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Para aqueles que são incapazes de esquecer o que eles

realmente não conseguem lembrar.

A dor e o horror podem nunca desaparecer. Mas deixe a


vergonha para quem confundiu seu silêncio com
consentimento. Incapacidade de dizer não nunca é o mesmo
que dizer sim.
PARCERIA
Eu me apaixonei por um garoto bonito e quebrado.

Suas sussurradas palavras de amor eram a mais doce das mentiras.

Ele me deu seu coração e destruiu o meu.

Eu sou dele.

Eu me apaixonei pelo homem bonito que me quebrou.

Sua promessa ousada foi a mais cruel das gaiolas.

Ele me deu seu nome e destruiu minha alma.

Ele é meu.

O garoto que eu amei é agora um homem.

O homem que eu amei já se foi.

Somos um do outro.

Eu fui chamada de muitas coisas.


Vítima. Sobrevivente. Filha. Irmã. Esposa.

Agora eu sou chamada de outra coisa.

Assassina.

Acredite ou não, esta é a nossa história de amor.


PRÓLOGO
Os sons rompem meu casulo isolado de inconsciência. Sons ásperos.
Sons feios. Zumbido. Bip. Zumbido

Os dedos da minha mão esquerda se contraem com o impulso de


bater em... alguma coisa. Um despertador? O controle remoto da
televisão? Mas, embora meu anel de casamento desliza em volta do meu
dedo, meu braço não se move. Como se as faixas de platina se
transformassem em chumbo, me sobrecarregando.

O pânico sussurra no fundo da minha mente, embora não haja pulso


correspondente de adrenalina em minhas veias, me forçando a agir. Meus
membros são pesados e não cooperam.

Faça parar. Faça parar. Faça parar.

Apesar dos meus apelos silenciosos, a orquestra indesejada continua


seu ataque. Zumbido. Bip. Zumbido.

Faz muito tempo desde que me sinto tão horrível, tão letárgica.
Cheia de uma exaustão abrangente que se infiltrou em minha medula
óssea.
Aparentemente, a culpa da sobrevivente. Dormir o dia todo é
preferível a enfrentar o que aconteceu, o que eu fiz. O amanhecer de um
novo dia não é um novo início, um novo começo.

É uma violação. Uma traição.

Faça parar.

Finalmente, eu consigo agarrar minhas cobertas, arrastando-as


sobre minha cabeça. Algodão egípcio, um número de fios tão alto que
poderia ser fiado em seda. Certamente irá abafar o barulho.

Mas algo está errado. O tecido é áspero sob as pontas dos meus
dedos. Não tem cheiro de pacotes de lavanda e verbena escondidos nas
prateleiras do armário de roupas de cama. E há um cheiro esterilizado no
ar que eu não havia notado antes.

O sussurro de pânico se torna mais um murmúrio, depois um grito.


Esta não é minha cama.

Os barulhos de bipe captam, correndo agora. Minhas respirações


aceleram, meus pulmões pulsando com a picada aguda de água sanitária a
cada inspiração superficial.

Hospital. Eu estou em um hospital. O zumbido, bip e zumbido. Isso


são máquinas.
O que aconteceu? Pense, pense.

Minha mente está frustrantemente vazia, mesmo quando minha pele


se arrepia com lembranças de outra época. Outro despertar confuso.
Outra busca frenética por memórias. Ele... Não. Ele não ousaria. De novo
não. Nunca mais.

Vou abrir meus olhos. Preciso ver. Preciso de outras informações


sensoriais antes de me perder dentro do meu cérebro. Presa dentro da
rede sombria do meu próprio passado.

Minhas córneas ardem em protesto quando olho contra a dura luz


do dia que atravessa a janela aberta, minhas pupilas se retraem
lentamente até a sala entrar em foco. Várias máquinas estão feitas
sentinelas contra paredes de menta pálida, suas telas iluminadas por
flashes de cores - linhas irregulares e pontos piscantes. Vermelho e
branco e verde neon.

Viro a cabeça, procurando a porta ou uma cadeira onde meu marido


provavelmente está dormindo. Uma dor aguda explode em minha
têmpora com o pequeno movimento, me deixando desprevenida. Eu
suspiro, minha visão escurecendo nas bordas. Não só minha cabeça dói,
minhas costas estão pegando fogo.
— Olha quem acordou. — Uma mulher de uniforme da mesma cor
que as paredes me olha. Seu cabelo está preso em um rabo de cavalo,
mechas encaracoladas escapando como ervas daninhas. Um estetoscópio
balança em seu pescoço enquanto ela envolve os dedos quentes em volta
do meu pulso.

— Você está com dor?

Eu considero concordar, depois penso melhor. Minha boca se abre


com um chiado.

— Cabeça. Costas. — Minha garganta também dói. — Pernas —


acrescento.

Ela assente. — Isso é normal para os ferimentos sofridos.

Normal?

— Você está com sede?

Desta vez eu não aceno, nem falo. Eu apenas abro minha boca. Ela
desaparece brevemente da minha visão e ouço o som da água sendo
derramada em um copo de plástico. Então ela está de volta, movendo
minha cama para uma posição mais vertical com o pressionar de um
botão, guiando um canudo entre meus lábios ressecados. Aperto-o,
chupando avidamente. Muito cedo, há apenas um som borbulhante
quando o canudo pega as últimas gotículas no fundo.

Ela tira o copo.

— Eu sei, me desculpe. Você pode ter mais tarde. Ainda não, no


entanto.

— Olá, olá. — Outra mulher entra no meu quarto. Segurando uma


prancheta, ela está vestindo um jaleco branco sobre um vestido azul
marinho.

Eu engulo, resmungo uma saudação.

— Eu sou a Drª. Carlson. Você sabe por que você está aqui?

Lágrimas picam minhas pálpebras. Não.

Ela não está perturbada.

— E o seu nome? Você pode me dizer seu nome?

Uma onda de alívio toma conta de mim. Que eu saiba.

— Poppy.

— E o nome do presidente e a cidade onde você nasceu?

Eu respondo as duas perguntas e ela sorri. — Excelente.


— Mais água? — Eu pergunto, esperando ganhar uma recompensa.

— Claro, claro. — Ela olha para a enfermeira, que gentilmente enche


o copo, embora não tão cheia quanto eu gostaria. Dois puxões do canudo e
ele se foi.

— Meu... meu marido? — Minha voz está voltando, embora pareça


pertencer a um homem de noventa anos com enfisema avançado.

As duas mulheres compartilham um olhar que eu não entendo e a


enfermeira coloca a mão no meu braço.

— Não precisa se preocupar com mais ninguém além de si mesma


agora, querida.

O termo carinhoso é tão ofensivo para mim quanto os lençóis


baratos e arranhados. Eu parei de ser queridinha de alguém, ou querida,
nove meses atrás.

Sou distraída com uma dor aguda no pé. — Aí!

— Desculpe — diz a médica, um sorriso negando seu pedido de


desculpas enquanto ela segura um alfinete. — Você passou com
facilidade.

Afasto meus pés. — Por que estou aqui?


— Você sofreu um acidente. Você se lembra?

— Não. — Eu passo uma língua pelos meus lábios secos. — Estou... O


que aconteceu?

— Quando você foi trazida, tivemos que administrar doses bastante


pesadas de antibióticos, analgésicos e, é claro, líquidos. Além disso,
mantivemos você sedada nas últimas 48 horas para monitorar o inchaço
em seu cérebro que, felizmente, é relativamente pequeno.

— Quarenta e oito horas — repito. — Estou dormindo há dois dias?

— Não exatamente dormindo. Medicamente sedada. Mas todos


esses fatores - altas doses de medicamentos fortes, hematomas e inchaço
no cérebro, lacerações no couro cabeludo, costas e pernas - essas coisas
tendem a reduzir sua capacidade de armazenar memórias do evento
causal.

Hematomas e inchaço no cérebro. Lacerações. Um evento causal.

Que evento?

A ansiedade passa por baixo das minhas terminações nervosas,


empurrando-as para cima tortamente como raízes que distorcem uma
passarela de laje. Ela continua, como se eu ainda não estivesse lutando
para absorver sua explicação.
— Em alguns casos, a perda de memória pode voltar ainda mais,
impactando os dias ou semanas anteriores ao evento. É provável que
essas memórias estejam armazenadas em sua mente, embora seja difícil
lembrá-las.

Olho além dela, procurando uma câmera de filme e uma lousa de


diretor. Estou sendo enganada? Empurrada para uma novela ruim?

— Você está...? Eu não... Minha cabeça não está doendo, está girando.
Não consigo pensar direito.

— Por que você não nos conta a última coisa que lembra, ok? Nós
podemos ir de lá.

A última coisa que eu lembro...

Olho pela janela sem ver, imagens flutuando dos recessos escuros da
minha mente.

Uma mancha de seda do horizonte, o céu encontrando o mar,


nenhuma terra à vista.

Navios. Pelo menos uma dúzia deles. Em seguida, um em particular,


com decks de teca brilhantes. Seu casco cintilante, branco brilhante,
mastro arrogantemente apontando em direção a um céu azul.
Os flashes de memória aparecem e desaparecem como a barbatana
de um tubarão cortando o oceano. Furtivo e ameaçador. Volto meu olhar
confuso de volta a médica.

— Eu...

— Poppy! — Minha irmã para ao meu lado, seus olhos castanhos


preocupados captando os tubos e fios, a médica e a enfermeira e minha
cabeça e corpo enfaixados, tudo de uma vez.

— Você... quando você acordou?

Drª. Carlson faz uma careta para ela.

— Agora mesmo. Eu sei que você estava esperando ansiosamente,


mas se você...

— Sadie — eu interrompo. — O que está acontecendo?

Ela pressiona os lábios, examinando meu rosto.

— Não diga mais nada. Não até depois de conversarmos. — Ela atira
na médica e nutre um olhar de aviso. — Particularmente.

Um grito rasgaria minha garganta como um punhado de lâminas de


barbear, mas eu posso sentir isso aumentando.
— Se alguém não me disser algo...— Eu respiro fundo, ignorando a
dor nos meus pulmões.

Uma das máquinas dá um zumbido irritado. — Calma, senhora


Stockton.

O braço de Sadie se arrasta na parte de trás do meu pescoço, me


puxando para um abraço gentil.

— Apenas relaxe. Eu vou explicar tudo.

Pontos brilhantes aparecem na periferia da minha visão e há outro


zumbido raivoso. Eles não podem simplesmente desconectar as malditas
máquinas? No ouvido dela, sussurro:

— O que aconteceu? Por que estou aqui?

Sadie se afasta, uma expressão estranha no rosto. — Você não


lembra?

— Não. — Meu coração bate forte contra meus pulmões, tentando


escapar. —Conte-me.

A Drª. Carlson limpa a garganta, rabiscando algo nos papéis afixados


na prancheta.
— Há um agente do FBI esperando do lado de fora. Ele pediu para
falar com você assim que você acordar.

— Absolutamente não — minha irmã responde imediatamente.

— Agente do FBI? — Meu sussurro é quase inaudível contra o


estrondo das máquinas.

— Sim. Dadas as circunstâncias, ele é bastante insistente. — Ela tira


um cartão do bolso e lê nele. — Agente Especial Gavin Cross. Ele disse que
você o conhece.

Gavin. Meus lábios rachados fazem a forma de um nome que eu


raramente me permito pensar, muito menos dizer em voz alta.

Sadie apenas zomba. — E você acreditou nele?

Enquanto as máquinas continuam seu alarme frenético, eu viro os


olhos suplicantes para a enfermeira. Gavin. Chame Gavin. Mas ela não me
olha quando injeta uma agulha na minha bolsa intravenosa.

Uma dormência drogada carrega através da minha corrente


sanguínea, a voz de Sadie se tornando distante.

— Ninguém vai acusar minha irmã de assassinato até...


O abraço quente do sono rola sobre mim e eu me rendo aos sonhos
de um passado roubado. Um garoto bonito e quebrado. Uma floresta
encantada. E um amor que evaporou como névoa no sol da manhã.
PART I
CAPÍTULO UM
Sackett, Connecticut

QUEDA, OITAVA SÉRIE

ENTRO NA FLORESTA DESPERCEBIDA, agulhas de pinheiro


arranhando minha cara e prendendo meus cabelos enquanto eu me agito
entre os galhos. O brilhante céu da tarde, quase sem nuvens, retrocede
quando o perímetro arborizado se instala atrás de mim, entrelaçando
como um zíper verde. Sou imediatamente engolida pela floresta,
envolvida no silêncio deste santuário natural.

O chão ainda é elástico, coberto por uma fina camada de bordo e


folhas de carvalho que ainda não trituram sob meus pés, como em
algumas semanas. Enquanto eu me aprofundo na floresta, faixas erráticas
de sol disparam através do dossel trêmulo acima como raios, quebrando
as sombras densas.

Faz dois meses desde que me mudei para Sackett em Connecticut,


com minha mãe e irmã, e a reserva natural atrás de nossa casa é a única
coisa boa sobre toda a cidade. Não há outras crianças no bairro para
brincar. Nada que demonstre interesse em mim, pelo menos. Eu ainda sou
a nova garota.

Passei horas vagando por esses bosques, estudando as árvores, as


plantas e, especialmente, os pássaros, quando posso dar uma boa olhada
neles. A ampla expansão de bordos, sua casca pingando seiva inexplorada,
perfuma o ar com um doce almíscar. Carvalhos brancos, tão largos, altos e
retos quanto soldados, se erguem sobre seus primos mais curtos e
excêntricos, os carvalhos vermelhos e castanhos. E sob as copas largas e
arredondadas dos galhos caídos da bétula amarela, raízes determinadas
sobem sobre tocos e troncos apodrecidos, fazendo o tronco parecer como
se estivesse de pé sobre as pernas.

Há vida nesta floresta. Uma energia pacífica que absorve mais


profundamente a minha pele todas as tardes, como se este fosse um lugar
onde coisas boas acontecessem.

Eles não estão acontecendo em nenhum outro lugar, isso é certo.

Minha irmã mais nova, Sadie, nunca vem comigo. Eu perguntei a ela
algumas vezes, mas ela está contente em passar as tardes perdidas nas
páginas dos livros. Esse é o seu lugar seguro, eu acho. E minha mãe... bem,
ela apenas parece perdida. Quando ouço o tilintar de uma garrafa de
vinho na borda de sua caneca de café lascada, sei que ela não notará que
eu fui embora.
Estou admirando uma Clethra alnifolia1 doce especialmente teimosa,
pétalas de rosa pálido ainda agarradas às hastes, quando o ruído áspero
de um galho estalando me faz girar, todos os músculos do meu corpo em
alerta, equilibrados entre luta ou fuga. Ouvi dizer que há ursos nesta
floresta. Veados, coiotes e linces também.

Mas não é um animal que veio atrás de mim.

É um menino. Um garoto que nunca vi antes, embora pareça ter a


minha idade. Ele está vestido como eu, de jeans e camiseta de mangas
compridas. Mas se os meus são de segunda mão, os dele são de terceiro
ou quarto. Seu cabelo é indisciplinado, uma mistura heterogênea de loiro,
bronze e cobre que brota do couro cabeludo em todas as direções.

Mesmo assim, não cobre o machucado na bochecha. Mas são os


olhos dele que eu acho mais interessantes de todos. Eles são de um azul
vívido, cercados por uma franja grossa de cílios que parecem ter sido
pintados pela mão de um artista, cada um longo e perfeitamente curvado.
A expressão neles é cautelosa, guardada.

A curiosidade se sustenta dentro de mim, como um rolo de barbante


que eu perdi. Eu lambo meus lábios, esperando que eles formem palavras.
Quaisquer palavras.

1 Pepperbush = Traduzido do inglês-Clethra alnifolia, a erva doce costeira ou doce de verão, é uma espécie de planta com flores do gênero
Clethra da família Clethraceae, nativa da América do Norte oriental do sul da Nova Escócia e Maine do sul ao norte da Flórida, e do oeste ao
leste do Texas
Não sou extrovertida, o que é lamentável quando você inicia uma
nova escola na oitava série.

Minha vida seria muito mais fácil se eu pudesse ir até outras


crianças e começar a conversar.

Os terapeutas mandados por tribunais para os quais fui arrastada ao


longo dos anos disseram versões diferentes da mesma coisa. Imagine a
garota que você quer ser e depois seja ela. Como se a vida fosse uma
performance, e eu posso escolher o papel que desempenharei.

Até agora, não consegui criar coragem para fazer o teste. É


provavelmente por isso que estou na floresta agora, olhando
silenciosamente para um garoto que parece tão incerto e desconfiado
quanto eu.

Eu poderia me virar. Dar um aceno fraco e correr por uma trilha até
que eu esteja sozinha de novo, com apenas as árvores e a vida selvagem
como companhia. Mas, por algum motivo estranho, instável e
completamente inexplicável - não quero fazer isso. O desejo de alcançá-lo,
impressioná-lo, conhecê-lo é tão inegável quanto o cheiro de solo fértil,
seiva almiscarada e ar fresco do outono enchendo meus pulmões a cada
respiração.

Finalmente, me forço a falar.


— Há um arbusto de framboesa um pouco mais abaixo nesta trilha.
É para onde eu vou, se você quiser vir comigo. — Girando no meu
calcanhar, meu coração dispara e minha cabeça se enche de auto críticas.

O que faz você pensar que ele quer ser seu amigo?

Uma corrente murmura por perto, mas é a minha própria respiração


e o ritmo rápido do meu pulso que soa mais alto dentro dos meus
ouvidos.

Uma árvore tombada, com casca de árvore em decomposição


esponjosa e úmida, funciona como uma ponte sobre um barranco raso.
Estou na metade do caminho, meus braços estendidos para o equilíbrio,
quando sinto a vibração dos passos atrás de mim.

A onda de alívio, de excitação, quase me faz cair na água. Nas poucas


vezes em que tive coragem de perguntar a um colega de classe ou a
alguém no ônibus da escola se eles queriam jogar, fiquei impressionada.

Acelero meus passos, saltando em solo sólido e, depois de alguns


minutos, chegamos a uma pequena clareira marcada por um afloramento
de enormes rochas e um único arbusto. Ontem, era um arbusto de
framboesa. Hoje, as folhas são colhidas limpas e estéreis de qualquer
fruta.
— Havia frutas — eu digo, me sentindo estúpida por não conhecer
alguém, ou algum animal, teria chegado até elas.

Ele encolhe os ombros, uma mão empurrando o cabelo para fora do


rosto.

— De qualquer maneira, não gosto de framboesas.

O constrangimento cede lugar à confusão. —Então por que você veio


comigo?

Outro encolher de ombros. — Nada melhor para fazer.

Sua entrega prática não devia machucar meus sentimentos — eu


nem o conheço, mas machucou.

Na minha contração, ele enfia as mãos nos bolsos e chuta um monte


de bolotas caídas no chão.

— Ei, não é... Não foi isso que eu quis dizer.

Abaixando minha cabeça para esconder o vermelho que rasteja por


minhas bochechas, corro em direção à maior rocha da clareira e me
escondo atrás dela, puxando a pá de metal que escondi sob uma camada
de terra e folhas. Eu posso sentir os olhos do garoto nas minhas
omoplatas enquanto eu cavo, seu escrutínio penetrando no tecido fino da
minha camisa.
— O que você está fazendo?

Eu não respondo até que a pá atinja o metal, então eu ponho a pá de


lado e limpo a sujeira restante que cobre uma caixa que eu escondi aqui
há algumas semanas. Levanto a tampa e puxo um baralho de cartas. — Às
vezes eu jogo paciência...

Mas talvez hoje eu não precise.

Ouso olhar para o rosto dele enquanto ele espia as cartas. Não sei
dizer se ele está interessado, mas ele também não parece desinteressado.

— Você sabe jogar Gin Rummy?

— Não — ele responde, uma carranca puxando um canto dos lábios,


uma ponta em sua voz que eu imediatamente quero acalmar.

Por necessidade, sou sensível ao humor dos outros. Minha mãe pode
passar de feliz e dedicada a violenta e enfurecida num piscar de olhos,
dependendo de estar bêbada ou chapada ou ambas. Aprendi truques para
acalmar, ou pelo menos distraí-la, em tenra idade. E desenvolvi um sexto
sentido para saber se as pessoas com quem ela passeava — os traficantes
e viciados que ela considerava amigos — tratariam Sadie e eu como
animais de estimação, bem-vindas com um sorriso e um tapinha na
cabeça, ou como pragas, rapidamente com tapa e um empurrão.
Antes que eu possa me convencer disso, embaralho as cartas e digo:

— Tudo bem, eu posso te ensinar.

Depois que começo a lidar, ele se senta à minha frente. — Qual o seu
nome?

— Poppy.

— Eu sou Gavin — diz ele, observando meus movimentos. —


Quantos anos você tem?

— Treze.

Ele me olha com ceticismo. — Você não parece ter treze anos.

Eu sempre estive no lado mais curto da média e, enquanto outras


meninas da minha idade começaram a preencher, mal tenho sequer uma
sugestão de curvas.

— Quantos anos você tem?

— Eu tenho quatorze.

— Bem, você também não parece ter quatorze anos— atiro de volta.
Ele parece mais velho, na verdade.
Gavin é alto e, embora eu não veja nenhum arranhão em sua
mandíbula, há uma maturidade silenciosa na crista espessa de sua linha
de sobrancelhas e o movimento calmo de seu olhar.

Meu olhar permanece muito tempo no rosto de Gavin, os primeiros


movimentos de atração me pegando de surpresa. Eu nunca me senti
assim antes, nervosa e insegura. Um pouco sem fôlego. Por causa de um
garoto.

Minha língua está pesada dentro da minha boca enquanto eu me


forço a explicar as regras do jogo, meus dedos mexendo nas cartas.
Quando temos sete na frente de cada um de nós, rapidamente posiciono o
restante do baralho no meio.

Removendo uma carta indesejada da minha mão, coloco-a com a


face para cima ao lado do que resta do baralho e pego uma nova carta do
topo. Então eu aponto para Gavin fazer o mesmo. Converse, Poppy. Diga
algo. Algo além das regras de um jogo de cartas estúpido.

— Eu nunca te vi na escola antes.

— Comecei em West Sackett na semana passada.

— Oh. Estou no Leste. Comecei no mês passado.


Essa reserva natural atua como uma linha divisória entre os dois
distritos escolares de nossa cidade. Gavin deve viver do outro lado. Não
estou aqui há tempo suficiente para saber se há muita diferença entre os
dois.

Por um tempo, nos concentramos no jogo. Mas, enquanto estendo a


outra mão, pergunto:

— Você está gostando?

Ele estuda suas cartas. — A escola está bem, eu acho.

Há uma relutância no tom de Gavin. Uma defensiva também. Como


se ele estivesse acostumado a dizer às pessoas que as coisas estão bem
quando na verdade não estão.

É um hábito que reconheço, porque também o faço.

Ele olha para cima e nossos olhares se cruzam, uma linha tênue de
conexão se formando entre nós. Calor floresce dentro do meu peito.
Mordo o lábio quando um sorriso puxa os cantos da minha boca, não
tenho certeza se estou pronta para compartilhar até mesmo esse pequeno
sinal de felicidade com ele. Parece muito frágil, muito novo. E, na minha
experiência, se algo puder ser quebrado, é melhor esconder de alguém
com o poder de quebrá-lo.
Porque eles vão.

Gavin vence o nosso próximo jogo, juntando as cartas antes de mim.


Seu embaralhar é estranho no começo, mas depois de algumas tentativas,
eles fazem um ruído de cachoeira quando a ponte cai dentro de suas
mãos.

— Quanto tempo você tem permissão para ficar aqui fora? —


Percebo seus ombros subindo em direção aos ouvidos a cada palavra,
como se ele estivesse se protegendo contra o desapontamento se eu der a
resposta errada.

Olho para ele com relutância, olhando de soslaio para os trechos do


céu visíveis através das árvores. Minha mãe trabalha no consultório de
um dentista, mas passa a maioria das tardes no sofá, bebendo vinho e
assistindo reality shows tão distantes da nossa realidade quanto a lua.
Enquanto eu voltar antes do anoitecer, que é quando Sadie sai do quarto
para bisbilhotar a cozinha, elas nem percebem que eu saí.

— Não por mais uma hora. Você?

Os ombros de Gavin caem, o vinco que se juntou entre as


sobrancelhas diminuindo.

— Eu tenho tempo — diz ele.


O alívio em seu tom é tão reconfortante quanto uma chama quente,
embora também dê a impressão de que Gavin tem ainda menos
supervisão do que eu.

— De onde você veio? — Eu pergunto, arrumando minhas cartas. Eu


tenho dois pares.

— Vermont. Mas antes disso morávamos em Oklahoma e Texas.


Maine por alguns anos. Então aqui no mês passado.

Connecticut é pequena e Sackett está bem no meio dela. Eu olho


para ele.

— São muitos lugares. Seu pai está no exército ou algo assim? —


Com cada uma das respostas de Gavin, fica mais fácil fazer a próxima
pergunta, como se estivéssemos jogando bola e tudo o que tenho a fazer é
jogar a bola de volta na direção dele.

Ele coça o pescoço com as unhas roídas, as pontas das orelhas


ficando rosadas.

— Não. Meus pais simplesmente gostam de se mudar muito.

Há uma tensão entre nós que não existia há um momento e corro


para apagá-lo, oferecendo detalhes que normalmente não compartilho.
—Eu nasci em Massachusetts. Eu e minha irmã. Mas minha mãe
disse que queria um novo começo, então ela nos mudou para cá há dois
meses.

Ele faz um grunhido sem compromisso. — Sim, eu já ouvi isso antes.

Minha mão para quando eu descarto um coringa. — O que você quer


dizer?

Ele atende.

— Minha mãe costumava dizer isso também. Mas então nos


mudaríamos para um novo local e a única coisa que mudou foi o nosso
endereço. Depois de um tempo, parecia bastante inútil. — Ele olha para as
cartas em suas mãos antes de encontrar meus olhos com relutância.

— Nenhum novo começo de meus pais funcionou. Eles finalmente


desistiram. Eu não moro mais com eles.

Meu estômago revira em empatia. Anos atrás, um vizinho que estava


ciente da frequência com que Sadie e eu éramos deixadas sozinhas havia
chamado a polícia. Uma assistente social apareceu e nos levou embora.
Por muito tempo, antes de minha mãe ficar limpa e nos mudar para cá,
Sadie e eu éramos trocadas entre uma casa de grupo e parentes que mal
conhecíamos.
Minha mãe ainda bebe. E nossa casa agora não está em ótima forma
— o telhado vaza, a água nunca fica acima de morno e os degraus da
frente parecem que estão prestes a desmoronar em uma pilha de madeira
lascada. Mas qualquer coisa é melhor do que viver com estranhos,
imaginando se veríamos nossa mãe novamente.

— Às vezes eles voltam — eu digo. Pelo menos... fisicamente. Há


uma parte da minha mãe que nunca voltou. Uma parte que não vejo há
muitos anos, estou começando a pensar que nunca existiu. Que eu apenas
imaginei a alegria de sua risada espontânea, o pulso de amor genuíno em
seu abraço.

Minha voz é suave, gentil. Mas os olhos azuis de Gavin ficam


nublados de qualquer maneira, sua boca pressionando uma linha
horizontal enquanto ele balança a cabeça.

—Eu não estou prendendo minha respiração.


CAPÍTULO DOIS
Sackett, Connecticut

PRIMAVERA, OITAVA SÉRIE

— VOCÊ ESTÁ ATRASADA — diz Gavin, olhando para as cartas nas


mãos. Ele pode embaralhar como um negociante de Black Jack agora.

— Você chegou cedo — eu atiro, sorrindo. Nesta floresta, o tempo


parece irrelevante. Quem chega aqui primeiro é cedo e quem chega aqui
por último está atrasado. É simples. Fácil.

Assim como a amizade que surgiu entre nós.

Sento-me no chão em frente à Gavin, cruzando minhas pernas


quando ele começa a distribuir as cartas. Há muitos dias em que chego ao
que se tornou nosso lugar, apenas para passar uma hora jogando
paciência antes de ir para casa, para minha mãe e irmã, sem saber o que
aconteceu com Gavin.

Às vezes me pergunto se ele faz o mesmo.


Eu me pergunto... Porque eu não perguntei. Ocasionalmente, a
pergunta pairava na ponta da minha língua, pesada e estranha. Mas nunca
deixei escapar.

Porque eu gosto de pensar em Gavin me esperando, em nosso lugar.


Quando não consigo fugir, posso pelo menos recuar em minha mente e
imaginá-lo aqui. Imagine seus dedos ágeis tocando cada carta, luz
manchada caindo sobre seus ombros enquanto ele ouve o ruído revelador
de meus passos na trilha de terra coberta de vegetação que leva a essa
clareira.

Durante grande parte do inverno, era impossível caminhar pela


floresta. Depois de passarmos uma dúzia de tardes de outono juntos, uma
série de tempestades de neve transformou a Reserva natural de Sackett
em um maravilhoso, mas inacessível, país das maravilhas do inverno. Em
março, comecei a me perguntar se Gavin era apenas um garoto que eu
havia inventado, se nosso paraíso era apenas uma fantasia que existia em
minha mente.

Mas a neve finalmente começou a derreter e, com exceção dos


desvios mais profundos, a neve acabou. Voltamos à floresta há algumas
semanas, embora as temperaturas da tarde ainda sejam bastante brutais.
Hoje está quase congelando e Gavin não está vestindo um casaco. Ele está
tentando não mostrar, mas de vez em quando um tremor sacode sua
espinha.

Quando há sete cartas na minha frente, arrumo-as em um leque e


organizo-as por naipe. Eu tenho uma mão decente, mas jogo o jogo para
finalizá-lo rapidamente. Antes que Gavin possa negociar outro, enfio o
baralho na bolsa Ziploc e a coloco dentro da caixa de metal.

Gavin franze a testa para mim, sua decepção óbvia.

— Você já tem que sair?

— Não. Ainda não. — Eu me levanto, estendendo minha mão sem


luva em sua direção. Gavin pega, enviando um pequeno arrepio de
energia batendo nas minhas terminações nervosas.

— Mas não estou com disposição para cartas. Vamos explorar.

Na verdade, eu estava ansiosa para jogar cartas com Gavin o dia


todo. Cada aula parecia uma vida inteira, o ônibus volta para casa uma
viagem pelo país. Eu mal podia esperar para estar exatamente onde estou
agora, em nossos pequenos olhares claros e furtivos para os cílios pretos
escuros de Gavin e cabelos loucos e indomados, para os cortes nítidos de
suas maçãs do rosto e o brilho brilhante de seu sorriso.

Não acho que Gavin tenha ideia de como ele é atraente. Mas eu sim.
As características dramáticas e ousadas de Gavin me lembram um
desenho a carvão, do tipo que vi em uma viagem de campo ao
Metropolitan Museum of Art no início deste ano. Mas alguém levou um
pincel para seu retrato em preto e branco, dando-lhe a pele com tons de
mel, penetrantes olhos azuis e infinitos tons de ouro que brotavam de sua
cabeça como uma juba de leão.

E agora, os lábios de Gavin estão ficando violetas. Nós precisamos


nos mudar.

É só quando ele se levanta que eu noto seu estremecimento. — Você


está...

Ele solta minha mão e desvia o rosto, balançando a cabeça até que
seus olhos estejam escondidos sob o cabelo rebelde.

— Estou bem. — Ignorando minha hesitação, Gavin parte para a


trilha mais próxima. — Vi alguns cervos a caminho. Se ficarmos quietos,
talvez possamos encontrá-los.

Eu o sigo, meu olhar varrendo a floresta densa enquanto dou alguns


passos para trás. Nós não encontramos o cervo.

Mas encontramos uma enorme saliência rochosa que parece mais da


metade da reserva, talvez mais. Nem todas as árvores recuperaram suas
folhas ainda, e do nosso ponto de vista nos permite ver mais da floresta
do que veremos daqui a meses ou até semanas. Troncos de árvores nus,
cinzas e marrons, ficam desolados ao lado de seus irmãos verdejantes e
luxuriantes, trilhas que se entrelaçam como um labirinto encantado.

Gavin aponta para um ponto logo além da cordilheira mais próxima.

— O que você acha que é isso?

Eu olho de soslaio para a bacia sombreada. — Eu não sei. Poderia


ser o cemitério?

— Cemitério? — Ele parece cético.

— Sim. Há um cemitério naquela direção, logo depois do canto


nordeste da reserva. Eu notei isso em um mapa há algum tempo, mas
ainda não tive coragem de procurá-lo.

Ele sorri e pula para baixo, voltando-se para mim com as mãos
estendidas.

— Vamos descobrir.

Agarrando os ombros de Gavin, eu me movo para frente até que ele


me pegue pela minha cintura, me balançando no chão. Quando ele solta,
meus lados formigam com seu toque.
Seguimos uma trilha que vagueia pelo vale das zonas úmidas e
atravessa florestas abertas. A nossa volta, espreitando por trás das
árvores e por baixo das raízes expostas, o chão da floresta é coberto por
matas de louro e repolho-gambá, viburno de folhas de bordo e azálea do
pântano. Nada floresceu ainda, mas em mais um mês ou dois a reserva
será um tumulto de folhas verdes e flores coloridas.

Mas agora, é um flash de prata que chama minha atenção de cima.


Chego a uma parada completa, jogando minha cabeça para trás para ver
melhor. Como se o pássaro soubesse que tem audiência, ele pousa em um
galho sobre nossas cabeças, batendo as asas e exibindo uma barriga
manchada de branco e azul pálido, abrindo o bico para dar um grito torto.

— É um pássaro zombeteiro — digo apontando. — Olhe para ele, ele


está se mostrando uma fêmea.

Gavin segue a trajetória do meu dedo e sorri.

— Isso significa que ela está por aqui em algum lugar que ele está
tentando impressionar?

Examino as árvores ao nosso redor quando o chamado de


acasalamento dos pássaros-zombadores ecoa nas folhosas decíduos que
se elevam a vários metros acima de nós.

— Eu não sei, mas ele com certeza está dando o melhor de si.
O esforço de nossa caminhada da tarde funcionou, e eu posso sentir
o calor do corpo de Gavin ao meu lado. Eu tenho que lutar contra o desejo
de me aproximar, abraçar meus ombros e me curvar ao seu lado, como eu
vejo as meninas da escola fazendo com seus namorados.

Anseio raspa minha pele, tão abrasivo quanto uma videira


espinhosa. Como seria chamar Gavin de meu namorado?

Mas é outro pensamento que rouba minha respiração, enviando dor


revirando meu estômago. E se ele já tiver uma namorada?

Gavin e eu não vamos à mesma escola. Nós nem conhecemos as


mesmas pessoas. E se eu sou apenas alguém que ele conhece na floresta
quando ele não tem nada melhor para fazer?

Quase não percebo o segundo pássaro que pousa ao lado do


primeiro em um selvagem bater de penas.

— Acho que ele começou o jogo — diz Gavin, enquanto eles dançam
no galho das árvores, exibindo suas manchas brancas nas asas, rindo e
tremendo como amantes há muito perdidos.

— Eles formam um casal fofo, não acha? — Minha voz está tensa
quando pergunto sobre os pássaros. Porque o que realmente quero
perguntar é: não fazemos um casal fofo?
Mas ouso arriscar o que temos agora — uma amizade fácil e
descontraída que não precisa de um rótulo — para ter uma chance de
outra coisa? Os casais na escola mudam a cada duas semanas. Gavin e eu
nos conhecemos há alguns meses. E, no entanto, sinto que o conheço e ele
me conhece de uma maneira que não pode ser medida por padrões
arbitrários.

Ele não... Não vale o risco?

Antes que eu possa encontrar as palavras ou reunir minha coragem,


Gavin me acena para frente.

— Vamos lá, vamos continuar.

Com um último olhar para o flerte dos passarinhos, me sentindo


confusa e desanimada, apesar do fato de que nada realmente aconteceu
entre nós, sigo os passos de Gavin.

Hoje não há mais ninguém na floresta conosco. Pelo menos ninguém


que vemos ou ouvimos. Às vezes, encontramos locais levando seus cães
para passear, mas essa reserva não é grande o suficiente para atrair
turistas. Não há estacionamento ou estação de visitantes. Na maioria das
vezes, como hoje, é todo nosso.

Alguns minutos depois, chegamos a um riacho que corta


diretamente a trilha. Não há passarela ou árvore caída à vista, apenas
uma série de pedras escorregadias e irregulares que sobressaem da água
em intervalos estranhos.

As sobrancelhas de Gavin sulcam em concentração enquanto ele


avalia sua colocação. Finalmente, ele pega minha mão, seus dedos
entrelaçados com os meus, seu polegar ritmicamente varrendo a parte de
baixo da minha palma.

— Não me largue, ok?

Faíscas disparam no meu braço, acendendo pequenos fogos por


todo o meu corpo.

— Eu não vou.

Juntos, atravessamos o caminho improvisado e, quando meu pé


escorrega um pouco, Gavin aperta nossas mãos e me puxa contra ele.

— Eu peguei você.

O pulsar pesado do meu batimento cardíaco pulsa em resposta. Sim,


você fez.

De volta a terra, andamos o resto do caminho em silêncio, nossas


mãos ainda entrelaçadas.
— É uma caverna — diz Gavin, quando nos aproximamos do que ele
apontou da cordilheira.

— Você pode ver dentro? — Eu pergunto em um sussurro,


apertando os olhos e tentando distinguir qualquer coisa na escuridão
espessa.

— Não. — Ele pega uma pedra do chão e a joga dentro, depois me


puxa para trás de uma árvore.

—O que você está...

Ele pressiona um dedo na minha boca, me silenciando. Eu congelo


meus lábios formigando com seu toque, meu batimento cardíaco
gaguejando e depois decolando a galope.

Gavin parece não ser afetado. Sua atenção está na boca da caverna,
observando atentamente. Somente depois que ouvimos o barulho da
pedra no chão ele afastou a mão.

— Apenas checando.

Meus lábios franzem com decepção. — Para quê?

— Ursos.

Uma risada suave desliza da minha garganta.


— E o que você teria feito se um urso viesse correndo contra nós?

— O mesmo que você — diz Gavin, o movimento escuro de seus


cílios abanando suas bochechas. E então ele está rindo também. —
Correr.

O som misturado de nosso humor compartilhado ricocheteia nas


árvores que nos rodeiam, reverberando dentro dos meus ouvidos
enquanto nos agarramos um ao outro, nossos ombros tremendos, os
lados arfando.

Tão repentinamente quanto o momento chegou, ele se foi. A alegria


evapora dentro de nossas gargantas, a energia entre nós se torna
turbulenta.

Os olhos de Gavin rodam com confusão e surpresa, assim como os


meus devem ter quando ele pressionou o dedo nos meus lábios.

Afinal, não foi afetado.

Após um momento constrangedor e expectante, nos afastamos um


do outro e voltamos para a caverna. É estreito, forçando-nos a sentar lado
a lado, nossos braços e pernas pressionados um contra o outro, nossos
pés esticados à nossa frente.
Nós apenas nos sentamos um em frente ao outro, nossos jogos de
cartas como uma parede que construiríamos, reorganizaríamos e
derrubaríamos, apenas para construir novamente.

Nós dois olhamos para a floresta, como se uma explicação para a


mudança repentina na atmosfera pudesse estar escondida na forma das
folhas, no balanço dos galhos. Meus tênis estão enlameados e molhados, e
meus pés estão tão frios que não consigo mais senti-los. As botas que eu
tinha no inverno passado não me servem mais, e eu tive que entregá-las à
minha irmãzinha.

Gavin também não está usando botas. Seus tênis estão tão molhados
e enlameados quanto os meus, e ele tem uma lágrima à direita, a ponta da
meia espreitando.

— Acho que podemos tentar encontrar o cemitério outro dia —


digo, quebrando o silêncio tenso. — Eu acho que eles têm lápides da
guerra civil.

Ele assente, depois inclina a cabeça para trás e olha para o céu. Eu
estava evitando evidências do dia se afastando de nós.

— Nós provavelmente devemos ir em breve.

— Sim. — Meu estômago aperta com relutância quando eu


concordo.
— Eu só queria... — Eu deixei minha voz sumir, me sentindo burra.
Eu fiz muitos desejos. Nos cílios caídos, segurando um pequeno cabelo
preto na ponta do meu dedo e soprando no vento. Nas velas de
aniversário, se alguém se lembrava de marcar a ocasião. Mesmo em um
trevo de quatro folhas que encontrei uma vez.

— Poppy? O que você deseja?

Eu me viro para encontrar Gavin olhando para mim com intenso


interesse, como se meus desejos fossem a coisa mais importante do
mundo. E de repente, não preciso de confirmação verbal da conexão entre
nós. Eu sinto isso nos meus ossos.

— Eu gostaria que pudéssemos morar aqui. Que este fosse nosso lar.

Um leve sorriso cruza seu rosto e noto uma coloração amarelada ao


redor do olho esquerdo. Os restos de uma contusão desbotada. Mas então
Gavin me vê olhando e ele balança a cabeça um pouco, os cabelos
deslizando para frente.

— Isso seria legal — ele diz suavemente. — Muito legal.


CAPÍTULO TRÊS
Sackett, Connecticut

VERÃO, PRIMEIRO ANO, ENSINO MÉDIO

— NÃO ACREDITO QUE COMEÇAREMOS o ensino médio amanhã. —


Eu praticamente gemo as palavras.

— Oh, eu não sei. Estou ansioso por isso — diz Gavin, seu tom muito
mais leve que o meu. —Dever de casa, testes, sair com pessoas cujos
nomes não começam com P e terminam em Oppy.

Eu dou-lhe um empurrão não tão brincalhão. — Ei!

No meu falso ultraje, Gavin inclina a cabeça para trás e ri. Uma
risada baixa, rolante e totalmente agradável que envia arrepios pela
minha pele. Aproveito a oportunidade para me aproximar um pouco mais,
puxando o cheiro dele em meus pulmões. Como sempre, Gavin cheira a
pinhas e roupas limpas, mas agora está coberto de protetor solar e
repelente de insetos - uma necessidade até chegarmos ao clima do suéter.
Soltei um pequeno suspiro de prazer. Em sua risada, em seu
perfume, em sua proximidade. Eu senti sua falta.

Gavin e eu mal nos vimos esse verão inteiro. Trabalho como


conselheira do acampamento local organizado pelos departamentos de
parques e recreação de Sackett. Ele trabalha toda semana nas férias de
verão, das oito da manhã às seis da tarde. E ele passa quase todos os dias
bombeando gasolina e estocando estantes no posto de gasolina e na loja
de conveniência que seu pai adotivo administra.

O pensamento ainda está pulsando dentro da minha mente quando


Gavin me cutuca com o cotovelo, apontando para algo fora da caverna.

—Veja.

Olho bem a tempo de ver uma raposa vermelha correndo pelo mato.
Duas pequenas raposa-bebê, não muito maiores que esquilos, seguem
atrás, suas minúsculas patas correndo para acompanhar.

— Uma família — eu sussurro, observando até que eles


desapareçam de vista.

De uma maneira estranha, fico impressionada com a semelhança


com a minha. Minha irmã e eu, perseguindo nossa mãe, nos aproximando
o máximo que podemos na esperança de que ela não nos perca ou nos
abandonar.
Estou certa de que é por isso que Sadie nunca me seguiu para a
floresta. Ela tem medo de que se ela sair de casa também, minha mãe não
estará em casa quando voltarmos. No começo, nas primeiras semanas em
que vivemos em Sackett, fiquei um pouco desanimada por Sadie se
recusar a se juntar a mim na exploração de nosso novo bairro. Mas tudo
mudou no dia em que conheci Gavin. Agora, fico feliz que ela esteja
contente em ficar em casa. E fico feliz por não precisar compartilhar meu
melhor amigo com ninguém, nem minha irmã.

— Você acha que o pai está por aqui em algum lugar? — Eu


pergunto. — Ou ele perdeu o interesse após a parte divertida de fazer
bebês?

Os ombros de Gavin se levantam em um encolher de ombros


despreocupado.

— Eu não sou exatamente informado sobre os hábitos de


acasalamento das raposas. Mas eles parecem bem para mim.

— Melhor um pai que se importa que dois que não, eu acho.

No segundo em que as palavras saem da minha boca, eu o sinto


tenso ao meu lado.

— Isso é certo.
Merda. Quero correr atrás do meu comentário impensado e enfiá-lo
na minha garganta.

Antes que eu possa me desculpar, ou pensar em uma maneira de


tirar o olhar triste do rosto de Gavin, ele pergunta: — Você já viu seu pai,
Poppy?

Balanço a cabeça.

— Na... não. Desde que eu era pequena. Eu mal me lembro dele.

— Te incomoda que ele não esteja por perto?

— Na verdade não. — Solto um suspiro e recosto nas palmas das


mãos. — É difícil perder algo que você nunca teve, eu acho.

Uma brisa preguiçosa mal sacode o dossel verde acima, as folhas


refletindo e amplificando o sol do verão. Nossa caverna oferece um
refúgio fresco do ar quente e úmido da floresta. Desde que o descobrimos
na primavera passada, o transformamos em nosso esconderijo secreto.
Trouxe uma luz de acampamento que desenterrei no Exército da Salvação
e Gavin encontrou algumas almofadas velhas e incompatíveis que
protegem o chão úmido e frio da caverna.

Apesar da direção da nossa conversa, me sinto confortável aqui com


Gavin. Mais aconchegante e confortável do que me lembro de estar em
qualquer lugar ou com qualquer pessoa. E me ocorre que, durante todo o
tempo que passamos juntos, não compartilhamos muito sobre nós
mesmos. Não são as coisas importantes, pelo menos.

Estranhamente, isso me faz sentir aconchegante e confortável. Para


fazer mais do que apenas desviar a verdade sobre o motivo pelo qual
acabei aqui, em Sackett. Porque eu não conheço meu pai e não confio
realmente em minha mãe.

Ela gosta de dizer — dois erros não dão certo —. Mas, neste
momento, eu não acredito nela. O que parece certo é querer compartilhar
todos os meus erros com Gavin. E para ele fazer o mesmo.

Eu limpo minha garganta, puxando meu cabelo para fora do seu


rabo de cavalo para que caia sobre meus ombros em uma queda
bagunçada e varrida pelo vento.

— Minha mãe é viciada em drogas, Gavin. É por isso que Sadie e eu


fomos tiradas dela.

Ele se vira para mim surpreso, seus olhos rodando com perguntas,
mas sem julgamento. Eu o conto sobre meu passado, meu tom de fato,
eventualmente ligando o fio inicial da nossa conversa dizendo:

— As coisas estão... bem agora. Não sei se meu pai foi o motivo de
minha mãe usar drogas, mas se vê-lo novamente a faria se automedicar
com algo mais forte do que uma garrafa de vinho...— Faço uma pausa,
meus pensamentos se voltando para dentro enquanto as memórias rolam
através de minha mente como uma apresentação de slides. Memórias que
eu gostaria de saber como apagar.

Gavin alisa minha mão tranquilizadoramente e o desejo de


entrelaçar meus dedos com os dele me traz de volta ao presente.

— Desculpe, fiquei um pouco perdida na cabeça por um minuto.

— Está bem. Entendi. — Ele oferece um aceno solene, seu olhar


permanecendo quente e firme no meu. — Sério.

— E quanto a você? — Eu pergunto timidamente, não tenho certeza


de que Gavin queira se abrir para mim mais do que ele já fez. — Você
sente falta dos seus pais?

Gavin fica quieto por vários minutos, e meu estômago ronca com
inquietação e auto recriminação. E se meus sentimentos forem
unilaterais? E se Gavin não estiver interessado em se sentir confortável,
pelo menos, não comigo?

Mas então ele esfrega as palmas das mãos nos joelhos, pequenos
suportes em forma de luas crescentes aparecendo nas bordas da boca
enquanto aperta os lábios.
— Às vezes. Mas lembro como estavam as coisas e fico feliz por estar
longe deles. Eu provavelmente poderia ter lidado com ser o saco de
pancadas do meu pai. Estava escondendo para ele o pior. Mentindo para a
enfermeira enquanto ela estava me costurando. Fazendo backup das
histórias de minha mãe sobre cair escadas ou bater em portas de
armários.

— Por que você fez isso?

— Porque minha mãe me pediu. E eu pensei que estava fazendo a


coisa certa. — Ele exala um suspiro pesado. — Eu deveria ter dito a
verdade - eu sei disso agora. Meu pai é uma verdadeira merda. Mas minha
mãe aceitou. Ela o amava - mesmo que ele a machucasse e me
machucasse. Às vezes, juro que ela escolheria uma briga apenas pela
adrenalina de uma discussão e pelas desculpas e atenção que receberia
depois.

— Sinto muito — digo, desejando poder inventar algo melhor. —


Você acha que os verá novamente?

— Duvido. — Ele pisca algumas vezes, o contorno de sua íris se


aprofunda para um rico cobalto enquanto o interior fica mais claro, pálido
como o ovo de um pisco.

— Eu não sei se quero.


Ele quebra nosso olhar, esfregando a carranca que cruza sua testa.

— Mas eu gostaria de saber como minha mãe está indo. Se as coisas


foram melhores para ela sem mim por perto. Eu espero que sejam de
qualquer forma.

Quando minha mãe escolheu drogas em vez de Sadie e eu, pelo


menos eu poderia me dizer que o vício dela era uma doença, que ela
estava doente.

Mas Gavin... O que a voz dentro de sua cabeça está dizendo?

Seja o que for, tenho certeza de que não é gentil.

— De vez em quando, minha mãe falava sobre fugir. Indo a algum


lugar que ele nunca nos encontraria. Mas no final, foi de mim que ela
fugiu.

Meu coração se parte por Gavin quando ele confirma minhas


suspeitas - que ele se sente abandonado.

— Talvez ela tenha ficado com seu pai para mantê-lo seguro.

Ele lança um olhar duvidoso em minha direção. — Como você sabe?


— Bem, talvez sua mãe estivesse preocupada que ele fosse atrás
dela, ou de vocês dois. Talvez deixar você fosse à melhor opção para
mantê-lo seguro.

— Eu não sou mais uma criança. Se ela o deixasse, eu a protegeria.


— Uma veia pulsa no pescoço de Gavin, a tensão puxando seus ombros
para mais perto das orelhas. — O que for preciso.

— Bem, isso provavelmente é...

— Eu entendo o que você está tentando fazer, Poppy. E obrigado,


mas tudo bem. Estou bem. — Gavin insiste.

— Eu não estou...

— Se minha mãe aparecer um dia, querendo ajuda para ficar longe


do meu pai, eu deixaria tudo para ir com ela, para mantê-la segura. Mas
isso nunca vai acontecer.

— Poderia. Nunca diga nunca.

Ele solta uma risada sem humor.

— Sua mãe lutou contra seus demônios e venceu e isso é incrível.


Mas ela é a exceção, não a regra.
Eu sei quando estou vencida. Mesmo que a teoria que propus apenas
dar a Gavin uma narrativa alternativa a considerar seja verdadeira - não
tenho como saber ou provar que é.

— Acho que, pelo menos no caso da minha mãe... todo dia é outra
luta. O vício é uma batalha que você nunca vence de verdade. E talvez seja
por isso que meu pai não ficou por aqui.

— Ela está limpa agora, certo?

O grito agudo de um falcão me faz pensar sobre a mamãe raposa e


seus bebês, e espero que estejam todos seguros.

— Ela ainda bebe, mas não faz nada disso. E ela não tem mais caras.

Percebendo o arrepio que não consigo reprimir, Gavin faz uma


careta.

— Alguém...

Balanço a cabeça, me apressando para tranquilizá-lo.

— Não. Não foi assim.

Não digo a Gavin o quão perto ele chegou. Às vezes, acordo no meio
da noite para encontrar minha mãe na minha cama, pedindo desculpas
pelo que ela nos fez passar. Durante o dia, porém, ela finge que nada disso
aconteceu.

Ele suspira.

— Existem pessoas realmente de merda no mundo.

— Sim. Mas, felizmente, existem alguns realmente bons também. —


Sou atraída de volta ao intenso vórtice do olhar de Gavin e me sinto
encostada nele, polegada por polegada, até que sua respiração seja uma
carícia bem-vinda contra meus lábios. Eu paro de beijá-lo bem a tempo,
engolindo em seco.

— Então...— procuro outra coisa para dizer, qualquer outra coisa, e


decido abordar um assunto que tentei uma vez antes, no dia em que um
galho áspero rasgou a camisa de Gavin, expondo um hematoma azul
escuro que manchava a pele sobre sua caixa torácica. Ele me rejeitou, mas
sinto uma abertura agora.

— Você já pensou em contar a seus pais adotivos sobre...

As sobrancelhas de Gavin se juntam sobre a ponte do nariz em uma


feroz carranca e ele se afasta de mim. — Não.

— Por quê? Ele não é sua mãe, você não precisa protegê-lo.

— Eu não estou protegendo-o.


— Então por que não dizer alguma coisa? Ele está machucando você.

— Eu só deixo Doug dar um soco de vez em quando para que ele não
fique pior, como convencer seus pais a me enviarem de volta. E eles o
amam. Você realmente acha que eles me manteriam por perto se eu
disser que o filho deles é um idiota?

— Mas...

— Não. Não posso arriscar. — Ele passa a mão pelos cabelos. — Sair
daqui significaria deixar você, Poppy.

A doçura da admissão de Gavin está quase perdida quando a


verdade por trás disso me dá um tapa na cara. Pela primeira vez, me
ocorre o quão tênue é o nosso relacionamento.

Podemos nos esconder dentro desta caverna, protegidos por grossas


paredes, mas nosso relacionamento dificilmente é invulnerável. Como
uma teia de aranha, a conexão que Gavin e eu forjamos é intrincada e
bonita. E muito, muito frágil.

— Por enquanto, basta que você saiba a verdade — continua ele. —


E quando chegar a hora, ele entenderá o que está por vir. — Sua voz baixa
para uma voz rouca. —Todos eles vão.
Uma lufada de ar frio flutua na parte de trás do meu pescoço,
patinando através dos nervos tensos e enviando um tremor pela minha
espinha.

Gavin olha para mim com preocupação. — Frio?

Eu pisco, ignorando a pergunta. Não tenho certeza do que sou agora.


Saber o que Gavin está lidando, apenas para ficar aqui, apenas para estar
comigo, é muito importante. E saber que, o tempo todo, seu
ressentimento está se formando.

— Quero morrer sua amiga. — Quero dizer isso como uma piada
leve, mas não sai dessa maneira.

Gavin me coloca no lugar com um olhar pensativo, acalmando a


respiração no meu peito. E então seu rosto abre um sorriso, tão brilhante
quanto o sol saindo de trás de uma nuvem. O que ele diz é igualmente
ofuscante, me pegando completamente de surpresa.

— Acho impossível alguém ter um lado ruim ao seu redor, Poppy.


Você é gentil, engraçada e inteligente. E tenho certeza de que é
contagioso, porque quando estou com você, é assim que você me faz
sentir também.
Um nó emaranhado de gratidão atado com medo se expande dentro
do meu peito. Gratidão pela confirmação de que meus sentimentos não
são totalmente unilaterais. Gavin também gosta de mim.

Graças a Deus, porque eu nem consigo imaginar minha vida sem ele.

E medo, exatamente pela mesma razão. E se a mãe de Gavin voltar


para ele? Ou Doug consegue que seus pais mandem Gavin embora?

— Me prometa que sempre seremos amigos, ok?

— Sempre — diz ele.

Talvez porque eu sei que é uma promessa que ele pode não ser
capaz de cumprir, eu levanto minha mão, mindinho estendido.

Gavin ri. — Você vai me fazer jurar mindinho?

— Eu vou.

E ele faz, trancando os dedos comigo e me dando um pequeno puxão


para frente.

— Poppy?

— Sim?

— E se eu quiser ser mais que amigos?


Minha garganta está subitamente seca, minha voz tremendo devido
a um excesso de emoções que não tenho certeza de que posso conter.

— Você?

— Sim. Eu quero.

De repente, uma rajada de vento sopra através das árvores,


enviando folhas flutuando no chão como confetes.

— Eu acho... acho que gostaria disso. — Fale sobre um eufemismo.

— OK.

— Ok— repito. O aperto de Gavin no meu dedo afrouxa, sua mão


deslizando sobre o meu pulso e ao longo do meu antebraço até que se
curva em torno da parte de trás do meu ombro e eu estou flutuando
dentro do oceano dos seus olhos, meu coração batendo com o
conhecimento de que neste momento – este mesmo momento - é
exatamente o que eu estava esperando.

Meu desejo está realmente se tornando realidade.

Eu nunca fui beijada. E eu queria ser beijada por Gavin por quase
tanto tempo quanto o conhecia.
É um anseio pelo qual me acostumei como o puxão no meu coração
toda vez que nossos olhos se conectam, ou a maneira como o sorriso dele
me aquece até o meu âmago. Eu sonhei com esse momento, fantasiei com
isso tantas vezes. E agora que finalmente chegou, percebo que não sei
bem o que fazer.

Os dedos de Gavin empurram meus cabelos para embalar minha


cabeça. Estamos tão perto que posso ver manchas pretas e douradas nas
pupilas de Gavin, e a forma como cada íris é composta de anéis azuis
entrelaçados e em camadas, do céu pálido da manhã à meia-noite mais
profunda - como os anéis de crescimento circular de uma árvore. Seus
olhos são as portas para um mundo que me chama. Um futuro que
compartilharemos juntos.

No início, a boca de Gavin simplesmente paira sobre a minha. Não


tenho certeza se ele realmente vai me beijar. Talvez a respiração dele seja
tudo o que eu vou conseguir.

Mas, depois de um momento, sinto a pressão suave dos lábios de


Gavin nos meus. É o suficiente, mais do que suficiente, para que a emoção
da possessão se teça através de mim, para que a faísca da paixão exploda
em uma chama mais duradoura, para que eu seja marcada para sempre
pelo meu primeiro beijo.
Inicialmente, somos desajeitados e rígidos, meu pescoço inclinado
em um ângulo estranho e as pontas dos dedos cravando em minhas
costelas. Mas a ansiedade e o entusiasmo vencem.

Nossas bocas se abrem nossas línguas tentativamente deslizam


juntas. Seu aperto relaxa, e eu passo meus pulsos sobre seus ombros.

E é aí que eu sinto. Algo tão poderoso que não tem nome. Uma
certeza.

Uma certeza de que devemos estar juntos. Hoje. Amanhã. Todos os


amanhãs por vir.

Que esse beijo, nosso primeiro beijo, e o próximo, e o seguinte, e os


milhares entre o primeiro e o último, é inevitável.
CAPÍTULO QUATRO
Sackett, Connecticut

PRIMAVERA, PRIMEIRO ANO, ENSINO MÉDIO

— O QUE É ISSO? — Eu pergunto, olhando por cima do ombro de


Gavin enquanto me sento ao lado dele. Não jogamos cartas com a mesma
frequência. Hoje em dia, entramos na floresta com mochilas abauladas. Eu
gosto de estudar ao som do lápis de Gavin arranhando o papel, o zumbido
baixo que ele faz no fundo da garganta quando ele está concentrado, o
grunhido satisfeito dele quando ele recebe uma resposta certa.

— Apenas uma lista de eletivas para o próximo ano. Temos que


fazer nossos pedidos amanhã.

— Nós também. — Pego uma folha de papel que parece quase


idêntica à de Gavin.

Enquanto ele lê o meu, eu digo o que nós dois estamos pensando.

— Eu gostaria que eles combinassem nossas escolas.


No ano passado, uma proposta de fusão de East Sackett e West
Sackett em um sistema escolar foi rejeitada. Os políticos locais haviam
demonstrado que, com a economia de custos gerada pelo
compartilhamento de instalações e despesas gerais, haveria mais
dinheiro para gastar em programas extracurriculares e em programas
especiais, sem mencionar uma variedade maior de ofertas eletivas.

Mas nossa cidade, como grande parte da Nova Inglaterra, está


definida em seus caminhos.

Gavin suspira e depois circula Direito Empresarial.

— Nunca vai acontecer. A maioria das pessoas que se preocupam em


votar cresceu em Sackett, estudou em Sackett e ficou aqui ou voltou
porque quer o mesmo para os filhos. Eles não vão consertar o que não
acham que está quebrado. E eles não acham que duas escolas de ensino
médio e duas escolas de ensino fundamental em uma cidade estão
quebradas — porque é assim que sempre foi.

— Nesse caso, quebrar algo significaria montá-lo — eu resmungo.

— A única maneira de estarmos na mesma escola é frequentar a


mesma faculdade.

Eu sorrio com o pensamento.


— Mal posso esperar para sair daqui, Gavin. Este lugar é sufocante.
Na maioria dos dias, ainda me sinto a nova garota. Provavelmente porque
apenas três outras crianças entraram na minha série no ano e meio desde
que nos mudamos para cá - todos eles meninos.

Esse conselho que recebi antes de me mudar para Sackett —


imagine a garota que você quer ser e depois ser ela — é impossível de
seguir nesta cidade.

No começo, pensei que era o problema, que era tímida ou emitia


vibrações hostis. Mas percebi que não é tudo culpa minha. Não falhei nas
audições de amigos. Em Sackett, o palco não é grande o suficiente.

Não tenho roupas bonitas, casa grande ou mãe no PTA2. Eu não


pratico esporte. Eu não sou particularmente artística ou rebelde.

Existem apenas algumas panelinhas para escolher... E eu não me


encaixo em nenhuma delas.

Gavin acena com a mão na floresta explodindo ao nosso redor.

— Isto é. Mas tenho certeza de que você quer voltar aqui depois da
faculdade.

— De jeito nenhum. Nunca.

2 PTA = Associação dos pais.


— Nunca diga nunca — ele repete minhas próprias palavras
provocativamente enquanto eu reviro os olhos.

— Certo, tudo bem. Algum outro lugar onde você pode construir
uma casa na árvore e viver fora da terra.

Uma risada explode da minha garganta.

— Não. Floresta urbana ou busto. — Bem, isso não é totalmente


verdade. Para Gavin, eu definitivamente concordaria. Mas essa é uma
conversa sobre sonhos, não sobre destinos escritos em pedra.

Anseio pela liberdade do anonimato e pelos benefícios de uma


cidade grande. Quero morar em um arranha-céu, jantar em restaurantes
gourmet e navegar por galerias de arte e museus por capricho. Eu quero
morar em um lugar em que a segunda mão é chamada vintage. Onde ser
nova me torna interessante, não um pária.

— Você? — O ceticismo escorre dele em ondas. — Poppy, existem


trinta e três acres nesta reserva, e acho que você pode nomear todas as
espécies de árvores e flores.

Eu duvido disso, mas eu jogo junto.

— Não se esqueça dos arbustos.


— Meu ponto, exatamente. Quantos arbustos você encontrará em
uma cidade?

— Muitos. Nova York tem o Central Park e o Jardim Botânico. Boston


tem o Public Garden e o Emerald Necklace. Chicago tem...

— Não é o mesmo. — diz ele secamente.

— Eu sei. E eu amo isso aqui fora, eu amo. Mas...— Abaixei a cabeça,


sentindo uma onda de vergonha tomar conta de mim. De todas as
confidências que compartilhei com Gavin, nunca contei a ele quão
lamentável é minha vida social na escola.

— Não sou exatamente uma viciada em livros, mas me escondo na


biblioteca durante o almoço. Geralmente, por trás do maior livro que
encontre um guia de campo de grandes dimensões para a geografia nativa
da Nova Inglaterra.

Minhas bochechas já estão queimando, mas eu continuo falando.

— Só comecei a entrar na floresta porque era melhor do que ficar


sentada no meu quarto, sozinha. Fingi que as árvores, as flores e os
arbustos eram meus amigos.

A mão de Gavin serpenteia pela minha cintura e me puxa para o lado


dele. Ele sussurra no meu ouvido:
— Você era mais esperta do que eu. Sentei-me sozinho no refeitório
na minha primeira semana, lendo O Senhor das Moscas.

— A primeira semana inteira? — Eu pergunto duvidosamente,


afastando meu próprio constrangimento. Não consigo imaginar que as
garotas da West Sackett High não estejam disputando a atenção de Gavin
a cada chance que têm.

Seus lábios se curvam em um sorriso triste que faz meu peito doer.
— Quase.

Meus pulmões incham com o cheiro do solo fértil sob nossos pés, o
ar fresco da floresta e o aroma limpo e revigorante do próprio Gavin. A
pressa inebriante me faz afundar os dentes no lábio inferior até que o
chiado de prazer é temperado pela dor. Porque eu não sei como lidar com
os sentimentos que surgem dentro de mim nas coisas mais inócuas que
Gavin faz. Um olhar, um toque, um sorriso.

— E você é um rato urbano ou rural?

Ele se inclina para a frente e morde o lóbulo da minha orelha,


enviando um arrepio na espinha.

— Eu não me importo, desde que este rato pegue seu queijo.


— Muito brega, Romeu. — Eu rio, enfiando um dedo em seu
estômago.

Um som estridente e dolorido irrompe por trás dos dentes cerrados


de Gavin, seus olhos se estreitando em um estremecimento.

— O que...— Eu recuo imediatamente. — O que ele fez desta vez?

— Não é nada.

— Mostre-me.

— Poppy.

— Se não é realmente nada, me mostre.

A relutância está gravada nas linhas nítidas e nos ângulos rígidos do


rosto de Gavin, enquanto ele lentamente levanta a camisa, revelando uma
contusão sangrando no umbigo.

— Eu o odeio — Eu digo, assim que recupero o fôlego. Nunca


conheci Doug, o filho dos pais adotivos de Gavin, mas o desprezo com
uma intensidade que vai até os ossos.

— Isso faz de nós dois — diz Gavin, seu tom calmo e suave quando
ele deixa a barra da camisa cair.
— Ele ficou chateado quando descobriu que seu pai havia me
deixado um pouco de dinheiro por ajudar no posto de gasolina neste
verão.

— Você estava lá praticamente todos os dias, é claro que ele deveria


pagar você.

— Bem, não de acordo com Doug. Ele exigiu que eu desse a ele.
Quando eu recusei, ele meu deu um soco, otário.

— Eles deviam saber que criaram uma criança horrível — eu


resmungo, relaxando em seu aperto enquanto ele me puxa para frente.

— Um dia — diz Gavin. — Mas hoje, eu tenho dinheiro escondido em


um lugar que Doug nunca encontrará, e eu tenho você. Não tenho nada a
reclamar.

Gavin planta beijos delicados ao longo da curva do meu pescoço,


depois faz o seu caminho para a minha boca. Ainda temos que fazer muito
mais do que beijar, mas sua boca causa tanto estrago nos meus sentidos
que não tenho certeza de que posso lidar com qualquer outra coisa.

Quando ele se afasta, solto um gemido decepcionada. Meus olhos se


abrem, prestes a dizer para ele não parar. Mas a cabeça de Gavin está
inclinada para o lado, um ar de intensa concentração no rosto. Eu conheço
esse olhar.
— Trovão?

Ele espera um momento, ainda ouvindo, e diz:

— Não tenho certeza. Se foi, está muito longe.

Trovão significa relâmpago, e uma floresta é o último lugar que você


deseja estar em uma tempestade.

— Vamos esperar alguns minutos. Talvez tenha sido outra coisa.

Ele dá um aceno superficial, o feitiço de seu beijo quebrado. Pego


seu lápis e círculo Finanças Pessoais, Oratória e Escrita Prática na minha
folha.

— Isso foi rápido — diz Gavin.

Eu dou de ombros.

— Não quero abrir minha correspondência e ver as contas com o


vencido estampadas em vermelho na frente, quero me sentir mais
confortável conversando com as pessoas e sou uma pessoa muito prática.

Ele estende a mão e eu devolvo o lápis. Após um minuto de carranca


na lista, Gavin circula Programação e Contabilidade de Computadores.

— Direito, computadores e contabilidade? Você está indo direto do


segundo ano para a pós-graduação? — Embora isso não me surpreenda.
Gavin já está tendo as aulas de matemática e ciências mais avançadas que
sua escola oferece. No próximo ano, ele se matriculará em alguns cursos
de nível universitário.

— Eu desejo — ele brinca, mas seus lábios estão pressionados


juntos, como se ele estivesse segurando um segredo.

— O que? — Eu pergunto. — O que você não está dizendo?

— É burro. Um sonho de cachimbo. Provavelmente nunca vai


acontecer de qualquer maneira, então...

— Gavin, não há nada de idiota nos sonhos. Conte-me.

Ele não responde imediatamente e acho que provavelmente está


esperando um trovão para salvá-lo, mas há apenas os sons normais da
floresta: folhas farfalhantes, água em cascata sobre os riachos rochosos, o
gorjeio e o gorjeio dos pássaros. Finalmente, ele exala um suspiro e
murmura algo completamente inaudível.

Não tenho intenção de deixá-lo fora do gancho.

— O que é? — Eu provoco.

— FBI, tudo bem. Eu quero ser um agente do FBI.

Estou confusa. — O que há de errado nisso?


— Errado? — Ele pisca várias vezes, como se eu estivesse
confundindo-o.

— Você sabe o quão difícil é entrar na Academia? É basicamente


impossível. Não tenho quase nenhuma chance.

Não que eu já considerei uma carreira na aplicação da lei, mas na


minha opinião, Gavin tem todas as chances.

— Por que o FBI?

— Porque... Porque eles resolvem os casos mais difíceis, prendem os


piores criminosos. E eu quero fazer parte disso.

Gavin continua quieto e sério, como se isso fosse algo em que ele
pensasse por muito tempo.

— Então, basicamente, você quer ser um herói da vida real.

Ele abaixa a cabeça, um sorriso constrangido puxando sua boca. Eu


passo meus pulsos pelo pescoço dele, forçando-o a encontrar meus olhos.

— Prometa-me uma coisa.

— O que?

— Nunca esqueça que você foi meu herói primeiro, ok?


O olhar que ele me dá é tão cheio de calor que derrete a medula
dentro dos meus ossos.

— Eu posso fazer isso.

Sinto-me desenredando, desmoronando em lugares que


instintivamente quero proteger. Para aliviar o momento, pego uma mão
atrás do pescoço dele e a trago entre nós.

— Jura de dedo mindinho?

Mas Gavin não morde a isca.

— Podemos fazer melhor que isso, você não acha?

Desde o minuto em que nos conhecemos, e provavelmente sem nem


mesmo saber, Gavin vem derrubando minhas paredes e lixando meu
verniz protetor. Ele é o motivo pelo qual eu posso ir à escola todos os
dias, sabendo que sou uma pária indesejada e ainda tenho algo para
sorrir quando vou dormir. Ele é a melhor parte do meu presente e a parte
mais importante do meu futuro.

Apesar do trovão baixo que acompanha a pressão dos lábios de


Gavin nos meus, permanecemos nos braços um do outro até ficarmos sem
fôlego e ofegantes.
Gavin finalmente se afasta de mim quando a respiração que
compartilhamos é tão elétrica quanto o ar carregado de tempestades. E
apesar dos meus protestos de que ele deveria se apressar para casa, ele
me acompanha até a beira da floresta atrás da minha casa.

A luz azul brilha da janela da sala e vejo minha mãe esparramada no


sofá, uma garrafa de vinho meio vazia ao lado dela, observando os
Kardashians reclamarem de seus cabelos, roupas e casas milionárias.

Embora ainda não tenha começado a chover, as nuvens pairando


acima da linha das árvores estão escuras e inchadas, e nossos pés estão
quase obscurecidos por uma névoa pesada. Eu me viro quando outro raio
deixa uma cicatriz irregular no céu.

— É melhor você chegar em casa em segurança, Gavin. Talvez


precise de você para me resgatar um dia.

— É você, Poppy? — minha mãe fala quando eu fecho a porta atrás


de mim.

Eu suspiro. A tempestade iminente me obrigou a voltar para casa


mais cedo do que o normal, antes que o vinho a deixasse sonolenta e
desatenta.
— Sim. Vou terminar meu dever de casa.

— Você pode começar o jantar primeiro?

— Certo. — Abro a geladeira, esperando que talvez ela tenha ido ao


supermercado a caminho de casa, mas... não. Temos duas maçãs, um
recipiente de iogurte e uma dúzia de garrafas de condimentos meio
vazias. Abro o armário sobre o fogão. —Macarrão e queijo, ok?

— Não há mais nada?

Olho para dentro do armário. Uma caixa de cereal e uma garrafa de


azeite.

— Não.

— Bem. Você poderia...

— Sim. Vou pegar algumas coisas neste fim de semana. — Engulo


automaticamente o ressentimento que me atravessa, pensando no
dinheiro de babá que terei que gastar no supermercado.

Sou grata por minha mãe estar em casa conosco e por termos um
lar. Eu só queria que fosse mais fácil, eu acho.
Quando tiver filhos, nunca quero que eles sintam que estão sendo
pais de mim. Terei uma carreira, não apenas um emprego, embora minha
família sempre venha em primeiro lugar.

Haverá muita comida na geladeira, uma cesta de basquete no final


da entrada e um daqueles enormes calendários na cozinha — repletos de
jogos de futebol, aulas de dança e noites de encontros.

Quinze minutos depois, divido a massa entre três tigelas e levo uma
para minha mãe. Ela pousa a caneca e tira a tigela de mim, mal olhando
para longe da TV.

Quero perguntar a ela: quando é que isso — jantar fora de uma


caixa, comida na frente de uma tela, desmaiando no sofá - se tornou
suficiente? Ela nunca quis algo melhor para si mesma? Para nós?

São perguntas que não me incomodo em fazer. Mesmo que minha


mãe me desse uma resposta, não tenho certeza se quero saber.

Em vez disso, carrego as outras duas tigelas pelo corredor, batendo


na porta de Sadie com a ponta do meu tênis. — Entre.

— Não posso, minhas mãos estão cheias.

Eu ouço os pés de Sadie atingirem o chão; a porta se abriu um


momento depois.
— Bem, isto é uma surpresa. — Ela pega a tigela que eu estendo
para ela.

— Que? Vamos comer macarrão com queijo no jantar?

Ela revira os olhos que são quase idênticos aos meus. Quase tudo
sobre nós é quase idêntico, mas não exatamente. Nós duas podemos ser
chamadas de loiras morango, mas os meus se voltam mais para o final
ruivo. Nós duas temos olhos castanhos, mas os meus são de cor verde
com âmbar e os de Sadie são de cor âmbar com verde. Nosso tom de pele
é o mesmo, mas ela tem sardas espalhadas pelo nariz que eu amo e ela
odeia. Ela é um pouco mais curvada, sou uma polegada mais alta.

As diferenças entre minha irmã e eu eram enormes, mas muitas


vezes passam despercebidas. Sadie é uma temerária, eu sou seguidora de
regras; ela é barulhenta, eu sou reservada; ela escreve com a esquerda, eu
com a direita.

Como temos idade e aparência tão próximas, a maioria das pessoas


assume que somos gêmeas. Mas eu fui mãe substituta dela por toda a
minha vida. Então, para mim, os dezoito meses que nos separam às vezes
parecem mais anos.
— Não. Quero dizer que você está em casa antes do anoitecer. — Ela
coloca uma mordida de conchas alaranjadas na boca. — Sério, papai. O
que você faz na floresta por horas a fio?

Lancei um olhar aguçado em direção à pilha de livros da biblioteca


ao lado de sua cama. Eu acho que ela devora um por dia.

— Você fica no seu quarto a tarde toda, lendo sobre pessoas


imaginárias.

— É melhor brincar com duendes e fadas?

Eu dou de ombros. — Melhor do que ficar presa dentro de casa.

— Quem você está evitando - eu ou mamãe?

A pergunta dela me pega de surpresa, e o traço de mágoa que brilha


em seu rosto é tão rápido que, se eu fosse outra pessoa, nunca teria
notado.

— Eu não estou evitando ninguém. Eu só gosto de explorar, Sadie.


Isso é tudo.

A culpa agita dentro do meu estômago. Até Gavin, eu nunca mantive


um segredo da minha irmã.
Nós compartilhamos tudo. Comida, roupas, brinquedos quando
tínhamos alguma. Antes de nos mudarmos para esta casa, dividíamos um
quarto, às vezes até uma cama.

Sadie estreita os olhos para mim.

— Por que você está mentindo para mim? Você acha que eu sou
burra? Ou que vou contar à mãe qual é o seu segredo?

Se eu não estivesse segurando meu jantar, levantaria minhas mãos


exasperado.

— Não estou mentindo — insisto. — E mesmo que estivesse, por


que tenho que contar tudo? Uma das melhores partes de nos mudarmos
para cá é que não preciso mais vigiar você a cada segundo.

O sangue escorre de seu rosto, apenas para reaparecer em manchas


rosadas nas bochechas.

— Se é assim que você realmente se sente, então saia — ela grita.

Droga.

— Eu não quis dizer isso, Sadie. Eu sinto muito. — Minha frustração


evapora instantaneamente. Eu odeio que a machuquei, mesmo sem
querer.
Mas... é tão horrível que finalmente estou criando uma vida própria?
Pela primeira vez, eu tenho um segredo. Alguém que pertence apenas a
mim. Não estou pronta para compartilhar Gavin com ninguém. Até Sadie.

Ainda. Eventualmente, quero que ele conheça minha irmã. E seria


bom andar pela cidade, de mãos dadas. Ir ao cinema ou sair para tomar
sorvete.

Por enquanto, porém, ele é o melhor tipo de segredo.

Meu.
CAPÍTULO CINCO
Sackett, Connecticut

OUTONO, SEGUNDO ANO, ENSINO MÉDIO

ENQUANTO PEGO MINHAS ANOTAÇÕES CIENTÍFICAS, as páginas


que rasguei de uma revista enquanto estava no consultório do dentista na
semana passada caem no chão.

Antes que eu possa colocá-los de volta na minha bolsa, Gavin olha


por cima do ombro.

— Projeto de aula?

— Não exatamente. — Sinto um rubor subindo pelas minhas


bochechas, como se ele tivesse me pego com a cópia esfarrapada de
Cinquenta Tons de Cinza de minha irmã, em vez de uma página dupla
espalhada por uma revista de design de interiores.

— Eu pensei que eles se pareciam um pouco conosco, na verdade.

Tornou-se um hábito meu, arrancando páginas de revistas e


escondendo-as em uma gaveta em casa. Fotos de pessoas, lugares e
roupas. Uma mulher patinando no gelo na neve. Um par de estiletes
pretos com solas vermelhas. O sol poente derretendo em um lago calmo,
transformando a água em um caldeirão violeta. Às vezes, eu os espalhava
na minha cama, tentando encontrar algum fio de conexão, uma
semelhança comum. As que eu mais gosto, coloco em um quadro de
avisos na minha parede.

Gavin franze a testa para o casal se abraçando embaixo de um lustre


pingando contas de cristal e pingentes.

— Se você diz.

Corro o dedo pelas fotografias brilhantes tiradas no apartamento


recém-reformado do casal e suspiro. Tantas coisas glamorosas e
elegantes em um só lugar — móveis obras de arte, tetos altos e molduras
grossas e esculpidas. Especialmente o casal, que está vestido como se
estivesse indo a um baile, ele em um smoking preto e ela em um vestido
de noite sem alças, brilhando em milhares de pequenas lantejoulas e
pérolas enfiadas no tecido exuberante.

A única consistência que encontrei não está nos objetos capturados,


mas na resposta que eles provocam em mim. Temor. Talvez um pouco de
inveja. Desejo de ver o que está na página com meus próprios olhos.
Sentir o toque, experimente.
Obviamente, sentindo que estou mais interessada do que estou
deixando transparecer, Gavin deixa de lado sua própria lição de casa e
pega as páginas. Seus lábios se movem silenciosamente enquanto ele
examina o artigo. Quando ele termina, seu olhar se volta para o meu.

— O que você gostou tanto neste apartamento, essas pessoas? — A


expressão de Gavin é sincera e ele faz a pergunta como se realmente
quisesse saber a resposta, como se isso fosse importante para ele. Porque
sou importante para ele.

Quando estou com Gavin, somos apenas nós dois. Ninguém mais
está disputando sua atenção. Ele me faz sentir como se eu fosse a única
garota do mundo. Mas além do nosso santuário arborizado, na minha
escola, em Sackett, eu não sou ninguém.

Passar de um lado para outro entre esses dois mundos — alguém


para ninguém, ninguém para alguém — apenas amplifica o melhor e o
pior dos dois.

Ultimamente, eu me pergunto se minha mãe já experimentou esse


tipo de alegria. Se ela já se sentiu como Gavin me faz sentir.

Porque se ela tivesse sido forçada a viver sem a única pessoa que a
faz se sentir feliz, bem-vinda e interessante... Bem, talvez eu entenda que
ela precisa amortecer a borda afiada da perda com uma garrafa de vinho
todas as noites.

Mesmo pensando em viver sem Gavin aumenta a pressão dentro do


meu peito, contraindo minhas vias aéreas e vasos sanguíneos. Para me
distrair da súbita onda de medo arranhando meu pescoço, volto minha
atenção para as páginas nas mãos de Gavin.

Diferente do sonho de Gavin de se tornar um agente do FBI, não sei


exatamente o que quero fazer. Mas eu sei quem eu quero ser.

Alguém que é convidada para festas glamorosas.

Alguém que enche sua casa com coisas bonitas.

Alguém que bebe café — não vinho — de uma caneca sem lascas.

Alguém que constrói uma vida com um homem que a ama. Um


homem que nunca a abandonará.

Eu hesito, tentando colocar meus sentimentos em palavras.

— É mais do que apenas o apartamento. Olhe para as expressões em


seus rostos. Veja como ele a está segurando, como se nunca a deixasse ir.
E o jeito que ela tem uma das mãos no peito dele, bem acima do coração
dele. Eles apenas... — eu paro por um momento, suspirando com a
fotografia. — Eles parecem tão... perfeitos. Era para ser, você sabe. Como
se nada de ruim tivesse acontecido com eles. Como nada de ruim jamais
acontecera.

Ele faz uma careta. — Coisas ruins acontecem a todos.

— Nem todos. — Eu balanço minha cabeça rigidamente, o


movimento transmitindo minha absoluta certeza. — Algumas pessoas
nasceram para viver vidas encantadas. Quero dizer, você acha que o casal
algum dia tiraria os filhos deles ou os abandonaria voluntariamente?

Gavin considera o que eu disse por um minuto e depois encolhe os


ombros.

— Essa é a coisa das fotos. Eles capturam um momento no tempo e


apenas o que está dentro do quadro. Aquele casal - naquele momento,
nessa foto - eles podem parecer que levam uma vida perfeita. Mas é
apenas uma imagem. É o que eles querem que vejamos. Não temos ideia
do que realmente aconteceu antes do fotógrafo chegar lá ou depois que
ele saiu.

Eu pisco de volta a picada inesperada das lágrimas. Há momentos,


como agora, em que a preocupação de nunca escapar do ciclo do meu
passado — abandono e medo e um desejo constante por coisas que nunca
terei uma vida que nunca levarei — pesa sobre mim como uma pedra, a
pressão me esmagando lentamente.
Eu preciso acreditar que nem todas as imagens são ilusões. Alguns
são instantâneos verdadeiros do tipo de vida que eu posso ter - se eu
quero muito, se trabalho duro o suficiente. Um dia.

— Bem, você pode não acreditar neles — digo, olhando de volta


para o casal na fotografia — mas eu acredito.

Gavin coloca as páginas rasgadas de lado e gentilmente varre uma


mecha de cabelo atrás da minha orelha.

— Eu acredito em você, Poppy. E eu acredito em nós também. Todos


nós temos... Coisas que escondemos da vista. Se você não tivesse o seu e
eu não o meu, talvez não estivéssemos aqui juntos. Mas você tem, e eu
tenho, e nós temos.

— Eu quero sair dessa cidade também. Quero obter meu diploma,


fazer o que for preciso para chegar ao Quântico e ir aonde o FBI me
enviar. Eu quero resolver crimes que os bandidos acham que se safaram.
Mas nosso passado é um motor, não uma âncora. É o que nos leva a
avançar, não o que nos impede.

O braço de Gavin circunda minha cintura quando ele posiciona


minha palma sobre o peito, assim como o casal na foto.
— Você é forte, Poppy. Mais forte do que você pensa que é. — O
ritmo constante de seu coração é ao mesmo tempo tranquilizador e
aterrorizante.

Um coração pode doer. Um coração pode partir. Um coração pode


endurecer.

Um coração pode parar de bater, parar de amar.

Num instante.

— Não me sinto forte — admito com uma voz embargada, a dúvida


caindo sobre mim. E se minha mãe já teve os mesmos sonhos que eu
tenho agora? E se eu sou apenas uma separação ruim de uma vida de
álcool e dependência?

Gavin pressiona um beijo na minha testa.

— Você é — ele me assegura. — É o que eu mais amo em você. Bem,


além da sua risada. E seu sorriso que brilha em todo o seu rosto, não
apenas na sua boca. Eu amo que você não apenas ande pela floresta, está
sempre olhando ao redor, percebendo ninhos de pássaros e flores e
árvores florescendo com a quantidade perfeita de sombra.
Minha respiração fica presa no fundo da minha garganta enquanto
estudo o rosto de Gavin, querendo muito acreditar no que ele está
dizendo.

