no acele-
rador, afastando-me o mais depressa possível dele e do que aca-
bara de acontecer, e sabendo que me devia estar a preocupar com
a Lena, mas incapaz de pensar nisso porque só conseguia pensar
numa coisa: Tu não sabias.
Tu não sabias que ele me tinha violado.
Quando disseste: Lamento que ele te tenha magoado, querias
dizer que lamentavas que eu me sentisse rejeitada. Quando dis-
seste: Do que é que estavas à espera ?, querias dizer que era evidente
que ele me rejeitaria, que eu era, apenas, uma criança. E quando
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' Referência bíblica, Atos dos Apóstolos, 9,18: «Nisto, caíram dos olhos de Saulo uma
espécie de escamas e ele voltou a ter vista.» [N. do T.]
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mas tu não sabias disso. A única coisa que achavas que acontecera
era que eu tinha tido um dia horrível, que tinham gozado comigo,
que tinha sido humilhada e rejeitada por um rapaz de quem gos-
tava. E que, por fim, num ato de melodrama extremo, eu fora até
ao Poço das Afogadas e me atirara lá para dentro.
Estavas zangada porque achavas que eu o tinha feito para te
magoar, para te meter em problemas. Para fazer com que a mamã
gostasse mais de mim, ainda mais do que já gostava. Para fazer
com que ela te rejeitasse. Porque a culpa teria sido tua, não era?
Tu tinhas-me intimidado, e era suposto estares a tomar conta de
mim, e isto acontecera sob os teus cuidados.
Fechei a torneira com o dedo grande do pé e deixei que o meu
corpo escorregasse para dentro da banheira; os meus ombros sub-
mergiram, o meu pescoço, a minha cabeça. Ouvi os sons da casa,
distorcidos, abafados, tornados estranhos pela água. Uma pancada
súbita fez-me emergir bruscamente no ar frio. Escutei. Nada. Estava
a imaginar coisas.
Mas, quando voltei a escorregar para baixo, tive a certeza de ouvir
um rangido nas escadas, e passos, lentos e regulares, ao longo do
corredor. Sentei-me completamente direita, agarrada ao rebordo
da banheira. Outro rangido. A maçaneta de uma porta a rodar.
— Lena? — gritei, já de pé, com a voz a parecer infantil, aguda
e fininha. — Lena, és tu?
O silêncio que me respondeu ressoou nos meus ouvidos e,
dentro dele, imaginei ouvir vozes.
A tua voz. Outro dos teus telefonemas, o primeiro. O primeiro
depois da nossa briga no velório, depois da noite em que me fizeste
aquela pergunta terrível. Foi pouco depois — uma semana, talvez
duas — que tu me telefonaste já tarde e me deixaste uma mensa-
gem. Estavas chorosa, as tuas palavras arrastavam-se, a tua voz era
quase inaudível. Disseste-me que ias voltar a Beckford, que ias ver
um velho amigo. Precisavas de falar com alguém, e comigo não
valia a pena. Nessa altura, não pensei nisso, nem me importei.
Só que agora compreendia, e tremia, apesar do calor da água.
Durante todo este tempo, tinha andado a culpar-te, mas devia ter
sido ao contrário. Tu regressaste para ver um velho amigo. Estavas
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o meu filho acha que eu sou responsável por a Lena ter desapa-
recido. Às vezes, pergunto-me se ele acha que eu empurrei a Nel
Abbott daquele penhasco abaixo. — Ela fungou. — Em qualquer
caso, ele acha-me responsável pelo facto de a Lena ter ficado as-
sim. Sem mãe. Sozinha.
Eu estava no meio do quarto, com os braços cuidadosamente
dobrados, tentando não tocar em nada. Como se fosse o local de
um crime, como se não quisesse contaminar nada.
— Ela não tem mãe — disse eu —, mas não terá pai? Acredita,
sinceramente, que a Lena não faça ideia de quem seja o pai dela?
Sabe se ela e a Katie alguma vez falaram acerca disso?
A Louise abanou a cabeça.
— Estou bastante certa de que ela não sabe. Era isso que a Nel
dizia sempre. Eu achava que era estranho. Tal como muitas das
escolhas parentais da Nel, não apenas estranhas, mas irrespon-
sáveis; quer dizer, e se houvesse um problema genético, uma
doença, qualquer coisa do género? Em qualquer caso, parecia-me
injusto para a Lena, ela nem sequer dar à criança a opção de co-
nhecer o pai. Quando a pressionei, e de facto pressionei-a nos
tempos em que eu e ela nos dávamos melhor, ela disse que fora
um caso de uma só noite, alguém que conhecera nos primeiros
tempos quando se mudara para Nova Iorque. Alegava não saber
sequer o apelido dele. Mais tarde, quando pensei acerca disso,
concluí que devia ser mentira, porque vi uma fotografia da Nel,
a mudar-se para o seu primeiro apartamento de Brooklyn, com a
t-shirt muito esticada sobre a sua barriga já grávida. — A Louise
parou de empilhar livros, abanando de novo a cabeça. — Portanto,
nesse sentido, o Josh tem razão. Ela está sozinha. Não tem mais
família além da tia. Ou nenhuma de que eu alguma vez tenha
ouvido falar. E, quanto a namorados... — Ela sorriu pesarosamen-
te. — Certa vez, a Nel disse-me que só dormia com homens casa-
dos porque eles eram discretos e pouco exigentes e deixavam-na
seguir com a sua vida. Os casos dela eram discretos. Não tenho
dúvidas de que houve homens, mas ela não deixava que esse tipo
de coisa se tornasse público. Sempre que a via, ela estava sozi-
nha. Sozinha ou com a filha. — Ela soltou um pequeno suspiro.
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ESCRITO NA ÁGUA
— O único homem com quem creio ter visto a Lena ser vagamente
afetiva é o Sean.
