Você está na página 1de 28

1

2
Para todos os adultos que tiveram suas crianças interiores mortas por
seus pais, ou algum familiar em especial. Para todas as crianças que
tiveram que engolir o choro e hoje, são adultos que não sabem lidar com
seus próprios sentimentos e emoções. Para cada trauma que estamos
superando, para toda carência que estamos preenchendo. Dedico este
conto para nós, adultos fodidos que não sabem o que fazer da vida
porque não tiveram onde se apoiar durante a infância, dedico este conto
para todos que estão tentando florir, mesmo que esteja sendo muito
difícil. Está fazendo um ótimo trabalho, continue firme, continue.
J. Nailah, sobre: sermos reflexo daquilo que vivemos na nossa infância.

3
PRIMEIRO ACTO

Tudo está ficando cada vez mais assombroso. Temo que todo mundo esteja
enlouquecendo de verdade, ou então, que seja tudo parte de alguma
conspiração. Não seria certo afirmar que sete mil pessoas estejam passando
pela mesma coisa por coincidência.
Lavo minhas mãos e endireito meu coque. Olho para meu rosto no espelho;
não estou enlouquecendo como o resto das pessoas, mas ainda assim, não
consigo ter noites tranquilas, igual a eles. Não temos os mesmos sintomas.
Então, por que sou a única? Essas e mais outras inúmeras questões, eu luto
todo santo dia para responder. Sou a principal âncora que o povo de
Ashbourne tem. Preciso solucionar esse mistério, e vou! Ou então, não sou
Charlotte Edwards!
**
Minha rotina sempre me deixa absorto e 100% imergido em meus
pensamentos. Há muito ouvia dizer que escritores tinham a mania de estarem
sempre muito preenchidos de si, e agora que realmente sou, constato ser a
mais pura verdade. Não é qualquer um que consegue ficar ao lado de sua
própria companhia, de seus demónios mais profundos por muito tempo.
Fecho o livro que estava tentando ler e termino de beber a última dose da
caríssima garrafa de whisky. O céu continua caindo lá fora, e a chuva só torna
a noite em Ashbourne mais tenebrosa ainda. O relógio por cima da porta do
meu quarto marca as exactas duas horas em ponto da manhã. Todo mundo
deve estar em suas camas, mas tenho a certeza de que ninguém está
dormindo. Ninguém mais consegue fazer isso sem quase morrer, ou ficar com
a mente completamente perdida.
Minhas pálpebras pesam. Sempre bebo muito antes de dormir. A bebida ajuda
a não vivenciar aquilo… Só não sei o porquê de só funcionar comigo. Eu nunca
passei pelas mesmas coisas que os demais passam, mas o medo, faz meus
pelos eriçarem, e por esse motivo, sou mais amigo de um copo cheio, do que
de meus próprios parentes.
O álcool ajuda a não ver as imagens, mas eu não posso fugir da sensação
aterrorizante que tenho todas as manhãs. É uma rotina solitária e tempestuosa,
e acho que já estou me acostumando com ela.
Sinto meu corpo relaxar com o sono que se aproxima, mas sou abruptamente
surpreendido pelo estrondo de uma janela se quebrando. O som ecoou pela
casa, fazendo meu coração disparar. Curioso, levanto-me da minha cadeira de
couro desgastado e caminho até ao Hall Principal incerto do que realmente
esperar. Ao chegar lá, para além de um monte de cacos espalhados pelo lindo
tapete Persa, vi também uma caixa vermelha sem remetente.

4
Intrigado, e me sentindo bastante chateado, levo a caixa para o quarto e a jogo
por cima da cama. Poderia ser uma bomba, mas quem consideraria matar um
pacato escritor com tudo isso que vem acontecendo nessa cidade? Caminho
de um lado para o outro, nervoso, e decido abrir mais uma garrafa. Depois de
três longos goles, removo lentamente a tampa revelando seu conteúdo: um
diário antigo com páginas amareladas pelo tempo. Seu aroma terroso flutuou
pelo ar, e um arrepio percorreu minha espinha ao segurá-lo em minhas mãos
trêmulas.
Folheando as páginas desgastadas, as palavras escritas com tinta desbotada
parecem ganhar vida, como sussurros vindos de um passado distante. Sinto a
energia pulsante dessas palavras, como se elas me chamassem para algo
profundo e desconhecido.
“São os sonhos que moldam nossa realidade”, leio em voz baixa “Eles revelam
nossa verdadeira essência, nossos medos e desejos mais profundos.”
Enquanto mergulho nas páginas amareladas, cada vez mais ligado na narrativa
oculta, sinto um impulso irresistível de conhecer a pessoa por trás dessas
palavras, dessa grafia minúscula e apressada que previu tudo isso. Meus olhos
percorrem cada letra minuciosamente, então, foi nesse momento que vi. Vi o
nome dela escrito no final de cada folha “Charlotte Edwards”, foi ela, foi ela!
Bem, parece que precisarei ter uma conversa com a doutora o quanto antes.

**

5
SEGUNDO ACTO

— Não consigo mais suportar. Tudo isso tem me deixado exausto.


