Você está na página 1de 483

Um homem mau uma vez me quebrou, deixando-me

aprisionada em uma gaiola construída com minha própria


desgraça. Acorrentada às grades do passado.

Com medo.

Sozinha.

Incapaz de seguir em frente.

Então, eu o conheci.

Bonito, intenso e preso em sua própria gaiola. Ele me dá


vontade de viver novamente. Eu quero salvá-lo. Eu quero que ele
me salve.

Mas os bons rapazes não gostam de garotas quebradas. E


mesmo que ele gostasse, será que eu teria coragem de me libertar
e aprender a voar novamente?

Por ele?
Uma mulher me quebrou uma vez, deixando uma cratera
em meu peito que eu nunca mais vou preencher.

Oco.

Enfraquecido por erros do passado e medos do presente.

Então, eu a conheci.

Encantadora, deslumbrante e sofrendo. Eu quero amá-la.


Eu quero que ela me ame.

Mas ela não merece cair no abismo da minha alma


quebrada. Eu deveria ficar longe e ainda assim, não posso deixá-
la ir. Serei forte o suficiente para me tornar um homem melhor?

Por ela?
Este livro contém conteúdo maduro, o que pode ser
perturbador para alguns de vocês. Leia por sua própria conta e
risco.

Embora seja uma obra de ficção, vários aspectos desta


história são baseados em experiências da vida real. Alguns de
vocês podem não gostar dos eventos retratados nestas páginas.
Alguns podem discordar das perspectivas ou ações dos
personagens. Lembrem-se apenas que esta é uma história.
Embora nossa dor possa ser semelhante, cada caminho de cura
precisa de um mapa diferente. Cada um de nós lida com o trauma
à sua maneira, e sua maneira é tão válida quanto a de qualquer
outra pessoa.

Minha esperança é que esta história lhe traga a esperança


de que você, também, tenha o poder de superar qualquer coisa
que a vida lhe traga.
Este livro é dedicado a todas as pessoas que já foram
abusadas sexualmente. Eu acredito em você. Você não está
sozinho.

Ao meu maravilhoso marido. Obrigada por acreditar em mim,


por me curar e por me ajudar a realojar minha liberdade.

E à Fiona Apple, por nunca me deixar esquecer que eu sou


uma máquina extraordinária.
“A liberdade é o oxigênio da alma”.

– Moshe Dayan
DEPOIS

— VOCÊ pode me dizer seu nome, querida? — Disse uma


mulher.

Bella Arabella.

Ela parecia distante, apesar de eu poder ver o borrão de seu


corpo através do meu cobertor de lágrimas. Eu queria dizer-lhe
meu nome, mas minha voz havia sido arrancada de mim. Não era
mais minha, mas dele.

— Vou tirar algumas fotos. Tudo bem, querida? — Outra


mulher perguntou.

Silêncio.

Eu deveria tirar algumas fotos como lembrança. O que você


acha disso, sua vadia?

Queria dizer a eles para pararem de me condescender com


palavras como mel e amor. Eles não me conheciam. Além disso,
qualquer doçura de mel que eu possuía foi arrancada, junto com
meu coração e minha dignidade. Mas é claro, não estavam
realmente falando comigo. Estavam falando com a vítima que me
tornei. Estavam conversando com o buraco negro que agora
ocupava o espaço onde eu costumava existir.

— Você sabe quem fez isso com você?

Você está gostando disso. Não negue.

Silêncio.

— Agora vou raspar suas unhas.

Silêncio.

— Você abriria bem sua boca para mim? Isso levará apenas
um segundo.

Abra a porra da boca, boceta.

Por favor, pare!

Deixei as enfermeiras fazerem tudo, seguindo as orientações


no piloto automático enquanto flutuava em animação suspensa,
como um animal em hibernação, cujo corpo só desempenhava as
funções necessárias para sustentar a vida, o que me irritou
porque queria morrer.

Sua puta estúpida e rica.


As feridas em meus braços, pernas e torso doeram quando
as enfermeiras derramaram Betadine em minha pele. O cheiro
pungente e metálico do líquido amarronzado me deixou enjoada
e tonta, aumentando meu desconforto agudo. Eu não comia há
muito tempo e, ainda assim, a fome me escapou. Pensamentos
de morrer de fome e acabar com minha vida agora miserável me
trouxeram uma sensação fodida de conforto enquanto as picadas
da seringa empurravam o anestésico em cada corte, levando a
dor e a picada para longe. Então veio o puxão dos pontos que
fecharam minhas feridas físicas, causando uma onda de dor
insaciável que detonou meu coração com a compreensão de que
meu corpo iria se curar, mas meu espírito estava além do reparo.

— Preciso tocar as feridas em seu rosto, ok?

Ah, seu rosto não está mais tão bonito.

Vacilei e afastei meu rosto das mãos enluvadas da


enfermeira. Sua voz na minha cabeça e a atual invasão do meu
espaço pessoal eram demais. Meus gritos se alojaram na minha
garganta enquanto minha mente repassava cada golpe no meu
rosto.

Soco.

Soco.

Cale a boca. Você merece isso, vagabunda.

Soco.
Soco.

Eu me rendi, permitindo que a enfermeira me tocasse. As


lágrimas engrossaram, mas chorei em silêncio. Insensível demais
para formar palavras, mas não o suficiente para desconsiderar a
mutilação abominável das últimas horas.

O cotonete me cutucou enquanto as enfermeiras coletavam


amostras da lama crocante entre minhas coxas. Sangue? Sêmen?
Provavelmente ambos.

Estremeci quando o metal frio do espéculo abriu minhas


entranhas. Queimou e doeu e levou a última gota de dignidade
que eu tinha.

Cadelas mortas não falam.

— Você vai ficar bem. — As mulheres disseram enquanto


apertavam minhas mãos, tentando me confortar.

Bella Arabella, se você parar de tentar resistir, pode até


gostar.

Seus esforços foram inúteis. Eu não era mais Arabel. Eu era


uma pilha sem alma de carne e ossos envolta em sombras
escuras e catapultada para o nada, consumida por um passado
muito presente onde nem mesmo um grão de areia permaneceria,
e onde nenhum novo nome ou herói nobre me salvaria.

Os bons garotos não gostam de garotas arruinadas.


Eu nunca, jamais ficaria bem.
AGORA

O AR QUENTE LAMBEU MINHA PELE. Gotas de suor rolaram pela


minha testa por estarem suspensas a centímetros do teto. Meu
pé direito envolveu o tecido, travando-o no lugar. Dobrei-me no
joelho e sentei-me com o pé travado, os braços estendidos bem
acima da cabeça, as mãos firmes agarrando o resistente, mas
elástico material carmesim.

O silêncio na sala ensurdeceu meus ouvidos. A expectativa


do público era tão palpável que enviou uma onda de pânico pela
minha espinha. Era sempre igual. A apreensão antes de me
soltar. Um momento em que pensei em escorregar pelo tecido e
abandonar o palco antes que as luzes se acendessem, meu desejo
de ser invisível lutando contra meu compromisso de recuperar
minha coragem. Mas a dança aérea é uma experiência poderosa,
e eu a amei demais para deixar o medo do palco vencer.

Respirei fundo pelo nariz, imaginando minúsculos


soldadinhos pegando carona com o ar que enchia meus pulmões,
estabelecendo-se em meu intestino, coração e mente. Os
guerreiros que me deram força para possuir meu corpo. Eu exalei
pela boca, imaginando minhas inseguranças indo embora com o
dióxido de carbono correndo para fora do meu peito.

Eu sorri. Os soldadinhos sempre ajudaram. Meus olhos


examinaram a área circundante, levando-a uma última vez. O
Supper Club era ao mesmo tempo um restaurante e uma boate.
Um espaço único com paredes cor de marfim e piso xadrez preto
e branco que lembrava uma pintura de Victor Vasarely. Camas
de plataforma moderna, estofadas em microfibra escura e
vestidas com lençóis e travesseiros prateados substituíram as
mesas de jantar, alinhando-se para formar um retângulo que
envolvia a grande pista de dança no centro. Cortinas pervincas
transparentes pendiam das vigas superiores, espalhando-se
atrás de cada cama, criando um clima sensual que viajou até
meu poleiro e aumentou minha confiança. Uma escada em cada
extremidade levava ao loft que se abria no meio, dando aos foliões
uma visão completa da superfície abaixo, e de mim, apoiada no
meio do teto, esperando a música começar.

Suspensa no tempo. Não muito diferente da minha vida.

As silhuetas apoiadas na grade do loft olharam em minha


direção. O dj prendeu o fone de ouvido entre a cabeça e o ombro
enquanto girava os botões da plataforma giratória com as duas
mãos, enfileirando a música do pen drive que lhe dei.
Meus olhos voaram para o canto do andar de baixo, na
esperança de localizar minha irmã Fiona e nosso amigo Ben
sentados em sua cama prateada, desfrutando do champanhe.
Mas a escuridão não me deixou, e eu fiz uma careta, desapontada
por não poder ver seu rosto encorajador. Ela se tornou uma figura
bem-vinda em todos os meus shows.

Minha única irmã me deu força e proteção. Cinco anos mais


jovem do que eu, mas mais forte e agressiva. Isso me crivou de
culpa. Eu deveria ter sido a única a protegê-la e segurar sua mão.
Guiando-a.

Nem sempre foi assim. Cumpri meu papel de irmã mais


velha com sucesso por mais de duas décadas. Até aquele dia
horrível. Nos últimos três anos, andei algemada ao evento que
mudou a base de quem eu tinha sido. Minha vida foi dividida em
duas: antes e agora. Embora nunca tenha sido tão ousada
quanto minha irmã mais nova, a Arabel de antes era confiante e
aventureira. Ela não foi contida e sufocada. Mas a de agora, sim.
A fricção implacável das minhas correntes me deixou sangrando
e em carne viva, e eu odiava isso. Fiona amava os homens e eles
correspondiam ao sentimento. Eu invejei sua liberdade com sexo
livre e fingi que me irritava, quando na realidade, ela me inspirou
a superar minhas besteiras.

O cheiro de comida saturou meu nariz. O jantar da véspera


de Ano Novo consistia em lagosta, bife de lombo, batatas e
vegetais assados. Isso fez minha boca salivar e meu estômago
roncar, exigindo sustento. Nunca comi antes de um show aéreo.
Se eu fizesse, acabaria vomitando na plateia enquanto girava
acima de suas cabeças.

Afastei a fome e me concentrei em revisar a rotina em minha


cabeça. Por ser uma apresentação solo, qualquer erro da minha
parte seria perceptível.

Primeiro seriam os movimentos lentos e sedutores, ao ritmo


de La Valse d'Amélie de Yann Tiersen, do filme francês Amélie. Os
sons extravagantes do piano criaram uma vibração que me fez
sentir mágica. Em seguida, vinham os sons corajosos de Looking
For You de We Are Fury. O ritmo mais rápido dessa música me
permitiria girar e voar. Foi perfeito para as partes acrobáticas da
rotina.

A apresentação inteira duraria apenas oito minutos.


Embora, eu não deva dizer apenas porque escalar, torcer e virar
de cabeça para baixo em dois pedaços de tecido giratórios a seis
metros de altura não era uma tarefa fácil. Sem mencionar que
era perigoso, mesmo com o tapete de pouso caído no chão
embaixo de mim. Mas minha vida tinha sido tão monótona e
envolvente, a onda de adrenalina que consegui aqui me fez sentir
mais viva do que nunca.

Esta noite tem um significado especial. Era a véspera de Ano


Novo e minha última apresentação antes de deixar São Francisco
para sempre, algo que queria fazer há algum tempo. Daqui a dois
dias, minha irmã Fiona e eu arrumaremos nossos carros e
dirigiremos para o norte para começar um novo capítulo de
nossas vidas. Um capítulo que eu esperava, fosse melhor do que
a merda em que vivíamos.

— Arabel! — Uma voz de mulher chamou lá de baixo.

Meus olhos seguiram o som e encontraram o DJ segurando


seus polegares, alertando-me que a performance estava prestes
a começar. Enfiei a parte assustada de mim em sua caixa. A
insegurança e a hesitação não tinham lugar nas acrobacias.

Eu abri a tira de tecido livre e envolvi em volta do meu corpo,


me envolvendo antes de fechar minhas pálpebras e respirar
fundo, focalizando. Poucos segundos depois, a música saltou dos
gigantescos alto-falantes pretos espalhados por todo o clube, e o
holofote se acendeu, fazendo meus olhos estreitarem quando o
cone de luz branca e brilhante me atingiu. Pisquei algumas vezes
até minha visão se ajustar. O som do clarinete guiou meus
movimentos enquanto eu endireitava minha perna direita,
colocando todo o meu peso sobre ela, a chave de pé me impedindo
de escorregar.

Eu girei meus quadris, saindo vagarosamente do casulo.