Ela corou ligeiramente ao dizer o nome dele, virando a cara
para o outro lado, como se tivesse dito algo que não devia.
— O Sean Townsend? A sério? — Ela não respondeu. — Louise?
— Ela pôs-se de pé, para ir buscar outra pilha de livros à estante.
— Louise, o que é que está a dizer? Que há alguma coisa... impró-
pria entre o Sean e a Lena?
— Meu Deus, não! — Ela soltou uma risada fraca. — Com a
Lena, não.
— Coma Lena, não? Então... com a Nel? Está a dizer que havia
algo entre ele e a Nel Abbott? — A Louise franziu os lábios
e afastou a sua cara da minha, para que eu não lhe conseguisse
ler a expressão. — Porque, sabe, isso seria altamente incorreto.
Investigar a morte suspeita de alguém com quem tinha tido uma
relação, isso seria...
O que é que isso seria? Pouco profissional, pouco ético, mo-
tivo para expulsão da polícia? Ele não seria capaz. Era impossível
ele ter feito isso, era impossível que me tivesse conseguido es-
conder isso. Eu teria visto alguma coisa, reparado nalguma coisa,
não teria? E, então, pensei no ar dele da primeira vez que o vira,
ali parado, na margem do poço, com a Nel Abbott a seus pés, com
a cabeça curvada, como se estivesse a rezar por cima dela. Com os
olhos aguados, as mãos trémulas, o seu alheamento aparente, a sua
tristeza. Mas decerto que seria por causa da mãe dele, não?
A Louise continuou a encaixotar os livros, silenciosamente.
— Escute-me — disse eu, erguendo a voz, para captar a sua
atenção. — Se tem conhecimento de que houve alguma espécie
de relação entre o Sean e a Nel, então...
— Eu não disse tal coisa — disse ela, olhando-me diretamen-
te nos olhos. — Não disse nada do género. O Sean Townsend é
que
um homem bom. — Ela pôs-se de pé. — Agora, tenho muito
de se ir
fazer, detetive. Acho que, provavelmente, está na altura
embora.
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— Hospitais?
— Até agora, nada, não há sinal de nenhum deles.
O telemóvel dela tocou e ela foi lá fora, para atender a chamada.
Eu permaneci, completamente imóvel, na cozinha, enquanto
dois agentes da polícia forense trabalhavam, silenciosamente,
à minha volta. Observei um deles a pegar, com pinças, numa ma-
deixa de cabelo louro comprido, que ficara presa no rebordo da
mesa. Senti uma súbita onda de náusea, com a saliva a inundar-
-me a boca. Não conseguia justificá-la: já vira cenas piores do que
esta — muito piores — e permanecera impassível. Não fora? Não
caminhara eu por cozinhas mais ensanguentadas do que aquela?
Levei a palma da mão ao punho e apercebi-me de que a Callie
estava, novamente, a falar comigo, com a cabeça a espreitar pelo
umbral da porta.
— Posso dar-lhe uma palavrinha, chefe?
Segui-a até lá fora e, enquanto tirava as proteções de plástico
dos meus sapatos, ela pôs-me ao corrente das novidades.
— A polícia de trânsito apanhou o carro do Henderson — dis-
se ela. — Quer dizer, não apanhou, mas têm duas filmagens do
Vauxhall vermelho dele. — Ela olhou para baixo, para o seu bloco
de apontamentos. — Acontece que é um bocado confuso, porque
a primeira filmagem, pouco depois das três da manhã de hoje,
apanha-o na A68, a ir para norte, em direção a Edimburgo, mas,
depois, algumas horas mais tarde, às sh15, está a conduzir para
sul, pela Ar, mesmo à saída de Eyemouth. Portanto, talvez ele...
tenha largado alguma coisa? — Se tenha livrado de alguma coisa,
queria ela dizer. De alguma coisa ou de alguém. — Ou estará a
tentar confundir-nos?
— Ou mudou de ideias acerca do melhor sítio para onde fugir
— disse eu. — Ou está em pânico.
Ela acenou com a cabeça.
— A andar às voltas como uma galinha sem cabeça.
Eu não gostava dessa ideia, não queria que ele — nem nin-
guém — estivesse sem cabeça. Queria que ele estivesse calmo.
— Era possível ver se havia mais alguém no carro, alguém no
lugar dos passageiros? — perguntei-lhe eu.
PAIS
PauULA HAWKINS
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ESCRITO NA ÁGUA
A Tracey não sabia quem era nem o que fazia a outra mulher.
— Nem queria saber — disse-me ela, abruptamente. Estava
sentada no escritório das traseiras do posto da polícia, uma hora
mais tarde, a beberricar chá. — Eu fiquei... Fiquei bastante deso-
lada, na verdade. Num minuto, estava à procura de vestidos de
noiva e, no seguinte, ele estava a dizer-me que não podia levar
aquilo por diante, porque tinha conhecido o amor da sua vida.
— Ela sorriu-me com tristeza, enfiando os dedos no cabelo escuro
e curto. — Depois disso, limitei-me a cortar relações com ele.
Apaguei o número dele, desamiguei-o, tudo isso. Por favor, pode
dizer-me se lhe aconteceu alguma coisa? Ainda ninguém se dig-
nou a explicar-me por que raio estou aqui.
Eu abanei a cabeça.
— Queira desculpar-me por isso, mas não há grande coisa que
lhe possa dizer neste momento. Todavia, nós não cremos que ele
tenha sido magoado. Só precisamos de o descobrir, precisamos
de falar com ele acerca de uma coisa. Não sabe para onde poderia
ele ter ido, não? Se precisasse de fugir? Pais, amigos na zona...?
Ela franziu o sobrolho.
— Isto não é por causa daquela mulher morta, ou é? Li nos
jornais que houve outra, há uma ou duas semanas. Quer dizer...
ele não andava... essa não era a mulher que ele andava a ver,
ou era?