— Você me ama?

Seus olhos brilham com a minha pergunta.

— Eu amo. E já faz um tempo.

Por quê? Minhas dúvidas são como folhas secas em um dia


tempestuoso, girando sem nenhuma ordem ou razão aparente. — Mas...

— Você não precisa dizer que me ama de volta. Não se você não
fizer.

Posso não entender por que Gavin me ama, mas entendo o que ele
precisa. A esperança passa por sua voz e brilha nos seus olhos. Me
amando de volta.

E há um apelo tácito gravado nos pequenos vincos entre seus lábios.


Mas não minta para mim.

Não são necessárias mentiras. Eu amo Gavin com cada respiração no


meu corpo.
— Eu amo. Eu te amo muito. — Lágrimas correm pelo meu rosto
enquanto digo as palavras, o sal apenas aumentando a doçura do
momento.
CAPÍTULO SEIS
Sackett, Connecticut

VERÃO ENTRE SOPHOMORE E ANO JUNIOR, HIGH


SCHOOL

— OBRIGADO, JIM. — Sorrio para o motorista do ônibus e dou um


último aceno para as crianças amontoadas em cada fila antes de voltar
para o calor do verão. Fazemos uma viagem de campo a cada duas sextas-
feiras e, quando percebi que passávamos pelo posto de gasolina que o pai
adotivo de Gavin gerencia, perguntei se poderia terminar meu turno um
pouco mais cedo e sair no caminho de volta ao centro comunitário. Eu
nunca visitei Gavin no trabalho antes, mas ele disse que seu pai adotivo
estava dividindo o tempo entre esta estação e uma em outra cidade, então
muitas vezes fica sozinho à tarde. Eu decidi arriscar e surpreendê-lo.

Reuni meu grupo de oito meninas de oito anos através de linhas e


passeios, aplicações de protetor solar e intervalos para ir ao banheiro,
apesar de não perder nenhuma delas, eram exaustivos. Minha pele está
pegajosa e queimada pelo sol — porque não tive a chance de reaplicar
meu protetor solar — e meu cabelo está uma bagunça soprada pelo
vento, mas pretendo envolver meus braços em volta do pescoço de Gavin
e beijá-lo até meu bálsamo de coco desaparecer

As duas bombas do lado de fora estão vazias e eu passo por elas, em


direção à pequena loja de conveniência com uma camionete estacionada
na frente.

Eu tenho uma mão estendida em direção à porta quando vejo Gavin


pela janela. Ele está por trás da caixa registradora, mas não está sozinho.

Pela mistura de desafio e agravamento que colorem a expressão de


Gavin, tenho certeza de que o cara de aparência rude, com sobrancelhas
espessas, nariz arrebitado e boné de beisebol voltado para trás é Doug,
filho do pai adotivo de Gavin.

Eu puxo a maçaneta da porta no momento em que o punho de Doug


bate na caixa registradora, a hostilidade aberta aumenta entre eles como
uma nuvem de cogumelo. Duas cabeças giram em minha direção e o olhar
malicioso de Doug me deixa consciente demais do encobrimento grudado
no meu maiô ainda úmido.

— Bem, agora, como posso ajudar...

— Poppy. — A voz de Gavin é densa de tensão. — O que você está


fazendo aqui?
Os olhos de Doug se arregalam por um breve segundo depois se
estreitam em fendas. — Pequeno Gavin órfão, por que você não me
apresenta a sua amiga?

Gavin não é nem um pouco pequeno, mesmo em comparação com o


mais corpulento Doug, nem órfão, mas a náusea ressoa no meu estômago
com esse pequeno gosto do que Gavin lida, a fim de continuar vivendo
com seus pais adotivos.

— Não fale com ela — Gavin rosna.

— Ou o que? Não se esqueça: uma palavra minha e eu vou chutar de


volta para onde você veio.

— Diga todas as palavras que você quiser. — Gavin aponta para uma
câmera de segurança posicionada na parede.

— Eles não significam nada quando eu tiver provas de que você está
tentando roubar dinheiro do caixa.

Doug zomba, despreocupado.

— Mostra o quanto você sabe que essa coisa não funciona há anos.

— Sério? — De olho em Doug, Gavin insere um comando no


monitor, logo à esquerda da caixa registradora. Não consigo ver a tela,
mas o que quer que esteja nele faz Doug empalidecer.
— Filho da puta. — Suas mãos fecham os punhos enquanto ele gira,
parando um pouco para bater um deles no rosto de Gavin.

Gavin nem se encolhe.

— Faça — ele cospe, aproximando-se ainda mais de Doug. Eu nunca


o vi assim, agressivo e com raiva. — Estamos diante das câmeras. Me bata
agora, para que eu possa finalmente te bater de volta.

Seu impasse tenso continua por uma batida, depois duas. Meus pés
estão colados no chão, a respiração ainda no meu peito. Finalmente, Doug
sai de trás do caixa.

Sua expressão é amotinada quando ele abre a porta, gritando: —


Isso não acabou!

Mas por enquanto é isso. E tenho que resistir à vontade de aplaudir


quando uma rajada de ar sensual do verão corre através da abertura,
fazendo as bordas do meu disfarce dançarem sobre as minhas coxas.

Corro para Gavin, me jogando em seus braços.

— Você está bem? — ele sussurra no meu pescoço, me segurando


com força.

— Sim. — O chiado dos pneus de Doug quando ele sai do


estacionamento me faz estremecer, mesmo que a prova de que ele se foi
envie uma onda de alívio através de mim. — Você está bem? Quanto
tempo ele esteve aqui?

— Apenas alguns minutos. Estou bem.

— Que golpe de sorte com a câmera — quando começou a funcionar


novamente?

— Quando troquei a lente e a religuei. Eu sabia que era apenas uma


questão de tempo até Doug aparecer quando ele sabia que eu estava aqui
sozinho. Imaginei que não faria mal tomar precauções.

Eu me afasto, olhando para o azul profundo e escuro do olhar de


Gavin que ainda é exatamente o mesmo do dia em que o conheci. Ele está
mais alto agora, seus músculos magros, mas fortes. E a confiança quase
arrogante que vislumbrei quando ele enfrentou Doug — um pouco
impetuoso, um pouco desdenhoso — não era apenas um ato.

Meu lindo garoto quebrado não está mais tão quebrado.

Ele também não é mais um garoto. Mas ainda lindo.

E definitivamente meu.

Entrelaço meus dedos atrás dos ombros de Gavin, meus polegares


acariciando seu pescoço.
— Então, ele não teve sorte. Você o superou.

— Por enquanto. — Ele encolhe os ombros. — Eu sei lutar com meus


punhos, aprendi com os melhores. Mas, por mais que eu queira quebrar
todos os ossos do rosto de Doug, é melhor fazer as coisas dessa maneira.

Qualquer pensamento persistente de Doug é afugentado pela


promessa do beijo de Gavin, mas seus lábios mal roçaram os meus
quando um sino do lado de fora solta um toque agudo. O gemido de
decepção de Gavin faz um arrepio na minha espinha, sua testa
descansando contra a minha por um momento antes de nos virarmos
para olhar pela janela.

Um jipe chegou à bomba rotulada: SERVIÇO COMPLETO. Antes que


Gavin me solte, as portas do carro se abrem.

Eu reconheço as cinco garotas que saem. Nós estudamos juntas nos


últimos três anos, embora elas estejam na série à minha frente. Elas serão
velhas quando a escola começar novamente em um mês.

Clarissa, a abelha rainha da East Sackett High, entra com calças jeans
e um top de biquíni, seus longos cabelos loiros perfeitamente
despenteados quando caem pelas costas.
— Oi, Gavin — ela murmura, tirando seus Ray-Ban e fazendo um
show de suspendê-los da minúscula corda que liga os dois triângulos mal
cobrindo seus seios.

O seu doce xarope Oi, Gavin é ecoado mais quatro vezes enquanto as
outras meninas aparecem atrás dela.

— Ei. — Gavin reconhece todos elas, embora seus olhos voltem


rapidamente para Clarissa. Constato com prazer que eles não caem abaixo
do rosto dela. — Você vai querer encher o tanque?

Ela franze a testa brevemente para mim, um lampejo de irritação


vincando sua testa.

— Não exatamente. Mas você me conhece, me sinto mais segura


dirigindo com o tanque cheio.

Sério? Reviro os olhos, embora Clarissa não perceba. Eu achava que


ela tinha um jogo melhor do que isso.

Quando Gavin não comenta, ela acrescenta:

— Acabamos de voltar da praia. Você realmente deve vir conosco na


próxima vez.

— Obrigado. — Seus lábios puxam para cima em um sorriso, sua


mão apertando a minha. — Eu sou o tipo de cara que caminha.
— Caminhadas, hein? — A risada aguda de Clarissa me faz
estremecer, embora eu tenha que admirar a persistência dela quando ela
acrescenta: — Você terá que me mostrar os melhores pontos por aqui.

— Na verdade, Poppy é a especialista. — Seu rosto se ilumina


quando ele se vira para mim e faz a conexão entre nós. — Vocês já devem
se conhecer, já que estão em East Sackett.

Cinco pares de olhos imediatamente se voltam para mim e, apesar


do frescor da loja com ar-condicionado, coro vermelho vivo.

Clarissa não é do tipo que admite quando não sabe de nada. Em vez
disso, ela arrasta o olhar para cima e para baixo do meu corpo, tentando
me colocar.

— É claro — diz ela, pouco antes de girar para longe de nós, as


pontas dos cabelos batendo no meu braço enquanto ela se dirige para a
seção refrigerada.

Depois que elas compram uma quantidade impressionante de


bebidas e besteiras de comida, Gavin as segue para fora para abastecer o
jipe de Clarissa enquanto eu finjo estar absorvida em um tabloide.
Quando volta, ele coloca os pés atrás de mim e passa os braços em volta
da minha cintura, aconchegando a parte sensível da pele atrás da minha
orelha.
— Então, onde estávamos?

— Você realmente prefere caminhar a ir à praia? — Estive no


oceano apenas algumas vezes e há algo de perturbador nisso. Como se
fosse apenas uma boca vasta e bocejando, esperando para me engolir
inteira.

Ele levanta a cabeça, pousando o queixo no meu ombro.

— Eu não sei. Eu gosto dos dois, eu acho. Contanto que não esteja
com elas.

Eu soltei uma risada surpresa.

— Acho que a maioria dos caras ficaria muito feliz em entrar


naquele carro.

Se estou sendo sincera, também ficaria. Não porque eu goste de


Clarissa ou de qualquer outra garota que entrou aqui - eu nem as
conheço. Mas invejo suas brincadeiras fáceis, sua história compartilhada,
seu grupo coeso. Eu nunca tive isso.

Gavin move as mãos para os meus quadris e gentilmente me vira


para encará-lo.

— Eu não sou a maioria dos caras... E por que eu estaria interessado


em alguém além de você?
CAPÍTULO SETE
SACKETT, CONNECTICUT

PRIMAVERA, ANO JUNIOR, ENSINO MÉDIO

— VOCÊ ESTÁ ATRASADA. — Hoje, em vez de dizer que você chegou


cedo, eu concordo. — Eu sei. Eu não pude evitar. Minha mãe estava de
bom humor.

Gavin joga o braço em volta dos meus ombros enquanto eu me sento


ao lado dele, ainda ofegando depois de quase correr por todo o caminho
até aqui.

— O que há de errado? Algo sério? Ela fez…

A preocupação em seu rosto tem meu peito se abrindo um pouco


mais, meu coração se enchendo com ainda mais amor do que eu pensava
ser possível.

— Não, ela não fez nada. Ou pegou qualquer coisa. Ainda.

Como sempre, silenciosamente uso essa palavra em qualquer


resposta sobre o vício de minha mãe. Não acho que ela tenha usado
drogas desde que moramos em Sackett, mas é impossível esquecer os
primeiros treze anos da minha vida. Ela ainda não nos deixou. Ela ainda
não recaiu.

É como se houvesse um relógio dentro da minha cabeça que só eu


pudesse ouvir. É só uma questão de tempo.

— Ela ficou desesperada com uma carta que foi enviada a todos os
pais.

Duas cidades depois, uma menina foi encontrada inconsciente atrás


das arquibancadas do campo de futebol. Um dos jogadores, um colegial,
foi preso e todo mundo está dizendo algo diferente, exceto a garota, que
estava tão bêbada que não se lembra de nada. Mas, aparentemente,
existem fotos e textos confirmando que algo aconteceu.

Gavin apenas assente. — O incidente com o jogador de futebol?

Eu me afasto para encontrar seus olhos. — Você já ouviu falar?

— Tivemos uma assembleia escolar sobre isso hoje.

— Provavelmente teremos um amanhã então.

— É uma pena que o idiota não tenha dezoito anos. — Os ombros de


Gavin estão tensos, seu tom pingando de nojo. — Se ele fez isso, ele
deveria receber mais de um ano ou dois no reformatório.
— Do jeito que minha mãe estava falando, a culpa é da garota por
ficar bêbada.

Balanço a cabeça, desejando que fosse possível desalojar a voz da


minha mãe de dentro dos meus ouvidos.

Não criei minhas garotas para serem tão estúpidas. Se você perder o
controle, é melhor estar preparada para o que acontece. Nunca confie em
ninguém além uma da outra.

Gavin zomba quando ele pega um galho próximo e o quebra em dois,


depois joga os pedaços de volta na floresta.

— Nada contra sua mãe, mas isso é besteira. A única coisa que você
merece por beber demais é uma ressaca.

Hesito, analisando meus sentimentos sobre algo que não enfrentei e


que mal consigo imaginar. Não conheço nenhuma das pessoas envolvidas.
Eu nunca tomei uma bebida na minha vida. E eu nunca fiz sexo.

Quando minha mãe fica bêbada, eu a culpo pelas coisas que ela faz,
pelas coisas que ela diz. Eu a culpo por destampar a garrafa, por cada
respingo de vinho em sua maldita caneca e por toda vez que ela a coloca
na boca. Eu a culpo.
Eu a culpo pelos anos que Sadie e eu passamos em um orfanato, as
situações que ela nos colocou quando usava drogas. Às vezes, até a culpo
por minha relutância em falar com estranhos e por Sadie preferir mundos
de ficção ao nosso real. Tanto quanto eu sei, ninguém nunca fez minha
mãe engolir um comprimido ou fumar um cachimbo ou tomar uma
bebida.

— Você não acha que é culpa da garota? — Eu pergunto,


estremecendo com a hesitação da minha pergunta, com a minha falta de
convicção sobre o que é certo e o que é errado quando uma situação é
distorcida através de uma lente alcoólica.

— Por ter sido atacada enquanto ela estava inconsciente? Não eu


não. Erva venenosa de vomitar nos arbustos, castigada pelos pais por
perder o toque de recolher, perder o telefone - qualquer um desses, sim.
Mas agredida, não. Definitivamente não é culpa dela.

Eu deixei suas palavras penetrarem. Se alguém se aproveitasse da


minha mãe quando ela estava bêbada ou drogada, a machucasse
enquanto ela estava vulnerável - mesmo se ela estivesse naquele estado
por causa de suas próprias ações - eu não a culparia. Eu não diria, ela
estava pedindo.
Mas é isso que minha mãe está dizendo sobre uma garota do ensino
médio que ela nunca conheceu. É o que muitas pessoas estão dizendo
sobre ela.

Eu o cutuco suavemente. — Você é um cara legal, Gavin Cross.

—Sim, sim. É o que todas as garotas dizem.

Garotas. A palavra é como um raio laser para um gatinho, me


distraindo do tópico em questão. Penso em Clarissa e em todas as outras
garotas que provavelmente se esforçaram para que Gavin bombeasse gás
desde o último verão, convidando-o para a praia, a piscina ou uma festa.
Provavelmente em suas calças.

Clarissa chegou a me encurralar no banheiro uma vez no semestre


passado, me enchendo de perguntas sobre Gavin. Falando que, se eu
estivesse disposta a trazê-lo, seria bem-vinda para sair com ela e suas
amigas.

Eu queria amigos, mas não estava prestes a me apaixonar por seu


ardil esquema. De qualquer forma, isso me deixou ainda mais protetora
do que Gavin e eu tínhamos. O que compartilhamos juntos.

— Hum... você já... — Eu limpo minha garganta, não tenho certeza se


realmente quero saber a resposta para a pergunta. —… você sabe.
— Eu já...

Olho em volta furtivamente e sussurro: — Transou.

As sobrancelhas de Gavin se arregalam para cima até


desaparecerem atrás dos cabelos caindo sobre sua testa. — Não. Ainda
não.

Eu pisco para ele, estranhamente insatisfeita. — Por que não?

— Por que não? — ele repete minha pergunta, mas não responde. —
Você já?

— Não — eu atiro de volta. — Claro que não.

— Então por que você está me perguntando se eu fiz? Eu meio que


imaginei que era algo que eu deveria fazer com a minha namorada. Você
sabe, quando estiver pronto.

Instantaneamente, meus pulmões parecem ter sido substituídos por


tanques de hélio, meus lábios se curvando no que eu só consigo imaginar
como um sorriso estúpido.

— Você acabou de me chamar de sua namorada.

Uma palavra que eu esperava ouvir dos lábios dele desde o dia frio
da primavera, quando testemunhamos um pássaro zombeteiro muito
vocal encontrar sua companheira. Depois de identificá-los várias vezes
desde então, protegendo estoicamente o ninho ou cantando um para o
outro enquanto dançavam de árvore em árvore, nós os chamamos de
Fred e Wilma.

Gavin faz um som exasperado. — Claro que sim. Você é, não é?

Inferno sim, eu sou. — Mas você nunca disse isso antes.

— Oh. Bem, agora eu disse.

— Eu acho que isso faz de você meu namorado, hein?

— Com certeza...

Cortei Gavin com um beijo, saboreando a pressão de seus lábios nos


meus, a lâmina quente de sua língua. Fitas de desejo se desenrolam
dentro de mim quando suas mãos serpenteiam pelos meus cabelos,
juntando punhados dele enquanto ele segura minha cabeça em suas
mãos.

Os últimos pensamentos remanescentes de uma garota que eu não


conheço e de um jogador de futebol que eu não quero saber evaporam da
minha mente. Há apenas nós, em nossa caverna acolhedora, em nossa
floresta encantada.
— Você sabe, falando como sua namorada, se você quiser fazer
alguma coisa... mais do que beijar, eu não me importaria.

O fogo dentro dos olhos de Gavin incendeia meu rosto... até que seu
gemido apaga as chamas. —Eu gostaria que você não tivesse me dito isso.

Eu deixei minha testa cair contra seu pescoço.

— Por quê?

— Porque tenho feito um bom trabalho convencendo-me de que não


há mais no cardápio.

— Por quê?

— Porque eu amo você. E você é minha melhor amiga. E as coisas


que eu quero fazer com você...

A intriga me envolve como uma rede de fios sedosos e luzes de fadas


cintilantes.

— O que você quer fazer comigo?

— Tudo. — A culpa está escrita na fatia afiada de suas maçãs do


rosto, o conjunto cinzelado de sua mandíbula.
— Eu também quero isso — digo com urgência. — Não precisamos
fazer muito disso. Todo mundo diz que a primeira vez não é tão especial
assim.

— Talvez não, mas você com certeza é. — Ele segura meu queixo na
mão, trazendo meu olhar de volta para seu rosto. —Não aceite nada
menos do que você merece. Sua primeira vez - sua sempre - deve ser
especial.

— Eu te amo. — Minhas palavras emergem como um sussurro,


embora eu pudesse gritá-las alegremente no céu.

Gavin ecoa-os contra os meus lábios, me atraindo para outro beijo.


Os sons da floresta crescem ao nosso redor, imitando minha própria
inquietação e impaciência.

Rebocadores de vento em galhos retorcidos que estão sobre nossas


cabeças, suas folhas balançando. Os pássaros cantam e gorjeiam suas asas
batendo enquanto pulam de um poleiro para o outro. Nem mesmo os
arbustos agarrados ao chão da floresta estão silenciosos, suas
profundezas verdejantes farfalham enquanto esquilos buscam bolotas
caídas.

Mas não estou prestando atenção a nada disso.


Porque dentro do nosso universo selvagem, Gavin é o meu sol. A
maior, mais brilhante e mais bonita estrela. Sou atraída por ele pelas
forças gravitacionais que existem apenas entre nós. Nossa própria
atmosfera, nossas próprias correntes elétricas. Nós somos uma galáxia
em nós mesmos.

Jogando um joelho sobre as pernas de Gavin, eu empurro minhas


mãos nos cabelos na parte de trás do pescoço e me sento em seu colo. Os
dedos de Gavin deslizam por baixo da minha camisa, seguindo a minha
espinha até ele alcançar meu sutiã. Soltando, ele coloca meus seios em
suas mãos e eu solto um desejo, chorando enquanto seus polegares
varrem os picos sensíveis dos meus mamilos. Entre minhas pernas, há um
pulsar, um segundo batimento cardíaco que se torna mais insistente a
cada beijo, cada carícia.

Pressionado contra mim é a prova de que Gavin se sente da mesma


maneira. Eu balanço meus quadris contra ele, seu gemido enviando um
tremor através dos meus ossos. Minhas mãos se tornam gananciosas,
estendendo a mão por baixo da camisa para explorar seus músculos.
Gavin completou nos últimos três anos, ele não é mais o garoto magro que
conheci.
Eu também mudei. No inverno passado, meus seios apareceram
quase da noite para o dia. Meus quadris se curvando o suficiente para que
eu precisasse de um tamanho maior de jeans.

Quando pego minha própria bainha, pretendendo tirar minha


camisa, Gavin me para.

— Não, Poppy. Nós não podemos.

Abalada por uma mistura de frustração, decepção e vergonha, pisco


de volta a dor.

— Por que não?

Ele respira algumas vezes.

— Eu não quero rolar em uma caverna com você. Você merece o


melhor.

Balanço minha cabeça em protesto, desesperada por acalmar as


preocupações de Gavin e satisfazer o instinto de acasalamento primitivo
que surge em minhas veias.

— Encontramos este lugar juntos; nós criamos o nosso. E além do


mais, tudo que eu preciso é você.
Por um momento, acho que Gavin vai mudar de ideia. Que amor e
luxúria vencerão. Mas então suas feições endurecem sua voz moduladora.

— Ainda não, Poppy. Eu quero torná-lo especial para você. E não


estou... não estou preparado.

— Não...— Demoro um minuto, mas finalmente percebo o que ele


está dizendo. —Oh — é a única coisa que sai da minha boca.
Preservativos. Claro. Por que ele os carregava se não estamos fazendo
sexo? Ainda.

A determinação enchendo meus pulmões evapora rapidamente e eu


deslizo de seu colo, ajustando minhas roupas. O peso pesado do nosso
silêncio constrangedor pressiona meus ombros.

Eventualmente, Gavin quebra. — Há algo que preciso lhe contar.

Eu imediatamente penso o pior.

— Oh, Deus, o que ele fez? — Ele é Doug, é claro. Depois daquela
tarde do verão passado, Doug aparentemente passou as próximas horas
bebendo antes de bater com o caminhão em uma árvore.

Ele foi embora sem um arranhão. Bem, tecnicamente, ele não andava
desde que estava inconsciente quando a polícia chegou ao local. Eles o
levaram ao hospital para descartar ferimentos internos e depois para a
prisão local, quando seu exame de sangue revelou um teor alcoólico duas
vezes o limite legal. Desde que foi o segundo DUI de Doug, ele passou
alguns meses na prisão e está em liberdade condicional desde então.

Principalmente, ele evitou Gavin. Mas, como muitas outras coisas,


provavelmente é apenas uma questão de tempo até que ele retorne aos
seus velhos truques. Embora agora, Doug tenha que saber que não sairá
ileso de uma briga com Gavin.

— Sim?

— Eu consegui um emprego. Um segundo emprego, em um


armazém — ele emenda. — Durante os dias, Bill não precisa de mim no
posto de gasolina. Os turnos são logo após a escola e o salário é muito
bom.

Um segundo emprego significa mais demandas em seu tempo e


menos para mim. Para nós. — Uau. Hum, parabéns.

Minha tentativa de fingir empolgação não é muito convincente e


Gavin a enxerga facilmente, passando dedos agitados pelos cabelos já
bagunçados.

— Sim. Eu sei, não é o ideal


— E então quando eu vou te ver — eu gaguejo. Agora, só temos uma
ou duas tardes para passarmos juntos e, quando a escola terminar em
alguns meses, teremos ainda menos.

— Nós vamos encontrar tempo.

Meus ombros caem. Eu amo nossas tardes na floresta juntos.

Claro, às vezes é frustrante como o inferno quando o tempo


atrapalha.

Mas principalmente, parece romântico. Antiquado, mas de um jeito


bom.

No inverno passado, quando a reserva ficou intransitável por meses,


combinamos de nos encontrar na biblioteca toda quarta-feira. Não por
coincidência, esse foi o dia em que Sadie ficou depois da escola para seu
clube de redação criativa. Caso contrário, eu sabia que ela iria querer vir
comigo - a biblioteca era seu lugar favorito - e mesmo que Gavin e eu
estivéssemos nos aventurando na floresta, ainda não estava pronta para
compartilhá-lo com minha irmã. E às vezes nos fins de semana, eu fingia
ter um emprego de babá, mas encontrava Gavin no cinema.

— Quando começa?

Ele engole o corte do pomo de Adão me deixando cautelosa.


— Amanhã.
CAPÍTULO OITO
SACKETT, CONNECTICUT

OUTONO, ÚLTIMO ANO, ENSINO MÉDIO

— FELIZ ANIVERSÁRIO — Gavin diz com um sorriso radiante,


encontrando-me na clareira onde jogamos nosso primeiro jogo de Gin
Rummy. Só que hoje, em vez de um baralho de cartas, ele está segurando
uma pequena caixa embrulhada.

Eu não aceito imediatamente. No meu mundo, os presentes de


aniversário não são esperados. Pelo menos, não do tipo comprado em
uma loja.

No ano passado, Gavin me surpreendeu com um buquê de flores


silvestres. E este ano, o que eu esperava não pode ser enrolado.

— Isso significa que você não quer... — eu, é a palavra que vem à
mente. Consigo segurá-lo, embora a picada quente de lágrimas
decepcionadas pique meus olhos.

Estou tão apaixonada por Gavin que quase dói... e esperava que este
fosse o dia em que finalmente...
Tenho uma sensação perturbadora de que o tempo está se
esgotando para nós. Que esse idílio que compartilhamos não vai durar
para sempre. Tenho certeza de que sou apenas eu, apenas o relógio
ridículo dentro da minha cabeça que ninguém mais ouve.

Normalmente, eu posso me livrar disso. Passamos horas planeando


nosso futuro juntos, compartilhando nossas esperanças e sonhos.

Partimos para a faculdade no final do verão. Felizmente, nós dois


entramos na Worthington University. Ainda estaremos juntos, mas muita
coisa será diferente. Haverá outras pessoas por perto. Outras garotas.
Vamos morar no mesmo campus, onde podemos nos ver a qualquer
momento. Isso é uma coisa boa, é o que eu quero...

Mas tenho medo de perder o que nos tornou especial.

Às vezes, como agora, a urgência que vibra através dos meus ossos é
impossível ignorar. Eu quero perder minha virgindade com Gavin agora.

Antes de partirmos para a faculdade.

Antes que a próxima fase de nossas vidas comece.

Antes do que temos agora, aqui em nossa própria floresta


encantada, desapareça.

Ele balança a cabeça para mim.


— Eu prometo, hoje à noite você terá tudo o que quiser. — O sorriso
se estendeu pelo rosto de Gavin, junto com sua risada familiar, quebra um
pouco do aperto em torno da minha caixa torácica. — E eu também.

Mas não toda ela. Ainda não estou totalmente segura.

— Eu só quero você.

Seus olhos enrugam nos cantos, sua voz baixa como se ele estivesse
compartilhando um segredo.

— Poppy, confie em mim. Abra seu presente.

Pego a caixa como se ela pudesse explodir em minhas mãos,


puxando cuidadosamente a fita para que o papel se desfaça em um
pedaço. Mas meu olhar volta para ele quando uma caixa de joias é
revelada.

— Você não deveria ter gasto.

— Eu queria — ele me tranquiliza.

Eu disse a Gavin para não me comprar nada. Ele trabalhou muito


nos últimos meses e não quero que ele gaste seu dinheiro suado comigo.
Não quando eu sei que ele está tentando economizar cada centavo para a
escola. E talvez, esperançosamente, o futuro que construiremos juntos.
Também estou trabalhando a cada segundo livre, assim como Gavin.
Babá para duas meninas que moram na rua, tirando-as do ônibus quase
todas as tardes e cuidando delas até que seus pais cheguem em casa do
trabalho. E eu tomo conta de outras famílias na maioria das noites de
sexta e sábado.

Gavin e eu não nos vemos tanto quanto gostaríamos. Mas às vezes,


como hoje, fazemos o tempo.

Dou-lhe um último olhar severo, mas quando levanto a tampa, todas


as minhas reservas evaporam tão subitamente quanto à névoa da manhã
em um dia ensolarado. No centro da almofada de veludo há uma pedra
leitosa, esculpida na forma de uma lágrima e suspensa por uma delicada
corrente de prata. À medida que a luz capta, tons de azul e verde dão ao
pingente um efeito etéreo.

—Gavin, isso é lindo— eu digo em um sussurro aterrorizado,


passando o dedo sobre a superfície lisa.

— É uma pedra da lua — diz Gavin, — uma das pedras de


nascimento de junho.

O aniversário de Gavin é dia 28 de junho. Lágrimas brotam dos meus


olhos. Nos meus dezessete anos, nunca recebi um presente tão
extraordinário e extravagante.
— Vou ter um lembrete de você comigo sempre.

Suas bochechas estão tingidas de rosa, e ele muda nervosamente de


pé para pé.

— Sim, mas se você não gostar...

— Eu amo isso — eu interrompo impressionada com sua


consideração e generosidade. Gentilmente, retiro o colar da caixa e o
entrego a Gavin.

— Você vai me ajudar?

Erguendo meu cabelo, eu giro e fecho meus olhos. Depois que ele
prende o fecho na parte de trás do meu pescoço, ele beija minha pele,
enviando um raio de eletricidade pela minha espinha. Minha cabeça
balança para a frente enquanto eu gemo, saboreando o arranhar de seus
dentes e o golpe de sua língua. Os beijos de Gavin também são um
presente. Quero sentir a língua dele em todo o meu corpo.

O toque de Gavin me faz sentir como se estivesse no precipício de


algo mágico e perigoso.

Mas com ele estou segura. Não tenho dúvidas sobre isso.

Eu sou a garota mais sortuda do mundo.


Lentamente, muito lentamente, eu viro em seus braços, minha
cabeça jogada para trás, meu pescoço exposto e vulnerável. Um suplicante
abraçando sua salvação.

Os lábios de Gavin seguem meu pescoço, puxando meu lóbulo da


orelha entre os dentes e mordiscando-o.

— Você tem um gosto tão bom, Poppy — ele murmura, seu hálito
quente enviando arrepios patinando sobre a minha pele. — Você sempre
tem um gosto tão bom.

Meu corpo responde às suas palavras, e à necessidade enfiada em


cada sílaba. Seu toque sexy envia uma inundação de calor entre minhas
coxas, um desejo de fricção, uma dor a ser preenchida.

Prova da luxúria de Gavin, a protuberância em seus jeans


pressionando contra mim, compõe a minha. Um fósforo aceso foi jogado
sobre uma mancha de óleo.

Ele roça seus lábios nos meus, soltando um suspiro trêmulo. Eu


engulo sua expiração, enchendo meus pulmões com seu calor mentolado.

— Vamos para a nossa caverna.


— Feche seus olhos.

Inclino um olhar curioso para Gavin, observando seus lábios


inchados por beijos e pele corada, sua cabeleira indomável e o brilho de
excitação iluminando o azul de suas córneas.

Gavin aperta minha mão tranquilizadoramente enquanto faço o que


ele pediu depois lentamente me leva em poucos passos restantes em
direção à nossa caverna. Sem visão, meus outros sentidos são
intensificados. O grito dos pássaros soa mais próximo, como se
estivessem empoleirados acima da cabeça, em vez de galhos a dez ou dez
metros acima. A mordida da brisa na minha pele é mais acentuada, cada
rajada enviando um calafrio ao longo das terminações nervosas já
sensíveis. O cheiro de terra madura e sempre-viva rica e o aroma limpo e
revigorante do próprio Gavin são totalmente intoxicantes, minha cabeça
nadando enquanto eu respiro profundamente em meus pulmões.

Acima de tudo, o pingente de pedra da lua encostado na clavícula


está fazendo meu peito formigar, meu coração palpitando contra a caixa
torácica.

— Ok, abra-os.

Sim, imediatamente ofegando de surpresa com o que Gavin fez em


nossa pequena caverna. Há velas acesas e pétalas de rosas espalhadas -
não, pétalas de papoula - e uma cesta cheia de bebidas e lanches. Uma
pilha de cobertores e travesseiros.

— Você fez tudo isso por mim? — Eu pergunto minha voz soando
sussurrada e estranha.

Me sinto sussurrando e esquisita.

Eu nunca tive um aniversário como esse. Eu nunca imaginei um


aniversário como esse. Primeiro o colar e agora, vendo os comprimentos
que Gavin passou para mim...

Sob a superfície da minha pele, estou uma bagunça caótica de


emoções. Eu não sei o que dizer, como agir. Este é um território
desconhecido para mim.

— Claro — diz ele, como se não fosse nada. Mas não é nada. É tudo.

Antes que eu me dissolva em uma poça de lágrimas, Gavin enfia a


mão no bolso e pega um baralho de cartas.

— Você me ensinou a jogar gin rummy - que tal eu ensinar você a


jogar poker?

Uma risada estrangulada sai da minha garganta. — Eu acho que é


justo.
Sentamo-nos e Gavin passa alguns minutos explicando o básico do
jogo antes de distribuir as cartas. Não é tão fácil quanto o gin rummy, mas
eu entendo depois de algumas rodadas.

E quando Gavin levanta uma sobrancelha travessa e pergunta:

— Quer tornar as coisas interessantes? — Eu sei exatamente o que


ele está fazendo. Não apenas poker. Strip poker.

É quando percebo o quanto de planejamento foi feito hoje à noite.


Além de me comprar um presente caro. Além de explorar nossa caverna.
Gavin encontrou uma maneira de fazer da minha primeira vez - nossa
primeira vez - uma mistura de velho e novo. Uma experiência que evoca
nosso passado e comemora nosso futuro.

Imaginei a noite em que Gavin e eu finalmente percorreríamos todo


o caminho um milhão de vezes. Mas eu me concentrei apenas nos
aspectos físicos. Dói? Haverá sangue? E se eu fizer errado?

Nunca me passou pela cabeça que ele iria tomar tanto cuidado com
tudo.

Mas, é claro, deveria ter.

Gavin Cross é único.

E ele é meu.
Depois que seu par de ases bate no meu par de rainhas, levanto-me
para descartar meus jeans nas minhas coxas. Observando-me, os dedos
de Gavin se atrapalham com as cartas, seus olhos vidrados de apreciação.
Antes que ele possa estender outra mão, eu rastejo em seu colo e jogo
meus braços em volta do pescoço.

— Eu direi novamente mais tarde, mas só para você saber, esta é a


melhor noite da minha vida.

— Não diga isso ainda. Nós não... — Gavin interrompe, e uma


expressão nervosa puxa suas feições.

Meu coração amolece. Por tudo isso, quase esqueci que esta noite
também é a primeira vez de Gavin.

— Apague isso — eu digo acariciando seus cabelos com minhas


pontas dos dedo — É a melhor noite de nossas vidas.

Com isso, sinto os nervos de Gavin diminuindo.

— Até agora.

Eu ecoo seu sentimento assim como seus lábios reivindicam os


meus, sua boca devorando todas as minhas esperanças, desejos,
perguntas e medos. Eles não são mais meus, são nossos.

Eu sou dele e ele é meu e somos um do outro.


Eu devo ter falado meu pensamento em voz alta, porque Gavin
coloca meu rosto em suas mãos, a intensidade de seu olhar queimando
minha alma. —Eu sou dela e ela é minha e...

— Somos um do outro. — Minha voz se junta à dele, nossos


sussurros abafados deixando nossos lábios como uma oração. Estamos
envolvidos um no outro, nossos corpos conectados, nossos olhos presos,
nossos corações batendo em sintonia.

O momento se estende. Um segundo, depois dois, depois três. O


tempo é irrelevante.

Mas o tempo para jogar cartas é definitivamente passado.

Ele finalmente renuncia ao contato visual para dar um beijo no topo


da minha cabeça, sua respiração abanando meu cabelo e enviando uma
onda de arrepios sobre minha carne. Então sua boca se move para a
minha têmpora, ao longo da curva da minha bochecha e, finalmente, para
aquele pedaço de pele sensível entre a minha mandíbula e a orelha.

Eu gemo baixinho, deixando minha cabeça cair para trás. A língua de


Gavin varre meu ponto de pulso e ele ri o som tão espesso e decadente
quanto à seiva saindo das árvores que nos cercam.

— Seu coração está batendo tão rápido.


— Estou entusiasmada — eu sussurro. E nervosa, apesar de não
querer admitir.

— Eu também — diz Gavin enquanto deslizo minhas mãos sobre o


peito. Sua pele é quente, os músculos empilhados de seu abdômen firmem
e tenso, a trilha de cabelos levando para o sul fazendo cócegas em minhas
mãos de uma maneira que envia desejo primordial para o meu corpo.

Estou usando apenas o sutiã de renda rosa claro e calcinha que


comprei para esta noite. Gavin leva um minuto para admirar, para me
admirar. Seus dentes afundam na plenitude daquele lábio inferior que eu
amo tanto, pupilas dilatando enquanto seus dedos traçam minhas curvas
através do tecido.

— Caramba, Poppy. Você é tão…

Espero que Gavin diga algo simples, como bonita ou bela. Mas, em
vez disso, ele diz: — Perfeita.

Eu imediatamente reviro os olhos e desvio o olhar. Perfeita não é


definitivamente a palavra que vem à mente quando olho no espelho. Meu
cabelo, incluindo meus cílios e sobrancelhas, é de um tom estranho de
cobre. Minha boca é muito larga, meus quadris não suficientemente
largos. Coro com muita facilidade e acho difícil conversar com a maioria
das pessoas. Mas saber que Gavin acha que eu sou perfeita, ou pelo menos
perfeita para ele, é satisfatório de uma maneira que eu nem consigo
explicar.

Ele segura meu queixo em um aperto suave e força meu olhar de


volta ao dele.

— Estou falando sério, Poppy. É como se cada centímetro de você,


cada grama de você, fosse feita apenas para mim.

Se eu tivesse ouvido essa frase em um filme ou escrito em um cartão,


eu me encolheria. Mas há apenas reverência na voz rouca da voz de Gavin.
Reverência... e amor.

Suas mãos correm pela minha caixa torácica, seu leve toque na
minha pele sensível me faz respirar fundo enquanto sensações de
formigamento iluminam minhas terminações nervosas.

— Ainda é tão sensível.

Eu sou. Ao longo dos anos, houve muitas vezes em que Gavin me


prendeu no chão, as pontas dos dedos dançando em cada centímetro de
pele exposta que ele podia encontrar. Eu ri até não conseguir respirar.

Mas não estou rindo agora.

E definitivamente não estou rindo quando Gavin se abaixa e rola a


língua sobre meus mamilos, tornando-os endurecidos em botões
desesperadamente carentes, tornando o tecido já transparente
completamente transparente.

Uma brisa suave entra em nossa caverna e faz meu cabelo balançar
sobre minhas costas e ombros, acariciando minha pele nua. Eu me agarro
aos ombros de Gavin, entrelaçando meus dedos atrás do pescoço dele.

Estou tremendo de antecipação. Tremendo de uma avalanche de


sensações.

Ele abre meu sutiã, um gemido rasgando minha garganta enquanto


meus seios se derramam nas palmas das mãos de Gavin. Seu toque é tão
bom, tão certo.

Estou sorrindo quando Gavin se afasta de mim, seu olhar azul


insondável, tão misterioso e hipnotizante quanto o céu noturno,
capturando o meu. E por um momento, a maneira como ele está me
olhando quase me faz querer encobrir, me virar e me proteger porque
nunca me senti tão exposta, tão vulnerável. Tão nua.

Como se eu estivesse dando a ele meu corpo, mas o que ele


realmente está levando é a minha alma.

— Você tem certeza de que quer fazer isso? — ele pergunta, muito
sinceramente. — Nós não precisamos. Eu posso parar agora... Por que
você está me olhando assim?
A verdade é que Gavin não está levando minha alma, estou dando a
ele.

Mas isso também não é verdade. Já é dele.

Tudo o que sou minhas esperanças, sonhos, medos e necessidades,


confiei nas mãos de Gavin, em seu coração.

Ele os manterá seguros.

E hoje à noite, meu corpo também pertence à Gavin.

— Porque eu quero fazer isso mais do que qualquer outra coisa no


mundo. Porque eu não quero parar. E porque você é tudo o que eu
sempre quis.

Ele olha para mim, com a mandíbula levemente frouxa, uma coroa
de índigo cercando o abismo negro de suas pupilas sopradas. E então ele
assente, como se finalmente entendesse que o rio de emoção que corre
através de mim é tão largo e profundo quanto o dele.

— Somos um do outro — diz ele, sua voz clara e forte, reverberando


no ar fresco do outono.

— Somos um do outro — repito.


Gavin me envolve em seus braços com tanta ternura que sinto
lágrimas se juntando no canto dos meus olhos, como gotas destiladas de
amor e confiança que não podem ser contidas dentro do meu corpo por
mais um segundo. A luz das velas pisca em seu rosto, iluminando suas
feições cinzeladas enquanto ele me deposita cuidadosamente no monte
de cobertores que montou.

Estou nua, exceto pelo último pedaço de renda entre as minhas


coxas, mas o calor do olhar de Gavin me mantém quente. E isso acaba com
minha preocupação com o que acontecerá quando deixarmos Sackett.

Agora sei que não tenho nada a temer. Todos os dias, desde que nos
conhecemos, criamos um pequeno filamento de confiança. Cordas finas de
fio de arame que se entrelaçam, tornando-se uma trança e depois uma
corda. Como dias se tornaram semanas, semanas se tornaram meses e
meses se tornaram anos, Gavin e eu forjamos uma conexão irrevogável.

Mudar de local não mudará quem somos como nos sentimos ou o


que queremos.

— Venha aqui — eu sussurro, precisando sentir mais do que os


olhos de Gavin em mim. Quero o peso dele, quero os beijos, quero o amor
dele.

E eu quero ser dele. De toda forma.


Gavin tira as roupas enquanto eu assisto, depois cai de joelhos para
rastejar sobre mim. Seus cotovelos pousam no recuo da minha cintura,
sua cabeça abaixando para o meu umbigo, sua língua saindo furtivamente
para colo no sulco raso.

— Gavin — eu imploro, me contorcendo embaixo dele. Sinto


cócegas, mas não ha cócegas. Sua língua está despertando uma
sexualidade ilícita e furtiva em mim, faixas de desejo ondulando e
enrolando, espalhando-se por todo o meu corpo.

E esses fios desenrolados estão me deixando carente e devassa,


gananciosa e desesperada. Mergulho minhas mãos nos cabelos de Gavin,
puxando sua cabeça enquanto ele se move pelo meu estômago para
beliscar ternamente meus ossos do quadril, depois abaixo ainda.

Não há pressa no ritmo de Gavin, ele é lento e completo, garantindo


que cada centímetro de mim seja tratado com o colo molhado de sua
língua, a pressão atraente de seus dentes, a abrasão áspera de seu queixo
e mandíbula.

É a primeira vez que ficamos nus juntos, em vez de apenas expor


pedaços de nós mesmos, um de cada vez. Parece diferente de alguma
forma. Mais profundo. Mas as horas que passamos explorando os corpos
um do outro nos ensinaram o que traz prazer e o que não traz. O que leva
ao êxtase e o que nos faz rir. Eu cheguei ao clímax nos dedos de Gavin, na
língua dele. Sua umidade pegajosa cobriu minhas mãos, cobriu meus seios
e deslizou pela minha garganta.

Gavin sabe exatamente o que é preciso para me fazer perder o


controle, abandonando todo pensamento, razão e preocupação de existir
apenas em nós.

E agora ele faz uma pausa, gentilmente apoiando o queixo no


aumento do meu osso pélvico.

— Olhe para mim, Poppy.

Eu faço. Olho fixamente para Gavin, meus olhos percorrendo seus


cabelos selvagens e olhos febris e o sorriso incrivelmente sexy puxando
seus lábios inchados por um beijo.

— Estou olhando — eu digo.

— Sim. — Ele desce mais duas polegadas, sua língua lambendo a


fenda já úmida entre minhas coxas. — Você sempre esteve.

Um gemido cai da minha boca aberta. Depois outro enquanto ele


afasta o tecido e sua língua encontra minha pele diretamente, sem
nenhuma barreira entre nós.

A eletricidade dispara através de mim, irregular e branca, quente,


enquanto queima o último de meu já tênue domínio da realidade. Minha
calcinha desaparece e eu mal pisco quando Gavin abre a boca sobre mim,
devorando-me vorazmente.

Eu chego ao clímax com meus olhos treinados em Gavin, esse garoto


quebrado que de alguma forma sempre foi um homem, cujas feridas e
cicatrizes se alinham tão perfeitamente com as minhas que nos curamos.

Ele puxa cada último pulso delicioso do meu orgasmo, minhas coxas
pressionadas firmemente em torno de suas orelhas, meus calcanhares
batendo uma batida descontrolada em suas costas enquanto ondas de
prazer surgem sobre mim. E quando eles finalmente retrocedem, quando
ele finalmente tira uma camisinha do nada, eu o vejo rolar ao longo de seu
comprimento com mãos que não são muito firmes.

— Eu amo você, Poppy. Eu te amo desde o momento em que você


parecia que ia chorar quando não havia framboesas naquele maldito
arbusto.

O peso de Gavin pousa sobre mim, pressionando-me contra a pilha


de cobertores e travesseiros que ele deve ter feito inúmeras viagens pela
floresta, junto com velas, lanches, bebidas e até mesmo as malditas
pétalas de papoula. Envolvo minhas mãos em seu pescoço, puxando seu
rosto para o meu enquanto sinto a ponta de seu pau embainhado bater
em uma entrada que nunca ninguém entrou.
— Eu me senti horrível. Bem, pelo menos até você dizer que não
gosta de framboesas.

Ele solta um riso abafado e sua espessura me esticando mais e mais,


então impossivelmente mais fundo. Há uma pitada de dor e depois uma
picada mais profunda. Eu choro e Gavin captura minha boca, engolindo
avidamente minha mágoa. Ele me beija profundamente, reivindicando
golpes de sua língua e então, quando a dor desaparece em um nevoeiro
escuro pairando no limite do prazer, nebuloso e indistinto, Gavin libera
minha boca e gentil, reverentemente, beija minhas bochechas e pescoço,
minhas pálpebras e a ponta do meu nariz. Ele me beija até que eu esteja
rolando meus quadris, querendo mais dele, mais de nós. Querendo me
sentir cheia, muito cheia.

Mais tarde, depois que Gavin dá uma última onda de seus quadris e
solta um rosnado profundo e satisfeito, sua cabeça caindo na curva do
meu pescoço, sua respiração uma rajada quente sobre minha pele úmida...
só então ele sussurra: — Poppy, eu amo framboesas.
CAPÍTULO NOVE
SACKETT, CONNECTICUT
PRIMAVERA, ÚLTIMO ANO, ENSINO MÉDIO

Deixei algo para você em nosso lugar. Isso explica tudo.

Ficarei sem contato por um tempo. Eu sinto muito.

Eu te amo.

Eu amo nos dois.

SINTO OS TEXTOS DE GAVIN CHEGAREM, um após o outro,


enquanto estou fazendo um teste. Meu telefone está no meu bolso e,
embora eu sinta o zumbido na minha coxa, verificá-lo durante um teste
significaria um F. automático

Eu os leio enquanto navego pelos corredores lotados no caminho


para a próxima aula, mal prestando atenção em aonde estou indo ou em
quem estou encontrando.

Deixei algo para você em nosso lugar. Isso explica tudo.


Gavin deveria estar na escola, como eu. É uma manhã de quinta-
feira. Estávamos juntos, na floresta, em nossa caverna, nosso lugar, ontem
à tarde. Por que ele deixaria a escola hoje para deixar algo para mim
quando eu o vi ontem?

Ficarei sem contato por um tempo. Eu sinto muito.

Temos planos de nos ver neste fim de semana. Aonde Gavin está
indo? Quanto tempo ele vai embora?

Eu tento ligar durante o almoço várias vezes, mas ele não atende. Eu
envio textos.

Ei o que está acontecendo? Suas mensagens não fazem sentido.

Estou no almoço agora. Me liga.

O almoço acabou e estou na aula pelas próximas horas. Ligue para


mim, eu atendo.

Vamos Gav. Isso não é legal.

Onde você está?

Nuvens cinza-chumbo aparecem durante a aula de espanhol,


envolvendo o sol em uma espessa camada de gaze. Em questão de
minutos o brilho que brilhava através das janelas foi extinto, condizente
com o meu humor. O único texto que recebo é da mãe das meninas que eu
sou babá me diz que não preciso trabalhar hoje.

Isso não tem graça.

Onde você está?

Quando minha aula de História da AP termina, as nuvens ficam


ainda mais baixas e sua cor se torna um carvão sombrio. A névoa gira em
volta dos meus pés quando eu ando para o ônibus, seus faróis mal
penetrando nas grossas correntes de vapor.

Estou indo para casa agora. Tudo o que você deixou para mim
deve ser bom.

E por bem, eu quis dizer - era melhor explicar o que diabos está
acontecendo.

Sadie cai pesadamente no assento ao meu lado, sua mochila


derrubando meu telefone das minhas mãos.

— Sadie, caramba! Cuidado!

Ela sacode a cabeça para trás.

— Uau. Alguém está de mau humor. Que há com você?


Eu a encaro enquanto me abaixo para pegar meu telefone no chão
pegajoso do ônibus. Uma vez na mão, gesticulo para todos os assentos
vazios. Nosso ônibus fica apenas pela metade da manhã e menos ainda à
tarde.

— Há muitos lugares para sentar-se - você nem sempre precisa estar


ao meu lado. Somos irmãs, não gêmeas siamesas.

Dor aperta suas feições quando ela se levanta e se joga no assento à


minha frente.

— Obrigada mana. Amo você também.

A culpa me atravessa por levar minha frustração com Gavin para


Sadie. Ela não merece isso. Um suspiro profundo sacode dos meus
pulmões quando deslizo ao lado dela.

— Eu sinto muito

Um flash de luz rompe a camada de sujeira e condensação que cobre


as janelas do ônibus, iluminando o rosto da minha irmã por um breve
segundo antes que um estrondo de trovão se visse através do assento. Eu
xingo, olhando ansiosamente através das janelas embaçadas.

Os cantos dos lábios de Sadie abaixam quando ela abraça a bolsa no


peito.
— Hoje não há corrida para a floresta para você, hein? Acho que
você está presa em casa comigo e com a mãe. — Ela mostra a língua. —
Deve realmente ser péssimo para você.

Logicamente, eu sei que ela está falando de um lugar de mágoa. Eu


gritei com ela sem motivo e nem consegui terminar minhas desculpas
sem me distrair com a tempestade que chegava e o que significa meus
planos de ir direto para a caverna para descobrir o que está por trás dos
textos enigmáticos de Gavin.

Mas não estou me sentindo muito lógica agora.

— Esqueça — eu digo, balançando a cabeça com nojo e checando


meu telefone novamente.

Não tenho novos textos, mas tenho um e-mail que perdi. É da


farmácia da cidade com o estande de uma hora na parte de trás, um aviso
de que as fotos que eu pedi estão prontas para serem retiradas.

Eu descarto isso como uma confusão. Eu não pedi nenhuma foto.

Quando Eddie, nosso motorista, liga o motor e sai lentamente da


curva do ônibus em frente à escola, a chuva está caindo em lençóis
pesados, através de uma escuridão escura que parece noite.
Não cessa quando serpenteamos pelo terreno irregular no norte de
Connecticut. Nossas colinas e litoral irregular são o resultado de geleiras
cortando essa terra há milhares de anos, razão pela qual a maioria das
estradas em nossa cidade é estreita e ventosa, com declives acentuados e
curvas íngremes.

Leva duas vezes mais tempo para chegar à casa do que normalmente
faz, embora eu não culpe Eddie por ter ido bem abaixo do limite de
velocidade.

Há cinco carros esperando em nosso ponto de ônibus. Minha mãe


não é uma delas. Sadie e eu corremos pela rua com nossas mochilas acima
da cabeça, mas isso não importa. Quando entramos na porta, estamos
encharcadas até aos ossos.

— Ei, meninas — minha mãe chama da cozinha.

— Oi, mãe — nós coroamos, tirando nossos sapatos e jaquetas e


arrumando nossos cabelos molhados.

— Acabei de chegar em casa também. Está realmente chovendo


forte— ela diz, olhando para nós depois que deixamos nossas coisas pela
porta e nos juntamos a ela na cozinha. Ela toma um gole de vinho da
caneca de café e abre uma gaveta, jogando um pano de prato em mim.

— Obrigado — eu limpo meu rosto com ele.


— Oh querida. Não. Use isso para limpar a poça perto da porta, notei
um pouco de água entrando.

Eu tenho que lutar contra o puxão familiar de ressentimento que me


atrai em dias como esses. Por que minha mãe não pode ser normal? Ou
mesmo um pouco mais atenciosa? Tenho certeza de que nunca lhe passou
pela cabeça esperar no ponto de ônibus para nós, em vez de voltar para
casa depois do trabalho. Mesmo que ela notasse os outros carros
estacionados lá, ela provavelmente não tinha ideia de que eles eram pais
esperando seus filhos.

Mas não me deixo ir muito longe. Eu sei que tenho sorte de tê-la. Se
ela desaparecesse novamente, voltar para casa na chuva seria o menor
dos meus problemas.

Eu limpo a água no chão e depois carrego minha mochila para o meu


quarto, tirando minhas roupas molhadas e puxando meu cabelo em um
coque bagunçado.

Pela janela acima da minha cama, vejo a chuva cair, raios atingindo o
céu em faixas brancas irregulares, iluminando o grupo de árvores
balançando e tremendo contra o vento furioso. Por favor, deixe a
tempestade acabar. Envie o sol de volta.
Quando meu telefone vibra na minha mão, eu quase pulo da minha
pele.

Gavin. Obrigado.

Mas não é Gavin. É um alerta climático, um aviso de inundações


repentinas em nossa área. Ótimo.

Estou em casa. Não posso chegar ao nosso lugar até que a


tempestade acabe. Me liga.

Isso não tem graça.

Eu não estou brincando

Onde diabos você está?

Você está bem? Eu estou assustada. Por favor, me ligue.

Eu te amo.

Eu nos Amo.

Passam vinte minutos, quarenta, uma hora. Eu li todos os textos de


Gavin novamente. E então todo os meus.

Onde diabos ele está?


Abro minha mochila, tento me concentrar nos trabalhos de casa.
Depois de ler a mesma frase cinco vezes, pego meu telefone novamente e
ligo para o número da loja de fotos.

— Olá, recebi um e-mail seu hoje cedo.

— Certo. Como posso ajudá-lo?

— Bem, eu não pedi nenhuma foto.

— Oh. Você pode me dar o número do seu pedido?

Eu recito o número mencionado no e-mail e ele me coloca em


espera. A música sincronizada continua por alguns minutos antes de
interromper abruptamente.

— Aqui diz que esse pedido foi pago pelo Gavin Cross. Você...

Não espero que ele termine sua frase. — Eu já estou indo.

Correndo pelo corredor, eu deslizo para a sala de pé, com meias,


para encontrar minha mãe cochilando no sofá, a boca parcialmente
aberta, caneca de café vazia na mesa ao lado dela. Merda. Eu sei melhor
do que acordá-la.

Eu corro de volta pelo corredor, para o quarto de Sadie.

— Ei...
— Você nem bate? — Ela está deitada em sua cama, segurando um
livro com um homem seminu a alguns centímetros do rosto.

— Você pode me cobrir se mamãe acordar? Preciso levar o carro


para a cidade - não demorarei.

Sadie se senta e olha intencionalmente para fora da janela.

— Poppy, você só conseguiu sua licença e quer dirigir na chuva?

A urgência aperta os tendões da minha garganta, transformando


minha voz em um coaxar.

— Eu tenho que.

— Pelo que?

— Eu... — Olhando para o relógio, vejo que só tenho vinte minutos


para entrar na cidade antes que a loja feche. Leva quinze em uma tarde
ensolarada.

— Eu te conto depois. Por favor.

Seus traços suavizam. — Vai. Eu cuidarei da mãe se ela acordar. —


Depois de lhe dar um sorriso agradecido, estou no meio da porta dos
fundos quando a ouço chamar baixinho. — Apenas esteja segura.
Eu chego à loja quando o gerente está entrando no caixa com um
conjunto de chaves. Os ombros dela caem, um suspiro pesado
sussurrando no peito.

— Estamos fechando.

— Desculpe, liguei alguns minutos atrás? — Minha voz termina mais


alto, como se eu estivesse fazendo uma pergunta. — Estou apenas
pegando um pedido de foto. Vou demorar apenas um minuto.

Meu coração está praticamente batendo contra a caixa torácica


quando volto ao carro da minha mãe, encharcada. Pego a sacola plástica e
abro o envelope contendo as fotos que Gavin deve ter tirado com a
câmera do telefone. Existem apenas quinze isso é tudo o que o telefone
dele armazenaria, e ele disse que desejava ter um com mais memória uma
dúzia de vezes.

Mas enquanto folheio cada uma delas, as lágrimas caem com mais
força até minha visão ficar tão embaçada quanto o para-brisa do carro da
minha mãe.

Gavin e eu, deitados em uma pilha de folhas caídas, com as mãos


entrelaçadas. Nossas cabeças estão se tocando, nossos cabelos se
misturando. Sorrisos enormes se estendem por nossos rostos, uma
auréola de folhas vermelhas, amarelas e cobre se formando ao nosso
redor. Eu corro um dedo sobre os lábios de Gavin agora. Ficamos muito
felizes naquele dia. Tão feliz quando estávamos juntos.

Tem uma foto minha, meus olhos fechados, deitados em uma cama
de cobertores em nossa caverna. Meus ombros estão nus e sei que o resto
também está, embora a moldura termine logo abaixo da clavícula. Não me
lembro dele tirando essa foto, apesar de estar quase certa de que ele o fez
- na noite em que fizemos amor pela primeira vez. Meu pingente de pedra
da lua é visível na foto, embora meu cabelo esteja parcialmente cobrindo-
o. E há uma suavidade nas minhas feições, um tipo puro felicidade que
aparece mesmo nesta fotografia.

Temos uma selfie em frente à minha árvore favorita, uma bétula


amarela com raízes grossas e expostas, às vezes nos sentamos como
cadeiras. Outro lugar em que estamos sentados na cordilheira alta que
escalamos que nos levou a nossa caverna todos esses anos atrás. E outro
de nós, de ambos os lados do GC + PW, Gavin esculpiu o tronco liso e cinza
do rato de uma faia.

A chuva ainda está caindo quando eu finalmente chego em casa, o


céu lamacento e ainda mais escuro do que antes. Sadie está me esperando
na cozinha e ela me joga uma caixa de absorventes quando eu entro na
cozinha.
— Obrigada, Poppy. Você é um salva-vidas, — ela diz em voz alta,
apontando a cabeça em direção à sala e pegando os tampões de volta. —
Mãe, Poppy está em casa.

Minha mãe tropeça na cozinha, segurando sua xícara de café e


tecendo levemente. — Sadie, é a última vez que você envia sua irmã para
uma tempestade. — Sua voz diminui quando ela gesticula com a caneca
na janela chocalhando com o vento. — E Poppy, você deveria ter dito a ela
para encher sua calcinha com toalhas de papel.

Sadie volta para o quarto, tenho certeza de que morde a língua.

— Está tudo bem, mãe. Não foi problema.

Derramando a última garrafa na caneca, ela volta ao conforto do


sofá, balançando a cabeça e resmungando.

— Não há nenhuma razão para estar nisto. Aquela garota, apenas


sem consideração.

Alguns momentos depois, bato levemente na porta do quarto de


Sadie, esperando até ouvir — entrar — para abri-la.

— Obrigado. Eu... — Uma onda de remorso atravessa o véu espesso


de preocupação e confusão que me cegou desde a leitura dos textos de
Gavin.
— Sinto muito, Sadie. Antes, e pelas milhões de outras vezes, eu
mordi sua cabeça sem uma boa razão.

Sadie aceita minhas desculpas mais facilmente do que eu mereço.

— Está tudo bem mana. Estamos presas uma a outra, para o bem ou
para o mal.

Uma risada empapada cai da minha garganta. Quando éramos mais


jovens, brincávamos que os votos de casamento eram inúteis porque, no
nosso caso, eles certamente não mantinham nossos pais juntos. Eu nem
tenho certeza se meus pais eram realmente casados. Nunca vimos
nenhuma foto da minha mãe em um vestido branco, e as respostas dela
são sempre vagas. Mas nós as irmãs, dissemos, sempre estariam juntas,
para o bem ou para o mal, não importa o quê.

— Tenho sorte de ficar presa com você, Sadie. Te devo uma.

— Não tanto quanto eu te devo. Mas não se preocupe, vou me vingar


de você um dia.

— Eu, hum... — Olho para o saco embrulhado de fotografias na


minha mão. Prometi uma explicação a Sadie. — Essas são...

Nosso olhar está quebrado quando o telefone dela toca. Ela pega e
olha para a tela. — Nós podemos...
— Claro. — Eu dou um sorriso rápido e saio do quarto de Sadie,
segurando qualquer desculpa para atrasar uma conversa que não estou
em condições de ter.

Passo a noite olhando as fotografias de Gavin, finalmente saindo


pela porta dos fundos quando a primeira luz do amanhecer aparece no
céu.

A tempestade causou estragos na reserva. As trilhas são rios


escorregadios e lamacentos. Décadas de árvores antigas foram
arrancadas, ramos e galhos e enormes galhos cortados espalhados pelo
chão da floresta como tijolos LEGO.

Mas nada vai me impedir de sair para a floresta hoje.

Deixei algo para você em nosso lugar. Isso explica tudo.

Melhor, Gavin. Porque se não explicar, não sei o que vou fazer.
PART II
CAPÍTULO DEZ
Worthington University

SEMESTRE DE OUTONO, PRIMEIRO ANO

— ACHO QUE É A ÚLTIMA COISA — diz minha mãe, tirando o cabelo


da testa úmida e examinando as sacolas e caixas que empilhamos perto
do armário estreito.

Ela tirou o dia de folga do trabalho para me levar para a faculdade,


mas posso dizer que todas as famílias felizes, com dois pais -
especialmente os pais carregando malas e caixas para cima e para baixo
da escada, com os rostos suados radiantes de orgulho - a estão deixando
desconfortável. Agora que seu carro está desembalado, ela está passando
pela porta aberta, meio dentro, meio fora do meu dormitório. Ansiosa
para escapar.

Não tenho como gerenciar as emoções de minha mãe agora. Eu mal


posso gerenciar as minhas.

Francamente, eu só quero que ela e minha irmã saiam para que eu


possa ir até o prédio da administração. Liguei várias vezes, mas ninguém
vai me dizer se Gavin já se registrou como calouro. Se não tenho mais
sucesso pessoalmente, estou preparada para vigiar todos os dormitórios
até encontrá-lo...

Se ele estiver aqui.

Por hábito, levanto minha mão ao meu pescoço, meus dedos se


fechando sobre o pingente de pedra da lua que Gavin me deu no meu
aniversário. Este colar, algumas fotos e esperança são tudo o que me resta
dele. Espero que ele apareça aqui, na Worthington University. Assim
como planejamos.

Na primavera passada, quando finalmente entrei na reserva depois


que a tempestade Nor'easter atingiu Sackett, encontrei nossa caverna
completamente inundada. Voltei todos os dias durante semanas,
vasculhando a própria caverna e a área circundante enquanto a água
recuava. Mas não adiantou. A única coisa que achei do menor interesse foi
um telefone, do tipo que você compra em um posto de gasolina. Estava
coberto de lama a alguns metros da entrada da nossa caverna. Tentei ligá-
lo, mas a fiação deve ter um curto-circuito depois de ficar submersa por
tanto tempo.

O que Gavin deixou para mim foi destruído ou perdido.


A partir de hoje, sou oficialmente uma aluna do Worth U. Estou
sonhando com isso desde que me lembro. Sonhando em começar uma
nova vida. Mas sem Gavin, tudo sobre esse lugar, esse dia, essa nova vida...
parece tudo errado.

— Obrigado pela ajuda. — Encontro o que espero que seja pelo


menos uma sombra de um sorriso apreciativo para minha mãe e irmã.

— Por que eu não levo você para fora...

Mas Sadie não tem pressa de sair. Ela atravessa a sala, passando a
mão sobre o edredom branco e almofadas da minha colega de quarto.

— Eu deveria saber que você acabaria com a melhor colega de


quarto, Poppy. — Um traço de inveja passa por sua voz.

Examinando o outro lado do meu quarto, meu ânimo afunda ainda


mais. Claro, eu seria pareada com uma diva.

Pelo que parece, uma equipe avançada de designers de interiores


havia chegado ao amanhecer para renovar exatamente cinquenta por
cento do nosso quarto compartilhado. Ambos os lados têm uma cama,
mesa de cabeceira, cômoda e mesa. Mas os meus são claramente emitidos
pela escola e os dela... não.
Obras de arte reais, ao contrário de pôsteres com fitas adesivas,
estão penduradas na parede atrás da cabeceira estofada. E a cama em si
foi levantada do chão, três baús amontoados arrumados embaixo. Sua
cadeira é de couro branco e elegante, sua mesa de vidro e cromo. E acima
da penteadeira, o espelho é extra largo, com faixas de iluminação aderidas
ao perímetro, como se pertencesse a um camarim nos bastidores.

O efeito geral é desconcertante, como ficar dentro de uma foto Antes


e Depois.

Franzo a testa quando Sadie se senta na cama, pulando um pouco no


colchão.

— Ainda nem a conhecemos.

— Sim, mas olhe todas as coisas dela. Ela deve estar preparada.

Finalmente, percebendo a disparidade que minha irmã apontou, os


olhos injetados de minha mãe saltam de um lado da sala para o outro.

— Talvez você possa pegar algumas coisas para alegrar as coisas.

O que está sala realmente precisa é de uma parede no meio dela.

— Você sabe, se ela decidir não aparecer, eu provavelmente poderia


vir aqui nos fins de semana e...
Eu dou a Sadie um olhar exasperado.

— Se você realmente quer estar aqui, deve gastar mais tempo lendo
livros do que romances.

Sadie apenas revira os olhos. Estudar não é coisa dela. Se ela não
está obcecada com sua paixão atual, ela está enrolada com um namorado
de livro de ficção. Acho que todos esses finais inventados têm Sadie
convencido de que sua vida se desenrolará como uma trama escrita por
seu autor favorito. A garota fofa e peculiar consegue a estrela do esporte
sexy, brilhante e rico e vive feliz para sempre.

Eu costumava acreditar em finais felizes também.

Agora eu sei melhor.

Contos de fadas não se tornam realidade para todos. Algumas


garotas beijam seu príncipe e ele se transforma em sapo, depois se afasta.

— Desculpe-me. — As palavras educadas são proferidas como uma


reprimenda por uma loira alta e magra parada no corredor.

Minha mãe se afasta minha irmã pulando da cama, com uma


expressão de culpa enquanto cruza de volta para o meu lado do quarto.
A loira entra na sala, imediatamente seguida por sua réplica um
pouco mais jovem. Ambos estão vestindo jeans escuros, cintos estreitos e
camisas brancas justas.

— Qual de vocês é Poppy? — diz quem é uma irmã mais velha ou


uma mãe com um cirurgião plástico na discagem rápida.

Sentindo-me em desvantagem, lamento imediatamente ter ignorado


a carta que recebi com as informações de contato do meu colega de
quarto. Foi enviado algumas semanas atrás, para incentivar os calouros a
se conhecerem antes do dia da mudança.

Por outro lado, ela também não me procurou.

— Essa sou eu — eu digo.

— Adorável. — Ela gesticula para seu mini-eu. — Tenho certeza de


que você e Wren terão um ano fantástico juntas.

Wren e eu nos olhamos silenciosamente, dúvidas mútuas se


acumulam entre nós.

— Eu sou Sadie, irmã da Poppy. — Pela primeira vez, aprecio a falta


de vontade de Sadie de ser ignorada.

— Adorável. Sou Cecelia Knowles, mãe de Wren.


Seu pescoço esguio torce de volta para a porta.

— E você deve ser...

— Mãe de Poppy — ela reconhece, uma mão flutuando sobre sua


garganta.

O sorriso educado da sra. Knowles diminui um pouco quando minha


mãe não mostra sinais de oferecer seu primeiro nome como voluntário.
Eu quase quero explicar que minha mãe não quer ser hostil, é do jeito que
ela é. Sempre uma extensão de algo: a mãe de Sadie, a mãe de Poppy, a
recepcionista do Dr. Rankin. Não sei se já a ouvi se apresentar como Emily
Whitman.

Mas é claro que não, e o momento constrangedor termina quando a


sra. Knowles volta sua atenção para o lado da filha, abrindo gavetas e
espiando o armário, acendendo a lâmpada da mesa.

Wren está apenas carregando uma mochila, que ela coloca em sua
cadeira.

— Tenho orientação em breve — digo, passando impacientemente


de pé para pé. Não há mais nada para minha mãe e irmã fazerem, e se
Gavin estiver aqui, preciso encontrá-lo.

Ele tem que estar aqui.


Ansiosa para ir embora, minha mãe vem em minha direção com os
braços estendidos, cheirando um pouco ácida e cor de carvalho, como
Chardonnay.

— Cuide-se, ok? Estude bastante e faça boas escolhas.

Eu as levo de volta ao estacionamento, sorrindo e acenando como se


não houvesse um punho de medo torcendo e virando dentro do meu
estômago. Não tenho medo de ficar sozinha ou tirar boas notas. Estou
com medo de que hoje seja o dia em que terei que enfrentar uma verdade
que nego há meses. Que Gavin se foi... e ele nunca mais volta.

Depois que as luzes traseiras da Honda surrada de minha mãe


desaparecem em uma fila de carros em retirada, corro pelo campus em
direção ao escritório principal. Um favorito permanente nas listas das —
Universidades Mais Bonitas da América—, Worthington foi inspirado nas
Universidades de Cambridge e Oxford, na Inglaterra. Mas hoje eu mal
percebo a bela arquitetura gótica que me fazia suspirar sobre as
brochuras, sonhando com o momento em que esse lugar se tornaria
minha casa.

— Oi. — Não espero a mulher grisalha e corpulenta sentada atrás da


recepção olhar antes de começar a falar. — Sou caloura e espero que você
possa ajudar.
Ela levanta os óculos pendurados em um colar de contas no rosto e
olha para mim.

— Você acabou de se mudar para o seu dormitório?

— Sim. Crawford Hall.

— E você vai participar de orientação esta tarde?

— Claro.

— Bem, então, minha querida, você não está mais entrando. Você
está aqui. — Ela sorri para mim. — Bem-vinda à Universidade de
Worthington.

— Obrigada — eu digo, a névoa deprimida em que vivi


fragmentando um pouquinho o rosto de seu calor inesperado.

— Estou feliz por estar aqui. — Independentemente do que


acontecer com Gavin, sou grata por dar esse primeiro passo longe de
Sackett.

— Como posso ajudá-la?

— Estou procurando um amigo. Ele deveria estar aqui também.


Quero dizer, nós aplicamos juntos e nós dois entramos, mas... — Tristeza,
medo e confusão voltam rapidamente, as emoções me atingindo como
uma onda desonesta. Balanço de pé, sentindo o sangue escorrer do meu
rosto.

A administradora vem correndo pela mesa e me guia para uma


cadeira.

— Pronto, pronto. Se seu amigo estiver aqui, nós o encontraremos.


Você apenas se senta ao meu lado. — Ela enfia a mão na gaveta da mesa e
pega um punhado de beijos Hershey e doces de caramelo embrulhados
em plástico.

— Pegue uns doces, querida. O açúcar deixa tudo mais doce.

Desdobro um caramelo com os dedos trêmulos e o coloco na minha


língua, agradecida pela explosão de sabor que de alguma forma consegue
me ajudar a focar. Ela olha para mim com um sorriso encorajador.

— Aí está. Tudo melhor?

Não. Mas eu aceno de qualquer maneira.

— Obrigado— olho para a placa de identificação em sua mesa, —


Sra. McGill.

— Apenas me chame de Roz. Todo mundo faz. — Sua cadeira chia


quando ela se recosta nela e volta sua atenção para a tela do computador.
— Agora, basta me dizer quem você está procurando e vou ver o que
posso fazer.

— Gavin. Gavin Cross.

Enquanto os dedos de Roz dançam pelo teclado, permito-me


imaginar que ela se vira para mim com um sorriso efervescente,
anunciando seu número de dormitório e quarto.

Vou sorrir e bater palmas. Eu digo, eu sei exatamente onde é isso.


Obrigado, eu vou encontrá-lo agora.

Compartilharemos uma risada e ela insistirá em que eu leve mais


alguns doces comigo, talvez me lembre de manter um pacote de salva-
vidas e uma garrafa de água na mochila.

E então eu vou encontrar Gavin e...

Mas o teclado dela fica quieto e eu sei o que ela vai dizer antes que
as palavras saiam de sua boca. Ela diz assim mesmo.

— Desculpa querida. Não há Gavin Cross em nosso sistema. Ele não


está aqui.

Ele não está aqui.


Consigo concordar e agradecer novamente antes de tropeçar de
volta ao sol, um punhado de doces derretendo dentro da minha mão.

Ele não está aqui.

E percebo que será difícil seguir o conselho da minha mãe. Não é a


parte de estudar. É a parte de — fazer boas escolhas — em que preciso
trabalhar.

Meu histórico é uma merda.

Confiei meu coração a um garoto bonito e quebrado. Os beijos de


Gavin me deixaram solta e com olhos estrelados, mas suas sussurradas
palavras de amor eram as mais cruéis das ilusões.

Eu sou dele e ele é meu e somos um do outro.

Eu sou dela e ela é minha e somos um do outro.

Somos um do outro.

Mentiras. Tudo mentira.


CAPÍTULO ONZE
WORTHINGTON UNIVERSITY

— VOCÊ VAI FECHAR ISSO? — A voz de Wren é uma mistura de


tédio e desdém quando ela aponta uma unha bem cuidada atrás de mim.

Coloco minha mochila na minha cama, quase gemendo quando o


peso desliza dos meus ombros.

— Coisa certa.

Nós dormimos a menos de três metros uma da outra por um mês e


nosso relacionamento é tão formal e empolgado agora quanto no dia em
que nos mudamos. Não posso dizer que estou surpresa. Eu sabia desde o
momento em que vi o lado dela da sala que nunca seríamos amigas.

Eu não posso culpar tudo por Wren, no entanto. Não sou melhor em
fazer amigos aqui do que em Sackett.

Sinto falta de Gavin.

Tão malditamente.
Ainda me encontro procurando por ele em cada esquina. Vejo um
lampejo de cabelos loiros deslizando contra uma linha do queixo
quadrada ou a sombra de cílios negros e sujos que abanam a ascensão de
uma maçã do rosto, e uma lâmina afiada de desejo desliza pela minha
caixa torácica para perfurar meu coração.

Mas nunca é ele. Ninguém mais tem a mesma juba de ouro rebelde
que Gavin. Ninguém mais tem olhos do tom exato do meu coração
partido. Ninguém mais esculpiu lábios que sussurravam mentiras tão
doces e bonitas.

Eu sei que devo seguir em frente, fazer amigos e agir como uma
caloura típica da faculdade - estudando, festejando e comendo muita
pizza tarde da noite.

Mas nunca fui nada típico.

E mesmo que Gavin não mereça minhas lágrimas, não consigo parar
de derramar. Sentir falta dele é uma dor que nunca desaparece.

Antes que eu possa fechar a porta que está entreaberta, ela se abre,
batendo na parede adjacente com um tapa. Segurando uma garrafa de
tequila em uma mão e uma fatia de pizza dobrada na outra, Tucker
Stockton - o amigo mais próximo de Wren que encontra um motivo para
parar pelo menos uma vez por dia - entra, seguido por um de seus amigos
da equipe de lacrosse.

— Pensamos em fazer uma pré-festa aqui.

Os lábios brilhantes de Wren se curvam em um sorriso enquanto ela


põe de lado seu enorme livro de história da arte.

— Já estava na hora.

— Ei, Poppy. — Tucker senta-se no final da cama de Wren, enquanto


seu amigo puxa minha cadeira de debaixo da minha mesa, gira-a ao redor
e depois fica sobre ela.

— Oi. — Dou um aceno estranho do meu lado do quarto.

Tucker segura sua pizza a alguns centímetros da boca de Wren e ela


dá uma pequena mordida na borda. — Você trouxe os copos, Sully?

— Pegue. — Tucker joga a garrafa para Sully e ele a pega no ar.

Levanto-me, jogando minha mochila por cima do ombro antes que


isso fique mais estranho. Não há necessidade de esperar até que eu seja a
única sem chance.

— Até logo. Já f...


Eu giro, quase batendo o copo na mão de Tucker. O que se estendeu
em minha direção.

— Oh. — Sinto minhas bochechas ficando rosadas. — Tudo bem, eu


não quero abusar.

O que eu quero é me esconder na biblioteca até ter certeza de que


eles se foram. Tucker e Wren terminam as frases um do outro e riem de
piadas compartilhadas que não entendo. Perguntei a Wren se Tucker era
seu namorado, mas ela apenas respondeu:

— Não existe rótulo para o que somos. — Estar perto deles é como
tomar um banho de sal com feridas abertas.

— Abusar — Tucker repete suavemente, olhando para Wren com


uma expressão divertida no rosto. — Eu gosto da sua colega de quarto,
Wren.

— Ela é uma peça rara — responde Wren, seu tom engraçado.

Pego o copo de Tucker.

— Hum, obrigado. — Eu só vou pegar e ir embora.

Sully levanta a garrafa acima da cabeça. — Vamos ficar bêbados!


Não vamos. Depois que Gavin saiu, eu ocasionalmente desmoronei e
fui para o meu quarto com uma garrafa de vinho da minha mãe. E eu me
arrependi toda vez. Não quero ser o tipo de pessoa que afoga sua tristeza
com álcool e sei que nunca encontrarei consolo no fundo de uma garrafa.

Mas hoje à noite engulo a tequila com gratidão. Queima um caminho


na minha garganta, explodindo em chamas dentro do meu estômago.

Eu tusso enquanto aceno uma mão na frente da minha boca, meus


olhos lacrimejando.

— Pelo amor de Deus, fique quieto — assobia Wren. — Você terá


Michael correndo aqui a qualquer momento.

Michael é o conselheiro residente designado para o nosso andar -


um funcionário superior que ganha espaço e hospedagem em troca de
ficar de olho em cerca de trinta calouros. Ele parece bom o suficiente, mas
se nos encontrar com álcool, precisará confiscar e fazer um relatório à
segurança do campus.

Pego a garrafa de água ao lado da minha cama.

— Desculpa. Aquele simplesmente... caiu errado.

Sully enche meu copo.

— Aqui, tome outro antes de irmos para The Hill.


— Oh, não, obrigado. — Eu trago na minha água. — Estou voltando
para a biblioteca.

— Claro que você está — diz Wren, conseguindo parecer satisfeita e


irritada ao mesmo tempo.

— Numa sexta à noite? — Tucker pergunta. — Você deveria vir


conosco.

A mão de Wren se fecha sobre o ombro de Tucker e a aperta.

— Não acho que seja realmente a praia dela, Buck. — E então ela
olha para mim, uma sobrancelha levantada em desafio.

Algo dentro de mim se arrepia com o tom desdenhoso da minha


colega de quarto, com seu olhar desdenhoso. Mas eu dou de ombros.

— Eu não saberia — admito. — Eu nunca estive em The Hill.

— Nunca? — A expressão confusa de Sully é quase cômica.

— Faz apenas um mês. Eu ainda estou me instalando.

— Então você definitivamente tem que vir conosco. — Tucker se


vira para Wren. — Diga a ela.

Wren arqueia uma sobrancelha perfeitamente arrancada, seus


lábios achatando em uma linha fina.
— Diga a ela o que?

— Diga a ela para vir conosco. Que ela vai se divertir.

Ela se contorce um pouco, depois olha para mim.

— O que ele disse?

Sully me salva de responder quando ele bate a borda do seu copo


contra o meu. Sem pensar, despejo a tequila na garganta, tossindo um
pouco menos dessa vez.

— Então — Sully aproxima sua cadeira da minha cama, — se você


não está festejando em The Hill, aonde você vai?

Eu já posso sentir o álcool desacelerando meu cérebro. — Ir…?

— Sim, para festa. — Sully parece genuinamente interessado, seus


olhos apenas se afastando dos meus por tempo suficiente para servir
recargas para todos os outros.

Tucker chuta as pernas na frente dele.

— Ela provavelmente está saindo com o namorado, idiota.

Mordo o interior da minha bochecha, a dor cortando através de mim


com a lembrança de Gavin. Às vezes, sinto tanto a falta dele que meus
ossos pulsam de solidão. Este é um desses momentos.
— Hum, não. Sem namorado, — murmuro, corando de vergonha
enquanto continuo balbuciando. — Não mais. Eu fui embora. Ele deveria
estar aqui comigo em Worthington. Mas ele não está. Ele apenas... Ele foi
embora.

Finalmente paro de falar, mortificada. E triste. Muito triste. Por um


momento, a sala está silenciosa. E então Sully, Tucker e Wren caíram na
gargalhada.

— Sério, onde você a encontrou? — Tucker finalmente pergunta a


Wren.

Ela levanta os ombros em um encolher de ombros indiferente.

— Eu não fiz. Ela estava aqui quando cheguei.

Minhas bochechas queimam enquanto riem - de mim - novamente.


Não acredito que me abri sobre Gavin. Eu não contei à minha irmã sobre
ele e hoje à noite, com pessoas que eu mal conheço - e no caso de Wren,
nem gosto - eu abro como se estivesse em uma festa do pijama do ensino
médio. O tipo para o qual nunca fui convidada.

Antes que eu possa mudar de ideia, tomo uma decisão. Se as festas


no campus não são a minha cena, por que estou aqui? Eu preciso seguir
em frente. Tente fazer amigos de verdade. Worthington não é uma escola
grande, mas certamente é maior que East Sackett. Tem que haver alguém
com quem eu possa me conectar. Alguém que vai me distrair da falta de
Gavin.

O sorriso sereno que eu forço no meu rosto contradiz o desafio em


meu olhar quando encontro o olhar de Wren.

— Na verdade, acho que estudei o suficiente por hoje. Uma festa


parece divertida.

Tucker inclina a ponta do copo para mim. — Boa decisão — diz ele,
antes de jogá-lo na garganta.

Eu espelho suas ações. E desta vez, eu consigo segurar a tosse.


CAPÍTULO DOZE
WORTHINGTON UNIVERSITY

EMPOLGADA PELO ZUMBIDO DE TEQUILA que aquece meu sangue


e a brisa fria de outono nas minhas costas, estou me sentindo empolgada
com essa mudança inesperada de eventos. Minha primeira festa.

Uma festa de fraternidade, para começar.

Esta noite será uma boa noite. Talvez até um novo começo.

Isso é o que estou perdendo. Gavin não.

Vida universitária. Festas. Saindo com os amigos.

Bem... Wren, Tucker e Sully não são meus amigos. Mas talvez hoje à
noite eu encontre alguém que será.

Fica a cerca de quinze minutos a pé do nosso dormitório de calouros


até a fileira de casas de fraternidade em The Hill, e seguimos direto para a
casa com luzes e música estridente. Dois barris estão montados atrás dele
e em poucos minutos estou segurando uma cerveja. Eu gosto de cerveja
tanto quanto gosto de tequila. Mas é reconfortante se apegar a algo -
mesmo que seja um copo Solo vermelho.

Sully permanece nos barris e eu sigo Wren e Tucker para dentro,


onde a pressão de muitos corpos amontoados em um espaço estreito e de
teto baixo deixa a casa quente e úmida. Jaquetas e moletons estão
empilhados em um sofá encostado na parede, e um cara de jaleco médico
trabalha na sala, distribuindo —fotos— de Jägermeister.