Uma vez exposta, estiquei meus braços acima da minha cabeça,
envolvendo minhas mãos em torno do tecido para destravar meu
pé direito para que eu pudesse deslizar para o chão, onde fiz a
transição para a sequência do chão.
Cada movimento encheu as células do meu corpo com uma
confiança não diluída. As inibições desapareceram, substituídas
por um sentimento primitivo, tornando-me consciente de minha
feminilidade sem despertar vergonha ou julgamento em meu
coração. Dança aérea é uma arte sensual, e ser sensual era algo
que nem mesmo a Arabel de antes havia dominado. Se alguém
tivesse me pedido para fazer um strip-tease particular, teria rido,
e a pele do meu rosto combinaria com a vermelhidão do meu
cabelo.

Sensualidade era algo em que eu não era boa, a não ser nas
sedas, onde me sentia segura, incapaz de estar física ou
emocionalmente disponível para ninguém. A dança me permitiu
colocar uma máscara. Balançando nas tiras de tecido sedoso, me
tornei uma pessoa diferente, alguém aliviada pelo peso das
paredes de pedra que construí ao meu redor. A máscara me deu
permissão para possuir meu corpo. Isso trouxe à tona minha
sensualidade e feminilidade e, por alguns minutos, não havia
nada de errado comigo.

A malha preta com espartilho era uma fantasia de uma peça


que cobria meu torso com ossos flexíveis, permitindo-me mover e
expandir meus pulmões. Centenas de minúsculas contas pretas
o adornavam, fazendo-o brilhar sob as luzes. Alças de ombro
fortes e confortáveis mantinham-no no lugar e impediam meus
seios de aparecerem no lindo decote em forma de coração.
Calça preta com renda na frente e babados nas costas deu
ao meu traje um aspecto burlesco. A escuridão das minhas
roupas criava um forte contraste contra minha pele clara e meu
cabelo ruivo avermelhado brilhante. Meias grossas sem pés em
tom de pele davam a ilusão de pernas nuas. Olhos esfumados,
longos cílios postiços e batom vermelho combinavam com meus
cachos e enfatizavam a constelação de sardas enfeitando meu
rosto.

Quando danço, uma onda de fervor inunda meus sentidos


porque, durante aqueles oito minutos, nada me falta. Por oito
minutos, é o suficiente.

Enquanto a música aumentava o ritmo, segurei o tecido


vermelho escuro e corri em círculo, ganhando o impulso de que
precisava para levantar meus pés do chão e voar.

Voei alto e rápido, sem preocupações ou dor, passado ou


futuro. Apenas o agora. A fusão completa de corpo, mente e alma.
Uma aceitação abrangente de todos os aspectos do meu ser. Isso
me deixou feliz e triste. Feliz no momento e triste porque foi
passageiro. Porque não importa o quanto tentasse, não conseguia
manter o mesmo estado de espírito enquanto enfrentava o mundo
além de minhas sedas acrobáticas. Isso me irritou.

Virando minhas costas, deixei minha cabeça cair e fechei os


olhos, apreciando o toque do vento em meu rosto aquecido.
Todas as cabeças estão voltadas para cima, observando
cada movimento meu. Em transe, absorvi a energia do público e
a canalizei para minha performance. Isso me levou a fazer o meu
melhor, dando a eles o melhor show de dança aérea que já viram.

A menos que fossem ao Cirque du Soleil, não me comparava


a eles. Este era um hobby que eu gostava tanto quanto
jardinagem.

Quando o voo perdeu o ímpeto, abri minhas pernas,


levantando-as sobre minha cabeça e montando o tecido enquanto
a bateria na música se intensificava. Então, eu escalei,
espalhando truques acrobáticos ao longo de minha ascensão.
Assim que cheguei ao topo, prendi meu pé no lugar e deslizei meu
corpo para frente com as costas apoiadas no material elástico. Eu
levantei minha perna esquerda, enganchando-a na parte de seda
mais próxima do teto. Com o tecido preso, joguei os braços para
trás, guiando minha coluna para fazer um arco com as mãos
livres. Minha cabeça caiu para trás, meu cabelo comprido
balançando no ar como uma bandeira em um dia de vento. Ficar
perpendicular ao chão criou um alongamento profundo em meus
músculos abdominais, ajudando-me a reunir forças para a
grande final.

Uma das minhas coisas favoritas sobre estar aqui em cima


era observar a multidão de pessoas abaixo. Seus rostos pintados
de alegria e admiração.
Movendo meu olhar para a fileira de camas à esquerda da
pista de dança, vi Fiona com Ben, que tinha sido meu querido
amigo desde nossos dias de faculdade. Eles me deram grandes
sorrisos e polegares para cima. Eu sorri, retribuindo seu amor. O
tecido girou, girando-me no lugar até que enfrentei o lado oposto
da sala, onde os espectadores se apoiavam na grade do sótão.

Olhos intensos me encararam. Eles eram lindos e, embora


o corpo do homem estivesse obscurecido, os holofotes pairando
acima enviaram uma luz branca suave que iluminou seu rosto,
permitindo-me admirar suas feições. Eu apertei os olhos,
ajustando meu foco. Desesperada para ver mais do belo estranho.
Uma barba curta protegia uma forte mandíbula e destacava seus
traços deslumbrantes. Cabelo preto como tinta, um pouco longo,
enrolado em volta das orelhas e pescoço. Olhos grandes e
encapuzados fixaram-se nos meus, fazendo com que meu corpo
ficasse tenso de excitação. Seu nariz pontudo e lábios carnudos
adicionavam um fascínio sofisticado à aspereza de sua barba.
Seu foco em mim era poderoso e intimidante, seu olhar pensativo
e enigmático. Com meu coração batendo forte no peito, me vi
incapaz de desviar o olhar. Tudo ao meu redor pareceu
desaparecer como memórias de infância distantes. Como uma
visão de túnel, me fazendo ver apenas ele. Tive o impulso de pegar
o medalhão pendurado no pescoço, o que me mantinha com os
pés no chão diante de emoções avassaladoras. Este homem
evocou tais emoções em mim, e eu não sabia por quê. Eu queria
descobrir mais na segurança do meu poleiro, o que se revelou
impossível. O desejo de estudá-lo de perto dirigiu o último minuto
da minha apresentação. Eu precisava beber dele e, para isso,
precisava de luz e proximidade.

A mandíbula do homem ficou tensa e seu olhar ficou


preocupado e apreensivo. Ele baixou a cabeça, cortando nossa
conexão. Decepcionada, comecei a desviar o olhar, quando seus
olhos se ergueram com certa relutância, como se ele não tivesse
conseguido fazer com que ficassem abaixados. E quando eles se
acomodaram em mim, e seus lábios se curvaram em um sorriso
de um milhão de watts, uma comoção emocionante se espalhou
por meus membros. Uma comoção que eu não poderia me
permitir ter enquanto estava pendurada a seis metros do chão.
Passaram-se apenas alguns segundos, mas parecia que
tínhamos nos encarado por vários minutos.

Ainda olhando para a criatura requintada na minha frente,


eu levantei um braço acima da minha cabeça para agarrar o
tecido enquanto, simultaneamente, liberava o pé que me impedia
de cair. Eu perdi o movimento de uma fração de segundo que
significava mudar meu peso do pé para a mão, agarrando o ar
acima de mim, o que me deixou enfrentando uma queda de seis
metros. O pânico e a adrenalina tomaram conta. Mesmo com
uma pista de pouso esperando por mim no chão, uma queda
dessa magnitude poderia ser catastrófica. Um suspiro coletivo
encheu a sala enquanto uma audiência horrorizada assistia
minha rápida descida.
Eu estiquei meu torso e braços tanto quanto possível,
lutando para segurar o pano vermelho e parar minha queda.
Consegui segurá-lo, parando a queda e salvando meu
desempenho – e minha bunda. Uma vez em meu punho, agitei
meu pulso e enrolei o material em torno dele algumas vezes,
garantindo minha posição mais uma vez. A multidão explodiu em
hurras e o pavor apertando minha barriga diminuiu, embora meu
corpo ainda tremesse de adrenalina. Escalei até o teto, optando
por pular alguns movimentos para acompanhar a música e não
estragar o grande final.

Envolvendo meus músculos centrais, virei de cabeça para


baixo, enrolando o tecido várias vezes em volta da minha cintura.
Algumas respirações profundas ajudaram a me colocar de volta
na zona, a música aumentando até que o baixo caísse, minha
deixa para soltar e girar a seda repetidamente em alta velocidade,
como um moinho de vento. Esse truque não era o mais difícil,
mas sempre parecia impressionar as pessoas, então gostava de
terminar minhas rotinas com ele. Quando cheguei ao chão, a
música e as luzes sumiram enquanto eu me envolvia nas sedas,
terminando o show da mesma forma que começou.

A sala explodiu em aplausos e eu fiquei na semiescuridão,


absorvendo tudo. A vida nesta bela cidade não tinha sido muito
gratificante nos últimos anos, mas a felicidade se espalhando por
mim e os sons de ovação fizeram meu corpo vibrar com gratidão.
Isso tornou a vida em São Francisco quase boa o suficiente para
mim.

Quase.

O holofote voltou a acender, me levando a fazer uma


reverência. Eu olhei em direção ao loft, ansiosa para dar uma
olhada melhor no homem misterioso, mas ele se foi, e meus olhos
e coração caíram com a decepção. Depois da minha reverência, a
luz inundou o clube e um mar de pessoas me engolfou. Alguns
eram estranhos e outros eram amigos e colegas queridos. Eles
me deram flores, apertos de mão e abraços. Eu me deliciei neste
momento agridoce, a alegria do amor e do elogio combinados em
meu peito com um toque de tristeza por saber que estaria indo
embora em breve.

Uma mão pousou no meu ombro e me virei para encontrar


minha irmãzinha com uma toalha em uma mão e uma garrafa de
água na outra. — Arie, isso foi incrível! Maneira de sair com um
estrondo!

Peguei a água primeiro, tomando um grande gole do líquido


refrescante antes de pegar a toalha e enxugar o suor da minha
pele.

— Obrigada mana, fiz todos os meus melhores movimentos,


já que este foi meu último show na cidade. Queria causar uma
impressão duradoura.
— Bem, missão cumprida. — Orgulho e amor encheram
seus olhos. Belisquei sua bochecha, o que fazia desde que éramos
crianças. Era minha maneira de expressar silenciosamente o
quanto ela significava para mim. Fiona inclinou a cabeça em
direção à minha mão, que abri para que seu rosto pudesse
descansar na minha palma. Foi assim que ela sempre expressou
seu amor por mim. — Que maneira de salvar o show e você de
cair para a morte! — Ela guinchou, estremecendo teatralmente.

Revirei os olhos com a aptidão da minha irmã para o drama.


— Eu não teria morrido, apenas quebrado alguns membros. —
Acenei minha mão em rejeição, como se quebrar ossos não fosse
preocupante.

— Oh claro, apenas alguns membros quebrados. Nada


demais. — Olhamos uma para a outra por um momento antes de
cair na gargalhada.

— Estou faminta, suada e nojenta. Quanto tempo até a


contagem regressiva? — Enquanto eu falava, meus olhos
correram pela sala, na esperança de dar outra olhada no rosto de
tirar o fôlego, agora que o clube estava iluminado por luzes
fluorescentes.

— Vá se limpar, vou pedir sua comida. — Fiona assegurou.


Uma dúzia de garçons serpenteavam ao redor das camas,
retirando os pratos do jantar e trazendo bandeja após bandeja
cheia de sobremesas deliciosas. Meu estômago estava com raiva
neste momento. É hora de sair do meu espartilho apertado e
suado, sair para comer, beber e descobrir se sou corajosa o
suficiente para encontrar o homem cuja atração gravitacional me
fez cair em queda livre. — Eu te encontro em nosso lugar. — disse
a Fiona enquanto me virava para caminhar para a sala verde.

Sentei-me no banquinho da penteadeira e me olhei no


espelho, estremecendo com meu reflexo desgrenhado, grata que
o homem gostoso não tinha vindo me parabenizar como todo
mundo.

No fundo, porém, sabia que minha pobre aparência servia


como uma das muitas desculpas que criei para me impedir de
sair da minha zona de conforto. Eu tinha trinta anos e ainda
inventava desculpas. Eu passei os últimos três anos fugindo de
cada cara que mostrou interesse em mim, com medo de me abrir
para a possibilidade do amor, apenas para ter meu coração e
corpo jogados no esquecimento. Essa tática estava me mantendo
segura, mas vazia, e eu sabia que se não mudasse, acabaria como
minha professora de inglês da oitava série, sozinha com uma casa
cheia de gatos. Exceto, minha casa estaria cheia de cães porque
eu era alérgica a felinos.

Enquanto esfregava a maquiagem pesada do meu rosto,


minha confiança cresceu. Tomei banho e arrumei meu cabelo,
deixando as mechas acobreadas caírem sobre meus ombros nus,
minha maquiagem agora leve e natural. Coloquei um vestido
preto curto com manchas verde-esmeralda cintilantes que
abraçavam meu corpo em todos os lugares certos, e combinei
com sapatos pretos. Uma vez satisfeita com meu reflexo, peguei
minha bolsa preta e voltei para o clube. Estava cansada de ser
covarde. Desta vez eu finalmente estaria no controle do meu
próprio destino.
EU FIQUEI no meio da multidão, hipnotizado.