— Não, não. Não tem nada que ver com isso.
— Ah, está bem. — Ela parecia aliviada. — Quer dizer, ela
teria sido um pouco velha para ele, não é verdade?
— Porque é que diz isso? Ele gostava de mulheres mais novas?
A Tracey parecia confusa.
— Não, quer dizer... o que é que quer dizer com mais novas?
Essa mulher tinha, tipo, cerca de 40 anos, não tinha? O Mark ainda
não tem 30, portanto...
— Certo.
— Não me pode mesmo dizer o que é que se passa? — per-
guntou ela.
— O Mark alguma vez foi violento consigo, alguma vez perdeu
as estribeiras, alguma coisa desse género?
ZEN
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ESCRITO NA ÁGUA
Como se não lhe restasse nada. Recuei sobre o banco. Podia fugir.
Sou mesmo rápida quando preciso. Voltei a olhar para o caminho
atrás da casa. Teria boas hipóteses de fugir dele se me dirigisse
diretamente para lá do caminho, saltasse o muro de pedra e atra-
vessasse os campos. Se fizesse isso, ele não seria capaz de me
seguir de carro, e eu teria uma hipótese.
Não o fiz. Muito embora soubesse que aquela podia ser a últi-
ma oportunidade que eu teria, fiquei quieta. Se tivesse de chegar
a esse ponto, pensei, seria melhor morrer sabendo o que acon-
tecera à minha mãe do que viver sempre a questionar-me, sem
nunca saber. Achava que não conseguiria suportar isso.
Pus-me de pé. Ele não se mexeu, limitou-se a observar-me
enquanto eu dava a volta à mesa e me sentava à frente dele,
forçando-o a olhar para mim.
— Sabe que eu achei que ela me abandonara? A mamã. Quando
a descobriram e me vieram dizer, achei que fora uma escolha.
Achei que ela escolhera morrer, por se sentir culpada pelo que
acontecera à Katie, ou por estar envergonhada por isso, ou... Não sei.
Apenas porque a água a atraía mais do que eu. — Ele não disse
nada. — Eu acreditei nisso! — gritei eu, tão alto quanto conse-
guia, e ele sobressaltou-se. — Acreditei que ela me tinha aban-
donado! Compreende a sensação que tive? E, agora, dá-se o caso
de que não. Ela não escolheu nada. Você levou-a. Roubou-ma, tal
como me roubou a Katie.
Ele sorriu-me. Lembrei-me de como costumávamos achar que
ele era bonito e isso revirou-me o estômago.
— Eu não te roubei a Katie — disse ele. — A Katie não era tua,
Lena. Era minha.
Apetecia-me gritar-lhe, arranhar-lhe a cara. Ela não era sua!
Não era! Não era! Cravei as unhas nas mãos, com tanta força
quanto conseguia, mordi o lábio, voltei a sentir o sabor do sangue,
e ouvi-o a justificar-se:
— Nunca pensei em mim próprio como o tipo de pessoa que
se apaixonaria por uma miúda. Nunca. Achava que esse tipo de
pessoas eram ridículas. Velhos falhados e tristes que não conse-
guiam arranjar uma mulher da idade deles.
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Eu ri-me.
— Exatamente — disse eu. — Achava bem.
— Não, não. — Ele abanou a cabeça. — Isso não é verdade.
Não é. Olha para mim. Nunca tive qualquer dificuldade em arran-
jar mulheres. Elas estavam sempre a atirar-se a mim. Tu, agora,
abanas a cabeça, mas já o viste acontecer. Meu Deus, tu própria o
fizeste.
— Não fiz nada, foda-se.
== ends:
— Acha sinceramente que eu o desejava? Está iludido. Era um
jogo, era...
Parei de falar. Como é que se explica, sequer, uma coisa daque-
las a um homem como ele? Como é que se explica que aquilo não
tinha nada que ver com ele e que tinha tudo que ver connosco?
Que, para mim, pelo menos, tinha que ver comigo e com a Katie e
com as coisas que conseguíamos fazer juntas. As pessoas a quem
as fazíamos eram indiferentes. Não importavam, de todo.
— Sabe como é ter o meu aspeto? — perguntei-lhe eu. — Quer
dizer, eu sei que você acha que é atraente ou o que quer que seja,
mas não faz ideia do que é ser como eu. Sabe como é fácil para
mim levar as pessoas a fazerem o que eu quero, torná-las descon-
fortáveis? Só tenho de olhar para elas de uma certa maneira, ou
pôr-me ao pé delas, ou enfiar os dedos na boca e chupá-los, e con-
sigo vê-las a corarem, ou a ficarem com tesão, ou o que quer que
seja. Era isso que eu lhe estava a fazer, seu atrasado mental. Estava
a gozar consigo. Não o desejava.
Ele fez troça de mim, com uma risadinha incrédula.
— Certo, está bem — disse ele. — Se tu o dizes, Lena. Então,
o que é que tu querias, ao certo? Quando ameaçaste trair-nos,
quando falaste aos gritos para que a tua mãe conseguisse ouvir;
o que é que tu querias?
— (Queria... Queria...
Não sabia dizer o que queria, porque o que eu queria era que
as coisas voltassem a ser como eram. Queria que nós voltásse-
mos ao tempo em que a Katie e eu estávamos sempre juntas, em
que passávamos cada hora de cada dia uma com a outra, em que
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alguma coisa dela, não é? Para poder falar com ela como deve ser.
Eu costumava ouvir a voz dela com muita clareza, mas... sabe
como é. Às vezes, as vozes ficam abafadas, não é?
— Não faço mesmo ideia do que está a falar — disse eu, fria-
mente.