— Quer um? — Tucker pergunta.

Eu faço uma careta.

— Não é isso que tem gosto de alcaçuz preto?

— É foda demais— Scrubs grita, segurando a garrafa sobre a minha


cabeça até que eu a incline para trás. Eu quase caio, mas Tucker me apoia
com um braço em volta da minha cintura. Eu odeio alcaçuz preto e o
bocado me faz querer vomitar. Consigo engolir, limpando a boca com as
costas da mão na esperança de apagar o gosto horrível. Isso não funciona.

Scrubs passa para o seu próximo — paciente — e eu franzo a testa


para Tucker.

— Onde está sua vez?

Ele me solta e sorri. — Eu odeio alcaçuz preto.


Eu deveria estar brava com ele. Ou pelo menos irritada.

Mas estou tão cansada de sentir.

Louca. Triste. Irritada. Abandonada. Traída.

Sentir é uma merda.

É doloroso e sem sentido.

Encontro-me instintivamente pegando o pingente que fica bem


dentro da cavidade da clavícula, passando o polegar sobre a pedra da lua
lisa como um talismã.

Tucker nota.

— O que é isso? — ele pergunta, olhando mais perto para ver


melhor, as pontas dos dedos roçando as minhas enquanto ele tira o colar
do meu alcance.

— Foi um presente. — Tropeço nas minhas palavras, surpresa com o


interesse dele. E a sua proximidade.

O rosto de Tucker está a poucos centímetros do meu, seu olhar


sombrio examinando primeiro meu pingente, depois eu.

— Daquele cara? Seu namorado?


Eu não posso me afastar. Se eu fizer, a corrente delicada se romperá.
Consigo um aceno superficial.

— Sim.

Ele finalmente solta, endireitando-se a toda a sua altura.

— Você disse que ele deixou você. Por que você ainda está usando?

Eu pisco de surpresa. Por que ainda estou usando? Como eu poderia


tirar o colar de Gavin? A pedra da lua representa junho, o mês em que ele
nasceu. É como ter um pedaço dele comigo o tempo todo. Eu odeio não o
ter em volta do pescoço quando tomo banho, mas parar de usá-lo
completamente... Não. Apenas, não.

Uma memória brilha em minha mente. No dia em que Gavin e eu


caminhamos até o cemitério logo depois do canto nordeste da reserva,
para conferir as lápides que datam da Guerra Civil. Tinha sido uma tarde
ensolarada e quente de primavera e o cemitério não era assustador. Foi
pacífico, na verdade. Rodeado por carvalhos imponentes, quase cheio de
louros de montanha florescendo. Lemos os epitáfios que não foram
corroídos pelo tempo e pelo clima, inventando histórias sobre as pessoas
que eles comemoravam. Partimos mais tarde do que deveríamos, ao
entardecer, e eu tropecei em uma pequena lápide. Uma criança,
provavelmente natimorto. A data de nascimento e morte são iguais.
A dor que estremeceu através de mim não tinha nada a ver com o
meu joelho arranhado, e Gavin caiu ao meu lado, seu rosto uma máscara
de preocupação. Ele deu uma olhada nos meus olhos molhados e no
queixo trêmulo e me puxou para seus braços, beijando minhas lágrimas. E
mais tarde, quando ele me viu mancando, ele se ajoelhou me puxou de
costas e, com minhas mãos em volta do pescoço e meus tornozelos
cruzados na cintura, ele assobiou a melodia mais doce e triste quando me
levou para casa.

— Eu amo-o. E um dia ele voltará. — Não tenho certeza se o álcool


está falando, mas neste momento estou certa de que minha resposta é a
verdade. Um dia, Gavin voltará para mim.

A expressão de Tucker é indecifrável. — Ele é um cara de sorte.

— Não — eu pisco a memória mesmo quando o eco assombroso


roda dentro dos meus ouvidos, — eu sou uma garota de sorte.

Uma sombra cai sobre o rosto de Tucker. É Sully, sendo arrastado


por uma Wren de aparência irritada.

— Poppy, divirta-se com Sully — ela ordena depois pega o braço de


Tucker. —Vamos, Tuck. Eu quero dançar.

— Hora de reabastecer — Sully diz, inclinando seu copo vazio em


minha direção, como se eu precisasse de verificação. — Quer vir comigo?
Olho de volta para Tucker, mas meus olhos encontram Wren. Ela
está à margem da pista de dança, uma pequena luz de discoteca piscando
rosa e azul no teto acima de sua cabeça. Quando ela encontra meu olhar,
nem mesmo a iluminação espástica pode disfarçar sua expressão
triunfante.

— Certo. — Entro na Sully do lado de fora, a transição da estufa


suada para a tundra congelada fazendo minha cabeça nadar. Ele me pega
quando eu tropeço nos degraus.

— Você está bem aí?

Eu respondo. — Alguém derramou cerveja, só um pouco


escorregadio é tudo.

— Tem certeza que? Wren me disse para cuidar de você - não posso
deixar você cair e quebrar a cabeça.

Mais, ela disse para você me tirar do caminho.

Ele enche seu copo do barril e depois sigo Sully de volta para casa,
aonde ele vai para o porão. Um alto-falante perto da escada toca a mesma
música do piso principal, mas não está tão lotado. Outro grupo de
estudantes embriagados está jogando beer pong e flip cup 3 e, no canto,
algumas garotas mexem o conteúdo de uma panela de lagosta com uma

3 Jogos normalmente feitos em festas norte americanas.


espátula de metal, do tipo usado para virar hambúrgueres em uma
churrasqueira.

Olho os cilindros vazios da Crystal Light e o fino pó amarelo


espanando a bancada atrás deles com alívio. Limonada é exatamente o
que eu preciso. Qualquer coisa que não tenha álcool.

— Posso ter um pouco disso? — Derramei minha cerveja em uma


lata de lixo.

— Temos uma cobaia para nós! — uma delas gorjeia, pegando meu
copo e mergulhando-a na mistura. Ela devolve para mim, ainda pingando.
— Diga-nos, é muito forte?

Eu me preparo para o sabor avassalador de adoçante, mas não é tão


perceptível quanto eu pensaria.

— É bom. Obrigado. — Tomo outro gole. — O que mais há nisso?

— Apenas Everclear e gelo — diz ela, levantando seu próprio copo


vermelho.

Everclear? É uma nova bebida energética de que ainda não ouvi


falar? Tomo outro gole. Não tem gosto de álcool, mas também não tem um
refrigerante. Seja o que for, tem que ser melhor do que shots.
Volto em direção a Sully, que migrou da mesa de ping-pong para um
alvo de dardos. Quando terminei metade da xícara, encostei-me na parede
mais próxima.

Um dos dardos de Sully voa suavemente pelo ar, projetando-se para


o centro morto. Scott dá um soco no ar.

— Sim-ah! Alvo!

Eu olho de soslaio para o alvo, os círculos coloridos se movendo na


frente dos meus olhos.

Jesus, Poppy. Controle-se.

A garota que me deu minha limonada passeia, passando a mão


possessivamente pelas costas de Sully.

— Eu pego o vencedor — diz ela, olhando diretamente para mim.

Eu não estou interessada em Sully, mas ainda é irritante deixar de


lado. Novamente.

—Ele é todo seu— digo, decidindo que é hora de encerrar a noite.

Subo as escadas e vou para a porta da frente. Quando saio, não


consigo me concentrar em nenhum dos rostos ao meu redor. Só estou
grata que o chão se levanta para encontrar meus pés quando coloco um
na frente do outro.

Não cheguei muito longe quando ouvi meu nome atrás de mim. Eu
paro, virando-me com cuidado.

—Olá. — Tucker corre. —Eu queria saber onde você foi.

Tomo outro gole de limonada e olho atrás dele. —Onde está Wren?

—Ela ficou de fora com algumas garotas da irmandade que planeia


prometer no próximo semestre— diz ele. —Você já está voltando?

—Sim. — Eu me afasto em direção aos dormitórios.

—Se seu namorado estivesse aqui, aposto que ele não deixaria você
voltar para casa sozinha.

Eu estremeço com o lembrete desnecessário.

—Bem, ele não está aqui, está?

—Pior para ele.

Exatamente. A pior para ele. Tomo outro gole de limonada, me


sentindo quase beligerante.
Eu me afasto de Tucker, em direção aos dormitórios. Não estou
preocupada em voltar sozinha. Worthington é uma das faculdades mais
seguras do país, fato que elas exaltam em todas as excursões e pacotes de
marketing do campus.

Em dois passos, Tucker alcança.

—Se importa se eu for com você? Eu me sinto mal. Eu convenci você


a ir à festa e você obviamente não se divertiu muito.

—Não é sua culpa. Wren estava certa. Afinal, não era realmente a
minha praia— eu digo. —E você não precisa tomar conta de mim.

—Eu não estou de babá. Estou apenas cuidando de você.

—Não diga isso a Wren. Ela quer que você seja só ela.

Tucker pega minha mão livre, entrelaçando seus dedos nos meus.

—Não ligue para ela. Ela é um pouco possessiva, eu sei. Mas ela não
é quem eu quero. — Ele olha para a minha bebida. —O que é isso?

—Isto? — Estendo o copo vermelho em sua direção. —Limonada e...


outra coisa. Qualquer outra coisa.

Ele fareja e toma um gole saudável. —Jesus, você não brinca em


serviço.
Eu franzir a testa. —O que você quer dizer?

—Nada. Você tem muita tolerância, é tudo. — Ele devolve o copo


para mim, sorrindo. —Bastante impressionante, para uma garota.

Álcool e euforia zumbem em minhas veias. Impressionante. Eu gosto


do som disso. É a mesma palavra que me ocorre quando olho para
pessoas como Tucker e Wren. Eles têm confiança neles, uma segurança
que os rodeia como uma bolha protetora.

Ao lado deles, eu sou tão... insignificante.

Trago o resto da mistura de limonada e jogo meu copo para o lado.

Poppy bêbada é um lixo.

Isso é mesmo uma palavra? Antes que eu possa pedir a opinião de


Tucker, ele passa os braços em volta da minha cintura, me puxando para
o lado dele.

Eu esqueço tudo sobre minha contravenção. Um momento há uma


nuvem de vapor entre nossos lábios, no outro ele está engolindo meu
suspiro. Tucker tem gosto de cerveja com apenas uma pitada de doçura
da limonada.

Não é como Gavin.


Droga. Pare de pensar em Gavin. Não importa quantas boas
lembranças eu tenha nada pode mudar o fato de que ele me deixou. Faz
meses, e ele não voltou. Talvez eu não o supere, mas tenho que pelo
menos tentar.

A língua de Tucker é quente e insistente, e eu me agarro a seus


ombros quando um tremor sacode meu corpo.

Ele se afasta. —Frio?

Sei que está frio aqui fora, mas não consigo sentir. Talvez porque eu
esteja sentindo muitas outras coisas. Tonta. Despertada. Nervosa.
Culpada. Um pouco doente. E muito, muito bêbada.

—Talvez um pouco.

Mas não me sinto brava, triste, aborrecida, traída ou abandonada.

É uma melhoria.

—Vamos lá, vamos levá-la para casa.

De mãos dadas, andamos o resto do caminho, pensamentos de Gavin


e Wren tão distantes quanto às estrelas suspensas dentro da cúpula de
obsidiana do céu noturno.

Nosso dormitório está praticamente vazio quando voltamos.


—Quer voltar para o meu quarto? Poderíamos assistir a um filme ou
algo assim? Eu pergunto. — Tucker é amigo de Wren, mas isso não
significa que ele também não possa ser meu.

Oh, por favor. Você nunca teve amigos. Você tinha Gavin.

Mas Gavin se foi. Ele não te ama mais. Talvez ele nunca tenha feito.

Mentiroso! Ele me amava, eu sei que ele amava.

Então, por que ele não está aqui?

Eu aperto meus olhos fechados, balanço minha cabeça. Pare com


isso, Poppy.

—Poppy?

Merda. Eu os pisco abertos para encontrar Tucker olhando para


mim. E eu gosto de como ele está me olhando. Preocupado. Interessado.

—Sim?

—Vamos voltar para o meu. Meu colega de quarto quase nunca está
lá. — Ele levanta as sobrancelhas escuras e me beija novamente. Balanço
nos braços de Tucker, agarrando seus bíceps para me firmar.

Gavin provavelmente já beijou outra pessoa agora. Ele


provavelmente se esqueceu de mim.
O quarto de Tucker fica no lado oposto de Caldwell do meu, embora
estejamos no mesmo andar. E é imediatamente óbvio que nós dois temos
situações estranhas também. Um lado da sala é perfeitamente arrumado.
Cama feita, livros sobre a mesa alinhados com as espinhas voltadas para
fora, gavetas da cômoda todas empurradas, a parte superior livre de
detritos. O outro lado parece que um tornado o rasgou, espalhando
roupas, livros e roupas de cama por toda parte. Uma pilha de roupa suja
ou limpa, não sei dizer, está amontoada na cama desfeita.

—Qual lado é o seu?

—Você acha que eu poderia viver assim? — Seus lábios carnudos se


retorcem de nojo enquanto ele caminha para uma pequena geladeira
escondida ao lado da mesa impecável. —De jeito nenhum.

Pego a lata de cerveja, mesmo sabendo que deveria pedir um


refrigerante. Ou melhor, ainda, água. Sento-me na cama. É macio. Muito
macio. Meu estômago revira, e eu me inclino para frente, me abaixando
no chão, precisando sentir algo sólido debaixo de mim.

Tucker olha para mim interrogativamente. —Você está bem?

Seu rosto se divide em dois, depois se funde novamente.

—Sim Sim. Tudo bem. — Ele se senta ao meu lado, uma mão
segurando minha mandíbula, o polegar varrendo minha bochecha.
—Não devemos fazer isso. Wren quer...— Eu pego a ofensa e paro.
—Wren quer você. Estou quebrando o código das meninas.

—Você e Wren são amigas?

Minha língua está pesada e estranha na minha boca.

—Não. Eu não tenho nenhuma...

—Você não tem... o quê?

—Amigos. Não tenho, não tenho amigos.

Os recursos de Tucker desfocam novamente.

—Pobre Poppy. Sem amigos, sem namorado. Você está sozinha, não
está?

A tristeza se enrola como uma mola dentro de mim e sinto uma


lágrima escorrer pela minha bochecha.

—Não.

Ele o limpa com a ponta calejada do polegar. —Eu posso ser seu
amigo.

Tucker avança, ou talvez eu o faça. E então estamos nos beijando,


seus braços envolvendo a minha cintura, minha cerveja quase intocada
esquecida. Depois de fechar os olhos, sinto que estou no Tilt-a-Whirl4 em
um carnaval barato e noturno. Eu me afasto, precisando de espaço.

Mas Tucker está tão perto. Muito perto.

—Você é tão perfeita— ele sussurra. —E eu tenho você toda para


mim, não é?

—Preciso me deitar. — Minhas palavras são apenas um murmúrio.


Estou segurando a consciência pelas unhas.

Tucker segue seus lábios nos meus, seu corpo pesado em cima de
mim. Eu choramingo, tentando respirar fundo. Mas não posso.

Pressiono minhas mãos contra o peito dele. Mas não tenho forças
para empurrar, meus dedos envolvendo a gola de sua camisa, sua pele
quente contra os nós dos meus dedos.

Eu quero falar, dizer as palavras pulsando no meu cérebro como


luzes da rua. Pare. Não. Saia.

Mas os sons que eu faço não são palavras. Eles não são nada.

E logo estou calada.

4Brinquedo que possui cadeiras que rodam em seu eixo enquanto o brinquedo em si gira para o outro lado,
muito visto em parque de diversões
CAPÍTULO TREZE
WORTHINGTON UNIVERSITY

O CHEIRO ME ACORDA. Vômito e produtos químicos. Urina e suor.

Meu cérebro está pegando fogo, minha língua grossa e confusa


dentro da minha boca.

Forçando meus olhos a abrirem, sou imediatamente atacado por


luzes brilhantes que apunhalam minhas córneas.

—Ah, finalmente. Você está acordada. — Uma mulher vestida de


bata aparece ao meu lado.

Merda.

Jagermeister.

Noite passada.

Ontem à noite... O que aconteceu ontem à noite?

Minha mente instintivamente se afasta da porta trancada da minha


memória e entra no modo de triagem, concentrando-se no que eu sei. Eu
estou em um hospital. Tudo dói, mas estou viva. E, debaixo de um lençol
fino... estou nua.

—Oi. Um...— Minha garganta se fecha quando meus olhos se enchem


de lágrimas.

Ela me passa um lenço antes de pensar melhor e entregar a caixa


inteira. —Você não lembra muito, lembra?

Balanço a cabeça, o leve movimento enviando uma bala


ricocheteando através do meu crânio.

—Não— eu sussurro, pegando os lenços com as mãos trêmulas.


Limonada. Dartboard. Lavanderia empilhada. Cama macia. Tucker.

Beijando Tucker.

—Você foi trazida algumas horas atrás porque teve uma convulsão
no seu dormitório. Não é realmente surpreendente, se você quer saber a
verdade. Seu sangue poderia ter sido engarrafado como um refrigerador
de vinho. —Ela aperta a língua para mim. —Infelizmente, vejo garotas
como você o tempo todo, garotos jovens longe de casa pela primeira vez,
bebendo o que quer que alguém lhe dê.

—Eu realmente sinto muito.


—Não precisa se desculpar comigo. Este é o meu trabalho. — A
decepção está gravada nas linhas ao redor de sua boca. —Mas é a sua
vida. Faça um truque como esse novamente, e da próxima vez isso pode te
matar.

Seu anel, uma aliança simples de ouro, bate no corrimão quando ela
pega a prancheta pendurada de lado.

—Ah, e outra coisa. Encontramos evidências de atividade sexual.


Uma camisinha...— dentro de suas roupas. Sua caneta paira sobre o papel
em anexo enquanto seus olhos sondam os meus. —Isso soa certo para
você?

Certo? Não, não, não é. Parece errado. Muito, muito errado.

Eu olho para longe. —Acho que sim.

Há o risco da caneta no papel.

—Bem, acho que é isso. — Ela coloca a prancheta de volta. —Eu


tenho uma bolsa com suas roupas. E há um garoto esperando para levá-la
de volta à escola.

O ar deixa meus pulmões em um uivo vertiginoso. —Tucker? — O


pensamento de vê-lo agora me deixa... confusa. Não consigo entender o
que a enfermeira acabou de me dizer. Ele...? Nós...?
Ela torce o rosto. —Não, algo com um M, eu acho. Ele é um
conselheiro do seu dormitório.

Alívio e decepção lutam uma guerra de relva dentro do meu peito.


Tucker não.

—Meu RA, Michael.

—Sim é isso. Ele pediu a sua colega de quarto uma muda de roupa
para que você não precise ir para casa de bata.

Merda. Minha boca se enche com o gosto de alcaçuz preto e eu faço


um barulho engasgado, apertando a mão no meu rosto.

A enfermeira pega um balde de plástico e o empurra para baixo do


meu queixo.

—Não deve sobrar ter nada no estômago, mas se você precisar


vomitar vá em frente.

Ela está certa, não tenho mais nada para vomitar. Os movimentos
secos agitam meus ombros por vários minutos, até que eu finalmente me
jogo contra o colchão, segurando o balde no meu peito como um colete
salva-vidas.

—Obrigado.
Ela dá um tapinha final no meu braço.

—Um médico chegará em um minuto para falar com você. Supondo


que ele assine, você estará de volta em casa dentro de uma hora.

Casa. Eu deixei a palavra entrar. Caldwell Hall não é minha casa. A


casinha em Sackett também não parecia estar em casa. O lar não está aqui
ou ali.

Lar é uma caverna dentro de uma floresta encantada. Lar é Gavin,


com os braços em volta de mim.

Mas Gavin se foi. Eu não tenho mais casa. Este não é um filme e eu
não sou Dorothy, usando chinelos vermelhos e pulando por uma estrada
de tijolos amarelos. O tornado que me trouxe até aqui é todo feito por
mim, minha mente é uma nuvem de perguntas e arrependimentos.

O que aconteceu entre mim e Tucker na noite passada?

Wren sabe?

E quanto a todo mundo no chão? No meu dormitório? Na WU?

Ontem eu era apenas mais uma caloura. Mas depois da noite


passada, ser levada às pressas para o hospital em uma ambulância.
O médico aparece, parecendo ocupado e cansado. Respondo às
perguntas dele, olho para a luz que ele brilha nos meus olhos e recito meu
nome, aniversário e data de hoje. Ele se afasta e eu respiro rapidamente,
fortalecendo. Uma vez que ele fala com a enfermeira, eu posso sair.

Mas ele não vai longe. Apenas alguns passos para pegar um
banquinho sobre rodas, empurrando-o ao lado da minha cama. Ele senta.

—Você sabe, eu tenho uma filha quase da sua idade. Espero que ela
também vá para Worthington. — Ele faz uma pausa, cruzando a perna
sobre o joelho. Eu olho para sua meia. É argyle.

Quero desviar o olhar, tapar meus ouvidos, fazer o mundo parar de


girar. Alguns minutos atrás, meu coração estava disparado, mas agora é
apenas um baque lento e sem graça dentro do meu peito. O que quer que
ele esteja prestes a dizer, não quero ouvir.

Mas não há para onde ir. Eu não consigo escapar estou presa.

—Vou lhe contar o que diria a ela. Você não estava em condições de
fazer sexo ontem à noite. Gostaria que você autorizasse um kit de estupro.
Não vai demorar muito, apenas um exame e alguma papelada. E, claro, a
polícia...

Um calafrio vibra através de mim e eu recuo.


—Não. — Paro para engolir um pedaço de pânico do tamanho de
uma bola de golfe. —Não quero um— nem posso dizer a palavra,
ignorando-a inteiramente— um kit. Ou outro exame. Não há necessidade
de chamar a polícia. Realmente. — Minha voz é alta, minhas frases curtas
e agitadas. Lágrimas transbordam meus cílios.

Eu quero que isso acabe. Quanto mais cedo eu sair, mais cedo eu posso
fingir que a noite passada nunca aconteceu.

Os ombros do médico caem e ele solta um suspiro derrotado.

—Isso é seu direito. Mas você deve considerar aconselhamento. Às


vezes, leva um tempo para processar um trauma como esse, e você não
precisa fazer isso sozinha. — Ele levanta uma bolsa transparente
contendo um amarelado... Minha respiração fica no fundo da minha
garganta quando percebo o que é. O preservativo.

—Fique longe de quem pertence, ok?

Consigo um aceno brusco, fala além da minha capacidade.

Na porta, ele lança um olhar final em minha direção, uma última


chance de mudar de ideia. Mas eu não.

E então ele coloca a bolsa em uma lata de lixo e vai embora.


Estou olhando para ele, tentando recuperar o fôlego, quando a
enfermeira volta carregando minha mochila e uma sacola plástica,
amarrada no topo. Ela coloca a bolsa no final da cama.

—Suas roupas da noite passada estão aqui. Eu recomendo lavá-las o


mais rápido possível. — Colocando gentilmente minha mochila no meu
colo, ela oferece um sorriso gentil. —Boa sorte para você, Poppy. Não leve
a mal, mas espero nunca mais vê-la.

Um coaxar fraco estremece dos meus pulmões. —Eu também.


CAPÍTULO QUATORZE
WORTHINGTON UNIVERSITY

ASSIM QUE ELA SAI, eu cuidadosamente saio da cama do hospital e


visto meu jeans e moletom. Meu corpo inteiro dói, e eu me sinto como um
octogenário em vez de uma estudante universitária de dezoito anos de
idade.

Pego a bolsa que contém minhas roupas da noite passada, mas,


mesmo atado com força, o cheiro que emana dela é nauseante. Depois de
um sopro, jogo no lixo.

Parece apropriado que toda a evidência física de... o que quer que
tenha acontecido esteja na mesma lixeira juntos. Fico feliz em deixar para
trás.

Emergindo na sala de espera principal, cruzo os braços na minha


frente, tentando me tornar o menor possível. Agora, eu gostaria de poder
desaparecer.

Michael está esperando em uma cadeira, e ele pula quando me vê.

—Poppy, ei. Que bom que você está bem.


Eu levanto uma mão para impedi-lo de chegar muito perto.

—Acredite, você quer ficar o mais longe possível. — O cheiro azedo


de vômito gruda na minha pele, como a nuvem de sujeira de Linus em um
desenho animado de Peanuts.

Ele congela seus olhos castanhos suaves brilhando de preocupação


por trás de óculos de armação retangular. —Não se preocupe com isso.
Vamos lá, vou levá-la de volta ao dormitório.

Sigo Michael pela saída e entro no estacionamento.

—Obrigado por vir me buscar.

É um dia sombrio de novembro e engulo outra onda de náusea


quando um vento frio sopra, soprando meu cabelo nojento no rosto.

Será que não vai parar a sensação que estou prestes a vomitar?

—É claro. — Ele tira as chaves do bolso, apontando-as para um


Honda vermelho. Há um clique quando as portas se destrancam e eu
deslizo, abaixando imediatamente a janela.

—Eu sinto muito. Não consigo imaginar que isso fazia parte da
descrição do trabalho quando você se inscreveu.
Michael abaixa a janela também e sai lentamente da vaga no
estacionamento.

—Poppy, sério. Isso não é um problema.

Lágrimas picam meus olhos. Todo mundo está sendo tão legal - a
enfermeira, o médico, Michael -, mas tenho certeza de que as coisas vão
mudar quando eu voltar ao campus. Os adolescentes são cruéis.

—Posso te perguntar. — Eu respiro rapidamente, sem saber por


onde começar. —Sobre a noite passada? O que você viu. O que os outros
viram.

—Um sim. Certo. — Michael entra em uma estrada principal e se


ocupa ajustando os espelhos. —Não muito. Tucker entrou correndo no
meu quarto, disse que você estava doente. Assim que te vi, liguei para a
linha de emergência do campus. Você estava no chão, tremendo.

A vergonha envolve meu peito, comprimindo meus pulmões.

—Havia mais alguém por perto?

—No quarto com você? Não, apenas Tucker. Quando a ambulância


chegou, havia algumas pessoas no chão. Mas apenas algumas.

Alguns podem significar três ou treze, mas não pressiono por um


número mais exato. —Eles viram?
—No quarto - não. Mas eles viram você ser retirada. — Ele olha para
mim. —Escute, você não é a primeira pessoa a acabar no hospital após
uma noite de bebedeira em seu primeiro ano e, infelizmente, tenho
certeza de que você não será a última. Aconteceu, mas você está bem e
agora à vida pode continuar.

Eu não me sinto bem. Me sinto como uma idiota. E frágil. E como se


eu tivesse perdido alguma coisa, algo que nem consigo definir, mas isso é
importante. Auto respeito. Confiança. Me sentindo segura em minha
própria pele.

—Você está certo— eu minto. —Obrigado.

Chegamos ao campus alguns minutos depois, e é exatamente o


mesmo e, ainda assim, completamente diferente. Não tão inócuo quanto
parecia no primeiro dia em que cheguei, com minha mãe e irmã, sentindo
que tudo que eu precisava fazer era se concentrar nos meus trabalhos
escolares e tentar esquecer Gavin.

Gavin.

As árvores começaram a mudar de cor, vermelhos e dourados


vibrantes brotando de dentro da paisagem verdejante. As lembranças de
outro dia de outono pressionam fortemente meu coração. Folhas
flutuando no chão como confetes. Fragmentos quebrados da luz do sol
atravessando uma floresta sombria e misteriosa. E um garoto que tratou
meu corpo como se fosse sagrado e especial. Um presente precioso.

Minha mão voa para minha garganta, precisando de prova de que


essas memórias são reais. Confirmação tátil dos melhores e mais
sagrados momentos da minha vida. Talvez fosse apenas uma ilusão, mas
agora, preciso acreditar que já fui amada.

Mas, em vez de agarrar a pedra da lua, meus dedos se fecham em


torno do ar vazio, minhas unhas arranham a pele.

O horror me atinge como um martelo atingindo um osso, quebrando


minha força restante.

Meu pingente se foi.

Assim como Gavin.

Poderia ter sido roubada pelos paramédicos? Estava na sacola de


roupas imundas que joguei fora?

Vou ligar para o hospital assim que voltar para o meu quarto.

Um frio brutal penetra em minhas roupas e abalo meu terror em


silêncio. Isso é carma? Talvez eu tenha perdido o direito de usar o colar
de Gavin. Representa algo que eu não mereço mais.
Subindo as escadas, estou sobrecarregada de culpa, arrependimento
e nojo. Eu mantenho meus olhos nos meus sapatos, não querendo ver
ninguém até eu tomar banho. Ou talvez sempre. Mas é sábado e o
dormitório está cheio de estudantes. Eu ando silenciosamente, minha
cabeça inclinada, correndo para a minha porta fechada. Minha porta
fechada e trancada.

Merda.

Mas Michael mantém a chave universal que todos os RAs recebem.

—Não se preocupe. — Os bloqueios não são incomuns.

Murmuro outro agradecimento e deslizo para dentro, rapidamente


pegando meu roupão, toalha e chuveiro cheio de produtos de higiene
pessoal.

Embora o piso seja misto, os banheiros não são. Dentro do banheiro


da menina, um dos chuveiros está em uso, mas fora isso, está vazio.
Voltando a água ao seu estado mais quente, rapidamente tiro a roupa e
deslizo sob o spray. Dói minha pele, mas eu agradeço a dor. Se eu pudesse
torná-lo mais quente, eu faria.

O calor não penetra onde eu mais preciso. Lugares no fundo do meu


corpo que estão cobertos de gelo. Permanentemente manchado por algo
que nem me lembro.
Mas a dor na minha pele equilibra um pouco a dor no meu coração.
Esfregar meu corpo embota, mesmo que ligeiramente, as bordas
irregulares da minha vergonha.

Eu lavo e condiciono meu cabelo uma, duas, três vezes, deixando a


água com espuma escorrer pelo meu rosto e arder nos olhos. Eu coço meu
couro cabeludo com as unhas até ter certeza de que a pele está esfolada e
crua. Até criar mil cortes rasos que ninguém além de mim saberá que
existem.

Não quero sair deste pequeno recinto. Aqui, minhas lágrimas correm
direto para o ralo, e eu posso enfiar meu punho na boca para reprimir
meus soluços. Aqui estou sozinha, o som da água é um amortecedor entre
mim e o que quer que esteja esperando além dessas três paredes e da fina
cortina branca do chuveiro.

Eventualmente, a água esfria. Apenas alguns graus, mas parece uma


traição. Outra.

Quando volto para o meu quarto, com a pele rosada, olhos


vermelhos e inchados, Wren e Tucker - estão lá. Meu estômago treme
quando eu aperto meu roupão de banho no meu peito, apertando o pano
felpudo dentro do meu punho.
Eles se sentam na cama dela, seus olhares penetrantes rasgando em
mim.

Deus, eu quero desaparecer. Invisível ou morta, eu não ligo.

—Você voltou— diz Wren, afirmando o óbvio.

Eu concordo.

Tucker olha para Wren e depois aponta o queixo em direção à porta.


Seus lábios se juntam em uma linha reta e ela se levanta, passando por
mim sem dizer outra palavra, sua expressão glacial.

Minha colega de quarto é a última pessoa que eu pediria apoio ou


conforto, mas eu quero gritar, não vá!

Porque uma vez que ela for embora, eu estarei sozinha. Com Tucker.

Ontem, eu ficaria lisonjeada com o interesse dele.

Hoje eu estou... não.

Vestindo apenas um par de chinelos mole nos meus pés e uma


toalha enrolada como um turbante em volta da minha cabeça, estou nua
sob minha túnica rosa pálida.
Meu pulso dispara quando eu coloco minhas coisas no chão e
começo a secar meus cabelos com uma toalha, a dor do meu couro
cabeludo arranhado e cru é a única coisa que me impede de desmaiar.

—Poppy— ele começa, —quero que você saiba que me sinto mal
pelo que aconteceu ontem à noite. Eu deveria saber que você estava
bebendo demais. Eu deveria ter percebido que você estava agindo...— Ele
faz uma pausa, encolhe os ombros. —Fora de si.

Penso no médico com suas meias argyle e a camisinha que ele jogou
na lixeira. Eu ouço seu último conselho de despedida nos meus ouvidos.
Fique longe de quem isso pertence ok? Eu assenti, concordei.

Eu não procurei Tucker. Mas ele está aqui, oferecendo uma


explicação para o que aconteceu ontem à noite. Apenas nós dois
estávamos lá, mas minha memória está trancada em minha mente. Eu
praticamente posso ouvi-lo sacudindo dentro do meu cérebro, como uma
peça de quebra-cabeça que caiu em uma grade. Se eu pudesse, eu batia
minha cabeça contra a parede, removia meu crânio dos ombros e sacudia-
o até que a verdade desabasse.

Mas não posso.


—E eu quero que você saiba que não estou bravo com você, ou
qualquer coisa. Eu quis dizer o que disse ontem à noite - posso ser seu
amigo. Eu quero ser seu amigo.

Bravo? Comigo?

Minha respiração engata no fundo da minha garganta. Estou quase


certa de que ele disse a mesma coisa para mim ontem à noite.

Mas os amigos não se aproveitam. Amigos não... fazem o que ele fez.

Há apenas uma coisa que quero de Tucker agora.

—Meu colar... Você viu?

—Seu colar? — Ele faz uma pausa longa o suficiente para que eu
sinta a obrigação de olhar para ele. Mas eu não. Eu não posso —Oh, o que
você estava usando ontem à noite?

—Sim. O pingente de pedra da lua. Sumiu.

—Isso é uma vergonha. Vi como você estava apegada a ele.

—Poderia ter caído no seu quarto? Ou enquanto os paramédicos


estavam trabalhando...— Uma onda de vertigem bate em mim, mas eu
resisto à sua atração. Se houver alguma chance de Tucker ter o colar de
Gavin, eu quero de volta. Eu posso ter perdido Gavin, também não posso
perder o colar dele. —Você pode verificar?

—Você viu o modo como guardo minhas coisas. Se estiver lá, eu


saberia. — Tucker se levanta e começa a andar em minha direção. A cada
passo que ele dá, meus batimentos cardíacos aumentam um pouco, os
rugidos em meus ouvidos ficam mais altos, abafando quaisquer outras
perguntas sobre o colar de Gavin.

—Escute, espero que possamos superar isso. Foi um erro que nunca
mais cometerei.

As mãos de Tucker levantam seus dedos passando pelos meus


cabelos ainda molhados e me puxando para dentro do poço de seu peito.
Cada músculo do meu corpo trava, o oxigênio evapora dos meus pulmões.
Eu não posso gritar. Eu não posso correr.

Mas meu cérebro está trabalhando demais, repetindo as palavras de


Tucker várias vezes. Um em particular.

Erro.

Eu não descarto. Eu não a ignoro ou a afasto.

Erro.
Eu me pego tentando pegá-lo como um cobertor quente em um dia
de inverno. Desenhando em volta dos meus ombros como um escudo. A
noite passada não precisa ser uma palavra de sete letras. E-s-t-u-p-r-o.

Não. A noite passada foi um erro.

Um erro cometido por julgamento defeituoso, conhecimento


deficiente ou descuido.

Um mal-entendido.

Tucker esfrega a mão sobre o pano felpudo que cobre minhas costas
como uma lágrima solitária, possivelmente a única que me resta, desliza
pela minha bochecha e no canto da minha boca.

Estou entre duas portas, marcadas por dois rótulos diferentes,


levando a dois lugares muito diferentes. Escolho e-s-t-r-u-p-o, ou erro?

Mas... eu estou realmente escolhendo? Eu ainda não fiz minha


escolha, de volta ao hospital?

Não concordei com o kit de estupro, portanto não sou vítima de


estupro. Mesmo se eu quisesse atravessar a porta agora, enrolar a mão na
maçaneta, atravessar o limiar - a porta não se mexia. Foi selado pelo que
eu não disse pelo que escolhi não fazer.
E, realmente, alguém quer entrar por aquela porta? Não. Ninguém
faz.

Então, eu me afasto dela, essa porta marcada pela palavra de sete


letras que não posso dizer. Eu abraço o poder desta nova palavra, deste
novo lugar.

Erros não vêm com trauma. Eles não precisam de conselheiros e kits.

Eu posso seguir em frente por um erro.

Eu não estou arruinada.

Eu não estou quebrada.

Eu sou. Não. Uma vítima.


CAPÍTULO QUINZE
WORTHINGTON UNIVERSITY

—VOCÊ NUNCA DORME? — Wren resmunga enquanto rola no meio


da noite, sua pergunta é mais uma queixa.

Não posso culpá-la exatamente. Faz uma semana desde o erro de


Tucker.

—Desculpe. — Eu peço desculpas quando a luz noturna fixada na


minha cabeceira permanece acesa, enquanto as lágrimas silenciosamente
escorrendo pelo meu rosto permanecem desmarcadas, enquanto meu
corpo permanece rígido, dormir esta muito além do meu alcance.

Não sinto mais conforto na inconsciência. Não aqui, pelo menos. Não
quando eu sei que Tucker está no fim do corredor.

Minha boca está seca, mas não me permito um gole de água. Se eu


pudesse trazer de volta os dias de penicos debaixo das camas, eu o faria.

Levantar-se para fazer xixi no meio da noite significa sair deste


quarto trancado. Não estou bêbada, mas meus seios estão sem sutiã por
baixo de uma camiseta grande, minha calça de pijama rosa está
estampada no rosto sorridente de Hello Kitty e meus pés estão descalços.
E se Tucker, ou qualquer outra pessoa, achar que é um convite?

A verdade é que, não importa o que eu visto, me sinto exposta. Como


se minha pele fosse uma ferida aberta e sem roupa.

Limpo meu rosto no edredom, deitando com a ponta do nariz


inclinada para o teto, resistindo aos lenços de papel para não irritar ainda
mais minha colega de quarto.

Wren joga de novo, suspira.

—Você está... bem?

Eu quase quero rir. OK? Eu vou ficar bem de novo? Mas eu digo:

—Eu estou bem.

—Sabe, se você quiser conversar...— Ela não termina sua frase e não
tenho certeza se ela teria dito que estou aqui para ouvir ou se há um
serviço de aconselhamento para estudantes que você possa ligar.

—Obrigado. — Como ela está obviamente acordada, decido assoar o


nariz.

Depois de alguns minutos, ela diz:

—Deve ter sido assustador acordar no hospital assim.


Meus músculos já tensos apertam ainda mais. —Como o quê?

—Tipo, eu não sei. Apenas acordando depois de desmaiar, mas em


um lugar novo e estranho.

—Isso... isso já aconteceu com você?

—Acordar em um hospital, não. Mas desmaiar e não me lembrar de


onde estou ou como cheguei lá, sim.

Wren está dizendo...? Minha respiração é uma névoa pesada e


sufocante dentro da minha garganta. —Com Tucker?

Ela solta uma risada baixa, sem saber que meus pulmões mal estão
se movendo para cima e para baixo no escuro, assim também é o meu
peito.

—Certo. Sempre que tento acompanhá-lo, tenho problemas. Eu


realmente deveria saber melhor agora.

—Problema? O que você quer dizer?

—Apenas a merda estúpida que puxamos ao longo dos anos. No


inverno passado, pegamos o caiaque na casa do lago dos pais dele no
meio da noite. Acordei no fundo do barco, completamente de ressaca, sem
lembrança do que fizemos com os remos e sem maneira de voltar para a
casa que não envolvia nadar na porra de água gelada.
—Oh. — Não, Wren não está implicando o que eu pensava que ela
era. Nem mesmo perto.

—Sim. Finalmente empurrei Tucker ao mar e o fiz nadar de volta à


doca para pegar os remos extra. — Ela suspira. —Tucker é um causador
de problemas. Sinceramente, não sei por que o amo, mas amo.

—Você ama ele? — A vergonha me atormenta quando me lembro de


gostar da atenção de Tucker. Flertando com ele. Beijando ele.

Se eu fosse uma pessoa melhor, seu erro nunca teria acontecido.

O erro dele é minha culpa.

—Claro. Nós crescemos juntos. Ele foi o primeiro cara que eu já


beijei. Não consigo imaginar minha vida sem ele.

Wren poderia ser eu, falando sobre Gavin.

—Eu-eu não percebi...

—Espere, aconteceu algo entre você e Tucker? Antes do hospital?

—Eu...—

—Seja como for, tudo bem — diz ela, embora sua voz tenha uma
camada de tensão que não existia antes. —Nós não ficamos juntos desde
que decidimos vir a Worth U. Ele quer ver outras pessoas e eu também.
Ela faz um som agudo que não ri.

—Quero dizer, eventualmente, voltaremos a trabalhar. Nossas


famílias planeiam nosso casamento há anos. Não se apegue demais,
Poppy. Se vocês estão tendo algum tipo de coisa... apenas saibam que ele
está emprestado.

Eu tossi. —Você não precisa se preocupar com isso.

—Então—, Wren parece bem acordada agora, —o que aconteceu


entre vocês dois?

—Hum, o que Tucker disse?

—Nada. Só que ele acha você legal. E ele se sentiu mal por você ficar
doente.

Eu nem sei como responder.

—Então você fez?

—O que?

Ela bufa em aborrecimento.

—Diz você.

—Eu não sei. — Minha voz está calma.


—O que... o que isso significa?

—Não me lembro.

—Você não lembra? Nada?

Fecho os olhos, o rosto do médico e da enfermeira projetando-se nas


paredes em branco das minhas pálpebras.

Encontramos evidências de atividade sexual. Um preservativo... dentro


de suas roupas. Isso soa certo para você?

Gostaria que você autorizasse um kit de estupro. Não vai demorar


muito,

Eu pisco meus olhos abertos.

—Não me lembro—, digo novamente, um pouco mais alto.

—Bem, você pode descartar o sexo então. Se você fez sexo com
Tucker, lembraria.

—Como você sabe? — Desta vez, minha voz é aguda, cortando o ar


parado do nosso pequeno quarto. Preciso saber o que Wren sabe, se
houver a possibilidade de que nada aconteceu. Nem mesmo um erro.
—Só que Tucker é muito bom nisso. Ele não é como os outros caras.
Ele garante que eu goze sempre. Nas poucas vezes em que ele não me
atacou até...

Estou enjoada. —Tudo bem eu já entendi.

Wren ri.

—Não é preciso ser puritana. Sexo não é algo para se envergonhar.

—Eu não tenho vergonha. — Não sobre sexo em si. Com Gavin, era
bonito, terno e comovente. O sexo era especial. Ele fez isso especial.

A dor arranha meu coração, rasgando minha alma em pedaços. O


que aconteceu na semana passada foi o oposto de especial. Não me
lembro, mas não consigo esquecer.

Por que não consigo esquecer algo que nem me lembro?

Esta é apenas uma das muitas perguntas que me mantêm acordada à


noite. Por que não voltei à biblioteca como queria? Por que agi com o
impulso mesquinho de provar que Wren estava errada? Por que eu não
percebi que o Everclear é um álcool de grão duas vezes mais forte que a
vodka?

Por que eu não voltei para o meu quarto sozinha?


Como eu pude ser tão estúpida?

Perguntas que pulsam dentro do meu cérebro em um loop sem fim.


Tantas, todas as noites. Comecei a fantasiar sobre fazer um buraco no
meu crânio e derramar um galão de água sanitária no meu cérebro. Vou
dormir então?

—Você gosta dele? — A pergunta vem depois de pelo menos vinte


minutos, me assustando. Eu pensei que Wren tivesse adormecido.

—Não.

—Você gostou dele o suficiente para voltar para o quarto dele.

—Foi um erro— digo rapidamente, com firmeza.

De repente, sua luz noturna acende e ela se levanta na cama.

—Espera. Você acha que Tucker... você acha que ele te machucou?

Rolo para que ela não veja meus olhos inchados, minhas bochechas
manchadas de lágrimas. —Eu acho que é tarde. Volte para a cama.

Ela faz o oposto, os pés batendo no chão e se aproximando do


interruptor de luz na parede. —Ow. — Cubro meu rosto com o edredom
com o brilho repentino. Pequenas luzes noturnas presas às cabeceiras da
cama são uma coisa, mas as lâmpadas fluorescentes implacáveis
suspensas no teto são completamente diferentes.

Wren senta na minha cama.

Wren nunca se senta na minha cama.

—Isso é sério. — Ela puxa meu cobertor. —Você é diferente desde


que chegou do hospital. Você acusou Tucker de algo quando estava lá?

Eu não sei o que acontece comigo. Talvez seja porque é tarde e


Wren, que não é minha amiga, está na minha cara. Talvez seja porque mal
dormi, mal comi e não tenho ideia do que fazer com meu corpo e meu
cérebro, com o medo e a vergonha.

—Eu não precisava. Eu não precisava porque a enfermeira, o médico


- eles já sabiam. Eles me disseram! — Palavras que eu tenho pressionado
e pressionado e pressionado aparecem em um violento suspiro.

Wren recua de mim como se eu tivesse dado um tapa nela.

—Isso é mentira. Você é nojenta. Tucker te salvou.

Alguns vulcões explodem em uma enorme torrente de vapor, fogo e


lava. Outros liberam erupções intermitentes de exaustão, apenas o
suficiente para aliviar qualquer pressão que não seja mais tolerável.
Alguns nunca explodem, mantendo seu caos agitado e virulento
completamente escondido.

Eu devo estar no meio. Porque minhas três frases acaloradas são


suficientes. Encolho-me contra a parede, segurando meu lençol e
edredom no peito. Desejando não ter dito nada.

—Apenas esqueça— eu digo meu corpo já está se desligando.

—Tucker pode ter quem ele quiser. Ele não precisa se forçar a uma
garota inconsciente, praticamente um cadáver quente.

—Eu disse, esqueça.

—Não até que você prometa esquecer essa sua ideia maluca. Pense
nisso, Poppy. Se você está chateada com Tucker porque ele não voltou por
segundos... —Eu suspiro, mas Wren me ignora. —E você transforma isso
em algo que não é Tucker ficará envergonhado, com os pais furiosos. Mas
você acha que a escola o expulsará ou fará alguma coisa realmente? Quero
dizer, vamos lá. Ele é um Stockton, pelo amor de Deus.

Eu deixei suas palavras me baterem, lembrando-me de tudo que eu


já sei.

—E você... quem diabos é você? Você será apenas mais uma


vagabunda procurando um pagamento de um atleta rico.
O tremor começa nos meus ossos, me sacudindo como um galho em
uma tempestade de vento.

—Obrigado pela perspectiva. Eu entendi a foto.

Estou tremendo tanto que meus dentes estão batendo.

Wren desliza da minha cama, suspira e depois se vira para mim.

—Escute, eu sei que pareço uma cadela. Eu sou uma puta, eu acho.
Mas conheço Tucker, melhor do que ninguém. Você está errada sobre ele.
Ele nunca...

Sua voz engasga, e eu posso ver o brilho de lágrimas não


derramadas em seus olhos. A ideia de Wren Knowles chorando é tão
chocante para mim quanto a nossa conversa. —Se você realmente acha
que ele fez... alguma coisa deveria conversar com ele sobre isso.

Balanço a cabeça.

—Não. Eu não quero falar com ele ou com ninguém. Eu só quero


esquecer, tudo bem.

As feições dela endurecem em uma expressão resoluta que


praticamente grita:

—Se você não quiser, eu irei.


—Não— eu aviso. —Estou falando sério, se você der uma palavra
sobre essa conversa para ele ou para qualquer outra pessoa, eu também.
Eu direi a todos, e mesmo que nada aconteça oficialmente, será uma
marca negra contra Tucker.

Wren ainda está olhando para mim, nada sobre sua postura
indicando que ela vai recuar. Eu puxo outra ameaça do nada.

—Você sabe que uma acusação como essa o seguiria para sempre.
Então, se você realmente quer se casar com ele um dia, vai ficar de boca
fechada.

Funciona. Seus olhos brilham com indignação, mas depois de um


minuto ela endireita a coluna e volta para mim, mão estendida.

—Eu não direi nada. Mas é melhor você manter sua palavra,
Whitman.

É estranho marcar esse código mútuo de silêncio com um aperto de


mão, de todas as coisas. Mas faz com que nossa promessa pareça mais
oficial do que seria de outra maneira, mais do que apenas um segredo
antes do amanhecer entre duas calouras da faculdade.

Ela dá um tapa no interruptor da parede, volta para a cama e apaga a


própria luz noturna.
Mas eu não. Deixo o meu até que o sussurro de um novo dia seja
escrito nas faixas de luz leitosa que atravessam nossas cortinas fechadas.
CAPÍTULO DEZESSEIS
WORTHINGTON UNIVERSITY

MICHAEL ENFIA A CABEÇA PELA MINHA PORTA.

—Ei, você tem um minuto?

Estou sentada de pernas cruzadas na minha cama, relendo um


ensaio que terminei às três da manhã da noite passada.

—Claro. — Depois de enviá-lo por e-mail ao meu professor, vou


fazer uma mala e pegar o ônibus para a estação de trem.

Eu tenho contado os dias até que eu possa sair do campus para o


feriado de Ação de Graças, e ainda tenho medo de voltar para Sackett
também.

Minha mãe e minha irmã sentirão a mudança em mim? Eu pareço


exatamente a mesma, fisicamente. Mentalmente, porém, é como se eu
fosse uma pessoa completamente diferente. E, francamente, não gosto
dessa nova Poppy. Ela é uma estranha vivendo dentro da minha pele.
Ela tem tanto medo de dizer a coisa errada que não fala muito. Ela
não gosta de estudar na biblioteca ou fazer longas caminhadas no
campus. Mesmo completamente vestida, ela se sente exposta e
vulnerável. Apressando-se de Caldwell para a aula e depois de volta
novamente, ela não se conforta à sombra de um olmo retorcido.

Está deixando Wren louca, eu sei. Toda vez que minha colega de
quarto entra pela porta, ela me olha como: Você ainda está aqui?

Eu estou.

Mas não por muito tempo. Em breve estarei de volta à cidade que
mal podia esperar para escapar. De volta ao meu antigo quarto, meu
quadro de avisos estava cheio de fotos das coisas que eu havia arrancado
das páginas das revistas. Coisas que eu queria. Coisas que pensei que me
deixariam feliz.

Eles não significam nada agora. Eles pertencem à pessoa que eu


costumava ser. A pessoa que nunca mais serei.

Deixo o ensaio de lado quando Michael entra no meu quarto. Ele está
segurando uma pasta e a expressão em seu rosto me diz que não vou
gostar do que está nela.

—Se importa se eu fechar a porta?


Garras de pânico na minha compostura. Eu não quero ficar sozinha
com Michael, ou com qualquer cara. Mas explicar por que é impossível.

—Sim claro. — Pelo menos ninguém do meu dormitório ouvirá essa


conversa.

Ele puxa a cadeira da minha mesa e se senta, acenando com a cabeça


em direção à outra metade do meu quarto.

—Wren já saiu?

—Ela fez. Noite passada.

Michael exala depois me passa a pasta. É azul, com o emblema da


WU estampado em ouro na frente.

Eu tomo com relutância.

—Estou sendo expulsa?

Michael balança a cabeça.

—Não. Claro que não. — Sem nada para segurar, ele passa as mãos
sobre os joelhos, as mãos esfregando os jeans gastos. —Eles queriam que
eu lhe desse isso pessoalmente, orientasse você em tudo e então, você
sabe, se tiver alguma dúvida, direcione você para a pessoa relevante.
Quero perguntar quem são eles, mas a pergunta encolhe na minha
língua quando abro a pasta e puxo os papéis para dentro com dedos
rígidos. O primeiro é uma fatura. Meus olhos são imediatamente atraídos
para o item de linha na parte inferior da página. Serviços médicos
ambulatoriais. A quantidade listada faz minha respiração ficar presa no
fundo da minha garganta. Quase mil dólares. Dinheiro que não tenho.

—Michael, eu, hum, eu não...— Eu respiro fundo, tente novamente.


—Como eu vou...

—Eu sei. Eu realmente sinto muito. Aparentemente, o seguro cobriu


os custos do hospital, mas não a ambulância do campus. — Ele se levanta,
enfia a mão no bolso e abre uma folha dobrada de papel solto. —Anotei o
oficial de caso designado para você, se você tiver alguma dúvida.

Desta vez, não faço nenhum esforço para alcançá-lo, então Michael
coloca o papel amassado na minha cama e senta-se novamente. Sinto que
meus pulmões encolheram nos últimos dois minutos, não consigo
respirar fundo.

—Não é justo. Como eles podem esperar que eu pague por...

Mas não termino a frase. Não diga a palavra de sete letras que
começa com es termina em trupo. Aquela noite é um erro.
Não preciso que Wren me diga que não posso apontar meu dedo
para Tucker, cobrar uma acusação que me afetará tanto quanto ele.
Talvez mais. Ele é um Stockton e eu sou uma bolsista. Se eu falar,
independentemente de quem está certo e de quem está errado, sua
família pode facilmente comprar outro prédio ou pagar uma equipe de
advogados para inclinar os fatos a seu favor. Não. Muito melhor manter
minha boca fechada e minha cabeça baixa.

Se isso me faz uma covarde, que assim seja.

Soltando um suspiro pesado de desespero, deixei a fatura de lado. A


seguir, uma confirmação de compromisso com um Administrador
Judiciário da WU. Eu olho para Michael.

—O que é isso?

—Bem, sempre que um estudante violar as políticas de álcool na


escola, você deve comparecer ao Conselho da WUJA.

Sinto o sangue escorrer do meu rosto.

—Então, estou com problemas pelo que aconteceu.

—Não. Claro que não.

—Então por que eles querem me ver?


—Eu acho que é apenas política, realmente.

—Política. — Eu deixei a palavra afundar. —Você já foi antes do...

—O Conselho da WUJA—, ele preenche. —Mas não é tão incomum.

—Alguém do nosso andar precisou?

—Bem não.

—O dormitório?

—Poppy, eu realmente não sei dizer.

—Você pode pelo menos me dizer o que devo esperar? Terei que
contar a eles tudo o que aconteceu? — Não estou contando a ninguém o
que aconteceu. Eu só quero esclarecer minhas mentiras.

Ele balança a cabeça lentamente, o papel em suas mãos farfalhando.

—Um sim. Acho que sim. Tucker também conversará com eles,
porque havia álcool em seu quarto naquela noite.

Eu engulo. —Vamos ter que ir juntos?

—Não não. Cada um de vocês tem seu próprio compromisso.

Além da minha porta fechada, ouço os gritos dos alunos quando eles
comemoram a volta de um exame ou a entrega de um trabalho final. As
malas são batidas nas paredes, há gritos de um lado para o outro do
corredor, a música está tocando, várias músicas se chocam para que eu
mal possa diferenciar entre elas. Barulho. Mas, principalmente, o que
ouço é um zumbido nos meus ouvidos, e as batidas apressadas do meu
coração.

Volto minha atenção para o pedaço de papel restante na pasta. Os


Serviços de Aconselhamento da Worthington University estão impressos
na parte superior, com uma data e hora escritas à mão abaixo.

—Outro compromisso?

—Sim. É uma sessão com um conselheiro, para que você possa falar
sobre o que aconteceu.

Olho para o rosto de Michael, imaginando o que ele me diria se


soubesse o que realmente aconteceu.

—Não é isso que eu tenho que fazer na frente do WUJ, qualquer que
seja a pessoa?

Seu rosto fica vermelho.

—Sim. Mais ou menos. Mas eles são diferentes. É obrigatório que


qualquer pessoa apanhada com álcool procure um conselheiro. Acho que
eles avaliam você para decidir o melhor curso de ação para seguir em
frente.

—O melhor curso...— minha voz desaparece.

—Tipo, se você precisa fazer uma aula sobre abuso de álcool. Ou...

Eu interrompo.

—Está bem. Esqueça. — Uma lágrima cai na página em minhas mãos


e eu a solto, depois pressiono as palmas das mãos contra os olhos.

Como posso fingir que aquela noite nunca aconteceu se todo mundo
não me deixou?

Afinal, foi apenas um erro.

—Isso foi enviado para minha mãe?

—Não. Você tem mais de dezoito anos, então depende de você o que,
ou quanto...— a voz de Michael se afasta e sinto que ele se levanta. Um
momento depois, ele coloca uma caixa de lenços no meu colo.

—Me desculpe, realmente.

Algo profundo dentro de mim quebra se separa completamente.


Consigo pegar um punhado de lenços de papel e segurá-los no meu rosto.
Eu preciso ficar sozinha.
—Por favor, apenas vá.

—Você tem certeza? Nós podemos conversar sobre isso. Eu posso


ficar.

Ele quer dizer bem, eu sei disso. Mas estou desmoronando e não
quero testemunhas. Minhas mãos caem e eu o encaro através de um véu
de lágrimas.

—Vá— repito em um tipo estranho de rosnado borbulhante.

Michael pisca duas vezes, acena com a cabeça uma vez e depois se
afasta até que seus calcanhares batem na porta. Abrindo apenas até que
haja espaço suficiente para ele se espremer, ele desaparece no corredor.

Eu gostaria de poder escapar também.

Há um alto-falante na prateleira acima da minha cama e inicio a lista


de reprodução do Spotify que criei recentemente. KoRn, Rage Against the
Machine, Nine Inch Nails, Betty X, Rollins Band. Os ritmos maníacos e as
letras zangadas penetram profundamente dentro de mim, amenizando os
pedaços que eu escondo de todos os outros. Aumente o volume e solto.

Eu estou chorando, sufocando. Respirar fundo, irregularmente, que


faz um trabalho terrível de obter oxigênio nos meus pulmões, no meu
cérebro. Meu peito dói e meu cérebro está cheio de lodo. Uma poça
desagradável e nociva. No fundo da minha garganta, a bile se eleva,
queimando o tecido delicado.

Kleenex não é páreo para minhas lágrimas. É como defender um


ataque nuclear com um canivete. Sem utilidade. Viro na minha cama,
pressionando meu rosto no travesseiro. E grito.

De novo e de novo e de novo.

Até minha garganta ser um tubo esfarrapado, destruído. Meus


pulmões doem dores agudas percorrendo meu coração a cada respiração
rouca.

Eu não aguento isso.

Não posso, não posso, não posso.

Aquela noite foi um erro. Uma tola caloura calada. Eu nem me


lembro.

Talvez isso

Mas não. Imagino o saco plástico transparente, o preservativo


amarelado.

A pergunta da enfermeira. O médico está pedindo. Explicação de


Tucker.
Aconteceu.

Mesmo quando as lágrimas transformam meu travesseiro em uma


esponja úmida, a parte lógica do meu cérebro não consegue entender por
que isso dói tanto. Por que eu me machuco tanto? Se não me lembro de
Tucker tirando o zíper da calça, empurrando-a pelas coxas, tirando a
calcinha - por que não posso fingir que nunca aconteceu?

Se eu não ouvi o som de um rasgão de plástico, não o vi embainhar-


se em látex, não o senti entrar em mim - por que saber que ele machucou
tanto?

Mas sim.

Perguntei a Tucker sobre isso na semana passada, quando ele parou


no meu quarto procurando por Wren. Eu não o via desde a manhã em que
voltei do hospital.

A pergunta saiu da minha boca antes que eu percebesse o que estava


dizendo. Eu queria correr atrás das minhas palavras, agarrá-las em
minhas mãos e empurrá-las de volta na minha garganta. Envia-las de
volta de onde vieram, para nunca mais emergir. Em vez disso, mordi o
interior da minha bochecha com tanta força que provei sangue,
esperando Tucker me responder.
—Bem, é claro que eu usei um. Mas então você começou a tremer
então eu parei. Quando você ficou doente, eu rolei você para o lado para
você não engasgar. Tirei a camisinha e verifiquei que você estava vestida,
depois fui buscar ajuda.

Não foi um pedido de desculpas.

Não foi nem um reconhecimento de que ele estava errado.

Então ele balançou a cabeça. A primeira vez que fazemos sexo e


nenhum de nós sai. Meio triste você não acha?

Recordando as palavras de Tucker, meus pulmões se contraem. Ele


realmente acreditava que eu queria fazer sexo com ele. Ele deve ter, para
ser tão descuidado com tudo isso.

E por que não?

Eu flertei com ele, não foi? Eu atirei nele e sorri para ele e segurei
sua mão. Eu queria que Tucker me beijasse. E quando ele fez, eu o beijei
de volta.

A vergonha correndo pelas minhas veias calcifica. Como eu poderia


ter traído Gavin tão rapidamente? Onde quer que ele esteja ele estará
melhor sem mim em sua vida.
As brasas da esperança que eu tenho teimosamente guardado dão
uma piscada final antes de morrer completamente. Mesmo que Gavin
volte, com uma explicação perfeitamente razoável para sair, uma razão
para todos os dias que ele passou em outro lugar, isso não importa mais.

Porque eu o traí.

Eu nos traí.

Nós não somos nós.

Não somos nada.

Pernas tremendo, levanto-me e vou para o meu espelho. Estou com


o rosto rosado e manchado. Meu cabelo é uma confusão de emaranhados,
molhados ao redor das têmporas e da testa. Ranho está espalhado acima
dos meus lábios inchados. Meus olhos estão vermelhos e inchados, assim
como a ponta do nariz, como um palhaço.

E meu pescoço está nu. Nenhum colar de prata, nenhuma lasca


iridescente de pedra da lua empoleirada na subtil elevação da minha
clavícula.

É disso que vou me lembrar naquela noite. Não é o ato em si. Mas
meu rosto arruinado, quase irreconhecível. Meu pescoço manchado e sem
adornos.
Eu não sou nada.
CAPÍTULO DEZESSETE
SACKETT, CONNECTICUT
DIA DE AÇÃO DE GRAÇAS, DO PRIMEIRO ANO

AGRADECER A FAMÍLIA WHITMAN é um assunto simples.


Normalmente, invejo aqueles que comemoram o feriado com reuniões
caóticas de família extensa. Mas este ano estou agradecida por sermos
apenas nós três em nossa pequena mesa da cozinha.

Minha mãe geralmente bebe seu vinho em silêncio, pela primeira


vez derramada em um copo de vinho real, enquanto Sadie me questiona
sobre todos os detalhes da minha vida em Worthington. De alguma forma,
eu consigo colocar a máscara de uma faculdade feliz e despreocupada em
meu rosto, borrifando mentiras com a verdade. A escola é ótima. Wren é
um gosto adquirido, mas ela está bem. Claro, eu fiz muitos amigos. Meus
professores são durões, mas justos. Sim, há muito trabalho, mas é
gerenciável. Não, eu não tenho namorado. Não, não participei de nenhuma
festa de fraternidade.

Ela está se inscrevendo em faculdades agora e já enviou sua


inscrição para Worthington, decisão antecipada. Sadie está convencida de
que entrará porque, segundo ela, é um legado agora. Decido não lembrá-
la de que entrar não é a parte mais difícil. Sem o mesmo tipo de pacote de
ajuda financeira que eles me deram, não há como ela se dar ao luxo de ir.

Finalmente, o jantar acabou. Sadie e eu insistimos em limpar, e


nossa mãe enche o copo e vai para a sala de estar.

—Por favor, diga-me que você está cheia demais para bolo— Sadie
pede calmamente, enquanto juntamos os pratos e os trazemos para a
cozinha. —Não quero que cheguemos lá tarde.

—Chegar aonde tarde?

—Tem uma festa.

—Não. Eu não estou indo a lugar nenhum.

—Você está falando sério? — Os pratos nas mãos de Sadie batem na


bancada enquanto ela gira para me encarar. —Todo mundo vai sair hoje à
noite!

—Bem, todo mundo não vai me incluir.

Meu estômago cheio se agita com uma mistura perturbadora de


culpa e exasperação. No ano passado, os interesses de Sadie se
expandiram para incluir namorados reais e também ficcionais. Seu atual
namorado está no time de futebol, que a abraça em um círculo social
inteiramente novo.

Fico feliz que ela esteja feliz e se divertindo. Mas seus planos não
precisam me incluir.

—Eu pensei que as coisas mudariam uma vez que você fosse para a
faculdade, que talvez você sentisse minha falta. — O rosto da minha irmã
está fechado, os lábios em um beicinho irritado. —Mas acho que você
ainda é boa demais para sair comigo.

—O que? — Eu não sei o que fazer com a acusação dela. —De onde
isso vem?

—Estou apenas dizendo como é. Você não quer passar um tempo


comigo há anos.

—Isso não é verdade! Eu...

—Oh, por favor. Pare de mentir. Você está sempre escondendo


coisas de mim, mantendo segredos. Estamos separadas um ano e meio,
Poppy. Pare de me tratar como se eu fosse um bebê.

—Eu não. — Mas eu sei que sim. Depois de tantos anos cuidando de
Sadie, cuidando dela, protegendo-a, é um hábito difícil de romper.
—É verdade— ela insiste, o ouro em seus olhos castanhos brilhando
intensamente, o veneno em sua voz cortando profundamente.

—Meninas! — Nossa mãe adverte do outro quarto. —Eu preciso


entrar ai?

—Não— dizemos, em uníssono, afastando-nos uma da outra. Grata


por algo a ver com minhas mãos começo a lavar as panelas do fogão.

Por alguns minutos, há apenas o som de água corrente,


empilhamento de pratos e o zumbido abafado da televisão vindo da sala
de estar. Sadie desaparece por um minuto para limpar a mesa. Quando ela
volta, ela me dá um tapa com o pano de prato na mão.

—Eu apenas sinto sua falta, você sabe.

Eu me afasto, quase deixando cair a tampa escorregadia da panela


que estava lavando. Coloquei na pia e desliguei a água.

—Eu também sinto sua falta, Sadie.

Eu odeio brigar com minha irmã. Especialmente ao alcance da nossa


mãe. E eu sei que Sadie também. O medo de que ela nos deixe novamente
nunca se dissipou verdadeiramente. Quando o DCSF veio nos buscar,
minha mãe já estava fora há três dias. Um vizinho finalmente chamou a
polícia, ouvindo Sadie chorando por comida e minhas tentativas
frustradas de acalmá-la através das paredes finas de nosso apartamento
subsidiado pelo governo.

Fomos levadas embora, mas somente depois que ela nos deixou para
trás.

Minha irmã e eu já tivemos muitos argumentos antes, mas não sou a


pessoa que era há apenas alguns meses atrás. Embora eu esteja de pé,
estou tomando todo o autocontrole necessário para não cair no chão e me
enrolar em uma bola.

—Sinto muito— eu digo, olhando diretamente para Sadie. E eu


estou. Eu me ressenti com minha irmã quando ela era jovem. Eu também
era criança, encarregada de cuidar de Sadie como se eu fosse sua mãe. E
está claro que ela se ressente comigo agora, confundindo minha
indiferença com apatia. Mas por mais que eu a ame, não posso ser a irmã
que ela precisa agora.

Sadie acena com a cabeça. —Eu também sinto muito.

Ela me dá um abraço duro e me sinto péssima por não ser uma irmã
melhor. Quero dizer que vou sair com ela hoje à noite. Que vou beber com
ela e seus amigos, conversar com qualquer cara com quem ela esteja
apaixonada, contar a todos o quão boa é a faculdade e como não posso
esperar que Sadie se junte a mim em Worth U no próximo ano.
Mas eu não posso fazer isso. Eu queria poder. Mas não posso.

Também não sei explicar por quê. Sempre protegi Sadie de verdades
feias. Transformei as longas ausências de minha mãe em jogos
elaborados, passei longas noites rapidamente com histórias do tipo
Scheherazade e a protegi de agressores na casa do grupo.

Eu me apoiei em um canto e agora estou presa em uma armadilha


que eu mesma criei. Como posso confiar em Sadie sobre Tucker para
contar a ela sobre Gavin também? Eu tenho que admitir que menti para
ela por anos.

Perder Gavin quase me quebrou. E o que aconteceu com Tucker é


uma pedra quente que mal consigo carregar. Se Sadie se afasta de mim
agora, eu...

Eu nem quero pensar nisso.

—Quer ir ao cinema amanhã? — Eu pergunto. É uma oferta de paz.


Uma frágil.

Sadie tira a tampa de mim, embora ela rejeite meu ramo de oliveira.

—Prefiro pegar uma caneca de café e realmente falar sobre o que


está acontecendo com você.
Eu evito o olhar tenaz dela, procurando algo mais para lavar, mas a
pia e os balcões estão limpos. —Nada está acontecendo comigo.

—Você estava deprimida por aqui antes de partir, e ainda está


deprimida agora que voltou. — Ela abaixa a voz para um sussurro no
palco. —É um cara, certo?

Cotovelando Sadie de lado, eu alcanço o armário abaixo da pia para


pegar o limpador de spray.

—Jesus, Sadie. — Por que ela não largou?

Ela se recosta no balcão, interpretando minha não resposta como


um sim.

—Quem é ele? — Eu a ouço respirar um pouco antes de ela me bater


com o pano de prato novamente. —Você finalmente ficou com o cara da
sua colega de quarto, não é? Aquele jogador de lacrosse gostoso? Vamos,
me conte tudo.

Ela pode muito bem ter jogado um balde de água gelada na minha
cabeça.

—Sadie, pare de procurar sujeira. Especialmente porque não há o


que encontrar. — Um calafrio penetra minha espinha e eu tremo,
lamentando ter deixado Sadie visitar quando Wren decidiu que precisava
de alguma —terapia de varejo— e passou um fim de semana fazendo
compras na cidade de Nova York. Sadie praticamente babou em Tucker
quando o viu.

Para evitar olhar minha irmã de cara, borrifo cada centímetro da


bancada com solução de limpeza, a garrafa de plástico arrotando a cada
aperto. Arrancando um maço de toalhas de papel, ataco o granito falso,
esfregando com tanta força que o acabamento começa a descamar.

Sadie me observa, parecendo totalmente não convencida.

Eu sou salvo por um sino. Bem, tecnicamente, é uma buzina.

Trocando o pano de prato pela bolsa, Sadie está no meio da porta


antes de se virar, apontando para mim. —A propósito, ainda não
terminamos.

—Chegue a casa à meia-noite— mamãe grita, embora Sadie tenha


ouvido ou pretenda cumprir o toque de recolher, é uma incógnita.

Mamãe volta para a cozinha, com um copo de vinho vazio na mão.

—Obrigado, querida. É bom ter você de volta para casa.

Dobro a toalha que Sadie jogou ao acaso no balcão.

—Mesmo quando eu luto com Sadie?


Um sorriso torto oscila em seus lábios quando ela se recosta nos
armários, balançando levemente.

—Mesmo assim— diz ela, enchendo o copo novamente. —Então,


agora que ela se foi... Conte-me sobre o garoto.

Minha mãe geralmente está mais interessada em reality shows do


que em real. Mas de vez em quando, ela é alegre e animada. Uma réplica
quase perfeita de uma mãe de comédia, interessada ativamente em seus
filhos.

Franzo a testa, não confiando nesta versão dela.

—Qual rapaz? — Eu nunca contei a ela sobre Gavin e


definitivamente não estou dizendo a ela sobre Tucker.

—Eu ouvi você e Sadie. — Sua voz é leve, quase provocadora.

—Ela está errada, mãe. Não há menino.

Minha mãe bufa.

—Bem, espero que você encontre alguém em breve. Seria bom você
sair de lá com mais de um diploma.

Eu acho que ela quer dizer um anel no meu dedo. Ou, pelo menos,
um namorado sério.
O que vou tirar de Worthington não é uma bugiganga bonita ou um
cara bonito. Não é algo para ser invejado ou admirado. É uma experiência
que eu nunca esperava ter, uma ferida invisível que não sei como curar.

Às vezes, leva um tempo para processar um trauma como esse e


você não precisa fazer isso sozinha.

Minha decisão de manter tudo dentro de mim enfraquece. E se


minha mãe for forte o suficiente para me levantar, pela primeira vez?

—Bem, há algo que eu queria perguntar sobre...

Se eu contar à minha mãe o que aconteceu comigo, se eu explicar a


bagunça que fiz da minha vida - o que aconteceria?

—Sim?

—Na verdade, não importa. Não é nada.

—Poppy, apenas diga.

Estou apertando o pano de prato úmido como uma bola de estresse.

—Eu acho... quando você estava... quero dizer, anos atrás, antes de
virmos para Sackett...

Ela olha bruscamente.


—Você sabe que eu não gosto de falar sobre o passado, Poppy.

—Eu sei mãe. — A comida no meu estômago se tornou um tanque


de ácido. —Mas, talvez quando você estivesse bebendo ou... Algo
aconteceu que você se arrepende?

Minha mãe endurece copo de vinho a meio caminho dos lábios agora
franzidos.

—O que você quer dizer com arrependimento?

—Eu não sei exatamente— eu minto. Porque eu sei. Exatamente. Só


não sei como dizer.

Colocando o copo na mesa, ela pega minha mão.

—Bem então...

Eu respiro fundo e forço as palavras atoladas através da minha


garganta e fora da minha boca.

—Não me lembro, mãe. Esse é o problema. Bebi demais e acho que


algo aconteceu. Na verdade, eu sei que algo aconteceu. Mas eu
simplesmente... não consigo me lembrar. Só que eu também não consigo
esquecer.

—O que você está tentando me dizer? Que você... que ele...


Engulo o pesado pedaço de vergonha subindo pela minha garganta.
—Sim.

—E algo aconteceu. Algo que você agora se arrepende.

—Sim.

Ela nivela o olhar para mim, os lábios franzindo em desgosto.

—Culpar alguém por seus problemas é uma coisa perigosa. O que


você esperava Poppy?

Eu não deveria ter mencionado isso. Minha mãe tem a mesma


opinião agora do que há dois anos atrás, quando todo o nosso estado
estava em tumulto com um jogador de futebol e a garota por trás das
arquibancadas. Um juiz o considerou culpado de estupro, mas ele
cumpriu apenas alguns meses.

Gavin estava com nojo, eu me lembro. Mas minha mãe, como a


maioria das pessoas na cidade, ficou chateada com o futuro brilhante do
garoto ter sido manchado por uma acusação —ridícula—. Ela culpou a
garota por —fazer um escândalo.

Foi realmente tão ridículo? Só porque ela bebia demais, isso dava a
alguém o direito de levá-la às sombras, tocá-la? Ela não tinha todo o
direito de —fazer barulho?
Eu quero discutir com minha mãe agora. Para defender uma garota
que eu não conheço. Para me defender.

Mas meu cérebro pisca um aviso. Abortar, abortar, abortar.

—Sim, sim. Tenho certeza de que você está certa.

O alívio varre suas feições, suavizando a superfície de sua pele. Na


casa dos Whitman, uma certa quantidade de brigas entre irmãs pode ser
tolerada, mas verdades difíceis devem ser evitadas a todo custo. Seus
ombros abaixam um pouco e ela começa a sair da cozinha.

—Bom, fico feliz que tenha resolvido.

—Sim eu também. — Outra mentira. Nada está resolvido.


CAPÍTULO DEZOITO
WORTHINGTON UNIVERSITY
SEMESTRE DA PRIMAVERA, PRIMEIRO ANO

AS PALAVRAS DE MINHA MÃE AINDA estão frescas em minha


mente quando volto a Worthington. O que você esperava Poppy?

Se eu tinha alguma dúvida sobre quem culpar por aquela noite,


minha mãe me esclareceu.

Eu. Eu sou a culpada. Minha mãe pensa assim.

E então eu pego. Eu carrego a culpa. Diante do conselho de


administração judicial da Universidade de Worthington, admito que bebi
demais. Peço desculpa e agradeço que Tucker estivesse comigo para
obter ajuda. Que ele salvou minha vida. Ele é realmente um herói.

Essas são as meias-mentiras e as verdades distorcidas que se


tornaram minha memória inventada.

Bebi demais. Eu sinto muito. Sou grata por Tucker estar lá para obter
ajuda. Ele salvou minha vida.
Gostaria de saber quanto tempo levará até eu esquecer que não são
memórias reais. Estou apenas vendendo a história que todo mundo quer
ouvir.

Até eu.

O processo de revisão da WUJA foi um assunto oficial e simplificado.


Eles não perguntaram se um preservativo foi encontrado no meu corpo.
Ou sobre o médico que se sentou ao meu lado, uma expressão de dor no
rosto enquanto ele falava comigo como se eu fosse sua filha, colocando
um nome no que havia acontecido. Pedindo - não, sugerindo - que eu
concorde com um kit de estupro.

Mas eu não era filha dele. Eu sou filha da minha mãe

Whitmans não enfrenta verdades difíceis de frente. E não fazemos


barulho.

Fazemos concessões e desculpas. Nós vamos nos dar bem.

Mesmo quando, por dentro, estamos caindo aos pedaços.

Mesmo quando toda mentira, toda permissão e toda desculpa que


deixa nossa língua envia outra gota de veneno escorrendo por nossas
gargantas.
Alguns dias depois, na minha sessão de aconselhamento necessário,
sou escoltada para um pequeno escritório com espaço suficiente para
uma mesa e duas cadeiras.

—Meu nome é Johanna Gregory. Sou estudante de pós-graduação


aqui em Worthington.

Sento-me, preocupada com o fato de que neste espaço minúsculo


não tenho o luxo de me esconder atrás das minhas respostas inventadas.
Que essa será uma exploração mais íntima das minhas ações. Que
Johanna Gregory não compre a história que estou vendendo.

Depois que ela me dá os traços gerais de sua biografia e


responsabilidades no serviço de aconselhamento estudantil da WU, ela
lança um sorriso muito brilhante que eu acho que ela acha reconfortante.
Não é.

—Então, agora que você sabe um pouco sobre mim, vamos falar
sobre você, Poppy.

—Não há muito o que contar. Sou caloura, fiz más escolhas e acabei
no hospital. — Eu não quero essa intimidade. Eu me ressinto dessa
vulnerabilidade forçada, dessa invasão indesejada. E eu quero que ela
saiba disso. Então acrescento —Estou aqui hoje porque preciso estar.
Sua única reação é fazer uma anotação no bloco de notas amarelo
equilibrado sobre as pernas cruzadas. —Você já esteve em terapia?

—Não é terapia, exatamente. Mas já encontrei conselheiros e


psicólogos antes.

—Ah? Conte-me sobre isso.

Descrevo a história da minha família como se estivesse lendo um


currículo. Datas e locais com um ou dois marcadores. Ela preenche a
primeira página e vira para outra. Então outro.

—E você diria que sua vida se estabilizou com a mudança para


Sackett aos 13 anos?

—Sim. Eu acho.

—Sua mãe ainda se envolve em alguma das atividades que a


tornaram incapaz de cuidar de você e sua irmã antes da sua mudança?

—Ela bebe vinho ocasionalmente, mas é tudo.

—Ocasionalmente— ela repete. —Você pode ser mais específica?

—Bem, depois do trabalho. Ou finais de semana. Tardes.

—Toda tarde?
—Não. Nem toda tarde. — Não me lembro de um dia sem a torneira
da garrafa na borda da caneca de café, mas tenho certeza de que deve ter
havido alguns.

—Uma ou duas vezes por semana... Todas as outras tardes... Mais,


menos?

A abertura atrás de mim está soprando um ar seco e aquecido que


cheira vagamente a torradas queimadas. Eu mudo na minha cadeira,
tentando e não conseguindo encontrar uma posição confortável.

—Talvez todos os outros.

—E estamos falando de um copo, dois copos, a garrafa, mais do que


isso?

Mordo uma cutícula esfarrapada, aspiro o sangue que brota no


medidor ao lado da minha unha.

—Realmente não acompanho a bebida de minha mãe.

—OK. Bem, nessas tardes, o que você faz?

—O que eu fiz?

—Sim. Você sentou com ela, conversou com ela, tomou um pouco de
vinho para si mesmo, se escondeu no seu quarto...?
—O que isso importa?

Ela inclina a cabeça para o lado. —Mau humor.

Eu suspiro.

—Eu fui para o meu quarto, eu acho. Fiz minha lição de casa. Se o
tempo estivesse bom, eu sairia.

—Para brincar com os amigos no bairro?

—Ah sim.

—Você ficou na casa deles?

—Não, por quê?

—Estou curiosa para saber se você teve outros modelos de pais.

—Oh.

—Bem, você fez?

—Eu costumava sair na floresta. Uma reserva natural atrás de nossa


casa.

Ah. Desta vez, ela tenta sorrir conspiratoriamente, mas cai quando
eu não o devolvo.
—Uma zona livre de pais.

—Eu acho. — Por favor, não pergunte com quem eu estava. Se eu


tiver que falar sobre Gavin, posso perdê-lo.

—Você bebeu também?

—Não— eu digo imediatamente, antes de me corrigir. —Bem,


apenas algumas vezes.

—Algumas vezes por semana?

—Não, algumas vezes no total. Não até o final do meu último ano.

—E o que precipitou isso?

—O que pré...? Nada. Eu apenas comecei, eu acho.

—Então, você ficou com a mãe bebendo por anos e começou um dia,
do nada.

Encolho-me mais na minha cadeira. —Sim.

—E seus amigos?

—O que você quer dizer?

—Antes de vir para Worthington, você bebeu com seus amigos? Ou


com sua irmã?
—Não. — Balanço a cabeça. —Só bebi algumas vezes antes de vir
aqui. Me servi de um copo e fui para o meu quarto. — Bebendo, chorando
e olhando as fotos que Gavin deixou para mim.

Ela faz uma pausa para sublinhar algo em sua página e depois vira
para uma nova.

—OK. Isso me dá uma sensação da sua vida antes de você vir aqui.
Vamos falar sobre como tem sido sua vida em Worthington. É um grande
ajuste, passar da vida com sua família para um dormitório de calouros.
Como está sua colega de quarto?

—Ela está bem.

Johanna espera que eu expanda minha resposta. Quando não, ela


pega uma pasta em sua mesa e a abre.

—E suas aulas? Vejo que você tem um GPA de três pontos no seu
primeiro semestre.

Minha bolsa exige que eu mantenha uma média de 3,0. Eu mal


chorei e sei disso.

—Eles estão bem. Mais difícil do que o ensino médio, mas vou me
acostumar.
Ela assente, entendendo, depois puxa um panfleto da gaveta e o
entrega para mim.

—Existe um serviço de tutoria para estudantes que você pode


querer procurar.

Aceito o papel dobrado brilhante com dois estudantes sorridentes


radiantes pela frente, meu estômago apertando enquanto trabalhamos
mais perto daquela noite.

—Obrigado.

—Vamos ser um pouco mais específicas, em relação ao seu uso de


álcool aqui no campus. Antes do incidente, você já bebia em outras
ocasiões?

—Não.

—Não? Você tem certeza? Porque você não terá problemas por dizer
a verdade. Meu papel neste processo não é punitivo, Poppy. O motivo pelo
qual estamos conversando é avaliar até que ponto o álcool afetou sua vida
em Worth U e garantir que você tenha as melhores chances de um futuro
seguro e bem-sucedido aqui.

Seguro e bem sucedido. Eu me pergunto o que ela diria se eu


dissesse a ela que já falhei nos dois casos.
—Essa foi a única vez que tive algo para beber no campus.

Uma sobrancelha se move para cima e sinto seu ceticismo.

—Então você está dizendo que este foi um evento único, que não
acontecerá novamente?

O pensamento de passar por isso novamente envia uma onda de


náusea em mim.

—Sim.

Os olhos dela se voltam para o relógio na mesa.

—Temos mais alguns minutos. Gostaria de perguntar sobre o aluno


com quem você esteve Tucker Stockton.

A maneira como ela diz o nome dele me faz pensar que ela foi
instruída a pisar levemente aqui. Que outras revelações sobre ele não
serão apreciadas.

Eu não digo nada, esperando por uma pergunta real.

—Aconteceu alguma coisa no quarto de Tucker, antes dele procurar


seu conselheiro residente para obter ajuda, com o qual você estava
desconfortável?
—Desconfortável...— Minha garganta parece ter sido reduzida à
largura de um canudo, e eu tenho que forçar as sílabas para fora.

—Não. Nós estávamos saindo.

—E você passou algum tempo juntos desde então?

—Não, não realmente— eu gaguejo. —Ele é principalmente amigo


da minha colega de quarto.

Johanna faz uma pausa, rolando a caneta sobre os nós dos dedos.

—Quando alguém, especialmente alguém que não é da família ou


amigo íntimo, faz algo desinteressado, como arriscar uma ação disciplinar
para obter ajuda para uma amiga com quem ele estava bebendo,
geralmente leva a sentimentos de endividamento ou desconforto por
causa disso. Você diria que esse foi o seu caso?

Balanço a cabeça. —N-não.

Descruzando as pernas, Johanna se inclina para a frente na cadeira


como se fosse se levantar, mas depois hesita. Seus olhos seguram os
meus, mais gentilmente do que antes.

—Você pode descrever seus sentimentos então?


—Meus sentimentos por Tucker? — O ar nos meus pulmões
evapora, as sinapses no meu cérebro estão parando. Eu não tinha
antecipado esta pergunta. E não tenho ideia de como responder, porque
não consigo começar a expressar meus sentimentos por Tucker. São um
conjunto de emoções que me atacam como vespas excessivamente
zelosas, ardendo uma e outra vez com precisão implacável e infalível.