Sua respiração pesou.
Embora a sala estivesse banhada pela luz suave da tarde, e transmitisse um
clima relaxante, Sr. Thompson já não conseguira mais relaxar. Seus olhos
preocupados estão fixos no carpete, sua postura é tensa e rígida, sua pele,
normalmente pálida, parecia ter adquirido um tom mais acinzentado nesse
momento. Gotas de suor começaram a se formar em sua testa e nas têmporas,
reflectindo o esforço que ele faz para se manter sã.
Assenti com gentileza, incentivando-o a continuar.
— Claro, Sr. Thompson. Estou aqui para ajudar. Por favor, sinta-se à-vontade
para compartilhar o que sente.
Acomoda-se melhor na poltrona em frente à minha escrivaninha.
— Esses pesadelos são tão vividos, tão reais. Parece que estou preso neles.
Afirmo com a cabeça, reconhecendo a gravidade da situação.
— Entendo. – Digo – Vamos explorar isso mais a fundo. Lembra de algo que
possa ter desencadeado esses pesadelos recentemente? Mudanças em sua
vida, stresse, ou preocupações?
Seus lábios, normalmente relaxados, estavam agora comprimidos, como se
estivesse ponderando algo com seriedade.
— Bom, há rumores na cidade sobre os pesadelos se tornando mais
frequentes. As pessoas estão assustadas. Isso pode ter me afectado, talvez.
Anoto essa informação e contínuo:
— Já conversou com outras pessoas na cidade sobre seu pesadelo?
— Sim, algumas vezes. Mas sabe o que mais me assusta, doutora? No
princípio, eu sonhava o mesmo que os outros, agora não. O cenário mudou
completamente.
Ele está visivelmente perturbado.
— Poderia dizer o que viu? – Presto bastante atenção.

6
— Estou em um lugar sombrio e desolado. – Começa, com a voz tremendo
levemente. – O céu está coberto de nuvens negras e pesadas, e a lua cheia
lança uma luz macabra sobre o que está ao meu redor.
Fecha seus olhos instintivamente e continua:
— Estou caminhando por um beco estreito e sujo, cercado por prédios
decrépitos e abandonados. As paredes estão cheias de musgo e manchas
escuras, como se o lugar estivesse apodrecendo. À medida que avanço, –
Respira profundamente – Começo a ouvir sussurros distantes, murmúrios
ininteligíveis que ecoam ao meu redor. Parece que as paredes estão
cochichando segredos terríveis que não consigo entender.
Franziu sua testa.
— De repente, vejo sombras se movendo nas beiradas dos becos. São figuras
altas, vestindo capas escuras que escondem seus rostos. Elas estão paradas
nas sombras, apenas observando. – Engole seco – À minha frente, há uma
porta de madeira antiga, como se fosse a entrada de uma casa abandonada.
Não consigo evitar, mas sinto que devo entrar. É como se eu estivesse sendo
atraído. – Olha para mim com lágrimas em seus olhos. Sorrindo, peço que
continue – Assim que entro, me vejo em um corredor escuro, iluminado apenas
por velas trêmulas que projectam imagens dançantes nas paredes. Continuo
andando até chegar em uma sala maior. Lá, o que meus olhos encontram é
uma visão que gela o sangue nas veias.
Levanta-se e anda de um lado para o outro, agitado, enquanto continua com
sua descrição:
— Diante de mim, há um círculo sombrio com as mesmas figuras encapuçadas
do começo. Eles estão unidos pelas mãos, ligados por um propósito totalmente
maligno. Eles sussurram alguma coisa que não consigo entender, invocando o
desconhecido.
Para no meio da sala, imerso em seus pensamentos, suas lembranças. Seus
olhos, seus olhos estão perdidos. Como se estivesse sonhando novamente.
— E o que houve depois? – Pergunto.
Ele olha para mim, mas tenho a certeza que não me vê. O terror tomou conta
de tudo o que restara.
— Sr. Thompson?
— No centro desse círculo… – Soluça – Duas crianças pequenas estão
ajoelhadas. Assustadas. Sofrendo por serem brutalmente amordaçadas. Um
dos encapuçados segura uma adaga… Uma arma sinistra. – Diz indignado.
— Pode descrever ela para mim? – Levanto-me e caminho até ele.
— A lâmina é escura, escura como a própria noite. Com alguns símbolos
incrustados nela. A empunhadura é feita de ossos humanos, e runas antigas a
cobrem, sugerindo um significado sombrio.

7
Olho confusa para o ambiente, procurando respostas que ainda não têm
perguntas certas.
O que isso poderia ser? Por que ele teve um sonho tão diferente assim? Seria
uma pista?
— A adaga foi erguida por cima delas. – Segreda, atordoado. – Eles… meu
Deus, eles sacrificaram aquelas pobres crianças. Eu queria ter podido fazer
alguma coisa.
Limpo minha garganta.
— Apesar de parecer real, é apenas um sonho, Sr. Thompson. Não há nada a
ser feito nesses casos. A culpa não foi sua. – Conforto-o.
— Era tudo tão real. Conseguia sentir até o cheiro do sangue sendo
derramado.
— Sinto muito que, mesmo em sonhos, tenha visualizado algo tão ruim. –
Concorda.
— Estamos enlouquecendo, doutora. Não conseguimos mais dormir, e alguns
de meus amigos relatam que agora, estão sonhando acordados também. –
Desaba em sua poltrona.
— Parece haver uma experiência colectiva incomum, por aqui. – Analiso-o com
atenção. – Sr. Thompson, lembra de algo que aconteceu, fez, viu, ou ouviu,
dias antes de ter esse pesadelo?
Faz que não.
— Mesmo que pareça insignificante, pode ser qualquer coisa. – Acrescento.
— Não sei, doutora. – Franze a testa. – Mas, por que é tão importante assim
que eu lembre?
— Sua mente, no estado em que se encontra, é uma arma. E se houve um
disparo, mesmo que acidental, preciso saber quem apertou o gatilho. Só assim
poderei ajudar o senhor, e todos os outros.
À medida que reflecte, faz pequenos gestos com as mãos, como: esfregar uma
na outra, ou estalar os dedos.
Parece ansioso, como se estivesse destrancando todas as portas de sua
memória.
— Pensando bem… – Diz, hesitante – Sobre a adaga…
Concordo com a cabeça.
— Eu já vi aqueles símbolos em algum lugar…
— Onde? Onde os viu? – Cerra seus olhos, enquanto morde seu lábio inferior.
— Sim! – Grita com certo entusiasmo. – Foi em um livro.