— Ah, estou a perceber! Não acredita em mim? Parece que
nunca falou com os mortos, ou falou? — Ela riu-se, sabedora, e o
meu couro cabeludo arrepiou-se. — Eu precisava de alguma coisa
dela, com que a pudesse conjurar. — Ela ofereceu-me o isqueiro.
— Pode voltar a ficar com ele. Eu podia tê-lo vendido, não podia?
Podia ter tirado toda a espécie de coisas e tê-las vendido; a sua irmã
tinha algumas coisas caras, não tinha, joias e assim? Mas não o fiz.
— Foi muito gentil da sua parte.
Ela sorriu, de maneira forçada.
— Quanto à pergunta seguinte. Porque é que a sua irmã tinha
o isqueiro? Bem, não posso dizer ao certo.
A minha frustração levou a melhor sobre mim.
— A sério? — zombei eu dela. — Pensei que conseguia falar
com os espíritos. Pensei que isso era a sua praia. — Olhei ao redor
da sala. — Ela está aqui agora? Porque é que não se limita a perguntar-
“lhe diretamente?
— Não é assim tão fácil, pois não? — disse ela, magoada.
— Tenho tentado despertá-la, mas ela calou-se. — Que grande novi-
dade. — Não é preciso ficar desdenhosa. Só estou a tentar ajudar.
Só estou a tentar dizer-lhe...
— Bem, então, diga-me! — cortei eu. — Deite cá para fora.
— Aguente os cavalos — disse'ela, com o lábio inferior para
fora e os queixos a oscilarem. — Eu estava a dizer-lhe, se ao menos
me ouvisse. O isqueiro é da Lauren, e o Patrick foi o último a tê-lo.
E isso é que é importante. Não sei porque é que a Nel o tinha, mas
o facto de ela o ter é que importa, percebe? Ela tirou-lho, porven-
tura, ou talvez ele lho tenha dado. Em qualquer caso, isso é que é
importante. A Lauren é que é importante. Tudo isto, da sua Nel,
não é por causa da pobre Katie Whittaker, nem do tolo daquele
professor, nem da mãe da Katie, nem nada disso. É por causa da
Lauren, e do Patrick.
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Mordi o lábio.
— Como é que pode ser por causa deles?
— Bem. — Ela mudou de posição no assento. — Ela andava
a escrever as suas histórias acerca deles, não andava? E ficou a
saber dessa história através do Sean Townsend, porque, afinal de
contas, reza a lenda que ele foi testemunha, não é? Portanto, ela
achou que ele estava a contar a verdade, e porque é que não have-
ria de achar?
— E porque é que ele não o faria? Quer dizer, você está a dizer
que o Sean mentiu acerca do que aconteceu à mãe dele?
Ela franziu os lábios.
— Já conheceu o velho? É um demónio, é mesmo, e não um
demónio dos bons.
— Portanto, o Sean mentiu acerca do modo como a mãe dele
morreu porque tem medo do pai?
A Nickie encolheu os ombros.
— Não posso dizer ao certo. O que sei é que a história que a
Nel ouviu, a primeira versão, aquela em que a Lauren foge de noite
e o marido e o filho vão atrás dela, não é verdade. Eu disse-lhe isso
mesmo. Porque, sabe, a minha Jeannie, que é a minha irmã, anda-
va por cá nessa altura. Estava lá. Nessa noite... — Abruptamente,
se
ela enfiou a mão no casaco e começou a vasculhá-lo. — O que
e a Nel
passa é que eu contei à sua Nel a história da nossa Jeannie
escreveu-a.
mas
Ela sacou de um molho de papéis. Eu tentei pegar-lhes,
a Nickie tirou-mos.
eender
— Só um minuto — disse ela. — Você tem de compr
história com-
que isto... — e acenou-me com as folhas — não é a
toda,
pleta. Porque, muito embora eu lhe tenha contado a história
a sua irmã. Isso
ela não a escreveu toda. Era uma mulher teimosa,
Portanto, foi
era parte da razão pela qual eu gostava tanto dela.
.
então que tivemos a nossa pequena discordância
as pernas
Ela voltou a acomodar-se no assento, balançando
mais vigorosamente.
polícia na altura
— Eu contei-lhe acerca da Jeannie, que era
ramente. — À Jeannie
em que a Lauren morreu. — Ela tossiu sono
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PauLA HAWKINS
não acreditava que ela tivesse entrado na água sem ser empurrada,
porque se estava a passar uma série de outras coisas, sabe. Ela sabia
que o velho da Lauren era um demónio e que lhe dava tareia e que
contava histórias acerca de ela se encontrar com um amante
qualquer na casa da Anne Ward, muito embora nunca ninguém
tivesse visto esse homem mais gordo. Era suposto a razão ser essa,
percebe? O tipo com quem ela andava a portar-se mal fugira e
deixara-a e ela andava perturbada com isso, pelo que se atirou.
— A Nickie acenou com a mão na minha direção. — Disparates.
Com um filho de 6 anos em casa? Disparates.
— Bem, na verdade — disse eu —, creio que deve saber que
a depressão é uma coisa complicada...
— Pfff! — Ela silenciou-me com outro aceno de mão. — Não
havia amante nenhum. Nenhum que alguma pessoa daqui algu-
ma vez tenha visto. Poderia perguntar à minha Jeannie, só que
ela há muito que está morta. E sabe quem é que foi responsável
pela morte dela, não sabe?
Quando, por fim, ela parou de falar, ouvi a água a sussurrar
no silêncio.
— Está a dizer que o Patrick matou a mulher, e que a Nel sabia
disso? Está a dizer que ela o escreveu?
A Nickie expressou a sua desaprovação, irritada.
— Não! Não está a perceber nada. Ela escreveu algumas coisas,
mas não outras coisas, e foi por isso que discordámos, porque ela
ficava muitíssimo contente por escrever as coisas que a Jeannie
me contava quando ainda estava viva, mas não as coisas que a
Jeannie me contou quando já estava morta. O que não faz, de todo,
qualquer sentido.