A partir do momento em que o holofote pousou sobre ela, e


começou a dançar, eu estava perdido. A maneira como seu corpo
tenso se moveu me hipnotizou. Eu era uma cobra, e ela a
encantadora de serpentes, seu corpo a flauta encantadora. Cada
movimento uma nota musical, me fascinando cada vez mais, até
que ela foi tudo o que restou.

O encantador e sua flauta.

Quando ela subiu no tecido, girando, torcendo e virando sua


linda cabeleira vermelha encaracolada, meu desejo girou e torceu
junto com ela.

Eu não conseguia desviar meus olhos, e quando seu olhar


colidiu com o meu, estendeu um convite silencioso para descobrir
mais. Então ela caiu, e uma estranha sensação de deleite
percorreu minhas veias. Fiquei feliz que não se machucou,
embora a percepção de que perdeu o controle por minha causa
fez meu coração em coma formigar, o que me surpreendeu.

Transei com muitas mulheres no passado, mas elas eram


todas casacos de pele e sem calcinhas. Brilhante do lado de fora
com zero substância, uma vez que abriam a boca para falar.
Minha estratégia foi não prosseguir. Se elas vierem até mim,
ótimo. Se não, não perdi o sono por causa disso. Sexo era um
meio para um fim para mim. Uma maneira de ficar menos
solitário.

Uma distração que há um ano deixou de funcionar, então


desisti, resignado com o prazer de minha própria mão. Nenhuma
das mulheres do meu passado virou minha cabeça ou me
inspirou a dar o primeiro passo.

Eu tinha trinta e cinco anos e era celibatário por opção.

Até colocar os olhos nela. A bela dançarina. Suas pernas


tonificadas envolveram o tecido vermelho brilhante, e eu as
imaginei circulando minha cintura em vez disso. Seus longos
cachos ruivos balançando no ar a faziam parecer requintada.
Uma fada que veio de outro mundo para me resgatar da cratera
profunda em meu peito que ameaçava me engolir inteiro.

Desde o momento em que a vi, fiquei extasiado com sua


beleza e presença, e quando ela olhou para mim, um forte choque
elétrico percorreu meu corpo. Talvez não estivesse tão morto por
dentro quanto pensava.
Me virei, voltando para a cama perolada onde Ollie e Harry
estavam conversando sobre seus encontros, alheios à minha
presença. Meus melhores amigos eram uma péssima companhia
quando cercados por mulheres solteiras. Desta vez, porém, o
alívio tomou conta de mim. Eu não queria o interrogatório ou
importunação sobre o meu interesse inesperado por uma mulher.
Valorizava minha tripulação de Londres (e sentia falta de Sal),
mas os rapazes podiam ser um pé no saco. Principalmente Harry,
com sua personalidade extravagante e tendências para a
prostituição, embora a personalidade indiferente e mal-
humorada de Ollie não fosse muito melhor.

Desejei que minha irmã Lorena tivesse saído com a gente.


Ou talvez devesse ter ficado em casa com minha Caterina e
nossos cachorros. Eles me amavam incondicionalmente e sem
julgamento. Mas então, eu nunca teria visto ela.

Sentando-me na cama de pelúcia com minhas pernas


cruzadas na altura dos tornozelos e meus dedos entrelaçados na
parte de trás da minha cabeça, observei a cena se desenrolando
diante de mim. A multidão espalhou-se por todo o Supper Club.
Homens em ternos e smokings, mulheres em vestidos brilhantes
e justos que criavam um mar colorido de pele, sedução e tecidos
caros.

São Francisco estava cheia de gente bonita de todas as


formas e nacionalidades, mas a única forma que me importava
em ver era a dela. Isso inundou minha mente. Seu corpo magro
e musculoso e cabelo lindo exalavam confiança, o que a tornava
sexy. Porque a confiança era muito excitante para mim. Aqueles
grandes olhos redondos me perfuraram, empurrando alguns dos
meus botões quentes.

Um garçom magro com o cabelo em um coque masculino se


aproximou, carregando uma bandeja cheia de sobremesas e
colocando-a na cama. Pedi um pouco de conhaque, puro. O
cheiro de canela, creme e Amaretto girou em torno de mim.
Tiramisu. Parecia delicioso – não se compararia com o da minha
avó na Itália – mas não havia espaço no meu corpo para a
sobremesa, pois estava repleto de curiosidade e desejo. Observei
os rapazes tirarem o máximo proveito de suas habilidades de
flerte e boa aparência. Suas companheiras sorriam e se
contorciam nas virilhas ao ritmo da música eletrônica. Eu
entendi porque as mulheres se aglomeravam em Harry, já que ele
era espirituoso e extrovertido. Mas Ollie era um idiota taciturno
e, ainda assim, as mulheres se jogavam nele em massa. Não me
importei em dançar porque estava muito ocupado procurando
por ela.

O garçom voltou e me entregou um copo de Vecchia


Romagna Trentacinque. O melhor conhaque que conheci. Peguei
o copo e agradeci. Reclinado nas almofadas fofas de prata,
segurei-o na frente do meu rosto, absorvendo o tom amarelado
do licor. Se o espírito das pessoas tinha cor, aposto que o dela
era quente como âmbar.
Tomando um gole, saboreei o doce carvalho, enquanto o
líquido dourado deslizava pela minha garganta, espalhando calor
pelo meu peito. Desejei que o conhaque bastasse para encher
meu coração. Um estremecimento repentino sacudiu meu corpo,
me levando a tomar outro gole e lavar as memórias
desagradáveis.

O que está fazendo, babaca?

Eu renunciei a essa merda há muito tempo e deveria saber


melhor do que prová-la novamente. O álcool raramente lava os
problemas. Isso os empurra para baixo enquanto destrói sua
vida, eventualmente deixando você esmagado e sozinho, as
memórias desagradáveis corroendo seu interior.

Pude atestar isso porque, cinco anos atrás, passei seis


meses no fundo de uma garrafa. Eu estive contentemente inerte
em meu estupor até que minha irmã e amigos fizeram uma
intervenção, apontando que a vida não valia a pena ser vivida
perpetuamente com a cara de merda, mesmo que bebendo uma
das bebidas mais requintadas e caras do planeta. Minha irmã
gêmea, Lorena, disse que me tornei uma casca de quem
costumava ser. A irmã caçula de Harry, Mignon, me disse que
sentia falta do antigo eu, do verdadeiro eu. Fiquei pomposo e na
defensiva durante a maior parte da reunião, revirando os olhos e
zombando de cada comentário. Tentei sair, mas Ollie e Harry
bloquearam a porta. Então, fiquei lá, os braços cruzados, sem
vontade de ouvir. Zombei de seus sentimentos ao me recusar a
olhar para eles.

Não queria que eles vissem os restos esfarrapados de minha


alma porque isso significava admitir que estava em uma situação
terrível e precisava de toda a ajuda que pudesse conseguir.

Então, Lorena mostrou uma foto de ultrassom, me forçando


a olhar para o pequeno feijão que nasceria em poucos meses. Ela
perguntou se eu estava disposto a morrer e sentir falta de vê-lo
crescer. Que eu era o único homem em sua vida. O pai dela. Eu
tinha uma escolha a fazer: ficar bêbado e trazer tristeza para meu
bebê e todas as outras pessoas em minha vida, ou ficar limpo e
me tornar o melhor pai que poderia ser, considerando todas as
coisas. Aquele momento de clareza foi tudo que eu precisava para
parar porque, embora nunca tivesse visto minha filhinha, já a
amava mais do que qualquer outra coisa neste mundo, incluindo
a bebida.

Eu tinha jogado o grande copo de uísque de single malte de


trinta anos agarrado em minha mão contra o chão de ladrilhos
do meu pátio, vendo-o quebrar em um milhão de pedaços através
do brilho de lágrimas nublando meus olhos, meu coração se
partindo ainda mais. Caí no chão e chorei por um longo tempo,
minhas emoções eram uma montanha que se saturou com a água
da chuva ao longo do tempo até espirrar, destruindo tudo em seu
caminho. Eu chorei por minha família e amigos, por Grace e
Caterina. Mas, mais do que tudo, chorei pelo homem que
costumava ser, o homem condenado a uma morte lenta e
dolorosa. Lorena e Mignon se ajoelharam, envolvendo seus
braços em volta de mim. A vergonha do meu comportamento me
apunhalou no estômago, me fazendo querer vomitar o veneno
líquido que ficou em mim.

Permiti que meus demônios tivessem precedência sobre


minha filha, o que era inaceitável.

Caminhei até o banheiro, enfiei os dedos na garganta e


vomitei, não querendo deixar mais nenhuma toxina que estava
consumindo no café da manhã, almoço e jantar se infiltrasse em
minha corrente sanguínea. Depois de um banho frio, fui para a
cama, pronto para suar pelo tempo que fosse necessário. Foi
humilhante, mas não tão ruim quanto ser um perdedor e um
bêbado. Algumas semanas depois, emergi de novo, mas não a
pessoa que eu era antes de me tornar uma casca de álcool
escorrendo. Não. O novo eu era mais sábio, mais forte, agora eu
tinha a cabeça limpa. Uma que pudesse pelo menos tentar
descobrir como ser pai. Eu estava ansioso para retomar as rédeas
de tudo em minha vida. Tudo exceto uma chance de amor.

Meu queixo ficou tenso e meus lábios franziram enquanto


eu olhava para o copo em minha mão, a dúvida batendo na porta
de minha consciência. Senti o cheiro do Amaretto no tiramisu e
imaginei que não havia mal nenhum em tomar uma bebida. Eu
não era alcoólatra. Eu tive um ano ruim pra caralho e lidei bem
com conhaque e scotch. Antes disso, nunca tive problemas com
álcool. Não enquanto crescia na Itália, onde todos os cachorros
tomavam uma dose diária de vinho, nem durante meu tempo na
Inglaterra, enquanto estava na universidade e andava em pubs
com os meninos todas as noites.

Não, eu não era um alcoólatra, mas estava com medo de


sentir-me vivo, e o licor era a personificação da morte emocional
e espiritual. Então, quando meu coração começou a balançar
suas asas ociosas ao ver a linda ruiva, recorri à morte por medo
de viver.

Ela me atraiu e eu me odiaria para sempre se não a


conhecesse, mas foi puramente por atração física e luxúria.
Qualquer coisa além disso estava fora de questão. Meu coração
batia apenas pela minha filha, e era assim que precisava ficar.

Mudei meu foco para Ollie e Harry, esperando que eles não
tivessem percebido meu erro, aliviado por encontrá-los moendo
seus corpos em seus encontros, felizmente inconscientes. Eles
realmente eram acompanhantes terríveis. Olhei para a bebida,
tentando decidir o que fazer com ela. Dois goles foram mais que
suficientes, mas doeu desperdiçar um licor tão caro. Meus olhos
zuniram ao redor da sala, e por uma fração de segundo,
considerei presentear um estranho. Ri de mim mesmo,
percebendo que ninguém em sã consciência iria aceitar isso.
Sentei-me e coloquei o copo na bandeja, me perguntando quantas
pessoas haveriam em sã consciência.
A pista de dança ficou parcialmente vazia. A bela dançarina
estava sentada em uma cama do outro lado da pista de dança,
olhando para mim. Embora não pudesse distinguir a cor de seus
olhos, poderia dizer que eles eram tão profundos quanto o
oceano. Ou talvez fossem tão profundos quanto a cratera em meu
peito. Seu olhar era inabalável e cativante, enviando uma onda
de sensações por meu corpo que me deixou fervendo.

Os brilhantes respingos verdes em seu vestido preto


complementavam seu cabelo vermelho, fazendo-o se destacar
ainda mais. As mangas transparentes pendiam de seus ombros,
dando-me uma olhada em seus seios, fazendo minha imaginação
correr solta. Minha boca ficou seca com um apetite apaixonado
do qual pensei não ser mais capaz. Peguei a água da bandeja da
cama e tomei um gole, olhando através do vidro para a mulher
que me fascinava profundamente. Nossos olhares não vacilaram
um do outro. Dois estranhos travando os olhos em uma sala,
preenchendo o espaço entre eles com química e intriga. Isso fez
meu coração bater forte no meu peito. Ela puxou a manga do
vestido até o ombro, o cabelo cor de cobre luxuriante beijando
sua pele lisa de porcelana. Quando seus lábios se curvaram,
revelando um sorriso tímido, mas luminoso, a pressão em meu
pau se tornou insuportável. Eu balancei minhas pernas para fora
da cama e me levantei, a missão clara: saber o seu nome antes
de transar com ela até o sol nascer. A voz do DJ fluiu pelo clube,
anunciando o início da contagem regressiva de dez minutos. O
lugar foi à loucura, as pessoas aplaudiram e correram para a
pista de dança, seus corpos se movendo ao ritmo do remix de
Justice de MGMT's Electric e preenchendo o espaço entre nós.

Não conseguia mais vê-la.

Porra.