Medo. Raiva. Arrepender. Luto. Confusão. Vergonha.

—Eu, hum.

Percebo ela olhando para minhas mãos, que estão enroladas em


punhos, minhas unhas cravando em minhas mãos. A consciência brilha
em seu rosto, a simpatia aquecendo seu olhar. Mas há algo mais também.
Relutância. Se eu contar a ela o que realmente aconteceu, se confirmar
suas suspeitas, ela terá que fazer algo a respeito. Ela terá que levar minha
história para pessoas interessadas apenas em elogios sobre um Stockton.
Faça um processo contra Tucker em nome de um bolsista bêbada que
recusou um kit de estupro e não contou a ninguém a verdade do que
aconteceu. Mentiu ativamente sobre isso para todos que foram
solicitados.

Johanna Gregory é apenas uma estudante de graduação. Ela tem


toda a sua carreira a considerar. Por que ela jogaria fora para mim? Eu
não sou ninguém.
Eu rapidamente fecho meus punhos e deslizo meus dedos sob
minhas coxas, poupando-lhe o problema.

—Estou feliz por Tucker ter pedido ajuda. Ele salvou minha vida.

O que vejo a seguir no rosto de Johanna é alívio.

Eu não a culpo. Se eu não luto por mim, por que mais alguém?
CAPÍTULO DEZENOVE
WORTHINGTON UNIVERSITY

—Oi, eu tenho um...

O veterano sentado na recepção do escritório de Serviços ao


Estudante bate na prancheta de frente para mim em sua mesa.

—Preencha aqui e alguém estará com você em um minuto.

—Ótimo. — Pego o lápis preso ao fecho de metal por um elástico e


escrevo meu nome. —Obrigado.

Estou adiantada. Minha consulta com o reitor de Assuntos


Estudantis não dura mais dez minutos, então encontro um assento e tiro
um livro da minha bolsa.

Recebi um e-mail com as descobertas de Johanna Gregory e da WUJA


pouco antes de voltar para casa nas férias de Natal. Além das horas de
trabalho escolar e de estudo deste semestre, terei de me enquadrar em
trinta horas de serviço comunitário e dez aulas de educação sobre álcool.
Não sei onde vou encontrar umas trinta horas extras neste semestre,
mas quero acabar logo com isso. Quando o primeiro ano acabar, não
quero mais pensar naquela noite, nem no Tucker Stockton.

—Poppy Whitman? — Um homem afro-americano de cabelos


grisalhos, de calça cáqui e um casaco esporte de tweed repousa o cotovelo
na recepção e examina os estudantes caídos pela sala em várias poses.

—Sou eu— digo, pegando minha mochila e jogando-a por cima do


ombro.

—Entre. — Ele mantém aberta a porta de um corredor. Eu passo por


ele, mas ele não deixa fechar atrás de mim. —Estamos apenas esperando
mais um.

O cabelo na parte de trás do meu pescoço se eleva, meu batimento


cardíaco acelerando subitamente. Não.

Não preciso ouvir o reitor dizer, já sei quem se juntará a nós.

—Tucker. — Ele alonga a palavra para que pareça que há três rs no


final, não apenas uma depois a segue com uma combinação de palmada e
aperto de ombro, apenas no caso de eu ter alguma dúvida sobre o
relacionamento entre eles. —É bom ver você de novo, filho.
Tucker Stockton, o garoto de cabelos dourados escuros de Worth U.
Barf.

De acordo com Wren, como a cerveja estava presente no quarto de


Tucker, ele recebeu dez horas de serviço comunitário e uma aula de
educação sobre álcool.

—Ei, Dean Johnson. — O corredor é estreito, e tenho que fazer um


esforço distinto para me afastar de Tucker. É a primeira vez que o vejo
desde o último semestre.

O escritório do reitor é maior que o de Johanna Gregory, mas não


muito. Ele se senta na única cadeira da sala, apontando para um sofá
empurrado contra a parede oposta. Sento-me na beirada e, em vez de
colocar a mochila no chão, coloco-a na costura entre as duas almofadas
para criar uma barreira entre Tucker e eu.

—Eu nem sempre vejo os alunos juntos, mas depois de ler seus
formulários de inscrição, pensei que faria mais sentido.

Minha língua é a consistência do papelão. —Formulários de


ingestão?

—O questionário que enviei por e-mail. Sobre o seu...—


—Oh, certo. Certo. Desculpa. — Esqueci a pesquisa que recebi,
perguntando sobre meus interesses e habilidades. Minhas mãos estão
suando e minha respiração é muito rápida, muito superficial. Ouso olhar
para Tucker. Ele está perfeitamente à vontade, vestindo jeans e um
Henley, um pé cruzado sobre o joelho.

—Agora, Poppy, você era conselheira do acampamento, está


correto?

Eu concordo. —E Tucker, você treinou um time de lacrosse para


meninos, certo?

—Apenas uma clínica. Fazia parte de um...

Dean Johnson sorri.

—Clínica, certo. O ponto é que vocês dois trabalharam com crianças.


E, por acaso, encontrei uma oportunidade perfeita para cumprir suas
horas de serviço comunitário. Como vocês trabalharão juntos, fazia
sentido revisar os detalhes juntos também.

Trabalhando. Juntos.

Isso não pode estar acontecendo.

Mas isso é.
—Como eu tenho certeza que você sabe, a Worthington University
se orgulha de nosso alcance comunitário. TeenCharter é uma organização
sem fins lucrativos que administra várias casas de grupo em nossa região.
Suas instalações apoiam adolescentes que, por qualquer motivo, não
podem viver com suas próprias famílias e não foram colocados em uma
família adotiva. Recentemente, eu me encontrei com o diretor do
programa para criar um serviço de tutoria para eles e ela compartilhou
algumas de suas outras preocupações comigo também. Decidimos que os
jovens poderiam se beneficiar de um contato mais direto com os alunos
do Worth U, sem relação com os objetivos acadêmicos.

—São crianças...

—Que tipo de....

Tucker e eu perguntamos ao mesmo tempo. Ele sorri para mim


como se estivéssemos compartilhando uma piada interna.

Eu recuo, girando de volta para encarar o reitor.

Encontramos evidências de atividade sexual. Um preservativo... dentro


de suas roupas. Isso soa certo para você?

Nós compartilhamos uma noite, um erro. Isso é tudo.

Concentre-se nas crianças, Poppy.


—TeenCharter... eles trabalham com o Departamento de Crianças e
Famílias?

—Sim. Cada uma de suas casas pode receber de oito a doze


adolescentes, mas não são grandes instalações, e o diretor acha que seria
útil levá-los ao campus de Worth U uma tarde todos os fins de semana. As
crianças...

Eu o ouço explicar a necessidade de lugares como esses, abrigando


crianças que não têm mais para onde ir. Não admito que sei exatamente
que tipo de lar eles são e as crianças que moram lá. Eu já fui um deles.

—Como podemos ajudar? — Tucker pergunta.

Eu escuto com atenção qualquer nota de desprezo em sua voz,


qualquer indicação de que ele pretenda fazer apenas o mínimo necessário
para cumprir suas obrigações. Mas não encontro. Tucker parece
intrigado, até entusiasmado.

—Os detalhes são com você e Poppy. Mas o principal problema, pelo
que entendi, é...

—Tédio— interrompe. —Essas crianças frequentam a escola, mas


não há esportes organizados, encontros com amigos ou até recados com
os pais. Eles estão assustados e se sentem abandonados. — O
TeenCharter não administrava a casa em que Sadie e eu estávamos, mas
os problemas que as crianças enfrentam são universais.

Dois pares de olhos balançam na minha direção. Dean Johnson fala


primeiro.

—Isso é exatamente correto. Gostaria que vocês trabalhassem na


criação de um programa de divulgação contínuo, em que os estudantes
interessados em Worthington passassem um tempo com as crianças do
TeenCharter uma tarde todos os fins de semana. Você pode organizar
jogos ou artesanato, qualquer coisa para colocar sorrisos em seus rostos.
Parece bom?

—Sim— Tucker e eu concordamos.

Além de realmente trabalhar com Tucker, parece ótimo.


CAPÍTULO VINTE
WORTHINGTON UNIVERSITY
SEMESTRE DE OUTONO, SEGUNDO ANO

—VOCÊ JÁ ATIROU EM UM DESSES ANTES? — Jenny me olha


duvidosa, seus olhos viajando do meu capacete e óculos de segurança
grossos para o meu macacão de camuflagem e a arma que estou
segurando no meu peito com as mãos enluvadas.

Ela está usando uma roupa idêntica e eu sorrio para ela. Eu cresci
perto de muitos adolescentes do TeenCharter, especialmente Jenny. Ela
me lembra um pouco de mim, na verdade. Pai ausente, mãe viciada,
poucos parentes ou famílias adotivas dispostas a enfrentar uma
adolescente que basicamente se criou e não acreditava em regras normais
- toque de recolher, hora de dormir, tarefas domésticas - aplicadas a ela.

Quando conheci Jenny, ela estava com raiva do mundo - e eu não era
exceção. Mas, com o tempo, chegamos a um entendimento. Não tento agir
como um pai ou mesmo uma irmã mais velha - sem julgamento, sem
conselhos. Quando ela quer, ela participa das atividades que Tucker e eu
planeamos e, quando pensa que são burras, fica de mau humor em um
canto e depois me procura.

Jenny é nervosa, principalmente em torno de Tucker e dos amigos


de lacrosse que ele alistou para trabalhar com as crianças do TeenCharter
uma vez por semana. Mas ela também é inteligente e forte e, quando sorri,
seu rosto inteiro irradia alegria. A risada de Jenny é minha parte favorita
da semana.

Trabalhar com Tucker é o meu menos favorito.

Jenny percebeu meu desconforto quase que imediatamente.

—Por que você não gosta dele? — ela me perguntou em um


sussurro na segunda tarde que passamos juntos.

—Quem? — Eu era burra, embora soubesse exatamente quem ela


queria dizer.

Jenny sabia que eu estava mentindo.

—Tudo bem, não me diga— ela bufou depois se afastou.

Mas ela voltou à tona na semana seguinte.

—Se você não quer estar perto de Tucker, por que você vem aqui
com ele?
—Bem, se eu não, então eu não iria vê-la, não é? — Os olhos de
Jenny se encheram de reprovação com a minha meia resposta e eu
suspirei, olhando para longe.

—As coisas com Tucker são... complicadas.

Jenny não se esforçou mais, embora eu pudesse dizer que ela queria.
Se alguém entende complicado, é um adolescente em uma casa de grupo.

Para lançar esse programa, tive que deixar de lado meus


sentimentos por Tucker. Eles ainda estavam lá, é claro, caso contrário
Jenny não teria notado nada.

É difícil olhar para Tucker sem sentir vergonha do meu próprio


comportamento naquela noite. E com raiva dele por consciente ou
inconscientemente, tirar proveito da minha intoxicação.

Mas já se passaram meses e, embora definitivamente não seja fácil


vê-lo todo fim de semana, enviar mensagens de texto e e-mail e coordenar
os eventos do TeenCharter, ficou mais fácil.

No meu curso de Introdução à Psicologia, aprendemos sobre


Terapia de Exposição. É um tratamento desenvolvido para ajudar as
pessoas a enfrentar seus medos, expondo-as repetidamente ao objeto de
seu medo. É extremamente eficaz.
E acho que foi isso que nosso programa TeenCharter fez por mim.
No começo, era apenas um meio de cumprir minhas horas de serviço
comunitário. Mas tornou-se muito mais. Meu compromisso com as
crianças que ajudamos superou em muita minha aversão a lidar com
Tucker.

A verdade é que eu não poderia ter pedido um parceiro melhor.


Tucker é ótimo com eles e generoso com seu tempo. Ele cumpriu seu
horário de serviço comunitário nas primeiras semanas, mas não
mencionou uma vez se afastar do programa.

Nesse ponto, mais do que complicado, meus sentimentos por Tucker


podem ser resumidos em uma palavra: desconforto. Eu não quero gostar
dele. Mas é difícil odiar alguém que se vestiu com uma roupa de coelho
para a Páscoa no semestre passado e passou duas horas pulando pelo
pátio principal, fingindo “pôr” ovos de plástico que passamos horas
preenchendo com doces, adesivos e tatuagens temporárias.

Quando Tucker propôs a ideia pela primeira vez, tentei reprová-la.


Eles são adolescentes. Eles não acreditam no coelhinho da Páscoa, eu disse.
Mas Tucker alugou o traje de coelho de qualquer maneira, e ele estava
certo. A maioria dessas crianças não cresceu com novidades como o
coelhinho da Páscoa ou o Pai Natal. Eles tiveram uma explosão.
Assim como eles fizeram no Monster Mash, que ele sugeriu para o
Halloween.

E vir hoje ao Paintball-Palooza também foi ideia de Tucker. Ele


convenceu o proprietário a cobrar nossas taxas e Dean Johnson
providenciou o transporte usando um dos ônibus de traslado do campus.

Agora eu olho para Jenny através das lentes grossas.

—Acredite, eu sei exatamente o que estou fazendo.

No Paintball-Palooza, os jogos são disputados em quatro acres e


meio de florestas densas, com cobertura natural proveniente de árvores e
pedras, pilhas de troncos e pneus e abrigos de madeira feitos pelo
homem.

Como conselheira de campo por cinco verões seguidos, seria


impossível não ser pelo menos um pouco experiente no paintball.
Embora, depois de descobrir que viéssemos aqui hoje, fiz uma viagem
individual para me acostumar com o terreno e o equipamento.

Estou feliz por ter feito. No instante em que puxei o perfume de


pinhas e terra úmida até meus pulmões, uma onda de nostalgia me deixou
cambaleada. Fechei os olhos, tentando me concentrar no bem e não no
mal. Porque quase todas as minhas memórias de Gavin são boas.
Incrivelmente ótimas, na verdade. Nossas caminhadas, nossas conversas,
nossos jogos de cartas. Beijando e tocando e explorando os corpos um do
outro. Momentos roubados. Piadas compartilhadas. Rindo e amando.

A Reserva Sackett era um pequeno pedaço do paraíso. Nosso


pequeno pedaço do paraíso.

E eu quero lembrar disso. Os sorrisos que Gavin colocou no meu


rosto. A alegria que ele trouxe para a minha vida.

Demorou um pouco, mas pensei em me recompor. Eu realmente fiz.

Então, larguei o bordo que costumava me firmar e minha palma


ficou pegajosa de seiva inexplorada.

E de repente... eu não estava bem. Minha mão parecia que estava


pegando fogo. A dor rasgou através de mim, afiada e feroz, como se eu
tivesse sido estripada por um pôquer quente.

Gavin.

Passei a sessão inteira escondida embaixo daquela árvore, minha


arma de paintball esquecida no meu colo. Finalmente, aceitando que sua
ausência é uma ferida aberta da qual eu nunca me recuperaria.

Mesmo sabendo que não o mereço mais. Que, no sentido mais


verdadeiro da palavra, eu fui infiel. Independentemente do que veio
depois, eu flertei com Tucker. Eu beijei Tucker. Convidei-o para voltar
para o meu quarto antes de concordar em ir para o dele.

Não sei se Gavin esteve com mais alguém. Ou porque ele foi embora.
Mas eu o levaria de volta em um piscar de olhos... se ele me quisesse.

Se ele apenas voltasse. Ou chamar. Envie uma mensagem via pombo-


correio. Qualquer coisa.

Saí sem respostas ou fechamento. A única graça salvadora foi que


tirou meu colapso do caminho. Até agora, consegui manter uma fachada
relativamente calma e composta diante das crianças do TeenCharter. E
Tucker.

Nós nos dividimos em equipes, depois paramos para encontrar


cobertura. Guiei Jenny para trás de uma pilha de vários pneus enormes da
Goodyear, nossas armas se misturando com a borracha preta, advertindo-
a:

—A maioria das pessoas corre como lunática, disparando


aleatoriamente. Se permanecermos focadas, mataremos o outro time
como peixes em um barril.

A buzina soa e, como eu suspeitava, todo mundo começa a correr


como crianças soltas em um playground. O que, vamos encarar, é
totalmente preciso nessa situação. Eu miro, atiro, assisto a flor da dor de
neon atingir um ombro. Encontro outro alvo e repito.

Jenny dispara meia dúzia de tiros, xingando quando só bate em


árvores.

Larguei minha arma.

—Aqui, deixe-me mostrar-lhe. — Examino os rudimentos de alinhar


sua visão e disparar no espaço entre suas respirações.

—Devo ter medo de que você seja bom demais em atirar em


pessoas?

Eu pego minha arma de volta.

—Somente se você decidir trocar de equipe.

Desta vez, quando Jenny aperta o gatilho, ela faz contato. —Peguei
um! — ela grita... um pouco alto demais.

Merda. Pelo canto do olho, vejo Tucker cair de uma árvore. Eu giro,
apontando minha arma na direção dele e atirando. Tucker balança para
trás, seu peito manchado de amarelo, assim como uma bola de tinta verde
de sua arma bate no meu braço.
Estamos jogando o jogo com sete vidas, o que significa que podemos
ser atingidos sete vezes antes de sairmos. Mas após cada golpe, temos que
voltar para a base e aguardar três minutos antes de retornar ao campo.

—Volto já— digo para Jenny.

—Aonde você está indo?

Eu mudo para que ela possa ver a tinta cobrindo meu braço.

—Não vou demorar, mas enquanto isso— aponto para um galpão


atrás de nós, —vamos lá. E não anuncie todos os hits, ok?

Ela assente e espero que ela se reposicione antes de se levantar.

—Homem morto andando! — Eu grito, colocando minha arma no


ombro e voltando para a base.

A base é um banco posicionado sob uma saliência de metal, perto da


entrada do percurso. Shawn e Terrell, dois dos garotos do TeenCharter,
olham para mim brevemente antes de voltar sua atenção para o relógio.

—Bom tiro— diz Tucker quando eu apareço no momento em que


ele está sentado, esfregando o peito.

Meu braço já está doendo onde ele me bateu, mas não admito. —
Sim, você também.
—Eu estou livre! — Shawn grita alguns segundos depois, correndo
para o campo sem olhar para trás. Terrell segue atrás não muito tempo
depois.

—Sabe, eu tentei convencer Wren a vir conosco hoje, mas ela era
bastante inflexível quanto ao paintball não é seu esporte.

—Wren? — Tento e não consigo imaginar minha ex-colega de


quarto usando macacão sujo e óculos de segurança, me escondendo atrás
de árvores e rastejando na lama. —Essa dificilmente é a praia dela.

Os lábios de Tucker se contraem.

—Mesmo se você tentasse atraí-la com essa linha, acho que ela não
teria chegado.

Eu dou de ombros. —Acho que ela é mais inteligente do que eu.

—Isso não é verdade, Poppy. Wren é apenas... bem, ela já sabe quem
ela é. Ela não precisa provar a ninguém.

—Você está sugerindo que eu não sei quem eu sou?

—Não. Bem, não exatamente.

—Você nem me conhece! — Quando se trata de Tucker, minhas


emoções estão em um gatilho.
—Porque eu estraguei tudo na primeira noite em que saímos. Eu
odeio o que aconteceu tanto quanto você.

Minhas sobrancelhas levantam tão alto que as sinto desaparecer na


minha linha do cabelo.

—Eu duvido disso— eu digo cada sílaba pingando com desdém.

—Porra. — Tucker deixa a cabeça cair para trás e suspira. —Há algo
sobre você. Eu nunca conheci alguém que me faça errar tudo, toda vez.

Eu solto uma risada rouca. —É um presente.

Ele coloca a cabeça novamente e se vira para mim.

—O que estou tentando dizer é que você está aberta a pessoas


diferentes, experiências diferentes. Você ainda está tentando descobrir o
seu caminho, enquanto pessoas como eu e Wren, bem, o nosso foi
definido antes mesmo de nascermos.

—E você acha que isso é uma coisa ruim? Por favor. Você não tem
ideia de como você é sortudo, Tucker.

Ele balança a cabeça. —Sortudo? É como usar uma camisa de força.


Minha cabeça se vira para ele como se estivesse girando. —Você
está seriamente esperando simpatia pela colher de prata encravada na
boca quando você nasceu? Ou seu pedigree perfeito?

—Não— Tucker praticamente rosna. —Não estou procurando


simpatia sua ou de mais ninguém. Mas eu não sabia que tinha que filtrar
minhas experiências e opiniões através da sua lente, Poppy. Se você está
interessada apenas em sair com pessoas como você, então eu tenho
novidades para você - você é tão julgadora quanto Wren.

As palavras de Tucker pousam pesadamente e sentam-se como


pedras dentro do meu peito, a verdade delas é um peso inesperado.

É por isso que sempre tive dificuldade em fazer amigos, por que só
me sinto confortável com pessoas que são como eu?

Encontrei uma quando tinha treze anos, praticamente no meu


quintal. Gavin e eu éramos tão parecidos. Minha mãe, viciada, o pai,
alcoólatra. Anos no sistema de adoção. Questões de abandono. Problemas
de confiança. Crescendo com apenas dois centavos para esfregar juntos.

Eu arranho a tinta secando no meu rosto.

—Você está certo.


Tucker permanece sem expressão por um momento e então, para
minha surpresa, ele sorri para mim.

—Matou você dizer isso, não foi?

—Isso meio que aconteceu— eu admito, lutando contra um sorriso


meu.

Tucker bate em sua têmpora. —Aqui, nós somos nossos piores


inimigos.

O cronômetro dispara, pondo um fim à nossa conversa. Eu corro


para o campo sem dar mais uma olhada no Tucker. Aqui, as linhas de
batalha estão claras, as regras do jogo definidas. Tucker Stockton é meu
inimigo e eu passo o resto da hora atirando nele.
CAPÍTULO VINTE E UM
SACKETT, CONNECTICUT & NEW YORK CITY
FÉRIAS DE ANO NOVO, SEGUNDO ANO

MEU TELEFONE TOCA NA MANHÃ DA VÉSPERA DE ANO NOVO. Eu


coloco no meu ouvido antes de estar totalmente acordada, meu olá mais
como um bocejo.

—Bom dia. — A voz profunda de Tucker me acorda uma onda de


adrenalina correndo por mim.

—O que está errado? Aconteceu alguma coisa? — Meus


pensamentos imediatamente se voltam para o programa TeenCharter.
Além do dia de Natal, eu tenho trabalhado praticamente sem parar desde
que cheguei a casa e tive que perder a festa que planeamos para eles.

Eu me sinto péssima com isso. Esta época do ano é difícil para quem
passa por drama familiar, e especialmente para crianças que sentem que
o mundo inteiro as abandonou.

—Não. Está tudo bem.

—A festa? E os presentes secretos do Pai Natal?


—Saiu sem problemas.

Eu suspiro de alívio, me deixando cair contra o meu travesseiro.

—Como está Jenny? — Pouco depois do dia em Paintball-Palooza, o


pai dela apareceu e ela partiu com ele. Mas não durou. Algumas semanas
atrás, ela apareceu do lado de fora da minha porta com um rosto cheio de
lágrimas e um olho roxo. Ela está de volta ao TeenCharter agora.

—Ela está bem. E acho que ela realmente gostou do presente.

Eu sorrio.

—Sim? — Eu mesmo comprei o presente de Jenny - um diário de


ouro rosa e um maço de canetas metálicas com ponta de flare. Ela não é
boa em falar sobre seus sentimentos, então pensei em escrevê-los, pois
poderia ser útil para ela.

—Definitivamente.

Enquanto espero Tucker me dizer por que ele está ligando, minha
mente começa a folhear minha agenda. Talvez eu possa parar para ver
Jenny antes de nossa próxima tarde planeada para o fim de semana...

—Eu estava ligando para dizer oi.


—Oh. — Não tenho ideia do que dizer de volta. Na maioria das
vezes, eu barricei aquela noite em uma parte escura do meu passado,
fingindo que é um erro que eu fui além, uma anomalia estranha que não
define quem eu sou hoje. Na maioria dos dias, eu até acredito nisso. Eu
tenho que. Raiva e medo são cargas pesadas que só me pesam.

—Oi.

E eu perdoei Tucker. Não moramos mais no mesmo dormitório e


nossas interações são propositais, focadas apenas no TeenCharter. Nós
não saímos. Não compartilhamos confidências. Ele não é meu amigo.

—O que você fará esta noite?

—Esta noite?

—É véspera de ano novo.

Boa. Eu esqueci. Mas não preciso pensar na minha resposta, porque


ainda não fiz planos.

—Nada de mais. Eu vou ficar aqui.

—Posso buscá-la, trazê-la para a cidade de Nova York? Eu vou


participar de algumas festas.
Eu ainda devo estar sonhando. Porque a última vez que fui a uma
festa com Tucker, acordei em um pesadelo.

—Hum, eu não acho que isso seria realmente...

—Por favor, Poppy. Apenas me ouça.

Respiro fundo e empurro pelos dentes. —OK.

—O que aconteceu no ano passado, isso não é... não é quem eu sou.

—Eu sei, Tucker. Está bem. Estamos bem.

—Não, não estamos. Toda vez que você olha para mim, eu me vejo
através dos seus olhos. E odeio quem vejo.

Eu me arrepio. —Isso realmente não é problema meu.

—Eu não... não é isso que estou dizendo. — Ele suspira e me ocorre
que, embora eu tenha perdoado Tucker, eu realmente não segui em
frente.

Já faz mais de um ano, catorze meses, desde que fui à festa da


fraternidade com Tucker e, de certa forma, ainda estou lá. Ainda deitada
em uma cama de hospital, nua e confusa. Ainda cheirando a vômito e me
afogando em vergonha.
—Me dê uma chance de consertar as coisas, Poppy. É um ano novo,
vamos começar juntos, com uma lista limpa.

Uma lista limpa. É mesmo possível?

Se for... se houver uma chance, não é o que eu quero?

Para finalmente desconectar o cara que me despiu do garoto que


vestia uma fantasia de coelho.

—Isso precisa envolver uma festa? Não podemos apenas...

—Apenas o quê?

—Eu não sei. Ir para uma caminhada ou patinar no gelo ou algo


assim?

—Você anda de skate?

—Não. — Uma risada nervosa desliza da minha boca.

—Que tal isso: eu vou buscá-la, vamos de carro até a cidade e vamos
descobrir o que fazer juntos?

Uma bandeira vermelha sobe minhas terminações nervosas


tremendo de alarme.

—E então o que? Eu não, não vou ficar...


—O que? Não. Deus, claro que não. Vou pegar um quarto de hotel e
te levar de volta para casa pela manhã.

Algumas longas batidas de silêncio passam.

—O meu próprio quarto? — Eu pergunto minha voz soando tênue e


tensa. Eu sou louca por considerar isso?

—Sim. Eu prometo.

—Eu-eu não sei, Tucker. Voltamos à escola em alguns dias. Que tal
ficarmos juntos para tomar um café?

—Isso não é o mesmo. — Ele exala profundamente. —E não quero


esperar até que voltemos à escola. Vamos, diga sim. Ano novo, novos
começos, uma chance de acertar o relógio. Por favor.

Eu desmorono. —OK.

—OK? Sim?

Eu desmorono porque também quero esse recomeço. Quero


reescrever o que aconteceu no ano passado, substituí-lo por algo
diferente. Algo melhor.
Eu quero ser mais do que apenas uma garota bêbada que flertou
com Tucker, beijou-o e depois acordou em uma cama de hospital, dizendo
que tinha sido agredida sexualmente.

E está claro que Tucker não quer ser o cara que trouxe aquela garota
bêbada de volta para o quarto dele, deu-lhe uma cerveja que ela
definitivamente não precisava e pensou que sua incapacidade de dizer
não era o mesmo que dizer sim.

—Sim. — Eu digo agora, imediatamente me sentindo mais leve.


Como se eu tivesse perdido parte do peso que tenho arrastado nos
últimos catorze meses. De jeito nenhum. Nem muito. Mas alguns.

Mais tarde naquele dia, Tucker chega à nossa modesta casa em um


elegante Porsche preto. Saindo do carro esportivo, ele caminha pela nossa
passarela gelada, vestindo um grosso casaco preto, um cachecol de
caxemira ao redor do pescoço e luvas de couro caras.

—Você não me disse que Tucker estava indo buscá-la — Sadie


sussurra, afastando-se da janela para olhar para mim.
Esqueci que ela o conheceu no ano passado e não tenho tempo para
responder antes que minha irmã corra até a porta da frente e a abra.

—Ei— diz ela, esticando o quadril e passando a mão pelo cabelo.

—Ei. Sadie, certo?

Os olhos dela brilham de prazer. —Certo.

Minha mãe sai da sala, parando quando vê Tucker entrando pela


abertura estreita.

—Prazer em conhecê-la, senhora Whitman. Eu sou Tucker. — Ele


aparece como um jovem magnata de Manhattan, todos os traços do
garoto de fraternidade que joga lacrosse que ele está em Worthington
foram apagados.

—Olá— minha mãe gagueja uma saudação, depois se vira para


Sadie. —Sadie, pelo amor de Deus, feche essa porta. Não há necessidade
de aquecer o jardim da frente.

As bochechas de minha irmã coram com a repreensão, mas Tucker a


distrai.

—Uma casa cheia de mulheres lindas, por que eu não estive aqui
antes?
Sadie me mata.

—Porque minha irmã te escondeu de nós.

Já temendo o elenco de perguntas que recebo quando voltar para


casa, especialmente de Sadie, pego meu casaco. Minha irmã não entrou
em Worthington, e os pacotes de ajuda financeira que recebeu de outras
escolas eram quase risíveis. Ela decidiu se matricular em uma faculdade
comunitária por enquanto e se inscrever novamente no próximo ano. Mas
sei que incomoda eu estar em Worthington e ela não.

Crescendo, se eu tivesse um biscoito, daria a ela metade. Se eu tinha


uma camisa que ela gostava, era dela antes que eu a superasse. Mas não
posso dar a Sadie uma carta de aceitação e é um ponto de discórdia tácito
entre nós.

Tucker tira meu casaco das minhas mãos, segurando-o pela gola
para que eu deslize meus braços nas mangas. Meu cabelo fica preso sob a
lã pesada e ele o puxa, alisando minhas costas.

—Pronta para ir?

Minha boca repentinamente seca, só posso concordar.

Sadie não tem esse problema. — Onde você vai? — ela pergunta.
Tucker oferece um sorriso travesso. — Tenho certeza de que ela lhe
contará tudo amanhã.

Minha irmã apenas zomba quando entramos pela porta. —Eu


duvido disso.

No meio do caminho, deslizo na passarela, meu calcanhar saindo


debaixo de mim. Tucker me pega pelo cotovelo. —Peguei— diz ele.

Não é apenas o gelo que me deixa desequilibrada e hesitante. Parece


que Tucker e eu estamos entrando em território desconhecido. Passamos
da evasão mútua para a cordialidade reprimida quando Dean Johnson nos
uniu para trabalhar com o TeenCharter. E agora, parece que Tucker quer
ir além disso também.

Mas não sei como será o além. Que tipo de relacionamento estou
disposta, ou até capaz, de ter com ele?

Depois de deslizar para o carro baixo de Tucker, o ruído constante


do motor zumbiu em minhas veias quando ele se fundiu na estrada. Duas
horas depois, estamos na Henry Hudson Parkway, depois em Manhattan.

Tucker navega pelas ruas movimentadas da cidade com a facilidade


de um motorista de táxi veterano. Enquanto isso ajo como uma turista
típica, pressionando minha testa na janela e admirando os arranha-céus
apontando suas pontas de aço para o céu.
Ele é confortável em seu papel, e eu estou quase, ou pelo menos
fingindo estar, confortável em meu. Mas a verdade é: estou morrendo de
medo de cometer um erro ainda maior hoje do que naquela noite.

—Aqui estamos— diz Tucker finalmente, estacionando do lado de


fora do hotel mais icônico de Nova York.

Eu pisco para ele. —Plaza?

Ele lança um sorriso brincalhão. —Todas as meninas crescem


desejando poder ser Eloise, pelo menos por uma noite?

Meus desejos tinham sido muito mais complicados do que


administrar esse enorme marco de Manhattan, mas concordo com a
cabeça, apesar do nó de ansiedade revirar meu estômago.

—Claro. — Eu sou estúpida em confiar em Tucker? Ele reservou


quartos separados?

Meus pensamentos estão se enrolando na minha garganta, cortando


meu suprimento de ar, quando um mensageiro uniformizado abre minha
porta.

—Boa tarde senhorita.

—Boa tarde — eu consigo sussurrar, me sentindo tonta.


Minhas botas pisam silenciosamente no tapete vermelho que cobre
as escadas da entrada, um porteiro nos conduzindo para dentro.

Imediatamente, o barulho e a areia da cidade de Nova York


desaparecem. É como se eu tivesse entrado em um castelo francês, ou
pelo menos como eu imagino que seria um castelo francês. Mármore sem
fim, lustres de cristal, sofás de veludo, tudo dourado.

Mal percebo quando Tucker diz:

—Espere aqui— e me deixa de pé no centro do enorme saguão. Meu


pescoço se ergue no teto enquanto me viro em um pequeno círculo.

Ele volta alguns instantes depois, com um envelope discreto na mão.


—Pronta?

E assim, voltei à realidade.

Existem dois cartões principais lá?

—Hum, Tucker. — Meus pés estão enraizados no chão. Mesmo que


passássemos duas horas juntos no carro, não consigo entrar em um
quarto de hotel com ele. —Eu não acho...

Há um lampejo de mágoa no rosto de Tucker, mas desaparece quase


imediatamente.
—Claro. Compreendo. — Ele entrega o envelope para mim. — O
número do quarto está na frente. A casa dos meus pais fica a apenas
alguns quarteirões de distância. Eu ia te acompanhar antes de voltar para
casa para me trocar, mas se você preferir...

De repente, me sinto ridícula. Tucker me convidou aqui para um


novo começo, e eu também quero isso.

—Não. Está bem. Eu sinto muito. Eu não percebi, pensei...

Paro de falar quando o braço de Tucker pousa nos meus ombros e


ele me guia em direção ao banco do elevador. Seu toque envia meus
sentidos em excesso - uma mistura desconcertante de puro pânico e
prazer inesperado.

—Ficarei apenas alguns minutos.

Pegamos o elevador para o décimo quarto andar e andamos até a


metade do corredor, pintados com a cor de manteiga e adornados com
pinturas de bordas douradas. Lustres, menores que os do saguão,
penduram no teto em intervalos regulares.

Tucker abre a porta do meu quarto e eu entro, parada


desajeitadamente ao lado da cômoda. Ele passa por mim e afunda em uma
das cadeiras perto da janela, puxando seu telefone. —Temos opções para
hoje à noite.
—Opções? — Estou olhando para a cama larga que domina este
quarto, mas me lembro de um quarto diferente, uma cama menor.

É macio. Muito macio. Meu estômago revira, e eu me inclino para


frente, me abaixando no chão, precisando sentir algo sólido debaixo de
mim.

Tucker olha para mim interrogativamente. —Você está bem? —

Seu rosto se divide em dois, depois se funde novamente. —Sim. —

—Sim. — A voz real de Tucker toma o lugar do eco dentro da minha


cabeça. —Festas de passagem de ano.

Minha boca está seca, os pelos da nuca estão arrepiados. —Oh, certo.
OK. —

—Ou, se nenhum deles parecer atraente, podemos dar um passeio,


como você disse. Ver a árvore e até patinar no gelo.

Tucker ergue os olhos do telefone.

—Você não quer ver a bola cair na Times Square, não é? — Na


minha pausa, ele acrescenta: —Quero dizer, nós poderíamos. E se...
—Não. — A Times Square está cheia de turistas bêbados na véspera
de Ano Novo. É o último lugar que eu quero estar. —Em qualquer lugar,
menos lá.

Compartilhamos um sorriso e pego minha mochila de onde Tucker a


deixou na porta, colocando-a na cama. Abrindo o zíper, começo a tirar as
roupas que trouxe. Uma vez que o colchão está obscurecido, me sinto um
pouco melhor.

—Wren sabe que estou aqui?

Tucker encolhe os ombros. —Não sei. Não me lembro se eu disse a


ela ou não. De qualquer forma. Há também…

Eu finjo prestar atenção enquanto ele relaciona os vários convites.


Mas quando ele pergunta: —Algum desses parece bom?

—Ah sim.

—Quais?

—Hum. — Eu invento uma resposta. — O primeiro e o último são


ótimos. Realmente engraçado.

Ele coloca o telefone de lado e se levanta. —O que está errado?

Eu. Ele.
Nem toda história tem um final feliz. E nem todo mundo merece um
novo começo. E se estivermos além de um novo começo?

E se, por mais que Tucker queira ser o herói da nossa história, ele só
será um vilão?
CAPÍTULO VINTE E
DOIS
NEW YORK CITY

DEPOIS QUE TUCKER VOLTA A CASA de seus pais para mudar e


roupa, leva uma eternidade para que meu batimento cardíaco volte ao
normal. Estou andando na beira de algo que é perigoso, ou estúpido, ou
ambos.

Mas é melhor do que eu tenho vivido. Ignorar memórias que não são
reais e ainda não serão suprimidas. Ignorando emoções que não fazem
sentido e ainda não podem ser negadas.

Talvez eu tenha abordado tudo errado. Talvez o que eu precise fazer


seja aceitar o que aconteceu, assumir o controle e mudar a narrativa.

Posso enterrar o Tucker do passado - o Tucker que me machucou,


que tirou algo de mim? Separe o cara do Tucker que me convidou para a
cidade de Nova York para comemorar o Ano Novo com ele.
Se eu permitir que Tucker se afaste de quem ele era, talvez eu possa
me tornar uma pessoa diferente também.

Mais forte. Menos ingênua. Talvez até... corajosa.

No ano passado, eu não saí no ano novo. Eu certamente não estava


com vontade de comemorar.

Estava muito longe do ano anterior. Depois que Sadie saiu para uma
festa do pijama com um amigo e minha mãe desmaiou no sofá, eu enfiei
Gavin no meu quarto. Nós tínhamos comemorado bastante naquela
época.

Gavin. Eu esfrego a dor oca familiar no meu peito que me atormenta


sempre que penso no garoto bonito e quebrado que uma vez amei,
enviando uma rápida oração para que ele esteja seguro. Que ele seja feliz.
Minha raiva por ter sido abandonada desapareceu, mas a dor ainda está
lá. Eu sempre amarei Gavin, provavelmente sempre desejarei por ele. Mas
acabei de lamentá-lo. Eu tive que para, porque não posso continuar
vivendo uma meia-vida, sentindo que metade de mim - a melhor parte -
está desaparecida.

Não importa onde Gavin esteja agora, por que ele saiu ou com quem
ele está - mereço receber este novo ano que está por vir. Eu mereço um
novo começo. Ele iria querer isso para mim, eu sei que ele iria.
Uma lembrança antiga vem à minha mente. O artigo da revista que
eu mostrei a Gavin todos esses anos atrás. Fotografias de um casal lindo
que eu achei tão intrigante, seu brilho de glamour e sofisticação brilhando
nas páginas.

Eles parecem tão perfeitos.

Destinado a ser.

Como se nada de ruim tivesse acontecido com eles. Como nada ruim
jamais será.

A mulher nessa fotografia não seria levada às pressas para um


hospital, seu sangue seria o teor alcoólico de um refrigerador de vinho.
Ela não aprendeu que um preservativo foi encontrado embaixo de suas
roupas. Ela não chorava para dormir noite após noite, por semanas e
meses a fio.

— Imagine a pessoa que você quer ser e depois seja ela — eu


sussurro febrilmente, exatamente como os psicólogos infantis
aconselharam quando eu era mais jovem. A versão deles de fingir até você
fazer, eu acho.

Algumas horas depois, quando meu telefone acende com uma


mensagem de texto de Tucker, dou uma última olhada em mim no
espelho grande e oval escondido em um canto da sala, passando as mãos
pelos meus lados. Eu tive que cortar as etiquetas do meu vestido porque
nunca o havia usado antes. Foi empurrado para o fundo do meu armário,
algo que comprei por impulso, porque estava com um desconto muito
grande. Mas nunca tive um motivo para usá-lo. Até hoje à noite.

O material preto abraça minhas curvas, mas não muito de perto. O


decote em forma de coração não é muito baixo, apenas deslizando mal
pela elevação dos meus seios. A bainha é um pouco mais curta do que eu
gostaria, alguns centímetros acima dos joelhos, mas peguei emprestadas
duas meias de Sadie que eram quase opacas, mas não exatamente, por
isso o efeito não é tão atrevido quanto poderia têm estado. E meus
calcanhares fazem coisas agradáveis com o formato das minhas pernas,
mesmo que belisquem meus dedos dos pés.

Brincos simples adornam meus ouvidos, mas minha garganta está


nua. Meu braço se levanta, meus dedos traçam automaticamente a
cavidade da clavícula onde o colar de Gavin deveria estar. Essa picada
familiar de perda me faz encontrar meus próprios olhos no vidro. Eles
parecem muito verdes hoje à noite, as manchas douradas brilhando
intensamente. Eu vejo tristeza e medo. Mas também... esperança.

Tristeza pelo homem que perdi e pela garota que costumava ser.

Medo de nunca me recuperar. Nunca seguir em frente.


E espero que eu faça. Que esta noite será realmente um novo
começo. Um novo começo.

Eu respiro fundo, empurrando um sorriso no meu rosto. Ele treme


um pouco, mas fica.

—Eu quero ser feliz — digo para o meu reflexo. —E eu quero ser
inteira...

E então eu pego minha bolsa e encontro Tucker no saguão. Ele está


vestindo um terno preto perfeitamente cortado que acentua seus ombros
largos e quadris finos. Sua camisa branca como a neve está aberta no
pescoço, livre de gravata. Ele parece habilidoso e arrogante e bonito
demais para o seu próprio bem.

—Você está fantástica — diz ele, vestindo uma expressão satisfeita


enquanto segura minha mão.

—Sério? Você tem certeza? — Olho para o meu vestido, alisando o


tecido enquanto novas agulhas de dúvida e insegurança picam minha
espinha. —Eu sei que não é tão chique.

—É perfeito — responde Tucker facilmente, seu olhar percorrendo


minha figura antes de voltar para o meu rosto. — Quando você saiu do
elevador agora mesmo, você me procurou. E a partir do momento em que
nossos olhos se encontraram você nunca desviou o olhar.
Uma meia risada invade minha garganta. — Bem, eu não, eu não
conheço ninguém aqui.

—Verdade. Mas você é diferente de outras garotas que parecem


viajar em grupos. Sempre cercada por outras garotas. É a primeira coisa
que notei sobre você. Seu... conforto por estar sozinha.

Não me importo em explicar que não é conforto, mas aceitação.


Porque ficar sozinha fica realmente só.

Mas Tucker toma meu silêncio como acordo.

Ele balança a cabeça, seus lábios se curvando em um sorriso suave.

—Você está muito focada, Poppy. E eu gosto quando você se


concentra em mim.

A primeira festa em que Tucker me leva só pode ser considerada


pequena pelos padrões do Jantar de Estado. Pelo menos uma centena de
pessoas serpenteia por salas amplas, embora guardas de segurança com
fones de ouvido e microfones de circuito fechado sejam postados em
todos os cantos do local e nas aberturas de certos corredores. A multidão
é uma mistura de jovens e idosos. Tento ostras pela primeira vez, um
bocado frio e viscoso que não pretendo repetir, e caviar, que tem gosto de
uma mordida deliciosa e salgada do mar. Ofereceram champanhe várias
vezes, embora ambos fiquemos com refrigerante.

Depois de uma hora fingindo que não me sinto terrivelmente


deslocada, Tucker me cutuca com o cotovelo e se inclina para o meu
ouvido.

—Por favor, diga-me que você está tão entediada quanto eu.

Escondo minha risada com a mão, arrepios de sua respiração


patinando na parte de trás do meu pescoço. —Isso significa que você quer
sair?

—Pronto quando você estiver — diz ele com um aceno de cabeça,


puxando o telefone do bolso e me levando para o elevador. —Wren está
me mandando mensagens. Vou dizer a ela que estamos a caminho.

Wren. Meu estômago imediatamente doe. Não sinto falta da minha


antiga colega de quarto, embora esperasse vê-la hoje à noite.
Antecipando-o com um medo lento e rastejante. —Certo.

Quando as portas se abrem para o saguão, Tucker olha para mim e


examina minha expressão.

—Isso com certeza soou muito, como se eu preferisse espingarda


uma dúzia de ostras.
Eu solto um suspiro constrangedor.

—Eu sinto muito. Eu sei que ela é uma das suas melhores amigas.
Nós devemos ir.

A expressão de Tucker é inescrutável quando ele dedica um texto


rápido. Depois que ele coloca o telefone de volta no bolso, ele pega minha
mão.

—Vamos.

O loft do centro da cidade para o qual ele me leva não está longe e,
quando entramos, Tucker aponta para as janelas na parede oposta.

—Times Square está a poucos quarteirões de distância.

Olho nessa direção, apesar de estar apenas procurando na multidão


o rosto de Wren. Mas a festa é sombria, iluminada principalmente por
luzes estroboscópicas e o horizonte da cidade subindo ao nosso redor. Eu
puxo o braço de Tucker.

—Parece que estamos em um clube — eu grito.

A música é tão alta que podíamos ouvi-la do corredor.

—O DJ veio de Londres, só por hoje à noite.

—Acho que o Wren se foi embora.


—Este não é o lugar de Wren.

—Mas eu pensei...

—Novos começos lembra?

Surpresa torce através de mim. Surpresa e uma agradável sensação


de alívio.

—Novos começos — repito.

Pelas próximas horas, Tucker segura minha mão enquanto me


apresenta a pessoas que conhece. O que é quase todo mundo. Quando não
estou sorrindo e fingindo que posso ouvir a música, estamos dançando
uma mistura de hip-hop e pop, a maioria das músicas remixadas com uma
batida Techno. De vez em quando, as mãos de Tucker roçam meu corpo,
mas ele nunca me puxa para muito perto ou mói contra mim.

E mesmo que haja um bar de bebidas servido por um barman em


um canto, Tucker o ignora em favor do balde de gelo ao lado, pegando
garrafas de água.

Finalmente, a música é cortada.

—É quase meia-noite, pessoal! — Alguém grita. Tucker pega minha


mão e me leva para o terraço, posicionando-se atrás de mim, seus braços
envolvendo minha cintura.
—Dez, nove, oito... — todo mundo está gritando, contando os
últimos segundos até a meia-noite. Todo mundo menos eu. Não posso,
estou congelada no lugar, a respiração ainda dentro do meu peito.

—Sete, seis, cinco...

Garras de medo arranham meu pescoço. O que vou fazer se Tucker


me beijar?

—Quatro, três, dois, um...

Como não considerei esse cenário anteriormente? Claro, ele espera


um beijo de ano novo.

—Feliz Ano Novo! — A multidão de foliões entra em erupção, aqui


no terraço e abaixo na Times Square.

Imagino as mãos de Tucker deslizando para meus quadris, me


virando para encará-lo, sua boca batendo na minha.

—Eu tenho você só para mim, não tenho?

—Precisa se deitar. — Minhas palavras são apenas um murmúrio.


Estou segurando a consciência pelas unhas.

Tucker segue seus lábios nos meus, seu corpo pesado em cima de mim.
Eu choramingo, tentando respirar fundo. Mas não posso.
—Feliz Ano Novo — Tucker sussurra suavemente. Sua respiração é
uma carícia perturbadora sobre minha têmpora, mas ele não faz nenhum
movimento para me girar e o beijo que eu temia é apenas uma pressão
suave contra minha bochecha. —Obrigado por ter vindo hoje à noite,
Poppy. Realmente significa o mundo para mim.

Eu concordo com a cabeça e ficamos assim. A loucura da Times


Square abaixo, um céu índigo em chamas com fogos de artifício no céu.
Rolhas de champanhe estourando, casais entusiasmados se beijando.

Esta noite foi... legal. Muito legal. Tucker tem sido atencioso e
encantador. E o sorriso dele tem feito coisas más comigo - como me
deixar consciente demais do quão bonito Tucker realmente é e de como
estou me divertindo com ele. E, quando me deixei relaxar, é muito bom
estar em seus braços.

O que me faz pensar: se esse é realmente um novo começo, por que


não posso seguir esses novos sentimentos onde quer que eles levem? Não
preciso ficar presa no passado.

Eu não quero ficar presa no passado.

Tucker e eu somos uma ilha em um mar de caos, parado enquanto


meu coração turbulento bate violentamente contra minha caixa torácica.
Eventualmente, eu me permito apreciar a sensação das mãos dele em
volta da minha cintura, a pressão suave do queixo no alto da minha
cabeça.

E depois de um longo tempo, ou talvez apenas alguns minutos, sou


eu quem se vira dentro de seus braços. O calor se acumula na minha
barriga quando nossos olhos se encontram depois se espalha quando seu
olhar cai nos meus lábios. Minha língua sai de um canto, varrendo o vinco.
Os olhos de Tucker seguem, marrom chocolate derretendo em âmbar.

—Eu acho que deveria levá-la de volta.


CAPÍTULO VINTE E
TRÊS
NEW YORK CITY
INTERVALO FÉRIAS, SEGUNDO ANO

—POSSO TE LEVAR? — Tucker pergunta, quando estamos no


saguão do Plaza.

Concordo e nossas mãos permanecem juntas até estarmos dentro do


meu quarto.

—Poppy... — Tucker me vira gentilmente para encará-lo enquanto


se recosta na porta fechada.

Borboletas dançam dentro do meu estômago enquanto eu pego o


abraço de Tucker, deslizando minhas mãos pelos braços dele até que
estou segurando seus bíceps.

—Você - você vai me beijar?


Seu olhar surpreso queima em mim, sua voz é um tom rouco que
retira a última das minhas reservas. —Eu acho que isso pode ser
arranjado.

Nossas bocas ficam sem fôlego quando essas reservas voltam ao


lugar.

—Só um beijo, só isso. — Posso estar empurrando o envelope, mas


não estou pronta para rasgá-lo completamente.

—O que você quiser Poppy. Nada mais.

Inclinando a cabeça para trás, fecho os olhos e saúdo a suave


pressão dos lábios de Tucker nos meus. Eu não espero ser envolvida em
seu beijo, realmente relaxar em seu abraço. Mas é isso que acontece.

Eu faço mais do que isso. Tranco meus dedos atrás do pescoço de


Tucker e gemo em sua boca. Encontro cada golpe de sua língua com um
dos meus. Eu arqueio minha coluna e pressiono meu corpo contra o dele.

Eu esqueci o quão bom é ser abraçada assim, beijada assim. Faz


tanto tempo. Demasiado tempo.

É só quando Tucker me levanta em seus braços e me coloca no


colchão, as molas comprimindo à medida que seu peso é adicionado ao
meu, que eu congelo, entro em pânico nas minhas costelas. Tucker
imediatamente se afasta seu rosto confuso. Balanço a cabeça,
empurrando seus ombros.

—Eu - eu não posso.

Tucker me libera instantaneamente, sua respiração alta na sala


silenciosa enquanto caminha até a janela e passa a mão pelos cabelos
escuros. O horizonte de Manhattan destaca a mandíbula forte de Tucker,
apertada ferozmente enquanto ele olha para algo que não consigo ver.

Por vários minutos, há apenas o rugido do meu pulso nos meus


ouvidos e as respirações duras de Tucker.

Finalmente, ele se vira e atravessa o quarto, ajoelhando-se ao lado


da cama.

—Eu também estava bêbado, Poppy. Aquela noite. Não é tão ruim
quanto você, é claro. Mas nunca quis... nunca quis te machucar.

Há uma graça nos movimentos de Tucker, uma urgência em suas


palavras. E fico surpresa ao ver Tucker Stockton, a cabeça baixa,
ajoelhada diante de mim. Este não é o Tucker que seus colegas de time de
lacrosse conhecem. Talvez nem mesmo Wren.

Coloco a mão em seu ombro, meu polegar acariciando a coluna


musculosa de seu pescoço. Olho para ele por um longo tempo,
ponderando meus pensamentos. Pesando lembranças daquela noite
contra esse homem aqui comigo agora.

—Eu acredito em você.

Sinto seus ombros caírem um pouco, como se minha admissão


diminuísse um fardo que ele carrega há muito tempo.

—Você... — Ele limpa a garganta e levanta o rosto até que seu olhar
esteja segurando o meu. —Você quer que eu te leve para casa?

Eu? Eu penso por um momento. Não sei exatamente o que quero,


mas voltar para minha mãe e minha irmã definitivamente não é.

—Dê-me um minuto — eu digo, entrando no banheiro para trocar o


vestido e as calças de ioga e o moletom com capuz enorme que eu trouxe
comigo.

Quando volto, Tucker está de pé junto à janela novamente.

—Eu gostaria de ficar — eu sussurro.

—Então você fica — diz ele, assentindo. —Venho buscá-la em


algumas horas para levá-la para casa.

—Espere. — Eu levanto uma mão. —Não vá ainda.


Ele pisca para mim, estudando minha expressão como se tentasse
descobrir o que está acontecendo em minha mente confusa. Um canto de
sua boca se contrai quando ele tira a jaqueta e a coloca sobre uma cadeira
esculpida. Ele se senta, esticando as pernas e cruzando-as nos tornozelos.
—OK. Você está com fome?

Balanço a cabeça.

—Com sede?

Outra sacudida.

—Cansada?

Desta vez, meus lábios se franzem em um meio sorriso.

—Na verdade não.

As ricas e bonitas sobrancelhas de Tucker se juntam e um vinco


vertical se forma logo acima do nariz.

—Então o que?

Sento-me na beira do colchão. —Eu quero saber sobre esse Tucker.

—Esse Tucker?
—Sim. O cara que implora por um novo começo, abre portas e me
trata como se eu fosse de vidro. O cara que aceita nada que não estou
pronta para dar.

Faíscas piscam dentro dos ricos olhos castanhos de Tucker,


vislumbres de calor sombreados pelo movimento espesso de seus cílios.

—Eu sou aquele cara, Poppy. Eu sei que nem sempre parece assim...
mas eu sou.

O calor dele penetra na minha pele, escavando dentro dos lugares


obscuros e secretos onde guardei toda mágoa, toda dor.

—Estou feliz.

Por um momento, apenas nos encaramos em silêncio.

—Você sabe o que? Vamos dar um passeio.

—Agora? — Eu ri.

—Agora.

—OK. — Coloco minhas botas e casaco e praticamente pulamos as


escadas de carpete vermelho do Plaza, virando para o sul na Quinta
Avenida. De mãos dadas, ficamos na frente de cenas elaboradas de janelas
de feriados e corremos pela faixa de pedestres, rindo quando os taxistas
furiosos buzinam e juram. Assim que nos viramos para voltar, começa a
nevar. Flocos grandes e grossos, tão perfeitamente formados que posso
ver os cristais individuais. Inclino minha cabeça para trás e ponho a
língua para fora, picadas de frio derretendo na boca.

Véspera de Ano Novo na cidade de Nova York.

Com Tucker Stockton.

Um pouco estressante. Um pouco estranho.

E completamente, inesperadamente, mágico.

Quando voltamos para o meu quarto, nossas bochechas estão frias,


nossos narizes rosados. Assim como uma hora atrás, Tucker se recosta na
porta fechada, olhando para mim com olhos famintos. Mas desta vez,
antes que eu diga a mim mesma todas as razões para mantê-lo à
distância, eu pego a mão dele e o puxo em direção à cama.

—É praticamente de manhã — eu digo — você pode dormir aqui.

Ele me dá um de seus sorrisos conhecidos e, neste momento, parece


mais adorável do que arrogante.

Tucker está de um lado e eu do outro, deixando uma terra de


ninguém entre elas que poderia acomodar outra pessoa.
Estou no limite, mas não tanto quanto eu pensaria. Depois de alguns
minutos, pergunto: —Você tem irmãos?

Ele não responde, e eu percebo que as respirações de Tucker se


acalmaram, tornando-se profundas e regulares. Erguendo-me no
cotovelo, estudo seu rosto aristocrático. Durante o sono, suas feições se
abrandaram e ele parece um garoto enorme, inocente e vulnerável.
Adorável, até.

Eu acho que há muitos lados em Tucker Stockton. Encostas curvas


que me atraem arestas duras que me assustam. O pacote geral é
inegavelmente intrigante.

Eventualmente, cochilo, minha bochecha no braço, voltada para o


enigma que compartilha minha cama.

Acordo de frente para a outra direção, a sala suavizada pela luz da


manhã. Tucker está enrolado atrás de mim, o calor da respiração dele
abanando a parte de trás do meu pescoço, o peso do braço dele envolto
no meu quadril. Minha camisa subiu e nossas coxas estão pressionadas
juntas.

Espero o pânico arranhar minha garganta, uma onda de adrenalina


para inundar meus sentidos.
Mas nem vem. O que faz é o zumbido baixo do desejo, que se
desenrola na minha barriga como uma flor que desperta para pegar o
orvalho da manhã.

Passo a palma da mão sobre o antebraço de Tucker, deslizando as


pontas dos dedos entre as dele, muito maiores. Ele acorda com uma
respiração afiada. Ele diz meu nome, sua voz rouca de sono e surpresa. —
Jesus eu...

Quando ele tenta me libertar, eu pressiono seu braço nas minhas


costelas.

—Não. Isso é legal.

Ele exala uma espécie de gemido satisfeito. —Muito agradável.

Sorrio e mudo minha perna para cima, esperando para ver se ele
seguirá.

Quase imediatamente, sim, seguido um segundo depois pela mão de


Tucker ao longo da minha coxa, seus dedos arrastando faíscas sob a
minha pele.

—Ainda é legal?

Inclino minha cabeça para trás, no recanto quente entre o pescoço e


o ombro de Tucker. —Hum-hum.
A palma da mão segura meu quadril, as pontas dos dedos deslizando
dentro da parte superior da minha calcinha antes de parar por aí.

—Deixe-me fazer você se sentir bem, Poppy. Eu devo a você pelo


menos isso.

Meu coração e minha mente estão em lados opostos de um abismo


tão profundo que nem quero espiar além do limite. Mas meu corpo está
falando uma língua própria, pressionando contra ele, minha perna se
abrindo. Traidora.

—Boa menina — diz ele, sua voz como cascalho agitado.

Eu não me sinto bem. Bem, eu faço. Mas eu não.

A mão de Tucker se move mais baixo quando ele beija meu pescoço,
seu toque suave e lento. —Se você quer que eu pare, eu vou.

Em resposta, meus quadris rolam para frente, buscando o calor de


sua mão, o calor de seu toque.

—Não pare — de alguma forma eu consigo sussurrar, antes de


morder meu lábio enquanto seus dedos deslizam entre minhas dobras
escorregadias, usando minha própria humildade para me fazer tremer e
contorcer.
—Tucker — eu grito, surpresa com a intensidade do orgasmo que
balança através de mim. Ele continua me esfregando suavemente para
atrair fogos de artifício de prazer, como as réplicas de um terremoto.

Quando eu não aguento mais, eu torço dentro do abraço dele.


Jogando meus braços ao redor do pescoço de Tucker, abro minha boca
para ele, deixando meu beijo transmitir os fragmentos de pensamentos
que eu ainda não fiz sentido.

Obrigado e Cristo, você é bom nisso, e por que não poderia ter sido
nossa primeira vez juntos?

A evidência do desejo de Tucker está cutucando minha barriga, e eu


quero que ele encha a dor dentro de mim, essa necessidade de mais. Eu
empurro a banda de sua cueca, e elas correm na mesma direção que
minha calcinha. Contra meus lábios, Tucker rosna: —Diga-me que você
quer isso, Poppy.

—Eu quero. — Eu realmente, realmente. E quero dar as boas-vindas


ao peso de Tucker, envolver-me em intimidade nos meus próprios
termos.

Eu ouço o ruído do plástico e, em seguida, Tucker se afasta,


caminhando minhas pernas em volta da cintura dele e me empurrando.
Meu corpo fica tenso quando a borda farpada de uma memória se agacha
na periferia da minha consciência. Espera, espera.

Mas eu não digo as palavras. Este é o nosso novo começo, uma


maneira de reescrever o passado e mudar nossa narrativa. Não vou
estragar tudo, cedendo aos meus medos.

A boca de Tucker reivindica a minha enquanto ele me enche. As


emoções rodopiam - medo, luxúria e vergonha, o nó emaranhado
entrelaçado com cintilantes cacos de prazer. A pressão aumenta e
diminui, colidindo com mim com força crescente. Até que meu tumulto
interno seja esmagado por uma enorme onda de maré.

Tucker empurra dentro de mim, depois cai.

Nós somos cara a cara, seus lábios roçando a concha da minha


orelha. Sua voz é rouca, rouca.

—É assim que vai ser Poppy. Como sempre deveria ter sido.

E eu acredito nele.
CAPÍTULO VINTE E
QUATRO
WORTHINGTON UNIVERSITY

SEMESTRE DA PRIMAVERA, SEGUNDO ANO

NÃO MUITO TEMPO DEPOIS DE VOLTAR AO CAMPUS, no segundo


semestre do meu segundo ano, descobri que pode ser o meu último.

Estou segurando a carta de aparência oficial nas mãos, tentando lê-


la na íntegra, mas estou no meio da sala de correspondência. E não
importa onde eu esteja, estou no caminho de alguém.

—Desculpe — eu digo. —Com licença, desculpe. Desculpa. —


Minhas mãos estão tremendo, as palavras tremendas. Algumas frases
saltam para mim. Lamentamos informar você e seu GPA caiu abaixo do
que é necessário para manter, e esta decisão é final e pode não ser
apelada.
O ano passado foi difícil. Depois daquela noite, tive dificuldade em
me concentrar nas minhas aulas. Eu mal dormi e quase não estudei. E
uma vez que me envolvi com o TeenCharter, nos primeiros meses de
trabalho com Tucker, toda interação me deixara com os joelhos fracos e
nauseados. Minhas notas foram um enorme sucesso.

Mas eu me recompus no semestre passado. Eu fiz bem. Melhor que


bem. Aparentemente, mas não o suficiente para compensar meu primeiro
ano.

Ao avistar uma familiar cabeça loira pelo canto do olho, amasso a


carta dentro do punho e começo a caminhar em direção à saída. Mas
minha visão está turva e eu tropeço, esbarrando na mesma pessoa que
estava tentando evitar.

—Eii... — Wren reclama, a veemência de seu brilho apenas se


intensificando quando ela percebe que sou eu.

—Desculpe — eu digo, pela décima vez nos últimos minutos.

—Poppy. — Ela me olha e dá um passo para trás. Eu posso imaginar


o que ela vê - olhos vidrados, pele manchada, nariz com ponta de rosa.
Mas talvez ela não perceba, porque tudo o que ela pede é: —Eu pretendo
conversar com você. Como você conseguiu isso?
Ou minha cabeça está mais nublada do que eu pensava, ou ela não
está fazendo nenhum sentido.

—Consegui o quê?

—Convencendo Tucker a me deixar pendurada no Ano Novo.

As férias de inverno foram há algumas semanas e eu sou pega de


surpresa por sua pergunta. Eu tinha? Não. Tucker poderia dizer que não
estava empolgado com a perspectiva de me encontrar com Wren, mas a
decisão foi dele.

—O que faz você pensar que depende de mim?

Os olhos dela se estreitam. —Porque eu já conheci garotas como


você antes. Garotas que querem apenas o que não merecem. Quem acha
que pode pegar o que não é delas.

—Bem, eu odeio dizer isso a você, mas foi à decisão de Tucker. — Eu


fungo, desejando ter um pacote de lenços em mim.

Wren franze a testa. —Você está doente ou algo assim?

Meu problema não pode ser resolvido com uma ida à enfermaria e
um frasco de penicilina. Mas é mais fácil concordar.
—Sim. Você deveria ficar longe de mim, provavelmente sou
contagiosa. — Felizmente, Wren passará o próximo mês se preocupando
que eu lhe passasse gripe toda vez que ela espirrar.

É apenas mais tarde, em uma sessão de planejamento para futuros


eventos do TeenCharter, que me arrependo de dar a desculpa.

—O que você está fazendo aqui? — Tucker pergunta.

Eu pisco para ele em confusão. —Onde mais eu estaria?

—Na cama — diz ele, enfiando as mãos nos bolsos e balançando os


calcanhares. —Eu ia levar uma sopa para você depois da reunião.

Wren. Claro. Tucker pode ter desistido dela no Ano Novo, mas eles
claramente ainda estão perto.

—Eu estava errada. Não é gripe. — Deslizo em uma cadeira e puxo


meu caderno da bolsa. —A enfermeira disse que eram apenas alergias.

—Alergias? Em fevereiro?

Não tenho energia para inventar mais mentiras. —Você pode, por
favor, esquecer isso? — Eu assobio baixinho.

A expressão de Tucker muda seus traços se contraindo com mágoa.

Eu ia levar uma sopa para você.


A culpa me atinge como uma maré que chega. Desde que passamos a
véspera de Ano Novo juntos, Tucker tem sido nada além de gentil e
atencioso. Eu não chegaria ao ponto de dizer que ele é meu namorado...
não quero colocar um nome no que somos, na verdade. Passei muito do
ano passado forçando rótulos em coisas, sentimentos e pessoas.
Escondendo-me atrás de portas e empurrando minhas emoções em caixas
que eu fecharia.

Às vezes, Tucker e eu estudamos juntos. Às vezes comemos juntos.


Às vezes nos beijamos, beijamos e fazemos sexo.

Nós não bebemos juntos. Nós não fazemos festa juntos.

Não discutimos, provocamos ou ficamos acordados a noite toda


contando segredos e compartilhando sonhos.

O que tenho com Tucker não é nada como o que tive com Gavin.

Mas está tudo bem.

Porque o que eu tive com Gavin me ensinou que a paixão leva à dor.
Promessas acabam sendo mentiras. E o amor... o amor dói.

Com Tucker, eu sei o que estou recebendo. Somos cuidadosos e


cautelosos um com o outro. Em nosso melhor comportamento.
Depois que a reunião termina, e eu tenho uma página cheia de
anotações sobre possíveis eventos futuros para as crianças do
TeenCharter, aliso as rugas que vinculam a carta que encerra minha bolsa
e a entrego a Tucker.

—Vi Wren logo depois de abrir isso. Tenho certeza de que eu


parecia uma porcaria, e quando ela perguntou se eu estava doente, eu
apenas não desmenti, em vez de explicar por que estava chateada.

Não menciono o rancor que Wren está segurando contra mim. Tem
mais a ver com ela e Tucker de qualquer maneira, e eu não sou burra o
suficiente para ficar no meio deles. Como é Wren parecia pronta para
arranhar meus olhos na sala de correspondência. Não há razão para me
colocar no lado ruim dela mais do que já tenho. Já tenho problemas
suficientes.

Ele rapidamente digitaliza a página.

—Mas, por que você mentiu para mim?

Eu luto contra o aguilhão das lágrimas.

—É embaraçoso, Tucker. Não posso ficar aqui sem uma bolsa de


estudos. E tudo que eu precisava fazer era manter uma média B. Mas...—
Eu perco a batalha e eles transbordam meus cílios, não em um fluxo
constante, mas lentamente, uma minúscula gota de cada vez. —Eu não
consegui. No ano passado, simplesmente não consegui.

Ele segura meu olhar, levantando as mãos para colocar as mãos


sobre as minhas bochechas. Seus polegares calejados são gentis enquanto
limpam minha pele.

—Você não vai a lugar nenhum, Poppy.

Tento balançar a cabeça, mas as mãos de Tucker impedem o


movimento.

—Eu não sou um caso de caridade.

Tecnicamente, isso não é verdade. Eu sou uma bolsista. Eu sou um


caso de caridade.

—A Stockton Family Foundation dá subsídios e bolsas de estudo o


tempo todo. Tudo o que você precisa fazer é se inscrever.

—Mas…

—Sem, mas— diz ele. —Bem-vinda ao mundo real, Poppy. Você


nunca ouviu a expressão: Não é o que você sabe, é quem você conhece?

—Certo.

—Bem, agora você me conhece. E eu devo a você.


Eu me afasto dele, meu estômago revirando. —Não, você não.

Tucker deixa cair às mãos, os polegares molhados pelas minhas


lágrimas. —Sim. Eu devo.
CAPÍTULO VINTE E
CINCO
WORTHINGTON UNIVERSITY
SEMESTRE DE OUTONO, SEGUDO ANO

—DEIXE-ME ADIVINHAR, você precisa de um pouco de açúcar hoje.

Sorrio para Roz, a mulher do cartório que conheci no meu primeiro


dia em Worthington. Há algo sobre o calor de seu abraço e sua gaveta
cheia de doces de caramelo que acho reconfortante. —O abraço também
não dói — provoco.

Há uma placa em sua mesa que diz: EU SOU BOA EM ABRAÇOS,


então tenho a sensação de que não sou a única aluna que passa pela mesa
de Roz por razões que não têm nada a ver com a escola e tudo a ver com
ela.

Hoje, porém, parei porque estava me encontrando com meu


orientador e o escritório dele fica ao lado do prédio principal da
administração. Eu me sinto bem. Minhas notas estão de volta, fui
aprovada para uma bolsa de estudos pela Stockton Family Foundation e
nosso programa de extensão com TeenCharter é um sucesso.

Tucker e eu continuamos saindo também.

Quase me sinto uma universitária normal hoje em dia. Claro, nunca


serei a mesma Poppy que veio ao campus, mas finalmente estou bem com
isso.

Roz aperta meus ombros enquanto ela se afasta.

—Olhe para você, Poppy. É um sorriso genuíno que vejo?

Eu ri. —Eu acho que é.

Ela abre a gaveta superior, mas não pega um doce.

—Eu não sei, eu costumo reservar esses itens para crianças que vêm
aqui com a cabeça baixa.

Eu forço meus lábios em uma careta e corro meus ombros. —Isso


vai dar?

Roz bate a língua e me joga o doce embrulhado em celofane.

—Não ouse. A felicidade nunca deve ser escondida.


Depois de uma conversa rápida e outro abraço, volto para fora,
saltando para fora do caminho de um cara segurando um mapa do
campus de Worthington no rosto. A porta ainda não fechou quando ouvi
—Estou procurando uma aluna.

Eu conheço essa voz. Ele rola através de mim como um trovão, me


sacudindo até o centro.

Eu ofegaria, mas o vento foi nocauteado de mim. Certamente, estou


enganada. Porque o homem por trás do mapa não pode ser Gavin. Agora
não, depois de todo esse tempo. Não agora que todo pensamento sobre
ele, sobre nós, não é uma lâmina cega destrói minha alma em pedaços.

Não depois daquela noite. Não depois do TeenCharter e da véspera


de Ano Novo e de aceitar a ajuda de Tucker com minha nova bolsa de
estudos.

Gavin me abandonou. Tucker se aproveitou de mim.

Mas eu perdoei os dois. E eu me perdoei.

Talvez eu não seja curada, embora esteja definitivamente curando.


Parei de olhar para trás, lamentando o que perdi. Estou focada no futuro
agora. Meu futuro.

A porta se abre atrás de mim e ouço Roz gritar:


—Se você se apressar, poderá pegá-la.

Eu sou pega.

—Poppy. — Gavin diz meu nome e explode dentro do meu cérebro


como uma bomba. A raiva, quente e grossa, polui minhas veias enquanto
eu giro. Eu quero empurrá-lo para longe. Eu quero gritar. Eu quero
bombardeá-lo com perguntas. Eu quero abraçá-lo perto e nunca deixar ir.
O que diabos você está fazendo aqui? E onde você esteve? E por que agora?

Mas as palavras murcham em fuligem negra e amarga que reveste


minha garganta. Gavin.

É ele. É realmente ele.

Gavin está aqui, parado bem na minha frente. Meus olhos percorrem
freneticamente cada centímetro dele. Seu lindo cabelo castanho-
avermelhado desapareceu - não raspado, mas certamente cortado - o que
apenas faz o azul de seus olhos se destacar mais dramaticamente. Azuis,
na verdade. Como eu havia esquecido quantas máscaras existiam dentro
do vórtice profundo dos olhos de Gavin? A água-marinha pálida do vidro
do mar, o sedutor azul do céu de outono uma hora depois do pôr do sol, o
rico brilho da larkspur brotando do chão da floresta como pináculos azuis
festivos.
Devoro a testa larga e alta de Gavin, seu nariz forte e reto, a saliência
afiada de suas maçãs do rosto. Há uma cicatriz no rosto que não existia
antes, um sulco prateado gravado na pele entre o queixo e o lábio inferior.

Eu pressiono meus próprios lábios, engolindo o desejo de perguntar


sobre isso, beijá-lo e rapidamente deixo meu olhar para a vasta extensão
de seus ombros, os bíceps saltando de sua camisa. Gavin é mais alto, mais
largo e mais forte do que na última vez em que o vi. Músculos inchados
em lugares que antes eram planos.

—É você — eu finalmente sussurro, algo dentro de mim


desbloqueando. Dou um passo em sua direção. Ele faz o mesmo e nos
encontramos no meio, colidindo um com o outro.

Gavin.

Puta merda. Nada contra Roz, mas abraçar Gavin... deve ser a melhor
sensação do mundo. E o pior. É tudo. Toda emoção. Nos braços dele, sou
levantada pelas minhas maiores esperanças, esmagada pelas minhas mais
profundas decepções. Engolida por nossos sonhos compartilhados e suas
promessas quebradas.

É muito.

Não é o suficiente.
Devo ter empurrado o peito de Gavin, ou talvez ele também tenha
sentido. A pequena rachadura que nos separou.

Invisível.

Excruciante.

—Você ainda é perfeita — diz Gavin, e eu praticamente posso ouvir


o não dito, para mim, que acompanha suas palavras.

Mordo a pele macia dentro da minha bochecha até que o gosto


acobreado do meu próprio sangue reveste minha língua. Eu não sou
perfeita para você, Gavin. Não mais.

Nossos braços caem e cada um de nós dá um passo para trás. Um


pequeno, mas parece que um abismo se abriu entre nós.

—E você. — Eu aceno para ele, percebendo com um choque que ele


está vestindo roupas militares. Meus olhos novamente viajam pelo
comprimento do corpo de Gavin - Deus, seu corpo - antes de voltar para o
rosto. Ele ainda é tão bonito. —Você é um herói de ação do GI Joe que
ganha vida.

Um eco de memória me corta forte, rápido e profundo.

Prometa-me uma coisa.


O que é isso?

Nunca esqueça que você foi meu herói primeiro, ok?

Ele estende a mão para passar a mão pelo cabelo. O que resta disso,
de qualquer maneira. A última vez que estivemos juntos, ele teria puxado
sua juba indisciplinada, cachos voando por todos os lados.

—Bem, você sabe que eu tive que sair para...

—Conhecer? — Eu quero parecer forte e segura de si, mas minha


voz é apenas um chiado. —Como eu iria saber?

Ele faz uma careta. —A carta que deixei para você em nossa caverna.
Eu disse que tinha que desaparecer que minha mãe finalmente decidiu
deixar meu pai e precisava da minha ajuda. Meu pai adotivo entendeu a
situação e me disse para deixar meu telefone para trás, dando-me alguns
telefones queimadores do posto de gasolina. Deixei um para você, com
meu novo número programado. Mas você nunca ligou. Eu pensei...

Não percebo que estou chorando até provar sal nos lábios.

—Houve uma tempestade. Nem um pouco. Nossa caverna foi


inundada. Eu nunca recebi sua carta ou o... — Faço uma pausa,
lembrando. —Encontrei um telefone na lama, cerca de uma semana
depois. Mas eu nunca considerei que poderia ser de você.
Os olhos de Gavin queimam em mim, e eu posso ver que isso é uma
possibilidade que ele nunca considerou.

—Quando não tive notícias suas, achei que havia programado meu
número errado. Eu me xinguei por não ter simplesmente ligado o seu
telefone e depois salvo o número para que não houvesse chance de erro.

—Por que você não me ligou? Eu ainda tinha meu telefone.

Gavin desvia o olhar e balança a cabeça. —Porra, Poppy. — Um


estudante se aproxima de nós, obviamente indo para o prédio da
administração. Afasto-me, fazendo sinal para Gavin me seguir até um
olmo retorcido, o qual eu sentei por um mês ou mais na faculdade, me
sentindo confortado pelo lembrete de casa.

Não encontro conforto nesta árvore há muito tempo.

Gavin continua falando enquanto nos sentamos sob o dossel verde


aberto, a casca marrom acinzentada áspera nas minhas costas.

—Eu não liguei porque não podia correr o risco de meu pai
encontrar você de alguma forma. Ele apareceu na casa da minha família
adotiva, procurando por mim e minha mãe. Quando eles não contaram,
ele quebrou o nariz de Bill e bateu em Mary contra uma parede.

Ao meu suspiro, Gavin suspira.


—Doug também estava lá. Meu pai o espancou, aparentemente.

Faço um pequeno ruído de reconhecimento, embora minha simpatia


esteja apenas com seus pais adotivos. Eles eram pessoas legais.

—Fui ao posto de gasolina algumas vezes. Eu tentei perguntar sobre


você, mas ele não...

—Bill não disse nada a ninguém. Especialmente depois que ele viu o
quanto meu pai estava disposto a rastrear minha mãe. — Gavin aperta
minha mão. —As coisas estavam loucas com minha mãe. Movendo-se de
um lugar para outro. Em um minuto ela estaria chorando, agradecendo-
me por afastá-la dele. No próximo, ela estaria gritando, me odiando por
mantê-la longe. Não queria trazer você para a minha bagunça e, como
minha nota explica tudo, achei que você entenderia. Então levei um tiro e..

A dor dispara através de mim. —Você o que?

Ele suspira. —Acontece que minha mãe ligou para meu pai, disse a
ele onde estávamos. Ele decidiu seguir com sua ameaça - que, se ela o
deixasse, ele a mataria. Só que eu atrapalhei.

—Meu Deus. — Estreito a cicatriz entre os lábios e o queixo. —Ele


fez isso com você?
Ele assente e depois puxa a gola da camisa para longe do pescoço.
Uma faixa levantada estraga a pele de outra forma lisa.

—Lutamos. A arma disparou me bateu, eu sobrevivi. Ele disparou


novamente, ele morreu.

—Gavin. — Eu digo o nome dele porque não sei mais o que dizer.

—Eu o odiava, Poppy. Muito. Mas depois que eu o matei... eu estava


bem fodido. Eu não estava em condições de ficar com ninguém, nem você,
por muito tempo. — Sua voz é uma voz rouca que raspa minhas
terminações nervosas.

—E a sua mãe?

Os traços de Gavin se contraem, a dor gravada nos sulcos cruzando


sua testa, sua boca. —Quando ela viu o que eu tinha feito, ela tentou tirar
a arma de mim. Ela queria me matar.

Eu respiro fundo, o ar picando meus pulmões. —Não.

—Sim. Ela ainda não me perdoou.

—Mas você quase morreu protegendo-a.— Assim como Gavin disse


que faria, anos atrás.

Se ela o deixasse, eu a protegeria. O que for preciso.


E quase levou a vida dele.

—Ela não vê dessa maneira.

Balanço a cabeça. —Eu não entendo.

—Pensei em encontrar você então. Eu senti tanto sua falta...

Um frisbee passa e eu olho para cima, assustado com a intrusão da


vida real. As pessoas estão passando o dia. Caminhando para a aula,
saindo com os amigos, jogando frisbee.

—Então o que você fez? Depois de…

—Muito disso é um borrão. Mas, e eu sei que isso soa realmente


estranho, a única coisa que fazia sentido para mim era matemática.
Números. Estávamos em Michigan na época, e a única maneira que eu
podia voltar para a escola era através de um programa com os militares.

—Mas agora você está aqui, em Worthington. Você está


transferindo?

Antes que minhas esperanças possam aumentar, ele as corre.

—Não. Um dos meus professores é ex-guarda costeira. Ele ainda


consulta e me convida para um de seus projetos. O centro de pesquisa
deles não fica longe daqui, então eu voei para acelerar. Eu sabia que tinha
que vir te ver. Para explicar o que aconteceu pessoalmente e para ver se
havia alguma chance de nós...— Na minha careta, Gavin interrompe.

Nós. Estou muito confusa e sobrecarregada com tudo o que aprendi


a pensar em nós ainda. Olhando para as fadigas de Gavin, adiei a lidar com
minhas emoções, tentando seguir sua linha do tempo. Apegar-se a fatos, e
não a sentimentos.

—Então... você está se juntando à Guarda Costeira?

—Não exatamente. Mas qualquer oportunidade de trabalhar em


aplicações de ponta pode ser um trampolim para chegar onde realmente
quero estar.

Levo um minuto para digerir o que ele acabou de dizer antes de


perguntar:

—E onde está isso?

Ele me olha estranhamente, como se eu devesse saber. —O FBI.

Claro. —Sempre um herói, hein?

—Nem sempre, Poppy. — Seus olhos caem para os meus lábios, e o


desejo dentro de suas profundezas me mata. —Eu não nos salvei, salvei?
CAPÍTULO VINTE E
SEIS
WORTHINGTON UNIVERSITY

GAVIN E EU PASSAMOS O RESTO DA TARDE debaixo do olmo,


conversando e relembrando. É como estar dentro da velha música de
John Mellencamp, Hurts So Good. Eu posso sentir meus ossos quebrando
dentro do meu corpo. Pequenas rachaduras lascadas que percorrem o
comprimento dos meus membros, doendo com cada risada, cada suspiro.

Dizem que quando ossos quebrados se curam adequadamente,


ficam ainda mais fortes do que antes. E quando Gavin se levanta,
estendendo a mão para mim, eu realmente me sinto mais forte. Curada
por vê-lo, finalmente sabendo a verdade de por que ele saiu e o que nos
mantinha separados.

Não contei a ele sobre aquela noite. Eu nem sequer insisto nisso.
Enquanto eu estava beijando e flertando com Tucker, ele estava
protegendo sua mãe. Tiros de tequila me colocaram no hospital. Gavin
havia sido baleado.

O sol paira baixo no horizonte quando Gavin me leva para o meu


dormitório. Inclino minha cabeça para trás, maravilhada com as nuvens
acumuladas em chamas em tons de rosa e lavanda como redemoinhos de
algodão doce. —Lindo, não é?

Ele não está olhando para o céu quando responde. —


Impressionante.

Minha respiração para nos pulmões. —Gavin, eu...

Perco a noção do que estava prestes a dizer quando a mão dele


pousa no triângulo de pele exposto na base da minha garganta. —Não
culpo você por não usá-lo mais— diz ele suavemente.

—Não é isso...— Perder o pingente de pedra da lua que Gavin me


deu no meu décimo sétimo aniversário foi angustiante. Mas explicar as
circunstâncias seria pior. Uma lágrima cheia de vergonha cai na ponta do
meu sapato. —Eu sinto muito.

—Você deve ter me odiado por ter deixado você.

—Não. Eu nunca te odiei. — A admissão é uma grosa dolorosa. Toda


sílaba pica.
O que Gavin diz a seguir apenas torce a faca mais fundo. —Eu nunca
parei de te amar.

Meu coração aperta, arrependimento e remorso inundando através


de mim. —Como nós... — Eu me paro. —Como podemos seguir em frente?

—É isso que precisamos descobrir. — Gavin alisa uma mecha


rebelde de cabelo atrás da minha orelha. —Olha, eu sei que não podemos
voltar ao que era antes. Por enquanto, você está aqui e eu estou em
Michigan. Mas não posso te perder de novo, Poppy.

As possibilidades flutuam no ar entre nós como borboletas com asas


de teia de aranha. —Quando você volta?

—Não até amanhã.

—O que você vai fazer hoje à noite ou amanhã antes de sair? —


Ainda não estou pronta para me despedir.

Gavin tem um jantar hoje à noite e uma reunião amanhã à tarde,


então combinamos de nos encontrar debaixo da árvore na quadra logo
pela manhã. Desta vez, ele liga para o meu telefone, para que eu tenha seu
novo número, só por precaução. Eu apenas olho para as chamadas e
mensagens perdidas de Sadie preenchendo minha tela. Ela pode esperar.
Nada vai me impedir de ver Gavin novamente. Não sei o que o futuro
nos reserva. Talvez apenas uma amizade de longa distância, com a
possibilidade de algo mais abaixo da linha.

Ou talvez nada.

Meu peito aperta com o pensamento. Não. Depois de todo esse


tempo, certamente merecemos algo. Gavin era meu melhor amigo. Meu
único amigo. E muito mais.

Não posso perdê-lo novamente. Eu não

Antes de subir as escadas para o meu dormitório, me jogo nos


braços de Gavin uma última vez. E é ainda melhor do que era antes. É
eletrizante.

Em todo lugar que Gavin está me tocando, ou eu estou pressionada


contra ele, parece acordada de alguma forma. Como a floresta que ganha
vida depois de um longo inverno, abraçando o calor do sol e o beijo da
chuva.