8
— Em um livro?
— Um dia antes, eu fui até a biblioteca ajudar Emily a instalar alguns
equipamentos que chegaram da cidade grande, e sem querer, derrubei alguns
livros empilhados no chão, ao lado do balcão. Não lembro ao certo em qual,
especificamente, mas foi em um deles que vi.
Concordo, novamente.
Apontei a informação em meu bloco de notas.
— Isso é interessante. – Confesso – Investigarei mais sobre o assunto. Por
enquanto, quero que conte tudo que lembra sobre os símbolos.

***

O sol da manhã ilumina Ashbourne com uma luz suave e dourada. Então,
decido abandonar minha rotina, e parto em busca de Charlotte Edwards.
O clima sereno e fresco, desperta a cidade para o começo de um novo dia.
Apesar do terror que nos envolve, seria um erro não admirar a beleza que a
cidade ainda oferece.
Aperto o diário contra meu corpo e sinto tudo que sou estremecer, ao chegar
no lugar onde a doutora passa a maioria de seu tempo.
Ao entrar na biblioteca, noto uma atmosfera diferente da habitual. Não há
murmúrios de leitores, apenas um silêncio pesado e inquietante.
Enquanto caminho silenciosamente entre inúmeras e gigantescas prateleiras,
fico feliz ao ver meus livros em algumas delas. Um sentimento de satisfação
fez um enorme sorriso se abrir em meu rosto. Ashbourne me concedendo
momentos de felicidade, finalmente. Mas ela não dura por muito tempo, logo
depois, a preocupação voltou a avassalar meu peito. Eu a vejo. Escondida em
um canto, cercada por pilhas de livros e documentos. Ela está inclinada sobre a
mesa, estudando minuciosamente algo diante dela.
Continuo caminhando, mas paro abruptamente quando sou pego no flagra por
seus atentos e cansados olhos. Um momento de tensão pairou no ar, e pude
notar que se sente preocupada com minha presença.
Aproximo-me mais dela.
— Precisa de alguma coisa? – Pergunta.
— De respostas suas.

9
Olha para mim curiosa.
— Oliver Turner, certo? O escritor? – Sorri cordialmente.
Assinto calado.
— Sr. Turner, em que posso ajudar?
Sem dizer uma palavra, coloco o registro ao seu alcance.
— Como sabia que tudo isso aconteceria? Que esses pesadelos se
espalhariam pela cidade como uma epidemia?
— Perdão?
Seus olhos expressam um interesse genuíno diante do conteúdo desconhecido
exposto por mim.
Tomando assento em minha posição, encarei-a.
— Vejamos, por onde começo… – Coço meu queixo – Ah, estava terminando
de beber meu Royal Salute, pronto para dormir, quando, de repente, fui
surpreendido.
— Sr. Turner, por favor. – Faz “tsk” com a língua. Como odeio esse som.
— Oliver. Pode me tratar pelo primeiro nome. – Forço um sorriso.
— Oliver, encontro-me muito ocupada no momento, como pode notar. Então,
se precisa de uma consulta, pode marcar, e amanhã, estarei em meu
consultório disposta a ouvi-lo por longos noventa minutos.
Ao menos poderia me deixar chegar no ponto onde comento que não era um
simples Royal, estamos falando de um Chivas, uma edição especial,
envelhecido por cinquenta anos.
— Ashbourne está afundada em um desespero total. E, você sempre soube de
tudo. – Para mim, um olhar de repulsa e indignação é lançado. Sua
irritabilidade deixou o ar mais pesado.
Mas, ainda assim, preciso sanar minhas inquietações.
— Por quanto tempo, e como planeou isso? – Franze sua testa. – Como
conseguiu fazer mais de seis mil pessoas terem a mesma experiência?
— Como pode dizer que sou eu a cabeça por trás do que acontece? –
Esbraveja. – Quando o que tento fazer a todo custo, é resolver essa confusão?
— Confusão essa que, foi criada pela senhorita.
— Já chega!
O toque áspero e inesperado na mesa gerou uma onda de desconforto, o som
intenso cortou o ar como um grito de desafio.

10
— Já… chega! – Sibila, pronunciando suas palavras suavemente,
assemelhando-se ao sopro de uma serpente. – Não pode simplesmente dizer
que sou culpada do que acontece.
Sua impaciência é tangível. Mas a minha, é mais ainda. Sem responder,
deslizei o diário para mais perto dela e o abri, exibindo a tinta desbotada em
cada palavra que se lia.
— Reconhece a letra? Reconhece sua assinatura?
Seus olhos, anteriormente furiosos, estão confusos agora. Seus dedos
percorreram cada frase, cada ponto, cada letra que revela sua longa
permanência no passado, seu erro, sua culpa.
— Eu… eu não entendo. – Um vinco é formado em sua testa. – Eu realmente
não entendo.
Analisa minuciosamente cada detalhe, cada desenho.
— Como pude desenhar isso? – Compara com os documentos que estudara. –
São os mesmos símbolos.
Um lampejo de estupefacção passou por seu rosto quando nossos olhares se
cruzaram, seus lábios entreabriram-se ligeiramente, revelando sua surpresa.
— Espera… – Passo a passo, chego mais perto de mergulhar em sua
confusão. – Está dizendo que…
— Onde o encontrou? Quem o deu a você?
Dou de ombros, sem saber o que realmente responder. O destino? Ashbourne?
A tempestade? Um estranho em uma tempestade?
— Não sei quem o enviou para mim, mas acredite, eu gostaria. Essa pessoa
está-me devendo uma janela.
— Como?
Pensando bem, como um escritor de suspense, a pergunta certa nesse caso
seria “porquê”. Porquê o diário foi enviado para mim, e não para outra pessoa
da cidade, ou então, para a própria Edwards?
Aclaro minha garganta.
— Sem dúvidas, fui eu quem escreveu isso, mas não me lembro de o ter feito.
– Examina com mais atenção.
— Realmente não lembra? – Indago com veemência. – Como pode não
lembrar de nada?
— A resposta para essa pergunta, Sr. Turner, é a mesma para a de sete mil
pessoas tendo a mesma experiência. Eu não sei! Não faço a mínima ideia.
— Seis mil novecentos e noventa e nove, na verdade. – Rectifico.