Olhei para meus amigos que estavam se divertindo com


suas conquistas da noite. Nunca fui do tipo que ficava sentado
esperando o que queria. Eu fui atrás dela, percorrendo a
multidão densa, na esperança de encontrá-la rápido. A selva de
corpos era densa, quase impenetrável. Levei vários minutos para
chegar ao outro lado. Afastei cada corpo suado, meus olhos fixos
no ponto em que a tinha visto pela última vez.

Ela não estava lá.

— Cinco minutos! — O DJ anunciou. A energia na sala era


inebriante. Lost Souls de Eelke Kleijn ricocheteou nas paredes,
profundo, alto e adequado aos gritos de meu coração. Uma
invocação ensurdecedora para resgate e redenção. Eu fiz o meu
melhor para ignorar, mas só ficou mais alto. Eu engoli meus
apelos e os saboreei. Luzes estroboscópicas coloridas pulsavam
de cima, os movimentos das pessoas congelando sob o efeito do
xenônio. O baixo reverberou em meu núcleo. O lugar cheirava a
feromônios e expectativas coletivas. Isso aumentou meu desejo
por ela. Eu a imaginei na minha frente, os braços em volta do
meu colarinho, minha boca na curva de seu pescoço, meu hálito
quente fazendo cócegas em sua pele cremosa com uma promessa
carnal que ela não poderia rejeitar. Minhas entranhas
estremeceram com a perspectiva. Se seu toque imaginário e
proximidade fossem tão emocionantes, o que eu poderia esperar
caso se tornasse realidade? A necessidade de descobrir me
inundou.

O DJ cortou a música, contando os últimos dez segundos


pelo microfone. A multidão juntou-se ao seu canto, vozes envoltas
em moral revitalizada e resoluções futuras, que cairiam em
alguns dias ou semanas.

— Dez! Nove!

Minha respiração tornou-se frenética, os olhos correndo por


toda parte, o coração batendo forte em sua jaula óssea. Minha
necessidade repentina de encontrá-la antes que o relógio batesse
meia-noite alimentou as chamas mortas que lamberam minhas
entranhas.

— Oito! Sete!

O Supper Club segurou a tensão de um foguete a segundos


de decolar. Me virei, procurando atrás de mim.

E lá estava ela. Uma selvagem juba escarlate emoldurando


o rosto mais lindo que já vi. A multidão a cercou, agitando suas
mãos e punhos no ar e se preparando para o proverbial
lançamento da bola. Mas ela não estava contando os segundos
com eles. Ela estava examinando o espaço, seus olhos
arregalados combinando com meu frenesi, seu pescoço esticando
para a esquerda e para a direita procurando por algo. Ou alguém.

— Seis! Cinco!

Minhas pernas se moveram com velocidade e determinação,


sem vontade de parar até que eu a alcançasse. Eu não sabia
quem ela estava procurando, mas esperava que fosse comigo que
queria passar os últimos segundos de dezembro, mesmo que eu
fosse um estranho total.

— Quatro! Três!

Ela estava de costas para mim, então agarrei seu braço,


girando-a para me encarar. Ela gritou, seu corpo recuando, o
reconhecimento piscando brevemente em seus olhos antes de se
transformar em excitação.

Deus, ela era linda. Suas íris azuis como o oceano,


exatamente onde a parte rasa encontra o fundo. Um punhado de
sardas cobria seu rosto, braços e ombros. Um nariz de botão
refinado e lábios em forma de coração a faziam parecer inocente,
mas sedutora. Uma única sarda escura marcava o lado esquerdo
de seu lábio superior. Era tão sexy, eu queria lamber. Queria
devorar seu rosto inteiro. Depois de um segundo de apreensão
com minha presença e toque, suas feições relaxaram e ela me
lançou um sorriso glorioso que esmagou meu celibato auto
imposto.
— Dois! Um!

— Feliz Ano Novo!!!

O pandemônio explodiu ao nosso redor. Pessoas se


abraçando, beijando e espirrando champanhe umas nas outras.
Olhamos um para o outro, as faíscas voando entre nossos corpos
o suficiente para iluminar a Torre Eiffel.

Baixei minha cabeça para alcançar seu ouvido e perguntar


seu nome. Queria bater minha boca na dela e descobrir se ela
tinha um gosto tão bom quanto parecia, mas não queria arriscar
o sucesso dos meus planos de transar com ela a noite toda. Ela
ergueu o corpo na ponta dos pés, olhando para meus lábios com
um sorriso travesso, como uma criança decidida a desafiar seus
pais, apesar da reação iminente. Seu rosto se aproximou do meu
e minha mandíbula tremeu em antecipação. Meu olhar caiu para
sua boca enquanto eu segurava meu impulso animalesco de
assumir o controle da situação. Eu me preparei para o beijo dela,
mas um lampejo de algo ansioso cruzou seus lindos olhos azuis
e ela se encolheu, sua boca se desviando de seu caminho e
pousando na minha bochecha quando o som dos sinos da torre
do relógio tocou, marcando a meia-noite e o início de um ano
novo. Um dilúvio de confete caiu do teto, cobrindo nossas cabeças
com partículas de ouro e prata, aumentando o furor da multidão.

O calor se espalhou pelo meu rosto, a sensação de seus


lábios carnudos na minha pele fez meu pau estremecer de
excitação, apesar da inocência de seu beijo. Ela não ia tornar isso
fácil para mim, e eu gostava dela ainda mais por isso. Eu não me
importava em perseguir mulheres, mas ficaria feliz em persegui-
la.

Espalhei minhas mãos na curva íngreme de suas costas,


puxando-a para mais perto enquanto seus lábios se demoravam
em minha bochecha. O calor de seu corpo aqueceu minha pele e
eu inalei seu cheiro. Ela cheirava a lavanda, baunilha e hortelã-
pimenta.

Deus, eu queria mais e ao mesmo tempo não queria. A


possibilidade de beijar cada centímetro de sua pele e estar dentro
dela me rasgou por dentro. Mas essa garota não era como as
outras. Sua energia era complexa, mas delicada, como a bela
louça de cristal que minha mãe tirava todos os anos para as
férias. Levaria tempo para explorar todas as suas curvas, algo
que eu não era capaz ou estava disposto a fazer.

Ainda assim, ela me excitou tanto que poderia tê-la levado


ali mesmo e não dar a mínima para nada ou ninguém. Seus
lábios deixaram minha pele e nós nos olhamos novamente, sua
expressão cheia de êxtase e uma pitada de vergonha. Eu mantive
minha mão nas costas dela, nossos corpos a centímetros de
distância.
Ela não tentou se esquivar, o que me agradou mais do que
eu estava disposta a admitir. — Oi. — Suas bochechas ficaram
rosadas, aumentando sua beleza incomparável.

— Olá, sou Lorenzo.

— Muito prazer em conhecê-lo. — Ela deu uma risadinha.

Deus, eu já amei aquele som. — O prazer é meu. — Eu


encarei seus olhos, esperando avaliar o que ela queria de mim, o
quão longe estava disposta a levar a atração evidente entre nós.

— Eu sou Arabel. — Seu sorriso era radiante como o sol


refletido na neve, lindo, mas também perigoso sem óculos de sol
para proteger as córneas. Ou paredes para proteger o coração.

Meu coração.

— Prazer em conhecê-la, Arabel. Você foi incrível lá. — Eu


levantei minha cabeça, gesticulando em direção ao teto.

— De onde você é? Posso ouvir um sotaque forte, mas não


consigo identificá-lo. — Ela mudou de assunto e não reconheceu
meu elogio.

— Eu sou da Itália, mas eu...

Seu corpo ficou rígido em minhas mãos, cambaleando para


trás e quebrando nosso vínculo. Com uma mão no peito, ela
agarrou o lindo medalhão que descansava entre suas clavículas.
Seus olhos brilharam de medo. Eu fiz uma careta, observando o
movimento caótico de seu peito enquanto ela dava vários passos
para trás, quase caindo ao esbarrar na multidão atrás dela. Ela
olhou para mim com olhos torturados que brilharam com
lágrimas não derramadas antes de se virar e correr em direção à
saída, me deixando perdido e confuso no meio da pista de dança.
SENTEI-ME NA MINHA BANHEIRA, entorpecida e com vergonha do
meu comportamento. Eu corri para fora do clube como um raio
depois de conhecer o homem mais bonito que já vi. Um homem
que poderia potencialmente me ajudar a recuperar a ousadia que
já tive. O pânico que crescia dentro de mim era tão intenso que
saí de casa de mãos vazias, deixando todos os meus pertences
para trás, incluindo dinheiro, telefone e meu pessoal.

Merda.

Chamei um táxi do lado de fora do local, observando com


horror enquanto Lorenzo corria atrás do táxi, gritando meu
nome, seu rosto contorcido de confusão e decepção. Eu
despenquei no banco traseiro de couro muito gasto do carro
enquanto o sistema hidráulico começou. Meu peito se contraiu,
uma onda de pavor pairando sobre ele, pesado com a pressão.
Minha visão estava turva e minha respiração vinha em rajadas
curtas. Hiperventilando. Tendo um ataque de pânico.

Os bons não gostam de garotas arruinadas.


O motorista do táxi havia perguntado várias vezes se eu
estava bem, mas minha garganta estava seca demais para
palavras. Minha irmã e amigos devem ter saído do clube no
momento em que testemunharam minha fuga humilhante. Eles
pararam no meu carro assim que o taxista me deixou. Meu amigo
Ben pagou a ele enquanto Fiona arrastava meu corpo trêmulo
para dentro de casa e para dentro da banheira. A água sempre
ajudou a me acalmar.

Não conseguia me lembrar da última vez que tive um


ataque.

Com o tempo, trabalhei duro para manter meu estresse pós-


traumático sob controle e me irritou por ele ter escolhido retornar
nesse momento, mas me enfureci ainda mais por ter permitido.
Nunca apreciei quando o medo venceu, principalmente quando
aconteceu no dia em que conheci alguém que me fez querer
superar. Eu queria agarrar aquele homem sexy e beijá-lo na boca,
mas meu mecanismo de proteção entrou em ação e optei por um
beijo na bochecha.

Talvez eu esperasse muito de mim. Não é como se as


mulheres geralmente ficassem com completos estranhos, certo?
Quer dizer, eu estive fora do jogo por tanto tempo que não sabia
mais o que diabos estava fazendo. Revirei os olhos para mim
mesma porque mais uma vez estava contando com desculpas
para não ter que enfrentar meus problemas. Embora fosse uma
justificativa racional, no fundo sabia que meu único motivo para
não continuar com aquele beijo era o medo.

Mas não fui vítima. Correção: eu já fui uma vítima antes,


mas não mais, e me recusei a agir como uma. Fui responsável
por escolher os óculos de cor corretos para filtrar minha vida e
me recusei a perpetuar o terror que senti naquela noite horrível.

Posso ter perdido a batalha esta noite, mas nunca perderei


a guerra.

Corri meu polegar sobre meus lábios e estremeci, não


porque a água do banho estava fria, mas porque eu ainda podia
senti-lo. O braço forte de Lorenzo me envolvendo, seus dedos
espalmados produzindo o calor que queimava cada centímetro
das minhas costas. O jeito que ele cheirava a conhaque e canela.
O azul topázio vibrante de seus olhos. Um magnífico espécime de
homem, e eu estraguei tudo.

Eu apertei o medalhão pendurado em uma corrente de


platina entre minhas clavículas. O que minha avó me deu no meu
aniversário de dezesseis anos. Era uma herança de família que
havia sido passada para a filha mais velha por gerações. Era para
ir para minha mãe, mas ela se recusou, pedindo à vovó que
guardasse para mim. Tinha uma foto dela com meu falecido avô,
o amor de sua vida. Era tão precioso para mim quanto minha
avó, então adquiri o hábito de segurar o coração de treliça de
diamante sempre que estava ansiosa ou com medo.
Pegando uma garrafa de óleo essencial de lavanda da
prateleira do chuveiro, derramei algumas gotas na água. Eu
respirei o poderoso perfume floral que nunca falhou em acalmar
meus nervos. Eu amei o cheiro e passei sobre meus pulsos e
têmporas todos os dias, cheirando como adolescentes entediados
cheiravam cola atrás do 7-Eleven.

Mas esta noite, nenhuma quantidade de óleos aromáticos


poderia apagar meu arrependimento.

Tudo aconteceu tão rápido, o gatilho desencadeou uma


avalanche de reações instintivas em mim, chutando meu modo
de sobrevivência em plena marcha e roubando minha capacidade
de pensamento racional. Eu entendi que meu cérebro de lagarto
estava apenas tentando me proteger, mas não poderia ter
esperado até que eu pelo menos tivesse seu sobrenome? Melhor
ainda, seu número de telefone?

Eu submergi meu corpo – com a cabeça e tudo – na água


quando me ocorreu que nunca mais o veria ou teria a
oportunidade de corrigir minhas ações infelizes. Pensei em
encontrá-lo, mas seria impossível quando tudo que eu tinha era
seu primeiro nome e, em 48 horas, estaria me mudando três
horas para o norte, nas montanhas.