Fes DEN»
— Não faz sentido algum. Mas você tem de me ouvir. E, se não
me der ouvidos — disse ela, empurrando as folhas na minha di-
reção —, pode dar ouvidos à sua irmã. Porque ele foi responsável
pela morte delas. Até certo ponto. O Patrick Townsend foi respon-
sável pela morte da Lauren, e pela morte da nossa Jeannie, e, se não
estou enganada, até pela morte da sua Nel.
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O POÇO DAS AFOGADAS
Lauren, de novo, 1983
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— O que é que queres dizer, Sean? O que é que queres dizer com
não ser suposto falares sobre isso?
Ele abanou a cabeça e encolheu os ombros, e eu não disse mais
nada.
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por ali antes, e reparara nela — ela era linda, difícil de passar des-
percebida. Mas, até então, nunca a vira ao perto. Nunca me aper-
cebera de quão verdes eram os seus olhos, de como lhe davam
um ar diferente. Como se ela não fosse bem deste mundo, ou
pelo menos não deste lugar. Era demasiado exótica para o seu
próprio bem.
Contou-me o que o meu pai lhe tinha dito, que não acontecera
nada, e perguntou-me:
— Também é essa a sua impressão?
Eu disse-lhe que ele não estava a falar a sério, que não queria
mesmo dizer que não acontecera nada. Só queria dizer que não
falávamos acerca disso, que era passado. Que o metêramos para
trás das costas.
— Bem, claro que meteram — disse ela, sorrindo-me. — E eu
entendo, mas estou a trabalhar num projeto, sabe, um livro, e talvez
também uma exposição, e eu...
— Não — disse-lhe eu. — Quer dizer, eu sei o que anda a fazer,
mas eu, nós, não podemos fazer parte disso. É desonroso.
Ela afastou-se ligeiramente, mas o seu sorriso permaneceu.
— Desonroso? Que palavra tão estranha de se usar. O que é que
é desonroso?
— É desonroso para nós — disse eu. — Para ele.
(Para nós ou para ele, não me lembro de qual destas coisas
disse.)
— Ah. — Então, o sorriso abandonou-lhe o rosto, e ela pareceu
perturbada, preocupada. — Não. Não é... não. Não é desonroso.
Acho que já ninguém pensa assim, pois não?
— Ele pensa.
— Por favor — disse ela —, não vai falar comigo? — Creio que
lhe devo ter virado as costas, porque ela me pôs a mão no braço.
Olhei para baixo e vi os anéis de prata nos dedos dela e a pulseira
no seu braço e o verniz azul lascado nos seus dedos. — Por favor,
Sr. Townsend. Sean. Há tanto tempo que quero falar consigo acer-
ca disto.
Ela estava, novamente, a sorrir. A maneira como se me dirigia,
direta e íntima, tornava impossível que eu lho recusasse. Então,
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soube que estava metido em sarilhos, que ela era um sarilho, o tipo
de sarilho pelo qual eu esperara toda a minha vida adulta.
Acedi a contar-lhe aquilo de que me lembrava acerca da noite
da morte da minha mãe. Disse-lhe que me encontraria com ela
na sua casa, a Casa do Moinho. Pedi-lhe para manter essa reunião
confidencial, porque perturbaria o meu pai, e perturbaria a minha
mulher. Ela recuou ao ouvir a palavra «mulher», e voltou a sorrir,
e, então, ambos soubemos em que direção aquilo estava a ir.
Da primeira vez que fui falar com ela, não falámos de todo.
Portanto, tive de lá voltar. Continuei a ir ter com ela e conti-
nuámos a não falar. Eu passava uma hora com ela, ou duas, mas,
quando a deixava, parecia que tinham sido dias. Às vezes, tinha
medo de que me tivesse alheado e perdido a noção do tempo.
Ocasionalmente, acontece-me isso. O meu pai chama-lhe ausentar-
-me, como se fosse algo que eu fizesse de propósito, algo que
pudesse controlar, mas não é. Sempre fiz isso, desde a infância:
num momento estou cá, e depois já não estou. Não é minha in-
tenção que isso aconteça. Às vezes, quando me alheio, apercebo-
-me disso e, às vezes, consigo obrigar-me a regressar — aprendi-o
há muito tempo: toco na cicatriz do meu pulso. Normalmente,
funciona. Mas nem sempre.
Não cheguei a contar-lhe a história, a princípio não. Ela pres-
sionou-me, mas era-me agradavelmente fácil distraí-la. Imaginei
que ela se estava a apaixonar por mim e que nos iríamos embora,
ela e a Lena e eu, que nos desenraizaríamos, que abandonaríamos
a vila, que abandonaríamos o país. Imaginei que, finalmente, me
seria permitido esquecer. Imaginei que a Helen não me choraria,
que rapidamente encontraria alguém mais adequado à sua bonda-
de permanente. Imaginei que o meu pai morreria durante o sono.
Ela provocou-me até eu lhe contar a história, a pouco e pouco,
e tornou-se bastante claro que estava desapontada. Não era a his-
tória que ela queria ouvir. Ela queria o mito, a história de terror,
queria o rapaz que assistira. Então, apercebi-me de que o facto de
ela ter abordado o meu pai fora a entrada: eu seria o prato princi-
pal. Seria o âmago do projeto dela, porque fora assim que aquilo
começara para ela, com a Libby e, depois, comigo.
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— Para com isso! Para com isso, Lena. Não chores dessa ma-
neira. Não chores dessa maneira. — E isso era estranho porque,
nesse momento, ele também estava a chorar, e não parava de dizer,
repetidamente: — Para de chorar, Lena, para de chorar.