11
— Desculpe?
— Eu não sonho com as mesmas coisas que os demais.
A doutora parece muito mais interessada.
— E com o que sonha, Sr. Turner?
— Oliver.
— Oliver… perdão. – Engole seco. – Com o que sonha?
— Livros, prostitutas, bebidas, animais de estimação… Coisas do tipo.
Murmura.
— Está brincando em um momento desse?
Parece realmente ofendida.
— Mas, não é brincadeira. Tenho tido sonhos bens comuns. Claro, tomo
algumas doses antes.
— Intrigante…
— Só não posso fugir do que sinto depois.
— Medo? – Questiona.
— Está mais para uma culpa assustadora. – Sou sincero – É como se tivesse
feito algo muito ruim.
Pondero minhas palavras, antes de continuar:
— Quando ouvia os relatos dos demais, sentia-me privilegiado por não passar
pelo mesmo. “É só beber muito antes de dormir”, aconselhava. Mas agora,
parece tudo tão errado. Por esse motivo, quando vi seu diário, a primeira coisa
que quis fazer foi enfrentá-la.
Arfa pesadamente.
— Eu também não sonho. – Confessa e, devo dizer que estou chocado com as
possibilidades que se formaram em minha mente. Seria esse o motivo pelo
qual esse segredo veio parar em minhas mãos? É porque o remetente sabe
que a doutora e eu temos isso em comum? – Sr. Turner, não posso afirmar que
somos os únicos com a mente sã por aqui – Continua, como se tivesse lido
meus pensamentos – … Já que não me lembro de estar envolvida com os
escritos, e de ser a real culpada pela desgraça que repousa sobre nós, sem
mencionar, claro, seu histórico. Mas, ainda assim…
— Meu histórico? – Interrompo com curiosidade correndo em minhas veias
pulsantes. – O que cogita dizer? – Minha ansiedade não anseia pela explicação
certa. – Não deveria dar tanta atenção para boatos.
Com sarcasmo evidente em seu rosto, ergue uma de suas sobrancelhas.

12
— Sou a pessoa mais querida dessa cidade. Meus amigos, as pessoas de
Ashbourne, todos confiam em mim para protegê-los e mantê-los longe de
problemas, Sr. Turner. – Graceja. – Acha que não sei o porquê de ter fugido
para cá?
Saberia ela sobre o real motivo?
— Fugido? – Questiono, com apreensão.
— Fugido. – Afirma e, é como se mesmo de forma invisível, estivesse com sua
mão em meu pescoço, sufocando-o sem dó. – Como acha que todas essas
informações foram espalhadas por todos os cantos?
— Inventou mentiras?
Encara-me chocada.
— Seria de seu agrado que eu contasse a verdade?
— Seria do meu agrado se não falasse sobre coisas das quais não sabe. Nasci
nessa cidade, e voltar para a cidade que me viu crescer não é fugir.
— Oliver. – Une suas mãos.
— Sr. Turner! – Corrijo, e isso a faz sorrir.
— Nem tudo é invenção, não é? – Dispara. Um tiro tão certeiro, que nem
mesmo em livros poderia revidar.
Inclino-me em direcção a ela, aproximando nossos rostos e permitindo que eu
sinta sua respiração suave contra minha pele.
Agora, era a minha vez de sorrir, um sorriso carregado de significado.
— Há apenas um momento, você não se assemelhava em nada à pessoa que
escreveu este diário, mas agora… – Observo atentamente sua expressão. – A
forma calculista com que você escolhe suas palavras, a meticulosidade que
transparece… – Faço um som com a língua, tocando o céu-da-boca. – É
verdadeiramente intrigante. Tem certeza de que não se lembra?
— Como ousa?
— Usou a confiança que o povo de Ashbourne deposita em você para executar
seu plano?
Um suspiro de despeito escapa de seus lábios.
— Realmente acredita que pode me acusar, Oliver? Acha que toda a cidade irá
acreditar em você só porque encontrou algumas anotações minhas? Da
mesma forma que isso caiu em suas mãos, poderia ter caído nas mãos de
outra pessoa, ou até mesmo do verdadeiro responsável.
— Sim, eu acredito. – Essa informação não seria suficiente para fazer a cidade
se voltar contra ela, mas ajudaria a plantar a desconfiança…

13
— Sabe o que esses símbolos significam? – Ela os mostra para mim. – Isso vai
além das capacidades humanas, algo que eu não conseguiria fazer com
hipnose.
— Se não quer que todos saibam sobre sua colaboração, sugiro que comece a
tentar se lembrar do que realmente fez, doutora.
— E eles acreditariam em você?
— Não, eles acreditariam em você. – Retiro o diário de suas mãos e o guardo
próximo a mim. – Tem até Sexta-feira.

14
TERCEIRO ACTO

O relógio emitiu um som suave.