Quando começamos a nos separar, há um momento em que Gavin e


eu ainda estamos tão perto que nossas bocas estão apenas um centímetro
de distância. Sua respiração assombra nos meus lábios, o mesmo calor
mentolado que eu me lembro tão bem, e a vontade de beijá-lo, de ser
beijada por ele, é quase esmagadora.
No último segundo, luto contra sua força gravitacional e desvio meu
rosto, dando um passo para trás. Não por causa de Tucker - nunca
discutimos ser exclusivos. Pelo que sei, ele está saindo com outras garotas
quando não está comigo.

Eu me afasto de Gavin porque nosso primeiro beijo depois de muito


tempo deve ser especial. Isso deveria significar alguma coisa. E porque se
alguém quisesse isso também, seria Gavin.

Ele sorri torto, como se entendesse. —Vejo você amanha?

—Vejo você amanhã — eu concordo. A felicidade escorre através de


mim como chuva enquanto subo as escadas, tornando-se uma tempestade
quando chego à minha porta. Uma tempestade tão poderosa quanto a que
não invadiu Sackett na noite em que Gavin partiu. A alegria se expande no
meu peito como névoa, a excitação pulsando através dos meus nervos
como raios quentes e relâmpagos. Meu coração está acelerado, minha
respiração é rápida e ofegante.

Gavin voltou para mim. Finalmente.

Só quando meu telefone vibra dentro da minha mão quando


destranco minha porta é que lembro das chamadas perdidas de Sadie.
Eu respondo, lutando contra o cabo de irritação por sua insistência.
É claro que Sadie exigiria minha atenção agora, quando tudo o que quero
fazer é comemorar o retorno de Gavin e pensar em nosso futuro. Juntos.

Como eu já pensei que o que tínhamos - o que temos - poderia ser


lavado em uma inundação, esquecido pelo tempo?

Somos um do outro.

Antes e agora.

Sempre.

—Ei, S-— Eu dispenso a saudação quando a ouço chorando. Não é o


tipo de romance meloso e melancólico que acabei de terminar um
romance de Nicholas Sparks que já ouvi dela um milhão de vezes. Isso
está cheio de asfixia, gutural, algo está muito, muito, errado, soluçando.

Meus dedos apertam meu telefone em um aperto mortal. —Sadie,


por favor — eu imploro. —Eu não consigo entender você agora. Respire
fundo e me diga o que há de errado.

Vários segundos se passam enquanto ela respira fundo. Segundos


em que a imagino deitada em uma cama de hospital, sozinha, nua sob um
lençol fino. Sadie me diga o que aconteceu. Vou melhorar, prometo. Eu vou
cuidar de você, como sempre.
Finalmente, ela é capaz de enunciar palavras reais, e elas me
atingem como balas.

—É mãe. Ela foi presa. E agora a advogada diz, porque ela foi presa
uma vez antes, como - sempre atrás, ela vai para a cadeia. Cadeia! Por
muito tempo. Anos.

Caio na minha cama.

—O que... eu não entendo. Comece do começo. Mamãe foi presa?

—Sim. Ela não voltou para casa na semana passada e...

—Não. Volta mais. A prisão de para sempre.

—Foi de dez anos atrás, eu acho. Enquanto estávamos sob custódia


do DCF. Ela foi presa em algum esconderijo. Não conheço os detalhes.

—Jesus— eu gemo. —Ok, conte-me sobre este.

—Bem, eu não tinha ideia do que aconteceu até que ela não voltou
para casa...

—Como assim ela não voltou para casa? Onde ela estava?

—Mamãe tem o direito de ter uma vida, Poppy. E ela faz isso às
vezes, fica longe por uma noite ou duas. Mas ela sempre volta. Eu pensei
que ela finalmente conheceu alguém, você sabe.
—Sim, como um negociante. Pelo amor de Deus, Sadie, como você
pôde deixar isso acontecer?

—Você se foi e eu não posso vê-la a cada segundo!

Eu sei que estou sendo irracional. E culpar Sadie não vai nos levar a
lugar algum.

—Você está certa. Desculpe. Ela desapareceu, e depois?

—Então ela liga da prisão. Dizendo que ela foi presa. — Sadie
respira fundo e me preparo para o que está por vir. —Por posse, com
intenção de distribuir.

Meu batimento cardíaco gagueja, pulando erraticamente dentro do


meu peito.

—Isso é... isso é...

—Um grande negócio — ela termina.

Eu ia dizer um crime, mas a descrição dela é igualmente precisa.

—Então, o que fazemos? Como podemos lutar contra isso?

—Está feito. Seu defensor público disse que sua melhor aposta era
se declarar culpada em troca de menos tempo. A acusação é amanhã.
—É isso aí? Você está me dizendo tudo isso agora e não há nada que
possamos fazer?

—Só descobri ontem — diz Sadie. —E ela não queria que eu lhe
dissesse até que tudo estivesse resolvido.

—Resolvido? — Bato a mão nos olhos e caio no colchão. —Tem que


haver alguma maneira de ajudá-la, Sadie.

—Eu sou todo ouvidos, mana.

A batida na minha porta me assusta. Eu digo a Sadie para esperar,


limpando minhas bochechas molhadas enquanto atravesso a sala. Ao ver
Tucker, apenas notei vagamente a expressão sombria e furiosa em seu
rosto antes de cair na mesma poça de lágrimas e angústia que Sadie
estava se afogando quando ela ligou.

Extraindo meu telefone da minha mão, ele me leva de volta para


minha cama enquanto fala com Sadie. Pedindo detalhes como o nome do
policial que prendeu minha mãe e seu advogado. A data de sua prisão e
exatamente onde ela está presa. Ele se senta à minha mesa, fazendo
anotações em uma folha de papel solta.

—Ela ainda não fez seu pedido, certo? — Tucker pergunta. Então, —
Ok, deixe-me fazer uma ligação. Meu tio foi promotor de justiça por
alguns anos, mas agora ele é sócio de um grande escritório de advocacia.
Talvez ele possa ajudar.

A gratidão corre através de mim. Claro, Tucker tem parentes


poderosos. É assim que o mundo dele funciona. Se a mãe de Tucker
tivesse problemas, ela não se jogaria à mercê da corte. Ela faria algumas
ligações. Ou o marido dela faria. Ou seu irmão ou irmã ou qualquer um de
seus amigos em lugares altos.

Tucker coloca o tio no telefone. —A mãe da minha namorada está


com problemas. Preciso da tua ajuda.

Estou um pouco surpresa com o comentário da namorada, mas eu


atribuo isso à taquigrafia padrão. O que mais ele diria: a mãe de uma
garota que eu meio que estou vendo?

Ele retransmite os detalhes que recebeu de Sadie e desliga. —Ele


disse que conhece o promotor no caso de sua mãe. Ele me liga de volta
assim que conversar.

Eu solto um suspiro enorme.

—Obrigado, Tucker. Eu realmente... não sei o que eu teria feito sem


você.

Ele se junta a mim na minha cama. —Ainda não fiz nada.


Mas ele vai. Assim como quando perdi minha bolsa de estudos.
Pessoas como Tucker têm uma maneira de fazer as coisas funcionarem.

—Então, enquanto esperamos uma resposta, por que você não me


conta sobre o cara que eu vi hoje?

Dou-lhe um olhar vazio, minha mente ainda focada na minha mãe.

—O cara que você estava abraçando como se sua vida dependesse


disso.

A expressão furiosa no rosto de Tucker quando abri a porta pela


primeira vez - foi porque ele me viu com Gavin.

—Ele é - ele é apenas um velho amigo. — O tom da voz de Tucker me


faz subestimar meus sentimentos.

—Isso é tudo? Porque parecia mais.

Eu decido não mentir completamente. Eu não fiz nada de errado.

—O nome dele é Gavin. Ele é... - eu me corrijo - era meu namorado


antes de vir aqui.

—Ele foi quem te deu o colar.

Concordo, mantendo minha expressão neutra.


Mas Tucker está carrancudo.

—Você disse que ele voltaria um dia. É isso que você está me
dizendo, ele voltou?

Ignoro o impulso instintivo de esperança, de felicidade, que pulsa


através de mim com o pensamento.

—O que? Não. Quero dizer... Gavin vive em Michigan agora. Ele...

Tucker joga seu telefone com uma mão e pega com a outra,
chamando minha atenção para ele. Lembrando a ligação que ele acabou
de fazer e a que estamos esperando. —Estou fazendo isso porque você é
importante para mim, Poppy. Mas acho que provavelmente deveria
perguntar... sou importante para você?

É aí que eu vejo, a contrapartida inerente a essa conversa, a esse


relacionamento - qualquer que seja o rótulo - entre Tucker e eu.

—Claro que você é — eu digo. Que é verdade. Tucker é importante


para mim.

Importante por enquanto.

Até o momento, nunca considerei a possibilidade de um futuro com


Tucker. Nós viemos de mundos completamente separados. Mesmo se eu
me mudar para Manhattan depois da escola, Tucker e eu ainda não
viajaremos nos mesmos círculos. Ele é ostras e festas de caviar e
cobertura com DJs vindos de Londres. Eu sou…

Francamente, não tenho ideia de como será minha vida em


Manhattan. Só que não será parecido com a de Tucker.

Fui salva de responder quando o tio de Tucker liga de volta. Ele diz
que o acordo da minha mãe será alterado. Ela pode ir para a prisão... ou
reabilitação.

Por um segundo, permito-me comemorar, até perceber que a


reabilitação não é gratuita. E se minha mãe não conseguiu pagar a fiança,
não há como pagar pela reabilitação.

—Nós não podemos pagar.

Tucker me silencia com um beijo gentil.

—Não se preocupe, Poppy. Eu vou lidar com isso.

—Mas...

Ele passa os dedos pelos meus cabelos em longos movimentos


suaves.

—Sh. Não vou deixar você visitar ninguém na cadeia, nem sua mãe.
Deixe-me cuidar de você.
A feminista em mim quer protestar contra que ele não me deixe
comentar. Mas a parte de mim que foi negada na infância porque ninguém
nunca olhou para mim estou cansada demais. Se Tucker quer cuidar de
mim, de minha mãe - qual é o mal em deixá-lo?
CAPÍTULO VINTE E
SETE
WORTHINGTON UNIVERSITY
SEMESTRE DE OUTONO, ÚLTIMO ANO

—Feliz Aniversário.

Um sorriso surge nos meus lábios quando olho para Tucker, em


silhueta na minha porta. Um sorriso que luto para manter em meu rosto
quando noto a sacola de compras pendurada em sua mão.

No meu último aniversário, Tucker me comprou um colar. Um P


dourado que pendia de uma corrente fina. É elegante e bonito. Toda vez
que sinto no meu pescoço, lembro do pingente de pedra da lua que perdi.

E o homem que eu dei as costas.

Não vejo Gavin desde a tarde que passamos juntos sob o olmo.
Embora devêssemos nos encontrar na manhã seguinte, eu o cancelei no
meio da noite, explicando a situação com minha mãe e que não podia vê-
lo. Ele disse que entendeu e que voltaria assim que pudesse.

Mas quando o amanhecer passou suavemente pela vidraça,


iluminando o rosto suavizado pelo sono de Tucker, eu sabia que nunca
poderia me encontrar com Gavin. Não quando meus sentimentos por
Gavin eram tão fortes e minha dívida com Tucker tão grande.

Naquela manhã, Tucker me levou à acusação de minha mãe. Depois,


a levamos para uma clínica de reabilitação, onde ela passou os próximos
seis meses. Ela está de volta em casa agora, com Sadie.

Mas Gavin não desistiu de mim. Ainda.

Como o vídeo que ele enviou exatamente às 12:01 desta manhã,


cantando parabéns. Eu já vi uma dúzia de vezes.

Às vezes, ele liga com atualizações sobre suas aulas e projetos e até
sobre o tempo de execução. Salvei todos os vídeos, mensagens de voz e
textos dele. E perdi a conta de quantas horas gastei, apenas ouvindo a voz
de Gavin, lendo suas mensagens.

Mas eu não atendo as ligações dele. Eu nunca respondo às suas


mensagens. Eu não posso.
Seria tão fácil me atirar do penhasco, direto nos braços de Gavin.
Tão fácil me deixar cair. Exceto... eu não sei se ele poderia me pegar. Não
com toda a minha maldita bagagem de qualquer maneira. Todos nós nos
machucamos.

Não posso me aproximar muito da borda. Eu tenho que manter


distância.

E agora eu me afasto, apontando para Tucker entrar no meu quarto.

—Você já fez muito por mim, Tucker. Você não deveria ter me
comprado um presente também.

—Se isso faz você se sentir melhor, é um presente totalmente


prático. Você tem entrevistas chegando e eu queria arranjar algo
adequado para você.

Um tremor nervoso surge no meu estômago. Entrevistas, certo. Ao


contrário de muitos outros idosos, não procurei oportunidades de estágio
que pudessem levar a uma oferta de trabalho de pós-graduação, porque
isso significaria reduzir minhas responsabilidades no TeenCharter. Mas
se eu quiser morar em Manhattan, preciso conseguir um emprego bem
remunerado para pagar o aluguel. Estarei presente no centro de
aconselhamento de carreira do campus em mais um mês.
Tucker fecha a porta atrás dele e me segue até a cama que eu
empurrei sob a única janela do quarto, arrumando os travesseiros para
que parecesse um sofá. Eu ainda moro no campus, mas eu tenho um
quarto individual em um dormitório reservado para homens da classe
alta.

Sento-me, curvando minhas pernas debaixo de mim. Ele tira uma


caixa da bolsa e a coloca no meu colo.

—Obrigado, Tucker. Isso é tão atencioso.

—Não me agradeça até ver o que há dentro. — Tucker aponta seus


olhos de chocolate para mim e sinto uma familiar sensação de gratidão
por ele. Ele está sempre cuidando de mim, pensando no futuro.

Percorremos um longo caminho desde aquela noite. Existe nosso


trabalho com as crianças do TeenCharter, é claro. E desde a primeira
véspera de Ano Novo que passamos juntos, houve jantares e jogos de
futebol, sessões de estudo a noite toda e longas noites em sua cama ou na
minha.

De uma maneira estranha, Tucker é o único que me entende.


Embora não seja segredo que fui levada do quarto dele em uma maca e
levada às pressas para o hospital em uma ambulância no primeiro ano,
Tucker é a única pessoa que sabe a extensão do que aconteceu naquela
noite. Sou uma garota diferente do que era antes, certamente diferente
das outras garotas de Worthington. Até a maneira como andam pelo
campus - com um tipo despreocupado de imprudência ao passo deles - é
estranha para mim.

Tucker sabe como é ficar na frente do quadro da WUJA, sentindo-se


envergonhado e embaraçado. As sanções dele não eram tão severas
quanto as minhas, mas ele teve que prestar serviço comunitário e
participar de uma aula de educação sobre álcool, com o objetivo de
assustá-lo para uma vida de sobriedade. Nós dois tivemos que lidar com
olhares estranhos e sussurros de julgamento pelas nossas costas.

O fato de nos tornarmos um casal parecia quase uma rebelião.

É uma ilusão, no entanto. Uma mentira que digo a mim mesma para
me sentir forte e no controle.

Se eu fosse realmente corajosa, teria me afastado de Tucker. Eu teria


descoberto outra maneira de ajudar minha mãe, outra maneira de ficar na
escola.

Eu não teria virado as costas para Gavin.

Mas eu fiz. Eu escolhi Tucker ao invés de Gavin. E eu tenho que viver


com a minha decisão.
O que a bravura teria me dado, afinal? Envolvido em um escândalo
na escola. Meu nome arrastou-se pela lama como a garota que foi
estuprada atrás das arquibancadas de sua escola e depois agredida
verbalmente, repetidamente, no tribunal da opinião pública. Voltando
para casa em Sackett, cursando a faculdade comunitária com Sadie.

Também há força no perdão. Força em defender minha posição.


Ficar em Worthington não foi fácil. Dar a Tucker outra chance não foi
fácil. Fugir dele, fugir do que aconteceu aqui na escola, teria sido muito
mais fácil.

É o melhor. Gavin é o melhor, tanto quanto o meu. A garota de olhos


estrelados que ele conhecia era idealista e ingênua. Ela acreditava em
contos de fadas e almas gêmeas. Quando ele saiu, Gavin levou um pedaço
de mim com ele.

E naquela noite com Tucker, nosso erro - quebrou o que restava.

Às vezes, meu curso até torcia a faca. Eu tive que abrir caminho
através da paixão de um professor de inglês pela poesia romântica
britânica. Segundo Albert Lord Tennyson, é melhor ter amado e perdido do
que nunca ter amado.

Mas é mesmo? Quem Tennyson havia perdido? Até onde eu sei,


quando ele escreveu essa frase em 1850, ele estava falando sobre a morte
de seu melhor amigo, seu colega de faculdade. Tennyson ainda não havia
perdido dois de seus três filhos. Seu amigo da faculdade tinha sido mais
do que apenas um amigo?

De qualquer forma, acho que é provavelmente besteira. Mansão


poética.

Ou talvez eu esteja errada. Talvez perder alguém até a morte seja


diferente do que perdê-lo com uma reviravolta do destino.

Porque conhecer Gavin está a milhares de quilômetros de distância,


comer e dormir e talvez até amar alguém, alguém que não sou eu, é como
viver com lâminas de barbear presas entre minhas costelas. Cada
respiração fornece oxigênio ao meu cérebro, mas nunca ao meu coração.

E, no entanto, por mais que perder Gavin - de novo - seja eu sei que
amá-lo seria pior. Não somos como o casal da revista, ileso pela dor e pelo
infortúnio.

Eu sou forte, mas não sou a lutadora. E se não estou disposta a lutar
por Gavin, a me rebelar contra a maneira como o mundo funciona, não o
mereço. E ele não gostaria da pessoa que eu me tornei. Ela é frágil e
desconfiada. Ela entende que os Stocktons e Knowles do mundo cumprem
um conjunto de regras diferente do resto de nós, e as probabilidades
estão a seu favor.
Por isso, aceitei uma bolsa da Stockton Family Foundation. Por isso,
quando Tucker insistiu em cuidar de mim, não recusei. Eu disse obrigado.

Eu entendo por que Gavin me deixou de volta na escola. Porque ele


não pôde entrar em contato comigo. Claro, ele tinha que proteger sua
mãe. E ele não tinha como saber que eu não receberia a carta e o telefone
dele porque a caverna inundou.

Entendo por que a implosão de sua família o fez se sentir isolado e


por que ele precisava de tempo para processar o que aconteceu antes de
me procurar. E mesmo porque ele escolheu se matricular em Michigan e
se alistar nas forças armadas.

Eu amo Gavin. Eu sempre amarei Gavin. Mas ele propositalmente me


deixou de fora de todas as decisões e momentos importantes em sua vida
por quase três anos. E ele não estava lá para mim quando eu mais
precisava dele.

Como posso ter certeza de que Gavin não voltará a desaparecer em


mim no futuro?

Tucker me machucou, é verdade. Mas ele também foi meu maior


apoiador. Ele me ajudou com minha bolsa de estudos, embora eu a tenha
ganho, elevando minha média de notas até quase 4,0. E ele tem sido uma
dádiva de Deus para minha mãe, que está indo bem depois de ir à
reabilitação chique que Tucker organizou e agora está de volta em casa
com Sadie.

Eu me preocupo com Tucker. E estou genuinamente atraída por ele.


Talvez seja a confiança dele que me mantenha tão encantada. Tucker é
tão seguro de si, seguro de onde veio e para onde está indo. Estar com
Tucker significa que estou aliviada da pressão de fingir que tenho todas
as respostas. É libertador, de certa forma.

Tucker tem a rede de segurança da riqueza e influência de sua


família, mas ainda é ambicioso e competitivo. No campo, ele não vai parar
por nada para vencer. E quando se trata de escola, ele aparece, faz o
trabalho e está sempre no topo de sua classe.

Mas é o trabalho de Tucker com o TeenCharter que mais me


impressiona. Ele não precisa fazer isso, mas parece realmente gostar de
seu tempo com as crianças - muitas vezes agindo como uma criança
grande. Ele gastou tempo e seu próprio dinheiro, criando uma
programação divertida e inspiradora.

Quanto mais lados de Tucker eu vejo, menos eu me lembro daquela


noite.
Às vezes, ele é o encantador da nossa primeira véspera de Ano Novo
juntos. Às vezes, como depois de vencer um grande jogo, ele é arrogante e
paquerador.

Ele também pode ser um tirano. Não é cruel. Apenas... mandão.


Tucker sempre gosta de estar no controle. Surpreendentemente... não me
importo de ceder.

Quando estamos juntos, não preciso pensar sobre onde jantar ou


que filme assistir. Tucker sempre tem uma opinião e percebi que não
sinto falta de lidar com as minúcias diárias que antes enchiam minha
mente.

Ele também é perspicaz. Aprendi a ouvir quando ele aponta qual dos
meus parceiros de estudo está me usando para minhas anotações ou qual
blusa é melhor deixar no meu armário. O mesmo vale para o cara que está
tomando meu sorriso casual como um convite para algo mais.

Decidimos nos tornar exclusivos no último semestre. Bem, Tucker


decidiu se tornar exclusivo. Eu não estava vendo mais ninguém e não
tinha planos. Eu sou o centro das atenções de Tucker, sua prioridade. E eu
gosto.

Quando andamos pelo campus, de mãos dadas, sinto o olhar


ciumento de outras garotas. Sem mais olhares desdenhosos e
depreciativos que me cortaram rapidamente. Não sou mais uma
desajustada indesejável... exceto para Wren. Mas eu não ligo para ela.
Após a formatura, Tucker e eu provavelmente seguiremos caminhos
separados e Wren poderá tê-lo de volta.

Por enquanto, Tucker e eu passamos quase todas as noites juntos.


Gosto de sexo com ele, obtendo tanto prazer vê-lo desmoronar em meus
braços quanto quando ele me envia para fora da mesma borda. Depois,
nossos membros emaranhados sob os lençóis de uma cama de solteiro e
minha cabeça descansando em seu peito, seu coração batendo sob a
minha bochecha, eu sei que estou exatamente onde devo estar.

Então sim, eu me rendi.

Esse é um tipo de amor diferente do que eu conhecia com Gavin? Um


tipo menos arriscado de amor? Talvez. Sim.

Nada como o primeiro ano aconteceu novamente. E não apenas


porque eu raramente bebo, e nunca mais do que alguns goles aqui e ali.
Tucker também é cuidadoso. Ele presta atenção em tudo que faço quando
estamos juntos. O que como, quanto bebo com quem falo o que estou
vestindo.

Uma fita branca prateada está envolvida em torno da caixa preta, e


eu a puxo agora, meus dedos rígidos e desajeitados sob o peso do olhar de
Tucker. Há um frisson de impaciência flutuando sobre ele, como vapor
subindo do asfalto molhado sob o sol da manhã, e me concentro em
desatar o nó sob o arco.

Finalmente, a fita se solta, deslizando pelas bordas quadradas em


uma pilha de seda no meu colo e revelando completamente o nome
estampado no topo. Giorgio Armani. Dobrada dentro das camadas de
tecido branco, há uma blusa diáfana da cor de creme recém derramado,
praticamente sem peso enquanto eu a seguro.

—Isso é lindo, Tucker.

Essa impaciência desaparece e um sorriso feliz divide o belo rosto


de Tucker. Adoro quando ele se parece com isso. Como se ele não
conhecesse um motivo oculto se ele pisasse nele.

—Tem mais — ele estimula.

Colocando a blusa de lado, tiro uma jaqueta azul deslumbrante e


uma saia combinando. Minha boca se abre com um suspiro apreciativo,
ambas as peças tão bem adaptadas que eu sei que vão me estragar por
qualquer coisa que eu possa pagar sozinha. —Tucker, isso é apenas...

—Perfeito para você — ele termina.


Eu ia dizer demais, mas decidi engolir as palavras. As etiquetas de
preço não importam para Tucker, e ele as interpretará como críticas.

—Obrigado mesmo. Eu amei isso.

—Por que você não experimenta? — ele sugere. Olho para o


tamanho, meu coração afundando quando vejo o pequeno número
impresso na etiqueta. Não é de surpreender que Tucker perceba o rápido
lampejo de decepção no meu rosto. —O que está errado?

—Nada — eu digo rapidamente. —Nada mesmo.

Levanto-me, atravessando o quarto até minha cômoda e tirando


discretamente uma cinta Spanx da gaveta de cima. Abrindo a porta do
meu armário, eu me posiciono atrás dela. Tucker me viu nua dezenas de
vezes, pelo menos. Ele gosta das minhas curvas, ou pelo menos é o que ele
me disse. Mas estou preocupada com o número impresso na etiqueta no
meu pescoço. Tamanho quatro. O que eu era quando comecei em
Worthington. Eu ganhei pelo menos 5 quilos desde então. Peso que
mesmo o Spanx pode não conseguir apagar.

Mordo um gemido quando puxo o traje de mergulho modificado


pelos quadris e consigo me espremer nas roupas, embora o zíper e os
botões não estejam felizes com isso.
—Está um pouco apertado, eu acho. — Emergindo por trás da porta
do armário, fico sem jeito do outro lado da sala.

Tucker se levanta, caminhando em minha direção. Espero que ele


pegue um recibo de presente e me incentive a trocar as roupas pelo
próximo tamanho. Ele não.

—Tudo bem. Você disse que queria voltar à forma, então eu comprei
pequeno.

Um rubor desconcertado corre pelo meu peito para aquecer meu


rosto. Eu sei que se eu olhar no espelho haverá manchas rosa feias nas
minhas bochechas.

—Oh. — Estou sem palavras. Obrigado?

—Eu tenho que correr para praticar. — Ele dá um beijo rápido nos
meus lábios. —Eu vou passar aqui mais tarde.

E então ele se foi. No período da visita de Tucker, ele me fez sentir


feliz, apreciada, agradecida, insegura e mortificada - tudo em dez minutos.

Não quero vê-lo mais tarde.

Espero que ele volte em breve.


Com medo de apertar um botão, respiro fundo e cuidadosamente me
despi. Pendurando o presente de Tucker no meu armário, eu
praticamente arranco a cinta moderadora em tons de pele do meu corpo.

Você disse que queria voltar à forma, então eu comprei pequeno.

Eu disse isso? Eu devo ter.

Em vez de calçar suores confortáveis e abrir meu laptop, vasculho


minha gaveta em busca das roupas de ginástica que não uso há anos.
Muito tempo, obviamente.

Na pista, corro até o suor escorrer pela minha testa e meus músculos
doerem de fadiga.

Corro até o caos que nubla minha mente ficar quieta, focada apenas
no meu próximo passo, no meu próximo suspiro.

Eu corro até que a dor no meu peito seja mais por esforço do que
por vergonha.
CAPÍTULO VINTE E
OITO
WORTHINGTON UNIVERSITY
SEMESTRE DA PRIMAVERA, ÚLTIMO ANO

A CAFETERIA DO CAMPUS ESTÁ PRATICAMENTE vazia às cinco


horas. Sei disso através de uma observação cuidadosa, programando
minhas visitas em intervalos de quinze minutos para determinar o
melhor momento para pegar meu jantar. Se eu encher meu recipiente de
papelão rapidamente, na maioria dos dias ninguém verá o que eu coloco
lá dentro.

Eu sempre digo a mim mesma que só vou comer uma salada. Apenas
um pouco de alface e grão de bico, uma minúscula garoa de vinagrete. E,
geralmente, eu escuto essa voz interior.

Às vezes, eu o ignoro completamente.

Hoje é um daqueles dias.


Em vez de ir imediatamente para a barra de salada e fechar os olhos
para qualquer outra coisa, faço exatamente o contrário. As exibições
brilhantes de pizza, baldes de batatas fritas, massas e estações de frituras
são tudo o que posso ver. Eu não comi nada além de banana no café da
manhã e uma barra de proteínas no almoço. Porque é isso que eu como.
Todos os dias, desde que decidir que vestir um terno Armani tamanho
quatro era meu objetivo mais importante na vida.

Ter que ficar na frente de Tucker, literalmente arrebentando as


costuras, foi uma experiência que farei de tudo para não repetir. Naquela
tarde, enquanto soprava vento na pista de Worthington pela primeira vez,
criei um plano. Não há necessidade de pesquisar os mais recentes
modismos da dieta ou se inscrever para vigilantes do peso. Tudo que eu
precisava era de força de vontade. Eu faria três refeições por dia. Banana
no café da manhã. Barra de proteínas para o almoço. Salada para o jantar.
Mais uma corrida de meia hora.

Meu plano deu certo. Dentro de algumas semanas, eu não precisava


da cinta para fechar o zíper. E quando entrei em minhas entrevistas, me
senti bonita e bem-sucedida. Ser oferecido um emprego em uma empresa
de marketing com sede em Manhattan foi à cereja do bolo. Lentamente e
com segurança, estou trabalhando em direção às metas que estabeleci
para mim quando me inscrevi em Worthington. Metas que estabeleci com
Gavin, mostrando fotos de revistas roubadas.
Sentir falta dele dói um pouco menos nos dias de hoje.
Principalmente porque, para minha própria sanidade, finjo que ele é o
cara que escapou, em vez do cara em que eu virei às costas. Todo mundo
tem um desses.

Fazer dieta até um tamanho quatro era quase fácil demais. Eu me


senti bem, especialmente depois que Tucker disse que minha figura
recém-magra me fez parecer que eu nasci no Upper East Side.

Como Wren.

Exceto que Wren é do tamanho dois.

Então agora eu escolho a menor banana do grupo em vez da maior.


Escolha uma barra de proteínas com menos açúcar. Molho para salada
ainda menos.

Hoje em dia, meu novo traje é um pouco grande demais.

Tucker percebeu, é claro. Ontem à noite ele girou a língua sobre


meus ossos salientes, me chamando de delicada. Ele foi tão gentil, me
empurrando como se eu pudesse quebrar em seus braços. Eu gostei.

Mas eu tenho um segredo. Eu descobri um truque. Uma ou duas


noites por semana, chego cedo à cafeteria, enchendo minha caixa de
papelão cheia de tudo o que me tenta. Pizza e macarrão. Batatas fritas.
Rolinhos de ovo e arroz frito. Pão e cupcakes e mousse de chocolate. Tudo
o que posso caber na caixa para viagem, em cinco minutos ou menos. E
então eu corro de volta para o meu quarto, tranco a porta, fecho as luzes,
desligo o telefone. E eu como.

Minhas mordidas são determinadas, pulverizando mecanicamente


cada bocado. Eu como até meu queixo doer, até meu estômago parecer
uma sacola de dois quilos recheada com cinco quilos de pedras. Quando
passo três quartos da minha refeição superdimensionada, estou
chorando. E isso é bom também, como as lágrimas abrem caminho para
mais comida.

É isso que estou fazendo agora. Comendo e chorando.

Não paro até terminar cada mordida.

No momento em que terminei, o papelão oleoso me encara em


acusação. Não consigo me livrar disso rápido o suficiente. O banheiro
seria a maneira mais fácil, mas é comum, compartilhado com os outros
moradores do meu andar.

Eu tenho um sistema embora. Com os dedos trêmulos, forro meu


balde de lixo com duas sacolas de compras. Rapidamente, porque cada
segundo que passa significa que mais calorias são digeridas.
Assim que as sacolas estão bem enroladas, aumento o volume do
alto-falante e empurro os dedos da mão direita pela garganta, segurando
o balde no peito com a esquerda. Minha primeira tentativa não teve
sucesso. Então é a minha segunda. Há muito no meu estômago e é muito
grosso.

Espirais de pânico em minhas veias. Eu tenho que tirar essa comida


de mim. Agora. Soltei o balde, bebi meia garrafa de água e pulei várias
vezes.

Então, respiro fundo e tento novamente. Meu estômago revira uma


vez, duas vezes, seu conteúdo finalmente subindo e vomitando da minha
boca antes que eu possa tirar minha mão do caminho. O vômito e a saliva
escorrem dos meus dedos, mas não me importo. A necessidade de me
purificar de cada coisa gulosa que acabei de enfiar na garganta é
esmagadora, inegável, irresistível. Eu quero me sentir bem novamente.
Vazia e leve.

Enfio meus dedos de volta na minha boca, de novo e de novo. Até


tudo o que resta são trechos secos e tenho certeza de que não resta uma
única batata frita ou pedaço de bolo dentro de mim. Não é só comida que
estou expulsando. É tristeza, vergonha e auto aversão. Sentimentos de
não ser bom o suficiente.
A pessoa que comeu o suficiente para uma família de cinco pessoas -
ela é nojenta. Indisciplinada. Preguiçosa. Grossa. Eu não sou ela.

Depois de amarrar as sacolas fechadas, coloco-as dentro de outra


sacola de lixo e jogo tudo na rampa de descarte de lixo. Meia hora depois,
estou na minha mesa, tomada banho e Listerine, com uma caneca quente
de chá ao meu lado enquanto estudo. Sentindo-se como uma pessoa
diferente. Uma pessoa melhor. Uma pessoa que merece coisas boas e um
namorado inteligente e bonito.

Uma pessoa que não está desmoronando por dentro, porque estou
decidida a acompanhar minha fachada confiante e unida do lado de fora.

Eu trabalho cerca de uma hora antes de Sadie ligar e tenho que


reprimir minha irritação com a interrupção.

—Oi Mana. Como está a mamãe?

—Ela está bem. E mataria você perguntar sobre mim de vez em


quando?

—Uau. O que deu em você?

—Talvez se você me ligasse de vez em quando, e não o contrário.


—Eu ligo! — Se eu soubesse que tipo de humor Sadie estava eu a
teria enviado diretamente para o correio de voz. Mas desde a prisão de
nossa mãe, eu atendo imediatamente.

—Só para conversar com mamãe ou perguntar sobre mamãe. Nunca


eu.

Engulo um suspiro agravado, mas sei que ela está certa.

—Bem. Eu sinto muito. Como você está?

Alguns segundos se passam.

—Bem, se você realmente quer saber, por que não vem neste fim de
semana. Poderíamos passar algum tempo juntas e...

—Este fim de semana? — Eu amo minha irmã, mas ela rasga minha
vida como um furacão sempre que vou visitá-la. Ela quer sair com Tucker,
explorar o campus e ir a festas. Sinto falta dos dias em que ela ficava feliz
em sair do seu próprio quarto, com o nariz enterrado em um livro.

—Sim, neste fim de semana. Eu não te vejo há séculos.

—No domingo eu tenho um TeenCharter

—Claro que você tem. Você prefere sair com essas crianças ao invés
de sua própria irmã.
—Sadie, assumi um compromisso...

—Sim, bem, talvez você possa se comprometer novamente com sua


própria família. Você quase nos abandonou.

Engasgo com a boca cheia de chá agora morno. Sadie não percebe o
que sacrifiquei pela minha família?

—Se isso fosse verdade, a mãe estaria na prisão agora.

Sadie zomba.

—Ela não está na prisão porque o cara com quem você está ficando,
sacudiu a varinha mágica. Seu pau é tão mágico, Poppy? Porque talvez eu
deva encontrar alguém...

—Pare com isso— eu a cortei. Há mais do que um grão de verdade


no que Sadie está dizendo, mas eu não vou ter minha irmãzinha enfiando
na minha cara. —Se você ligou para me dizer coisas feias, eu estou
desligando.

O silêncio repentino do outro lado da linha significa que Sadie está


mordendo o lábio, com força, para ficar quieta.

—Que tal no próximo fim de semana? — Eu ofereço de má vontade.


—Depende. Você vai me cancelar como fez da última vez e antes
disso?

—Eu... — eu paro de negar. Ela está certa. —Eu prometo. Agora,


você quer vir ou não?

Ela exala um suspiro reprimido. —Bem. Eu preciso sair de Sackett


por um tempo.

Eu odiava Sackett quando morava lá, então posso imaginar como


Sadie se sente por nunca ter ido embora. No entanto, o tom da voz de
Sadie me faz pensar se não há algo mais em seu chamado do que apenas
querer uma breve pausa na vida das cidades pequenas.

—O que está acontecendo?

—Nada. É estúpido.

—Tudo bem— eu digo, sabendo que a maneira de fazer minha irmã


falar é fingir que não está interessada.

—É tudo um mal-entendido. Quero dizer, eu não sou uma


perseguidora pelo amor de Deus.

Eu fecho meu laptop. Sadie trata os meninos como costumava tratar


seus romances - completamente extasiados até que ela termine, e depois
os deixa de lado para passar para o próximo. Eu nunca soube que ela
perseguia um cara antes, a menos que você conte o histórico da mídia
social dele.

—Quem está acusando você de perseguir?

Ela geme. —Apenas uma garota.

—Uma garota? — Eu tenho que lutar contra um sorriso divertido. —


Isso é algum tipo de triângulo amoroso que deu errado?

—Oh, por favor. Eu só queria que fosse tão escandaloso. A vida em


Sackett pode ser interessante pela primeira vez. Não, é apenas um idiota
que é burro demais para perceber que ninguém pode roubar um cara. Se
ele não estiver feliz, ele vai embora. Isso não é roubo.

Meu estômago vazio aperta.

—Sadie, por favor, me diga que você não está namorando um


homem casado.

—Eu não estou. Eles nem estão noivos.

—Boa.

—Mas mesmo se eu fosse, qual é o problema? Ele seria o traidor. Eu


não.

Meu queixo afunda. —Eu acho que tecnicamente, mas....


—Mas o que? É a verdade.

—Pode ser a verdade, mas isso não é a coisa certa.

Eu posso dizer que ela está revirando os olhos para mim.

—Tanto faz. Vejo você no próximo fim de semana, mana.

Com um suspiro, verifico a hora. Vinte e três minutos da minha vida,


não voltarei.

Por outro lado, estou 23 minutos mais perto do meu café da manhã
com banana. Graduation Day
CAPÍTULO VINTE E
NOVE
WORTHINGTON UNIVERSITY
DIA DA FORMATURA

—… Ganhar um diploma da Worthington University é uma tremenda


conquista. Olhando para todos vocês, estou confiante de que este é apenas o
primeiro de muitos empreendimentos dignos, de marcos e linhas de
chegada cruzadas, conquistados com muito trabalho e tenacidade...

OLHO EM VOLTA PARA O MAR DE BONÉS da marinha ao meu redor


no pátio principal. A turma de formandos é organizada em ordem
alfabética, o que me levou à penúltima e última fila. À nossa frente está
um palco com o chanceler, o reitor e orador do começo, e um monte de
outras pessoas que não reconheço.

Eu não queria estar aqui hoje. A cerimônia de início é realmente


apenas uma formalidade. Se eu pulasse o evento, meu diploma seria
simplesmente enviado para mim. Quando eu mostrei esse conceito para
Tucker, ele ficou horrorizado. Se você não comemora as grandes coisas,
terá uma vida muito pequena, Poppy.

É um dia quente, especialmente pelos padrões de primavera


geralmente amenos da Nova Inglaterra, e o tecido de poliéster do meu
vestido não está ajudando. Os tirantes dispostos ao nosso redor estão
cheios de amigos e famílias segurando ventiladores a bateria em uma
mão e tirando fotos com a outra.

À minha frente, posso ver a parte de trás do pescoço de Tucker e o


brilho dos cabelos loiros e brilhantes de Wren. Eu me pergunto sobre as
outras pessoas que podem estar nessas filas. Sully, o amigo de lacrosse de
Tucker que me serviu minhas primeiras doses de tequila. As garotas do
porão da casa da fraternidade que tão generosamente encheram meu
copo com limonada Everclear. Todo mundo que se reuniu do lado de fora
do quarto de Tucker em Crawford Hall, que assistiu enquanto dois
paramédicos tratavam meu corpo inconsciente.

E considero quem pode estar no palco ou na multidão ao meu redor.


Os homens e mulheres do conselho da Administração Judicial, que eram
tão justos em seu julgamento. Johanna Gregory, a aluna de pós-graduação
do serviço de aconselhamento que fingiu não ver as mentiras dentro dos
meus olhos. Dean Johnson, que levou Tucker e eu a trabalhar com o
TeenCharter, e é a razão pela qual estamos juntos agora. Talvez até
Michael, o RA que me levou para casa do hospital, graciosamente fingindo
não notar o cheiro de vômito subindo de mim como uma nuvem de
cogumelo.

Estou ansiosa para me mudar da Universidade de Worthington.


Definitivamente vou sentir falta das crianças do TeenCharter,
especialmente Jenny, que não é mais uma criança. Em alguns meses, ela
completará dezoito anos, o que significa que oficialmente sai do sistema
de assistência social. Mas eu prometi manter contato.

Ouço com meia atenção a nossa oradora de início. Ela fala que o
mundo é um lugar maior e menor do que era quando se formou na WU,
há vinte e cinco anos. Mais seguro e mais assustador. Mais interconectado
enquanto menos íntimo.

O mundo está cheio de dicotomias.

Meus anos em Worthington foram mais e menos do que eu esperava.


Estou esperançosa com o meu futuro e tenho medo de estragar tudo.
Animada para ir para o mundo real, e ainda inquieto com o meu lugar
nele. O que mais pesa em mim é o meu relacionamento com Tucker. Sou
grata a ele, mas às vezes um pouco ressentida com o quanto ele fez por
mim. Grata, e ainda um pouco de vergonha da pessoa que me permiti me
tornar.
É uma maneira estranha de se sentir sobre o cara com quem vou
morar em menos de uma semana.

Estamos nos mudando para o lindo loft de Tribeca, que foi seu
presente de formatura dos pais. Tucker notou que eu estava procurando
na Craigslist por ações de apartamentos ruins que eu de alguma forma
esperava pagar com meu salário de marketing corporativo de nível
relativamente baixo, e ele olhou para mim como se eu tivesse produzido
um chifre no meio da testa. Não perca seu tempo, ele disse. Estamos indo
juntos.

E foi isso.

Hoje de manhã, disse a minha mãe que moraria com Tucker,


esperando que ela dissesse que era uma má ideia e dissesse uma teoria
envolvendo leite e vacas. Em vez disso, ela simplesmente sorriu e me
parabenizou, entregando-me um cartão da Hallmark e um livro do Dr.
Seuss, Oh, os lugares para onde você vai.

Ainda não tenho certeza se os parabéns foram por me formar... ou


por conseguir um cara como Tucker. Eu nunca disse explicitamente que
ele era o responsável pela suspensão da prisão e pela permanência de um
mês na reabilitação... mas ela também nunca perguntou.
Às vezes me pergunto o que Tucker vê em mim. Ele tem o mundo a
seus pés. Tenho milhares de dólares em empréstimos escolares e dívidas
de cartão de crédito, acumulados apesar da minha ajuda financeira e
bolsas de estudos. Embora isso não inclua a conta da ambulância no
primeiro ano. Quando enviei meu primeiro cheque parcelado do plano de
pagamento que elaborei com eles, ele havia sido devolvido, juntamente
com uma cópia de um cheque do valor total, assinado por Tucker. De
todos os presentes que Tucker me deu ao longo dos anos, este é o único
que eu não disse obrigado.

O discurso termina e, fileira por fileira, caminhamos para o palco


para cumprimentar o Chanceler e receber nosso diploma. E uma vez que
todos estão de volta em nossos assentos, jogamos nossos bonés no ar.

Mil quadrados da marinha, parecendo quase um bando de pássaros,


silhueta contra um céu azul claro e sem nuvens.

De volta a Sackett, sempre havia um dia no final do outono, quando


parecia que todos os pássaros da floresta ouviam algum sinal conhecido
apenas por eles, fugindo de seu santuário arborizado para migrar juntos
para o sul. Alguns minutos quando o céu era uma tela caótica de asas
estendidas. Este momento me lembrou disso.

Até que um dos quadrados colide com meu rosto, enviando meus
óculos de sol voando e me cutucando nos olhos.
Eu grito, mas com milhares de pessoas gritando e aplaudindo,
ninguém percebe. De alguma forma, eu consigo encontrar minha mãe e
irmã, uma mão em concha sobre o meu olho ardente, a outra vazando
com lágrimas de simpatia por sua irmã gêmea ferida.

—O que diabos aconteceu com você? — Sadie pergunta, notando-me


indo na direção deles.

—Eu não desviei o olhar rápido o suficiente, eu acho.

Minha irmã balança a cabeça.

—Sério, Poppy, só você pode se machucar em sua própria


formatura.

—Aqui, deixe-me dar uma olhada. — Eu deixei minha mãe tirar


minha mão do meu rosto, ouvi sua rápida respiração.

—É ruim?

—Não não. Mas por que não passamos pelo consultório médico do
campus, ok?

Minha mãe odeia médicos, então eu sei que não pode parecer bom.

Menos de uma hora depois, um maço de gaze manchada com


remédio antibacteriano está colado no meu olho. Pegando minha imagem
no espelho, pareço um pirata doentio. Meu bom olho brilha novamente e
pego meu telefone.

—Para quem você está ligando? — Sadie pergunta.

—Não há como eu aparecer nessa noite. Eu tenho que cancelar. As


famílias de Tucker e Wren planearam um jantar de comemoração de pós-
graduação e fomos convidadas a se juntar a eles.

Sadie pega o telefone da minha mão. —De jeito nenhum. Quero ver
como a outra metade vive por uma noite.

Eu fixo meu olhar de um olho nela. —Eu pensei que você veio me
ver se formar.

—Meio dia sob o sol quente, só para ver que você entregou um
pedaço de papel? Sim, foi exatamente por isso que vim.

—Sadie vamos lá. Você espera que eu saia com Tucker, Wren e os
pais deles assim?

Sua voz se transforma em um gemido.

—Por favor, tenha pena de mim. O último restaurante que eu fui foi
Red Robin.
—Que tal eu te levar para fora em Manhattan, algum lugar que você
quiser?

Sadie cruza os braços sobre o peito e puxa o trunfo.

Droga. Sadie sabe que eu nunca faria algo propositalmente para


chatear nossa mãe. Desde seu retorno da reabilitação, ela trabalha duro
para ficar sóbria e construir relacionamentos conosco, enquanto
tentamos evitar qualquer coisa que possa desencorajá-la. Se a perdermos
pela terceira vez, talvez nunca a recuperemos.

Minhas sobrancelhas se uniram sobre a ponta do nariz, puxando a


fita que segurava a gaze no meu olho.

—Às vezes, eu realmente gostaria de ter sido filha única — eu


resmungo, sem querer dizer uma palavra.

—Mas na maioria das vezes você se sente abençoada por ter uma
irmã incrivelmente fabulosa, certo?

Balanço a cabeça, mesmo quando um sorriso relutante se contrai


nos meus lábios. Porque lá dentro, estou assentindo. O relacionamento
que Sadie e eu temos é outra dicotomia. Quase idêntico do lado de fora,
mas completo opostos em quase todos os sentidos. Ela me deixa louca,
mas eu a amo. Somos irmãs, para melhor ou para pior.
CAPÍTULO TRINTA
WORTHINGTON UNIVERSITY

SADIE ME OBRIGA A DEITAR-ME com uma compressa fria


pressionada no olho por vinte minutos, depois a passa o delineador
líquido e rímel, misturando meia dúzia de tons de sombra para que
pareça duas vezes maior e verde do que costuma aparecer.

—Você está ótima— ela insiste.

Definitivamente, ótima não é a palavra que eu usaria. Tento sorrir,


mas meus lábios, envoltos em uma espessa camada de batom e brilho, se
recusam a cooperar.

—Obrigada mana. Isso é... uau.

Ela sorri. —Termine de se vestir, vou checar a mãe.

Uma vez que Sadie está fora de vista, ataco meu rosto com meia
caixa de lenços de papel antes de trocar de vestido, um presente de
Tucker. É um rosa suave, ajustado na cintura e caindo em linha reta logo
acima do joelho. O decote alto é adornado com pérolas, fazendo parecer
que estou usando um lindo colar. Coloco o ouro P que ele me deu por
baixo, fora da vista.

Eu gostaria de poder tirar pensamentos de Gavin da minha cabeça


tão facilmente. Ele me enviou uma mensagem de felicitações hoje de
manhã e me sinto culpada por ele ainda estar em contato comigo depois
de todo esse tempo. Culpada por não responder a isso. Culpado que eu
queira, mesmo que eu esteja indo morar com Tucker. E culpada por não
ter contado a Tucker sobre nenhuma das mensagens de Gavin.

No fundo da minha mente, acho que me convenci de que se Gavin


continuasse em contato comigo até depois que eu deixasse Worthington,
mesmo sem nenhum incentivo de mim, seria a prova de um compromisso
que estava faltando quando ele desapareceu de Sackett e eu não tive
notícias dele por quase dois anos. Compromisso que eu precisava
considerar confiar nele novamente. Se houvesse uma chance de sermos
nós novamente.

É claro, eu também assumi que Tucker e eu já tínhamos terminado.


Mas ainda estamos fortes. Estou feliz, caramba. Tucker me faz feliz. É por
isso que eu não deveria estar pensando em Gavin.

As sobrancelhas de Sadie se levantam quando me vê sair do meu


quarto. Ela não diz nada sobre minha maquiagem discreta, mas percebo
que ela puxa a bainha de seu próprio vestido, que é mais curta e mais
apertada que a minha, mais apropriada para um passeio no bar do que
para um jantar elegante.

Minha mãe está com um sorriso nervoso e um vestido preto clássico


que enfatiza a fragilidade de seu corpo.

—Minhas meninas — ela diz suavemente, nos abraçando. —Parece


que ontem vocês eram duas gracinhas de tranças e tutus.

Sadie e eu olhamos uma para a outra por cima da cabeça dela.


Tutus? Nós nunca tivemos tutus porque não podíamos pagar aulas de
dança. E minha mãe não era do tipo que se inscreveu em atividades. Mas
não discordamos. Entendo muito bem a tentação, a necessidade de
reescrever sua própria história. E se isso mantém minha mãe em
recuperação, eu sou a favor.

O jantar é em um dos restaurantes mais antigos da Nova Inglaterra.


Originalmente uma taberna, era rotineiramente frequentada por Paul
Revere, George Washington e vários outros pais fundadores, incluindo
dois que têm um lugar na árvore genealógica de Tucker.

A família de Wren tem três.

Atualmente liderado por um chef com classificação de três estrelas


Michelin, é mais difícil conseguir uma mesa aqui do que nos melhores
restaurantes de Manhattan. A menos, é claro, que seu sobrenome seja
Stockton ou Knowles.

Parando atrás de uma Mercedes Maybach, minha mãe deixa seu


Hyundai hatchback de dez anos com um manobrista adolescente que
parece tão relutante em deslizar atrás do volante quanto em entregar as
chaves a ele.

—Eu odeio entregar meu carro a um estranho — ela sussurra


quando entramos na porta. —Como eu sei que ele não vai embora?

Sadie ri. —A competição é bem dura aqui, mãe. Acho que você não
precisa se preocupar com isso.

Tucker aparece antes que a anfitriã possa nos dirigir.

—Uau. Vocês três estão bonitas demais para lidar — ele diz, depois
pisca. —Mas eu amo um desafio.

Seu sorriso perfeito e palavras melosas e exageradas fazem minha


mãe comer da palma da mão, como sempre. Ela cora, batendo os cílios e
rindo como Scarlett O'Hara na cena de abertura de Gone with the Wind.

—Sadie, é bom que você tenha escolhido não vir para Worth U,
provavelmente você começou uma guerra na Fraternity Row.
Eu me encolho interiormente, tanto pela menção de Fraternity Row,
quanto pelo lembrete de que Sadie não entrou na WU. Ainda é um ponto
dolorido para minha irmã, embora ela não se ofenda esta noite.

—Não teria sido justo — ela concorda.

Finalmente, Tucker se vira para mim, franzindo a testa para o meu


olho enfaixado.

—Minha boneca quebrada — ele murmura, levantando meu queixo


e me dando um beijo casto. —Você está bem?

—Estou agora — digo enquanto ele passa os braços em volta da


minha cintura, feliz por Sadie não me deixar cancelar.

—Bem, quando chegarmos a Nova York, solicitarei ao médico da


família que verifique.

—Não, está tudo bem, sério.

Tucker endurece as mãos que tinham sido casualmente enroladas


em volta da minha cintura se tornando um conjunto de pinças. Ele odeia
ser contrariado, especialmente em público. Estúpida, eu me repreendo.

—Na verdade, você está certo. Eu realmente aprecio isso, Tucker.


Obrigado.
Ele relaxa, dando outro beijo na minha testa.

—Ninguém nunca vai cuidar de você como eu, Poppy.

Minha mãe suspira de prazer. —Nunca deixe esse aqui ir, querida.
Ele é um guardião.

Eu empurro meus lábios em um sorriso, mas antes que eu possa


responder, Tucker diz:

—Você não precisa se preocupar com isso. Eu não a deixaria, mesmo


que ela tentasse.

Tucker desliza o braço da minha mãe pelo cotovelo, depois consegue


reunir Sadie e eu contra o outro lado. Ele nos leva a uma grande mesa
redonda sentada em frente a uma janela de sacada com belas vistas da
água, fazendo apresentações ao redor.

Wren se levanta para me cumprimentar, me puxando para um


abraço inesperado e completamente incomum. Mas eu entendo por que,
quando seu sussurro forte atinge meus ouvidos.

—Aproveite sua refeição, Poppy. É apenas uma questão de tempo


até que Tucker perceba que ele está apenas brincando com você. Lembre-
se do que eu disse: ele é apenas seu emprestado.
Seus olhos estão brilhando quando ela me libera e eu encontro
minha cadeira um tanto trêmula, sentada entre minha mãe e Tucker, com
minha irmã do outro lado de Tucker. Tucker casualmente descansa a mão
sobre a minha cadeira, o polegar varrendo a parte de trás do meu
pescoço.

Não é o toque dele que faz meu cabelo arrepiar. É o medo de que
Wren esteja certa. Tucker se tornou uma parte tão grande da minha vida,
que nem sei mais o que faria sem ele. Sou apenas uma substituta
temporária até que ele se comprometa com uma vida com Wren? Não
posso negar que ela se parece muito mais com as fotos que tirei de
revistas. Cabelos lisos, esbeltos, sempre tão equilibrados, mesmo quando
ela está puxando o tapete por baixo de mim. E a trégua a que chegamos
anos atrás, nosso acordo de aperto de mão, não importa mais. Eu não
diria nada para manchar o nome de Tucker, e mesmo se o fizesse - quem
acreditaria em mim?

—O que aconteceu com seu olho, querida? — A mãe de Wren


pergunta, interrompendo meus pensamentos frenéticos. Lembro-me dela
no dia da mudança, e ela ainda parece apenas alguns anos mais velha que
a filha.
O pai dela mal olha para o celular enquanto eu reconto o incidente
de atirar boné. Todo mundo murmura com simpatia, exceto Wren. —Você
quase arrancou o olho com chapéu de formatura... sério?

Minha irmã ri. —Eu sei certo? — Não gosto de ser alvo da piada
deles, mas quebra o gelo.

O pai de Tucker pede para falar com o sommelier e eles passam


alguns minutos discutindo várias regiões e vinícolas da França,
escolhendo um vermelho e um branco mais velhos do que qualquer um
na nossa mesa. Eu já conheci os pais de Tucker antes. Como agora, eles
são educados, mas distantes.

O garçom distribui os menus e eu posso sentir as ondas de choque


saindo de minha mãe enquanto ela as examina. Mesmo excluindo o álcool,
nossa conta chegará facilmente a mais do que ela ganha em uma semana.
Tucker já me disse que o pai dele e de Wren provavelmente discutirá
sobre quem deve pagar o cheque, e também não espera que minha mãe
pague parte dele.

Inclino-me discretamente para ela, sabendo que ela pedirá uma


salada no jardim e um prato de sopa, se eu não disser nada.

—Mãe, não se preocupe isso foi resolvido — eu sussurro.

Ela olha para mim, confusa. —O que?


Eu aperto meu queixo no cardápio.

—Peça o que quiser, Tucker disse que é o presente deles hoje à


noite.

Ela endurece. —Não somos um caso de caridade, Poppy.

Eu quase quero ressaltar que a caridade é exatamente o motivo de


eu estar aqui hoje à noite, comemorando minha formatura. É também por
isso que ela não está na prisão. O calor corre pelo meu peito para
depositar manchas rosadas nas minhas bochechas.

—Não vamos fazer disso um...

Wren percebe nossa troca, cutucando sua mãe. A senhora Knowles


fala. —Está tudo bem? — ela pergunta.

Minha garganta incha de mortificação quando o garçom enche o


copo de vinho da minha mãe. Ela não o impede. Merda. Tecnicamente,
minha mãe foi à reabilitação por drogas, mas eu esperava que ela
deixasse de beber também.

Minha mãe olha para mim e depois para o cardápio antes de tomar
um gole fortificante de vinho. Depois outro este maior.

—Eu não trouxe minhas meninas aqui hoje à noite para um jantar
grátis. Eu gostaria de pagar nossa parte.
O pai de Tucker responde primeiro.

—Nossos filhos vão morar juntos, somos praticamente uma família.

Acostumada a se defender, ela pisca molhadamente, como um


esquilo virado para baixo de uma raposa. Espero que ela conceda, mas,
para minha surpresa, ela limpa a garganta e depois diz em voz baixa:

—Bem, até que realmente fôssemos eu gostaria de...

—Na verdade, acho que é uma ótima ideia. — Tucker empurra a


cadeira para trás. Meu estômago aperta quando o vejo cair de joelhos.

Não, eu não estou pronta para isso. Nem mesmo perto.

Aparentemente, também não há mais ninguém na nossa mesa. Eu


ouço suspiros de minha mãe e irmã, sons sufocados de Wren, sua mãe e
sra. Stockton, e um brusco pronunciado:

—Tucker, agora não é a hora — de seu pai.

—Este é o momento perfeito — diz Tucker, daquele jeito arrogante


e imperturbável dele. Então ele olha para Wren. —Você sempre estará na
minha vida, mas...

Wren engole sua pele tão translúcida que é como porcelana fina.
Porcelana fina que está rachando diante dos meus olhos.
—Mas não como sua esposa.

—Tucker, querido — sua mãe implora, suas unhas bem cuidadas


curvando-se sobre seu ombro. —Você é tão jovem. Não há pressa.

—Você e papai não me disseram que eu deveria me estabelecer


depois da faculdade, crescer e focar nos negócios?

Enquanto a Sra. Stockton olha de seu filho para mim e para Wren,
fica claro que ela está arrasada. Prazer em saber que Tucker está
seguindo o conselho deles, mas alarmada com a mulher que ele escolheu
para se estabelecer. —Sim, mas...

—Posso contar com uma mão o número de vezes que você ouviu
uma maldita palavra que dissemos filho — resmunga Stockton. —Se você
está tentando fazer uma observação aqui, é completamente
desnecessário. A menos que... — Meu rubor se aprofunda quando ele olha
diretamente para o meu estômago.

Tucker considera seu pai seriamente, depois diz rigidamente:

—Não é isso que é. Eu amo Poppy, e se você quiser fazer parte de


nossas vidas, respeitará nossas escolhas.

Seus protestos silenciaram, Tucker vira as costas para os pais e me


encara de novo, um enorme anel de diamante aparecendo em sua mão.
—Poppy Whitman, é hora de começarmos a construir uma vida
juntos. Você me fará a grande honra de se tornar minha esposa?

O restaurante é calmo. Não apenas a nossa mesa, mas toda a sala. O


horror está vindo do outro lado da mesa, mas ainda estou processando a
troca contenciosa que aconteceu entre Tucker e seus pais. Mais
importante ainda, o fato de Tucker me defender. Ele estava calmo, mas
firme, e não recuou um centímetro. Agora, o sorriso de Tucker é amplo e
encorajador, embora vacile um pouco quando eu hesito.

Sinto-me como um balão exagerado, minha pele esticada com tanta


força que corro o risco de me partir. Eu só imaginei esse momento com
Gavin. O imaginara fazendo algo como esconder um anel dentro de um
baralho de cartas ou propor durante uma caminhada pela reserva natural
em Sackett. Seríamos apenas nós dois, e ele me contaria todas as razões
pelas quais me amava, todas as razões pelas quais deveríamos ser.

—Tucker, eu... — O diamante lança um prisma de luz no meu olho


não atado, me cegando. Por um momento, voltei ao quarto do hospital,
acordando nua sob um lençol. Oprimido pelo terror, dor e confusão. Mas
então a luz muda e eu vejo o rosto de Tucker novamente. Ele passou
todos os momentos desde aquela manhã terrível compensando seu erro.
Perdoei-o na noite em que caminhamos pela Quinta Avenida, flocos de
neve espanando nossos cílios enquanto observávamos a mágica e a
maravilha das vitrines de feriados. Fizemos nossa própria mágica poucas
horas depois.

Tucker é tão confortável e confiante em um traje de coelho quanto


em seu uniforme de lacrosse ou smoking personalizado. E agora ele está
me oferecendo exatamente o que eu ansiava desde que a vi capturada tão
perfeitamente nas páginas de uma revista.

Eles parecem tão... perfeitos. Destinado a ser. Como se nada de ruim


tivesse acontecido com eles. Como nada ruim jamais será.

Eu pensei que Gavin e eu éramos um casal perfeito. Mas ele não está
aqui. Ele me deixou.

Tucker está aqui agora. Ele é o meu futuro.

Com Tucker, terei uma vida elegante, uma bela casa e a segurança de
saber que pertenço.

E com seu anel, Tucker está prometendo outra coisa. Para sempre.

Uma vida inteira com um homem com quem posso contar, um


verdadeiro parceiro que nunca me abandonará. Um homem que acabou
de me mostrar que sempre estará ao meu lado, mesmo contra seus
próprios pais.
Aquela noite, seu erro, não é motivo para recusar a proposta de
Tucker. Se alguma coisa, é uma razão para aceitar. Eu já vi Tucker no seu
pior. Eu faço parte do seu mais profundo arrependimento.

De uma maneira muito estranha e talvez até bizarra - é quase como


seguro. Porque um dia sou obrigada a machucá-lo, decepcioná-lo. Para
provar que não sou perfeita e talvez até indigna. Mas Tucker terá que me
perdoar. Ele terá que me dar uma segunda chance.

Assim como eu fiz por ele.

Minha resposta está subitamente na ponta da minha língua, como se


ela estivesse lá o tempo todo. —Eu aceito.
CAPÍTULO TRINTA E
UM
NEW YORK CITY
TRÊS MESES DEPOIS

—VOCÊ VAI SE ENCONTRAR COM O ORGANIZADOR do casamento


hoje, certo? — Tucker pergunta seus olhos automaticamente examinando
minha roupa.

E a sua mãe.

—Sim. O que você acha, eu pareço bem? — Eu mudo ansiosamente


em meus sapatos Jimmy Choo, por mais bonitos que sejam
desconfortáveis, observando seu rosto por qualquer sinal de
desaprovação.

Não esqueci a objeção inequívoca de seus pais ao nosso noivado. E


embora eu entenda a perspectiva deles - o filho único que propõe uma
garota que eles mal conhecem, na frente da garota que já é uma filha para
eles, mas isso ainda me irrita. Estou determinada a conquistar a Sra.
Stockton.

Meu vestido é provavelmente a menor das minhas preocupações.


Afinal, Tucker comprou tudo o que estou vestindo e a maioria das roupas
agora penduradas no meu armário. Pouco depois de nos mudarmos, ele
insistiu em encenar a cena em Pretty Woman - aquela com Julia Roberts
experimentando roupas e Richard Gere aprovando ou rejeitando cada
roupa.

Não é tão divertido quanto eles fizeram parecer. Eu me senti como


uma manequim que Tucker estava vestindo roupas que se encaixavam no
meu corpo, mas não se encaixavam em mim. Talvez esse fosse o ponto.
Porque Poppy Whitman não mora em um loft em Tribeca e ela
certamente não pode comprar na Saks.

Mas a noiva de Tucker, Poppy que em breve será Stockton, faz e


pode. E é isso que eu sou agora. Por causa de Tucker, estou me tornando a
mulher que sempre quis ser.

Eu uso vestidos bonitos para festas glamorosas.

Eu moro em uma casa cheia de coisas bonitas.

Eu bebo café, não vinho.


Estou construindo uma vida com um homem que me ama. Um
homem que nunca vai me abandonar.

E... Quando o diretor do TeenCharter telefonou com a notícia de que


eles estavam se expandindo para a cidade de Nova York e procurando um
coordenador de programação, pude avisar a empresa de marketing em
que participei do programa de treinamento em gerenciamento e obter um
corte salarial significativo para fazer algo que realmente faz a diferença
na vida das pessoas.

Agora, os lábios de Tucker se curvam em um sorriso e ele passa uma


mecha de cabelo atrás da minha orelha, com os dedos no meu pescoço.

—Você está linda — diz ele. Eu o beijo quando uma onda de alívio
passa por mim. Não o suficiente para afogar meus nervos, mas o
suficiente para me impulsionar para fora do armário e entrar em um táxi.

Eu quero que nosso casamento seja acima de qualquer crítica. Tão


perfeito que ninguém terá desculpa para criticar a escolha da noiva de
Tucker. Foi por isso que pedi à mãe dele que ajudasse a planear nosso
casamento. A melhor maneira de silenciar a objeção de alguém é torná-la
parte do processo. Cecelia contratou imediatamente Xênia, a principal
organizadora de casamentos de Manhattan. Ela chega à casa de Stockton
em uma nuvem de perfume e porte, vestindo um casaco de raposa até o
chão, apesar do clima quente.
Sentamos na sala de jantar formal, embora as bandejas de
sanduíches e crudités variados dispostos no aparador sejam ignoradas.

—Vamos discutir locais, não é? — A voz de Xênia é vagamente


europeia, embora eu não consiga identificar o país.

Venho estudando revistas de noivas e vasculhando sites de


casamento. Eu tenho um caderno cheio de anotações comigo e um quadro
do Pinterest pronto para mostrá-las.

—Eu estava pensando, talvez, no Central Park. Ou a sala do arco-íris


no Rockefeller...

Cecelia interrompe. —Meu filho vai se casar no Metropolitan Club é


claro.

Meu rosto fica vermelho de vergonha. Como eu pude ser tão


estúpida? Eu nem sequer considerava o clube social privado de dinheiro
antigo na esquina da Fifth Avenue e Sixtieth Street, originalmente
fundada no final de 1800 por J.P. Morgan e alguns outros industriais
proeminentes, cujos nomes são bem conhecidos até hoje. Vanderbilt,
Whitney, Roosevelt.

Segundo Tucker, os homens de sua família são membros do


Metropolitan Club há mais de cem anos. Quando ele me leva até lá, é fácil
imaginar uma época em que cavalos elegantes teriam trotado ao longo de
uma Quinta Avenida em paralelepípedos e virado na Sixtieth Street,
parando do lado de fora do prédio projetado por Sanford White. Com suas
altas colunas coríntias e intrincados portões de ferro forjado, é um
retrocesso para uma era diferente, o tipo de lugar que eu nunca saberia
existir se não fosse por Tucker.

Nem todo mundo pode se casar no Metropolitan Club. Exclusivo e


elegante é o lugar perfeito. Graças a Deus, Cecelia está aqui. Quem sabe
quantos erros eu teria cometido sozinha?

Xênia faz uma anotação em seu portfólio Hermes.

—Claro. Alguma ideia sobre o menu?

Oh. Hum, sim, eu...

—Já arranjei uma degustação particular com o chef, mas estamos


pensando em lagosta, carne Kobe e pato como proteínas.

—Adorável. E a data?

—Tucker e eu...

Com isso, minha futura sogra se vira para mim, sua mão pairando
sobre meu antebraço. —Tenho certeza de que vocês dois acreditam que
um compromisso longo é melhor, certo?
Eu aceno trêmula. Neste ponto, não confio em mim mesma para
dizer meu próprio nome. E se Tucker discordar, direi a ele que o atraso se
deve ao agendamento, e não à insistência de sua mãe.

Ela folheia seu calendário, murmurando coisas como “Esse é o mês


em que estaremos em Gstaad, odiaríamos perder o Grande Prêmio de
Mônaco, estaremos no iate por grande parte do verão”. Finalmente, ela
bate uma unha bem cuidada em uma página no final de sua agenda, daqui
a dezoito meses.

—O que você acha, querida?

Eu engulo o pesado nó de incerteza na minha garganta. —Perfeito.

Mais tarde, quando compartilho os detalhes do casamento com


Tucker, ele apenas faz uma careta por um momento na data distante,
antes de me olhar com uma admiração aberta brilhando em seus olhos.

—Venha aqui — diz ele, me puxando para seus braços.

Eu solto um suspiro aliviada, aninhando-me em seus braços.

Tucker abaixa a boca no meu ouvido, sua respiração enviando um


arrepio na minha espinha. —Mal posso esperar para fazer você minha,
para sempre.
CAPÍTULO TRINTA E
DOIS
NEW YORK CITY
UM ANO E MEIO DEPOIS

FAZ DEZ ANOS DESDE QUE CONHECI GAVIN. Uma década desde que
eu fui passear no bosque e fui surpreendida por um garoto bonito, com
cabelos castanhos escuros, lábios arregalados e um hematoma embaixo
do olho esquerdo.

Muita coisa aconteceu naquele tempo. Risos e amor, lágrimas e


desgosto. Eu fui de criança para adulta, de menina para mulher. Na
próxima semana, serei noiva e depois esposa.

Mas seja qual for à maturidade que ganhei as experiências que


informaram minha compostura...

Tudo isso é arrancado de mim em um instante, como se nunca


tivesse estado lá.
Roubada pelo único homem que sempre terá uma fatia do meu
coração nas mãos, um pedaço da minha alma em seu olhar.

Gavin.

Ao vê-lo, inclinando-se tão casualmente contra um pilar de mármore


no saguão do meu prédio, o sangue escorre do meu rosto, uma onda de
consciência percorrendo minha espinha. Puta merda, Gavin. A luta para
processar meu choque é agravada mil vezes por uma alegria instintiva,
não filtrada e não diluída.

Quando meus passos diminuem, Gavin diminui a distância entre nós


até estarmos tão perto que posso ver a barba por fazer espanar sua
mandíbula como a areia fina. Tão perto que seu olhar cerúleo me
atravessa. Tão perto que a atração magnética entre nós me atrai ainda
mais.

O silêncio se estende enquanto eu me forço a manter minha posição.


Não posso vacilar, não posso ser influenciada pelo desejo que brilha nos
contornos de seu rosto, pela sugestão de um sorriso afugentado, muito
cedo, por sua carranca ferida, por mãos que quase, quase, me alcançam.

Sinto muito, Gavin. Sinto muito por ter feito isso conosco.

—É verdade? — ele finalmente deixa escapar, sua voz tensa quando


ele me prende com um olhar quebrado.
—O que é verdade? — Eu finalmente consigo dizer, embora o que eu
quero fazer seja me jogar aos pés de Gavin e implorar seu perdão. Para
pular em seus braços, segure firme.

Para descobrir se Gavin ainda cheira a roupa limpa e pinhas. Se


nossos corações ainda sincronizarem com o mesmo ritmo.

Eu quero voltar no tempo, do jeito que éramos, do lugar em que nos


apaixonamos, das pessoas que costumávamos ser.

Eu quero…

—Você vai se casar. — Os olhos de Gavin caem para a minha mão


esquerda, não uma pergunta, mas uma afirmação.

—Eu... — As palavras me falham e olho por cima do ombro de Gavin,


como se eu pudesse entender tudo o que aconteceu para nos separar. Não
encontro uma explicação, mas capto o olhar interessado de um dos
guardas de segurança do prédio. —Não vamos fazer isso aqui. Você vai
subir?

Eu imediatamente me arrependo. Não porque não quero conversar


com Gavin em particular, mas porque sei que Tucker ficará furioso se
descobrir. Eu deveria ter sugerido que vamos ao Starbucks na esquina, ou
para uma caminhada.
Mas Gavin dá um aceno conciso e eu o conduzo ao banco de
elevadores nos fundos do prédio, o olhar de desaprovação do guarda
penetrando no tecido fino da minha blusa. Ficamos de frente para a porta,
a campainha subtil enquanto passamos por cada andar enfatizando nosso
silêncio constrangedor.

—Posso pegar uma coisa para você? — Eu pergunto assim que


entramos. —Água com gás? Algo mais forte? — Isla, a empregada
contratada por Tucker, estava aqui hoje de manhã. Cada travesseiro foi
macio e com as bordas perfeitamente retas. Não há um grão de poeira em
nenhuma superfície. E o ar cheira a limão e alvejante.

—Estou bem — ele responde.

Largo minha bolsa na mesa do console e vou para o sofá. Gavin


segue, sentando-se na cadeira adjacente.

—Eu sinto muito. Eu... — Minha voz vacila e olho para minhas mãos,
lutando contra o desejo de torcer meu anel de noivado ao redor do meu
dedo até que o diamante cintilante esteja escondido. Não que isso
importe, Gavin já viu.

—Quando é o grande dia?

Eu limpo minha garganta. —Semana que vem.


Gavin se inclina para a frente, os cotovelos nos joelhos.

—Poppy, você tem certeza disso? — Seus olhos fazem uma rápida
varredura na sala antes de pousar de volta em mim. —É mesmo isto que
quer?

A desaprovação no tom de Gavin me lembra desconfortavelmente os


pais de Tucker, e eu me irrito com a implicação de que meu casamento é
apenas uma manobra para conseguir um bom apartamento. O que não é
verdade. E mesmo que fosse, que diferença faria? Eu tomei minha decisão.
Aconteceu muita coisa, não posso voltar agora. Gavin merece seguir em
frente também.

—Sim. Eu estou feliz. — Pego o braço de Gavin, parando a tempo.


Não suporto saber se vou sentir o impacto nos meus ossos.

Como Gavin não diria o nome de Tucker, enfatizo agora.

—Tucker me faz feliz. — O apartamento, as roupas, a facilidade que


vem da segurança financeira - tudo isso é vitrine. Tucker me faz sentir
segura. Verdadeiramente. Estamos construindo uma vida juntos. Gavin
precisa saber disso.

—Não. — Gavin balança a cabeça. —Poppy, eu não sei o que


mentiras você tem alimentado a si mesma, mas não tem como...— Ele
interrompe, seus olhos arrastando sobre o meu corpo. Mas o olhar dele
não é adorável, está angustiado. Como se me olhar fisicamente doesse. —
Pelo amor de Deus, você está comendo? O que ele fez com você?

Não preciso me olhar no espelho para saber que estou diferente do


que costumava. Hoje em dia, uso roupas de grife feitas sob medida para se
encaixar perfeitamente no meu corpo. Não compro roupas de segunda
mão ou jogo meus cabelos emaranhados e mal cortados em um rabo de
cavalo bagunçado. Minha maquiagem é aplicada artisticamente, meu
cabelo estourado e preso. Sou magra, mas não tão magra quanto poderia,
magra como Wren.

A raiva brota dentro de mim, e eu abraço o calor abrasador que


inunda meu corpo. É infinitamente preferível à dúvida e à incerteza que
são meus companheiros habituais. Não preciso me explicar para Gavin.
Como ele ousa voltar à minha vida, agindo como se eu o traísse seguindo
em frente e forjando uma vida própria - depois que ele me deixou?

—Saia — eu digo categoricamente, apontando para a porta. —Saia e


não volte mais.

Gavin não se mexe. —Você não pode me responder, pode? Você nem
percebe o que ele fez. Essa... pessoa plástica em que ele te transformou.

—Ele vai ser meu marido.

Gavin me interrompe. —Eu deveria ser seu marido!


Eu o encaro agora, de queixo caído e tonta. As palavras de Gavin me
tiraram o vento. Eu me atrapalho com algo a dizer, algo a fazer. E talvez
por estar tonta e desequilibrada, meus pensamentos se tornem
desordenados e sem sentido, minha imaginação me levando a um lugar
que não existe, não pode existir. Um futuro - com Gavin - que é impossível
de alcançar.

Mas, por um momento... Não, mais do que isso. Uma vida inteira,
condensada no espaço de segundos, vejo o que poderíamos ser, sinto a
vida que poderíamos ter como se estivesse segurando-a em minhas mãos.
Meu coração se enche de felicidade e sou aquecida pelo brilho da luz
branca que acompanha um momento de quase morte. Mas, em vez de
lembranças reais, sou inundada por vislumbres místicos cintilantes de um
caminho ainda não percorrido. Memórias que ainda precisam ser feitas.

—Poppy? — A voz de Gavin corta minha consciência, me trazendo


de volta à realidade.

Abro os olhos, piscando para afastar a fantasia enquanto ela desliza


pelos meus dedos, evaporando na minha frente. Não é real e não estou em
um futuro distante. Estou aqui, na cidade de Nova York. Em Tribeca. No
apartamento que compartilho com Tucker.

Se não fosse por Tucker, minha mãe ainda estaria na prisão, ou


talvez até morta. Se não fosse por Tucker, eu não poderia passar meus
dias ajudando as crianças a entrar no sistema de adoção, tão perdidas e
doloridas quanto antes.

Volto meu olhar para Gavin. Essa visão dele dói. Oh Deus, como dói.
O corpo de seu soldado está tenso sob suas roupas simples, seu rosto é a
personificação da nobreza e firmeza. A vida com Gavin seria mais simples,
talvez até mais fácil. Mas fazer a escolha de divergir do caminho que eu
segui não é nada simples, nem um pouco fácil.

Eu aceitei a proposta de Tucker; Eu prometi a ele o meu futuro. Eu


não vou abandoná-lo. Nem mesmo para Gavin.

O piso encerado de parque se transformou em lama embaixo de


mim, chupando meus calcanhares e apertando entre meus dedos, mas eu
sei o que tenho que fazer. Os últimos dez anos me ensinaram que nem
todos os riscos são recompensados e decisões imprudentes sempre
trazem consequências. Consequências duras e corrosivas.

Eu aprendi minha lição. Estou tomando o caminho seguro,


agarrando-me ao terreno mais alto.

Gavin me abandonou uma vez antes, e não vou dar a ele a chance de
fazê-lo novamente.

É por isso que eu tenho que cortar o cordão entre Gavin e eu de uma
vez por todas. Eu tenho que, para nós. Se houver alguma esperança de
manter nossas memórias intactas, de não arruinar nosso belo passado
com a amargura de nossa realidade atual.

Meu corpo é uma abóbada de tristeza, cheia de nada além de uma


perda de partir o coração, de esmagar a alma, átomos invisíveis de dor
devastadora me despedaçando. Eu daria tudo para evitá-lo, para poupar
Gavin, mas esse é o nosso caminho. E termina aqui. Tem que ser.

—Não, Gavin. Nós éramos apenas crianças, sonhando acordados.


Você nem me conhece mais.

—Claro que conheço. Conheço você e quero você e amo você. Venha
comigo, Poppy. — Ele pega minha mão. —Venha comigo, nós vamos...

—Não! — Eu me afasto dele, reunindo toda a minha determinação


para dizer o que precisa ser dito. —Eu não te amo mais, Gavin. Eu sinto
muito. — Merda. Merda. Não, não acredite em mim. Por favor, não acredite
em mim.

—Você está mentindo. Por que você está mentindo?

Ele sabe. Claro que ele sabe.

—Eu não estou. — E você tem que sair. Antes que eu ceda e nos cause
ainda mais dor, ainda mais mágoa.
Os ombros de Gavin caem, sua postura militar a falha quando a
tristeza puxa seus traços. —Você se lembra daquele dia na floresta? Na
primavera de nosso primeiro ano, e estávamos escolhendo nossas
eletivas para o outono. Eu te disse que queria me tornar um agente do
FBI...

Cruzo os braços afastando as memórias. Não. Não faça isso. Não me


leve de volta para a floresta. Não me faça lembrar de nós.

Mas Gavin continua assim mesmo.

—Uma tempestade chegou e eu a acompanhei até em casa. Você se


lembra do que você me disse?

Sim. Um calafrio passa por mim enquanto exalo. —Não.

—Você disse: “Talvez eu precise que você me salve um dia.”'—


Lágrimas não derramadas picam meus olhos e mordo a parte interna da
minha bochecha até que o gosto de cobre encha minha boca. Não chore.
Não quebre.

—Esse dia é hoje. Deixe-me levá-la para longe de tudo isso. Deixe-
me resgatá-la.

A questão é como um fio de disparo, apertando um interruptor


dentro de mim. Gavin não tem ideia de quantas vezes eu rezei para ele
fazer exatamente isso - aparecer, como uma espécie de cavaleiro mítico
em um cavalo branco, e me afastar das garras de um pesadelo.

Quando ele finalmente o fez, foi apenas para uma breve visita.
Algumas horas. Tempo suficiente para alcançá-lo. Mas não o suficiente
para ser meu herói.

E agora, é tarde demais.

Uma risada repentina e amarga rasga da minha garganta.

—Você quer ser meu herói... Agora? — Eu me afasto dele,


caminhando em direção às janelas do chão ao teto emoldurando a
impressionante expansão arquitetônica de Manhattan. Mas não estou
realmente olhando a vista. Meu olho ainda está voltado para dentro,
lembrando-me de um momento em que eu precisava ser resgatada,
desesperadamente.

—Sim. Se você me deixar, sim. Mas você não pode... Você não pode se
casar com ele, Poppy.

Engulo um grito de arrependimento e me viro, encarando Gavin


mais uma vez. Talvez pela última vez.

—Eu posso e vou. — Agora há mais distância entre nós, embora a


sala esteja cheia de mágoa e recriminações. —Quando eu precisei de você,
você não estava lá. Então você não pode usar uma capa agora, aparecer no
último segundo e salvar o dia. Você não é um herói, Gavin. Não é o meu,
pelo menos.
CAPÍTULO TRINTA E
TRÊS
NEW YORK CITY
TRÊS HORAS DEPOIS

DEPOIS QUE GAVIN SAIU, EU TROQUEI para equipamento de treino


e fui para a academia, meu corpo estava com muita adrenalina e raiva. Eu
estava furiosa demais para chorar, muito excitada para ficar parada.

Quando finalmente volto ao apartamento, meu corpo está vazio e


fraco. Eu preciso de um banho quente, um galão de água e uma boa noite
de sono. O segurança de plantão ainda é o mesmo que me viu com Gavin,
e digo a mim mesmo que seu olhar crítico é apenas minha consciência
culpada que me incomoda.

Eu sei que Tucker está em nosso apartamento assim que abro a


porta. Sinto sua raiva quando atravesso o limiar, como uma queda na
pressão barométrica logo antes de uma tempestade.
Hesito em fechar a porta, relutante em me prender dentro de
Tucker, mas ele se levanta do sofá e a fecha para mim.

—Onde você esteve? — Tucker ainda está de terno, mas ele


desabotoou a camisa e afrouxou a gravata. Na mão está um copo cheio até
a borda com líquido âmbar. Escocês, ou talvez Bourbon.

Apesar de ser “o filho do chefe” ninguém jamais poderia acusar meu


noivo de confiar na genética para avançar. Ele sai para os escritórios da
empresa de investimentos privados de sua família antes que eu acorde e
raramente chega em casa até que eu esteja com vontade de trocar de
pijama e assistir ao Netflix com uma farra. Eu não acho. Porque descobri
que Tucker não gosta de voltar para casa e me encontrar esparramada no
sofá com um saco de pipoca e uma lata de refrigerante. E por que ele não
deveria merecer toda a minha atenção depois de um longo dia? Por que
eu não o cumprimentava com um beijo feliz quando ele entra pela porta?

Percebendo o aperto da mandíbula de Tucker, o aperto firme de


seus dedos no cristal, meus dedos se atrapalham com meu casaco.

—Na academia — eu respondo garras de ansiedade arranhando


meu pescoço. Tucker sabe que Gavin estava aqui?

—Besteira — ele cospe, atravessando a sala antes que eu consiga


tirar meus braços das mangas.
Eu recuo quando Tucker chega atrás de mim para segurar meus dois
pulsos, me prendendo na parede. —Ei... Pare!

—Onde você estava? — Ele repete.

—Eu estava na academia. — Meus tênis rangem no chão de madeira


enquanto eu me contorço contra ele.

—Como eu sei que você não estava com ele? — Os olhos dele
brilham de raiva. A poucos centímetros dos meus, eles são brilhantes e
um pouco vidrados.

—Quem…? — Minha voz diminui. Tucker está bêbado. Os pelos


pequenos nos meus antebraços e na parte de trás do meu pescoço se
levantam em alarme. Tucker bêbado não é confiável.

—Não me faça dizer o nome dele, Poppy. Há câmeras de segurança


em todo o edifício, incluindo uma que é direcionada diretamente para a
nossa porta da frente.

Ele poderia reconhecer Gavin daquela vez em que nos viu juntos, todos
esses anos atrás? É mesmo possível?

Mas são as perguntas de Tucker que são mais desconcertantes no


momento. Eu não gosto do tom dele. E eu definitivamente não gosto da
sensação de estar encurralada.
—Então você sabe que ele não ficou muito tempo.

—Ele ficou muito tempo. E ele nunca deveria estar aqui. — Tucker
puxa meus pulsos para que minhas costas se arquem para longe dele e
meus quadris se projetem para frente, pressionando contra os dele.

—Por que diabos ele estava aqui, Poppy? Me diga.