Parei. Estávamos a olhar um para o outro, ambos com lágrimas
e ranho na cara. Ele ainda tinha o prego nas mãos, e disse:
— Eu não fiz isso. O que achas que fiz. Não toquei na tua
mãe. Pensei nisso. Pensei em fazer-lhe todo o tipo de coisas, mas
não fiz.
— Fez, sim — disse eu. — Você tem a pulseira dela, você...
— Ela veio ver-me — disse ele. — Depois de a Katie morrer.
Disse-me que eu tinha de dizer a verdade. Para o bem da Louise!
— Ele riu-se. — Como se, na realidade, não se estivesse a cagar.
Como se não se estivesse a cagar para toda a gente. Eu sei porque é
que ela queria que eu dissesse alguma coisa. Ela sentia-se culpada
por ter metido ideias na cabeça da Katie, sentia-se culpada e queria
que outra pessoa assumisse a culpa. Queria culpar-me por tudo,
a puta egoísta.
Observei-o a revirar o prego nas mãos e imaginei-me a atacá-lo,
agarrando-o e espetando-lho no globo ocular. Tinha a boca seca.
Lambi os lábios e souberam-me a sal.
Ele continuava a falar.
— Pedi-lhe que me desse algum tempo. Disse-lhe que havia
de falar com a Louise, que só precisava de pensar bem no que lhe
dizer, como explicar aquilo. Persuadi-a. — Ele olhou para baixo,
para o prego que tinha nas mãos, e, depois, voltou a olhar para
mim. — Sabes, Lena, eu não precisei de lhe fazer nada. O modo
de lidar com mulheres daquelas, mulheres como a tua mãe, não
é através da violência, mas através da vaidade. Eu já conheci mu-
lheres como ela, mulheres mais velhas, com mais de 35 anos, que
estão a perder a beleza. Querem sentir-se desejadas. Consegue-se
cheirar o seu desespero a milhas. Eu sabia o que tinha de fazer,
muito embora me desse arrepios pensar nisso. Tinha de a pôr do
meu lado. Encantá-la. Seduzi-la. — Fez uma pausa, esfregando
as costas da mão na boca. — Pensei que talvez lhe tirasse algu-
mas fotografias. Para a comprometer. Para ameaçar humilhá-la.
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NÃO HAVIA ESPAÇO PARA A CULPA. Todo o espaço estava ocupado pelo
alívio, pela dor, por aquela estranha sensação de leveza que sen-
timos quando despertamos de um pesadelo e nos apercebemos
de que não é real. Mas isso — isso nem sequer era verdade, por-
que o pesadelo ainda era verdadeiro. A mamã não estava menos
morta. Mas, pelo menos, ela não escolhera morrer. Não escolhera
abandonar-me. Alguém ma roubara — e isso já era alguma coisa,
porque significava que havia algo que eu podia fazer a esse respei-
to, por ela e por mim. Podia fazer o que quer que fosse necessário
para garantir que a Helen Townsend pagava pelo seu crime.
Eu estava a correr pelo trilho costeiro, prendendo a pulseira da
mamã no pulso. Estava com muito medo de que ela caísse pelo
penhasco até ao mar. Queria pô-la na boca, para a resguardar, como
os crocodilos fazem com os seus bebés.
Correr pelo trilho escorregadio parecia-me perigoso, porque
podia cair, mas, ao mesmo tempo, seguro — consegue-se ver até
bastante longe, em ambas as direções, pelo que sabia que não
havia ninguém atrás de mim. Claro que não havia ninguém atrás
de mim. Nem viria ninguém.
Ninguém viria à minha procura — nem para me fazer mal nem
para me ajudar. E eu não tinha o telemóvel e não fazia a mais pe-
quena ideia se ele estava na casa do Mark ou no carro, ou se ele mo
tirara e o deitara fora, e agora já não lho podia perguntar, pois não?
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pode ser uma admissão de culpa, não pode? Pelo menos vai dar
essa ideia. Que trapalhada.
Erin acenou com a cabeça. Estava nervosa, conseguia aperceber-
-se Helen, sem parar de olhar de relance para trás, para a porta,
com as mãos nos bolsos.
— Vai ser horrível para a escola, para a nossa reputação. Para a
reputação de toda esta terra, novamente manchada...
— Era por isso que tinha tanta antipatia pela Nel Abbott? —
perguntou Erin. — Por ela manchar a reputação de Beckford com
o seu trabalho?
Helen franziu o sobrolho.
— Bem, essa é uma das razões. Ela era má mãe, como lhe disse,
era desrespeitosa para comigo e para com as tradições e regras da
escola.
— Era uma vadia? — perguntou Erin.
Helen riu-se, surpreendida.
— Desculpe?
— Estava só a perguntar-me se, para usar o seu termo politi-
camente incorreto, achava que a Nel Abbott era uma vadia. Ouvi
dizer que ela tinha casos com alguns dos homens da vila...
— Não sei nada acerca disso — disse Helen, mas tinha o rosto
quente e sentia que perdera a vantagem. Pôs-se de pé, foi até à
bancada e pegou na faca. Junto ao lava-louça, removeu o seu sangue
da lâmina. — Eu não afirmo saber coisa alguma acerca da vida
privada da Nel Abbott — disse ela, calmamente. Conseguia sen-
tir o olhar da detetive sobre ela, observando-lhe o rosto, as mãos.
Conseguia sentir o seu rubor a espalhar-se para o pescoço, para
o peito, todo o seu corpo a traí-la. Tentou manter a voz leve.
— Embora não ficasse nada surpreendida se ela fosse promíscua.
Ela gostava que lhe dessem atenção.