Cada tic era como um pequeno suspiro do tempo.
O som penetrava no âmago da alma, revisitando reflexões sobre o passado, o
presente e o futuro. Como se cada manifestação acústica fosse uma batida do
coração do universo, lembrando-nos da efemeridade da vida e da eterna
marcha do relógio do destino.
A menina estava em sua cama, sob os cobertores, com os olhos arregalados e
o coração batendo descontroladamente. Estava confusa, atordoada.
Seu quarto, normalmente acolhedor e repleto de brinquedos coloridos, parecia
ter se transformado em um labirinto sombrio.
A mente da menina estava cheia de imagens embaraçadas e horripilantes. Os
perigos deixaram de ser imaginários e espreitavam de todos os cantos. Ela não
conseguia esquecer, seu medo não a deixava fazer isso. Shelby, sua amiga de
quatro patas, não estaria mais ali para a fazer companhia e protegê-la.
Suas memórias voltaram para o momento em que os olhos de Shelby ficaram
opacos e cansados. Quando desistiu de lutar contra o aperto sufocante da
menina que tinha seus olhos vertendo toda vez que seu pai dizia-lhe para
estrangular mais forte.
Um soluço ecoou de seus lábios.
Ela não queria que Shelby fosse para o céu. Ela não queria fazer isso com sua
amiga, a única que realmente tinha.
Não queria que papai se tivesse irritado com o barulho, mas ele estava sempre
irritado. E, nem que a mamãe se machucasse, mesmo que ela não se
importasse tanto assim com a filha.
Charlotte nunca cumpriu sua missão de zelar por ela, nunca evitou as
brincadeiras estranhas que papai fazia com a menina, nunca ficou brava com
ele por bater tanto nela, e nem nada do tipo. Será que tinha medo? Medo que
Owen a machucasse tanto quanto machucava a pequena?
O vovô dizia que uma criança tem inúmeros papéis em uma família, e que um
deles era o de manter todos unidos. Por isso, ela nunca contou nada a

15
ninguém, nunca mostrou seus hematomas, e também nunca gritou, mesmo
que estivesse doendo muito, sempre doía muito.

*****

Qual seria a melhor forma de avaliarmos o impacto de tudo aquilo que fazemos
com os outros? Nunca ponderei tanto a resposta de uma pergunta.
Ao ter o resultado, sempre nos perguntamos o que aconteceria se usássemos
outros métodos e, quando chegamos a esse questionamento, é com certeza,
porque o resultado já não é tão suficiente. Pelo menos, não tem sido para mim.
Detesto bebedeiras reflexivas, detesto os pensamentos intrusivos que surgem
toda vez que chove enquanto estou bêbado. Mas ainda assim, de certa forma,
ter a companhia de alguns graus alcoólicos, continua a ser a melhor opção.
Para ser sincero, sou mais amigo de um copo cheio do que de minha própria
família, pelo fato de não ter uma. Ou então, por acabar com ela. Colocar em
uma balança as fórmulas para resolver uma equação, era irrelevante. Estava
mais interessado no resultado, um bom resultado. Conseguir submissão, fama
e respeito. Era isso que queria, esse seria o resultado dos sonhos e, para
consegui-lo, não fazia diferença se fosse por meio do medo, ou destruição.
Como de costume, desde que voltei para essa cidade, meus devaneios sempre
são interrompidos por estrondos vindos do térreo, mas a satisfação de não ser
o barulho de algo quebrando é inexplicável. Agradeço por acertarem a porta, e
não uma das janelas, como da outra vez.
Sem pressa, com o humor bastante afectado, levanto-me da cama e com os
pés descalços, caminho até ao hall. O estrondo transformou-se em batidas,
batidas rápidas e ansiosas. Interessado em saber quem poderia ser a esta hora
da madrugada, abro a vasta porta que me separa do desconhecido e,
deparo-me com a pessoa que me envolveu nesse sentimento de culpa, com a
responsável pelas lembranças dos meus erros.
— Espero que não tenha bebido ao ponto de ficar perdido no tempo. –
Comento, com sarcasmo. – Realmente achei que tivéssemos conversado
ontem, e que faltam quatro dias para o fim do prazo.
Sua respiração está ofegante, suas roupas, encharcadas. Charlotte Edwards
deve ter algum problema na cabeça, o que, pensando bem, seria cómico, dada
a sua profissão.
— Precisa vir comigo. – Diz, fazendo-me considerar tirar o “deve” de meu
discurso interno, e substituí-lo por “tem”. – Acompanhe-me até a floresta.

16
— Está louca, doutora?
— Por favor.
— Fora de questão! – Preparo-me para fechar a porta. – Acabei de terminar
duas garrafas de Royal, não me vou colocar debaixo da chuva e desperdiçar o
estado de embriaguez que custou literalmente vinte mil dólares. Além de não
confiar em você, claro.
— Achei que quisesse respostas, Oliver. – Argumenta.
— Senhor Turner! – Se vamos acabar com a vida um do outro, melhor
evitarmos intimidades. – E, minha curiosidade sobre suas respostas, não é
suficiente para me fazer segui-la até a floresta no meio dessa chuva torrencial,
sinto muito.
Deu um passo para frente e, ver a água que escorre de suas roupas molhando
meu chão flutuante, me deixa agoniado.
— É perigoso demais ir lá sozinha.
— Sou escritor, avalio todos os cenários que podem resultar do que está
pedindo, perigoso seria embarcar nessa loucura com você.
— Não haja como se fosse o mais racional aqui, sabemos que não é bem
assim.
— Minha resposta é a mesma: não. – Fecho a porta, porém sou barrado em
meu caminho, quando a informação que Charlotte compartilha provoca um
arrepio em meu corpo.