Depois de soprar bolhas para fora do meu nariz como uma


criança, tirei minha cabeça da água, inalei os restos de lavanda
e soltei um suspiro profundo. Era o melhor. Não era uma boa
ideia envolver-se com alguém antes de mudar. Depois de alguns
minutos, minha respiração se normalizou, meu coração
recuperou a compostura e minha visão recuperou a clareza.

Mais uma vez, meu ataque de pânico não me matou, embora


parecesse que meus nervos planejavam arrancar o ar de meus
pulmões para sempre. Cada vez que eu entrava em pânico, estava
convencida de que a morte viria. Mas isso nunca aconteceu, e me
consolo com esse conhecimento.

Eu ouvi uma batida suave na porta. — Arie, você está se


sentindo melhor? — A voz de Fiona soou uma oitava mais alta do
que o normal. Ela não queria parecer preocupada, mas não podia
evitar, porque me amava muito.

— Sim, Fi. Já vou sair. — Eu esperava que minhas palavras


acalmassem suas preocupações. Reconheci que meus problemas
não eram minha culpa, mas não conseguia apagar a culpa em
meu estômago pelo que fiz meus entes queridos passarem, e
ainda os sujeitava de vez em quando.

Levantei-me da banheira, certificando-me de que minhas


pernas poderiam suportar meu peso novamente. Puxei uma
toalha verde da prateleira e sequei o excesso de água na minha
pele. Entrando no meu armário, coloquei minha calça de
moletom roxa favorita e um moletom cinza da Universidade de
São Francisco dois tamanhos maiores.
Com os nervos ainda em frangalhos, mas sob controle, saí
do meu quarto e encontrei Ben e Fiona sentados na sala de estar,
girando os polegares com expressões sérias em seus rostos, a
preocupação vazando de seus poros.

Eu me enrolei no sofá ao lado da minha irmã, com Ben no


sofá em frente a nós. Avistei meu celular na ilha da cozinha e
silenciosamente agradeci por cuidarem de mim. Eles ficaram
quietos, esperando que eu contasse o que havia acontecido.
Como fui abençoada por ter pessoas tão bonitas em minha vida?
A gratidão substituiu a vergonha e o arrependimento, e eu
abracei meus joelhos. — Ele era italiano.

Eles sabiam exatamente o que essas palavras significavam.


EM PRIMEIRO DE JANEIRO, corri para o hospital – com
champanhe e vergonha ainda borbulhando nas veias – para ver
um paciente. Dançar era um dos meus hobbies, ajudar as
pessoas a desemaranhar a bagunça em suas mentes, corações e
corpos, para que pudessem encontrar paz e levar uma vida
melhor, era minha carreira. Eu era psicoterapeuta, assim como
Ben.

Nós nos formamos na Universidade de São Francisco e


fizemos pós-graduação juntos. Ben se tornou psicólogo clínico e
eu me especializei em somática e ecoterapia. Pode soar como um
bando de besteira hippie, embora não devesse. Eu ajudo os
pacientes a lidar com o trauma preso em nossos corpos. As
células armazenam memórias, e é por isso que um veterano de
guerra entra em pânico quando o ventilador de teto se parece com
o helicóptero de combate que matou seus amigos.

A ecoterapia é a cura pela natureza, que tem um efeito


incrível na mente e no sistema nervoso, razão pela qual muitos
passam alguns dias nas montanhas, no deserto ou na praia para
se desestressar. No entanto, a praia era o oposto de relaxar para
mim. Eu a desprezava com cada fibra do meu ser.

Meu maior sonho era abrir um centro de retiro de cura de


traumas no meio das montanhas de Sierra Nevada, no norte da
Califórnia, onde as pessoas pudessem se curar e se redescobrir.
Ben e eu compartilhamos uma prática de aconselhamento nos
últimos cinco anos. O plano era que ele assumisse o controle de
meus clientes na cidade até que chegasse a hora de se juntar a
nós nas montanhas. Fiona e eu crescemos em Grass Valley, que
ficava no sopé das Sierras. Nossos pais ainda moravam lá e
voltaríamos a morar com eles até encontrarmos a propriedade
perfeita para nossos planos. Voltei do hospital e olhei ao redor da
sala de estar, cheia de caixas móveis e amendoins em embalagens
biodegradáveis. Meu coração apertou um pouco. A verdade é que,
embora pronta para seguir em frente, sentiria falta de certas
coisas sobre esta bela cidade. Eu sentiria falta desta casa.
Admitindo que não fosse a última vez que a visitaria, já que era
de propriedade de nossa avó e usada por todos nós, ainda sentiria
falta de morar nela com Fiona.

Eu sentiria falta de El Cancun Taqueria no distrito de The


Mission, onde comemos os mais incríveis tacos às duas da
manhã, depois de sairmos cambaleando do bar. O Circus Center,
onde aprendi dança aérea e conheci pessoas maravilhosas. Todo
dia 20 de abril – Dia Nacional da Maconha – em Hippie Hill no
Golden Gate Park. Nunca fumei, mas por um dia do ano poderia
dizer que estava só de passagem e não era minha culpa a nuvem
de THC ser tão densa, pegava um contato alto que durava horas,
no qual assistia, pela milionésima vez – embora com uma nova
perspectiva – meus filmes favoritos de infância: Labyrinth com
um David Bowie incrivelmente assustador, The NeverEnding
Story (eu ainda choro quando o cavalo de Atreyu morre no
pântano da tristeza). Como você ousa Wolfgang Petersen!, e
Legend (onde Tom Cruise arriscou sua vida para salvar
unicórnios, muito antes de começar a pular no sofá de Oprah
Winfrey). Horas mais tarde, meu estado de espírito alterado
desapareceria, e eu ficaria totalmente exausta da minha curta
temporada como uma viciada em televisão, meus dedos laranja
de todo o saco de Cheetos que eu tinha acabado de engolir
sozinha.

Sim. Sentiria saudades desta cidade, mas estava feliz por


passar para uma nova fase da vida. Uma vida cheia de família,
natureza, sucesso profissional, novos amigos e, quem sabe, talvez
um homem que pudesse me amar apesar dos emaranhados
espinhosos da minha mente.

Sonhe, Arabel.
NOSSA CASA DE INFÂNCIA parecia quase exatamente como há
tantos anos. Pelo menos por fora. Fiona e eu ficamos na entrada
da garagem, observando o bege da fachada da casa. Colunas de
pedra sustentavam a entrada em arco que dava sombra a uma
enorme porta esculpida flanqueada por luzes laterais e encimada
por uma travessa em meia-lua. Zimbro, azevinho e arbustos
perenes austríacos cercavam a frente da casa, sem poda, mas
agradáveis à vista. O cheiro fresco do inverno revitalizou meus
pulmões.

— Você já pensou que voltaríamos para casa? — Fiona


perguntou, um olhar resignado esboçado em seu rosto.

Eu ri. Ao contrário de minha irmã, eu esperava por isso.


Minha fase de querer ficar o mais longe dos meus pais havia
passado. Talvez Fiona estivesse nesse estágio, ou simplesmente
não conseguia imaginar viver com nossa mãe idealista e
espontânea novamente.

A porta da frente se abriu e mamãe saiu correndo, gritando


como uma garotinha, nosso pai excêntrico e aterrado seguindo
logo atrás. Eles eram polos opostos, mas se complementavam
bem.

— Meninas! Bem-vindas de volta ao lar! — Mamãe gritou


com os braços estendidos. Eu imitei seu grito, ansiosa para
aninhar-me sob a asa de minha mãe. Fiona resmungou,
murmurando um apático “yay”, mas dando boas-vindas ao
abraço da mamãe. Papai ficou ao lado, as mãos nos bolsos, um
sorriso caloroso curvando seus lábios enquanto observava suas
três mulheres favoritas.

Um grito alto quebrou o momento maternal, e nossas


cabeças giraram para encontrar Liam – meu Bichon Frise branco
e fofo – batendo na janela do carro, desesperado para sair e cobrir
o rosto de meus pais com lambidas amorosas antes de correr
para dentro de casa em busca de seus amigos animais.

Todos nós rimos, desfrutando de nossa felicidade familiar.


Fi e eu envolvemos nossos braços em volta de papai enquanto
mamãe correu até meu Jeep Wrangler Rubicon vermelho para
agarrar Liam, que saltou no chão coberto de neve, pulando e
lambendo a bondade gelada, o rabo balançando como se tivesse
acabado de chegar ao paraíso.

Sim, era bom estar em casa.

Ben havia chegado com o caminhão de mudança e


escapamos da frieza externa para alcançá-los lá dentro.
Sentamos em sofás confortáveis e poltronas perto da lareira da
sala de estar, bebendo o chocolate quente de mamãe com um
toque de sal marinho. Contei a meus pais sobre meu desempenho
no The Supper Club, optando por omitir meu fracasso épico com
Lorenzo.

— À amizade e a novos começos! — Ben ergueu a caneca


quente em suas mãos, o que levou o resto de nós a fazer o mesmo.
— À família e aos empreendimentos ambiciosos — brindei
com gratidão e esperança pelo futuro que estava prestes a
manifestar.

— E para encontrar um pau melhor nas montanhas! —


Fiona disse com um sorriso malicioso. — Talvez Arabel encontre
o homem que pode finalmente fazer seu coração palpitar e ter sua
calcinha molhada.

Minhas bochechas ficaram vermelhas e cobri meu rosto com


as duas mãos. Eu não podia acreditar que ela disse isso na frente
de nossos pais. — Fiona! — Eu repreendi, dando a ela um aviso.
Fingi que estava ofendida, quando na verdade, estava desejando
o mesmo.

Ela ignorou minha indignação. — Sabe, você precisa de um


bom amor em sua vida.

Revirei os olhos e mostrei minha língua para ela, como uma


garotinha.

— Não é verdade? — Mamãe interrompeu com uma risada.

— Estou perfeitamente bem sem um homem, muito


obrigada. — Respondi, com as costas retas e a cabeça erguida,
tentando esconder meus verdadeiros sentimentos.

Fiona soltou uma risada profunda. — Então, você não quer


conhecer um cara que vai te fazer formigar só de olhar para você?
Um cara com quem você poderia passar incontáveis horas
falando sobre tudo na vida? Uma pessoa que você ama tanto, que
doeria pensar em viver sem ela?

— Ou ter filhos — acrescenta mamãe, olhando com saudade


para meu pai, o homem que cumprira com tudo isso para ela.

Droga.

Meu corpo ficou tenso enquanto todos riam do comentário


de minha mãe. Eu congelei, olhando para eles com uma careta
mesclada, irritada por mamãe ter feito uma pergunta que ela
sabia a resposta e horrorizada por ter essa conversa na frente de
meu pai porque eu o admirava muito. Arrisquei um olhar em sua
direção, meus ombros relaxando um pouco com sua atitude fria.
Ele simplesmente tomou um gole de seu chocolate quente,
permitindo que a conversa ocorresse sem sua interferência, como
sempre fazia. Papai era um homem quieto. Ele era a mosca na
parede que todos esqueceriam que estava ali, até que ele abria a
boca, silenciando sua audiência com sabedoria reflexiva e direta.
Eu não queria ouvir seus conselhos mais do que queria ser
colocada em xeque pelas mulheres da minha família. Eu atirei a
Ben um sorriso tímido, grata por sua escolha de ficar fora disso.

— Eu... eu... — minha voz falhou, presa em uma verdade


que eu não podia negar. Eu queria tudo o que Fiona havia dito e
muito mais, mas não tinha certeza se poderia dar tanto de mim
a alguém. Eu não sabia se poderia olhar para um homem sem a
acidez do meu passado queimando buracos em seu caráter.
Buracos que nunca pertenceriam a ele, mas ainda assim
causariam desconfiança inflexível em mim. Não, não seria justo
com ninguém.

Eu limpei minha garganta. — Bem, estou melhor sem nada


disso. Tudo parece ótimo, mas quando a inevitável dor de coração
vier, eu não quero ser uma bagunça encharcada, em que você
terá que se revezar raspando o chão. Relacionamentos são uma
droga e não terei nada a ver com eles.

Meus entes queridos permaneceram quietos, me


observando enquanto eu me mexia, torcendo e destorcendo meus
dedos no meu colo.

A consciência penetrou em seus rostos. A conversa, que não


era mais uma brincadeira divertida, seguiu pelo mesmo caminho
desagradável de sempre quando o assunto da minha vida
amorosa era abordado. Eu odiava isso. Uma coisa era os atos
atrozes contra mim encobrirem minha existência, sufocando meu
senso de liberdade, mas não tinha o direito de espalhar
melancolia sobre aqueles que eu amava. Eles não precisavam
compartilhar meu fardo. Eu queria suportar seu peso sozinha.
Mas a atrocidade era insensível e não seletiva, jorrando sangue
negro em tudo e em todos que tocava.

Uma sombra de pena passou pelos olhos de meu pai.