—Ele ouviu que estávamos noivos. E-ele queria me parabenizar, —


gaguejo minhas palavras. —Para nos desejar tudo de bom.

Os vincos de raiva no canto dos olhos de Tucker cortam ainda mais


fundo, e ele esfrega contra mim, com força suficiente para sentir
evidência de um desejo que ainda não retribuo.

—Realmente? E o que você disse?

Eu procuro uma resposta que acalme as arestas do temperamento


de Tucker. —Eu...

—Você agradeceu a ele?

—Sim.

—Convidou-o para o nosso casamento?

—Não. Claro que não.


—Você transou com ele? Um último gosto do pau dele antes do
nosso casamento?

—Tucker! — Eu luto contra seu aperto, me afastando dele, mas ele é


muito grande, muito forte. Muito bêbado. —Pare com isso. Me solte agora.

—Depois de tudo o que fiz por você, por sua família. Veja onde você
mora, veja até onde você chegou. Por minha causa, porra. Tudo o que você
é, tudo o que tem, é por minha causa.

Eu ignoro as farpas que ele está jogando em meu caminho,


propositalmente tentando me provocar em uma troca acalorada. Mas eu
me recuso a dar a ele. Em vez disso, tento outra tática, empurrando a
tensão do meu corpo e me forçando a relaxar em seu aperto. Tucker pode
ser temperamental, mas nunca me machucou fisicamente antes. Pelo
menos, não desde aquela noite.

—Tucker, por favor. Este não é quem você é. Eu te amo. Eu estou me


casando com você. — Sinto as lágrimas se acumulando e as deixo cair,
encarando meu noivo enquanto deslizam pelas minhas bochechas. —
Você está me assustando.

Ele solta meus pulsos, sua expressão de surpresa e vergonha quando


ele se afasta.

—Merda. Poppy, eu...


—Está tudo bem — eu o tranquilizo, apenas querendo que esse
momento acabe. Não faz sentido falar sobre isso quando ele bebe.

E, verdade seja dita, eu ficaria muito abalada se o primeiro amor de


Tucker, a mulher com quem ele pensou que passaria o resto da vida,
aparecesse na semana anterior ao nosso casamento. Mas nunca houve
ninguém na vida de Tucker que se compare ao que eu tive com Gavin.

Nem mesmo Wren, embora ela definitivamente discordasse.

—Vamos lá, vamos para a cama. — Eu finalmente me afasto da


parede e coloco meu braço em volta de Tucker, levando-o para o nosso
quarto.

—Eu tive um dia de merda, Poppy. — Ele cai no colchão com um


gemido. —Nada como ver uma oportunidade e vê-la cair em chamas.
Muito arriscado, eles disseram. Especulativos demais, eles disseram. Bem,
quer saber o que eu digo? Um monte de malditos idiotas, todos eles.
Incluindo meu pai.

—Eles vão voltar — eu digo, mantendo meu tom leve e suave


enquanto me abaixo para ajudar Tucker com seus sapatos.

Tomei banho na academia, então levo apenas alguns minutos para


trocar de pijama e escovar os dentes. Quando volto, Tucker está
esparramado no colchão, com o rosto relaxado e em paz. Tomo um
momento para encará-lo, em sua testa larga e nariz aquilino e na fenda no
queixo. Seu cabelo escuro está bagunçado contra nossos lençóis brancos
imaculados e minha mão coça para afastá-lo do rosto dele.

Claro, Tucker me queria em casa depois de um dia ruim. E não devo


culpá-lo por perder a paciência. Ele não apenas chegou em casa com o
apartamento vazio, mas descobriu que Gavin estava aqui.

Estou com raiva do estúpido guarda de segurança. Não consigo


imaginar Tucker verificando as imagens de vídeo todos os dias. Ele deve
ter sido avisado.

Tucker me ama muito e conta comigo. Somos uma equipe.

Mas quando fecho meus olhos, vejo o rosto de Gavin. O toque de


Gavin que eu desejo. E a mágoa de Gavin que me atravessa, puxando tão
forte que mal consigo respirar.

Eu preciso que ele acredite no que eu disse. Cada palavra,


especialmente as cruéis.

Quase tanto quanto eu quero que ele leia entre minhas acusações
feridas, apague todas as mentiras.

Tick tock, tick tock. Uma semana até o meu casamento.


CAPÍTULO TRINTA E
QUATRO
THE METROPOLITAN CLUB, NEW YORK CITY
DIA DO CASAMENTO

—ATÉ BREVE, SRA. STOCKTON. — O vestido de dama de honra de


Sadie balança em torno de suas pernas quando ela desliza pela porta,
levando o último fragmento de minha compostura com ela.

Sra. Stockton. Em alguns minutos, serei eu.

Eu gostaria de poder respirar fundo, mas meu vestido Monique


Lhuillier não foi construído para acomodar mais oxigênio do que o
absolutamente necessário. Tucker ficará tão envergonhado se eu desmaiar
na frente de todos.

Wren me olha com um sorriso azedo estampado em seu rosto.

—Última chance de cortar e correr — ela treme sua voz aguda com
tensão. Provavelmente, está tomando tudo o que ela tem para não
arrancar meu vestido e caminhar pelo corredor. Wren é minha dama de
honra na insistência de Tucker e de sua mãe. Nós não somos amigas, nem
chegamos perto. Embora eu não consiga deixar de sentir uma pontada de
simpatia por ela hoje. Nossas famílias planeiam nosso casamento há anos.
Não se apegue demais, ele está apenas emprestado.

Estou prestes a ser a mais apegada possível.

—Eu não acho que chegaria muito longe neste vestido. — Eu corro
minhas mãos pelos meus lados, mantendo minha voz uniforme e sem
confronto.

Há raiva e dor brilhando na expressão gelada de Wren, mas quando


Xênia bate levemente na porta, ela levanta o queixo em um ângulo altivo,
empurra os ombros para trás e o atravessa como se estivesse na
passarela de Paris.

Os acordes do harpista principal da Orquestra Filarmônica de Nova


York entram na pequena câmara onde estou esperando com o pai de
Tucker. Ele me oferece seu braço. —Acho que é agora ou nunca.

—Acredito que sim. — Meu estômago palpita nervosamente


enquanto deslizo minha mão pela curva no cotovelo do Sr. Stockton. Ele
me disse para chamá-lo de Hewitt, mas ainda não me acostumei.
É isso. Dia do meu casamento. Fico me lembrando de absorver tudo.
Para aproveitar cada momento.

Mas está passando tão rápido.

Sr. quero dizer... Hewitt está me acompanhando pelo corredor.


Minha mãe perguntou se eu queria que ela tentasse entrar em contato
com meu pai, mas eu disse que não. Ele saiu quando eu mal conseguia me
andar, então pedir a ele para me dar foi mais do que um pouco falso.

Percebo agora que não é mais do que perguntar ao pai de Tucker.


Felizmente, ele e sua esposa se aqueceram comigo desde o dia em que
Tucker surpreendeu a todos nós com sua proposta. Quando eles
perceberam que eu estava aqui para ficar e que eu não era uma
garimpeira chamativa para explorar o cofre da família, os Stockton
pareciam aceitar que um dia eu seria sua nora.

Pela primeira vez em mais de um ano e meio, não há nenhum anel


na minha mão esquerda. Ele foi temporariamente deslocado para a minha
direita, para dar lugar à aliança de casamento que Tucker logo
escorregará no meu dedo. Mais diamantes é claro.

Sugeri um toque simples para o vendedor de Harry Winston. Ela


olhou para mim como se eu fosse uma traidora do nosso gênero e colocou
uma faixa eterna de pedras impecáveis, cortadas em esmeralda, em uma
bandeja forrada a veludo. Para as mulheres que preferem um visual
discreto, ela disse a Tucker.

Os lacaios de Xênia fazem alguns ajustes de última hora na minha


aparência, suavizando o trem do meu vestido e endireitando meu véu.
Alguém joga um buquê para mim, com o lembrete para mantê-lo na altura
dos quadris. Qualquer um mais alto e ocultará o intrincado bordado de
contas costurado no corpete.

Esses são meus últimos momentos como Poppy Whitman.

Pelo resto da minha vida, serei Poppy Stockton.

Um dos nomes mais veneráveis do país, os Stocktons representam


segurança e proteção. Uma vida de privilégios e invencibilidade.

Em breve o nome Stockton, com tudo o que isso implica, será meu.

Xênia nos acena para frente.

—Lembre-se, melhor, devagar do que rápido. E— ela puxa as hastes


embrulhadas em fita na minha mão direita, — não se esqueça de sorrir.
Este é o dia mais feliz da sua vida.

As portas se abrem e todos os seiscentos convidados, a maioria dos


quais nunca conheci, se erguem em uníssono.
Saímos para a varanda e me agarro firmemente ao pai de Tucker
enquanto descemos a grande escadaria e entramos no Salão Principal
com suas paredes de mármore branco.

Tucker está me esperando no final de um longo corredor, junto com


minha irmã, Wren e vários primos de Stockton. O lado de Tucker está
cheio de um número correspondente de irmãos da fraternidade.

Por um momento, parece que meus pés, nos estiletes de Louboutin,


têm raízes. O pai de Tucker me olha seriamente, seus olhos cor de cacau
são réplicas exatas dos de Tucker.

—Bem-vinda à família, Poppy.

O sorriso trêmulo que colei no meu rosto vacila quando lágrimas


agradecidas ameaçam transbordar meus cílios. —É uma honra... Hewitt.

Ele olha para o filho e depois para mim. —Devemos?

Fios do tecido duchesse sussurram enquanto dou um passo


hesitante, depois outro, ao longo de um corredor de marfim salpicado
generosamente com suaves pétalas de rosa.

Mas, por um momento ofuscante, tudo desaparece substituído por


uma imagem de pétalas de papoula espalhadas do lado de fora da entrada
de uma caverna abandonada. Velas tremeluzentes e uma pilha de
travesseiros incompatíveis. E Gavin.

Eu tropeço um pouco, a ponta do meu salto pegando uma ruga no


corredor de cetim. O pai de Tucker aperta o braço e duvido que alguém
perceba. Mas eu sim. O pequeno passo em falso me traz de volta à
realidade.

Gavin não está aqui. Eu tenho que deixá-lo onde ele pertence. No
passado.

É um hábito misterioso, uma noiva usando um véu para esconder o


rosto no dia do casamento, mas sou grata por isso agora. Isso me permite
alguns segundos extras para compor minhas feições em uma máscara
serena que não revela nada do meu tumulto interno.

Turbulência desnecessária.

Eu sou a garota mais sortuda do mundo a casar com Tucker


Stockton e eu sei disso. Eu realmente.

Quando Tucker levanta meu véu, eu encontrei meu equilíbrio


novamente. Eu sou a noiva perfeita que ele merece.
CAPÍTULO TRINTA E
CINCO
BORA BORA, TAHITI
LUA DE MEL

É UM VÔO LONGO PARA O TAITI, treze horas, mas a partir do


minuto em que pousamos, sei que valeu a pena. A Polinésia Francesa é
como nada que eu já experimentei. A água translúcida, a sombra mais
perfeita da água-marinha, se espalha como um cobertor cintilante sob um
céu azul sem fim. O ar é sensual e tropical, perfumado com o perfume de
gardênias, hibiscos e o leve toque de baunilha. Os coqueiros permanecem
como soldados, suas folhas balançando suavemente com a brisa, um
sussurro silencioso ao vento.

Nossa casa pelos próximos dez dias é uma vila luxuosa com fundo de
vidro. Empoleira-se sobre palafitas lançadas no oceano, e uma escada
conecta nosso terraço a uma lagoa de tirar o fôlego. Em todo lugar que
olho, há sol, céu, areia e mar.
É, verdadeiramente, o paraíso.

—Nós realmente temos que ir para casa em uma semana? Não


podemos ficar aqui para sempre? — Solto um suspiro contente, olhando o
pôr do sol mais deslumbrante que já vi. Cores vibrantes de rosa e roxo
mancham o horizonte com a restrição da pintura a dedo de uma criança,
fragmentos de cor refletidos na superfície serena do oceano.

Sentado ao meu lado no convés da nossa vila, Tucker olha para mim
com um sorriso indulgente e toma um gole do seu coquetel pós-mergulho
e antes do jantar.

É um momento. Nem um momento no tempo. Mas um momento.

O piscar lento dos cílios negros de Tucker, a inclinação descontraída


de seus ombros, a maneira como ele segura seu copo com pressão quase
insuficiente para mantê-lo no ar. Tudo sobre Tucker neste momento
transmite felicidade e conforto. Que eu o faça feliz e confortável.

Que eu sou amada.

E neste momento, nosso momento... Tudo o que aconteceu entre nós


parece predeterminado. Como se tivéssemos sido unidos pela mão do
destino.

O toque do telefone de Tucker interrompe minhas reflexões.


—Quem era? — Eu pergunto depois que ele termina a ligação. É uma
pergunta desnecessária. Tucker e Wren ainda terminam as frases um do
outro, ainda riem das mesmas piadas internas. Eu sei que era ela no
telefone.

—Trabalho. — Sua voz é indiferente.

—Desde quando você e Wren trabalham juntos?

A veia que corre ao longo de sua têmpora pulsa, apertando a


mandíbula quando ele pega os óculos de sol que jogou à toa na mesa
antes. —Desde sempre. Wren é consultora de arte, sou consultor de
investimentos. Nós dois caçamos as mesmas baleias.

—Estamos em lua de mel— lembro a ele.

—Negócio é negócio, Poppy. E há pessoas que eu gostaria de


conhecer enquanto estivermos aqui fora. Pessoas que Wren conhece há
anos.

—Aqui, em Bora Bora? — Eu odeio o quão carente eu pareço.

—Não. Mas já estamos aqui há uma semana. Você também amará a


Indonésia.

Minha cabeça gira tão rápido que ouço um estalo, seguido


imediatamente por uma pontada de dor.
—Indonésia? — Repito, esfregando a dor logo abaixo da orelha.

—Sim. Provavelmente ficarei ocupado apenas por um dia ou dois.


Tenho certeza de que há muitos passeios turísticos para você aproveitar.
Vou pedir ao concierge para investigar. — Os lábios de Tucker se
organizam em um sorriso satisfeito sob seus óculos de sol espelhados.

—Você vai me mandar passear sozinha? — Minhas pálpebras


tremem quando pisco as lágrimas.

—Claro que não. Vou pegar um guia para você.

Eu não quero um guia de turismo. Quero me afundar no paraíso com


meu novo marido. Há uma hora, estávamos mergulhando de snorkel na
água que rodava na lagoa abaixo de nossa vila. Empurrando minhas
costas contra uma das colunas, Tucker desamarrou meu biquíni e colocou
minhas pernas em volta de seus quadris. Fizemos amor ao ritmo da maré.

—Você está me entregando a um estranho. Ótimo, obrigado.

Ele se move em sua cadeira, expulsando um bufo descontente. —


Você tem amigos aí? Talvez alguém da faculdade?

A pergunta de Tucker não é irracional. A Worthington University


atrai estudantes de todo o mundo.
—Ninguém com quem mantive contato. — Além de Tucker e, não
por opção, Wren, propositalmente deixei meus anos na WU para trás.
Exceto pelo meu trabalho com o TeenCharter, é claro.

Ao longe, os praticantes de remo remaram sobre o mar, seus remos


riscando em um arco gracioso antes de desaparecer novamente na água.
Atrás deles, o monte Otemanu nasce majestosamente do continente,
verde e exuberante contra o sol poente.

—Você quer outra bebida?

Mal toquei no que tenho. —Não — eu respondo a palavra afiada e


rápida.

Tucker toma outro gole dele. —Esta é minha chance, Poppy. Minha
chance de conhecer pessoas sem...

Espero que ele continue finalmente pedindo —Sem...

—Sem ninguém do escritório olhando por cima do meu ombro.

Por que Tucker está conhecendo pessoas que ele não quer que mais
ninguém conheça? Eu me pergunto, embora não seja o que eu pergunto.

—Quem olha por cima do seu ombro? —

Um som retumba de sua garganta, como um grunhido estrangulado.


—Quem não? Meu pai. Todo mundo que quer tomar o lugar dele,
mas sabe que terá que se livrar de mim primeiro. É como andar na corda
bamba todos os dias.

Eu me sinto amolecendo. Não pode ser fácil para Tucker, sempre


tendo que ser perfeito. É por isso que ele quer que eu seja perfeita
também. Imagem significa tudo para seus pais e amigos. Talvez acima de
tudo para seus rivais no mundo endinheirado da elite de Manhattan. O
mínimo que posso fazer é apoiar. Se ele quiser ir para a Indonésia, eu
também irei. Com um sorriso.

Eu experimento uma agora, voltando-me para o meu novo marido,


uma vez que está firme no meu rosto.

—Acho que posso administrar um dia ou dois sem você.

Mas Tucker não está olhando para mim. O telefone está de volta na
mão. —Eu tenho uma grande ideia. — Ele toca na tela algumas vezes e a
leva ao ouvido. —Sua irmã está procurando emprego de novo, certo?

—Sim, acho que sim. — Sadie está sempre entre algo. Empregos,
namorados, apartamentos.

—Sadie, ei. Eu acordei você? — Ele faz uma pausa, ri. —Isso não vai
demorar. O que você acha de se juntar a Poppy na Indonésia por alguns
dias?
Ouço um grito de resposta, que suponho que seja sim, e espero que
ela faça a pergunta óbvia - por que ela está sendo convidada a se juntar à
irmã e ao novo cunhado na lua de mel? Mas Sadie não pergunta. —Ótimo.
Meu assistente ligará para você com os detalhes.

Ele pousa o telefone, um sorriso satisfeito se estendendo por seus


lábios. —Problema resolvido. Ela pode voar com Wren...

—Wren precisa fazer suas apresentações pessoalmente?

—Eu quero que ela faça. E a amiga mais próxima de Wren do colégio
interno é filha de um dos homens mais ricos da Indonésia. Parece bom ela
estar aqui comigo.

Meus olhos voltam para o telefone dele, desejando ter a coragem de


jogá-lo no Oceano Pacífico. —Bem.

Algo mais me ocorre.

—Não sabia que você tinha as informações de contato de Sadie.

—Você é minha esposa— diz Tucker com um encolher de ombros


indiferente. —Eu tenho todos os seus contatos.

Os pelos da minha nuca se arrepiam. —Você tem?


Ele balança o copo, lascas de gelo tilintando contra os lados. Eu o
encaro, me perguntando se ele está fazendo isso para que eu me levante e
refresque sua bebida. Eu permaneço imóvel, esperando por uma resposta.

O sol desce, a sombra da montanha cai sobre os caiaques. Eu sei que


eles estão lá, mas eu mal consigo vê-los.

—Claro. Baixei todas as suas informações depois que ficamos


noivos. Eu não te contei? — O rosto bonito de Tucker não mostra o menor
traço de remorso.

Isso é normal? Todos os maridos desconsideram a privacidade de


sua esposa?

Eu não faço ideia. Sou apenas esposa há alguns dias. Eu nem tenho
amigos casados para perguntar. Minha melhor amiga é minha irmã. Além
disso, só tenho alguns conhecidos casuais através do trabalho. E não é
como se eu pudesse falar com Gavin.

—Não, você não contou — eu digo.

Como se ele soubesse para onde meus pensamentos se dirigiram,


uma carranca se instala sob os óculos de sol de Tucker.

—Existe algo que você está tentando esconder de mim, Poppy?


Um pensamento corre ao longo das bordas do meu cérebro,
deixando minhas mãos úmidas. Essa informação incluía as mensagens de
Gavin que eu nunca poderia apagar?

Seguro as bordas da minha cadeira, forçando-me a levantar.

—Não, Tucker. Nada.

É a verdade. Se ele os acessou, que assim seja. Eu cortei laços com


Gavin antes do nosso casamento, embora quase me matasse machucá-lo.
Tucker não tem o direito de esperar mais de mim do que isso.

Embora eu tenha certeza de que Tucker discordaria. Desde o dia em


que nos conhecemos, ele assumiu grande parte do meu mundo que
praticamente todo o resto foi superado.

Ate eu.
CAPÍTULO TRINTA E
SEIS
BALI, INDONESIA

BALI, NA INDONÉSIA, é tão bonito quanto Bora Bora. Por dois dias,
enquanto Tucker e Wren trabalham, Sadie e eu nadamos, mergulhávamos
e depois nos retiramos para o SPA para sermos mimadas como
concubinas. Minha pele está bronzeada e brilhante, e suave como um
recém-nascido.

Hoje à noite, porém, estamos juntos para um jantar de negócios.


Somos doze em volta da mesa. Wren, Tucker, Sadie e eu, é claro. Há
também quatro homens indonésios e suas esposas, ou talvez suas
amantes. Os homens usam ternos escuros com Rolex de ouro chamativo,
espreitando de mangas imaculadamente costuradas. As mulheres vestem
roupas elaboradas de sedas e lantejoulas de cores vivas, mas
monocromáticas. Rosa, roxo, amarelo, vermelho. Eles se sentam em
silêncio, com o rosto congelado em algum lugar entre surpresa e
adoração, pegando a comida sem realmente comer nada.
Um tradutor está por perto, embora os homens falem inglês quase
perfeito. As mulheres não dizem nada. Eles estão aqui puramente como
ornamentos decorativos, assim como eu. Somos apenas peões,
acostumados a atenuar as arestas duras de uma negociação comercial de
alto risco.

Nenhum álcool é oferecido ou servido. Até agora, toda a conversa na


mesa tem sido sobre regulamentações governamentais onerosas, taxas de
câmbio e comércio internacional. É chato como o inferno.

Já participei de jantares como esse com Tucker e aprendi a manter


minha mente ocupada enquanto ouvia com meia orelha, caso alguém
fizesse uma pergunta ou comentasse o meu caminho. Sadie, no entanto,
não está acostumada a ser ignorada. Olho para ela e quase ri dos punhais
que ela está atirando em Wren.

Sadie está em desvantagem hoje à noite. Ela deixou a faculdade após


alguns semestres e passou os anos desde que pulou de um emprego sem
saída para outro. Enquanto isso, Wren é sofisticada e culta, à vontade
para discutir questões sobre as quais Sadie nunca ouviu falar. Ela é parte
dessa negociação e, quando Wren fala, Tucker e os outros homens à mesa
ouvem. Sadie também está prestando atenção, procurando uma abertura.
De vez em quando, seus lábios se abrem como se ela estivesse prestes a
dar o salto. Mas o momento passa, e ela fica engolindo suco de mamão
como se fosse vinho.

Sabendo que ela está tentando travar uma batalha perdida, sinto
muito por minha irmã. Ela está acostumada a homens, incluindo meu
marido, bajulando-a por todo o tempo.

Hoje à noite, no entanto, Tucker é só negócio. Sadie e eu, e as quatro


mulheres bonitas e silenciosas sentadas à nossa frente, somos apenas
vitrines. O único que não percebe isso é Sadie.

Ela coloca a cadeira mais perto de mim agora, inclinando-se no meu


ouvido.

—Quanto tempo mais, mamãe? Se eu tiver que ouvir Wren mais um


minuto, vou arrancar os olhos dela.

Fecho minha boca antes que uma risadinha possa escapar. Como se
ele tivesse ouvido de qualquer maneira, Tucker olha para mim em um
aviso. Coloque sua irmã sob controle. Agora.

—Seja boa, Sadie — eu sussurro, estendendo a mão para apertar a


mão dela debaixo da mesa. —Isso é importante para Tucker.
Wren olha em nossa direção, erguendo a voz como uma professora
se dirigindo a um aluno que se comporta mal, sem realmente se dirigir a
ele.

—Antes que nossa noite termine, tenho certeza de que a esposa e a


irmã de Tucker adorariam a oportunidade de ver suas aquisições
recentes.

Um dos homens inclina a cabeça e diz alguma coisa para a mulher de


amarelo.

Ela acena com a cabeça em compreensão e se levanta.

—Você vem conosco — diz ela, dirigindo-se a Sadie e a mim em


inglês perfeito e sem acentuação, antes de dar um passo diminuto para
longe da mesa. O resto do arco-íris se levanta e corre atrás dela.

Eu olho para Tucker em busca de confirmação de que devemos fazer


o mesmo, mas ele está olhando para Wren, dizendo as palavras, obrigado.
Eu coro, odiando que Wren esteja me tratando para o meu próprio
marido. E que ele aprecia. A aprecia.

E então eu me odeio. Porque eu simplesmente agarro a mão de Sadie


e sigo.

Algumas batalhas não valem a pena.


CAPÍTULO TRINTA E
SETE
NEW YORK CITY
TRÊS ANOS DEPOIS

—ONDE DEVEMOS IR PARA O NOSSO aniversário na próxima


semana? — Tucker pergunta quando volta da academia.

Esfrego o sono dos meus olhos e sento contra a nossa cabeceira


estofada. —Isso é uma pegadinha?

No nosso primeiro aniversário, Tucker me surpreendeu com uma


viagem à Islândia, para ver as luzes do norte. Tinha sido mágico, parado
sob a aurora boreal sobrenatural que brilhava no céu como o mais
requintado show de luzes a laser.

No segundo, Tucker nos reservou uma suíte em um resort exclusivo


em Belize. Não fizemos nada além de ficar à beira-mar, visitar o SPA e
comer serviço de quarto em nosso terraço privativo. Foi celestial.
E agora, com o nosso terceiro aniversário chegando, presumi que
Tucker assumiria as rédeas novamente.

Ele se senta na beira do colchão, o cabelo ainda úmido do banho e


sorri para mim.

—Peguei você.

Eu ri. —Você pode pelo menos me dizer se estou fazendo as malas


para clima quente ou frio?

Minha versão favorita de Tucker é a que mais me agrada na maioria


das manhãs de fim de semana. Não que ele durma, nunca, mas ele pelo
menos se move um pouco mais devagar. Depois de uma sessão das 6:00
da manhã com seu personal trainer, Tucker passa pela Starbucks para
pegar minha bebida preferida, um Mocha Skinny - gelado no verão,
quente no inverno.

Ele coloca na minha mesa de cabeceira agora, e eu dou uma fungada


apreciativa. É basicamente chocolate quente sem açúcar com algumas
doses de café expresso.

—Não. Uma bolsa para frio, outra para quente. Você descobrirá
quando chegarmos lá.
Argumentar é inútil. Além disso, eu amo que Tucker ainda gosta de
planejar viagens especiais para mim. E, diferentemente de nossa lua de
mel, nem Wren nem Sadie se juntaram a nós em uma viagem de
aniversário. Ainda.

—Tudo bem, chefe — digo provocando, pegando meu copo de papel.


Quando está na minha mão, percebo o rabisco de caneta preta no lado.
Descafeinado. Eu gemo. —O barrista está me punindo por alguma coisa?

—É melhor se você desistir agora, antes do bebê.

Minha respiração fica presa no fundo da minha garganta quando


percebo que Tucker especificamente solicitou minha bebida sem cafeína e
seu raciocínio. Eu corro para que ele possa se sentar ao meu lado. —
Bebê?

Eu nunca fui do tipo que faz ooh e aah em bebês, e a visão de alguém
dentro das dimensões confinadas de um avião me deixa com alfinetes e
agulhas.

Mas ultimamente, algo mudou. Em todo lugar que olho, mulheres


com roupas fofas de maternidade anunciam suas barrigas redondas.
Carrinhos de bebês me cercam, carregando bebês com aparência de
querubim, com bochechas de maçã e coxas com covinhas. Só de ouvir o
nascimento de uma criança, eu quero que você, com a mãe de aparência
atormentada, faça uma pontada nos meus ovários.

Eu tenho sugerido começar uma família para Tucker. Sugerindo que


nosso quarto de hóspedes seria um berçário perfeito e mencionando toda
vez que alguém em nosso prédio volta do hospital com um bebê. Mas até
agora, eu não acho que ele tenha notado.

—É isso que você quer, não é? — Tucker coloca a mão no plano do


meu estômago e me dá um sorriso gentil.

—Mais do que nada.

No passado, eu revirei os olhos para o termo relógio biológico.

Até o meu começar a funcionar. De repente, houve esse barulho,


uniforme e regular, como se estivesse ali para sempre. Um som de algum
lugar profundo dentro do meu corpo, ou talvez enterrado dentro do meu
cérebro. Como um batimento cardíaco, mas mais nítido. Ouço nos meus
ouvidos, sinto na boca do estômago.

Somos jovens, mas não muito jovens, eu acho. E quero preencher a


lacuna entre nós que parece desafiar a definição. Somos um casal, mas
ainda não somos uma família. Um bebê nos faria uma família.
Meu café esquecido, jogo meus braços em volta do pescoço de
Tucker e encho seu rosto com beijos.

Um bebê! Uma garotinha com meus olhos e o sorriso de Tucker. Um


garotinho com meu amor por sonhar acordado e a proeza atlética de
Tucker. Um, ou talvez ambos. Lembro-me de algo sobre gêmeos correndo
na família de Tucker?

Um bebê ou dois, estou pronta para ser mãe. E Tucker será um


ótimo pai. Um bebê é a coisa certa para suavizar suas arestas duras.

Minha exuberância inicial derrete em ternura lânguida e amorosa.


As palmas das mãos de Tucker encontram comprimentos na curva dos
meus quadris e deslizam para cima. Um gemido deixa meus lábios quando
seu toque arrasta ao lado do meu peito, meus mamilos gritando por
atenção. Mas não, suas mãos ainda estão se movendo, pontas dos dedos
calejadas arrastando sobre meus ombros e ao longo do meu pescoço até
ficarem do lado do meu cabelo, seus polegares varrendo suavemente
minhas maçãs do rosto.

Segurando meu rosto como se fosse uma coisa preciosa, Tucker se


afasta de mim. Apenas alguns centímetros, longe o suficiente para que eu
esteja olhando para olhos que parecem chocolate e conhaque, rodopiando
juntos na frente de uma fogueira. Delicioso e inebriante. Uma combinação
da qual você não tem certeza de que irá gostar, mas que rapidamente se
torna viciado.

—Você está pronta para fazer a próxima geração de Stocktons? —


Tucker é um gosto adquirido, e há quem diga que ele me adquiriu. Talvez
eles estejam certos.

Mas, no momento, não me importo com mais nada, a não ser o calor
líquido se desenrolando profundamente na minha barriga. Eu sou quente
e devassa, massa nas mãos do meu marido.

—Sim, Tucker. — Minha pélvis instintivamente balança para frente.

Ele abaixa a cabeça, mordendo os dentes na pele sensível debaixo da


minha mandíbula, abaixo da minha orelha, depois acalmando a picada
com beijos suaves.

—Prometa-me uma coisa, Poppy.

—Qualquer coisa.

—Prometa que nunca vou te perder. Não para ninguém, nem nossos
filhos. — Ele para de me beijar o tempo suficiente para olhar
profundamente nos meus olhos. —Eu não aguentaria.

Lembro-me daquela véspera de Ano Novo, nossa troca no saguão do


Plaza.
—Quando você saiu do elevador agora mesmo, você me procurou. E a
partir do momento em que nossos olhos se encontraram você nunca desviou
o olhar.

Uma meia risada invade minha garganta. —Bem, eu não... eu não


conheço ninguém aqui.

—Verdade. Mas você é diferente de outras garotas que parecem viajar


em grupos. Sempre cercado por outras garotas. É a primeira coisa que notei
sobre você. Seu... Conforto por estar sozinha.

Tomando meu silêncio como acordo, Tucker balança a cabeça, seus


lábios se curvando em um sorriso suave. —Você está muito focada, Poppy. E
eu gosto quando você se concentra em mim.

Tucker precisa ter certeza de que ele ainda é minha prioridade.

—Você e eu, Tucker. Você e eu contra o mundo, ok?

—Eu venho primeiro. — É uma demanda e uma pergunta.

—Você vem primeiro — eu concordo. Meu tom é firme, não


deixando margem para dúvidas.

Suas mãos caem nas minhas coxas, uma envolvendo minha cintura, a
outra deslizando em direção ao triângulo úmido de seda entre minhas
pernas. O material é tão fino. Eu tremo no seu toque.
—Desmorone por mim — persegue Tucker, aumentando a pressão
de sua carícia. Fitas de prazer se desenrolam quando jogo minha cabeça
para trás, meus olhos se fechando.

—Não. Abra seus olhos. Olhe para mim. Deixe-me entrar, querida.

—Tucker — eu gemo, concentrando-me na adoração que brilha em


seu olhar pesado, deixando-a penetrar profundamente dentro da minha
pele.

A tempestade sensual que Tucker criou finalmente quebra meu


corpo tremendo quando minha libertação rola através de mim. Para
Tucker, eu desmorono. E então ele me abraça gentilmente em seus
braços, me deita em nossa cama como uma boneca quebrada e me
recompõe novamente.

Um beijo, um toque, um impulso de cada vez.

Mais tarde, depois que ele entrou no escritório, tomo minhas pílulas
anticoncepcionais do armário de remédios no banheiro. Ainda tenho sete
pílulas para o mês. Um por um, empurro-os através da fina folha de prata
e os deixo cair no vaso sanitário, cada um tão pequeno que nem faz
barulho.

Voltando ao meu quarto, abro meu laptop e peço um suprimento de


um ano das vitaminas pré-natais mais vendidas, enviando-as durante a
noite. E então eu encomendo uma dúzia de livros para bebês. O que
esperar quando você está esperando, Revista da Gravidez, Belly Ri, O que
comer quando você está esperando, livros sobre amamentação,
treinamento para dormir (o que quer que seja) e vários livros sobre
nomes de bebês. E, no último minuto, pouco antes de verificar o meu
carrinho de compras eletrônico, volto para pegar alguns livros sobre
fertilidade. Só para não me zoar por estar confiante demais.

Mas tenho certeza de que não vou precisar deles. Passei anos
tentando não engravidar.

Quão difícil isso pode ser?


CAPÍTULO TRINTA E
OITO
NEW YORK CITY
ONZE MESES DEPOIS

SAIO DO CHUVEIRO E LIMPO O ESPELHO COM A TOALHA.


Levantando minhas mãos para meus seios, eu olho seu reflexo
criticamente. Meus mamilos são mais escuros, mesmo que ligeiramente?
Eles parecem maiores?

Eu acho que sim?

Fechando meu olhar, peso-os nas palmas das mãos como frutas em
um mercado de agricultores. Eles se sentem pesados? Dolorido?

—Por favor— eu sussurro no quarto cheio de vapor, mas vazio. —


Por favor, deixe isso ser real.

Eu estou grávida. Definitivamente.


Faz quase um ano desde que eu joguei minhas pílulas
anticoncepcionais no vaso sanitário. Mas todo mês, antes que a
devastadora coloração rosa do papel higiênico tire minha esperança,
minha excitação, sempre me sinto grávida.

Quando minha menstruação chegou naquele primeiro mês, e depois


no segundo e terceiro, fiquei desapontada, mas atribuí-o às substâncias
contraceptivas remanescentes que ainda residem no meu corpo, como
hóspedes indesejados. Comprei um Vitamix e comecei a misturar
smoothies cheios de couve e frutas antioxidantes todas as manhãs.
Troquei de café para chá verde. Sem cafeína, é claro. Entrei para um
estúdio de yoga.

Eu também acabei com as purgas. Não tem sido fácil. Há momentos


em que vou roer lascas de gelo apenas para satisfazer o desejo. Mas a
saúde se tornou minha prioridade, não apenas perseguindo um número
em uma escala.

Também não engravidei no quarto ou no quinto mês. Mas,


novamente, eu não pensei muito nisso por causa do que aconteceu com os
pais de Tucker. Depois de aparentemente sofrer um acidente vascular
cerebral enquanto dirigia pela estrada, Hewitt colidiu com uma zona de
construção. A mãe de Tucker estava no banco do passageiro. Cecelia
morreu instantaneamente e seu pai morreu no hospital dois dias depois.
Como filho único e herdeiro, Tucker instantaneamente se tornou o
rosto público da Stockton Capital. Ele teve que projetar confiança e calma,
comunicando aos funcionários e clientes que eram negócios como sempre
na empresa. Entrei para planejar o funeral e o memorial, me
familiarizando com a Fundação da Família Stockton e suas muitas
obrigações de caridade.

Mas mais meses se passaram e eu ainda não estou grávida.

Existem alguns testes embaixo da pia. Eu vou tão longe a ponto de


abrir as portas do armário e verificar. Sim. Lá estão eles, uma pequena
pilha de caixas. Todos os três são digitais, a caixa retangular retira a
adivinhação de linhas retas ou sinais de adição. Grávida ou não grávida.

Eu devo? Talvez desta vez...

Mas, em vez de um resultado de teste positivo, vejo apenas um Não


grávida em negrito. Novamente.

Eu me afasto, decidindo que, pelo menos nesta manhã, a frustração


de não saber é infinitamente melhor do que a decepção esmagadora de
ver meu fracasso explicitado em preto e branco. Eu posso esperar. Além
disso, estou experimentando uma aula de meditação nesta manhã que
ouvi uma mulher no elevador delirando - uma mulher com o estômago
inchado.
Não tenho mais trabalho para me apressar. Tirei uma licença
quando os pais de Tucker morreram e só voltava algumas semanas
quando Tucker ficou com raiva de mim, apontando que o estresse no
trabalho poderia me impedir de engravidar. No começo, eu o ignorei,
pensando que ele estava brigando comigo como uma espécie de tristeza
deslocada por seus pais. Quando isso não deu certo, tentei explicar. Meu
trabalho era importante para mim. Eu adorava saber que estava fazendo
a diferença na vida de crianças que cresceram exatamente como eu - sem
saber em quem confiar me sentindo amada e abandonada. Como se não
importassem.

—E os nossos filhos? — ele atirou de volta com raiva. —Quando


você vai torná-los uma prioridade?

—Vamos pelo menos colocar um alfinete nele até eu engravidar.

—Um alfinete? Uma porra de alfinete? Quanto tempo você quer


esperar... Não. Quanto tempo você vai me fazer esperar por uma família?
— O não dito era óbvio. Perder os dois pais de uma só vez abalara o
mundo de Tucker. Ele não estava preso e estava desesperado por
substituir a família que havia perdido.

Eu sabia que estava travando uma batalha perdida, mas não estava
pronta para capitular tão rapidamente. Eu tentei outra vez.
—Tucker, você sabe o tipo de trabalho que estou fazendo com o
TeenCharter. Você não se lembra das crianças que ajudamos? Por favor,
não me peça para...

—O que eu lembro sobre o TeenCharter é você. Você foi à razão pela


qual eu me envolvi você foi à razão pela qual eu fiquei com isso. Essas
crianças não são da minha conta. Quero meus próprios filhos.

A atitude brincalhona e atenciosa de Tucker com os adolescentes em


risco foi à razão pela qual dei a Tucker uma segunda chance, e decidi
acreditar que era uma dor que o fazia parecer tão insensível.

—Eu também.

—Então prove isso. Coloque seu fim no TeenCharter e foque em


mim. Sobre nós e a família que ambos queremos.

Eu não queria recuar. Mas... Foi realmente tão grande pedir para dar
um passo atrás, temporariamente? Por mais que amasse meu trabalho,
odiava a tensão que estava colocando em meu casamento. Era óbvio que
Tucker precisava de mim agora, mais do que nunca. Depois de tudo o que
ele fez por mim, por que eu não faria isso por ele? Ele e nossos futuros
filhos não deveriam ser meu único foco?

Mas agora, mês após mês, não engravidar é um tipo diferente de


tensão.
Toda vez que olho nos olhos de Tucker, saber que falhei com ele, que
meu corpo falhou conosco dois é tortura. Cada barriga de grávida que
vejo é uma acusação apontada em minha direção. Bebês querubins e
crianças pequenas são acusações do meu valor.

Há dias em que é difícil sair do apartamento.

Meu telefone toca com um número desconhecido, enquanto engasgo


com um suco de couve e abacate. Eu quase deixei direto para o correio de
voz, puxado pelo impulso repentino de fazer um teste, afinal. Talvez eu
tenha calculado mal, talvez este seja o mês.

Mas eu forço meu polegar sobre a tela. —Olá?

A voz do outro lado da linha é nítida e eficiente.

—Sra. Stockton?

—Sim? — Enfio o telefone entre o ombro e a orelha enquanto lavo o


liquidificador.

—Daqui é das soluções de fertilidade de Manhattan. Você tem um


compromisso conosco no próximo mês?

O próximo mês marcará um ano inteiro de tentativas e fracassos de


conceber. Marquei a consulta semanas atrás, esperando já estar grávida.
—Sim.
—O médico participará de uma conferência no exterior sobre um
avanço recente. Estou reagendando todos os compromissos dela naquela
semana. Temos uma abertura esta tarde, você está disponível?

Esta tarde. Hoje.

Não, é muito cedo. Não faz um ano inteiro. Eu nem disse a Tucker
que procurei ajuda profissional. Ainda não decidi se devia contar a ele, a
menos que seja absolutamente necessário. Mas - como posso dizer não?
—Certo. Sim, claro.

—Tudo bem, nos vemos às duas horas.

Desligo e corro para a minha aula de meditação, embora


provavelmente não devesse ter me incomodado. Minha mente está uma
bagunça caótica. Devo interromper Tucker no trabalho para lhe contar
sobre a minha consulta? Ele odeia quando eu ligo para ele durante o
horário de expediente, diz que não pode ir e vir entre um fazedor de
chuva duro e um cônjuge amoroso com um chapéu.

Mas... Ele não deveria saber o esforço que estou fazendo para criar
nossa pequena família?

Finalmente, eu decido contra. Provavelmente é apenas uma reunião


exploratória. Não há razão para envolver Tucker. No entanto, de qualquer
maneira.
Chego cedo à Manhattan Fertility Solutions para preencher a
papelada, vasculhando a pilha de formulários presos a uma prancheta
como se estivesse sendo cronometrada.

Depois de devolver tudo à recepcionista que, decepcionantemente,


não faz nenhum comentário sobre minhas notáveis proezas no
preenchimento de formulários, paro um minuto para olhar em volta. O
designer poderia ter sido contratado pela mãe de Tucker. O meio do
século moderno encontra o sanatório. Paredes neutras. Couro branco.
Mesas de cromo e vidro com bordas afiadas. Não aceita crianças nem um
pouco. E, curiosamente, não há fotos de bebês em nenhum lugar. Em vez
disso, a arte é abstrata e de grandes dimensões, como enormes manchas
de tinta de Rorschach em uma tela branca. Nada para indicar que este é
um lugar que atende a isso em milagres médicos. Poderia ter sido a sala
de espera de um psiquiatra ou o lobby de uma empresa de capital de
risco. Sinto-me enganada, desejando provas visuais de seus sucessos.

—Sra. Stockton?

Saltando de uma cadeira Eames, sigo uma mulher toda vestida de


branco, me perguntando se devo perguntar se as cores são reservadas
apenas para os férteis. Pastéis para mulheres grávidas e bebês, cores
primárias brilhantes para crianças, neon para crianças em idade escolar.
Cinco minutos depois, fiz xixi em um copo, fui pesada e medida e
estou sentada, tremendo, em um vestido frágil. Uma mulher entra no
quarto, pequena e magra, com lindos cabelos pretos caindo em cascata
até as omoplatas em uma linha suave.

—Eu sou Vivian Lu. Obrigado por vir hoje, gostaria de examiná-la
primeiro e depois podemos conversar quando você estiver vestida, certo?
— ela pergunta a respiração ofegante de suas palavras suavizada por um
sorriso aberto e fácil.

Eu gosto dela imediatamente.

—Certo. — Eu deito, colocando meus pés nos estribos e cantando


canções de ninar na minha cabeça enquanto sou cutucada.

—Ok, tudo pronto. Você pode se vestir e me encontrar no meu


escritório. É o quarto do outro lado do corredor.

Ela se foi antes que eu me sentasse. A ansiedade cinge como um


cinto muito apertado ao redor da minha caixa torácica. Ela foi muito
rápida. Muito rápida. Ela deve ter encontrado alguma coisa. Alguma razão
para eu nunca engravidar.

O que direi a Tucker? Falha, falha, falha.


Existem várias caixas de lenços de papel na sala de exames, e eu
passo a maior parte de uma delas enquanto visto minhas roupas e
encontro a Dra. Lu em seu escritório, desabando em uma cadeira de
frente para sua mesa.

—Então, nem sempre digo isso a novos clientes em nossa primeira


reunião...

Meu rosto se enruga.

—Oh meu Deus, eu sabia disso. Eu nunca vou ter um b... — Eu não
consigo nem tirar a palavra da minha garganta entupida.

—Não. Sra. Stockton, por favor. Não era isso que eu ia dizer. Sua
amostra de urina registrou alta, mas eu queria confirmar com um exame
físico.

Enquanto esfrego meus olhos com um lenço de papel novo, ela


anuncia o que eu tenho esperado onze meses e uma vida inteira para
ouvir.

—Você está grávida.


CAPÍTULO TRINTA E
NOVE
NEW YORK CITY
SEIS MESES DEPOIS

PARADA NO QUARTO DO NOSSO NOVO apartamento esfrego minha


barriga já estourando. Hoje marca o início da minha vigésima terceira
semana. Gêmeos. Um menino e uma menina. Eu nem acredito, e ainda
posso, porque meus bebês também serão os bebês de Tucker, e é assim
que ele faz. Um superado, nascido em uma vida encantada.

Meu obstetra usa uma máquina de ultrassom 4D em mim a cada


consulta. Nos últimos meses, vendo seus rostos perfeitos, suas mãos
minúsculas acenando para mim de um enorme monitor de tela plana, eu
me conectei a eles de uma maneira que nunca soube possível.

Tornei-me mãe a partir do momento em que soube que estava


grávida, mas, na verdade, vendo meus bebês crescendo e prosperando
dentro de mim... Eu já estou tão apaixonada por eles que é esmagadora.
Mal posso esperar que eles nasçam, segurá-los em meus braços e respirar
seu delicioso cheiro de bebê.

Saímos do loft Tribeca na semana passada. Não no tríplex abafado


de sua família, que ele vendeu após receber várias ofertas no dia em que o
obituário foi impresso. Escolhemos um arranha-céu de quatro quartos
com vista para o Central Park. Ainda há muitos móveis brancos, mas não
há mais cantos afiados. É um lar para uma família. A família que Tucker e
eu estamos construindo juntos.

Eu mesmo projetei o berçário. Não é a sala maior, mas é a mais


próxima de nossa suíte master, e é isso que mais importa. No momento,
meus bebês são uma parte de mim, não consigo imaginar me separar
deles. No começo, seus movimentos eram a mais leve carícia de asas de
borboleta profundamente dentro da minha barriga, mas agora eu posso
ver seus membros se esticarem pela minha pele. Às vezes eu juro que eles
estão tendo uma partida de futebol individual lá.

O tapete embaixo dos meus pés descalços é uma pilha grossa, um


padrão Ikat de branco e cáqui, com apenas o toque pálido de cinza. Eu
tinha as paredes pintadas da cor exata do céu de inverno, pouco antes de
nevar, e a guarnição de madeira é de um branco brilhante. Dois berços
elegantes dominam o centro da sala, sob um lustre que dispara prismas
de luz ao redor da sala como joias deslumbrantes. Tratamentos de janelas
- longos painéis de gaze e, é claro, persianas atrás deles - estão sendo
instalados esta tarde.

Eu não voltei para a Dra. Lu e seu escritório frio e silencioso. Depois


que parei de chorar, ela me indicou uma obstetra e, desde então, todos os
meus compromissos foram tranquilos.

Tucker está emocionado, apesar de estar tão ocupado com o


trabalho que quase não está por perto. E mesmo quando ele não está no
escritório ou em uma viagem de negócios, o trabalho está sempre em sua
mente.

Tucker está determinado a provar, para si e para todos que


duvidaram dele, que ele está pronto para o trabalho. Mas a longa sombra
lançada por Hewitt Stockton às vezes assombra meu marido. Tucker mal
dorme e, quando o faz, fica tão inquieto. Acredito que nossos bebês vão
lhe dar algo para voltar para casa, o mesmo senso de estabilidade que
encontrei nele. Nós seremos uma família.

—Isla, eu vou encontrar minha irmã para fazer compras, você vai-

—Sim Sim. Claro, os instaladores de cortinas. Eu cuidarei disso. —


Tucker contratou Isla em tempo integral quando engravidei. Ela
coordenou nossa mudança e muito mais. Eu só tenho que me concentrar
no crescimento de dois bebês saudáveis e na espera do meu umbigo,
como o temporizador de um peru de Ação de Graças.

—Obrigado. — Dou um sorriso agradecido à nossa governanta e


pego minha bolsa, decidindo caminhar alguns quarteirões até a elegante
loja da Madison Avenue, que vende as mais lindas roupas de bebê e
roupas de cama que eu já vi. Gastar dinheiro com meus bebês não me
incomoda nem um pouco, mesmo que eu ainda não possa entrar em lojas
como Louis Vuitton e Gucci sem um grave caso de choque com adesivos.
Nada além do melhor para os meus gêmeos Stockton.

Finalmente estou começando a me sentir bem novamente, agora que


os enjoos matinais diminuíram. Ou, no meu caso, a doença o dia inteiro.

Ao virar a esquina para Madison, sinto uma pontada nas costas.


Talvez não tenha sido uma ideia tão inteligente andar. Mas permaneci
bastante ativa, apesar da doença da manhã e, bem, gêmeos. Meu estúdio
de ioga oferece aulas pré-natais e eu sou regular. Certamente uma
caminhada de quinze minutos não é demais?

Mas então, ai, aí está novamente. Um pouco mais baixo desta vez.

Avistando o familiar toldo cinza de pomba estampado com cordeiros


brancos, atravesso a porta e sigo direto para o sofá em forma de rim no
meio da loja. Amanda, a vendedora com quem eu tenho um compromisso,
vem logo.

—Sra. Stockton, que prazer em vê-la. Já tenho algumas coisas de


lado, se você gostaria de vir comigo?

—Eu acho que só preciso de um minuto — chio, remexendo na


minha bolsa uma garrafa de água. —Atire, eu esqueci...

—Algo para beber? Claro. Água? Ou chá? Temos verde, gelado, doce
ou não?

Suas palavras se confundem.

—Apenas água, por favor. Fria. — Eu fecho meus olhos, descansando


minha cabeça contra as costas do sofá.

—Aqui está. — Amanda retorna momentos depois, segurando um


copo.

Minha mão treme quando a trago para a boca. A água nunca teve um
gosto tão bom.

—Sra. Stockton, acho que você não parece muito bem. Posso ligar
para alguém para você?
—Não há necessidade! Estou bem aqui, desculpe, estou atrasada. —
Sadie entra, parecendo sem esforço bonita com uma blusa preta e calça
jeans skinny desgastada, uma bolsa de mensageiro pendurada em seu
corpo e óculos de sol grandes em cima da cabeça.

Com minha mãe indo bem, ela se mudou da cidade de Sackett há


alguns meses, na época em que descobri que estava grávida. Fico feliz em
ter Sadie perto. Com Tucker tão ocupado no trabalho, minha irmã tem
sido uma dádiva absoluta de Deus. Ela está hospedada no nosso quarto de
hóspedes por enquanto, trabalhando em empregos estranhos e
procurando um apartamento. Tucker e eu nos oferecemos para ajudá-la a
se levantar, mas egoisticamente eu amo saber que ela está no final do
corredor, especialmente quando Tucker está fora. E suas horas
irregulares facilitam que ela se junte a mim nas consultas médicas e nas
compras para os bebês.

Eu termino o último da minha água e estendo o copo para Amanda.


Eu me sinto melhor agora.

—Oi Mana. Eu devo estar me transformando em uma baleia. Estou


sem fôlego andando aqui.

Ela estende a mão. —Vamos lá, você mal passou do ponto


intermediário, é muito cedo para jogar o cartão pré-pago.
Eu forço uma risada e deixo que ela me ajude. Sadie está certa. Vinte
e três semanas é muito cedo para se tornar uma batata de sofá, mesmo
com gêmeos. De pé novamente, respiro fundo.

—Ok, vamos começar com a roupa de cama. Os berços estão todos


arrumados e eu gostaria... —De repente, sinto uma dor estranha e
contorcida dentro do meu estômago e o calor corre pelas minhas calças.

Oh meu Deus, eu me molhei? Nunca mais poderei mostrar meu rosto


nesta loja.

Então eu vejo os rostos delas, olhando primeiro para Sadie e depois


para Amanda. Expressões idênticas de horror. Eu espio. Há uma poça de
sangue no tapete branco aos meus pés e minhas calças estão molhadas.
Olhando para trás no lindo sofá de seda cinza, dou um suspiro aliviado,
agradecido por pelo menos isso ter sido poupado. E é aí que me bate. Algo
está errado. Muito errado. Meus olhos estão voltados para o tapete - o
tapete muito branco com uma poça distintamente rosada. Oh, meu Deus.
Não,não, não.

Sadie é a primeira a falar, voltando-se para Amanda.

—Pegue um táxi para nós. Agora. — Amanda corre para fora quando
Sadie pega meu braço, me guiando pela loja e saindo pela porta da frente.
Um táxi amarelo para no meio-fio e entramos. Sadie late o nome do
hospital mais próximo do motorista, e dou uma última olhada nos
cordeiros brancos que pulam alegremente pelo elegante toldo cinza da
loja antes de nos afastarmos.

—Apenas respire Poppy. Tudo vai ficar bem. Eu prometo. — Sadie


está cutucando a tela do telefone e sei que ela está tentando entrar em
contato com Tucker. Envolvo minhas mãos em volta da minha barriga,
dizendo a mim mesma que Sadie está certa. Tudo vai ficar bem. Tem que
ser. Esses bebês também são de Tucker.

Claro, eles vão ficar bem. Melhor do que apenas bom, na verdade.
Eles serão perfeitos.
CAPÍTULO QUARENTA
NEW YORK CITY
TRÊS HORAS DEPOIS

AS PALAVRAS DE UM MÉDICO que nunca encontrei até hoje me


inundam, deixando uma sujeira imunda.

Meu filho está morto.

Segundo ele, meu bebê estava morto quando eu andei do meu


apartamento para a loja da Avenida Madison, provavelmente já estava
morto há vários dias. Morto, e eu não sabia disso.

Se o que ele está dizendo é verdade, significa que fiquei no berçário


hoje de manhã, supervisionando a entrega dos berços e trocando a mesa e
a cômoda. Que eu estava sentada na cadeira de balanço com as mãos
sobre a barriga, cantarolando canções de ninar e imaginando o dia em
que levaria meus bebês para casa e os colocaria nos meus seios, sabendo
que tudo estava como deveria ser.

Mas não foi. Não é.

Hoje, nada é como deveria ser. Nada.


Meu filho está morto

Minha filha, porém, está muito viva. Através de uma tela plana
pendurada na parede do meu quarto de hospital, eu a vejo se contorcendo
dentro de mim enquanto lágrimas escorrem pelo meu rosto. Ela sabe, de
alguma forma, que seu irmão está morto? Eu tento ler sua expressão,
procurando sinais de angústia de que seu companheiro de brincadeira
não esteja mais brincando com ela. Minha visão está tão turva que mal
consigo ver.

Existem testes, testes e mais testes. Sussurros sussurrados por


médicos, expressões tensas de técnicos de ultrassom, olhares de pena das
enfermeiras. Salve minha filha, por favor.

—Temo que haja uma infecção no seu útero, senhora Stockton.

—Uma infecção— repito, uma pontada minúscula de esperança


perfurando as camadas de angústia pressionando contra mim. Uma
infecção pode ser tratada. Uma infecção pode ser curada

—Como ela conseguiu uma infecção? — Tucker pergunta, ao meu


lado. —Minha esposa não perdeu uma consulta médica. Ela está
recebendo os melhores cuidados que o dinheiro pode comprar.

—Infelizmente, não há como saber. Existem alguns mistérios que a


medicina não pode resolver.
—O que você sabe?

—Bem, acredito que a infecção foi o que levou à morte do feto A. A


placenta dele rompeu esta manhã, que é o que precedeu a viagem de sua
esposa ao hospital hoje. Era a maneira do corpo dela tentar expulsar o
feto.

Estremeço com os termos clínicos que ele está usando para


descrever meu garotinho perfeito, agora congelado e imóvel dentro de
mim. Parece que ele está dormindo.

—O que isso significa para a minha filha? — Me abra, faça o que


precisar, mas por favor, salve minha filha.

—Sua filha tem poucas semanas. Ela tem menos de dez por cento de
chance de sobrevivência fora do útero e zero por cento de chance de viver
sem grandes problemas de saúde. Se não tratarmos essa infecção
imediatamente, seu útero ficará comprometido, o que significará uma
histerectomia. E se a infecção se espalhar, as toxinas invadirão sua
corrente sanguínea. Você vai morrer, senhora Stockton.

—Quanto tempo? — Eu pergunto, segurando a mão de Tucker.

—Quanto tempo…? — Existem muitas variáveis, o médico não sabe


que pergunta eu estou fazendo. Como ele pode? Ele não é mãe.
Com os dentes cerrados, concluo meu pensamento.

—Quanto tempo minha menina deve ficar dentro de mim para ter
uma chance de lutar?

Seu rosto se torce com impaciência. Ele está cansado das minhas
perguntas e está ansioso para tratar o problema.

—Quando ela tiver uma chance, você estará morta.

Não.

Eu trocaria minha vida pela da minha filha em um piscar de olhos.


Mas isso não é uma opção. Ela não pode viver fora do meu corpo e, se eu
atrasar o tratamento, nenhum de nós viverá.

Então, sem chance. Sem opções. E sem tempo.

Depois disso, não tenho mais perguntas. Apenas tristeza.

Luto pelo meu filho, flutuando dentro da minha barriga como um


fóssil suspenso em âmbar. Luto pela minha filha que ainda está tão viva -
lindamente, gloriosamente viva, mas por quem a morte é iminente e
inevitável.
Ela está balançando as mãos, chutando os pés, esbarrando no irmão.
Às vezes parece que ele está se movendo também. Mas a vibração sépia
de seu coração ainda está. Tão dolorosamente quieto.

Eu quero me virar, fechar os olhos e esconder a cabeça. Mas eu não.


Eu me forço a assistir cada segundo que me resta com meus bebês. Eu mal
me permito piscar, precisando gravar a memória deles em meu cérebro.

Estou entorpecida, e ainda eletrificada de dor no coração. É um


rugido no meu crânio enquanto ouço o médico falando com Tucker. Nada
a ser feito, diz ele, exceto sugar e raspar cada pedacinho de meus bebês
para que eu possa começar de novo.

Sucção. Raspar. Recomeçar.

Palavras estrangeiras, terríveis e arrepiantes. Quero colocar as mãos


nos ouvidos e gritar lá, lá, lá, lá, lá até que médicos e enfermeiras parem
de falar. Mais do que isso, quero voltar no tempo, até o último minuto em
que senti os dois bebês se moverem dentro de mim. Quando foi
exatamente?

O pânico surge dentro de mim, quente como lava. Quando foi a


última vez que pude sentir os dois? O último jogo de futebol deles.
Quando? Pense pense. Se eu me lembro, posso voltar a esse momento.
Pense bem, caramba. Mergulhe nesse último momento perfeito e tudo o
mais desaparecerá, como um pesadelo terrível. Porque isso não pode ser
real, simplesmente não pode.

Pense, droga. Pense!

E então eu lembro. Duas noites atrás, na cama. Tucker estava em


casa e ele rolou enquanto dormia, me empurrando. Seu braço se fechou
em volta do meu quadril e eu o puxei sobre minha barriga, pressionando
a palma da mão contra a minha pele. Nossos filhos dançaram então, em
nosso quarto escuro, bem acima dos táxis de corrida e das ruas sujas de
Manhattan. Meu pequeno príncipe e princesa.

Seus movimentos zumbiram sob a minha barriga, e Tucker foi


acordado quando a dança começou a chutar. Ele gemia, beijando meu
ombro e esfregando minha barriga sonolentamente.

—Vá dormir, bebês — ele sussurrou. Eles ouviram, ficando quietos


logo depois.

E fiquei acordada por horas, imaginando futuros recitais de dança e


jogos de futebol. Parque playdates. Casquinhas de sorvete nos dias de
verão sufocantes, chocolate quente nos dias frios. Rodas de treino e treino
de penico. Coelhos boo-boo e caminhões Tonka. Ame.

Tanta coisa para esperar.


Eu quero voltar no tempo. Dois dias. Eu não deixaria Tucker dizer
para eles irem dormir. Não. Eu teria bebido suco de laranja e deitado no
meu lado esquerdo. Eu os deixaria jogar futebol para sempre.

Dois dias. Será que isso é realmente pedir muito? Apenas dois dias.
Eu vou ficar na cama eu não vou me mexer. Vou passar os próximos
meses comendo os alimentos mais saudáveis.

Eu serei a melhor mãe do mundo. Uma incubadora perfeita.

Dois malditos dias. Por favor!

—Poppy, olhe para mim. — A respiração de Tucker está quente no


meu rosto. Eu me viro, rolando e dobrando meus joelhos para proteger
minha barriga. Ele está estragando tudo. Eu preciso me concentrar.
Precisa se concentrar nessa hora mágica. Eu posso voltar lá, eu sei disso.

Mas a mão dele está no meu ombro, ele está me apertando. —Poppy,
chega. Deixe o médico cuidar de você.

—Esqueça-me. Ele deveria cuidar deles. A próxima geração de


Stocktons, lembra?

Eu estou implorando, desesperada. Emoções carregam para mim,


batendo no meu peito. Fúria e medo unidos pelo fio mais fino da
esperança.
—Tucker, faça-o entender. Temos que salvá-los, você não entende?
Eles são o motivo de estarmos juntos. Eles nos fazem fazer sentido.

Mas vejo que Tucker não entende. Ele enterrou os pais e voltou ao
trabalho no dia seguinte. Não processamos o luto da mesma maneira. Ele
está sofrendo?

Tucker respira fundo e irregularmente e, por um momento, é como


se eu estivesse olhando uma poça de chuva que reflete o céu acima, e a
um instante de confusão. Cima está em baixo e em baixo está em cima. O
que eu estou olhando - a poça ou o céu? O que é real?

—Eles se foram, Poppy. Não há nada que alguém possa fazer. Nem
você, nem eu, nenhum desses médicos. — Ele passa a mão pelo cabelo,
deixando-o bagunçado. —Vamos acabar logo com isso.

Estremeço com a sinceridade sem arte e desnecessariamente cruel


do meu marido. —Supere isso...?

Eu tenho uma escolha restante. Um ato final que não pode ser tirado
de mim. Eu mudo meu olhar para o médico. —Eu quero enterrá-los.

Ele recua. —Sra. Stockton, isso é altamente incomum. Podemos


colocá-lo sob anestesia agora. Quando você acordar, tudo terminará.

Eu balanço minha cabeça, minha voz um grito.


—Não. Você não está separando meus bebês e sugando-os como
lixo.

Cada parte de mim dói pelo meu menino e menina. Não há tutus
rosa ou bolas de futebol no futuro. Eles não têm futuro.

Eu nunca vou esfregar minha bochecha contra a pele macia e macia


do bebê, dar-lhes um banho ou ver seus sorrisos na manhã de Natal.

Eu nunca ouvirei o som da risada deles.

O médico se afasta, seu rosto uma máscara de desaprovação que é


espelhada por meu marido. Ele começa a protestar mais, mas a fúria pura
que corre em minhas veias o assusta. —Você não vai tirar isso de mim —
eu uivo. —Não se atreva.

Uma agulha é preenchida com cloreto de potássio - a mesma mistura


dada aos prisioneiros no corredor da morte - e inserida no meu estômago.
Dói tanto que a dor física é um alívio bem-vindo. Eles estão usando um
ultrassom para apontar a agulha, e eu o vejo se mover através do líquido
amniótico em direção à pele translúcida da minha filha. Na minha cabeça,
eu estou gritando com ela, implorando para ela se mover, correr, escapar.

Mas ela não pode, está presa dentro de mim. Mantido em cativeiro
por mim. Quando a ponta da agulha perfura sua placenta, liberando sua
dose letal, ela estende os braços, abraçando o irmão.
É como se ela soubesse. Como se ela estivesse buscando conforto
dele. Conforto que não posso dar a ela. Porque eu estou matando ela.

Talvez eu não esteja segurando a agulha, mas não estou parando.

Seu pequeno coração ainda é visível através de sua pele translúcida.


Sua vibração diminui, tornando-se mais fraca e mais imperceptível até
que finalmente o coração da minha bebê pare por completo.

Eu assisto minha filha morrer.

Em pouco tempo, ela está tão quieta e sem vida quanto meu filho.

Dois bonecos congelados dentro do meu útero infectado.

Fui levado para outra sala, ligado a um gotejamento de Pitocin. Um


anestesista oferece uma epidural, que eu recuso mesmo quando as
contrações me deixam sem fôlego. Cada fatia aguda de dor me aproxima
de segurar meus bebês. Eu preciso vê-los, tocá-los, sentir seu peso nos
meus braços.

Passam horas antes de eu estar totalmente dilatada. Horas de agonia


implacável, esmagadora e implacável que na verdade não quero terminar.
Quando a dor acabar, não vou mais engravidar.
Não grávida. Não mãe. Pelo menos, não definido como um verbo. Eu
nunca vou ser mãe dos meus filhos. Eu nunca vou incomodá-los ou elogiá-
los. Nunca construirei castelos de areia na praia com eles.

Eu nunca colocarei suas obras de arte na geladeira.

Farei exatamente uma coisa pelos meus bebês. Vou enterrá-los.

Existe uma palavra para o que sou o que estou experimentando?

O olhar determinado de Tucker colide com o meu turbulento. Ele


quer que isso acabe. Eu falhei com ele e ele quer colocar a prova disso
para trás o mais rápido possível.

—Você está indo muito bem — diz Tucker, segurando minha mão
enquanto ofego e empurro, tentando fazer meu corpo obedecer.

Eu quero dar um tapa nele. Ótima? Nem mesmo perto.

Estou em trabalho de parto, mas não estou dando à luz. Que diabos
estou fazendo?

Nossos filhos finalmente deslizam para fora de mim. Minúsculo,


quieto e silencioso. Morto.

Uma enfermeira os limpa e os envolve em cobertores, colocando-os


gentilmente nos meus braços antes de sair da sala.
Meu garoto é maior que sua irmã e parece apenas Tucker. Minha
garotinha se parece comigo. Seus cabelos são finos, suas pálpebras tão
finas quanto pétalas de rosas, seus lábios enrugados como se houvesse
prestes a mamar no meu peito. Eles são anjos adormecidos. Perfeito em
todos os sentidos, menos um.

Eles não estão respirando e nunca respirarão.

Anjos, aqui na terra.

Tucker não quer segurá-los, embora, eventualmente, ele estenda um


dedo para roçar uma bochecha, toque uma orelha delicada. Ele faz um
som, baixo na garganta, engolindo um soluço. Olho para ele e, por um
breve momento, sua dor e fúria estão expostas para eu ver.

Foi à primeira vez desde que o médico explicou o que aconteceu


com nosso filho e o que tivemos que fazer com nossa filha, que eu me
senti em sintonia com Tucker. A primeira vez que vejo que ele está de luto
também.

Do lado de fora da janela, o sol encontra o horizonte, inundando a


sala em um ouro sonhador e turvo que desfoca as bordas do perfil de
Tucker e encharca meus bebês de luz. Eu pisco uma vez, duas vezes, e a
sala está escura novamente.
Mas sinto uma dor aguda, um afastamento. Como se as almas dos
meus filhos tivessem deixado aquele raio de sol arrebatador.

Muito cedo, a enfermeira volta. Ela tira meu filho e minha filha dos
meus braços.

E então eu grito. Eu grito e eu grito e eu grito. Um lamento torturado


que não parece pertencer a um humano. Estou pegando fogo de dentro
para fora, minhas terminações nervosas abertas e expostas. Lava tóxica
que flui do meu coração partido para incinerar meus órgãos e vasos
sanguíneos, meus ossos e pele.

Mas esse som, esse grito angustiado, pertence a mim. Não consigo
parar de gritar. Talvez eu nunca vá.
CAPÍTULO QUARENTA
E UM
NEW YORK CITY
DOIS MESES DEPOIS

EU NUNCA ESTIVE TÃO VAZIA EM TODA A MINHA VIDA. Meu corpo


é uma cavidade vazia que mal posso suportar habitar. Meu coração é um
vazio dolorido que bate sem motivo, cada baque surdo é uma traição aos
dois corações que não.

Nosso apartamento de cobertura glamorosa não passa de uma casca.


Porque, realmente, o que está segurando? Luto.

Tucker se foi o tempo todo agora. Trabalhando, viajando,


conversando. Talvez ele também esteja fodendo Wren, porque ele com
certeza não está me fodendo. Não suporto ser tocada. Não por ele, por
ninguém.

Eu quero rir, quase tanto quanto eu quero chorar. Agora que estou
vazia por dentro, eu realmente perdi Tucker para Wren? Nos conhecemos
há quase uma década, mas nunca considerei Wren minha amiga. Inimiga,
talvez. Ex-amiga é provavelmente uma descrição mais precisa.

Ela ficaria feliz em confortá-lo de braços abertos. E suas coxas


pálidas e esbeltas com a brecha entre elas quando ela se ergue. Toda
mordida de comida que eu não comi, toda mordida que vomitei ao longo
dos anos foi por causa dessa lacuna.

Foi isso que passei tantos anos perseguindo? O espaço vazio entre as
pernas finas e perfeitamente longas de Wren?

A piada está em mim, eu acho. Não tenho mais interesse em comida.


Nem mesmo para compulsão e purga. Faz muito tempo desde que eu
coloquei um dedo na minha garganta, forçando-me a desistir de todas as
coisas que eu tinha engolido. Desde que comecei a tentar engravidar. Esse
ciclo me seguiu, eu acho. Cheia e vazia. Estou vazia agora. Tão vazia que
não me importo se Tucker está tendo um caso com Wren. Ela pode tê-lo.

Todos os anos que passei, tentando ser a namorada perfeita, a noiva


perfeita, a esposa perfeita. Agora olhe para mim. Meu estômago vazio não
está mais tão plano e firme como antes. Estrias estragam meus quadris.
Meu cabelo está oleoso e minhas raízes estão aparecendo. E minhas
roupas são as mesmas que eu vesti depois de chegar a casa do hospital e
mal saímos nas últimas semanas.
Eu sou uma exilada de Stepford.

Tudo o que eu quero é ser mãe. Mesmo imperfeita.

Sadie parou de procurar um apartamento próprio e está aqui com


mais frequência do que Tucker. Isla também, embora pelo menos ela
saiba me deixar em paz. Sadie, nem tanto. Ela está constantemente me
incomodando para tomar um banho, dar um passeio, tomar um pouco de
ar fresco. Até Wren aproveitou a oportunidade para vir me ver no meu
pior. Ah, ela diz todas as coisas apropriadas, até educa seu rosto em uma
expressão de simpatia. Mas eu sei o que ela está realmente fazendo. Por
dentro, ela está se gabando. Ela está dizendo para si mesma que eu estava
certa o tempo todo. Tucker nunca deveria ter escolhido você sobre mim.

E talvez ela esteja certa.

Fora isso, não me importo quando Sadie e Isla mimam Tucker. Hoje
em dia, certamente não vou. Sadie agora é a pessoa com quem ele
compartilha o Sunday New York Times, entregando-lhe a seção de estilo
enquanto ele estuda todo o resto. E Isla fica por perto sempre que Tucker
faz as refeições que ela prepara para ele, pulando para ralar pimenta
fresca sobre sua comida ou refrescar sua bebida antes que ele possa
perguntar.
Não quero olhar para Tucker, muito menos atendê-lo. Na verdade,
não quero fazer muito. Estou exausta apenas escovando os dentes pela
manhã, e escovar meu cabelo parece inútil. Por quê? Eu não estou indo a
lugar nenhum. O mundo fora desses muros é caótico, perigoso.

Eu nunca poderia ir a lugar algum, nunca mais.

Sento-me principalmente no quarto dos meus bebês, na cadeira de


balanço deles. Os painéis de cortinas opacas foram instalados,
provavelmente no momento em que soube que meu filho estava morto e
que minha filha logo estaria.

A luz do sol ofensiva flui pelas janelas porque tenho medo de puxar
as cortinas Eu tenho medo de tocar em qualquer coisa, na verdade.
Porque se eu fizer, eu posso continuar puxando e puxando. E então eu
poderia derrubar os móveis nunca usados, rasgar os berços, esmagar o
lustre, rasgar o tapete.

Há tanta raiva dentro do meu corpo que eu não sei como ele não
fervia e me consumia. Eu sou uma lagosta em uma panela, cozinhando e
cozinhando e cozinhando. Quando a água finalmente evapora, tudo o que
resta de mim é uma concha.

Eu odeio Tucker. Eu o odeio.


Ele me trouxe aqui, em sua vida perfeita. E eu me apaixonei por sua
armadilha. Ele é Tucker Stockton, como ele pode não ter super esperma?
Casei-me com sua família, sabendo que nossos filhos seriam vencedores
da melhor loteria de DNA.

Mas eu fui enganada, esse sonho era uma farsa. Uma miragem.

Meu corpo está vazio, meu marido se sente como um inimigo e eu


estou sentada em uma sala decorada para dois bebês que não estão vivos
para vê-lo.

Penso em todos os momentos em que eu deveria ter visto Tucker


por quem ele realmente é - um maldito, manipulador e controlador filho
da puta que arruinou minha vida.

Existe o erro dele, é claro. Nosso pecado original.

E então Tucker entrou quando eu perdi minha bolsa de estudos.


Mais tarde, uma vez que eu estava em dívida financeira com ele - ele
agravou o fato colocando minha mãe nas instalações de reabilitação mais
caras da Nova Inglaterra. Eu sei, porque as contas vinham para mim...
Então todos os meses eu tinha que ir a Tucker com a mão estendida.

Tucker me comprou roupas pequenas demais, então tive que


agonizar com cada caloria.
Ele invadiu meu telefone. E até então, eu nem briguei. Acabei de
aceitar, como se não merecesse um pingo de privacidade.

Assim como eu aceitei Wren se juntar a nós em nossa lua de mel e


praticamente ser uma terceira pessoa em nosso casamento.

Tucker me convenceu a deixar um emprego que eu amava.

Por causa dele, desisti de qualquer esperança de me reconectar com


Gavin. E a pior parte disso é que eu não posso nem culpar Tucker
completamente. Eu me permiti acreditar no mundo de fantasia que ele me
convidou. Eu queria tanto. E isso é minha culpa. Eu era tão ingênua. Tão
estúpida.

Mas meus olhos estão bem abertos agora, o véu varrido para o lado.
Eu estive pensando naquela noite novamente. Revendo repetidamente
todos os detalhes na minha cabeça. E todos esses sentimentos, todas as
emoções que empurrei subiram à superfície. Eles estão me sufocando.

Eu não admitiria naquela época, nem mesmo para mim, mas eu sei
agora. É assim que se sente ao ser estuprada.

Deus, eu queria estar morta.

Quase tanto quanto eu gostaria que Tucker estivesse.


A única coisa que me mantém viva é o ódio correndo pelas minhas
veias.

Então me sento na cadeira lindamente estofada dentro do meu


quarto silencioso, com dois berços vazios e paredes da cor do céu de
inverno, iluminadas pela luz do sol e um lustre de cristal deslumbrante.

Eu balanço e eu balanço e eu balanço.

E, um dia, vou me vingar.


PART III
CAPÍTULO QUARENTA
E DOIS
FLORIDA
CINCO MESES DEPOIS, PRESENTE

EU ACORDO COM O SOM DO SILÊNCIO. Bem, quase. Os hospitais


nunca ficam quietos, mas o zumbido baixo da atividade além da minha
porta é infinitamente preferível ao tumulto de bipes e zumbidos de antes.
Cautelosamente, abro os olhos. A sala está menos iluminada do que antes,
apenas um brilho nebuloso da luz do sol da tarde filtrando pela janela.
Sadie está enrolada em uma cadeira dobrada no canto. Por um breve
momento, a visão de minha irmã me alegra. Mas isso também me faz
perceber quem não está aqui. Tucker.

Onde está o meu marido?

Abro a boca para chamar Sadie, mas paro. Eu não quero acordá-la.

Tucker provavelmente está trabalhando. Como sempre.


O sangue nas minhas veias está cheio de irritação. As coisas não têm
sido boas entre nós desde a última vez em que fui internada em um
hospital - o dia em que perdemos a vida que criamos juntos. E cada sopro
de ar com cheiro de amônia, cada página crepitante do interfone, cada
verificação de meus sinais vitais e bipes de um monitor de saúde me faz
sentir dor pelos bebês perfeitamente formados que mantive por meros
momentos. Bebês que não choram ou se preocupam. Bebês que não
respiravam.

Tucker e eu ainda somos casados. Não em nenhum sentido real, mas


legalmente. O mínimo que ele poderia fazer é aparecer ao meu lado.

Soltando um suspiro silencioso, tento me arrastar de volta para um


casulo inconsciente por mais algumas horas. Mas não adianta. Minha
cabeça está latejando, metade da pele do meu corpo parece estar esfolada
e fechar os olhos só piora. E há algo mais me atormentando. Algo que
Sadie disse, pouco antes de os medicamentos injetados no meu IV
entrarem em vigor.

Algo sobre…

O pensamento desaparece antes de se formar completamente, como


a névoa evaporando dentro do meu punho. Engulo um uivo de frustração,
ressentindo-me tanto dos meus ferimentos quanto do tratamento
necessário para curá-los. Se não posso confiar em minha própria mente, o
que mais existe?

Pego o controle remoto da televisão em cima do peito ao lado da


minha cama. Se eu sofri um acidente, talvez haja um relatório sobre isso
no noticiário local.

Prendo a respiração quando a tela ganha vida, silenciando


rapidamente o volume antes de rolar pelos canais. Clima. CNN. Comercial.
Comercial. Desenho animado. Comercial. Tucker. Centro de Esportes.
Comercial.

Espere o que?

Eu aponto a seta para baixo do controle remoto.

De repente, o rosto do meu marido enche a tela. Olhar friamente


avaliando, nariz forte, sorriso perpetuamente infantil. Nem um cabelo
fora do lugar.

Sério? Tucker está prestando atenção na mídia enquanto estou em


uma cama de hospital?

Mas... Isso não faz sentido. Embora tenha dado uma entrevista
ocasional a uma rede de notícias financeiras, Tucker nunca explorou sua
vida pessoal para aparecer na TV. Desde a morte de seus pais,
especialmente, ele prefere manter um perfil discreto e se concentrar
apenas no trabalho.

E então noto a palavra embaixo do rosto, cobrindo o nó da gravata.


Letras vermelhas brilhantes, todas em maiúsculas.

DESAPARECIDO

Meu peito aperta quando eu ligo imediatamente o volume,


precisando saber mais. Despertada do sono, Sadie levanta a cabeça.

—Você está bem? — ela pergunta, segurando o braço da cadeira e


apoiando-se na posição vertical.

Aponto um dedo para a tela, mas estou muito atrasada. O rosto de


Tucker foi substituído por um comercial para laxantes da constipação.
Uma sensação de pressentimento penetra na minha corrente sanguínea
quando me viro para minha irmã. —O que aconteceu com Tucker?

—Aposto que você está com sede— diz ela, saltando para a mesa
segurando copos de plástico empilhados e uma jarra de água. —Deixe-me
servir uma bebida para você primeiro.

Eu o chupo com gratidão antes de envolver meus dedos em torno do


pulso de pássaro de Sadie.
—Pelo amor de Deus, pare de me proteger. Eu preciso saber. O que
está acontecendo?

—Você realmente não se lembra?

Minha cabeça dói demais para tentar. —Não, eu não.

—Realmente? — Os lábios dela se fecham. —Nada?

Apertei o controle remoto de Sadie.

—Desligue, por favor. — O volume está ligado e a tela tremeluzente


sobre o ombro dela está me deixando enjoada.

Ela gosta e eu tomo um momento para apreciar o silêncio repentino


e feliz antes de focar minha atenção em minha irmã.

—Nada que explique por que estou em um hospital ou como me


machuquei. Se eu fizesse, eu diria a você.

Há uma pitada de dúvida em seus olhos familiares, sombras que me


fazem pensar se os segredos que eu mantive dela ao longo dos anos são
realmente tão secretos, afinal.

Eventualmente, ela pisca. —Ele se foi.

—Se foi — repito, engasgando. —Como assim, se foi? Onde ele foi?
Houve um acidente? Ele está...— Engulo a palavra na ponta da minha
língua, exatamente como a que Sadie usou logo depois que acordei,
empurra seu caminho de volta para o primeiro plano da minha mente.
Assassinato.

Meu Deus. Tucker está morto?

Mas, como um balão estourando, lembro-me não apenas da palavra


que ela usou, mas do contexto em que ela a usou. Ninguém vai acusar
minha irmã de assassinato até...

Viro um olhar horrorizado para Sadie. Minha irmã é minha pedra há


meses, raramente sai do meu lado desde a última vez que fui internada
em um hospital. Ela sabe, mais do que ninguém, como as coisas ficaram
ruins entre Tucker e eu. Quão brava eu tenho estado. —Você estava... eu
não podia...

Eu nem me preocupo em terminar minha terceira tentativa de frase,


porque a verdade é que eu poderia.

Desde o dia em que dei à luz - ou à morte, como muitas vezes penso -
fantasiei em matar Tucker um milhão de vezes, de um milhão de
maneiras.

Mas agora, encarando isso como uma possibilidade real, sinto


apenas horror e tristeza. Horror que eu possa ter tirado uma vida quando
sei exatamente como cada respiração é preciosa. E tristeza por Tucker
realmente ter sumido. Por todas as suas falhas, e há muitas, eu o amei
uma vez. Profundamente.

—Não, Poppy. — Sadie está pálida, sua voz estridente de tensão. —O


médico disse que você bateu muito com a cabeça. E que você nunca pode
recuperar sua memória do incidente real. Se você se esforçar, terá outra
dor de cabeça.

Eu agarro a mão apoiada em seu quadril.

—Eu preciso lembrar o que aconteceu. — Ela tenta se afastar, mas


eu seguro firme. —Por favor me ajude.

Minha irmã passa a língua sobre os lábios e eu pego um leve tremor


no queixo. Mesmo depois de todos esses anos, ainda podíamos passar por
gêmeas. Seu cabelo é um pouco mais claro que o meu, e seus olhos são
mais castanhos que verdes. Além de nossa aparência, porém, somos um
estudo de opostos.

E estamos em lados opostos desse argumento agora.

—Poppy, acho que você não deveria tentar se lembrar. Você não
pode simplesmente deixar?

—Deixar isso - você está brincando comigo? Como posso?


Eu afrouxo meu aperto e Sadie tira vantagem, dando um passo para
trás. Ela morde o lábio inferior, decidindo como lidar com as minhas
perguntas.

Eu odeio esperar, odeio ser dependente da minha irmã mais nova


para obter informações, mas eu me mantenho sob controle. Se eu
pressionar, Sadie vai se calar e não vou conseguir nada.

No final, é exatamente o que ela me dá. —Você não vê? Se você não
se lembra de nada, o ônus da prova está na polícia. Quanto menos você se
lembrar, melhor.
CAPÍTULO QUARENTA
E TRÊS
FLÓRIDA

SOU PUXADA DO SONO POR UMA SENSAÇÃO de formigamento na


parte de trás do meu pescoço. Há uma nitidez na sala que me lembra da
queda. Uma percepção estranha e perturbadora das coisas velhas que
terminam e das coisas novas que, por enquanto, se misturam.

Quase... Um senso intuitivo de erro.

Lá fora está escuro, as luzes no teto se apagam. Deve ser o meio da


noite. Minha atenção desliza para a cadeira no canto, esperando ver Sadie
enrolada em uma bola, cochilando, mesmo que eu tenha dito para ela
voltar para o hotel e ter uma boa noite de sono em uma cama de verdade.

Mas não é minha irmã na sala comigo. E o homem de terno escuro


com olhos azuis brilhantes certamente não está dormindo.
—Gavin? — A confusão sacode dentro da minha cabeça como uma
corrente de ferro. Há um agente do FBI esperando do lado de fora. Agente
Especial Gavin Cross. Ele disse que você o conhece. —O que você está
fazendo aqui?

—Ei. — Gavin se levanta rapidamente, sua mão se fechando em


torno da minha, a varredura de seu polegar sobre meu pulso como o
golpe de uma varinha mágica, me levando de volta no tempo. De volta à
nossa floresta encantada, de volta aos braços de um garoto que amei de
todo o coração.

Muita coisa aconteceu desde então. Não estou preparada para o


ataque de lembranças e emoções, todos pisoteando nervos crus e
expostos que se abrem com muita dor, muita dor de cabeça.