17
****
Um raio rasgou o céu, iluminando assim todo meu desespero. Cada relâmpago
é uma epifania. Perguntas lançadas ao universo iluminam o caminho da
descoberta, revelando brevemente o que está oculto. O vento sussurra em um
tom urgente, sacudindo árvores e folhas em antecipação, presságio de um
espectáculo iminente. A cada gota que cai, minha sanidade é colocada em
jogo. Posso sentir na pele que estou prestes a abrir uma tumba profunda, onde,
certamente, jaz o verdadeiro motivo para toda ruindade que acontece.
Sei que Oliver Turner guarda segredos tenebrosos, segredos que o fariam ser
enterrado nas profundezas do inferno. E, nesse ponto, somos bem parecidos.
Descobri que por anos venho lutado contra meus pecados, ignorando-os até ao
ponto de esquecê-los por completo, ou então, trancá-los em algum lugar
escuro da minha mente, um lugar do qual não terei acesso se usar métodos
convencionais.
O segredo envolvendo todos nós me assusta. Não sei o que realmente esperar
das revelações escondidas, mas sei que não sou a única culpada. Então, se
minha intuição, e as poucas pistas que tenho estiverem certas, o escritorzinho
também tem parcelas por quitar com o povo de Ashbourne.
— Talvez você tenha contribuído para isso de alguma forma, Oliver. – Grito,
após ver a porta se fechar para mim. – Não entende a situação? Há uma
responsabilidade compartilhada!
— Responsabilidade compartilhada? – Com um tom acentuado, ele indaga
enquanto abre a porta. – Quer colocar a culpa em mim, agora? Essa é sua
estratégia, doutora?
— Atente para os factos, Sr. Turner! – Começo – Mais do que ninguém, sabe
como é ter tendência para praticar o mal, sua família sempre foi conhecida por
elaborar rituais macabros, e sabemos o real motivo que o levou a mudar de
nome e voltar para a cidadelha que o viu dar os primeiros passos.
— Por favor, não me associe à mesma escória dos patriarcas.. – Irrita-se. – Saí
daqui para não ser comparado a eles, e ser um homem com princípios.
— E, voltou por falhar miseravelmente! – Cuspo.
Sua expressão alterna, como se tivesse ferido seu orgulho.

18
— Por esse motivo, acha que meus erros podem me relacionar com os seus,
Charlotte?
— Não, não só por esse. Tem também a parte onde meu diário foi
misteriosamente parar em suas mãos. E, pelo que investiguei… – Retiro de
meu bolso um saco plástico, cuidadosamente enrolado, destinado a proteger o
papel onde estão desenhadas as provas. Mostro-o a ele, e digo: – Podemos
localizar os símbolos na floresta, nas proximidades da imponente árvore.
Acredito que tenha sido lá o ponto de origem, e essa área pertence a você.
Uma gargalhada cínica carregada de escárnio ressoou dos seus lábios.
— Deixe-me certificar-me de que compreendi correctamente… – Esforçou-se
para recuperar o fôlego. – Segundo as suas investigações… – Um riso irónico
escapou-lhe. – Parece que minha família estava envolvida em algum
acontecimento na floresta, exactamente quando eu estava cometendo meus
actos criminosos. E, de alguma maneira, isso me vincula ao ritual deles. Do
outro lado da cidade, você completava seus escritos no diário, onde traçava
meticulosamente o plano para eliminar todo mundo. Por ironia do destino, ao
levantar-se, um deslize causado por uma casca de banana levou a um golpe
na cabeça, resultando na amnésia súbita. Nesse exacto momento, tomou a
decisão impulsiva de ingressar no campo da psicologia, uma escolha
aparentemente inofensiva. – Divaga. – Ah, claro, não podemos deixar de
mencionar a parte verdadeiramente intrigante: quando retorno, o passado
ressurge, e os feitos obscuros que compartilhamos começam a assombrar as
mentes das pessoas.
— Oliver… – Invoco-o.
— Permita-me concluir sem interrupções, doutora, pois há fragmentos soltos
que exigem coesão. – Ele pondera brevemente, e quando sua mente encontra
a combinação perfeita para preencher as lacunas do caso, estala os dedos,
prosseguindo: – Meu avô, no decorrer do ritual, teve sua alma separada do
corpo, conferindo-lhe a liberdade de perambular sem restrições. Por um
capricho do destino, ele acabou encontrando o caminho de volta para sua
residência e deparou-se com a senhorita desmaiada. No entanto, atormentado
pela malevolência que contaminava sua alma, limitou-se a lançar um olhar ao
diário e, ao examinar o plano ali registado, decidiu roubá-lo e colocá-lo em
prática. Também foi ele quem me fez conhecer o diário, e, olhando para trás,
surge a questão intrigante: como se lida com um espírito nos tribunais? Não
podemos ignorar que ele causou danos consideráveis.
— Sua postura presunçosa não me intimida, Sr. Turner.
— Presunçosa? – Suspira. – Estou apenas raciocinando à sua maneira.
Dando maior coerência às ideias que atravessam sua mente.
— Por que não me acompanha e confira por si se o que estou propondo é
absurdo ou não? Acredita realmente que se trata de uma coincidência?

19
— Elas acontecem, não é? – Zomba. – Às vezes, a maldade reside apenas em
nossas percepções. Pensei que isso fosse parte do currículo universitário.
— Compreendo… – Dou um passo atrás. – Está com algum receio? – Dessa
vez, sou eu quem solta uma risada.
— Sim, de pegar um resfriado.
Faço um gesto negativo com a cabeça.
— Sabe o que nos ensinam na faculdade? Indivíduos culpados costumam usar
humor cáustico como escudo, para escapar ou de fingir ignorância sobre a
verdade. Portanto, sua atitude não me atemoriza, mas, em vez disso,
incrimina-o ainda mais. – Ele franze o cenho. – E sabe o que pretendo fazer?
Acusá-lo mais contundentemente, de modo que pague não somente pelo que
fez à sua esposa e filha, mas por todos os crimes que assombram esta cidade
e envolvem sua família.
Virei-me e, num ímpeto, adentrei a floresta, na esperança de que ele me
seguisse, de que embarcasse nessa jornada para desvendar o mistério junto a
mim.