Empurrei a estrutura incrustada de diamantes do meu medalhão
de platina até que ele deixou marcas dolorosas na minha pele.
Papai me observou com olhos microscópicos, sem deixar de notar
a sutil, mas potente, sugestão de desconforto esculpida em meu
rosto e nas pontas dos dedos sem sangue. Engolindo sua tristeza
com o movimento da minha garganta, me preparei para o insight
indesejado que ele sem dúvida me dispensaria. Mas isso nunca
aconteceu. Com uma piscada lenta e deliberada, a pena deixou
seu rosto gentil, rapidamente substituída pela leveza muito
necessária.

Obrigada, meu velho.

— Arie não vai se estabelecer com um homem da montanha


— papai zomba com uma afirmação brincalhona, os dedos
entrelaçados na frente do rosto, os indicadores pousados na
fenda do lábio superior. — Ela ainda está esperando pelo
Superman, lembra?

Humor apaziguador fez cócegas em meus músculos. Eu ri.


Mamãe e Fiona jogaram a cabeça para trás com uma risada,
enquanto Ben se sentava com um sorriso confuso pintando suas
belas feições e olhos verdes brilhantes.

Minha mente voltou para a época que eu tinha oito anos,


quando presenteei papai com uma folha de papel de construção
vermelha dobrada em ângulos assimétricos. Dentro havia
rabiscos de giz preto bagunçados, mas legíveis. Eu o informei que
o único homem com quem me casaria seria o Superman. Eu o
havia redigido como um contrato sério, minha assinatura juvenil
no final da página, tornando minha intenção oficial. Era um ato
que se tornaria uma das principais histórias de infância que
meus pais usavam para me envergonhar sempre que recebíamos
visitas ou quando eu trazia um menino para casa. Meu pai
rapidamente me lembraria de minha promessa ao homem de aço.
Eu olhei sem entusiasmo enquanto ele compartilhava meu feito
de juventude com Ben.

— Para qual Superman você prometeu a si mesma? — Ben


perguntou.

Eu abri minha boca para falar, mas Fiona interrompeu. —


Henry Cavill, é claro.

— Você quer dizer Christopher Reeve — papai brincou.

— Não, George, ela está falando sobre o último — mamãe


respondeu enquanto bebia de sua xícara fumegante de bondade.

O rosto do meu pai parecia ofendido. — O único Superman


no meu livro é Reeve.

— E o único no livro de Arabel é Henry — acrescentou a


mãe.

— Arabel fez uma promessa ao Superman, que tem sido


Henry Cavill desde 2013, e ele é muito mais gostoso do que Reeve
— disse minha irmã, com orgulho.

Papai me lançou um olhar, tentando não sorrir. — Traidora.


Todos nós rimos. Duas palavras silenciosas deixaram
minha boca, dirigidas ao homem responsável por minha
existência.

Obrigada. Obrigada.

Obrigada por saber quando transmitir sabedoria e quando


dissipar o punho da vergonha que torce minhas entranhas.

Ele acenou com a cabeça, rapidamente desviando o olhar


para minha mãe, que estava apertando seu ombro, ainda
extasiada na conversa. — George, quando ver de quem eles estão
falando, você também se apaixonará.

— E se você conhecesse o sósia de Henry Cavill? — Ben


perguntou com um brilho nos olhos.

Lorenzo era ainda mais bonito do que Henry. Afastei sua


imagem. — Não há ninguém como Henry Cavill — retruquei
rapidamente, na esperança de enterrar com sucesso a tensão em
minha espinha e o galope do meu coração que poderia entregar a
esperança questionável que descansava dentro de minhas
costelas.

Meu pai colocou a mão no meu braço. — Você nunca sabe,


você nunca sabe.
ESTAR DE VOLTA ao campo não foi um desafio para mim. Eu
prosperei na natureza. Seu poder pacífico me trouxe alegria. Eu
li, andei e brinquei com Liam e o cachorro e o gato dos meus pais.
Papai amarrou minhas sedas aéreas até o topo do teto de sua
casa, para que eu pudesse treinar e ficar em forma acrobática, o
que era bom para minha saúde mental e emocional.

Nos poucos dias desde que chegamos a Grass Valley, Carlos


Sierra – ou C, como todos nós o chamávamos – nosso corretor de
imóveis e amigo da família, nos mostrou três propriedades,
nenhuma das quais cumpria nossa visão. Tínhamos um bom
plano de negócios e há muito tempo economizamos dinheiro para
esse fim. Nosso avô havia deixado um fundo fiduciário
considerável para Fiona e eu. Antes de falecer, em seu
testamento, estipulou que não teríamos acesso ao dinheiro antes
da faculdade. Eu me formei anos atrás, mas optei por não tocar
minha herança, deixando-a render o máximo de juros possível.
Além da minha herança, eu economizava quase metade da minha
renda anual desde que Ben e eu abrimos nosso consultório. O
centro de cura de traumas seria um grande empreendimento.
Seria caro tornar nossa visão realidade, e eu sabia que meus pais
ou vovó (que ainda administrava o vinhedo da família) não
hesitariam em me dar mais dinheiro se necessário, mas eu não
queria ficar devendo a eles. Eu precisava fazer isso sozinha. Para
provar a mim mesma que, apesar de minha educação afortunada,
tive a perspicácia para ser bem-sucedida.

Era um dia frio de inverno e Fiona e eu estávamos a


caminho de outra propriedade em potencial, esta na área do Lago
Donner. Ficava a uma hora de distância de nossos pais em Grass
Valley, mas mais perto de Lake Tahoe do que esperávamos.
Aninhada na magnificência das montanhas de Sierra Nevada, a
propriedade à beira-mar ficava de frente para o lago Donner e não
ficava longe da interestadual 80. Parecia promissor. Se este lugar
atender aos nossos critérios, teremos acertado em cheio.

Fiona estava ao volante de seu carro híbrido azul-claro. Ela


tinha acabado de terminar seu MBA e estava ansiosa para me
ajudar a fazer meu negócio decolar, não apenas para meu
benefício, mas para acumular experiência a fim de realizar seu
sonho de abrir uma loja de cerâmica de alta qualidade que
pudesse preencher com seus incríveis conceitos de argila.

Enquanto dirigíamos para Donner Lake, eu a observei tecer


o carro silencioso através de curvas arborizadas, divagando sobre
as coisas que ela sentia falta de seu tempo na cidade, seu longo
cabelo de ébano balançando no casaco de inverno branco que
iluminava o tom musgoso de seus olhos. Ela se parecia com o
papai, enquanto eu parecia com a mamãe.
— Este é o portão. Estamos aqui! — Fiona me arrancou dos
meus pensamentos. A alta cerca de parede de pedra me deu uma
sensação de privacidade e proteção, relaxando minha mente. A
estrada particular se abria em uma enorme entrada circular,
exibindo um belo aglomerado de pinheiros no centro. Ofegamos
quando a casa principal apareceu. A maior e mais magnífica casa
que vimos até agora. Fiona soltou um grito de alegria. Fiquei em
silêncio, absorvendo tudo. O Volvo de titânio de Carlos estava
estacionado próximo a uma placa de “casa aberta”.

O amplo jardim da frente fez minha imaginação correr solta


com as possibilidades de jardinagem. Imaginei mamãe e eu
sujando as mãos. Trabalhar na terra com ela era minha atividade
favorita, além de dançar nas minhas sedas e ouvir os problemas
das pessoas. Ela era uma jardineira ávida que me ensinou tudo
o que eu sabia. Sua especialidade eram ervas e vegetais.

O meu eram flores.

Desde criança, tive uma ligação com flores. Adorava colocar


meus dedos na terra, cavar pequenos buracos para jogar
sementes, observá-las crescer. Eu costumava ir ao nosso jardim
todas as manhãs, ansiosa para encontrar as mudas cutucando
timidamente o solo, prontas para encontrar o sol. Eu
praticamente morava na estufa, passando incontáveis horas
ouvindo as flores, desabrochando com elas. Tanta beleza e
potencial esperando para se abrir e nos agraciar com sua
presença.
Quando eu tinha sete anos, fiquei obcecada com o
significado das flores. Cada vez que algo acontecia em minha
vida, eu encontrava uma flor que simbolizava meu estado de
espírito. Então, aprenderia a cultivá-la e ajudá-la a florescer. Às
vezes eu as daria às pessoas, secretamente deixando-as saber
como eu me sentia a respeito delas ou sobre algo que fizeram.
Enquanto crescia, todo mundo achava minha tendência para
presentear com flores bonita, mas, para mim, era minha segunda
língua, uma que às vezes gostava de usar mais do que palavras
reais. Com o passar dos anos, me peguei me perguntando se não
era saudável me esconder atrás das flores em vez de usar
palavras para expressar meus sentimentos mais profundos e
assustadores, mas, francamente, não me importei. Minha parede
de flores me fez sentir segura e protegida.

Três anos atrás, minhas flores murcharam comigo,


significando a desintegração que minha alma, mente e corpo
foram forçados a suportar. A jardinagem havia desaparecido da
minha vida há dois anos. Quando comecei de novo, concentrei-
me em ervas em vez de flores. Nunca florescendo. Até uma
semana atrás. Estar de volta à estufa de minha infância,
cultivando rosas, tulipas e ranúnculos, alimentou meu espírito,
trazendo de volta as coisas boas daquela época, antes que tudo
mudasse. Eu estava pegando de volta o que era meu, uma pétala
de cada vez.

Cura. Renascimento. Vaidade.


Degraus de pedra levavam à porta da frente, a varanda feita
de madeira maciça que lembrava uma ponte levadiça de um
castelo medieval. Isso levou a um glorioso conjunto de portas
duplas em arco que me lembrou dos elfos dos meus livros
favoritos. O entusiasmo disparou em minhas veias. Este lugar
era promissor, e ainda tínhamos que explorá-lo além da entrada.
As portas élficas levavam a um foyer com duas áreas de estar e
uma grande escadaria.

— Uma grande escadaria? O que é isso, um castelo? — Os


olhos de Fiona se arregalaram de admiração.

— Perto, — Carlos interrompeu, vindo do que parecia ser


uma sala de jantar formal. — Foi projetado por um rico produtor
de cinema como uma casa de férias. Uma casa longe de Los
Angeles.

— Gosto caro — disse Fiona.

— Por que ele está vendendo? — Eu perguntei, examinando


o acabamento requintado do enorme foyer.

— Ele morreu.

— Oh? — Os ouvidos de Fiona se animaram, esperando por


uma história dramática.

— Droga. — Decidi parar de perguntar sobre o que


aconteceu com o homem e esperava que ele não tivesse morrido
dentro de casa.
— Não se preocupe, ninguém morreu nesta casa, — Carlos
nos assegurou como se lesse meus pensamentos. — A filha dele
tinha autismo e amava fantasia, fadas, criaturas mágicas, esse
tipo de coisa. Então, ele construiu um mundo mágico só para ela.

Sua filha tinha autismo? Ela morreu também? Onde ela


estava agora? Eu abri minha boca para perguntar quando uma
voz profunda e suave veio da frente da casa.

— Você não diz. — A voz retumbou em meus ouvidos. Virei


para encontrar Lorenzo encostado na porta da frente, fazendo
sua beleza aumentar dez vezes. Fiquei boquiaberta com ele de
olhos arregalados, enquanto meu queixo caía, chocada ao ver o
homem que estava em meus sonhos desde a véspera de Ano Novo
parado na minha frente em uma casa aberta a duzentos
quilômetros de São Francisco.

Quais seriam as chances?

Quando nossos olhos se encontraram, uma emoção


percorreu minha espinha. Ele olhou para mim com os olhos
estreitos. Depois de alguns segundos, um lado de sua boca se
curvou em um sorriso malicioso. Segurei-me no corrimão da
grande escadaria com as duas mãos, meus joelhos bambos e as
mãos úmidas.

O homem parecia delicioso, vestindo jeans escuro, uma


jaqueta verde oliva e botas marrons de inverno com detalhes em
pele sintética. Seu cabelo estava preso sob um chapéu de malha
cinza, e ele usava óculos de aro preto que ampliavam sua
gostosura e meu desejo de arrastar meus dedos ao longo de seu
queixo forte e barbudo.

Ele continuou olhando para mim, fazendo meu coração


bater forte no peito. Sua expressão era ilegível, o que aumentou
meus nervos. Queria saber se ele estava feliz em me ver ou
aborrecido porque se lembrou do meu desaparecimento na noite
em que nos conhecemos. A vergonha tomou conta de mim e me
virei para olhar para Fiona em busca de conforto, mas ela ficou
lá com o queixo no chão. Ela ficou boquiaberta, seus olhos verdes
brilhantes exibindo o mesmo choque ecoando dentro do meu
peito. Uma casa aberta em Tahoe era o último lugar que
esperávamos encontrar com ele.

— Enzo! Que bom ver você, meu irmão! — Carlos se


aproximou dele, dando um abraço que ‘Enzo’ devolveu como se
fossem melhores amigos. Embora ele nunca tenha parado de
olhar para mim.

Carlos se virou para nós. — Senhoras, permitam-me


apresentar-lhes Lorenzo Simonetti.