—Gavin. — Eu digo seu nome novamente, enquanto as lágrimas


transbordam dos meus cílios, correndo em lençóis pelo meu rosto. Ele
não hesita gentilmente me colocando em seus braços e me segurando em
seu peito. Meus soluços são silenciosos, do tipo que sai do meu corpo em
uma torrente de liberação. Minhas lágrimas encharcam minha pele e sua
camisa e a pele sob sua camisa. E ainda assim eles continuam fluindo,
como uma onda de pesar, medo, vergonha e até amor que continua
batendo na minha cabeça, rasgando meu corpo.
Não sei quanto tempo choro, quanto tempo Gavin me segura,
sussurrando palavras sem sentido no meu cabelo, gentilmente me
balançando em seus braços. Parece que dias se passaram antes que
minhas lágrimas desacelerassem e finalmente cessassem por completo,
antes que eu respirasse que não fosse apenas um soluço de ar.

— Oh Deus, me desculpe— eu finalmente digo minha garganta oca e


crua.

Mas Gavin apenas olha para mim, sua expressão terna. —Isso
significa que eu tenho que deixar você ir?

Balanço minha cabeça.

—Por favor, não.

Ele pressiona um beijo na minha têmpora muito úmida. —Então eu


não vou.

Nós mexemos nos botões da cama do hospital até que quase se


pareça com uma poltrona reclinável de La-Z-Boy e ele pode se espremer
ao meu lado. A atmosfera da sala é opressiva, sobrecarregada por nosso
passado e meu presente, pesada de lembranças ocultas, verdades não
ditas e mentiras negligenciadas.
Eu nem sei por onde começar, então, depois de alguns momentos de
silêncio tenso, pego as frutas mais baixas.

—Então, você é um agente do FBI agora?

—Eu sou— diz ele, mostrando aquele sorriso torto que eu me


lembro de tão bem. Unidade de Crimes Financeiros.

Um pensamento se agacha no fundo da minha mente por uma fração


de segundo antes de pular da minha língua.

—Você está investigando Tucker.

Não é uma pergunta e nem faz sentido. Por que meu marido seria
alvo de uma investigação do FBI? Mas Gavin assente. —Algumas das
práticas de negócios que ele implementou na Stockton Capital levantaram
uma bandeira vermelha. Abrimos um processo e pedi para ser designado
a ele.

A última vez que vi Gavin foi na semana anterior ao meu casamento,


cinco anos atrás. Ele está aqui por minha causa, ou Tucker? Por causa dos
crimes de Tucker ou seu desaparecimento? —E é por isso que você está
aqui agora?

Ele solta um suspiro profundo. —É como eu sabia estar aqui, mas


não é porque estou aqui.
Concordo, embora não tenha muita certeza do que ele quer dizer.

—Estou em apuros? — Eu sussurro, mantendo minha pergunta


deliberadamente vaga.

—A menos que você esteja envolvida na operação de lavagem de


dinheiro de seu marido.

Serve-me bem por não chegar ao ponto.

O que realmente quero saber, e tenho medo de perguntar, é se Gavin


suspeita ou tem alguma prova de que fiz algo muito pior do que conspirar
com meu marido para cometer crimes de colarinho branco. Eu aperto a
fita que prende meu IV na parte de trás do meu pulso, decidindo que não
tenho pressa de confirmar minhas piores suspeitas. Talvez, se eu andar
por aí o tempo todo, eu tenho uma resposta. Ou talvez, como Sadie disse,
seja melhor não saber.

—Tucker estava realmente lavando dinheiro?

—Sim.

—Eu tenho assistido as reportagens. Não houve menção a isso.

—Ainda não divulgamos nada publicamente.

—Então, você sabe mais do que o que eles estão dizendo na TV.
—Sobre seu marido e os negócios dele, sim. O incidente que a
colocou aqui ainda está sob investigação.

O medo cava juntas afiadas nas minhas costelas.

—Que incidente? Não me lembro de nada. Tentei convencer Sadie a


me ajudar, mas ela disse que é melhor não me lembrar.

O tom de Gavin é gentil, seu olhar compassivo.

—Primeiro, me responda isso. Se eu estou aqui em uma capacidade


oficial como agente do FBI, há algo que você não poderia ou não poderia
me dizer?

—O que você quer dizer?

—As acusações contra seu marido são graves. E agora, com as


suspeitas em torno de seu desaparecimento...

—Que suspeitas?

—Isso foi encenado. Que ele não está morto, mas escondido, em
algum lugar sem um tratado de extradição, vivendo com milhões
roubados.

Eu trago no ar. Gavin não está aqui porque acredita que eu matei
Tucker. Ele está aqui porque acha que eu sei onde está Tucker.
Se ele estiver certo... Tucker está vivo.

Eu não o matei.

Minha cabeça está batendo com esta nova informação. Esses


fragmentos de conhecimento que tenho que reunir em um todo coerente.

Tucker está vivo... Eu não o matei... Ele de alguma forma encenou seu
desaparecimento para evitar acusações criminais... E me deixou para trás,
segurando a sacola.

Que porra é essa.

Parece loucura. E ridículo. Como a trama de um filme ruim. E, no


entanto... não parece errado.

—Então, eu estou aqui — gesticulo violentamente para o meu IV,


ataduras e máquinas, — amarrada como uma múmia, enquanto Tucker a
vive nos trópicos, bebendo mais tais? É isso que você está dizendo?

—Acalme-se— ele pede, o que apenas inflama mais meu


temperamento.

—Realmente? Esse é o melhor conselho que você recebeu? Que tal


trocar de lugar, e toda vez que você faz uma pergunta, alguém pede para
você parar de perguntar ou a droga para que você não possa... Por que
você está me olhando assim?
—Porque você vai ficar bem. — O sorriso de Gavin se ilumina
quando ele pega meu rosto, segurando-o com reverência entre as palmas
das mãos. —Eu estava tão assustado, Poppy. Mas agora... Agora eu sei que
você vai ficar bem. Tudo o resto, tudo o mais, nós podemos lidar, ok? Mas
eu realmente precisava ver essa faísca para ter certeza.

Minha pequena explosão de energia e irritação se esvai rapidamente


e eu desmorono contra seu peito, a exaustão tomando conta de mim
quando o ritmo constante do coração de Gavin bate sob minha bochecha.

—Senti sua falta— murmuro, as palavras tão suaves que mal são
mais do que uma expiração trêmula.

Ele pressiona um beijo no topo da minha cabeça. —Sim. Eu também.

Ficamos em silêncio por um tempo, cada um de nós perdido em


nossas próprias cabeças. Estou quase dormindo quando ele pergunta:

—Ele te faz feliz? — Há uma nota subjacente de relutância na voz de


Gavin, como toda sílaba foi um esforço doloroso.

Eu respondo honestamente.

—Ele fez. Eu pensei que ele fez, de qualquer maneira. Mas não...— A
dor aperta meu coração quando penso em meus bebês. —Não por um
tempo.
—Mas nesta viagem, foi para comemorar seu aniversário?

—Comemorar... não. — Não há razão para esconder a verdade de


Gavin. —As coisas acabaram entre nós. Era realmente apenas uma
questão de pedir o divórcio para oficializá-lo.

—A decisão foi mútua?

—Eu não...— Eu esfrego minhas têmporas latejantes. Eu poderia


querer matar Tucker, mas eventualmente eu teria recuperado o juízo e
feito o que os adultos racionais fazem - contratar um advogado e seguir
em frente com minha vida. Direita? —Eu não sei.

—OK. — Gavin parece sentir meu tumulto interno, mudando de


posição para nos encararmos. —Vamos voltar. Você se lembra de voar
para Miami?

—Sim.

—Você se lembra onde ficou?

—O Delano. — Havia repórteres transmitindo em frente ao icônico


hotel à beira-mar.

—Mas você lembra disso.


Fecho os olhos e me concentro. Depois de um momento, sinto uma
explosão de calor no rosto, o gosto de rum de coco espesso na minha
língua.

—Sim. Lembro-me de tomar bebidas lá, na piscina.

—Com Tucker?

—Sim.

—O quê mais?

—Ficamos apenas uma noite. E então nós dirigimos... — Minhas


palavras desaparecem quando me lembro de entrar em um carro ao lado
de Tucker, um Mercedes conversível branco, me sentindo como Grace
Kelly com um lenço na cabeça e óculos de sol grandes cobrindo metade
do meu rosto.

As imagens correm para mim, tantas delas parecem que minha


cabeça vai explodir. Aviadores espelhados obscurecendo os olhos de
Tucker. Um céu azul sem nuvens acima de um mar azul. Barcos, centenas
deles. Depois, um em particular - um iate enorme e reluzente, com a
bandeira em silhueta contra o céu brilhante, o casco cavalgando alto na
água. Uma equipe de oito pessoas imaculadamente vestida fez fila para
nos receber.
Sinto o balanço suave do mar, relaxando e emocionando ao mesmo
tempo. A superfície cerosa do reluzente convés de teca sob meus pés
descalços.

—Eu lembro da marina. Lembro-me de embarcar no iate e partir.


Navegamos em direção às ilhas.

—Ele era um marinheiro experiente?

Eu abro meus olhos.

—Tucker aprendeu a velejar quando criança, eu acredito. Seus pais


mantinham um barco no Greenwich Yacht Club, em Connecticut. Mas o
iate veio com uma tripulação. Tucker não era o capitão.

—Você consegue se lembrar se Tucker deixou o iate? Vocês fizeram


mergulho juntos? Ou explorar as ilhas por conta própria, longe da
tripulação?

Respiro fundo e olho para Gavin, escavando dentro de minha


confusão de lembranças para recuperar uma memória distinta de Tucker
e eu juntos.

Mas é como tentar perfurar um véu enquanto dança ao vento. Eu só


estou me enredando em minha própria mente. Tudo está embaçado e
confuso.
Não é exatamente tudo. A emoção que passa pela vida dentro de
mim é a mesma que caracterizou grande parte dos últimos nove meses.
Traição.

O problema da traição é que ela tem a força de perverter a lógica,


transformar pessoas racionais em fanáticos. Foi isso que aconteceu entre
Tucker e eu, nas águas quentes perto de Florida Keys? Eu agi para
terminar nosso casamento, não pelo divórcio, mas pela morte?

—Estou realmente cansada — digo, levantando a cabeça e me


afastando alguns centímetros, precisando de algum tempo para processar
meus pensamentos. E Sadie poderia voltar a qualquer momento - como
eu poderia explicar estar abraçada ao lado do agente do FBI que investiga
as atividades criminosas de Tucker? Não é como eu já contei a ela sobre
Gavin... Isso seria interessante para explicar todos esses anos depois.

Gavin desliza debaixo de mim e fica ao meu lado da cama.

—OK. Descanse um pouco. Mas você provavelmente deve saber que


a polícia do estado deve aparecer em breve. Você não precisa falar com
eles. Você pode empurrá-los até contratar um advogado.

—Um advogado? Isso não me faz parecer que tenho algo a


esconder?
—É o que eles dirão a você, mas eles vão investigar de qualquer
maneira.

—É errado se eu falar com eles, tentar descobrir o que eles sabem?

—Não, não está errado, mas...

—Eu preciso saber a verdade, seja ela qual for. — Eu não tinha
certeza há um tempo, mas estou agora.

Gavin passa os nós dos dedos pela minha bochecha.

—Cuidado com o que você deseja.

Eu saboreio a alegria simples que corre através de mim com seu


toque, mas apenas brevemente. Não há como escapar da realidade da
minha vida.

—Não acredito mais em desejos.

Gavin desvia o olhar, apertando a mandíbula. Quando ele olha para


mim novamente, suas córneas são pedregulhos de vidro de obsidiana,
ardendo com uma fúria sombria.

—Você se casou com um ladrão, Poppy. Mas o que ele roubou de


você...— Ele balança a cabeça. —Você é uma vítima tanto quanto.

—Não me chame assim — eu digo. —Eu não sou uma vítima.


Minha resposta brusca o faz franzir a testa, uma expressão teimosa
puxando suas feições como se ele estivesse prestes a discutir. Mas então
ele decide melhor.

—Volto de manhã.

Eu brinco com um fio solto no meu lençol. —Seus chefes sabem


sobre nós?

—Somente o que eu disse a eles, que crescemos na mesma cidade.


Eu disse que éramos conhecidos, mas nada mais. É difícil encontrar
alguém que possa provar o contrário.

Concordo, lembrando que nem queria compartilhar Gavin com


minha irmã. Em uma de suas mensagens de alguns anos atrás, Gavin me
disse que seus pais adotivos haviam passado. E se Doug ainda estiver por
perto, e qualquer coisa como ele costumava ser, dificilmente se esforçaria
para se colocar no radar do FBI.

—Eu empurrei duro para descer aqui. Eu disse à minha equipe que
poderia fazer você falar comigo.

—É isso que você está fazendo agora? — Uma nova onda de medo
reveste minha boca com um toque metálico.

Gavin recua, seu rosto é um mapa de toda mágoa que eu causei.


—Não, Poppy. Volto mais tarde, oficialmente. Você pode responder
minhas perguntas ou não. Mas agora, isso é para mim. Quando soube que
você foi levada para o hospital, eu... — Ele desvia o olhar, engolindo em
seco. —Eu tive que vir aqui. Eu tinha que te ver por mim mesmo. Ajudar,
se eu pudesse.

Não acreditava que fosse possível meu coração partir mais do que já
foi, mas Gavin prova que estou errada.

—Você sempre quis ser um herói.

Seus lábios se torcem para baixo em um sorriso triste,


possivelmente o mais triste que eu já vi.

—Eu tentei resgatar você uma vez antes. Desta vez, espero que você
me deixe. — Ele me envolve em seus braços e pressiona um beijo na
minha testa, acrescentando —Eu nunca parei de te amar, Poppy. Nunca.

Quando ele se afasta, a risada oca que escorre de mim é tão triste
quanto o sorriso de Gavin, deixando palavras que não posso dizer
alojadas na minha garganta.

Quero implorar o perdão de Gavin por afastá-lo em Nova York


quando ele veio a mim na semana anterior ao meu casamento, atirando
mentiras para ele como pedras. Por evitá-lo depois que ele apareceu em
Worthington, explicando por que ele deixou Sackett e o que o afastou por
tanto tempo. Por nunca responder suas mensagens ou mostrar a ele o
quanto eu ainda me importava.

Mas não posso.

Porque eu me apaixonei pelas promessas de Tucker. Eu acreditei


nas mentiras dele. Estou usando o anel dele. Para o bem ou para o mal,
construímos uma vida juntos.

A vida que está destruída agora.

Há uma hora, eu tinha certeza de que era uma assassina. Uma viúva
negra.

Mas se Gavin estiver certo, sou a esposa abandonada de um


criminoso.

De qualquer forma, estou uma bagunça.


CAPÍTULO QUARENTA
E QUATRO
FLÓRIDA

—BOM DIA, SENHORA STOCKTON. Obrigado por nos ver. Eu sou o


detetive Reardon e... — ele indica a mulher ao seu lado —...esta é a
detetive Diaz.

Gavin estava certo, a polícia do estado chegou logo de manhã. Eu os


estudos agora, debatendo se devo invocar meu direito a um advogado
antes de responder suas perguntas. Reardon é curto e largo, com uma
protuberância no nariz e a ponta inclinada levemente para a esquerda.
Quando ele fala, apenas o lado direito da boca se move, e o efeito é quase
caricatural.

Sua parceira tem a mesma altura, mas apenas metade da largura.


Segurando um pequeno caderno e uma caneta, ela usa uma expressão
cuidadosamente imparcial no rosto, os olhos arregalados e inteligentes. O
cérebro do corpo de Reardon.
—Temos algumas perguntas sobre o desaparecimento do seu
marido — continua ele.

Pego o lençol fino e amassado dobrado abaixo da minha cintura,


decidindo não chamar o advogado ainda. —Eu também, detetives.

Reardon franze a testa com a minha resposta.

—Como eu estava dizendo, conte-nos sobre sua viagem à Flórida.

Repito os detalhes que compartilhei com Gavin apenas algumas


horas atrás, terminando com o embarque no iate em Miami e partindo
para o Keys.

—Mas você não estava no iate quando foi encontrada — protesta


Diaz, com a mão sobre o bloco de notas.

Outro pedaço de memória desliza no lugar. —Havia um barco menor


a bordo. Pode ir a lugares onde a água é muito rasa para um iate.

Reardon assobia baixinho. —Se você diz.

—Eu faço — acrescento rigidamente. —Tucker e eu usamos o barco


menor para explorar as ilhas por conta própria, apenas nós dois. —
Parece romântico, e embora seja aqui que minha memória esteja mais
embaçada, eu sei que era tudo menos isso.
—Como você descreveria o estado de espírito do seu marido
durante a sua viagem?

Volto meu foco para os detetives. —O estado de espírito dele?

—Sim. Ele se comportou de maneira diferente do habitual?

Penso de volta à tarde no Hotel Delano.

—Ele estava distraído, muito no telefone. Mas isso não é incomum


para ele.

Há um conjunto rígido na mandíbula de Reardon.

—Conte-nos tudo o que você se lembra sobre sua última excursão.

—Eu posso tentar, apesar de não me lembrar muito disso.

—Até os menores detalhes são úteis — Diaz me tranquiliza.

Eu avanço. —O capitão ancorou no lado do Golfo de Key West, perto


das Marquesas Keys, e a tripulação empacotou champanhe e um jantar
leve para nós.

—Dry Tortugas era o seu destino?


Eu concordo. Setenta milhas a oeste de Key West, os Dry Tortugas
são na verdade um grupo de várias ilhas, a maior das quais, Garden Key,
abriga Fort Jefferson, um posto militar abandonado e antiga prisão.

—Há mais alguma coisa que você possa se lembrar sobre a viagem
ou seus últimos momentos com seu marido? — Diaz interpõe. —Até os
mínimos detalhes.

Lembro-me de que não estava querendo ir para a Flórida, mas Sadie


me convencera de que fugir do meu quarto vazio e dos dias frios e tristes
de inverno em Nova York seria bom para mim. Que não precisava ser uma
viagem para comemorar nosso aniversário, mas um breve alívio da
tristeza do luto, uma oportunidade de começar a avançar com minha vida
para homenagear meus bebês que não tiveram essa chance. Claro, não
digo nada disso.

Eu penso, tentando lembrar de algo, qualquer coisa sobre o tempo


que passamos no iate ou sobre o barco menor que pegamos sozinhos.
Meu paladar reage mais rápido que o meu cérebro. A mordida salgada e
enrugada de uma azeitona. Queijo Camembert cremoso e geleia de figo
salgada, espalhada em bolachas semeadas e cortadas à mão.

—Acho que abrimos uma garrafa de champanhe, comemos da


charcutaria pla.....
—O quê? — As sobrancelhas do detetive Reardon se ergueram
quando ele se inclinou em minha direção.

—O prato de charcutaria. É um prato de aperitivos. Queijo, carne


curada, azeitonas, bolachas salgadas.

Satisfeito com a minha explicação, ele balança nos calcanhares.

—Ok, continue.

—Não há muito o que contar. Eu posso provar a comida, posso


imaginar como ela foi arrumada no prato. Mas isso é tudo. A próxima
coisa que lembro é de acordar no hospital. — Faço um gesto para o IV e
minha pele coberta de bandagem. —Com uma cabeça rachada e uma
dúzia de lacerações nas minhas costas e pernas.

—Alguma droga?

—Claro sim. Mas você precisará pedir informações específicas ao


médico. Eu não sei

—Aqui não. No barco com seu marido. — Ele levanta as mãos. —


Sem julgamento, e não estamos com narcóticos, então você pode ser
honesta.

Eu empalideci. —Eu não uso drogas, nunca usei.


—Talvez você tenha bebido demais e desmaiado. Tem certeza de
que não abriu outra garrafa? Noite legal. Viagem de aniversário com seu
marido. Prato de tubarão-em-árvore. Faria sentido se você não
percebesse, bebesse um par extra de copos.

—Não — eu digo, empurrando a palavra entre os dentes.

—Por que não? Não seria a primeira vez que uma garota teve uma
noite romântica com seu namorado, bebeu demais e não conseguia se
lembrar do que aconteceu. — Ele levanta um ombro e deixa cair. —Ou
talvez você se lembre, mas está fingindo um apagão em vez de admitir
uma verdade inconveniente.

Bile sobe pela minha garganta, quente e dura. —Absolutamente não.


Eu nunca iria beber em excesso. Não depois...— Fecho minha boca,
pressionando meus lábios. Lembrando-me de um quarto de hospital
diferente, quase dez anos atrás.

—Não depois... o quê?

Eu balanço minha cabeça, reunindo meu juízo sobre mim e


educando minha expressão em uma máscara distante.

—Nada, só que eu não bebo muito. Essa não sou eu.

Seus olhos permanecem no meu rosto, afiados e acusadores.


—Rebocamos o barco para o nosso laboratório forense. Tem certeza
de que não se lembra de mais nada? Como talvez uma discussão, ou
alguma razão para haver sangue por todo o barco?

—Há sangue no barco? — Eu me pergunto se Gavin sabia disso.

—Sim, um pouco disso.

O pânico corre pelas minhas veias e levanto minha mão à minha


cabeça, as pontas dos dedos roçando na gaze em vez de nos cabelos.
Claro, há sangue no barco, eu percebo. Meu.

—Há um corte de dez centímetros na minha cabeça, cortes na minha


pele. O médico disse que eu devo ter sangrado muito.

—O sangue do seu marido também estava no barco. Bastante parte


também.

A expressão de Reardon se torna maliciosa, quase vitoriosa, como se


ele tivesse me pego em uma mentira. Meu estômago fica enjoado e eu me
preparo para o que está por vir.

—Sra. Stockton, você pode nos dizer por que havia uma faca no
barco com suas impressões digitais na maçaneta e o sangue do seu
marido na lâmina?
CAPÍTULO QUARENTA
E CINCO
FLÓRIDA

CALAFRIOS CORREM NA PARTE DE TRÁS DO MEU PESCOÇO, meu


coração batendo dentro da caixa torácica como um pássaro preso. Minha
mão direita se contrai e, por um breve segundo, imagino o respingo de
sangue carmesim, sinto o peso suave e quente do cabo da faca na palma
da minha mão.

Gavin poderia estar errado? Sua opinião veio da investigação de


Tucker, não do barco onde eu fui encontrada.

Merda. Talvez eu realmente tenha mergulhado uma faca na dele.

Alguém bate na porta aberta e eu olho para cima, piscando minha


visão de volta ao foco. Gavin entra na sala vestindo um terno escuro e
carregando um distintivo dourado.
—Olá, Sra. Stockton, meu nome é Gavin Cross, sou agente especial
do FBI. — Seus olhos perfuram em mim. Colabore.

Claro, isso não é um jogo. E guardar segredos não é tão divertido


quanto costumava ser.

Reardon não tem escrúpulos em falar.

—Eu não me importo com quem você é, esta é a nossa testemunha.

Gavin puxa seu olhar do meu, e a perda repentina arde.

—Você gostaria de discutir isso no corredor?

O policial adota uma postura agressiva. —Não. Você precisa sair.

Gavin não recua. —Olha, você é um policial local, procurando um


turista desaparecido. Você não tem ideia de quem é Tucker Stockton.
Estou disposto a cooperar se...

—Você está disposto a cooperar? Quem você...

A detetive Diaz coloca uma mão firme no ombro de seu parceiro.

—Sean, por que não o ouvimos?


Gavin ignora os dois. —Sra. Stockton, seu marido estava a dias de
ser indiciado em um dos maiores esquemas de lavagem de dinheiro da
história dos EUA.

Embora ele tenha me falado sobre a atividade criminosa de Tucker,


sua enorme escala é uma surpresa indesejável e eu sei que isso aparece
no meu rosto.

Reardon cruza os braços sobre o peito. —Você pode provar que as


atividades ilegais de Stockton levaram ao seu desaparecimento?

Condescendência é tecida nas palavras de Gavin. —Nossa


investigação está em andamento.

Reardon incha em resposta. —Bem, até você...

—Pare— eu digo o mais alto que consigo. —Detetives, eu gostaria


de falar com o agente Cross sozinha, por favor.

—Não terminamos nossas perguntas.

—Por enquanto, não responderei mais.

O rosto do detetive Reardon é como uma nuvem inchada quando ele


sai do meu quarto, seguindo seu parceiro.

—G...
Gavin sacode rapidamente a cabeça e fecha a porta. Ele não diz nada
até voltar ao meu lado.

—Você está bem? Fiquei preso em uma ligação com a sede, caso
contrário, eu estaria aqui antes. Me desculpe, você teve que enfrentá-los
sozinha.

Estendo a mão e ele a pega, nossos dedos entrelaçados sem esforço.

—Eu estou bem, sério. — Eu o conto a minha conversa com os dois


detetives e pergunto: —Ontem à noite, você sabia que o sangue de Tucker
estava na faca? Dele e meu?

—Não. Por isso me atrasei. O relatório chegou esta manhã.

—Você ainda acha que isso tudo é apenas um ardil para encobrir sua
fuga? Ou... —Desvio o olhar, sentindo como se o ar tivesse sido arrancado
dos meus pulmões.

Gavin agarra meu queixo e força meu olhar de volta para ele.

—Eu acho. E até que tenhamos certeza do contrário, você deveria.

Consigo acenar com a cabeça trêmula, embora a tensão que prende


minhas omoplatas não se dissipe. —Os detetives da Flórida voltarão?
—Provavelmente. Mas o caso será transferido para a jurisdição do
FBI.

—E você vai continuar?

—Por enquanto. Provavelmente terei que me recusar em breve.

—Mas ainda não? — Me sinto melhor sabendo que Gavin está


cuidando de mim. Embora, se eu for culpada, nem mesmo ele possa me
salvar.

—Ainda não. — Ele tira uma mecha de cabelo do meu rosto,


colocando-a delicadamente atrás da orelha. —Aquelas ligações que eles
perguntaram... Você se lembra com quem Tucker estava conversando
durante a sua viagem?

Minhas sobrancelhas se apertam sobre a ponte do meu nariz, e eu


esfrego a linha recuando minha testa. —Não prestei muita atenção e
Tucker sempre se afastava de mim quando falava ao telefone.

—Poderia ter sido Wren Knowles?

Claramente, Gavin fez sua lição de casa em Tucker, então não estou
surpresa que ele saiba sobre Wren. —Não. Definitivamente, não estava no
telefone.

—Como você pode ter tanta certeza?


—Tucker e Wren têm sua própria taquigrafia, eu sempre soube
quando ele estava conversando com ela. — Puxo a manga da minha
camisola do hospital, me sentindo envergonhada em admitir o
relacionamento próximo do meu marido com outra mulher. —Ela está
envolvida? — Embora pareça improvável, Wren levaria uma bala por
Tucker.

—O nome dela surgiu, mas não posso dizer nada com certeza.

—Não pode ou não?

—Não posso. — Ele inclina a cabeça para o lado, os lábios


tremendos. —Eu sei que Knowles era sua dama de honra. Vocês duas são
próximas?

—Não. E, francamente, isso foi por insistência de Tucker. Wren não


escondeu o fato de que ela achava que deveria ser ela quem usava um
vestido branco, não eu. — Afundei minhas mãos no lençol, percebendo
minhas unhas irregulares pela primeira vez. Tucker odiaria isso. —Wren
passou a maior parte da década passada esperando Tucker acordar e
perceber que ele escolheu a mulher errada.

Ele arqueia uma sobrancelha. —Eu posso simpatizar.

Ficamos em silêncio por um minuto. —Sinto muito, Gavin. Eu...


Ele me acena e se levanta, atravessando a sala e encostando as
costas na parede. Ontem à noite, você disse que estava planeando se
divorciar dele.

—Sim.

—Por quê?

Sinto meus olhos se encherem de lágrimas e sei o que tenho que


fazer. Eu tenho que dizer a verdade a Gavin. Toda a verdade. Não são
apenas os restos de memória que tenho do nosso tempo na Flórida.

Tudo.

Eu dou um tapinha na cama ao meu lado.

—Por favor venha aqui. É uma longa história. — O medo aperta


minha garganta como um selvagem, substituindo o oxigênio no meu peito
por gotas geladas de terror. Quando Gavin souber daquela noite, sobre
meus anjos gêmeos, sobre o ódio que eu carregava pelo meu marido... ele
ainda pensará que sou tão inocente?

O mundo diminui quando Gavin dá um passo em minha direção,


depois dois. Enquanto isso, meu coração bate duas vezes, lançando-se
erraticamente contra minhas costelas. Gavin é um agente do FBI. Ele sabe
o que é preciso para construir um caso.
Meios: a faca ensanguentada.

Oportunidade: eu estava com Tucker no barco.

Agora, estou prestes a provar que também tenho motivação.

Uma vez eu digo tudo a ele...

Tudo irá mudar.

Mas nunca tive a chance. Gavin não está do outro lado da sala
quando Sadie entra pela porta.

—Você não pode estar aqui. — O olhar de Sadie dispara faíscas em


Gavin, atrelando-o instantaneamente à polícia. —O médico da minha irmã
autorizou você a falar com ela? — Ela sofreu um grande ferimento na
cabeça, pelo amor de Deus. —

—Sadie, ele é...

—Gavin Cross. — Ele estende a mão, embora Sadie não faça nenhum
movimento para pegá-la.

—Você é o agente do FBI. — Ela se vira para mim. —Você não


deveria estar falando com ele sem um advogado.

Eu poderia contar à minha irmã sobre Gavin agora. E eu deveria. Se


já houve um tempo para ficar completamente limpa, é isso.
Mas eu não. Como um covarde, aceito o adiamento.

Não estou pronta para as duas pessoas que mais amo no mundo me
odiarem.
CAPÍTULO QUARENTA
E SEIS
FLÓRIDA
O RICO FINANCIADOR DE NOVA YORK E O FILANTROPO TUCKER
STOCKTON ESTA DESAPARECIDO NO INÍCIO DESTA SEMANA. ELE E SUA
ESPOSA, POPPY STOCKTON, ESTAVAM EXPLORANDO A FLORIDA KEYS
EM UM IATE ALUGADO. O CAPITÃO FICOU PREOCUPADO QUANDO O
CASAL, QUE ESTAVA COMEMORANDO SEU QUINTO ANIVERSÁRIO DE
CASAMENTO, NÃO VOLTOU DE UMA EXCURSÃO ÍNTIMA USANDO UM
NAVIO MENOR.

A Sra. Stockton foi encontrada inconsciente, com um ferimento na


cabeça e outros ferimentos não especificados, e foi imediatamente
transportada para o Centro Médico Lower Keys. Stockton, de 29 anos, não
foi encontrado.

O casal se conheceu na Universidade de Worthington como calouros,


casando-se menos de dois anos após a formatura. Segundo todos os relatos,
o casamento deles é feliz e Stockton é extremamente bem-sucedido e bem
respeitado entre os colegas de Wall Street.

A Guarda Costeira dos EUA, o Gabinete do Xerife do Condado de


Monroe e a Unidade de Repressão Marinha estão à procura de Stockton, e
uma equipe forense está vasculhando os dois navios por qualquer evidência
de jogo sujo. A polícia classificou seu desaparecimento como-suspeito—,
mas não descarta nada nesta fase inicial de sua investigação.

A polícia apreendeu meu telefone como parte de seu exame forense.


Dei minha senha ao detetive Diaz sem hesitar, embora se eles esperam
descobrir muito, ficarão decepcionados. Algumas fotos. Para fazer listas.
E-mails, a maioria deles mala direta em lojas de varejo ou sites de
compras online. Informações de contato para Tucker, Wren, minha mãe e
irmã. Médicos. Meu dentista. Minha terapeuta. Algumas pessoas com
quem não encontro há meses, se não mais.

Eles não encontrarão nenhuma mensagem de Gavin. Ele parou de


enviar depois daquela tarde no meu apartamento, uma semana antes do
meu casamento. E por insistência de Tucker, porque me recusei a arrastar
meu iPad comigo para onde quer que fosse, mudei para um iPhone
quando engravidei para que pudéssemos enfrentar o Face Time enquanto
ele estava viajando. Perdi tudo de Gavin no processo.
Desde que Sadie apareceu comigo conversando com Gavin, ela
estava ao meu lado praticamente o tempo todo, o que infelizmente
significa que ele não está. Usei o telefone de Sadie para falar brevemente
com nossa mãe, que agora mora no norte do Maine, cortesia de Tucker.
Ela recaíra, novamente, alguns anos atrás e após outro longo período na
reabilitação, Tucker descobriu um lugar, uma comuna realmente, que
acreditava em viver fora da terra e evitar todos os produtos químicos e
aditivos, incluindo cafeína, álcool e drogas. Funciona para ela e permitiu
que Sadie deixasse Sackett e se mudasse para Manhattan comigo. A
comunidade também se orgulha de permanecer desconectada. No caso de
minha mãe, ignorância é felicidade.

Segundo Sadie, as notícias do desaparecimento de Tucker


aumentaram muito. Alguns repórteres chegaram a ir até a Universidade
de Worthington para se reportar no campus, do lado de fora do
dormitório que compartilhamos durante nosso primeiro ano. Meu
polegar pairava sobre o controle remoto, incapaz de mudar o canal
enquanto os cabelos na parte de trás do meu pescoço se arrepiavam,
arrepios varrendo meus braços e formigando minha pele.

Meus anos na WU pertencem firmemente ao passado. Não é bom


desenterrar esse esqueleto em particular.
E pelo que Gavin me disse, há muitos outros esqueletos em nosso
armário, dos quais eu não tinha ideia. Os palestrantes dos noticiários de
24 horas estão tendo um dia de campo, e eles nem sabem das acusações
criminais de Tucker. Ainda.

Na tela, nosso casamento parece tão glamoroso, cheio de férias


luxuosas e galas de gravata preta. Na realidade, essas férias eram
geralmente viagens de negócios, com Wren se juntando a nós sempre que
não. E na maioria dos eventos sociais, eu me senti como um manequim
em um vestido de grife, com tanto medo de dizer a coisa errada que quase
não disse nada.

Tucker esperava que eu fosse perfeita, ou pelo menos um reflexo


perfeito dele. Qualquer coisa menos era inaceitável. Não apenas para ele,
mas para mim também. Era quase como se, ao me casar com ele, eu
recebesse uma capa de invencibilidade. Desde que eu parecesse um
Stockton e agisse como um Stockton, eu poderia pensar como um
Stockton, me sentir como um Stockton. As coisas ruins que aconteceram
com Poppy Whitman - elas nunca aconteceram.

Andando pelo corredor, eu acreditava que cada passo em direção a


Tucker me aproximava de uma vida de conto de fadas. Quando eu me
senti como se Cinderela estivesse prestes a se casar com seu príncipe
encantado e viver feliz para sempre.
Quão errado eu estive.

Jurei amar, honrar e valorizar Tucker Stockton. Eu casei com ele


com a melhor das intenções, planeando ser uma boa esposa. Uma esposa
perfeita. O tipo de esposa que Tucker merecia. Por causa dele, eu podia
trabalhar na TeenCharter. Por causa dele, eu não precisava me preocupar
com minha mãe. Por causa dele, nossos filhos teriam oportunidades que
eu nunca sonhei. Eles nunca iriam para a cama com fome, ou se tornariam
alas do estado, ou confiariam na caridade de outros.

A vida que vejo na tela não é a que vivemos. Não há fotos minhas
sentadas sozinhas em nosso apartamento, esperando cascas de ovo para
Tucker chegar em casa do escritório, esperando que ele esteja de bom
humor. Nada de uma poça de cor rosa em um tapete branco de pele de
carneiro ou de nosso quarto de bebê vazio. Nenhum repórter cortando
um vídeo de Tucker e eu no hospital, dizendo um adeus final aos nossos
bebês.

Há um ano, eu pensava que Tucker e eu tínhamos tudo. Ele acabou


de assumir o negócio de sua família e eu estava grávida não apenas de
um, mas de dois herdeiros de Stockton.

Até que eu não estava mais.


A estabilidade que eu estava sedenta por toda a minha vida foi
arrancada de mim, arrancada de mim. Aprendi que ser um Stockton não
garantia felicidade, segurança ou qualquer coisa.

Nenhuma certidão de casamento poderia consertar as fraturas e


manchas que marcavam nosso relacionamento, envidraçando-o com um
brilho brilhante. Depois que perdemos nossos bebês, nossa elegante
cobertura em Manhattan se tornou o lugar mais solitário do mundo.

Pela milésima vez, tento imaginar meus últimos momentos com


Tucker. Sozinha, em águas abertas, finalmente tínhamos desistido de
pouco pretexto de nosso casamento? Eu criei o divórcio, como planeado?
Nós havíamos lançado insultos e acusações um para o outro?

E se Tucker se recusasse a me deixar ir? O homem com quem casei


não pode tolerar a derrota em nenhuma arena - talvez nosso casamento
não tenha sido diferente.

Em que ponto isso se tornou violento?

Se acredito em Gavin, Tucker encenou a cena para escapar de


acusações criminais. Mas Gavin não tem todos os fatos. Ele não sabe que
passei a maior parte dos últimos nove meses desejando a morte de
Tucker, fantasiando sobre uma vida sem ele.
Mas os detetives também não têm todos os fatos. Eles apenas
descobriram os crimes de Tucker. E eles não podem entender sua
estranha capacidade de dobrar qualquer situação em seu benefício.

Se Tucker soubesse que estava prestes a ir para a cadeia,


enfrentando anos atrás das grades... Não tenho dúvida de que ele faria
qualquer coisa para evitar a lei. Incluindo fingir sua própria morte.

Algum de nós saberá a verdade?


CAPÍTULO QUARENTA
E SETE
FLÓRIDA
—SRA. STOCKTON, É SEMPRE UM PRAZER VÊ-LA, APESAR DE ME
ARREPENDER DAS CIRCUNSTÂNCIAS. — HÁ ALGO SOBRE DOUGLAS
KEENE, ADVOGADO INTERNO DA STOCKTON CAPITAL, QUE É QUASE
MUITO ESPERTO, MUITO ASTUTO. MAS, POR ENQUANTO, O ADVOGADO
ALTO, COM SEUS CABELOS GRISALHOS CUIDADOSAMENTE VARRENDO
SEUS TRAÇOS ARISTOCRÁTICOS, É MINHA MELHOR CHANCE DE
ENTENDER O QUE ESTAVA PASSANDO PELA MENTE DE TUCKER EM
NOSSA ÚLTIMA NOITE JUNTOS.

—Por favor, me chame de Poppy. — Estendo a mão e indico a


cadeira que Sadie empurrou perto da minha cama. —E obrigado por vir.
Você realmente não precisava. Poderíamos ter voltado para Nova York.

—Absurdo. Então, conversei com o departamento de polícia da


Flórida, o FBI, a SEC e o Tesouro Nacional (TGF). Primeiro de tudo, você
tem permissão para deixar o estado e voltar para casa. Tomei a liberdade
de fretar um avião particular. O piloto está esperando para levá-la — ele
olha para Sadie —E, é claro, sua adorável irmã, de volta para casa. Você já
foi libertada?

—Ainda não. O médico queria revisar os resultados da ressonância


magnética que eles me deram mais cedo, mas ele disse que, se estiver
satisfeito com os resultados, eu serei liberada esta manhã.

Não parece certo sair da Flórida. Tucker não foi encontrado - vivo ou
morto. Não lembro o que aconteceu no barco. E Gavin não voltou desde
que Sadie o expulsou dois dias atrás. Mas não posso simplesmente sentar
em uma sala, alternando entre os canais e sem fazer nada. Quero estar de
volta a Nova York, procurando em nosso apartamento pistas sobre o
homem com quem me casei. O homem que pensei que conhecia.

Ou meu marido encenou seu desaparecimento e está em algum lugar


agora, assistindo seu esquema acabar.

Ou... eu o matei.

—Você conseguiu descobrir...

—As perguntas que você levantou sobre os negócios de seu marido,


criminais ou não — o sorriso de Keene diminui —Receio não poder
respondê-las.
Eu inspiro uma respiração superficial, a frustração apertando seus
pulmões.

—O que você quer dizer? Por que não? — Foi por isso que liguei
para Keene em primeiro lugar.

—Estou legalmente impedido de fazê-lo. Todo mundo que trabalha


para a Stockton Capital, desde os secretários até os diretores executivos,
deve assinar acordos de não divulgação e não depreciação. Até eu. Não
posso falar de nada relacionado ao meu trabalho com você.

—Mas eu sou a esposa de Tucker. Eu preciso saber o que está


acontecendo.

Douglas levanta as mãos, com as palmas para fora.

—Eu entendo completamente suas preocupações, mas do ponto de


vista legal, minhas mãos estão atadas.

—Então, por que você veio até aqui se não pode realmente me
ajudar?

—Onde quer que Tucker esteja ele dificilmente quer que eu deixe
sua esposa à mercê de hacks do governo que procuram culpar o alvo mais
fácil, o que, a meu ver, é você. Ele ajusta o nó de Windsor da gravata. —
Estou aqui para garantir que você volte à Nova York sã e salva. Além
disso, compilei uma lista de excelentes advogados criminais que você
deve considerar.

—Tudo bem— murmuro, a enormidade da bagunça que Tucker me


deixou finalmente começando a afundar.

Keene ainda não terminou.

—No entanto, na minha opinião, há apenas uma pessoa que você


deve contratar. Se ela aceitar o seu caso, é isso.

Eu não tinha percebido que contratar um advogado seria uma tarefa


tão difícil.

—Quem?

Quando ele diz o nome dela, meu estômago afunda. Eu realmente


devo estar com problemas.
CAPÍTULO QUARENTA
E OITO
New York City

MEU ESTÔMAGO AFUNDA QUANDO OLHO uma dúzia de repórteres


e cinegrafistas reunidos na calçada do lado de fora da porta do nosso
prédio.

—Você pode usar a entrada subterrânea? — Eu pergunto ao


motorista.

Quando Sadie e eu estamos amontoados no elevador com toda a


nossa bagagem, acenando com a ajuda de um carregador, encosto a
cabeça na parede espelhada.

—Continuo esperando acordar e descobrir que tudo isso é apenas


um pesadelo.

—Bem, se alguém pode fazer limonada com limões, é você, mamãe.


— O tom blasé de sua voz arranha meus nervos desgastados e me
pergunto se finalmente cheguei ao limite da empatia de Sadie. Ela colocou
sua vida em espera quando a minha desmoronou e cuidar de mim deve
estar ficando velha agora.

Mas suas palavras reverberam dentro do nosso pequeno recinto, me


provocando. Sadie não tem ideia do que realmente é a perda - perda
verdadeira.

Eu faço. É como um vácuo, arrancando seus cabelos, arrancando


suas unhas, roubando seus gritos. Sem fim à vista. Apenas dor implacável
e inimaginável.

Até o momento em que eu segurava meus bebês mortos em meus


braços, eu acreditava que casar com Tucker me protegeria do pior que a
vida poderia me causar.

Eu fui tão idiota.

Limonada, minha bunda.

—Eu enterrei dois filhos. Meu marido, que em breve será um


criminoso acusado, está desaparecido ou morto. E eu posso ser
responsabilizada por isso. Isto não são limões, são tragédias.

O elevador para suavemente e manobramos nossa bagagem no


apartamento tranquilo. Isla saiu de férias sozinha enquanto estávamos na
Flórida e não voltará por alguns dias.
Largo minhas malas na porta do escritório de Tucker. É o único
quarto em nosso apartamento que sempre esteve fora dos meus limites.
Tucker nunca disse explicitamente que eu não podia entrar, mas do jeito
que ele sempre fechava a porta, mesmo quando éramos apenas nós dois,
me disse que não era bem-vinda.

Em seu escritório em Stockton Capital, Tucker tem uma enorme


mesa executiva e uma parede inteira à frente de estantes de livros. Aqui,
Tucker tem outra mesa, mas é menor, com gavetas estreitas. Nenhuma
estante de livros, apenas um arquivo disfarçado de baú decorativo por
baixo da janela.

Reunindo meus nervos, sento na cadeira de Tucker e pego a alça da


gaveta de cima.

Não se move. Nem as outras quatro.

Trancadas, todas as cinco gavetas. Quero gritar de frustração


enquanto procuro a chave. Não está preso dentro do buraco dos joelhos
ou no painel traseiro da mesa. Não está escondido embaixo do tapete ou
no solo úmido da orquídea em vaso. O baú também está vazio.

Por fim, pego o abridor de cartas da parte superior da mesa e o enfio


na frente da gaveta superior. A madeira ao redor da fechadura se lasca a
cada impulso frenético, até o mecanismo finalmente ceder, mas meu
sorriso triunfante dura apenas um instante antes de descobrir que está
tão vazio quanto o peito.

O peso da lâmina na minha mão parece bem-vindo e familiar


enquanto eu ataco os bloqueios restantes, o movimento do já ativando
uma memória muscular profundamente enraizada que me faz imaginar
meu marido. Foi isso que eu fiz com Tucker?

Mas os móveis não são macios como a pele, esponjosos como os


músculos. Cada vez que a ponta de aço entra em contato com a fechadura
de metal ou a madeira de mogno, ela reverbera através do meu braço,
fazendo meus ossos e articulações cederem de dor.

Vazio.

Vazio.

Vazio.

Vazio.

Cinco gavetas trancadas, nenhuma coisa dentro de nenhuma delas.

Minha irmã escolhe esse momento para enfiar a cabeça pela porta.

—Você já descobriu todos os segredos do seu marido?


Eu cerro os dentes para evitar dizer algo que me arrependo e seguir
para a suíte master. Eu preciso de um espaço dela.

Ainda não consigo molhar meus pontos, então cubro minha cabeça
com uma touca de banho plástica e encaro o spray quente sem virar as
costas para a água. Sinto-me maltratada e machucada - ainda mais
emocionalmente do que fisicamente.

Passei anos tentando fundir as diferentes partes de mim em uma


identidade coesa e, por um tempo, pensei que estava fazendo um bom
trabalho. Mas hoje sou como o brinquedo de uma criança demente. O
corpo de Barbie com a cabeça de GI Joe, sem um membro e nu, exceto por
um marcador permanente em cima de mim.

Estou sobrecarregada demais para ficar indignada. Exausta demais


para ter vergonha. Quero me ensaboar com todos os produtos do meu
banho, mas me sinto muito frágil, muito certa de que esfregar minha pele
pode apagá-la completamente, polegada por polegada.

Quando saio do banho e visto um suéter enorme e calças de ioga


desbotadas, só quero fazer uma xícara de chá e ir para a cama.

Decidi fazer exatamente isso depois de recuperar minhas malas de


onde as deixei cair fora do escritório de Tucker, paro ao ver Wren em pé
no meio da sala, examinando a bagunça que fiz com horror indisfarçável.
—O que você está fazendo aqui?

Wren gira ao som da minha voz. —Eu? — Suas mãos batem


loucamente nas gavetas vazias penduradas na mesa de Tucker como
dentes soltos. —O que é que você fez?

Se há um lado positivo para o desaparecimento de Tucker, é que não


preciso mais suportar Wren na minha vida. —Saia— eu digo friamente,
apontando em direção à porta da frente.

—Você gostaria disso, não é? Deixar você no apartamento que o


dinheiro de Tucker comprou, com tudo o que ele lhe deu.

Antes que eu possa responder, ela puxa uma gaveta já aberta e a


vira, sentindo o fundo e os lados. Não encontrando nada, ela o joga de
lado e passa para a próxima gaveta.

—Que diabos está fazendo? — Eu poderia tentar impedi-la, mas


estou tão interessada em tudo o que Tucker deixou para trás quanto ela.

Wren ainda não respondeu quando Sadie aparece ao meu lado. —O


que ela está procurando? — ela sussurra, nós duas agora olhando para
Wren como se ela fosse um animal exótico no zoológico.

—Eu não faço ideia.


—Devo ligar para a segurança? — Wren se move para o peito em
frente à janela, mas quando a última gaveta bate em cima do resto, ela
ainda está de mãos vazias.

—Não — eu digo, depois dirijo minhas próximas palavras para


Wren. —O que você está procurando, obviamente não está aqui.

—Tem que estar — ela murmura, tanto para si quanto para mim.

—Isso é ridículo... — Minha língua fica parada quando Wren pega a


pintura pendurada atrás da mesa de Tucker e a tira da parede, revelando
um cofre.

Sadie arrasta uma respiração rápida. —Puta merda.

Nós duas nos aproximamos, espiando por cima do ombro de Wren


enquanto ela digita um código no teclado. —Vamos lá, vamos lá — ela
resmunga, sua primeira tentativa falhando. Mas, no segundo, há um clique
audível, e ela puxa a porta retangular de metal encostada na parede.

O cofre não está vazio. Wren pega a pilha de pastas dentro,


folheando as páginas e deixando-as cair no chão em um fluxo de papel. —
Porra! — ela grita uma vez e depois novamente. Quando ela se vira, seu
rosto está vermelho e manchado, os olhos vidrados e sem foco, as pupilas
sopradas. Ela parece uma viciada em drogas que acabou de descobrir a
farmácia em que invadiu não armazena narcóticos.
—Wren...— Eu digo timidamente, não tenho certeza de como
abordá-la agora.

Ela está tremendo enquanto caminha em minha direção, agarrando


meus ombros com as duas mãos, seus longos dedos como garras cavando
minha pele.

—O que você fez, Poppy? Onde está o laptop de Tucker, onde estão
os papéis dele? — Há um olhar delirante em seus olhos que nunca vi
antes, como se ela estivesse desequilibrada.

Eu a sacudo, embora ainda possa sentir as unhas roerem quando


recupero meu espaço pessoal. —Eu não sei. Não peguei nada.

Ela pisca várias vezes e depois alisa os cabelos. —Bem. Apenas me


diga onde ele está, onde ele realmente está, e eu irei.

Outro pedaço da minha compostura cai. —Você não sabe? — Se


Tucker planejasse seu desaparecimento, certamente teria contado a
Wren. Se há alguém em quem ele confia, é ela.

—Poppy, isso não é um jogo. As pessoas Tucker...— ela interrompe


abruptamente. —Se você sabe o que é bom para você, me diga onde ele
está.
Cruzo os braços sobre o peito. —Eu não sei onde está Tucker. O que
sei é que o FBI está investigando a lavagem de dinheiro de Tucker. E eles
perguntaram sobre você também. Talvez eu não saiba exatamente como
você esteve envolvida, mas eles descobrirão sua parte no esquema dele.

—Você está mentindo— diz ela, mas percebo que me irritei.

—Bem. Não acredite em mim. Você descobrirá a verdade em breve.

—A verdade? — Uma gargalhada sem humor sai de seus lábios sem


sangue. —Você se inseriu entre Tucker e eu no primeiro ano, se lançando
nele com um desespero patético e agora veja o que aconteceu. Ele se foi, e
a culpa é toda sua.

Metade do que ela está dizendo é verdade. Desde praticamente o


primeiro minuto que nos conhecemos, Wren me disse que Tucker estava
fora dos limites. Ele era dela. Mas o que eu fiz no segundo em que ela
desviou o olhar? Eu a descontei completamente. Eu também cresci
querendo Tucker.

E eu o peguei.

Cuidado com o que você deseja.

—Não tenho nada a ver com os negócios de Tucker e você sabe


disso. Você pode dizer o mesmo? — Uma batida longa passa enquanto
Wren pesa suas opções, um músculo em sua mandíbula se contrai quando
ela olha entre mim e minha irmã. Acrescento: — Se você está aqui,
tentando me fazer pensar que não estava participando com ele a cada
passo do caminho, está perdendo seu tempo.

A expressão de Wren muda, como se ela puxasse um tom para


esconder suas emoções. Sem outra palavra, ela endireita a coluna e sai do
escritório de Tucker, com o papel amassado sob os pés.

Quando a porta da frente se fecha, Sadie se vira para mim com os


olhos arregalados. —Ela sempre foi tão louca?

—Provavelmente. — Dou de ombros, olhando ao redor do escritório


de Tucker e me resignando a limpar a bagunça antes de ir para a cama.
Em outra ocasião, eu teria analisado o desempenho de Wren, tentando
analisar sua motivação e intenção. Mas agora, não posso me incomodar. Já
tenho problemas suficientes sem emprestar os dela.

Ajoelho-me e começo a reunir pastas de arquivos.

—Por que não faço isso? — Sadie oferece. —A culpa é minha por
deixá-la entrar.

—Não seja boba. — Eu a aceno, forçando minha boca no que espero


que seja um sorriso tranquilizador. —Não vai demorar muito. Vejo você
de manhã.
O que quer que Wren tenha deixado para trás não pode ser muito
importante, mas ainda quero dar uma olhada. Pego os pedaços de papel
espalhados um por um, ordenando tudo em seu arquivo apropriado.
Existem os documentos de compra e a escritura deste apartamento, a
vontade de seus pais, nossa certidão de casamento, registros médicos das
várias estadias de reabilitação de minha mãe, documentos legais
relacionados à sua prisão e alguns outros contratos de aparência inócua.

Estou prestes a colocá-los de volta no cofre quando perceber que


não tenho o código para desbloqueá-lo quando fechar a porta.

Pouco antes de me virar para largar tudo sobre a mesa, meus olhos
se deparam com algo na parte de trás do cofre. Algo quase indistinguível
do gabinete de aço. Meus nervos já estão estremecendo em aviso quando
eu o alcanço.

Mas no segundo em que meus dedos roçam a delicada corrente de


prata, eu sei.

Eu sei com uma certeza abrasadora que rasga em mim como um


raio.

A pilha de papéis que acabei de organizar em arquivos arrumados


mais uma vez flutua no chão enquanto deslizo pela parede... Segurando o
pingente de pedra da lua de Gavin na palma da minha mão.
CAPÍTULO QUARENTA
E NOVE
New York City

DO LADO DE FORA DAS JANELAS DO MEU QUARTO, o sol poente


brinca de esconde-esconde com os marcos mais emblemáticos da cidade
de Nova York. No prédio do outro lado da rua, há um garotinho esticado
em um tapete, brincando com Lego. No andar de cima, um casal mais
velho está sentado em uma mesa pequena, jantando. E um andar abaixo,
uma mulher da minha idade está rindo. Realmente rindo. Cabeça jogada
para trás, cabelos saltando sobre os ombros, a boca aberta e sorrindo.
Não sei se ela está assistindo uma comédia ou conversando com alguém
além da minha linha de visão. Mas eu gostaria de ter. Eu gostaria de poder
rastejar dentro de sua janela, até dentro de seu corpo.

Quando foi a última vez que soltei uma risada exuberante? Quando
eu não estava focada em agradar alguém - minha mãe, Tucker,
professores, Wren, os pais de Tucker. Não cometer um erro que provaria
que eu era apenas uma impostora escondida entre eles.

Até Sadie. Quando crianças, brincávamos juntas, mas eu estava


sempre cuidando dela, lembrando-a das regras ou mantendo a pontuação.

Somente com Gavin eu me deixei.

Eu ignoro as batidas de Sadie, me checando. E, embora eu esteja


desesperada para ouvir a voz de Gavin, eu ignoro as ligações dele
também.

Passo metade da noite jogando e girando, tentando entender por


que Tucker havia pegado o colar que Gavin me deu, mentido sobre isso e
mantido por todos esses anos.

Tucker me mirou propositalmente naquela noite? Meu colar era uma


lembrança? Um troféu?

Ou ele apenas via Gavin como uma competição e esperava que eu o


esquecesse sem um lembrete constante na minha pele.

Passo a outra metade da noite de luto. Não é o meu casamento, que


já terminou há muito tempo e claramente foi um erro desde o início.

Eu lamento os dias, semanas, meses e anos em que nunca mais


voltarei.
Dor no coração que corta tão fundo, as cicatrizes palpitam em
sintonia com o meu pulso.

E as memórias que destroem um pouco mais da minha alma a cada


olhar para o passado.

Eu perdi muito tempo, fiz tantas escolhas erradas.

Minha vida inteira está no ar agora, mas há uma coisa que sei com
certeza. Se eu passar por isso, se não cometi o pecado máximo e acabar
atrás das grades, quero passar o resto da minha vida com Gavin. Se ele me
receber.

Mas primeiro... Primeiro preciso me tornar minha própria heroína.

Eu não quero ser resgatada. Nunca mais entregarei as rédeas da


minha vida a mais ninguém.

É por isso que, apesar de estar quase dormindo, nem considero


adiar minha reunião com Reese Reynolds. Todo herói precisa de um
companheiro e, no meu caso, o tipo que eu preciso é de um advogado de
pontapé.

Eu evito os repórteres acampados na frente do meu apartamento,


saindo pela saída subterrânea de separação. Por baixo da minha camisa,
estou usando o colar de Gavin. O fecho está quebrado, provavelmente de
onde Tucker o arrancou do meu pescoço, mas usei um alfinete de
segurança para prender a corrente. Eu terei que levá-lo a um joalheiro
eventualmente, mas agora não consigo mais pensar em ficar sem ele de
novo.

Eu só estava esperando na sala de conferências de Reese Reynold


alguns minutos quando ela irrompeu pela porta. Curta e cheia de curvas,
seu batom é exatamente da mesma cor que seu traje vermelho, seu cabelo
loiro cortado e com um penteado pronto para a câmera. Ela é um rosto
familiar no noticiário da noite, uma defensora de mulheres de alto perfil,
desprezadas e envergonhadas. De preferência mulheres atraentes, de alto
perfil, desprezadas e envergonhadas na Forbes 400.

Eu sou sua cliente perfeita.

Ela se senta e vai direto ao ponto. —Acompanho de perto a


cobertura da imprensa sobre o desaparecimento de seu marido. Estou
surpresa que demorou tanto tempo para entrar em contato comigo.

Na TV, Reese parece que poderia ser uma âncora de notícias, com
uma mandíbula larga e quadrada e olhos castanhos sem piscar.
Pessoalmente, é óbvio que o loiro vem de uma garrafa, sua aplicação
cuidadosa de maquiagem oculta mais anos do que ela está disposta a
admitir.
—Você não está apenas acompanhando o caso, tem muito o que
dizer. — Não contratei Reese com base apenas na recomendação de
Douglas Keene. Durante as horas e horas de cobertura de notícias que eu
devorei, ela foi à única advogada que não insinuou que eu sabia onde
estava Tucker ou tinha algo a ver com seu desaparecimento. Somente
uma.

—Não posso dizer o mesmo por você. Você está permitindo que a
imprensa conte sua história, Sra. Stockton.

—Por favor, me chame de Poppy. E isso é porque não tenho nada a


dizer.

—Mas você falou com a polícia e o FBI, correto? — Ao concordar, ela


diz —Diga-me o que você disse a eles.

Eu faço. Reese não toma notas nem me regista, e interrompe apenas


ocasionalmente para fazer uma pergunta. Quando finalmente estou com a
garganta rouca, ela se levanta para me servir um copo de água da jarra no
aparador. Eu aceito com gratidão.

—Parece que você tem muito a dizer.

—Nada que ajuda a encontrá-lo.


Os dedos de Reese se curvam sobre as costas da cadeira em que ela
estava sentada.

—Vamos conversar um pouco. Seu marido sumiu em viagem para


comemorar vosso aniversário de cinco anos, certo?

Suspiro, prestes a explicar que comemorar não é exatamente a


palavra certa a ser usada, mas ela entra com mais perguntas.

—Seu casamento, foi tão feliz quanto parece? Beijos com


champanhe e sonhos de caviar?

—Não — eu admito, limpando uma gota de condensação da borda


do meu copo. —De modo nenhum.

Ela permanece imperturbável.

—OK. Deixe-me tentar recapitular esta situação da perspectiva da


aplicação da lei. Temos duas pessoas infelizes casadas em um pequeno
barco, supostamente explorando uma ilha desabitada. Mais tarde naquela
noite, a esposa é descoberta no barco, inconsciente e com ferimentos não
fatais. O marido, um homem muito rico que logo será preso por negócios
obscuros, não está em lugar algum. Há cacos de vidro e uma faca
ensanguentada. As impressões digitais da esposa estão no cabo e o
sangue do marido na lâmina. Tenho meus fatos corretos?
Não consigo falar em torno da garganta, apenas assenti.

—Bom. Agora, vamos tentar resolver o mistério. Cenário um, o


marido caiu ou pulou no mar, seja por acidente ou por suicídio. O sangue
na faca veio da esposa tentando alcançá-lo, salvá-lo. Sem sucesso, ela cai e
se machuca. Cenário dois, o marido ataca a esposa, ela o mata em legítima
defesa e fica ferida na luta. Cenário três, a esposa mata o marido porque
ela está furiosa por ele estar prestes a ser preso

—Mas eu não tinha ideia...

—Bem. Então você a mata por algum outro motivo, — ela admite
facilmente. —Cenário quatro, o marido planeou a coisa toda e a esposa
participou. Os ferimentos, a faca, o sangue - são apenas para parecer que
ele está morto, para que ele possa escapar da prisão. No cenário cinco, o
marido planeou a coisa toda, provavelmente com um cúmplice, e a esposa
não era a mais sábia. Ela se machuca quando tenta detê-lo. E o cenário
seis, o homem misterioso.

—Quem é o homem misterioso?

—Exatamente. Poderia ser qualquer um. Na verdade, estou sendo


sexista. Pessoa misteriosa. Alguém ou grupo de pessoas assassinou ou
sequestrou seu marido. Você foi um dano colateral. — Reese finalmente
puxa sua cadeira e senta-se novamente, seus olhos sem piscar em mim. —
Seis resultados potenciais e você é criminalmente responsável em três
deles. Você está disposta a confiar seu destino no lançamento de uma
moeda?

Eu definitivamente escolhi o companheiro certo.

—Não, eu não sou.

—Bom. — Ela bate na mesa com a palma da mão. —Primeiramente,


eu preciso de um retentor de cem mil dólares. Suponho que não será um
problema.

—Meu marido lida com o... — Assim que eu percebo para onde o
resto da minha frase estava indo, eu paro, minha boca ainda aberta. Não
chequei nem paguei uma fatura há anos. Não faço ideia de como acessar
nossas contas. Mas eu vou descobrir. —Não será um problema.

Reese estende a mão, cobrindo uma das minhas. —Isso foi um


choque, eu sei. Você terá que enfrentar coisas - perguntas, dúvidas,
acusações, realidades - que nunca poderia ter antecipado apenas alguns
dias atrás. Eu vou passar por isso, mas você terá que confiar em mim.
Você pode fazer isso?

Eu concordo, e ela mostra um conjunto de dentes tão retos e


brancos que parecem publicidade de pasta dos dentes.
—Certo. Agora, é hora de assumir o controle da narrativa. Das três
opções em que você não é culpada, o número um não é interessante o
suficiente para a imprensa trabalhar e o número seis tem muitas
incógnitas para ser interessante. O número cinco é a sua narrativa. Seu
marido planeou tudo, provavelmente com um cúmplice, e você não era a
mais sábia. Você foi ferida tentando detê-lo.

Ainda estou sofrendo com a rapidez com que Reese quebrou meu
caso e encontrou uma solução. —Como fazemos isso?

—Sexo.

Eu pisco para ela, me perguntando se eu ouvi errado. —Sexo?

—Clichês são clichês porque são verdadeiros. O sexo vende, Poppy.


Para nossos propósitos, isso significa que o sexo traz as classificações
mais altas. Se contarmos à imprensa uma história interessante, eles
seguirão em frente.

—Mas, Tucker e eu não tivemos...

—Oh não— Reese interrompe. —Isso não é sobre você. Precisamos


de uma mulher para mostrar como cúmplice de Tucker e sua amante. Me
de um nome.
CAPÍTULO CINQUENTA
New York City

NÃO PRETENDIA LIGAR PARA GAVIN ou caminhar até o Central


Park, mas não aguentava passar o resto do dia presa lá dentro.
Aproveitando o dia de inverno fora de época ameno, fui para um dos
meus lugares favoritos, chamando-o no caminho.

Estendo o saquinho de framboesas vermelhas maduras que comprei


depois de sair do escritório de Reese. —Não é o mesmo que escolher nós
mesmos, mas é o melhor que eu poderia fazer.

Ele o aceita com um sorriso quase triste, jogando algumas frutas na


boca. —Eu acho que você ainda me deve.

O Ramble sempre me lembrou a Reserva Sackett. Em trinta e seis


acres, é aproximadamente do mesmo tamanho. E, diferentemente da
maior parte do parque, seus caminhos estreitos e sinuosos não são
meticulosamente cuidados e paisagísticos. A floresta natural pode crescer
selvagem aqui. Todas as minhas árvores favoritas estão presentes, além
de várias espécies não nativas e exóticas. Também é um paraíso para os
pássaros. Passei muitas tardes vagando por esses bosques, perdendo-me
em minhas memórias.

Especialmente nos dias em que minha velha inimiga, bulimia, me


chamava. Tentando-me com falsas promessas de indulgência e depois
vazio. Me amontoando tanto que, por alguns momentos fugazes, até os
lugares mais vazios, doloridos e estéreis dentro de mim estavam cheios e
saciados.

—Considere uma dívida paga — eu respondo, sorrindo de volta.


Meu peito já está mais leve, o estresse e a preocupação que se acumulam
dentro de mim se dissipando a cada minuto que passo ao lado de Gavin.
Esqueci o quão libertador é apenas respirar fundo.

—Agora, tudo o que precisamos fazer é encontrar uma caverna para


nos escondermos e nos sentiremos em casa.

—Estamos quase um século atrasados para isso, receio. — No olhar


interessado de Gavin, eu explico. —Os desenvolvedores originais do
Central Park encontraram uma caverna enquanto escavavam o local. Não
fazia parte dos planos deles, mas eles decidiram alinhar a entrada com
pedras e construir uma escada de pedra que levava a ela. Durante anos,
foi uma atração popular. Uma área de recreação para crianças e um local
romântico para casais.
Com a mão livre, Gavin pega uma das minhas, nossos dedos
entrelaçados naturalmente.

—Sim, cavernas são boas para isso.

Sussurros de memória correm para mim enquanto serpenteamos


pelos caminhos arborizados, o sol da tarde inclinando-se desigualmente
através do esparso dossel frondoso acima.

—Não durou. Na virada do século, a Caverna se tornou um lugar


decadente e assustador. Houve um suicídio, vários assaltos e um número
crescente de desabrigados o estavam usando como abrigo. A gota d'água
veio quando mais de trezentos homens foram presos por —eu uso aspas
no ar— por mulheres irritantes.

—Mulheres irritantes... isso é contra a lei?

Eu o cutuco com o cotovelo. —Eu acho que eles significavam


assédio. Mas sim, acho que mulheres irritantes definitivamente deveriam
ser um crime. O que você acha, G-?

Ele ri e eu quero me envolver no som quente e rouco, fazer uma


capa e mantê-la em volta dos meus ombros para sempre.

—Acho que precisamos construir mais algumas prisões.


—Bem, nos anos trinta, Nova York decidiu resolver o problema
selando a caverna.

—Deixar homens livres para incomodar mulheres por toda a cidade,


eu acho.

—Talvez os policiais devam fazer outra varredura nas zonas de


construção.

—Tem que haver uma caixa de sugestões em algum lugar. Tenho


certeza de que eles vão acertar.

Ficamos em silêncio por alguns minutos e, quando chegamos a uma


cachoeira, Gavin aponta para um local protegido por um enorme
salgueiro-chorão.

—Que tal aqui?

Concordo com a cabeça e nos sentamos como costumávamos, lado a


lado, com os pés estendidos à nossa frente. Pego uma framboesa da bolsa
e coloco na boca, o suco azedo inundando minha língua.

—Então, como você está indo? — Gavin pergunta.

—Não. — Balanço a cabeça. —Sei que sou um desastre completo no


momento, mas podemos falar sobre você? Não porque eu preciso de uma
distração, mas...— Eu paro, sem fôlego por nenhuma outra razão, a não
ser que esteja sufocando com uma repentina onda de minhas próprias
emoções. —Eu realmente senti sua falta, Gavin. Mas não sei nada sobre
quem você é agora e o que faz nos últimos cinco anos.

—Apenas os últimos cinco? Faz mais tempo desde que passamos


algum tempo juntos.

—Certo. Mas pelo menos suas mensagens me permitiram dar uma


espiada em sua vida.

Ele faz uma careta. —Você nunca respondeu. Eu não tinha certeza de
que você as tivesse.

—Eu tive. Cada uma. — Suspiro, inclinando a cabeça para apoiá-lo


em seu ombro e apertando meus olhos fechados enquanto a dor torce
através de mim. Eu posso ver a mágoa que infligi a Gavin naquele dia tão
claramente, sua relutância em acreditar nas pavorosas palavras que eu
soltei. Ele ficou lá, me dando todas as chances de levá-los de volta, de
levá-lo de volta. Mas eu não tinha. Eu estava convencida demais de que
estava certa. Que o tempo para segundas chances havia passado. Que
acabamos.

—Eu entendo por que você parou. Fui realmente péssima para você
naquele dia no meu apartamento. Muito, muito horrível.
—Bem, eu acabei de aparecer do nada, na semana anterior ao seu
casamento. Eu deveria saber melhor.

—Não. — Meu coração dói de arrependimento. —Eu deveria saber


melhor. Eu deveria ter feito melhor. E, eu quero que você saiba, eu não...
Eu não quis dizer isso. As coisas que eu disse sobre você, sobre nós, não
quis dizer nada disso.

Gavin jura baixinho e curva o braço em volta da minha cintura, a


mão deslizando sob o meu casaco, o polegar varrendo a tira de pele entre
o meu suéter e as calças.

—Você não sabe como é bom ouvir você dizer isso.

Seu toque envia uma onda de arrepios sobre meus braços, os


minúsculos pelos arrepiados. —Eu sinto muito.

—Não sinta. Você fez o que achou certo naquele momento.

—As coisas seriam tão diferentes se eu tivesse apenas...

—Não vamos por esse caminho. Estamos aqui agora, juntos. É isso
que importa.

Eu solto um suspiro trêmulo.


—OK. Você está certo. Então, me atualize. Eu nem sei se você está
vendo alguém.

Gavin pisca para mim, seus olhos ainda entrelaçados em camadas de


azul, do ovo do palest Robin ao céu índigo mais rico. Cílios tão compridos
e grossos que lançam uma sombra sobre a crista alta de suas maçãs do
rosto. Seu cabelo castanho-avermelhado é mais longo do que era na
última vez que o vi, e meus dedos se contraem com o desejo de passar as
mãos por ele.

—Começando com as informações mais importantes, entendi.

Um rubor rasteja pela minha garganta, queimando as pontas dos


meus ouvidos, e eu abaixo minha cabeça, envergonhada. Tecnicamente,
você ainda é casada, Poppy. Não se faça de boba. —Desculpa. Você está
certo, é claro. Não é da minha conta.

—Pare. Eu estava brincando. — Gavin pega meu queixo e traz meu


olhar de volta para ele. Seus olhos percorrem avidamente o meu rosto,
chamas gêmeas de desejo e vulnerabilidade queimando dentro deles. —
Não vou mentir e dizer que fui monge nos últimos anos. Eu tentei te
esquecer, Poppy. Eu tentei e falhei. Porque você é a única que já
reivindicou um pedaço do meu coração. E você ainda tem, mesmo agora.
Sua admissão sincera tira o fôlego do meu peito, cada palavra
deslumbrante arranca oxigênio dos meus pulmões até que eu fique tonta
de amor e saudade.

—Você sabe que eu não mereço você, certo? Eu sou um desastre.

—Felizmente para mim, a decisão não é sua.

Meus olhos caem na cicatriz prateada que marca a pele entre o lábio
inferior e o queixo, um sinal final da raiva deslocada de seu pai. Eu
levanto minha mão, arrastando meu polegar sobre a boca de Gavin
quando uma explosão de calor detona em algum lugar no fundo da minha
barriga.

—Por favor, diga-me que sua mãe recuperou a razão e perdoou


você.

—Ela fez. — Seus beijos na palma da minha mão e eu mordo de volta


um gemido. Apesar da nossa conversa informalmente casual, meu corpo
está reagindo à proximidade e ao toque de Gavin em um tipo de
comunicação completamente diferente.

—Depois que ela começou a ver um cara que a entendia, e não a


espancava a cada duas semanas. Eles se casaram no ano passado.

—Isso é realmente ótimo, Gav. Estou feliz por ela.


—E sua mãe, ela está indo bem?

—Sim. Ela mora no Maine agora. Liguei para ela na semana passada
para contar o que estava acontecendo e ela me apressou ao telefone,
porque não queria se atrasar para o círculo de tambores. — Eu reviro
meus olhos. —Aparentemente, a última pessoa a aparecer fica presa com
o banjo ruim.

—Odeio quando isso acontece.

Compartilhamos um silêncio fácil por alguns momentos, e eu posso


sentir os anos caindo como se estivéssemos sendo empurrados por uma
abertura no universo que foi feita apenas para nós. A gravidade entre
meu coração e o de Gavin é uma força inegável que me inclina para ele.
Meus lábios se abrem, compelidos por um desejo instintivo de respirar
profundamente seu cheiro nos meus pulmões, de engolir a energia que
brilha e dança entre nós.

O feitiço é quebrado quando dois turistas entram em nossa clareira,


usando seu bastão de selfie para posar em frente à cachoeira. Um calafrio
irrompe sobre minha pele e eu me afasto, piscando minha visão em foco.
Por vários momentos, estou sem forças, lutando para recuperar meu
senso de tempo e lugar, enquanto dois estranhos riem e fazem caretas
ridículas, completamente inconscientes de nós enquanto andam de
bicicleta por várias poses antes de se aventurar em busca do próximo
lugar digno do Instagram.

Depois que eles saem, expiro um suspiro irregular. Gavin pressiona


um beijo na minha têmpora e curva a mão na parte de trás do meu
pescoço, acariciando levemente os tendões dos dois lados da minha
espinha.

—Eu procurei por você, você sabe — eu digo, minha voz embargada.
—Quando você parou de enviar mensagens.

Gavin parece confuso. —Procurou por mim... onde?

—Mídia social. Instagram, Face book, Snapchat. Até o Twitter.

Sua confusão chega a um desapontamento. —Você poderia ter


tentado me ligar.

—Eu era casada, Gavin. Não teria sido certo.

—Eu não tenho mídia social. Mas se eu fizesse, não seria tão
interessante. Depois que deixei sua casa naquele dia, liguei para um
contato meu que trabalhava no escritório de campo de Nova York e
peguei seu cérebro por uma hora. Imaginei que, se você estivesse fazendo
o seu trabalho, é melhor eu engolir a bunda e fazer o meu.
Eu limpo minha garganta, aliviada por estar falando sobre coisas
banais por um pouco mais de tempo. Meu pulso ainda está acelerado e
minha respiração é superficial. —Você sempre quis trabalhar em crimes
financeiros?

—Na verdade não. Foi só porque...— Ele fecha os olhos por um


minuto, quase estremecendo. —Porra, vou parecer um perseguidor por
lhe contar isso.

Minha curiosidade se multiplica imediatamente. —Conte-me.

—Eu estava tentando descobrir o que você viu em um cara como


Stockton, então li sobre ele e sua família, a empresa de investimentos
deles. Eu nunca esperava encontrar bancos interessantes, mas meio que
desenvolvi um talento especial para isso. Os números não mentem. — Ele
se vira para mim, com os olhos abertos e treinando em mim mais uma
vez. —Uma coisa levou a outra e quando uma vaga foi aberta no FC, eu me
inscrevi.

Eu tenho que sufocar o desejo de amarrar uma bandana no rosto de


Gavin. Seu olhar dispara um alarme instalado profundamente dentro do
meu corpo, de alguma forma acordando todas as células e fazendo-as
tremer dentro das minhas veias. Sinto-me nervosa e formigando, como se
ele tivesse desencadeado uma reação química sobre a qual não tenho
controle. Arrancando meu olhar do dele, olho para a cachoeira.
—Como você descobriu o que Tucker estava fazendo?

—Eu não tenho todo o crédito. Um dos meus amigos de Quântico


trabalha em Art Theft. Parei na mesa dele a caminho do almoço e notei
uma foto pregada no quadro de avisos dele.

Eu respiro fundo. —Wren.

—Sim. Aparentemente, ela aconselha vários colecionadores que


compram arte no mercado negro. Eu segui um palpite e soube que cada
um desses colecionadores se tornou um cliente da Stockton Capital
depois que seu marido assumiu.

—Então você pensa...

—Ele entrou no negócio com alguns personagens realmente


obscuros. Linhas foram cruzadas. Não sei como ele descobriu a acusação
pendente, mas vazamentos acontecem. Esta não é a primeira vez que
alguém executa um esquema elaborado para evitar a prisão.

Considero a avaliação de Gavin por alguns minutos. Ele não


acrescenta mais nada, me dando tempo para tirar uma conclusão minha.
Mas minha mente rapidamente se desvia dos pensamentos de Tucker. Eu
perdi muito tempo pensando nele, me preocupando com ele, tentando
agradá-lo e apaziguá-lo. Não quero mais desperdiçar.
Além disso, tenho coisas mais importantes a discutir com Gavin. A
verdade... Minha verdade.

Reunindo toda a minha coragem, puxo o zíper do meu casaco e puxo


o pingente de pedra da lua escondido debaixo da minha camisa

Os olhos de Gavin caem. —Você ainda tem.

—Tucker tinha, na verdade. Encontrei no cofre dele ontem.

Suas sobrancelhas se uniram, uma pergunta não dita no sulco da


testa.

Luto contra uma repentina onda de vertigem e enfio as mãos na


sujeira fria abaixo de mim, bombardeada pela força de todos os segredos
que guardei dele ao longo dos anos. Depois de encontrar meu centro,
agarrado a uma profunda reserva de determinação enterrada em meu
âmago, mergulho de volta no mar de confusão e preocupação rodopiando
dentro do olhar de Gavin.

—Há tanta coisa que preciso lhe contar. Começando com a noite em
que perdi seu colar.
CAPÍTULO CINQUENTA
E UM
New York City

Poppy Stockton, esposa do magnata desaparecido de Manhattan,


Tucker Stockton, recebeu alta do hospital na Flórida e agora está de volta
ao luxuoso apartamento de Manhattan que divide com o marido, Tucker
Stockton, que ainda está desaparecido. Enquanto isso, Wall Street está
zumbindo de rumores de que sua empresa, Stockton Capital, pode ter se
envolvido em atividades fraudulentas, algumas até dizendo atividades
criminosas.

—DESLIGUE ISSO, POR FAVOR. — Minha voz é baixa, abatida.

Sadie sai do sofá. —Poppy, você finalmente voltou! Como foi?

Largo minha bolsa e caio sobre os travesseiros, suspirando


enquanto aponto para a TV. Primeiras coisas primeiro.

—Desliga.
Gavin e eu passamos horas no Central Park, andando, conversando
e, no meu caso, chorando. Eu contei tudo para ele. E foi difícil. Muito
difícil.

Naquela noite, é claro. E na manhã seguinte, voltando do hospital e


tendo que enfrentar Tucker e Wren quando eu mal conseguia encarar
meu próprio reflexo no espelho. As escolhas que fiz, incluindo a trégua no
meio da noite com Wren. Trabalhando com Tucker no TeenCharter,
perdoando-o e eventualmente me apaixonando por ele. Eu precisava que
Gavin soubesse que nosso romance parecia real para mim. Eu acreditava
que estava apaixonada por Tucker, me protegendo de tudo de errado no
nosso relacionamento... o que era basicamente tudo.

Se Tucker estivesse ao seu alcance, ele não precisaria fingir sua


própria morte, porque Gavin parecia pronto para matá-lo. Mas para mim,
o pior era contar a ele sobre meus bebês. Através dos olhos dele, revivi
todos os momentos excruciantes.

Expliquei como fiquei com raiva, como vingativa. Como tudo o que
eu ignorei, justifiquei e desculpei, voltou rugindo, me afogando em um
oceano sem fim de raiva.

Agora Gavin sabe a verdade. Minha verdade.


Perguntei se ele ainda acreditava que eu era inocente. Ainda
acreditava que Tucker havia falsificado sua própria morte.

E ele disse que sim.

Gavin está mais certo da minha inocência do que eu.

Sadie pega o controle remoto e um momento depois, a tela fica


misericordiosamente preta.

—Então, como foi? Você se foi a tanto tempo que eu estava


começando a me preocupar.

Eu tenho que contar a ela sobre Gavin. E eu vou, assim que eu a


contar da minha reunião com Reese. Estou guardando segredos.

—Foi tudo bem... Eu acho.

—O que isso significa?

—Bem, ela basicamente dividiu minhas opções em seis cenários.

Depois que explico cada uma delas, Sadie diz:

—Você vai para o número um, certo? Tucker caiu ou pulou no mar.
Ele se foi, mas a culpa não foi sua.

Balanço a cabeça.
—Não. Número cinco. Tucker escapou, provavelmente com um
cúmplice que definitivamente não era eu.

—Por quê? Você queria se divorciar dele de qualquer maneira. Se


Tucker se foi —está claro que Sadie quer dizer morto, — tudo para. Os
repórteres vão embora, a busca termina. Você pode deixar tudo isso para
trás.

Passo as pontas dos dedos dentro do pescoço da minha camisa,


sentindo o calor da pedra da lua. Sadie está errada. Não importa o que eu
escolha, não há luz no fim do túnel.

—Olha, eu entendo que você está tentando ajudar.

—Não me apadrinhe — ela retruca. —Eu acho que você gosta da


atenção que tudo isso está recebendo de você.

Eu respiro fundo, quase se engasgando com isso.

—Sadie, como você pode dizer isso?

—Puxa, eu não sei. Talvez porque você esteja contratando o


advogado com mais atenção em Manhattan. Deus, você não quer que tudo
isso acabe?

—Faz apenas uma semana! Acho que não vai desaparecer tão cedo.
— Meu flash de raiva é substituído por culpa quando vejo o brilho das
lágrimas nos olhos da minha irmã. —Sadie, talvez você precise de um
tempo. Minha bagunça não precisa ser sua bagunça. Não é justo para
você.

—Você quer que eu vá?

Eu escolho minhas palavras com cuidado.

—Quero que você seja feliz, irmã. Isso é tudo. Você me levou pelos
piores momentos da minha vida. E isso também é horrível, mas agora sou
forte o suficiente para lidar com isso sozinha.

Há um brilho nos olhos dela, uma emoção que não consigo ler.

—Apenas pense sobre isso — acrescento, estendendo a mão para


apertar o joelho dela antes de levantar-se e sair para o nosso terraço para
tomar um pouco de ar fresco.

Contar a ela sobre Gavin terá que esperar. Novamente. Não dizer a
ela a mentira de uma década.

Quando Sadie foi morar conosco, era para ser temporário. Apenas
alguns meses até encontrar um emprego, um apartamento e os bebês
nascerem. Ela nunca poderia ter imaginado no que estava se metendo.
Durante meses, minha dor não tinha limites, envenenando cada
respiração que eu lutava para tomar. Cada poro do meu corpo estava
entupido de culpa, vergonha e fúria.

Foi Sadie quem encontrou um terapeuta disposto a fazer ligações


domésticas quando eu não conseguia sair da cama. E quando finalmente
saí, mas me recusei a sair do apartamento, ela me arrastou para o terraço,
insistindo que ainda havia um mundo inteiro lá fora.

Jamais esquecerei aquela primeira tarde, aqueles momentos iniciais


do lado de fora. Os prédios que se erguiam acima de mim pareciam
sombrios e imponentes, como enormes lápides com centenas de olhos.
Cada um deles se virando contra mim. Julgando-me.

Eu corria para o limite, querendo nada mais do que pôr um fim à dor
de viver. Sadie me derrubou no chão, me segurou enquanto eu chorava,
gritava e enfurecia.

Eu devo a ela minha vida.

Eu espio por cima da borda agora. Há muito vento quando você está
quase trinta andares acima de Manhattan, com rajadas de ar através de
corredores feitos de arranha-céus. Nessa altura, não sinto o cheiro dos
cachorros-quentes e pretzels vendidos por vendedores ambulantes de
carrinhos de mão, nem a fumaça de escapamentos de ônibus, caminhões e
táxis. O ar está diferente aqui em cima. Frio e afiado.
Tão diferente do aroma amadeirado e terroso de The Ramble, onde
Gavin e eu passamos a maior parte da tarde. Agora ele sabe tudo o que há
para saber sobre meu relacionamento com Tucker. Os bons e os maus e
os verdadeiramente vis.

É muito para absorver.

E enquanto eu perguntei a Gavin o que ele achava que tinha


acontecido na Flórida... Eu não perguntei o que está acontecendo agora,
conosco. Eu sei o que quero que aconteça. O que eu espero que aconteça,
se eu for exonerada. Se tivermos uma chance no futuro.

Eu quero dormir todas as noites com os braços de Gavin em volta de


mim, o calor da respiração dele abanando minha bochecha, o baque
rítmico de seu batimento cardíaco pulsando no meu peito. Quero acordar
com a doçura de seus beijos e me banhar no calor de seu amor. Quero
construir uma vida com o homem que nunca deixei de amar, mesmo
quando acreditei amar alguém. E talvez, um dia, espero que nossa vida
inclua crianças.

Quando finalmente me viro para voltar para dentro, paro ao ver meu
reflexo no vidro espelhado. Pareço frágil, e não apenas magra. Tufos de
cabelos loiros se soltaram do rabo de cavalo que eu prendi na parte de
trás da minha cabeça, flutuando ao redor do meu rosto como os fios de
seda espreitando de uma espiga de milho. Meus olhos estão cansados,
com manchas roxas embaixo deles.