20
Quarto Acto

Eu a segui.
Silenciosamente e sem pressa, segui os passos dela até chegarmos ao local
onde encontraria as provas e resolveria o caso. Este seria o desfecho, o
momento em que tudo se esclareceria, desde que ela conseguisse recuperar a
memória dos eventos passados. Charlotte sempre foi uma figura volátil,
minando seus próprios esforços com medo, dúvidas e incertezas. Confesso
que, inicialmente, não acreditava que ela tivesse a coragem e a determinação
para chegar a este ponto.
Entreguei o diário, antecipando ver sua mente ser sobrecarregada pela culpa,
mas questionei a necessidade de ela me trazer de volta a este lugar e de me
ameaçar. Tinha mesmo que fazer isso?
Enquanto buscava os símbolos, observei atentamente o ambiente, tentando
recordar como as coisas eram da última vez que estivemos juntos neste local.
Foi antes de eu fugir e apagar suas memórias, antes de tudo se desmoronar.
Meus avós estavam envolvidos em práticas macabras, e esse legado, essa
tarefa sinistra, passou para meus pais e, em seguida, para mim. Nossa família
era uma linhagem de desgraça, um ciclo que parecia inquebrável. Tudo o que
eu desejava era cumprir meu papel, realizar um último ato. No entanto,
fracassei. O ritual não foi concluído e a culpa que carrego não é
necessariamente minha.
Não tive escolha na forma como nasci, quebrado por natureza, repleto de
ambições e preso a uma família ainda mais problemática. Agora, as coisas
parecem ter chegado a uma resolução definitiva. Não posso permitir que
Edwards arruíne tudo tentando reinventar o que já está consolidado. Seria
injusto ver tudo o que construí desabar devido ao medo dela de ser descoberta
e à sua determinação em se entregar à polícia para corrigir o que já foi
acertado.
Ela vira o rosto e nossos olhares se encontram, um misto de terror,
perplexidade e temor pairou no ar.
A chuva pareceu diminuir por um breve instante, enquanto o tempo congela.
Uma enorme trovoada ecoa, e nesse momento, vejo o pânico nos seus olhos, e
a expressão de reconhecimento que tomou conta de seus belos detalhes. Ela
está se lembrando, lembrando de tudo, e isso a aterroriza.

21
Suas lágrimas se confundem com a chuva, ela cai de joelhos agarrando a
cabeça, como se suas memórias voltassem com uma força avassaladora. O
turbilhão de emoções e lembranças esmagadoras a dilaceram sem piedade.
— Owen. – É a última coisa que dirá.
Sem hesitar, avanço rapidamente em sua direcção e, com a adaga que
escondia em meu bolso, ponho fim em seu desespero, silenciando-o para
sempre.
— Charlotte. – É a última coisa que ouve.

22
Relatório Policial

RELATÓRIO OFICIAL DE POLÍCIA — CASO DE HOMICÍDIO.


Data: 17 de Fevereiro de 1995
Horário: 12h45
Local: Rua 924 North 25th Street, em Milwaukee, Wisconsin.
Equipe de Investigação:
● Detective William Colter. Smith (Matrícula: 78654)
● Detective Evelyn R. Johnson (Matrícula: 88439)
Resumo do Incidente:
Na data e hora acima mencionadas, a equipe de investigação foi despachada
para a Rua 924 North 25th Street, em resposta a um chamado telefónico
relatando um incidente grave. Chegando ao local, os detectives encontraram a
seguinte situação:
Vítima:
● Nome: Charlotte Edwards
● Idade: 31 anos
● Endereço: Rua 924 North 25th Street, Wisconsin.
● Condição: Declarada morta no local
Sobrevivente:
● Nome: Emma Edwards
● Idade: 06 anos
● Condição: Encontrada desmaiada devido às agressões que sofreu.
Testemunha:
● Nome: Olivia Wrenley
● Idade: 55 anos
● Endereço: Rua 924 North 25th Street, Milwaukee.

23
● Relatou ter ouvido gritos seguidos de tiros, e visto Owen Edwards, fugir
do local.
Circunstâncias:
A vítima, Charlotte Edwards, foi encontrada no interior de sua residência,
aparentemente vítima de disparos de arma de fogo. Sua filha, Emma Edwards
foi encontrada desacordada e com múltiplas lacerações por uma arma branca.
A cena do crime estava em desordem, sugerindo um possível desentendimento
entre o casal e, a realização de um ritual satanista. O médico-legista foi
chamado para o local a fim de conduzir uma autópsia e determinar a causa da
morte de Charlotte Edwards.
A área foi isolada e os vestígios colectados para análise posterior, incluindo
quaisquer impressões digitais, evidências balísticas e outras provas que
possam levar à captura do autor deste crime.
Acções Tomadas:
​ O local do crime foi isolado para investigação.

​ Entrevistas com testemunhas foram conduzidas, incluindo a testemunha,


que relatou ter ouvido disparos.
​ O médico-legista foi notificado e encarregado de conduzir a autópsia.

​ A perícia técnica foi solicitada para examinar a cena do crime.