Só queria que aquela conversa acabasse. Queria que a detetive
saísse de casa deles, queria que Sean ali estivesse, e Patrick. Ansiava
por abrir completamente o jogo, por confessar os seus próprios
pecados e exigir que eles confessassem os deles. Tinham sido co-
metidos erros, evidentemente, mas os Townsends eram uma boa
família. Eram gente boa. Não tinham nada a temer. Ela virou-se para
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A Erin não atendeu o telemóvel, pelo que lhe deixei uma men-
sagem e continuei a conduzir até ao posto. Estacionei à porta e
voltei a telefonar, mas, uma vez mais, ela não atendeu, pelo que
decidi esperar por ela. Passou-se meia hora e resolvi entrar mesmo
assim. Se o Sean lá estivesse, inventaria uma desculpa, fingiria
que achava que o depoimento da Lena fora agendado para as 9,
e não para as 11 horas. Havia de pensar nalguma coisa.
Acabei por descobrir que ele não estava lá. Nenhum dos dois
estava. O homem à secretária disse-me que o inspetor Townsend
estaria em Newcastle durante todo o dia e que não tinha bem a
certeza quanto ao paradeiro da agente Morgan, mas que não duvi-
dava de que ela chegaria a qualquer momento.
Regressei ao meu carro. Tirei a tua pulseira do bolso — tinha-
-a guardado num saco de plástico, para a proteger. Para proteger
o que quer que estivesse nela. As hipóteses de haver uma impres-
são digital ou algum ADN contido no interior dos seus elos eram
diminutas, mas diminuto era melhor do que nada. Diminuto
era qualquer coisa. Diminuto era uma possibilidade de resposta.
A Nickie tinha dito que estavas morta porque descobriste algo
acerca do Patrick Townsend; a Lena tinha dito que estavas morta
porque te tinhas apaixonado pelo Sean e ele por ti, e porque a
Helen Townsend, a ciumenta e vingativa Helen, não se conforma-
va com isso. Para onde quer que me virasse, só via os Townsends.
Metaforicamente. Literalmente, vi a Nickie Sage, ampliada
pelo espelho retrovisor. Estava a arrastar-se pelo parque de esta-
cionamento, dolorosamente devagar, com a cara rosada sob um
chapéu de abas largas enorme. Chegou à traseira do meu carro e
apoiou-se nela, e eu consegui ouvir a sua respiração aflita através
da janela aberta.
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— Acerca de quê?
— Acerca de uma acusação de conduta imprópria — disse eu.
— Acerca da relação dele com a Nel Abbott.
A Helen deu um passo na minha direção e eu senti uma inje-
ção de adrenalina, nauseantemente intensa, nas entranhas.
— Isso terá consequências, não terá? — perguntou ela, com
um sorriso triste no rosto. — Como é que pudemos imaginar que
não teria?
— Helen — disse eu —, só preciso de saber...
Ouvi a porta da rua a bater e recuei rapidamente, afastando-me
mais dela, enquanto o Patrick entrava na cozinha.
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PARTE QUATRO
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ACHEI QUE NÃO ME QUERERIA IR EMBORA, Mas não consigo olhar para
o rio todos os dias, atravessá-lo a caminho da escola. Já nem sequer
me apetece nadar nele. Seja como for, agora está demasiado frio.
Vamos para Londres amanhã, já quase acabei de fazer as malas.
A casa há de ser arrendada. Eu não queria isso. Não queria pes-
soas a viverem nos nossos quartos e a encherem os nossos espa-
ços, mas a Jules disse que, se não o fizéssemos, poderíamos ter
ocupantes ilegais, ou que a casa poderia começar a degradar-se e
que não haveria ninguém para apanhar os pedaços, e eu também
não gostei dessa ideia. Portanto, concordei.
Continuará a ser minha. A mamã deixou-ma a mim, pelo que,
quando fizer 18 anos (ou 21, ou coisa que O valha), ela será proprie-
dade minha. E eu voltarei a viver aqui. Sei que voltarei. Regressarei
quando isso já não me magoar tanto e quando não a vir para onde
quer que olhe.
Tenho medo de ir para Londres, mas sinto-me melhor a esse
respeito do que me sentia. À Jules (e não Julia) é mesmo estranha,
será sempre estranha, está toda lixada da cabeça. Mas eu tam-
bém sou um bocadinho esquisita e também estou toda lixada
da cabeça, pelo que talvez as coisas nos corram bem. Há coisas
volta,
nela de que eu gosto. Ela cozinha e faz um alarido à minha
quan-
repreende-me por fumar, obriga-me a dizer-lhe onde vou e
do regresso. Como fazem as mães das outras pessoas.
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que importa são as pessoas que cá ficam, e acho que as coisas têm
melhorado. A mamã e o papá não são felizes, mas estão a me-
lhorar, estão diferentes do que estavam. Aliviados, talvez? Como
se já não tivessem de se questionar acerca do porquê. Têm algo
para que podem apontar e dizer: pronto, foi por isto. Algo a que se
agarrarem, como alguém disse, e eu percebo isso, muito embora,
a mim, não me pareça que nada disto alguma vez venha a fazer
sentido.
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o resto dos seus dias, mas disseram-me que o velho não tinha tido
uma só visita desde a sua chegada.
Queria pedir a verdade ao Sean. Achava que ele talvez ma
contasse, agora que já não está na polícia. Achava que talvez
fosse capaz de me explicar como é que conseguira viver consigo
próprio todos aqueles anos, e se, quando supostamente estava
a investigar a morte da Nel, sempre soubera acerca do pai. Não
seria assim tão inverosímil. Afinal de contas, ele protegera o pai
toda a sua vida.
O próprio rio não me dava nenhuma resposta. Quando, um
mês antes, um pescador retirara um telemóvel da lama onde tinha
as galochas cravadas, eu ainda tivera esperança. Mas o telemóvel
da Nel Abbott acabou por não nos dizer nada que nós não sou-
béssemos já pelos registos telefónicos. Se tinha chegado a haver
fotografias incriminatórias, imagens que explicassem tudo o que
tinha ficado por explicar, não era simplesmente possível aceder-
-lhes — nem sequer se conseguia ligar o telemóvel, estava morto,
com as entranhas entupidas e corroídas pelo lodo e pela água.