Pareço uma assassina?

Quando Gavin veio ao meu quarto de hospital, ele me chamou de


vítima.

Eu ainda odeio essa palavra agora, tanto quanto eu a odiava há dez


anos. Naquela época, eu evitava fingindo que o que Tucker havia feito era
um deslize sem sentido. Um erro inconsequente.

O que aconteceu em Florida Keys não foi um erro. E as


consequências são minhas para suportar.

Mas não quero a morte de Tucker em minha consciência.

O que eu quero é a chance de um futuro com Gavin.

É por isso que preciso que o cenário número cinco de Reese seja
mais do que apenas uma teoria. Eu preciso que seja fato. Ele não poderia
ter feito isso sozinho. Wren tinha que ter ajudado.

Quanto mais eu penso sobre isso, mais faz sentido. Todos nós
voamos juntos para Miami: Tucker e eu, além de Wren e Sadie. Wren
adora a vida noturna em South Beach e decidiu nos acompanhar no
último minuto. Sadie porque ela se tornou parte da nossa família e teria
sido rude deixá-la de fora. Ela iria obter sua certificação de mergulho
enquanto Tucker e eu explorávamos as ilhas por conta própria, depois
íamos nos encontrar com Wren e Sadie nas Bahamas antes de voltar para
Nova York.

Tucker planeou nossa viagem sabendo que Wren o levaria para um


avião particular com destino a Cuba? Cerrando os dentes, seguro minha
cabeça nas mãos.

Lembre-se. Lembre-se, droga.

Wren finalmente o convenceu de que ela era a melhor escolha?


Tucker tentou me convencer a ir com ele? Para viver uma vida em fuga
junta?

Foi quando peguei a faca? Se Wren tivesse me derrubado no chão


quando esfaqueei Tucker, minha cabeça esmagando o chão, os
fragmentos de vidro - das taças de champanhe, presumo - rasgando
minhas costas e pernas.

E depois o que aconteceu? Tucker e Wren me deixaram lá,


esperando que eu sangrasse e morresse enquanto eles fugiam juntos,
ansiosos para começar sua nova aventura?

As imagens na minha mente são tão reais. O olhar de alegria no


rosto de Tucker quando ele vê Wren correndo em nossa direção. O brilho
de aço da faca na minha mão. O céu, uma cúpula de lavanda acima, a lua
apenas um crescente cremoso flutuando nas nuvens enquanto o sol
derrete no horizonte.

Arrepios correm pelos meus braços enquanto eu trago no ar.

Mas não consigo esquecer o rosto de Wren ontem, quando ela


destruiu o escritório de Tucker. Parecia que ela não sabia de nada.

Ela tinha feito aquele truque apenas para afastar minhas suspeitas?

Abro a porta, a corrente de ar filtrado, purificado, desumidificado e


com temperatura controlada, como um tapa no rosto. Tem que ser Wren.
Eu tenho a vida que ela queria, e se eu não me recompor e começar a
lutar, ela vai me enterrar nela.

E nunca terei a chance de ver o que o futuro reserva com Gavin.


CAPÍTULO CINQUENTA
E DOIS
New York City

O CHEIRO DE COURO INVADE MINHA CONSCIÊNCIA meio segundo


antes que eu perceba que pertence à mão - a mão muito pesada - que
cobre minha boca.

Abafando meu grito.

Tudo dentro de mim está operando em velocidade dupla. Coração


batendo forte, sangue correndo, nervos estremecendo - e ainda assim
meu corpo está rígido como uma tábua. Assustado.

—Shh. — Um sussurro duro bate no meu ouvido, hálito quente e


úmido na minha bochecha. A adrenalina aumenta, enviando cada um dos
meus sentidos em excesso. As luzes ambientes do meu quarto escuro
revelam um homem com ombros largos, pele bronzeada e uma cabeça
raspada. Seus olhos encapuzados estão firmemente fixos nos meus e ele
não parece áspero ou descontrolado. O que de alguma forma torna a
situação ainda mais assustadora.

A mão que não cobre minha boca pressiona o travesseiro embaixo


da minha cabeça, fazendo-me rolar em direção a ele, o joelho que ele
colocou no colchão cavando meu quadril.

Há muito contato entre nós.

Morando em Manhattan, é impossível não ouvir histórias horríveis


de mulheres sendo atacadas em seus próprios apartamentos. Mas,
geralmente, isso acontece em um quarto no térreo, sem grades na janela,
ou em um prédio sem porteiro, onde qualquer pessoa pode pressionar
botões o suficiente e ser tocada. Estou com trinta andares, em um
apartamento com um sistema de segurança caro e elaborado
incorporando câmeras, sensores e bloqueios de alta tecnologia. Minha
própria irmã está no final do corredor.

Oh meu Deus, Sadie. Eu suspiro, embora não haja ar em torno de sua


luva. Mas de alguma forma, ele deve sentir minha preocupação porque
diz:

— Ela está bem. É para você que eu estou aqui.

Este homem - quem quer que seja - não é um criminoso comum,


decidindo espontaneamente me roubar ou estuprar. A visita desta noite
foi cuidadosamente planeada, executada com habilidade. Ele é um
profissional.

—Vou puxar minha mão agora. Seria uma vergonha terrível quebrar
seu pequeno pescoço. — Sua voz é suave, culta, seu sotaque espanhol,
mas com uma pitada de britânico também. Ele me lembra alguém que
conheci em Worthington, que havia sido criado na América do Sul, mas
frequentava a escola na Inglaterra.

Aqueles olhos escuros se estreitam, e percebo que ele tem cílios


extraordinariamente longos. Eu sou uma otária por cílios longos em
caras, eles podem suavizar até as características mais difíceis. Mas hoje à
noite, neste homem, isso apenas o faz parecer mais ameaçador. Eu engulo
em seco e seu olhar segue o movimento da minha garganta.

—Uma verdadeira vergonha — acrescenta, a curva de sua boca


enviando outra onda de inquietação ondulando em minhas veias.

Sua mão levanta, apenas um pouco a princípio, e minha respiração


rápida é o único som no quarto. Os lábios dele se abrem, exibindo dentes
que viram mais do que o quinhão de café e nicotina, mas são
perfeitamente uniformes e retos.

—Imaginei você como uma garota inteligente. Que bom que você
provou que estava certo.
—O que você quer?

—Direta ao ponto, eu também gosto disso. Seu marido é um homem


de sorte. — Ele gesticula para o espaço vazio ao meu lado antes de voltar
o foco para o meu rosto. —Embora não seja muito inteligente. Ele
obviamente não gosta do que o espera em sua própria cama.

Afasto-me do seu olhar avaliador, a bile subindo pela minha


garganta. Ele solta uma risada suave, arrastando um dedo enluvado ao
longo da minha coxa que escapou de debaixo das minhas cobertas
enquanto eu estava dormindo. Estou desconfortavelmente consciente de
que não estou usando calcinha por baixo da minha camisola curta.

—Não se preocupe chica, esta é uma ligação comercial.


Normalmente, eu lidaria com seu marido, mas ele não está aqui. Ele não
está em nenhum lugar que eu possa encontrá-lo e não gosto de não
encontrá-lo. Isso me faz parecer mal, entende?

Eu vejo. —Você trabalha com Tucker?

—Isso te surpreende? — Um cacho de cabelos paira sobre o lábio,


pequeno demais para ser chamado de bigode. Senta-se, como um besouro
gordo, logo abaixo do nariz, movendo-se a cada palavra. Não consigo
desviar o olhar, perguntando-me se será a última coisa que vejo. —Eu não
pareço um parceiro de negócios do seu marido?
Corro para voltar atrás. Este não é um homem que eu quero insultar.

—Não, claro que não. Eu sinto Muito. Eu só...

Sua risada gutural me interrompe. —Estou apenas provocando. Seu


marido e eu nunca nos conhecemos. Ele sempre fazia seu trabalho, então
não havia necessidade. Mas agora ele se foi, e meus chefes estão
preocupados. E quando eles estão preocupados, eles me ligam, e então eu
tenho que me envolver. Você entende?

—Sim. Mas também não sei onde ele está.

Sua mão continua subindo, subindo lentamente pelas minhas


costelas, ao longo da curva do meu peito, passando o dedo pela minha
clavícula exposta.

—Agora, essa não é a resposta que eu estava esperando, chica. Tem


certeza de que não quer pensar um pouco mais?

Uma lágrima escapa do canto do meu olho, escorrendo pela minha


têmpora.

—Eu não sei. Realmente. Passei os últimos dias tentando lembrar o


que aconteceu naquela noite no barco. Mas não, ainda está em branco, e o
médico disse que minhas memórias podem nunca voltar. Acredite, eu
quero encontrá-lo tanto quanto você.
Ele inclina a cabeça para o lado. —Não tenho certeza se isso é
verdade.

—Isto é. Se eu não acabar na cadeia, viverei sob uma nuvem de


suspeita pelo resto da minha vida, seja como seu co-conspirador,
assassina ou como a mulher mais estúpida do mundo por não saber o que
meu marido era até...

Não acredito que estou choramingando para um estranho


ameaçador que invadiu meu quarto no meio da noite... e, no entanto, as
palavras continuam chegando.

—Sua mesa estava limpa quando voltei da Flórida. Estou


procurando pistas no Face book e Instagram, pelo amor de Deus. —
Definitivamente não é o meu momento de maior orgulho, mas eu tinha
vasculhado as mídias sociais de Wren, esperando encontrar algo para
reforçar a teoria de que ela e Tucker planejavam sua fuga juntos.

—E? O que você achou?

Seus olhos penetram em mim, finalmente interrompendo a torrente


de palavras que saem da minha boca. Mesmo se eu tivesse provas de que
Wren ajudou Tucker e está tentando me enquadrar, não posso sentir esse
homem nela. Eu não gostaria que essa ligação noturna fosse para o meu
pior inimigo.
—N-não muito. Tucker viajou para o exterior o tempo todo, para
muitos países diferentes. — Faço uma pausa, a ansiedade batendo na
minha caixa torácica. —Mas suponho que você já sabia disso.

—Sim. Eu sei isso. A questão é: em qual desses lugares encontrarei


seu marido.

Tentáculos de medo correm pela minha espinha, arranhando a parte


de trás do meu pescoço. Lembro-me de ler em algum lugar que a chave
para sair de uma situação perigosa é estabelecer um relacionamento com
seu atacante.

—Qual é o seu nome? — Eu pergunto agora.

Ele arqueia uma sobrancelha. —Você planeja me pedir amizade no


Face book?

—Não. Claro que não. Eu... — Eu respiro trêmula. —É só que...


queremos a mesma coisa, eu acho. Talvez possamos trabalhar juntos.

Os lábios dele se contraem.

—Disseram-me que não trabalho bem com outras pessoas. — Ele


olha para baixo e eu amaldiçoo minha escolha de roupas noturnas. Meu
decote está mostrando decote demais. —Mas nunca trabalhei com uma
mulher antes. Talvez eu deva reconsiderar.
—Não, não, está tudo bem. Está tudo bem, sério. Sem problemas. —
Eu estou balbuciando. —Isso deve ser algum tipo de mal-entendido.
Quero dizer, tenho certeza de que Tucker não pretendia irritar seus
chefes.

—Não fale sobre meus chefes.

Fecho a boca com a ameaça implícita, me perguntando se já falei


demais.

—Me escute. Vou lhe contar um pequeno segredo, chica. Seu marido
é um homem inteligente, talvez muito inteligente, embora não tenha bom
senso. Às vezes, pessoas inteligentes são assim, aprendem muito com os
livros e não o suficiente da vida. — Ele faz uma careta, balançando a
cabeça brilhante. —Ele era muito bom em receber dinheiro,
especialmente dinheiro que vinha de lugares em que os Estados Unidos
não deveriam receber dinheiro, parece que veio de outro lugar. Muito
dinheiro. Mas agora, seu marido está desaparecido. E o dinheiro também.
Só porque ele limpou, não faz dele.

Não consigo recuperar o fôlego.

—Ele pegou o seu dinheiro? — Quem rouba pessoas com assassinos


em sua folha de pagamento?
Tucker sempre foi inteligente, brilhante até. Um cara de boa
aparência com uma genealogia poderosa. Ele pensou que isso o tornava
invencível.

Mas quem sou eu para julgar? Eu pensei que isso o tornava, e por
extensão eu, invencível também.

Nós dois estávamos errados.

E agora parece que Tucker me deixou segurando a sacola. Um vazio.

Outra risada suave e arrepiante.

—Não é meu dinheiro, não. Dinheiro pertencente às pessoas que me


enviaram. Se não receber de volta, eles enviarão outra pessoa. E outra
pessoa depois disso. Então, você entende por que precisamos encontrar
seu marido. — Não é uma pergunta, mas eu aceno de qualquer maneira.
—Aceito sua palavra de que você não sabe onde ele está, mas é melhor
descobrir isso rapidamente. Eu não sou um homem paciente.

Ele começa a se levantar, mas depois hesita.

—Co-conspiradora— ele sussurra suave como um suspiro. —Existe


uma razão para acreditar que você é tão culpada quanto seu marido? Se
você sabe onde está o dinheiro... Talvez eu não precise procurar tanto
pelo seu marido?
Minha respiração prende no fundo da minha garganta enquanto ele
olha para mim, seus olhos se tornando ainda mais frios, ainda mais
escuros. Não, por favor, vá.

Mas ele não. —Você é linda, e mulheres bonitas são frequentemente


as mais astutas. — Seu polegar enluvado varre meus lábios trêmulos, sua
palma contra minha mandíbula.

—Eu não sei de nada, eu juro.

Seus lábios carnudos se curvam quando ele se senta, arrastando o


lençol Frette e o edredom da cama. Polegada por polegada, estou exposta.
—Você sabe no que mais as mulheres bonitas são boas? Deitadas. Aposto
que você é uma boa mentirosa. Como posso ter certeza de que você está
sendo honesta comigo?

Balanço minha cabeça para frente e para trás, um fio de cabelo preso
no canto da minha boca.

—Eu estou dizendo a verdade. — Uma lágrima desliza pela minha


bochecha, depois outra e outra. —Eu não sei nada sobre dinheiro. Nem
mesmo o que está em nossas contas correntes. — Minha voz quebra. —Eu
nem sei como pagar minha advogada.

Ele exala profundamente e deixa cair a roupa de cama. —Pare de


chorar ou eu lhe darei algo para chorar.
Eu fungo, enxugando minhas lágrimas com mãos trêmulas. —
Desculpa.

—Esse bastardo, vou ter que caçar, como um animal... — Ele alcança
minha mão esquerda, segurando minha enorme aliança para olhar mais
de perto e expondo uma cicatriz longa e fina que vai do maxilar ao queixo.
—Ele manteve você aqui, como um pássaro em uma gaiola.

Quando ele solta meus dedos, seu sorriso é mais ameaçador que sua
cicatriz.

—Só não voe longe até eu ter o dinheiro ou terei que caçar você
também.
CAPÍTULO CINQUENTA
E TRÊS
New York City

—EI, BELA ADORMECIDA. Você planeja acordar tão cedo?

Estremeço com o tom estridente de Sadie, minha cabeça latejando


como se eu tivesse dormido em um travesseiro de unhas enferrujadas.
Minha memória da noite passada é mais um ataque.

O homem no meu quarto.

As perguntas dele.

Suas ameaças.

O pano úmido que ele colocou na minha boca, pouco antes de me


avisar para não contar a ninguém sobre sua visita. O ou não foi dito, mas
estava lá. O que quer que o pano tenha sido absorvido me colocou
imediatamente fora, e deve ser o motivo da minha dor de cabeça
assassina esta manhã.

Um pássaro em uma gaiola, ele me disse. Uma frase bonita e


perspicaz completamente incongruente com a pura ameaça dele.

Ele não me conhecia e, no entanto, sabia o mais importante sobre


mim. Apesar dos meus lençóis altos, cortinas de seda e anéis de Harry
Winston, sou prisioneira. Cativa dentro de uma jaula em que entrei de
bom grado.

Sadie me olha interrogativamente.

—O que está acontecendo com você? Você chegou às barras ontem à


noite ou algo assim?

—Sim, eu escapei quando você não estava olhando — eu brinco. —


Você pode me arranjar um Excedrin?

Momentos depois, ela está de volta ao meu lado, sacudindo duas


pílulas da garrafa. Eu gemo com o barulho, mas os aceito com gratidão.

—A batida na sua cabeça está doendo de novo?

—Mm-hmm — eu digo, engolindo a água da garrafa na minha mesa


de cabeceira. Não posso contar a ela sobre o homem da noite passada.
Sadie sempre será minha irmã mais nova e, francamente, estou
enlouquecendo o suficiente para nós duas.

—Ok, espero que isso funcione porque a sua advogada ligou. Disse
que ela iria parar para discutir algumas coisas com você.

Meu cérebro parece um navio de cruzeiro tentando fazer uma


inversão de marcha, pesado e pesado. —Reese?

—A menos que você contratou um novo da noite para o dia.

—Aqui?

—Sim. Pode querer sair do seu pijama.

Uma forte sensação de pressentimento redemoinhos na boca do


estômago. Reese Reynolds fazendo uma ligação? Isso não pode ser bom.

E... merda. Eu preciso pagar a ela.

Seu marido está desaparecido. E o dinheiro também. Só porque ele


limpou, não é dele.

Tucker também poderia ter esgotado nossas contas pessoais? O


alarme entra no meu intestino enquanto eu agarro meu laptop, entrando
no meu navegador da Internet antes de perceber que não tenho
absolutamente nenhuma ideia de como verificar nossas contas. Tucker
sempre lidou com todas as nossas finanças. Mesmo quando recebi meu
próprio salário, ele foi depositado diretamente em uma de nossas contas
e simplesmente usei os cartões de crédito que Tucker me deu para
minhas compras. E se eu precisasse de dinheiro, tudo o que precisava
fazer era pedir.

Quem eu pergunto agora?

—Eu tenho um problema.

A expressão de Reese permanece impassível. —Os problemas são


como eu ganho minhas taxas.

—Sim, bem, acho que você tem seu trabalho preparado para você. —
Eu limpo minha garganta, sentindo uma onda de vergonha por ceder o
controle, mesmo sobre a necessidade mais básica - acesso a uma conta
corrente - a Tucker.

—Não sei como acessar minhas contas bancárias.

Reese se inclina para trás, braços cruzados enquanto ela me avalia


criticamente.
—Bem, agora, isso é um problema. Embora um que deva ser
relativamente fácil de resolver. Supondo, é claro, que seu marido não
tenha deixado você sem um tostão.

Eu mastigo o interior da minha bochecha, com medo de admitir o


quão plausível é esse cenário, minha advogada sairá pela porta e nunca
mais voltará. Duvido muito que minha advogada de alto poder defenda
mulheres que moram em coberturas de dez milhões de dólares em
Manhattan pro Bono?

Felizmente, ela não faz nenhum movimento para sair.

—Qual é o seu número de segurança social? — ela pergunta,


pegando o telefone e fazendo uma ligação.

Eu respondo, e ela repete para a pessoa do outro lado da linha.

—Preciso de uma análise financeira completa da senhora Stockton


imediatamente e, assim que terminar, também quero uma do marido
dela. E quando você pensa que terminou, não está. Quero empresas de
fachada, depósitos, transferências bancárias, desembolsos de fundos,
taxas. Quero ver até o cuzão fiscal de Tucker Stockton que vou precisar de
um cigarro depois, entendeu? — Ela termina a ligação, olhando para mim
com um sorriso satisfeito no rosto. —Ok, então, agora que está resolvido,
vamos falar sobre o seu caso.
Ela desliza uma foto em minha direção.

—A faca. Dê uma olhada e me diga o que vier à mente.

Choque ondula através de mim enquanto eu encaro a lâmina


ensanguentada saindo de um cabo de marfim.

—É - é do prato de charcutaria. Eu usei para cortar o chouriço. —


Quando o detetive Reardon me perguntou sobre uma faca, imaginei algo
maior, mais nítido e mais letal.

—Foi com isso que esfaqueei Tucker?

Reese faz uma careta.

—Não admita esfaquear Tucker com nada, está me ouvindo?

Concordo, mas por dentro estou tremendo. Eu não fiz isso. Eu não
matei Tucker. Não sei como ou por que o sangue dele atingiu a faca - mas
não foi porque eu pretendia machucá-lo.

—No que diz respeito ao processo criminal contra você, pelo menos
suas impressões fazem sentido agora. — Seu telefone vibra e Reese
aperta os olhos. —Parece que meu cara já montou um instantâneo
financeiro preliminar para você.
Tento diminuir a respiração enquanto Reese baixa o relatório em
seu iPad. Ela dá um tapinha na cadeira ao lado dela.

—Venha, vamos rever isso juntas.

Troco de lugar, minhas sobrancelhas se juntando enquanto estudo


as informações na tela. Abaixo do meu nome, há um número de conta
bancária e um valor em dólar. $ 112.968,47. Abaixo disso estão vários
cartões de crédito. Vários montantes, todos com menos de dez mil
dólares, foram anotados ao lado de cada um. Todos os três estão
marcados como atuais.

Reese olha para o meu rosto.

—O que está errado?

—Duas coisas. Primeiro, eu não uso esse banco há anos. E segundo,


eu reconheço apenas dois dos cartões de crédito.

Seu telefone vibra novamente e ela atende, suspirando.

—O perfil financeiro do seu marido está se mostrando mais difícil.


Não posso dizer que estou surpresa, dada a riqueza, a ocupação e as
acusações que ele está enfrentando. Para dizer a você, vou enviar essas
informações por e-mail e você pode tentar descobrir o que é o quê.
Enquanto isso, voltarei ao meu escritório e verei o que posso descobrir.
Eu concordo com a cabeça. Ainda sinto a mão do invasor no meu
quadril, ouço o eco de sua voz suavemente acentuada, provocando
ameaças geladas. Na próxima vez que ele aparecer, e tenho certeza de que
haverá uma próxima, é melhor eu ter algo a dizer a ele.
CAPÍTULO CINQUENTA
E QUATRO
New York City

EU RASTEJO DE VOLTA PARA A CAMA COM O MEU LAPTOP, depois


pego o site do banco que usei na faculdade. Eu digito o número da conta
no e-mail que Reese me enviou e preencho uma dúzia de caixas com meu
nome, endereço, número de previdência social e alguns outros bits de
dados de identificação. Depois de confirmar meu endereço de e-mail, sou
redirecionada para um portal seguro e, assim, tenho acesso a dinheiro
que nem sabia que existia algumas horas atrás.

Mas de onde veio?

Percorrendo as declarações anteriores, volto meses e anos para


encontrar o depósito mais recente - um salário. De fato, esses são os
únicos depósitos que já foram feitos na conta. Contribuições bimensais. O
dinheiro da conta é a soma dos meus ganhos por trabalhar no
TeenCharter, todos pagos através de depósitos diretos na minha conta
bancária.

Isla classifica nosso correio, deixando tudo, exceto catálogos, lixo


eletrônico, tudo sobre minha mãe e o ocasional cartão de aniversário ou
convite de casamento no balcão da cozinha. Contas e extratos bancários
vão diretamente para Stockton Capital ou são deixados para Tucker em
seu escritório em casa. Não há necessidade de você se preocupar com a
papelada, ele me garantiu. Eu dou tudo para um contador de qualquer
maneira.

Fora da vista, longe da mente.

Minha falta de envolvimento em nossos assuntos financeiros nunca


me incomodou. Por quê? Dinheiro nunca foi um problema.

Até agora.

Olhando de novo para o meu saldo bancário, percebo que mal é


suficiente pagar o funcionário de Reese e o salário de Isla, sem falar nas
despesas básicas como comida e as taxas de manutenção de nosso
apartamento.

Deve haver mais dinheiro em algum lugar. Eu só tenho que


descobrir como acessá-lo.
Voltando minha atenção para os cartões de crédito, sigo o mesmo
procedimento que fiz no meu banco, entrando no site e inserindo os
números da conta e meus dados pessoais. Mas isso não me dá o acesso
que eu quero.

Abafando um gemido, ligo para o número no verso do meu cartão


Black American Express. O representante do serviço ao cliente é educado
e amigável, explicando pacientemente que sou apenas uma usuária
autorizada, não o titular da conta. Acesso negado.

Minha conversa com a Visa é quase idêntica.

Mas isso ainda deixa mais um cartão. Aquele que não está na minha
carteira.

Ligo para o número de atendimento ao cliente listado no site da


MasterCard. Mas o resultado é o mesmo que os outros dois. Negado.

Os pontos no meu couro cabeludo parecem apertados ao redor do


meu ferimento, quase como se minha cabeça se expandisse a cada esforço
desperdiçado. Avistando a garrafa de Excedrin Sadie deixada na minha
mesa de cabeceira, aperto outra na minha mão.

Para quem mais posso ligar?

O contador.
Fechando meu laptop, tento me lembrar se Tucker já o mencionou
pelo nome. Tenho certeza de que ele teria usado alguém em Stockton,
mas deve haver dezenas de contadores na equipe, no mínimo.
Certamente, uma cláusula de confidencialidade não impedirá Keene de
encaminhar minha ligação para o contador de Tucker.

Amaldiçoando minha complacência pela milésima vez nos últimos


dias, ligo para o número principal da Stockton Capital e sou redirecionada
para a linha de Keene. Se ao menos eu tivesse tido o menor interesse em
nossos assuntos financeiros em algum momento do casamento, não
estaria nessa posição.

Ele atende no segundo toque.

—Sra. Stockton, você é... - ele para, a tensão em sua voz óbvia. —É
um mau momento.

—Compreendo. É para mim também. Só estava pensando se você


poderia me passar por quem lida com nossas finanças pessoais. Preciso
pagar algumas contas e estou tendo dificuldade em obter informações dos
meus cartões de crédito porque não sou a dona da conta.

Keene interrompe. —Presumo que você não tenha visto as notícias


hoje.
—Não. Hoje não. Por quê? O que está acontecendo? — Pego o
controle remoto na minha mesa de cabeceira.

—Estamos sendo investigados pelo FBI. As negociações foram


suspensas, computadores e arquivos estão sendo apreendidos. — Meu
queixo cai quando a tela ganha vida, mostrando uma vista da rua do
prédio de escritórios de Tucker, um enxame de jaquetas azuis carregando
caixas com equipamentos eletrônicos ou resmas de papel em uma van
branca estacionada no meio-fio.

—Não é um bom momento agora. Eu sinto muito. Eu realmente


tenho que ir.

Ele desliga e leva um minuto para perceber que o som estranho no


meu ouvido é um tom de discagem. Eu deixei o telefone cair no colchão.

A cena que está passando na TV me lembra de assistir a Guarda


Costeira procurar Tucker. Todas aquelas pessoas - em barcos, na praia, na
água, pairando acima em helicópteros. Tantas pessoas procurando
apenas um homem.

Todo esse esforço, e eles ainda não o encontraram.

Claramente, a investigação está se expandindo, o círculo de


suspeitas se ampliando. A esposa dele. Nossa vida particular. Agora é da
conta dele. Tudo está sendo destruído em busca de Tucker.
Estou vivendo em um jogo da vida real de dominós.

Tucker se foi.

Stockton Capital, tão bom quanto foi.

Eu sou a próxima? Vou passar o resto da minha vida na prisão por


um crime que agora tenho certeza de que não cometi?

Crimes, sério. Todas as palavras-chave que eu tenho ouvido na TV


enxame dentro da minha cabeça como vespas furiosas. Assassinato.
Homicídio. Lavagem de dinheiro. Roubo. Ajudando e incentivando uma
empresa criminosa.

Tucker está assistindo isso? Como ele poderia ter deixado isso
acontecer?

Eu aumento o volume.

Agentes apreenderam documentos hoje nos escritórios da Park


Avenue, em Stockton Capital, a empresa de administração de dinheiro com
sede em Manhattan, executando mandados de busca autorizados pelo
tribunal como parte de sua investigação sobre um dos maiores casos de
suposta lavagem de dinheiro na história dos Estados Unidos. Fontes
confirmaram que este é um esforço conjunto do FBI, da promotoria de
Manhattan e do Departamento do Tesouro, embora se espere que a SEC se
envolva em breve.

A tela muda para uma montagem minha e de Tucker em nosso


casamento, depois em vários eventos de gravata preta antes de mostrar
imagens da operação de busca e salvamento.

Desde o desaparecimento de Tucker Stockton, há quase uma semana,


as autoridades próximas à investigação dizem estar preocupadas com o
potencial dos associados da Stockton Capital em destruir evidências críticas
para a investigação. A empresa não retornou mensagens buscando
comentários. Estamos acompanhando essa história de perto e teremos mais
detalhes para você assim que estiverem disponíveis.

A câmera retorna aos repórteres do estúdio em rede.

Você deve se lembrar que a esposa de Tucker Stockton, Poppy


Stockton, foi libertada do hospital da Flórida, onde foi tratada por
ferimentos sofridos durante o fatídico passeio de barco do qual o marido
não voltou. Fontes nos dizem que ela foi questionada pelas autoridades,
embora ainda não tenha sido oficialmente apontada como suspeita. No
entanto, a Sra. Stockton contratou os serviços de Reese Reynolds e
contatamos a famosa advogada de celebridades para comentar. Até agora,
nossas ligações não foram retornadas.
A parte de trás do meu pescoço está quente, como se estivesse
aquecida pela respiração de alguém me perseguindo. Como se estivesse
sendo caçada. O outro repórter concorda com a cabeça e lê uma entrada
para a próxima história.

Alcançando debaixo do meu suéter, coço os cortes nas minhas


costas, minha mão saindo manchada de sangue fresco.

—Ei, Poppy. Você está assistindo... —Ela para de falar quando enfia
a cabeça na minha porta e avista a tela da televisão.

—Sim. Eu vi.

Seus olhos sondam os meus. —Você está bem?

Eu respondo honestamente. —Eu não faço ideia.


CAPÍTULO CINQUENTA
E CINCO
New York City

—OBRIGADO POR VIR— digo a Gavin, deixando-o me puxar para


seus braços e exalando um suspiro irregular de alívio e gratidão.
Finalmente capitulei e contei a ele sobre o homem que invadiu meu
apartamento na outra noite.

—Poppy, você deveria ter me ligado imediatamente. — O horror


está escrito nos pequenos vincos que se estendem para fora dos cantos
dos olhos estreitados. —Se o seu apartamento não é seguro, você não
pode ficar aqui.

Eu empurro meu nariz na curva de seu ombro, respirando fundo.


Gavin ainda cheira o mesmo, mesmo depois de todo esse tempo. Roupa
fresca e pinhas.

—Não tenho mais para onde ir.


Ele descansa as mãos na curva dos meus quadris, me puxando para
ele. Sua voz fica rouca e protetora, quase a combinação mais suada que
existe.

—Então você ficará comigo.

A ideia de se aconchegar com Gavin em sua casa está longe de ser


desagradável, mas eu relutantemente balancei minha cabeça.

—Você não pode me vigiar noite e dia. E além do mais, eu tenho


Sadie.

Gavin levanta o queixo do topo da minha cabeça e olha em volta.

—Ela está em casa?

—Não. Ela está fora. Uma aula de spin, eu acho.

Eu permaneço nos braços de Gavin por um longo tempo, tirando


conforto de seu volume sólido e aperto suave. Deus, é bom ser realizada.
Após meu aborto, rejeitei todas as tentativas de afeto. Eu não queria tocar
ou ser tocada, amar ou ser amada.

Mas Gavin está me fazendo querer tudo isso de novo. Ele está
acendendo uma paixão dentro de mim, do tipo que leva você a uma onda
espumosa e branca. Mas ele nunca vai me deixar levar para o mar,
sozinha e assustada. Gavin é meu porto seguro, seu compromisso é uma
âncora em que posso confiar. Eu errei ao duvidar dele e não vou cometer
esse erro novamente.

Levará tempo para mergulhar completamente em outro


relacionamento, mesmo com Gavin, porque ainda há muito a me amarrar
a Tucker. Feridas invisíveis que ainda não cicatrizaram. Potenciais
acusações criminais. O bandido de alta tecnologia que entrou no meu
quarto como se eu tivesse estendido o tapete vermelho. Jurados
juramentados. Arranjos financeiros complexos.

Eu mudo em seus braços, esperando um beijo. Está errado, eu sei.


Estamos no apartamento que compartilhei com Tucker. Mas sinto que
posso estourar se não sentir a pressão dos lábios de Gavin nos meus,
provar a menta quente de sua respiração, ouvir seu gemido irregular
enquanto nossas línguas deslizam juntas.

Quando ele olha para mim, os olhos de Gavin estão brilhando como
chamas azuis. Ele está sentindo o que estou sentindo, eu sei disso. Mas em
vez de um beijo na minha boca, seus lábios não viajam mais longe do que
minha testa. Eu quero bater meu pé em frustração.

Depois de tudo que compartilhei com ele, Gavin está me tratando


como se eu fosse feita de porcelana fina, correndo o risco de quebrar com
o menor movimento errado.
—Eu não vou quebrar, você sabe. Não com você.

—Eu...

—Você acha que sou frágil.

Para minha surpresa, Gavin realmente ri.

—Frágil? Poppy, você é a pessoa mais forte que eu já conheci.

De todas as coisas que Gavin já me disse, essa é de longe a minha


favorita. Afasto-me dele e golpeio as lágrimas que escorrem dos meus
olhos antes que elas possam cair.

—Bem, agora que está resolvido, eu mostrarei a você o


apartamento.

Trazê-lo para o meu quarto parece um pouco desconfortável, a


prova gritante do colchão de que compartilhei uma cama com outro
homem. Ridículo, já que dificilmente é um segredo. Mas Gavin não faz
comentários enquanto examina diligentemente todos os equipamentos e
peças de mobiliário para câmeras plantadas ou dispositivos de gravação e
verifica as janelas quanto a qualquer sinal de que foram violadas ou
abertas recentemente.

Depois de olhar dentro de nossos armários, ele pergunta


casualmente:
—O que vem a seguir?

Meus olhos automaticamente vão para a porta fechada logo depois


do nosso quarto. A enfermaria.

Gavin deve sentir o tumulto crescendo dentro de mim.

—Quer saber, vou conversar primeiro com a equipe de segurança -


ver o que as câmeras capturaram naquela noite. Quando voltar, talvez
tenha uma ideia melhor do que estou procurando.

Eu aceno, piscando para trás a picada de lágrimas quentes. O quarto


dos meus bebês é um espaço sagrado para mim. Provavelmente, eu
poderia lidar com mostrá-lo a Gavin... mas se ele encontrasse evidências
de que aquele homem cruel e malévolo da outra noite estava lá dentro,
que havia mexido nas coisas deles...

—Obrigado— murmuro, caminhando com ele até a porta da frente


com pernas fracas.

—Ouça, antes de eu ir, eu quero lhe mostrar isso. — Ele puxa um


pedaço de papel dobrado do bolso. Um extrato de cartão de crédito para o
único cartão que não está na minha carteira. —Essa cobrança aqui é de
uma empresa de aluguel de barcos em Key West. Como você pode ver, foi
rapidamente revertido. Liguei e o barco foi alugado com dinheiro, mas
eles precisam de um número de cartão de crédito para reservá-lo e
alguém o executou acidentalmente antes de perceber seu erro.

—Esse não é o meu cartão de crédito — digo, explicando


rapidamente a situação.

—Dê isso ao seu advogado então. Não apenas o cartão está


registrado em seu nome, como em seu endereço, mas o barco foi alugado
por alguém que corresponda à sua descrição. A mulher pediu
especificamente um barco rápido e leve que ela pudesse usar para
mergulhar em algumas das ilhas mais rasas, mais distantes. Parece muito
com os Dry Tortugas.

—Eu nunca aluguei um barco na minha vida, mas mesmo se tivesse,


não faz sentido. Por que eu alugaria uma lancha quando já tínhamos uma,
mais o iate?

—Um promotor pode argumentar que você precisava de um veículo


de fuga. Outro barco ancorado na costa da ilha.

—Mas eu não fugi. Ainda estou aqui.

—No último minuto, você decidiu não ir ou Stockton decidiu não


levá-la. Houve uma luta, e ele deixou você para trás. Agora você está
mentindo para esconder seu envolvimento.
Sinto minha boca secar.

—Não foi isso que aconteceu. Gavin, você tem que acreditar em
mim...

—Eu acredito. E é por isso que estou dando isso a você. Se você
puder provar que outra pessoa usou esse cartão, isso ajudará muito a
provar sua inocência. — Seu olhar azul está firme no meu quando ele
coloca uma mecha de cabelo atrás da minha orelha, a ponta do polegar
varrendo minha bochecha. —A prova não é para mim. Eu não preciso
disso. Eu sei que você não matou o bastardo, mesmo que ele merecesse.

Estou cambaleando de gratidão pela fé de Gavin em mim, mas


lembro-me de colocar uma mão restritiva em seu braço no momento em
que ele se vira. —Sadie pode estar aqui quando você voltar. Ainda não
contei a ela sobre nós.

Ele suspira. —Há muita coisa que você não contou a ela.

Gavin nunca entendeu por que eu o mantive em segredo de Sadie,


talvez porque ele era filho único. Ele nunca teve que compartilhar nada
ou ser responsável por um irmão mais novo.

—Eu irei contar. Eu prometo. — E eu quero dizer isso.


Depois que ele sai, vou para a cozinha para me fazer uma xícara de
chá.

Acabei de tomar meu primeiro gole quando a porta da frente se


fecha e ouço Sadie soltar a bolsa e as chaves na mesa lateral. —Poppy,
você está em casa?

—Na cozinha — eu chamo.

Ela coloca uma sacola quadrada marrom na minha frente, junto com
uma garrafa Snapple.

—Eu não poderia comer um hambúrguer e rodelas de cebola na sua


frente se você não quisesse e, francamente, não estou com vontade de
compartilhar, então pedi dois.

Eu ofereço um sorriso fraco quando Sadie abre sua sacola. Ela


morde um anel de cebola e geme.

—Oh meu Deus, isso não decepciona.

Surpreendentemente, meu estômago dá um resmungo audível e


também alcanço minha sacola. Talvez fazer uma pausa para o almoço não
seja uma má ideia. Eu envio um olhar apreciativo para Sadie enquanto
mordo um anel de cebola. Ela não estava brincando. Eles estão muito
quentes e deliciosamente salgados.
—Veja, eu te disse. — Ela pega seu hambúrguer com as duas mãos.
—Alguma novidade para relatar?

Termino de mastigar e torço a tampa da minha bebida. —De quem?

—Qualquer um. Sua advogada, o FBI... — Ela olha para a TV na


parede, a tela é misericordiosamente escura. —Ainda não verifiquei as
notícias hoje.

Penso em Gavin lá embaixo, vasculhando as imagens de segurança


para ver o homem que invadiu o apartamento há menos de quarenta e
oito horas atrás. O extrato do cartão de crédito que ele me deu está no
meu bolso.

—O FBI pode estar construindo um caso contra mim como co-


conspirador.

Sadie solta uma risada. —Você?

—Não é tão improvável. Não, se eles acham que eu aluguei o barco


que Tucker pode ter usado para escapar.

—Existe alguma prova disso? Ou que Tucker está morando em


algum lugar como fugitivo?

Mas eu não estou ouvindo.


—Meu Deus. E se é isso que Wren estava procurando quando ela
rasgou o escritório de Tucker outro dia - a prova de que ela o ajudou a
escapar?

—Ela poderia estar procurando qualquer coisa. Ela é doida.

Wren pode ser um monte de coisas. Mas ela não é maluca. Ela é
inteligente e dedicada a Tucker.

Pego o extrato do cartão de crédito e empurro-o sobre a mesa.

—Alguém usou meu nome para alugar um barco. Bem, na verdade,


eles não pretendiam alugá-lo com este cartão, apenas deram o número
para a pessoa que lida com a papelada. O cartão foi executado por
acidente e revertido quase imediatamente.

Sadie deixa cair o hambúrguer, pegando o pedaço de papel. Depois


de um longo momento, ela joga de volta para mim.

—E daí? Eles não podem provar que foi usado para tirar Tucker do
país. Eles nem conseguem provar que ele ainda está vivo.

—E o cartão de crédito? Aquele em meu nome?

—Poppy, você estava no Delano em Miami. Em qualquer lugar onde


haja turistas ricos, existem ladrões de identidade. Tenho certeza que você
acabou de ser enganada.
—Você provavelmente está certa. — Dou uma mordida no meu
hambúrguer, decidindo que não é tão bom quanto à cebola. —Mas ainda
não explica como Tucker escapou.

Sadie se levanta, jogando sua refeição mal tocada no lixo.

—Eu pensei que você estava morrendo de fome?

Ela encolhe os ombros.

—Meus olhos são maiores que meu estômago, eu acho. — Ela abre a
torneira e lava a gordura das mãos, os lábios contraídos como se estivesse
segurando um bocado de palavras. Espero, sabendo que minha irmã não
será capaz de mantê-las dentro por muito tempo.

—Ouça, eu odeio dizer isso de novo. Mas quem pode dizer que ele
escapou?

—Você pensa....

—Eu não sei — ela interrompe. —Ninguém sabe, certo? Mas se você
caiu e cortou sua cabeça, talvez ele também tenha caído. Se seu sangue
estivesse nele...

—Apenas diga isso, Sadie.


—Tubarões. Já falei, ok? Essas são águas infestadas de tubarões. E
eles não conseguem detectar sangue na água a uma milha de distância?

Minha atenção desliza para a prateleira logo acima do ombro de


Sadie, para uma fotografia de Tucker da nossa lua de mel. Ele não
percebeu que eu a havia pegado até imprimi-la e colocá-la emoldurada.
Ele estava parado na varanda da nossa vila em Bora Bora, o mar um
cenário deslumbrante. Ele ainda não havia se barbeado e seu cabelo ainda
estava despenteado por causa da brincadeira matinal.

Tucker parecia aberto, vulnerável. Um bom homem com uma alma


velha. Um homem que amei.

E eu o amava então. Quando eu acreditei nas mentiras, que ele me


contou. Quando eu pensei que ele era mais bom do que ruim. Que
deveríamos ser.

Esses dias acabaram.

Mas ainda não consigo imaginar que ele esteja morto.

—E se Wren alugasse um barco em Key West e o ancorasse perto de


Dry Tortuga? Eles o levaram de volta a Key West e ele embarcou em um
avião particular com destino a Cuba. A partir daí, ele já pode estar em
qualquer lugar.
Olho para Sadie, percebendo os pontos brilhantes de cor em suas
bochechas. Ela está segurando o balcão com tanta força que suas juntas
são brancas.

—Você está bem?

—Nada que uma soneca não conserte. — Ela pega a alça da bolsa no
balcão ao lado de seu Snapple meio cheio, derrubando a garrafa. —Oh,
merda— ela grita enquanto derrama diretamente em sua bolsa.

Eu pulo para ajudá-la, pegando as toalhas de papel e ensopando a


poça.

—Droga, está tudo no meu caso cosmético também.

—Eu tenho isso. Você deve lavar os pincéis de maquiagem com


xampu antes que eles estraguem.

Ela me lança um olhar apreciativo e vai para o banheiro. —Obrigado,


mana.

—Sem problemas. Vou colocar tudo para secar aqui— digo,


esvaziando o conteúdo da bolsa de Sadie em um pano de prato limpo.
Percebendo o zíper aberto de sua carteira, começo a sacar dinheiro,
cartões e recibos, colocando-os na toalha para secar. Não é até que eu
estou limpando a parte interna da bolsa dela que noto o Mastercard
dourado com o número da conta agora familiar.

Com meu nome na frente.


CAPÍTULO CINQUENTA
E SEIS
New York City

—NÃO ACREDITO QUE FIZ ISSO. — Voltando para a cozinha, Sadie


se detém quando vê o que estou segurando. —Poppy, eu...— A voz dela
desaparece quando levanto meu olhar para o dela, meus olhos brilhando
com lágrimas.

—O que? Você vai dizer que pode explicar? Como você pode explicar
ter um cartão de crédito com o meu nome? Como você pode explicar isso
quando, há menos de dois minutos, eu disse que era a razão pela qual eles
acham que estou por trás do Tucker...

De repente, tudo se junta e eu largo o cartão.

—Oh meu Deus, eu tenho sido tão estúpida. Foi você. — As palavras
deixam minha garganta em um sussurro tóxico, queimando o
revestimento do meu esôfago quando elas saem.
Eu caio contra o balcão da cozinha, minha cabeça girando.

—Durante todo esse tempo. Foi você, Sadie. Não Wren. Você.

Espero que ela negue a acusação. Tem que estar faltando algo,
alguma explicação para colocar meu mundo de volta em perspectiva.
Vamos, Sadie. Diga-me que sou louca.

À medida que os segundos passam, emoções passam por seu rosto


como a tela de um cinema drive-tru. Ódio. Ciúmes. E então eu vejo outra
coisa também. Mais do que apenas uma contração de seus lábios, um
brilho nos olhos. Orgulho.

Uma onda de náusea bate em mim. Tucker e Sadie. Tucker e Sadie.


Tucker e Sadie.

Tucker e Sadie.

Mas então ela pisca, e por um momento eu vejo além disso tudo. Eu
vejo minha irmã. A única pessoa que eu sempre me senti mais próxima,
como se fossemos duas metades do mesmo todo. A única estabilidade que
Sadie e eu já tivemos foi uma à outra. Crescendo, eu protegi Sadie.
Cuidava dela, protegia-a. E no ano passado, durante a minha gravidez e
depois, quando eu estava quebrada e vazia, pensei que ela estava fazendo
o mesmo por mim. Retornando o favor... em espadas. Por amor.
Quando sua motivação mudou?

Porque isso, seja o que for, vai além da mera rivalidade entre irmãs.
Sadie não está me olhando como uma irmã agora. Eu sou um obstáculo no
caminho dela. Uma barreira a ser violada.

Uma adversária.

—Sim— ela finalmente confirma. —Alguém tinha que intervir. Você


perdeu a cabeça, lembra? Mal conseguia sair da cama, certamente não
poderia ser a esposa que Tucker merecia. Eu precisava fazer tudo por
você. Comprar suas prescrições, forçar você a tomar banho, praticamente
dar comida para você, pelo amor de Deus.

—Alguns dos medicamentos que você receitou não puderam ser


utilizados por ninguém além de você. Meio difícil quando você se recusou
a sair do apartamento. Então Tucker me deu um cartão de crédito em seu
nome e pediu emprestada sua licença. Tudo para que eu pudesse cuidar
de você.

—Você pensou que era tão inteligente por entrar em Worthington,


tão especial por conseguir um cara como Tucker. Mas você não o merecia
na época e ainda não o merece. Você ficou bêbada e se jogou contra ele,
depois agiu de maneira mais santa que você e o tratou como um bandido.
Como você ousa!
Sinto como se o vento tivesse me derrubado. Eu nunca contei a ela
sobre aquela noite.

—Como você...

—Tucker me disse. Ele não guarda segredos de mim, diferente de


você. Costumava doer quando você escondia coisas de mim. Mas você
sabe, eu parei de me importar. Eu já tenho um segredo há meses e você
nem percebeu. Certo, mana.

Estendendo as palmas das mãos sobre a bancada fria de mármore,


fico tão aturdida com a crueldade dela que ela perde uma lembrança.
Brilhante e vívido, domina todo o resto.

Sadie, em uma pequena lancha, aparecendo do nada. Tucker e eu


estávamos conversando. Ou melhor, eu estava conversando com ele. Ele
estava distraído e eu estava tentando chamar sua atenção. Queria que ele
concordasse em se divorciar.

Eu levanto as duas mãos no meu rosto, massageando minhas


têmporas como se eu pudesse esfregar a dor cortando meu crânio.

—Era você — repito, como se, ao dizer novamente, a terrível


verdade afundasse. —Foi você.
—Claro, fui eu. Eu juro, não acredito que você nunca descobriu. Na
verdade, não — diz Sadie com uma gargalhada quase maníaca, —o que eu
não posso acreditar é que Tucker já esteve com você em primeiro lugar.

Seu tom condescendente é um spray de sal nas minhas feridas.

—Então você decidiu tomar o meu lugar?

—Ha! É aí que você está errada. Eu não sou uma substituta. Eu sou a
modelo mais nova e melhor. Você não conseguia prender a atenção dele
ou ter os bebês dele. Era apenas uma questão de tempo até que ele se
livrasse de você.

As palavras de Sadie são flechas bem direcionadas, as pontas afiadas


mergulhadas em veneno. Penetrante até o osso. Pior, muito pior, do que
os fragmentos de médicos de vidro passaram horas tirando da minha
pele. Essas feridas vão sarar, a maioria nem deixa cicatrizes. Mas os cortes
que Sadie está causando agora, ficarão comigo para sempre.

A sala fica embaçada e eu começo a recuar, querendo manter a ilha


da cozinha entre nós. —Você realmente sabe como me chutar onde é
importante, Sadie.

Ela encolhe os ombros. —É sua culpa que estamos nessa bagunça. Se


você tivesse acabado de ir conosco como queríamos, nada disso estaria
acontecendo.
—O que você quer dizer? Por que eu iria a algum lugar com vocês
dois?

—Tucker tentou falar sobre o negócio, o que aconteceria. Mas você


se recusou a ouvir. Ele fez planos para todos nós. Novas identidades.
Muito dinheiro. Teríamos tido uma vida agradável.

—Uma vida boa, fugindo do governo dos EUA e dos criminosos de


quem Tucker roubou - com meu marido e irmã traidores? Realmente?

—Você é tão egoísta. Tudo tem que girar em torno de você.

Outra lembrança, uma extensão da outra, aparece como um


fantasma, sussurrando nos limites da minha mente.

Vozes levantadas. Quebra de vidros. Queda. Dor. Depois escuridão.

—Então você me bateu na cabeça e me empurrou para uma pilha de


vidro?

—Ninguém bateu em você. Você tentou controlar o barco e caiu.


Havia sangue por toda parte. Tucker tentou buscá-la e levá-la para o
outro barco, e suas mãos também foram cortadas do copo. A única
maneira de ele sair era se eu concordasse em deixá-lo e voltar para você.

Eu zombei de sua tentativa de reescrever a história.


—Nem mesmo. Fui encontrada sozinha, lembra?

—Só porque o capitão do iate estava preocupado com um padrão


climático chegando na costa. Ele enviou sua equipe procurando por você
e Tucker. Quando voltei para você, você já tinha sido transportada de
avião ao hospital.

Eu mastigo o interior da minha bochecha, tentando organizar os


comentários egocêntricos de Sadie e minhas memórias dispersas em uma
linha do tempo coesa.

—Por que você não foi embora então? Por que se incomodar em me
checar?

—Eu pensei sobre isso. Mas eu decidi descobrir se você tinha dito
alguma coisa primeiro. E quando a enfermeira me disse que você estava
inconsciente desde que foi encontrada, decidi ficar por aqui e convencê-la
a ficar quieta.

—Mas ... eu não lembrava de nada.

—Um golpe inesperado de boa sorte. Mas então você teve que ir e
contratar Reese Reynolds. Fazendo barulho sobre Tucker fingindo sua
própria morte e tendo um cúmplice. Foda-se, Poppy. Se não fosse por
você, eu estaria deitada em uma praia em algum lugar com Tucker agora.
Ela coloca a mão na barriga, os cantos da boca levantando em um
sorriso misterioso.

—Estou dando a ele a família que você não podia.

A respiração deixa meus pulmões apressados e eu me inclino contra


a parede mais próxima, rapidamente, antes que minhas pernas trêmulas
cedam. Minha irmã vai dar à luz o bebê de Tucker.

E, no entanto, de alguma forma, sua traição não é uma surpresa tão


aguda quanto deveria ser. —Você me disse isso. No barco.

—Sim. — Ela solta uma risada sem humor. —Acho que foi quando
você derrubou as taças de champanhe da cesta.

Um silêncio desconfortável desce. Para onde vamos daqui? Exceto


que nós nesta situação não somos eu e Sadie. Sua lealdade é com Tucker
agora. E se ela o quer, ela pode tê-lo. É exatamente o que eu digo. —Você
pode tê-lo, Sadie. Apenas vá.

Mas Sadie apenas balança a cabeça. —Eu não confio em você, mana.

—Que outra escolha você tem? Eu não vou com você.

Seu olhar se estreita enquanto se desloca para um ponto logo acima


da minha cabeça, um olhar de resignação se estabelecendo sobre suas
feições.
—Não, você não vai.

O sol do lado de fora da janela muda, como se deslizasse por trás de


uma nuvem, momentaneamente banhando minha irmã em uma luz
branca e suave e me lembrando de meus momentos finais com meus
bebês. Nosso último adeus.

E com isso, a realidade finalmente chega em casa. Eu não posso


deixar Sadie ir. Não importa o quanto ela me traiu, ela ainda é minha
irmã. Tucker será pego, e se ele for pego pelo homem da outra noite... Um
arrepio de medo sacode minha espinha. Sadie pode não sair viva.

—Se você for para Tucker agora, estará correndo pelo resto da vida.
Você nunca estará segura.

Os olhos de Sadie brilham com fogo enquanto ela bate a mão no


balcão da cozinha.

—Vejo. Eu sabia. Você não o quer, mas também não me deixa tê-lo.

Meu telefone está no meu quarto. Droga. Empurro a parede, virando


as costas para Sadie.

—Acredite no que você quer, mas eu estou chamando a polícia. É


para o seu próprio bem.
Não dou dois passos antes de ouvi-la, o som de Sadie puxando uma
faca do bloco de madeira ao lado do fogão.

Quando eu giro, a visão de minha irmã caindo sobre mim, à lâmina


de aço inoxidável brilhando na mão dela, parece um sonho. Um terrível,
terrível pesadelo.

—Sadie, que diabos? — Eu chio, me afastando dela.

—Eu não vou deixar você estragar todos os meus planos. — Seu
rosto é uma máscara vingativa, quase irreconhecível da irmã que eu
conheço.

Correção: a irmã que eu pensava conhecer.

—Então o que você vai fazer, me matar? — Estou parada, tentando


ganhar tempo. Sadie é viciada em Soul Cycle, pequena, mas rápida. E ela
não está lidando com um ferimento na cabeça e várias lacerações nas
costas. Se ela se lançar, eu sou um caso perdido. De alguma forma, eu
preciso sair do caminho.

—Essa é a ideia, embora, é claro, fazer parecer suicídio. Quero dizer,


seria compreensível, certo? Sua vida é um acidente de trem completo.
Marido um criminoso que desapareceu. Contas congeladas. Polícia
questionando seu envolvimento. Além disso, há seu casamento infeliz
com Tucker e seu aborto. Gêmeos, então um golpe duplo. — Ela fala com
uma voz cantada, aproximando-se.

—Você sabe o que, você está certa. Tucker está esperando por você.
Por que você não sai agora? Não vou dizer nada, prometo.

—Mentirosa — ela cospe. —Você é uma mentirosa, Poppy. Sempre


foi. Eu não chegaria na metade do corredor antes que você chamasse a
polícia para mim. Não. É assim que tem que ser. Você tem que morrer.

Meus instintos entram em ação. Eu golpeio com o meu antebraço,


batendo no pulso de Sadie e enviando a faca deslizando pelo chão de
madeira polida. Ossos colidem com os ossos e nós duas gritamos, olhando
uma para a outra com surpresa. Sadie se recupera primeiro, girando para
pegar a faca. Eu provavelmente deveria correr de volta para o meu quarto
e me trancar atrás de uma porta trancada, mas em vez disso eu atiro
minha irmã, pulando de costas nela e nos enviando ambas.

—Ooof — ela suspira, sugando o vento.

A faca à vista, eu rastejo o exército sobre seu corpo caído para pegá-
la. Apenas um centímetro de distância, meus dedos estendidos para a
maçaneta, Sadie se levanta, me jogando de costas. Explosões de dor
acendem ao longo da minha pele ainda curada, meu crânio batendo no
chão duro. As bordas da minha visão ficam borradas, mas não o suficiente
para que eu não veja Sadie enrolar a mão em torno da faca e me montar,
seu rosto corado com esforço e raiva.

—Saia de cima de mim. — Eu resmungo, a dor na minha cabeça e


nas costas negada por uma onda de adrenalina.

—Sem chance — diz ela, alcançando um dos meus braços agitados.


—Apenas dois cortes rápidos, você não vai sentir. Vou jogá-la em uma
banheira, encenar como um suicídio. Quando seu corpo for encontrado,
eu vou tomar daiquiris na praia com Tucker. — Sadie ri. —Sem álcool
para mim, é claro.

Isso não está acontecendo. Posso não estar lutando contra minha
irmã lunática e depravada que tem a intenção de me matar para fugir e se
juntar ao meu marido.

Mas eu vou.

Afastando as tentativas de Sadie de capturar minhas mãos, uma das


minhas unhas desenha uma barra diagonal em sua bochecha. —Porra! —
ela grita, segurando a mão no rosto machucado enquanto me encara
acusadoramente.

—Vamos parar, ok? Agora mesmo. — Eu congelo, minhas mãos


estendidas para bloquear a faca ainda apontada na minha direção. —Isso
é loucura, Sadie. Somos irmãs, nenhum homem deve ficar entre nós.
E naquele momento - pouco antes do barulho estrondoso da porta
da frente se abrir, madeira lascando-se em torno de um pé de botas,
dobradiças sendo arrancadas da moldura - vejo Sadie balançar a cabeça
levemente antes de puxar a faca com a intenção, eu sei sem sombra de
dúvida, para me matar.

Ela nunca tem a chance.

Gavin aponta a arma, gritando para Sadie largar a faca. Meus braços
estão tremendo, travando uma batalha perdida para impedir que ela a
mergulhe no meu peito. Mesmo assim, arrisco o olhar de Gavin. Bem a
tempo, eu pego o estreitamento quase imperceptível de seus olhos, o
aperto de sua mandíbula. Não preciso ver o dedo dele se mexer para
saber que ele vai atirar na minha irmã.

—Não! — Eu grito, me arremessando em uma explosão de força


cheia de adrenalina e passando os braços em volta dela.

Há uma explosão de dor no meu ombro direito quando Sadie e eu


puxamos a força da bala que rasga através de nós duas.

A faca cai no chão quando o aperto de Sadie afrouxa, nós duas


descansando em uma pilha emaranhada, nosso sangue um rio veloz em
direção à faca descartada.
EPÍLOGO
Sackett, Connecticut

TRÊS ANOS DEPOIS, POPPY

Somos os únicos no cemitério hoje de manhã, e a mão minúscula de


Valentina é macia e úmida dentro da minha.

—Mama está aqui? — ela pergunta, olhando ao redor da floresta de


lápides cinza, a maioria delas mais alta do que ela. Viemos visitar o
túmulo de Sadie uma vez por mês desde o enterro, mas Valentina apenas
começou a juntar palavras em frases, e essas são palavras difíceis de
ouvir.

Minha garganta se aperta quando luto para engolir o enorme pedaço


de remorso que bloqueia minhas cordas vocais.

—Não, querida— eu finalmente consigo. —Mamãe está no céu. Mas


ela está sempre sorrindo para você e sei que ela adorará o buquê que
você escolheu para ela. — Uma variedade tumultuada de flores silvestres
está agarrada à outra mão, já murchando com o calor e a umidade
incomuns da manhã.
O rosto de Valentina se ilumina e meu coração incha imediatamente
em resposta. É um sentimento que eu deveria estar acostumada agora,
depois de dois anos e meio com ela. Mas de alguma forma, toda vez que
acho que não posso amar essa diabinha linda, travessa e curiosa mais do
que já amo... sinto uma onda do amor mais puro, tão forte que quase me
explode.

Eu não posso odiar minha irmã. Ela é a Mama Barriga de Valentina,


afinal. Mesmo naquele dia impensável, eu teria dado a minha vida para
proteger a dela, e quase o fiz. Felizmente, a bala que atravessou meu
ombro apenas roçou o abdômen de Sadie. Mais alguns centímetros para a
esquerda e nós duas estaríamos mortas. Ainda tremo ao pensar em como
cheguei perto de nunca receber o presente de Valentina. Apesar de tudo,
eu me considero verdadeiramente abençoada.

Gavin e eu vivemos uma vida tranquila com Valentina agora, em


Sackett. Isso mudou muito desde que estávamos na escola aqui. Ele ainda
tem uma atmosfera acolhedora da Nova Inglaterra, mas uma explosão de
novas construções nos últimos dez anos adicionou nova vida à cidade
velha. Eles até incorporaram o sistema escolar em um distrito.

No ano passado, em uma de nossas viagens ao cemitério, onde


escolhi enterrar Sadie, o mesmo cemitério que Gavin e eu tínhamos
explorado na adolescência, vimos uma placa para um Open House. Um
encantador colonial que se apoiou na reserva natural onde Gavin e eu nos
conhecemos e nos apaixonamos. Tornamos nossa casa no mês que vem.

A vida que compartilhei com Tucker parece anos-luz afastados da


que vivo agora. Meus dias são simples, aparados com toda a negatividade
e insegurança que uma vez invadiram minha mente. Toda escolha que
faço é governada pelo amor, e é uma bússola moral impecável.

Encontramos a lápide de Sadie, que fica ao lado da lápide dos meus


gêmeos. Eles estão enterrados juntos, assim como compartilharam meu
ventre juntos.

Tucker quis enterrá-los ao lado de seus pais, mas eu recusei. Nós


dois cavamos os calcanhares, a última faísca do nosso casamento
condenado. Sadie tinha me defendido, eu me lembro. Dizendo a Tucker
que isso pode me ajudar a processar minha dor se eu escolher o local de
descanso final. Então agora, todos dormem sob as estrelas juntos.

Um dia, quando Valentina puder entender, contarei a ela sobre seus


irmãos anjos. Mas, por enquanto, dou um beijo na pedra deles enquanto
Valentina coloca suas flores na grama em frente à de Sadie. Não há
epitáfio, apenas os fatos. O nome da minha irmã e os anos de seu
nascimento e morte. Valentina corre os dedos ainda gordos ao longo das
letras e números inscritos. Anunciando cada um com uma voz orgulhosa
de bebê. Eth. Ay. Dee…
Sadie não morreu de seu ferimento de bala, ou Valentina não estaria
aqui comigo. Minha irmã recebeu pontos e foi enviada para a prisão para
aguardar a trilha. Seu advogado pediu prisão preventiva, oferecendo a
ajuda de Sadie para localizar Tucker, se eles permitissem que ela
permanecesse livre até o julgamento. Mas no último minuto, Sadie decidiu
não cooperar, esperando que ela fosse absolvida de todas as acusações e
depois estivesse livre para se juntar a Tucker... onde quer que ele
estivesse.

Wren foi presa por tráfico de arte roubada. Em troca de uma


sentença suspensa, ela ligou para Tucker e compartilhou tudo o que sabia
sobre a lavagem de dinheiro dele. E ela sabia muito. Os clientes com os
quais ele se envolveu, em um esforço para esconder perdas no balanço da
Stockton Capital e afastar críticos que disseram que a empresa estava
melhor sob a liderança de seu pai, foram os primeiros de Wren. Ela fez as
apresentações, uma maneira de provar isso a Tucker. Que arrogância,
todos eles.

Nos últimos dias da gravidez de Sadie, Tucker foi localizado.


Acontece que, mesmo em países sem tratados de extradição, os
habitantes locais suspeitam dos americanos que gastam seu dinheiro.
Seus crimes foram denunciados em todo o mundo, ao lado de sua foto.
Mas não foi o governo dos Estados Unidos que o encontrou, para grande
desgosto de Gavin. Não, ele foi encontrado - e morto - pelos homens de
quem roubou, talvez até pelo homem que entrou no meu quarto no meio
da noite.

Não consegui ver as imagens horríveis demais para serem exibidas


na rede de televisão, mas todas acessíveis on-line. Gavin me garante que
estamos seguros. Aparentemente, eles recuperaram a maior parte, se não
todo, o dinheiro que Tucker havia conseguido esconder no exterior e
depois mataram o homem que pecara contra eles. Eles podem ser
assassinos, mas acima de tudo, são empresários. Machucar qualquer um
de nós não lhes daria nada.

Pouco antes de Sadie dar à luz, ela me implorou para criar sua filha.
Seu sonho de uma vida com Tucker se foi, sua convicção era inevitável e
ela não podia suportar o pensamento de seu filho ou filha entrando no
sistema de assistência social. Eu também não. Eu tomei a custódia de
Valentina poucas horas depois, escolhendo o nome dela pelo seu
significado - corajoso. E porque ela tinha o rosto mais perfeito em forma
de coração que eu já vi.

Nós nem chegamos em casa antes que meu telefone tocasse com a
notícia de que Sadie havia se matado. Ela esteve sob vigilância suicida
durante a maior parte de sua gravidez, esmagada pela perda da vida
idílica que imaginara com Tucker. Mas Sadie adorou a criança que eles
criaram juntos, e sou eternamente grata por ela ter aguentado o tempo
suficiente para vê-la entregue em segurança. Mesmo assim, a notícia foi
um choque e, nos primeiros meses da vida de Valentina, senti como se
tivesse assassinado minha irmã e sequestrado sua filha. Mas com o passar
do tempo, acumulamos marcos - primeiro sorriso, primeira risada,
primeiro dente, primeiros passos, primeira palavra - Valentina e eu nos
tornamos mãe e filha, em todos os aspectos, exceto no nascimento.

Gavin e eu aprendemos a ser pais juntos. Ele geralmente lidava


melhor com as noites sem dormir, as fraldas e os gritos de cólica do que
eu, acalmando eu e Valentina ao mesmo tempo. Nós nos tornamos uma
família.

Financeiramente, também estamos bem. Como única neta de


Stockton, Valentina tem um enorme fundo fiduciário e, entre o salário do
Gavin no FBI e o meu como coordenadora de programas do TeenCharter,
estamos confortáveis. Tudo o resto: o apartamento de Manhattan, casas
de veraneio internacionais, carros, arte, móveis, a coleção de relógios de
Tucker e todas as joias que ele me deu ao longo dos anos, incluindo meu
anel de noivado e aliança de casamento - foram todos apreendidos pelo
tio Sam.

Eu não sinto falta disso. Temos um teto sobre nossas cabeças,


comida na geladeira e amor em nossos corações. Encontrei um terapeuta
que me ajudou a processar o trauma que vivi quando criança e depois
adolescente, o que me levou a um caminho estranho e distorcido. E agora
estou vivendo uma vida que não sabia o suficiente para desejar. Não é
glamoroso, não é emocionante, não é excessivo. Nem perfeito, mas tudo
bem também. Dias de alegria tornam-se ainda mais doces por momentos
de tristeza. O brilho brilhante da felicidade é ocasionalmente embotado
pela frustração. E meu contentamento é uma maré constante e crescente.

Olhando para Valentina agora, seus cachos loiros morangos e o nariz


arrebitado, ouvindo sua voz ofegante e vibrante - tenho tudo o que eu
poderia querer e as únicas coisas que importam.

—Mamãe, estou pronta para ir para casa agora— diz minha filha, se
lançando em meus braços depois de terminar com o último número.

—Eu também querida. Vamos.

—Tchau, Mana de barriga— ela chama quando começamos a


caminhar de volta para o nosso carro.

—Tchau, mana. — Eu digo mais suavemente. E obrigado.

Gavin está esperando por nós, segurando nosso filho. Aos três meses
de idade, ele ainda está amamentando e não pode ficar longe de mim por
muito tempo, então tendemos a operar como quarteto sempre que Gavin
não está trabalhando. Tenho mais um mês da minha licença de
maternidade e estou absorvendo cada minuto com minha família. Jenny
me preencheu e fez um ótimo trabalho, estou pensando em reduzir meu
horário em vez de retornar em período integral.

Minha vida até agora tem sido completamente imprevisível.


Conheço intensa alegria e um profundo sofrimento. Não tenho ideia do
que esperar no próximo ano ou no ano seguinte ou em qualquer um dos
anos seguintes. Só espero que eu passe todos os dias amando o homem
que segura meu coração em suas mãos e os filhos que estamos criando
juntos.

—Ei, V. — Gavin diz, olhando para Valentina pelo espelho retrovisor,


—que tal darmos um passeio na floresta enquanto seu irmãozinho tirar
uma soneca? Eu acho que é temporada de framboesas.

Ela tira o polegar da boca apenas o tempo suficiente para rir:

—Eu não gosto de framboesas.

Eu rio, lançando um olhar de soslaio para o homem bonito ao meu


lado. Mesmo depois de todo esse tempo, apenas bebendo à vista de seus
cabelos castanhos, mandíbula forte e boca larga e quente, faz meu
estômago palpitar. —Isso é exatamente o que seu pai disse também.
CINCO ANOS DEPOIS, GAVIN
—Não se esqueça disso, papai— diz Valentina, colocando a flor de
papoula que ela pegou do lado de fora no vaso de palito de picolé que seu
irmão, Declan, fez na escola.

—Nunca— asseguro a ela, colocando-a na bandeja do café da manhã


que nós três passamos a última hora reunindo. Lançando um olhar final
para os balcões cheios de farinha e afundando na louça, pego a bandeja e
sorrio.

—O último a desejar um feliz aniversário para mamãe é um ovo


podre!

Há uma fração de segundo em que ambos me olham, depois um para


o outro. E então eles saem, os cachos loiros de Valentina correndo atrás
dela e os cachos de morango de Declan brilhando dourados ao sol da
manhã, enquanto saem correndo da cozinha, pelo corredor e depois
sobem as escadas.

Estou perto o suficiente atrás deles para ver Valentina chegar


primeiro à porta do quarto. Ela a abre, permitindo que Declan se aperte
na frente dela, e os dois gritam muito alto: —Feliz aniversário, mamãe!
Poppy obviamente ouviu o tumulto. Ela está apoiada no meio da
cabeceira da cama, as cobertas dobradas ao redor de sua barriga inchada
e um sorriso largo e radiante esticado em seu belo rosto.

—Realmente já faz mais um ano? Pedi ao tempo para desacelerar


quando apaguei as velas de aniversário do ano passado. — Ela estende os
braços e Valentina e Declan sobem ao lado dela.

Declan inclina a cabeça para o lado. —Seu desejo de aniversário não


se tornou realidade?

Seus olhos se voltam para os meus antes de retornar ao nosso filho e


depois à nossa filha.

—Estou apenas sendo boba, querido. Todos os meus desejos se


tornaram realidade. — Sua voz falha um pouco e minha própria garganta
aperta em resposta.

Chegamos tão longe, Poppy e eu, apenas para voltar onde


começamos. Eu odiava cada minuto do tempo em que estávamos
separados, todos aqueles anos perdidos. E, no entanto, este momento não
seria possível sem eles. Apesar de tudo, temos muita sorte.

Eu tenho muita sorte.


Colocando a bandeja do café da manhã no colo de Poppy, Valentina
aponta orgulhosa para a flor. —Olha, eu escolhi uma papoula só para
você.

—E eu agitei as panquecas— diz Declan, em seguida, acrescenta: —


Papai também me deixou tentar jogá-las. Mas eu errei.

—Você estava muito perto desta vez— sua irmã gentilmente aponta.
—Certo, papai?

—Certo. Aposto que na próxima vez que você consegue.

Declan estende a mão sobre a barriga de Poppy.

—Você acha que os bebês vão gostar de panquecas, mamãe?

—Tenho certeza que sim— diz Poppy. —Assim que tiverem alguns
dentes.

—Beba isso, mamãe. — Valentina pega o copo de suco de laranja e o


levanta na direção de Poppy. —Faça-os acordar.

Poppy encontra meus olhos enquanto toma um gole de suco.


Acordar os bebês se tornou um ritual matinal. Depois do que aconteceu
com sua primeira gravidez, ela está vigilante em rastrear seus
movimentos. Mas ela está mais adiantada agora do que estava antes. Em
pouco mais de trinta semanas, a chance de ela ter gêmeos saudáveis é alta
e aumenta a cada dia.

Gêmeos.

Eu ainda não consigo acreditar. Começamos a tentar expandir nossa


família quando Declan tinha três anos. Depois de um ano, quando os
formulários de registro do jardim de infância de Declan chegaram pelo
correio, Poppy marcou uma consulta com um especialista que sugeriu
tomar medicamentos para fertilidade para aumentar nossas chances. Eles
também tiveram uma chance maior de gêmeos.

Eu não tinha certeza que deveríamos. Criar dois filhos saudáveis


com o amor da minha vida, todos os dias é um presente. Eu me preocupei
com o destino tentador. Pedindo demais.

Mas Poppy tem tanto amor para dar. —Vamos fazer— ela disse. —O
pior que pode acontecer é nada.

Meses depois, percebi que ela estava blefando. Tantas coisas podem
dar errado. Nós podemos perder os bebês. Eu posso perder os três.

Eu amo números. Algoritmos complicados. Equações quadráticas.


Estatísticas e probabilidades. Mas nem eu posso calcular a variedade de
fatores de risco e possíveis resultados. É incompreensível. E
aterrorizante.
Felizmente, a gravidez de Poppy, apesar de considerada de alto
risco, devido à sua história, ocorreu sem problemas.

Valentina e Declan estão com a mão pressionada na barriga de


Poppy, os rostos apertados em concentração enquanto esperam
ansiosamente que seus irmãos os apliquem. Segundos passam e a
expressão de Poppy muda de divertida para preocupada. Eu chego
embaixo das cobertas para apertar um dos pés dela.

—Dê a eles alguns m....

—Eu fui chutado! — Declan anuncia com orgulho.

—Eu também— diz Valentina.

Mas continuo observando Poppy com cuidado, sabendo que ela não
respirará tranquilamente até ter certeza de que sente o movimento dos
dois gêmeos. É só quando ela coloca o suco e sussurra para mim, —
estamos bem—, que exalo o fôlego que não percebi que estava segurando.

Poppy toma seu café da manhã, comendo mordidas da montanha de


panquecas no prato, banhada com manteiga, xarope e chantilly, para
Declan, Valentina e eu por cada uma que ela come.

Foda-se, estou feliz.


Apenas sentado aqui nesta cama, neste quarto, olhando a minha
família, afogando-me no som dá risada deles.

Às vezes me bate assim, com força. Um soco no estômago que me faz


sentir completamente esvaziado e, no entanto, cheia de todos os tipos
de... coisas que não têm forma ou peso para elas, mas ainda são muito
pesadas.

Não deveria me surpreender. Poppy sempre fez isso comigo. Faz-me


sentir. Me fez querer. Me fez precisar.

O dia em que a conheci na floresta dividiu minha vida em duas


partes. Antes da Poppy e depois da Poppy.

Antes de Poppy, a vida era péssima. Depois de Poppy, além de


algumas brigas com o filho da mãe dos meus pais adotivos, a vida foi boa.
Muito boa. E cada segundo gasto com Poppy era incrível.

Até o dia em que minha mãe apareceu. Ela estava uma bagunça,
como sempre estava atrás de uma das fúrias do meu pai. Mas ela o deixou,
e eu era tudo que ela tinha. Se eu não a acompanhasse, sabia que ela
perderia a determinação e voltaria para ele.

Então eu parti.

Eu saí e uma tempestade explodiu e rasgou meu mundo em pedaços.


Não me arrependo de sair; Eu precisei. Mas gostaria de ter feito as
coisas de maneira diferente.

Eu deveria ter feito tudo de maneira diferente.

Acho... acho que a vida de Poppy continuaria mais ou menos a


mesma. Pensei que ela receberia meu bilhete, o telefone e as fotos que
imprimi na loja da cidade, e manteríamos contato enquanto minha mãe se
estabelecesse em uma nova vida.

Eu não sabia que passaríamos quase um ano pulando de estado para


estado, geralmente porque ela decidiu ligar para o meu pai quando se
sentia triste ou sozinha ou apenas cansada de se mudar. Então ela voltou
a si, ou eu via o rosto dela e sabia o que ela havia feito. E então teríamos
que nos mudar novamente.

Eu não poderia imaginar que acabaria matando meu próprio pai, ou


o quanto isso estragaria minha cabeça.

E eu definitivamente não sabia o que Tucker Stockton - aquele


idiota, arrogante, burro, filho da puta, faria com minha garota. Que ele
estragou tanto a cabeça dela que ela perdeu a fé em nós.

Eu sou dela e ela é minha e somos um do outro.


Eu tinha essas palavras tatuadas no meu coração depois que saí, na
primeira cidade que tinha um tatuador bom o suficiente para fazer justiça
a elas. Elas são a primeira coisa que vejo no espelho todas as manhãs e a
última coisa que Poppy vê todas as noites, pouco antes de descansar a
cabeça sobre elas. Ela diz que elas lhe dão os sonhos mais doces.

Lembro-me de querer arrancar minha pele marcada do meu corpo


no dia em que ela me afastou, pouco antes do casamento.

Eu não fazia a barba sem camiseta há anos, só para não precisar ver
a prova do que perdi.

Eu odiava Tucker antes que eu soubesse alguma coisa sobre ele,


exceto que ele era a razão pela qual Poppy e eu não estávamos juntos. Por
razões, foi muito bom. E definitivamente tudo que eu precisava.

Poppy ainda não sabe disso, mas eu estava do lado de fora do


Metropolitan Club no dia do casamento dela. Vi Stockton entrar. Havia
algo nele. Uma sombra dentro de seus olhos. Algo apodrecido sob seu
exterior ostentoso e polido.

O que Poppy suportou com ele foi horrível. O ataque dela. Os jogos
mentais e iluminação a gás. Perdendo a primeira gravidez, o caso dele
com a irmã, escapando do país. Eu daria tudo para proteger Poppy de
toda a dor, todo tipo de tragédia.
Eu não fiz e eu não posso.

Mas posso amá-la, honrá-la e apreciá-la, como prometi em uma


cerimônia íntima no quintal, nos limites da reserva de Sackett, logo após a
emissão do atestado de óbito de Stockton. Não valia a pena pular as
barreiras legais envolvidas na busca de um divórcio quando nem
sabíamos onde estava o marido dela. E, para ser sincero, estávamos
ocupados demais, felizes demais para pensar em qualquer coisa além de
encontrar o caminho de volta um para o outro e nos tornar uma família.

Embora Valentina não seja minha filha de sangue, ela é minha filha
como Declan é meu filho.

E Poppy, a mulher mais magnífica que já conheci, é minha esposa.

Neste momento, meu mundo inteiro está contido no espaço de um


colchão.

Sim. Definitivamente um sortudo filho da puta.

Uma vez que a pilha de panquecas está quase vazia, eu pego a


bandeja. —Quem está disposto a jogar Uno?

—Eu!

—Eu!
—É a minha vez de embaralhar— grita Declan, perseguindo
Valentina pelas escadas. Nossos filhos têm apenas duas velocidades -
completamente imóveis, quando estão comendo, dormindo ou correndo.

Quando olho para Poppy, sozinha na cama, ela parece um pouco


desamparada. —E quanto a mim?

—Você não quer descansar.

Ela suspira. —Acabei de acordar.

—Você está dormindo por três.

—Você está apenas tentando me manter aqui em cima para poder


realmente ganhar um jogo?

Eu levanto uma sobrancelha.

—Sra. Cross, você está realmente tentando me convencer a deixar


você jogar? O médico disse que você deveria ir com calma e suas danças
de vitória devem ser ruins para a pressão sanguínea.

Sinceramente, eu amo que ela se torne competitiva durante nossos


jogos de cartas. Ela deixa as crianças ganharem ocasionalmente, e
Valentina está ficando tão boa que às vezes pode vencer sozinha. Mas
quando Poppy vence, ela é completamente incapaz de conter a emoção.
Mesmo agora há um triunfo em seu sorriso.

—Dança da vitória? Então você está admitindo que eu sou a


jogadora superior da Uno?

—Eu não admito nada— eu digo, mordendo meu próprio sorriso


quando me viro para ir. Na porta, eu paro. —Então, quando Jenny está
chegando aqui? — Jenny e Poppy ficaram perto ao longo dos anos e, agora
que Poppy está trabalhando principalmente em casa, Jenny costuma
visitá-la.

Hoje, ela disse que cuidaria das crianças enquanto eu tirava Poppy
de casa para um pouco de mimos e algum tempo apenas para nós.

Ela olha para o relógio.

—Eu não sabia que era tão tarde. Ela deve estar aqui a qualquer
momento. — As palavras mal saem da boca dela quando ouço a
campainha, seguida imediatamente por gritos de —Jenny está aqui!

Poppy balança os pés para fora da cama.

—Eu vou me arrumar e te encontrar lá embaixo ... Oh não.

Sua cabeça está pendurada nos ombros, sua expressão horrorizada


apontada para a umidade repentina que se acumula entre suas coxas.
Mesmo que pareça que meu coração se mudou para minha garganta,
busco reservas perfuradas em mim desde o tempo em que fui militar. Em
caso de dúvida, siga o protocolo. Nesse caso, protocolo significa levar
Poppy ao hospital o mais rápido possível.

Jenny dá uma olhada no meu rosto enquanto ajudo Poppy a descer


as escadas e instantaneamente conduz as crianças de volta à cozinha com
um bater de palmas.

—Que tal limpar a bagunça do café da manhã e fazer para sua mãe
um bolo de aniversário?

Tento conversar com Poppy enquanto dirijo, ignorando


descaradamente as luzes da rua, as placas de pare e os limites de
velocidade, mas Poppy está murmurando para si mesma, ou talvez para
os bebês.

Eu pego a mão dela.

—Desta vez é diferente.

—Não. Não, é como antes. Estou perdendo eles, Gav. Nós estamos
perdendo eles.

Minha boca pressiona em uma linha dura. Não tenho certeza de


como discutir com ela. Eu não sou médico e não consigo sentir o que ela
está sentindo. A melhor coisa que posso fazer agora é levá-la ao hospital
rapidamente. Meu pé pressiona com mais força o acelerador, desejando
que as milhas percorram mais rápido. Finalmente, saio da rampa de saída,
ziguezagueei por algumas ruas laterais e parei em frente às portas da sala
de emergência.

Poppy é levada em cadeira de rodas até o andar das urgências,


enquanto sou seguido pelo processo de check-in da administração.
Formulários de seguro e documentos de entrada. São apenas alguns
minutos, mas cada segundo que não estou ao lado de minha esposa é uma
vida agonizante.

Por fim, sou liberado e corro pelo corredor em direção ao banco de


elevadores, evitando a multidão de pessoas que já estão esperando,
abrindo a porta da escada e levando-as três de cada vez. Quatro andares,
oito vôos. Poppy já está em uma sala do outro lado do posto de
enfermagem, e eu posso ver o branco de seus olhos como uma equipe de
médicos e enfermeiras conectando-a a máquinas, iniciando um IV e
cutucando ela.

Corro para o lado dela, pressionando um beijo em sua testa úmida.


Aconteça o que acontecer agora, vamos passar por isso.

Um dos médicos me olha por cima da máscara. —Você é o pai?


Eu concordo. —Sim.

Eu acho que ele sorri porque seus olhos dobram nos cantos.

—Parece que seus filhos estão com dois meses de antecedência.


Você não conseguiu convencê-los há ficar um pouco mais firmes?

Percebo que ele está brincando. Brincadeira. Isso significa: —Eles


estão bem?

Ele aponta o queixo em direção a uma das máquinas e olha para uma
enfermeira.

—Aumente o volume disso, sim?

Um segundo depois, a sala está cheia com aquele som estranho e


bonito, o whoosh-whoosh-whoosh dos batimentos cardíacos dos meus
bebês, ainda seguros dentro do útero de Poppy. Ela pisca lentamente, as
lágrimas vazando dos olhos, enquanto parte da cor volta ao rosto.

—São... dois batimentos cardíacos?

—Claro que sim— anuncia o médico. —Nós vamos ter que começar
a prepará-la para uma cesariana, já que seus bebês estão ficando um
pouco impacientes. Vocês dois estão prontos para se tornar uma família?

Família.
Eu seguro o rosto de Poppy em minhas mãos, o amor que sinto por
ela é um poço sem fim que surge nas minhas veias, batendo dentro do
meu coração.

—Você é minha família desde o primeiro dia em que nos


conhecemos na floresta. Você levantou um baralho de cartas e me disse
que costuma jogar paciência, lembra?

Poppy acena com a cabeça trêmula. —Eu lembro. Não jogo sozinha
há muito, muito tempo.

—Eu sempre serei seu parceiro. Você e eu.

—Somos um do outro— ela sussurra.

—Antes das crianças e depois. Antes dos nossos votos e depois. Você
é o meu tudo.
Somos um do outro é. Muito. Muita emoção, muita história e
muito do meu coração e alma. Se você gostaria de saber
exatamente como essa história surgiu, e talvez ver um pouco mais
sobre o estado de espírito de Poppy depois daquela noite, continue
lendo.
MODERADORAS

ANA R. / KAMY B. / JESS E. / MAYA ADÔNIS

BEAUTIFUL GIRLS
ANA R. / CLAUDIA / ANGIE / TSUKI / MAYA A.

2022

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