— Simonetti? — Fiona balbuciou, incapaz de esconder seu


espanto. — Você tem algo a ver com as estações de esqui
Simonetti?

— Sim — disse Lorenzo, caminhando e estendendo a mão


para minha irmãzinha. Ela apertou, seus encantos fazendo-a rir
e corar. A pontada de ciúme em minhas entranhas me pegou de
surpresa. Não sabia o que mais odiava, minha irmã caindo em
seu feitiço, ou o fato de que eu estava com ciúmes.

Lorenzo parou na minha frente com fogo em seu olhar. —


Olá, meu nome é Lorenzo, un piacere — Um prazer conhecê-la em
italiano. Entrei em pânico ao ouvir as palavras estrangeiras, mas
afastei o sentimento.

Ele estendeu sua mão grande e masculina em minha


direção. Era áspera, os calos me diziam que ele fazia algum tipo
de trabalho manual. Eu encarei, mas não retribuí. Por que ele
estava se apresentando? Não percebeu que eu era a mulher que
ele conheceu há apenas uma semana?

Ele sabia quem eu era, mas escolheu ser um idiota, o que


eu deveria ter odiado, mas não odiei. Em vez disso, meu coração
estava dançando no meu peito, minha mão coçando para agarrar
a dele e nunca mais soltar. Mas não lhe diria isso. Fingi
indiferença ao retornar sua saudação. As faíscas voando com
nosso toque poderiam ser vistas através das montanhas. Seus
olhos estavam me avaliando, então, correspondi ao seu olhar,
deixando-o saber que ele não me intimidou, embora me
apavorasse. Seu toque trouxe de volta memórias, e tentei afastá-
las, mas elas se recusaram a sair. Senti o pânico se apoderando
de mim e puxei minha mão enquanto continuava olhando para
minha irmã, desesperada por apoio moral. Ela me deu um aceno
sutil e um sorriso, encorajando-me a ser forte e me permitir viver
novamente. Limpei a garganta e juntei minha coragem, olhando
para Lorenzo e dando-lhe o sorriso mais confiante que pude
reunir. Ele sorriu ligeiramente e ergueu uma sobrancelha, seus
olhos nunca deixando os meus. — Você pode me chamar de Enzo.

Enzo, Enzo, Enzo.

A aspereza de sua voz e seu olhar penetrante me


transformaram em líquido. Eu me vi incapaz de desviar o olhar
ou falar. O magnetismo que emanava dele era tão poderoso que
acendeu todos os átomos do meu corpo. Eu queria mais, mas
também não queria, meu instinto me dizia que era melhor agir
com cautela quando se tratava desse homem. Lorenzo tinha o
potencial de se tornar rapidamente a melhor coisa que já me
aconteceu. Ou a pior.

— Qual o seu nome? — Seus olhos azuis procuraram meu


rosto.

Eu olhei para ele, meu estado líquido mudando para gelo.


— Você já sabe meu nome. — Não tentei disfarçar meu
aborrecimento. — Por que você se apresentaria como se nunca
tivéssemos nos conhecido antes?

— A primeira vez que nos encontramos deixou muito a


desejar, então, vamos começar de novo.
Ele continuou a me olhar, um sorriso presunçoso
espalhando seus lábios deliciosos. Eu o achei ofensivo. E quente.
Droga, ele era gostoso.

O sangue foi drenado do meu rosto, a humilhação se


espalhou por meus membros e peito, misturando-se com a
necessidade enrolada em minha espinha. Eu sabia que ele estava
se referindo à minha fuga dele, mas não estava disposta a
entregar a causa do meu comportamento. O que eu realmente
queria saber era o que ele desejava? Ele estava se referindo ao
meu ato de desaparecimento ou me desejava da mesma maneira
que eu o queria? Sua confiança me fez querer empurrá-lo para
longe e bater minha boca na dele ao mesmo tempo.

— Ahm, agora que vocês estão todos aqui, podemos começar


a turnê? — Carlos pigarreou, ciente de que estava interrompendo.

Eu girei na ponta dos pés, seguindo Carlos e Fiona pela


grande escadaria. Lorenzo caminhou ao meu lado. Não me virei
em sua direção, mas podia senti-lo. Ele estava olhando para mim
com tanta intensidade que fez minha temperatura corporal subir
até o ponto de ebulição. Eu queria arrastá-lo para um armário e
fazer do meu jeito com ele. O pensamento me surpreendeu.
Nunca acreditei que desejaria tocar, beijar ou estar com um
homem novamente. O medo e a repulsa pelo sexo oposto
pareciam mais confortáveis e familiares do que as coisas que
Lorenzo desenterrou em mim. Mas este homem aqueceu meu
coração, embora também fizesse meu senso de controle vacilar e
cair no desconhecido.

Sem prestar atenção ao tour pela casa, imaginei suas mãos


acariciando meu cabelo, sua boca beijando meu pescoço,
lentamente descendo até meus seios, barriga, coxas...

— O que você está pensando, Cirque? — A voz de Lorenzo


ecoou em meus ouvidos.

Respirei fundo, esperando que ele não descobrisse que era


o personagem principal dos meus pensamentos malucos. —
Cirque? — Eu zombei, dando a ele um sorriso debochado. Eu não
pude evitar. Era um mecanismo de proteção que aprendi a usar
como uma segunda pele.

— O que você faz é dançar, não é? Gosta do Cirque Du


Soleil?

Soltei uma risada, divertida com seu apelido ridículo para


mim. — Sim, mas eu tenho um nome, sabe? É uma pena que
você não se lembre disso.

Ele parou de andar, agarrando meu cotovelo e me girando


até que eu o encarasse. Imediatamente afastei meu braço, meu
olhar erguendo-se para o dele, observando-o apertar sua
mandíbula cinzelada, seus olhos duros enquanto olhava para
mim. Ele baixou a cabeça até que seu rosto estivesse a
centímetros do meu, seu comportamento intenso e confiante
fazendo minha pele enrugar em milhares de arrepios. Eu enrijeci,
mas não me afastei, tentando parecer equilibrada em vez de
simultaneamente apavorada e excitada. — Seu nome é algo que
jamais poderia esquecer, Arabel.

Oh Deus.

Ele se afastou e eu desviei meu olhar para o chão, tentando


o meu melhor para camuflar os arrepios do meu corpo traidor,
mas era impossível.

Ele olhou para mim e riu. — Está com frio? Você gostaria de
usar meu casaco? — Ele sabia que o forte tremor dos meus
músculos não tinha nada a ver com a temperatura, pois eu estava
vestindo um casaco grosso, já que a grande mansão desabitada
estava fria. Ficou claro que este homem gostava de me ver se
contorcendo.

Idiota.

— Estou bem, obrigada. — Eu levantei meu queixo e retomei


a caminhada, minha mente correndo para encontrar algo mais
sobre o que conversar e acabar com o constrangimento entre nós.
Lorenzo caminhou ao meu lado novamente, parecendo relaxado
com as mãos enfiadas nos bolsos da calça jeans. Talvez eu fosse
estranha por achar que ele não parecia se importar com nada no
mundo.
— Então... Simonetti, hein? — Eu perguntei, tirando o foco
de mim.

— Sim. — Ele assentiu.

— Por que resorts de esqui?

— Minha família vive no norte da Itália há gerações. Esquiar


é uma forma de vida lá em cima, especialmente para mim.

— Especialmente?

— Comecei a esquiar quando tinha cinco anos e planejava


ir para as Olimpíadas.

— E você foi? — Agora que estávamos realmente


conversando, me encontrei relaxando também, intrigada por
mais do que seu físico.

Ele balançou a cabeça, seus lábios formando uma linha


fina, transmitindo decepção. — Eu cheguei às Olimpíadas
Júnior, mas a vida me atrapalhou. — Seus ombros enrijeceram e
seus olhos vasculharam à distância, como se ele estivesse imerso
em pensamentos, lembrando de algo que não queria lembrar.
Lorenzo pigarreou. — De qualquer forma, me tornei proprietário
de uma estação de esqui.

— Ei, nada de errado com isso. Seu resort é o lugar mais


popular de Squaw Valley. — Eu sabia que ele tinha resorts em
toda a Europa e América do Norte, mas eu só tinha estado em
Tahoe.

Lorenzo sorriu suavemente e caminhamos em silêncio por


um tempo, inspecionando o lugar.

A casa principal tinha três andares com vários quartos e


banheiros. Uma piscina coberta de vinte e cinco metros de
comprimento, sala de mídia, sala de jantar formal – e também
informal – com mesa redonda e copa. A cozinha era vasta, com
uma ilha de mármore e dois fogões a gás. Havia três quartos
familiares e uma sala de estar formal. Lareiras de mármore
enfeitavam cada extremidade do primeiro e segundo andares. A
arquitetura era cheia de curvas (em vez de linhas retas) e um
toque de verde que tornavam o espaço gracioso e encantador. As
áreas principais foram decoradas com lustres de ferro fundido,
cada um com pelo menos uma dúzia de velas elétricas, imitando
os tempos antigos. As portas eram arqueadas com uma ponta
pontiaguda na parte superior. Os armários da cozinha exibiam
lindas dobradiças forjadas à mão no formato de vários nós celtas.
Portas e janelas também.

Meu coração se encheu com a beleza deste lugar. Parecia


que era para ser. Um lugar seguro para as pessoas se curarem
de tudo o que lhes doesse. Eu podia visualizar Fiona, Ben e eu
aqui, dando aulas de ioga e dança, levando as pessoas para
caminhadas e passeios de caiaque. Como se lesse minha mente,
Fiona virou a cabeça para olhar para mim, seus olhos nadando
de excitação, que retribuí. Sabíamos que havíamos encontrado o
lugar. Eu mal podia esperar para verificar a casa de hóspedes
que chamaríamos de lar.

— Então, há quanto tempo você dança, Cirque? — Lorenzo


perguntou. Revirei os olhos com o apelido, embora meio que
tenha gostado.

— Minha vida toda, embora tenha me concentrado no balé


a maior parte dela. Não encontrei dança aérea até, bem, três anos
atrás — eu disse, afastando a dor no meu coração quando me
lembrei do motivo pelo qual entrei para o Circus Center para
começar.

— Você se move muito bem para ter entrado para tal


modalidade há apenas três anos. — Ele se demorou na palavra
sugestivamente, sua voz baixou uma oitava ou duas, o som de
barítono1 ressoou no fundo da minha barriga, fazendo-a revirar.
Meu cérebro não conseguiu encontrar as palavras para
responder, então permaneci em silêncio, olhando para outro
lance de escadas.

Lorenzo riu baixinho, ciente do efeito que sua declaração


havia causado. — Dança é sua carreira?

1Barítono é a voz masculina intermediária, que se encontra entre as extensões vocais de baixo e tenor.
Trata-se de uma voz mais grave e aveludada que a dos tenores, porém quase nunca conta com a mesma
agilidade.
Eu balancei minha cabeça. — É apenas um hobby para
mim. — Ele não pressionou por mais informações e subimos até
o terceiro andar em silêncio.

O último andar era elegante e totalmente mobiliado com


camas extravagantes de dossel, paredes brancas e cômodas
antigas. Hipnotizada, entrei no quarto maior e corri a mão sobre
as esculturas na coluna da cama. Espiando por uma das duas
portas de lá, encontrei o banheiro principal com uma grande
banheira com pés. Girar a maçaneta da segunda porta revelou
um enorme camarim. Meu queixo caiu com o luxo deste lugar.
Eu tive dinheiro toda a minha vida, mas nosso estilo de vida
nunca foi tão ostentoso.

Sentei-me na penteadeira estofada cinza, rodeada por


prateleiras de roupas vazias, gavetas e prateleiras. Uma
penteadeira branca estava encostada na parede, o grande
espelho voltado para minha direção. Sentei-me na cadeira
ornamentada, tentando sentir o lugar. Eu podia me ver morando
neste quarto, minhas roupas penduradas ordenadamente nessas
prateleiras, a caixa de joias que meu pai fez para mim quando fiz
dezesseis anos descansando no meio da penteadeira.

— Por que você fugiu de mim na outra noite? — A voz de


Lorenzo retumbou atrás de mim. Muito perto. Minha cabeça se
ergueu e fui confrontada com seu reflexo no espelho. Meu corpo
ficou rígido quando sua pergunta afundou, calor vergonhoso
rapidamente se espalhando pela minha pele. Ele se aproximou,
agarrou as costas da cadeira e abaixou o rosto ao lado do meu,
olhando para mim pelo espelho. Ele parecia genuinamente
curioso, todos os traços de seu sorriso divertido de costume se
foram. Meus nervos dispararam para uma alta perigosa. Meu
coração começou a bater forte no peito. Joguei meus ombros para
trás, fazendo um esforço para não me afastar, embora tivesse
uma forte vontade de correr. Eu agarrei o medalhão da minha
avó, tomando respirações calmantes. O que eu poderia dizer a ele
sem revelar muito sobre mim? Sobre um passado que certamente
faria com que ele fugisse? Eu olhei para sua imagem lindamente
robusta, seus olhos olhando fixamente para mim, sua respiração
aquecendo minha bochecha, causando um calor em minha
barriga, apesar da minha ansiedade. Ficamos assim pelo que
pareceram minutos, o ar na sala ficando pesado com a tensão.