Depois de o Sean se ter ido embora, tinha sido preciso tratar
de um monte de papelada, um inquérito, perguntas feitas e que
ficaram por responder, acerca do que o Sean sabia e de quando
o soubera, e de por que raio é que tudo aquilo fora tão mal ge-
rido. E não apenas quanto ao caso da Nel, mas também ao do
Henderson: como é que fora possível ele desaparecer sem deixar
rasto, mesmo à nossa frente?
Quanto a mim, limitei-me a reler, repetidamente, o último in-
terrogatório ao Patrick, a história que ele contara. A pulseira da
Nel arrancada do pulso dela, o Patrick a agarrar-lhe o braço. A luta
que tinham tido lá em cima no penhasco, antes de ele a empurrar.
Mas não havia nódoas negras nos sítios em que ele dissera que
a agarrara, nem uma marca no pulso dela, de onde ele lhe arran-
cara aquela pulseira, nem um sinal de luta, fosse qual fosse.
E o fecho da pulseira não estava partido.
Na altura, de facto, salientei tudo isso, mas, depois de tudo o
que tinha acontecido, depois da confissão do Patrick, da demis-
são do Sean e da generalizada demissão de responsabilidades
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HELEN TINHA UMA TIA que vivia nos arredores de Pity Me, mesmo
a norte de Durham. A tia tinha uma quinta, e Helen ainda se lem-
brava de a ter visitado, certo verão, de alimentar os burros com
pedaços de cenoura e de apanhar amoras das sebes. A tia já lá não
estava; quanto à quinta, Helen não tinha a certeza. A vila era mais
feia e mais pobre do que ela se lembrava, e não havia burros à vis-
ta, mas era pequena e anónima e ninguém lhe prestava atenção.
Ela conseguira um emprego para o qual era demasiado quali-
ficada e um pequeno apartamento no rés do chão, com um pátio
nas traseiras. Apanhava sol à tarde. Quando chegaram à vila pela
primeira vez, tinham alugado uma casa, mas isso só durara algu-
mas semanas e, depois, certa manhã, ela acordara e Sean tinha-se
ido embora, pelo que devolvera as chaves ao senhorio e voltara a
procurar.
Ela não tentara telefonar-lhe. Sabia que ele não ia voltar. A famí-
lia deles estava desfeita, ia sempre desfazer-se sem Patrick, que
era a cola que os mantinha juntos.
Também o coração dela estava despedaçado, de maneiras nas
quais não gostava de pensar. Não fora visitar Patrick. Sabia que
nem sequer devia sentir pena dele — ele admitira que tinha matado
a mulher, e que tinha matado Nel Abbott a sangue-frio.
Não, a sangue-frio, não. Não fora assim. Helen compreendia
que Patrick via as coisas muito a preto e branco, e que acreditava,
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feias um ao outro. Ela: falhado, bruto; ele: vadia, puta, péssima mãe.
Ouvi um som brusco, uma estalada. E, depois, alguns outros ruí-
dos. E, depois, nem o mais pequeno ruído.
Somente a chuva, a tempestade.
Depois, uma cadeira a raspar no chão, e a porta das traseiras
a abrir-se. No pesadelo, eu esgueirava-me pelas escadas abaixo e
ficava no exterior da cozinha, sustendo a respiração. Ouvia, nova-
mente, a voz do meu pai, mais baixa, a resmungar. Outra coisa:
um cão, a ganir. Mas nós não tínhamos um cão. (No pesadelo, eu
perguntava-me se os meus pais estavam a discutir por a minha
mãe ter levado um cão vadio para casa. Era o tipo de coisa que
ela faria.)
No pesadelo, ao aperceber-me de que estava sozinho em casa,
corria lá para fora, e ambos os meus pais estavam ali, a entrar no
carro. Estavam a deixar-me, a abandonar-me. Eu entrava em pà-
nico, corria, aos gritos, até ao carro e subia para o banco de trás.
O meu pai arrastava-me para fora, gritando e dizendo palavrões.
Eu agarrava-me ao puxador da porta, esperneava e cuspia e mor-
dia a mão do meu pai.
No pesadelo, éramos três no carro: o meu pai a conduzir,
eu atrás, e a minha mãe no lugar do morto, não sentada como deve
ser, mas caída contra a porta. Ao fazermos uma curva apertada,
ela mexia-se, com a cabeça a tombar para a direita, de modo que
eu conseguia vê-la, conseguia ver o sangue na sua cabeça e num
dos lados da sua cara. Conseguia ver que ela estava a tentar falar,
mas não conseguia perceber o que estava a dizer, as suas palavras
soavam de modo estranho, como se estivesse a falar numa língua
que eu não compreendia.
A cara dela também parecia estranha, distorcida, e tinha a
boca torta e os olhos brancos, ao revirarem-se para trás. A língua
saía-lhe da boca como a de um cão; cor-de-rosa, com saliva espu-
mosa a gotejar-lhe do canto da boca. No pesadelo, ela esticava-se
na minha direção e tocava-me na mão, e eu ficava completamente
apavorado, encolhia-me para trás no meu assento e agarrava-me
com força à porta, tentando ficar tão longe dela quanto me era
possível.
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«Um livro assim, capaz de viciar, escrito em crescendo
| | e cmrregadinho de surpresas e desmentidos,
“| sóracontece raramente.»
- Diário de Notícias
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«Decidi, no decurso do processo de tentar
compreender-me a mim própria e às histórias
que contamos uns aos outros, que tentaria
pôr por escrito todos os derradeiros
momentos das vidas das mulheres que foram
parar ao Poço das Afogadas.
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