Próximos Passos:
A investigação deste incidente está em andamento. A equipe de investigação
está trabalhando para capturar o principal suspeito e reunir provas adicionais
que possam levar à resolução do caso.
Novas informações serão actualizadas conforme a investigação progride.
Detectives responsáveis do caso: William S. Colter e Evelyn R. Johnson
Departamento de Polícia do Estado de Wisconsin
Data da Actualização: 26 de Fevereiro de 1995

24
RELATÓRIO PSIQUIÁTRICO

Paciente: Emma Edwards


Data de Nascimento: 05 de Março de 1990
Idade Actual: 31 anos
Data do Relatório: 15 de Junho de 2020
História Clínica:
A paciente, actualmente com 31 anos, foi encaminhada para avaliação
psiquiátrica devido a sintomas complexos e preocupantes. A paciente é a única
sobrevivente de um incidente traumático que ocorreu em 1995, quando ela
tinha 6 anos. Eventos relacionados a esse incidente traumático e aos abusos
que sofreu durante a infância desencadearam o desenvolvimento de transtorno
dissociativo de identidade e esquizofrenia, conforme avaliado durante este
processo.
Avaliação Diagnóstica:
A avaliação clínica e psiquiátrica da paciente revela evidências consistentes
com o diagnóstico de Transtorno Dissociativo de Identidade (TDI) e
Esquizofrenia, conforme definido no DSM-5. A paciente apresenta múltiplas
personalidades dissociadas que emergem em resposta a estressores
específicos relacionados a eventos traumáticos. Ela também exibe sintomas
característicos de esquizofrenia, incluindo alucinações, delírios e pensamento
desorganizado.
Descrição dos Estados Dissociativos:
● Personalidade Principal: A paciente se identifica como a “personalidade
principal” Emma, mas relata períodos de amnésia relacionados a
episódios dissociativos.
● Personalidades Dissociadas: Pelo menos duas personalidades
dissociadas foram identificadas até o momento, cada uma com
características e histórias de vida distintas:
➢ Charlotte Edwards: Uma psicóloga renomada cuja missão é proteger
uma pequena cidade. Em algumas situações, quando a paciente
dissocia, ela acredita ser sua mãe.

25
➢ Oliver Turner: Um pacato escritor, alcoólatra, com passado criminoso.
Deduzimos que tal personalidade seja inspirada em seu pai, e como
alguns detalhes não condizem com a realidade, ainda continuamos com
consultas e observações constantes.
Sintomas de Esquizofrenia:
● Alucinações Auditivas: A paciente relata ouvir vozes que não existem e
que a orientam frequentemente a agir de maneira prejudicial.
● Delírios: Ela apresenta crenças delirantes que podem afectar seu
comportamento e pensamento.
● Desorganização do Pensamento: A paciente demonstra pensamento
desorganizado e dificuldade em manter a coerência no discurso.
● Alucinações Visuais: Em algumas ocasiões, a paciente descreveu a
experiência de alucinações visuais, relatando estar em uma pequena
cidade com o nome de Ashbourne.
Atendimento a um Paciente Imaginário:
A paciente imagina que é uma psicóloga que atende um paciente chamado
“Thompson”. Ela relata sessões de terapia em que assume o papel do
terapeuta, discutindo temas que são inconsistentes com a realidade e
investigando as principais causas de seus próprios pesadelos. Este
comportamento sugere uma desconexão com sua identidade principal.
Avaliação e Tratamento Proposto:
● Avaliação Médica: A paciente será submetida a uma avaliação médica
completa para descartar condições médicas subjacentes.
● Terapia Psicoterapêutica Especializada: A paciente será encaminhada
para terapia psicoterapêutica especializada no tratamento de Transtorno
Dissociativo de Identidade e Esquizofrenia. A terapia incluirá abordagens
para estabilização da personalidade, integração de identidades
dissociadas e manejo de sintomas esquizofrénicos.
● Farmacoterapia: O uso de medicamentos antipsicóticos e
estabilizadores do humor pode ser considerado para tratar os sintomas
de esquizofrenia após uma avaliação psiquiátrica apropriada.
● Monitoramento e Acompanhamento Constantes: A paciente será
monitorada de perto por uma equipe de saúde mental, com ajustes no
tratamento de acordo com suas necessidades específicas.
Considerações Finais:
A paciente apresenta uma combinação de sintomas complexos, incluindo
transtorno dissociativo de identidade e esquizofrenia. O tratamento exigirá uma
abordagem multidisciplinar e de longo prazo para abordar suas necessidades
clínicas específicas.

26
Data do Próximo Seguimento: 15 de Outubro de 2020.

FIM

27
NOTA DA AUTORA:

Yople, leitores! É uma grande honra e desafio compartilhar este conto com
todos vocês. Inicialmente, minha ideia era criar uma narrativa fantasiosa,
repleta de bruxas e, quem sabe, até extraterrestres. No entanto, após concluir
o segundo acto, uma nova perspectiva tomou forma em minha mente: e se
todos esses elementos estivessem ocorrendo apenas na imaginação de uma
pessoa? Assim, nasceu a ideia de explorar o Transtorno Dissociativo de
Identidade. Para aqueles que ainda não estão familiarizados com esse tema,
recomendo o filme “Fragmentado” e o livro “As Mentes de Billy Milligan”, que
serviram de fontes para minha pesquisa.
É fundamental ressaltar que este conto não se baseia em eventos reais e,
embora aborde o transtorno mencionado, todos os acontecimentos são
fictícios.
Agradeço sinceramente a Augusto Tomás, que dedicou seu tempo para me
ouvir, ao Dr. William, seu amigo psicólogo, que me proporcionou uma
explicação minuciosa sobre o transtorno e debateu incansavelmente comigo
em uma bela tarde de Sexta-feira. Expresso minha gratidão a Aldinadro Leitão,
que leu em primeira mão e apreciou cada palavra, e, por fim, mas não menos
importante, a Nathália Trindade, minha parceira que compartilha o mesmo
entusiasmo por casos policiais, e que me ofereceu sua ajuda em diversas
ocasiões.
Não me esquecerei das meninas, para minhas queridas que sempre me
motivam: amo vocês.
Com carinho, J.Nailah

28

Você também pode gostar