— Foi desagradável que eu fosse seu primeiro beijo do ano?


— Lorenzo quebrou o silêncio.

— O quê? — Como ele poderia pensar que era desagradável?

— Você me ouviu. — Ele virou a cabeça e trouxe o nariz


perto do meu cabelo, inalando.

Eu engasguei, mudando meu olhar e corpo para longe dele,


fazendo o meu melhor para ignorar a eletricidade que faiscava ao
nosso redor. Sua ousadia me excitou e me enervou. Eu queria
chegar perto dele, para permitir que meus desejos tivessem
precedência sobre minhas experiências anteriores, mas não foi
fácil. Decidi que poderia pelo menos dar-lhe uma resposta, então
endireitei minha postura e olhei para ele através do espelho. —
Eu, eu... não, beijar você não foi desagradável. — Foi incrível, e
eu gostaria de ter sido corajosa o suficiente para beijar sua boca
em vez de sua bochecha.

— Bom, porque eu achei aquilo fantástico pra caralho, e a


única coisa que lamento naquela noite foi não ter provado sua
boca. — Sua mão alcançou o outro lado do meu rosto e ele
arrastou o polegar sobre meu lábio inferior. O pânico se apoderou
de mim e me levantei da cadeira, recuando com seu toque. Seus
olhos piscaram em alarme e ele ficou tenso, mas manteve os
olhos semicerrados em mim, me observando com cautela.

Merda. Eu não queria afastá-lo, porque gostei dele, e adorei


a maneira como meu lábio formigou com um simples toque de
seu dedo. Mas fazia muito tempo desde que um homem havia me
tocado e as memórias ruins estavam longe de desaparecer. Meu
peito arfou quando o pânico se transformou em desafio. Três
malditos anos. Eu estava cansada de viver assim. Já era o
bastante. O passado pode ir para o inferno onde pertence.

Seus olhos nunca se desviaram dos meus. Eles brilhavam


com um desafio que não queria recusar. O sorriso convidativo em
seus lábios deliciosos me disse que a bola estava do meu lado.

— Então, você não quer conhecer um cara que vai te fazer


formigar só de olhar para você? — As palavras de Fiona vibraram
em meu cérebro. Lorenzo definitivamente me fez estremecer. Eu
queria mais e iria conseguir. Tirei o cabelo dos olhos, levantei o
queixo e sorri.

Excitação cruzou seu rosto bonito quando ele entendeu que


eu estava lhe dando permissão. Seu sorriso me cegou enquanto
ele fechava a distância entre nós. Seus olhos suavizaram me
fazendo relaxar. Apesar das borboletas que ele colocou na minha
barriga, me sentia segura perto dele e estava determinada a
deixar esse sentimento esmagar o medo. Ele ergueu a mão e
traçou meu lábio superior com o dedo indicador. Agora que eu
estava disposta, permiti que minha boca se abrisse e um leve
gemido escapasse.

Puta merda.

Eu queria que ele enfiasse o dedo na minha boca. Eu queria


chupar, provar. Eu queria fazer coisas sujas com Lorenzo, e isso
me chocou.

Bom Deus, o que você está fazendo comigo? Por que estou
deixando um homem me tocar assim?

Decidi que não me importava em analisar meu


comportamento incomum. Eu só queria viver o momento. Ele
pegou minha mão, puxando-a suavemente até que estivéssemos
peito a peito, minha cabeça inclinada para trás para olhar para
seu rosto. Ele era facilmente trinta centímetros mais alto do que
eu. Soltando minha mão, ele envolveu a sua em volta da minha
cintura. Era grande e quente. Sua outra mão segurou minha
bochecha, e decidi pressionar meu rosto em sua palma,
retribuindo seu afeto e buscando tudo que ele pudesse me dar.
Eu sabia que era uma jogada ousada, que era exatamente o que
eu precisava para superar o obstáculo e recuperar minha
confiança em torno de homens, romance e sexo.

A alegria se espalhou por mim porque finalmente estava


permitindo isso. Eu fiz uma escolha consciente de dizer ao medo
que vivia em minha alma para dar o fora, e ele me ouviu. Eu
estava no controle. Isso estava acontecendo porque eu queria que
acontecesse, não porque alguém estava me forçando.

Assumir o controle do meu corpo e das minhas escolhas foi


fortalecedor, e fazia muito tempo desde que eu tinha sido tocada
assim. Tinha esquecido o quanto sentia falta disso. O quanto
precisava disso.

O humor de Lorenzo pareceu mudar com minha


receptividade, seus olhos escurecendo de desejo, sua mão
segurando meu rosto com um pouco mais de paixão. — Cirque,
você deve saber que eu não tenho idade para brincadeiras,
especialmente com uma mulher como você. — Antes que eu
pudesse dar uma resposta, sua boca colidiu com a minha. Meu
medo estúpido voltou e minha mente gritou, me pedindo para
afastá-lo, para me manter segura em meu casulo.

Não.
Eu quero isso. Eu mereço isso. Eu preciso disso.

O medo pode se foder.

Seu beijo estava com fome enquanto ele lambia e chupava


meu lábio inferior. Fui atingida por uma tsunami irresistível de
sensações que enterrei profundamente dentro de mim todos
aqueles anos atrás, fazendo meu corpo estremecer e meu núcleo
doer, exigindo mais da deliciosa onda de prazer que ele estava
proporcionando. Decidi dar o que ele queria e separei meus
lábios, convidando sua língua a encontrar a minha.

Lorenzo não perdeu tempo, empurrando em minha boca e


gemendo enquanto nossas línguas duelavam e acendiam uma
carga que disparou direto pela minha espinha e abriu um buraco
no tecido do meu passado.

— Você é deliciosa, Arabel — disse ele entre beijos, seu


braço forte me segurando mais apertado contra seu peito
tonificado. Suas palavras me transformando em massa. Ele era o
único delicioso, uma mistura de pinho, canela e seu próprio
perfume natural saturando minhas papilas gustativas e nariz. A
doçura de sua boca contrastando com a assertividade de seu
beijo.

Eu amei.

Minha mão subiu para a parte de trás de sua cabeça, com


a intenção de envolver meus dedos em torno de seu cabelo preto
exuberante, completamente rendida à sua sedução, mas ele me
parou, agarrando meu pulso e trazendo minha mão de volta para
o meu lado. Ele quebrou o beijo e se afastou para olhar para mim
com uma intensidade enervante, a luta que eu vi na véspera de
Ano Novo em seus olhos. — Por que você fugiu, Arabel?

Eu o rejeitei e ele tinha o direito de saber por que antes de


continuar o que estava acontecendo entre nós. Tentei inventar
uma mentira, qualquer coisa que pudesse apaziguá-lo e, ao
mesmo tempo, proteger meu segredo, mas minha mente estava
cambaleando com toda a emoção e incapaz de vir em meu
resgate. Porra. Eu não tive escolha a não ser contar a ele pelo
menos um pouco da verdade.

— Eu, eu não...

— Aí está você! Desculpe pelo atraso — disse uma mulher


com sotaque britânico. Virei a cabeça, agradecendo
silenciosamente a quem estava lá por interromper no momento
mais oportuno, salvando-me de proferir a confissão embaraçosa
que certamente o teria afastado de mim.

— Ciao, bella! — Lorenzo disse com um sorriso brilhante,


afastando-se de mim e caminhando para beijar a mulher nas
duas faces. Ela era linda – cabelo preto comprido até a cintura
fina, lábios carnudos e olhos amendoados. Ela era pequena e
clara, e seus dentes eram perfeitos.
Uma bola de ciúme se formou dentro do meu torso, me
exasperando. Respirei fundo, com a intenção de desviar o meu
olhar, mas falhando. A mão da mulher subiu para esfregar o
braço de Lorenzo. O gesto foi íntimo, fazendo meus dentes
cerrarem.

Ela enganchou o braço no dele e puxou-o para fora do


provador. Os olhos de Lorenzo se encontraram com os meus. —
Isso não acabou — disse ele, uma estranha mistura de
arrependimento e resignação agitando-se em seus olhos azuis
assombrados. Ele rapidamente controlou, permitindo que a linda
mulher o arrastasse para longe de mim, no meio de nossa
conversa.

Algo o incomodava, e talvez devesse ter me assustado, mas


não assustou porque senti que o que quer que afligisse aquele
homem intrigante, prejudicava apenas ele. Ainda assim, ele me
deixou aqui logo depois de me beijar, e eu não gostei nem um
pouco.

Fiquei imóvel enquanto minha raiva aumentava. Como ele


ousa me deixar lá? Ele foi tão rude quanto lindo, e eu não queria
ter nada a ver com isso. Apertei meus lábios, raiva e ciúme
borbulhando em uma poção mortal em meu intestino. Eles eram
um casal? Ele certamente fugiu como se tivesse sido pego em
flagrante. Saí da sala me perguntando se ela sabia que ele estava
com a língua na minha garganta minutos atrás. Talvez eles
fossem apenas amigos. Um amigo esfregaria seu braço de
maneira tão íntima? Talvez ela fosse uma irmã ou prima? Mas ela
parecia asiática, da Coreia ou do Japão.

Decidi procurar minha irmã, ficando tensa quando vi


Lorenzo e a mulher em outra sala parados perto e falando em
sussurros. Passei pela porta deles com a cabeça erguida,
recusando-me a olhar em sua direção.

No momento em que eles não estavam mais à vista, minhas


inseguranças bateram de volta em mim, fazendo meus ombros
caírem de decepção. Quem eu estava enganando? Não estava
pronta para isso. Talvez nunca estivesse pronta. O pensamento
me deu vontade de chorar, mas consegui conter as lágrimas.

Encontrando Fiona e Carlos, entramos e saímos de quartos,


banheiros e escritórios requintados, minha mente dividida ao
meio. Metade focada na propriedade, a outra metade crivada de
cautela e suposições. Enzo e a mulher alcançaram o grupo, mas
eu continuei de costas para eles. Fiona olhou para mim, seus
olhos perguntando se eu estava bem. Encolhi os ombros com
indiferença, na esperança de enganá-la. Se ela acreditou, não
demonstrou.

Não fui indiferente. Me sentia mais viva do que há muito


tempo. Eu queria tudo, as mãos dadas, os beijos, o sexo, o amor.
Ainda assim, toda vez que eu realmente pensava nisso, tudo que
via era terror, dor e profanação.

Deus, eu estava tão confusa.


Estávamos saindo, e mais uma vez percebi a presença de
Enzo. A mulher misteriosa permaneceu na cozinha, explorando
as áreas que ela havia perdido no início do passeio. Ele caminhou
atrás de mim e, desta vez, olhei para trás para encontrá-lo me
olhando. Seu olhar enviou tremores pela minha espinha, meus
átomos imediatamente derretendo novamente, o que eu odiava
porque não queria derreter. Derreter significava perder minha
mente, meus membros e minha personalidade.

Eu queria explodir. Queria que me mostrassem que sexo


poderia ser bom. Queria ser adorada e devastada com dignidade.
Eu não sabia o que era mais difícil, viver na sombra nodosa de
meu agressor passado ou ter a coragem de prosperar. Viver sem
culpar ele ou qualquer outra pessoa por minhas falhas. Focar em
ajudar os outros sempre foi mais fácil, e eu preferia muito mais
isso do que ajudar a mim mesma. Mesmo assim, sabia que era
hora de fazer algumas mudanças importantes em minha vida.
Pena que Lorenzo provavelmente não seria o único a me ajudar a
apagar a marca desmoralizante do meu passado.

— Ei, — disse Fiona, apertando meu braço e me parando na


varanda. — Você viu o preço deste lugar nos folhetos lá embaixo?
— Sua testa franziu.

Meu estômago embrulhou. — Não, por quê? — Não tinha


visto os panfletos desde que estava muito ocupada paquerando
com o italiano gostoso para prestar atenção no lugar onde queria
investir todo o meu dinheiro.
Ela suspirou, sua expressão assumindo um tom sério
enquanto olhávamos para a estrada circular. — O preço da
propriedade excede nosso orçamento em cerca de vinte por cento,
o que significa que não teríamos muito para viver e fazer o negócio
decolar.

— Talvez possamos negociar uma hipoteca mais baixa,


mesmo que a entrada tenha que ser maior.

Fiona franziu os lábios. — Eu não sei, Arie. Talvez seja hora


de pedir um empréstimo à mamãe, papai ou vovó.

Eu me encolhi. A ideia de pedir emprestado não me agradou


nem um pouco. É verdade que três quartos do meu dinheiro
vieram de uma herança, mas era meu. Eu queria fazer isso
sozinha. Não queria ficar devendo a ninguém além do banco.

— Eu não acho que eu quero...

— Ei, esse lugar é incrível, não é? — Disse a companheira


de Lorenzo, trotando atrás de nós, fazendo com que Fiona e eu
nos voltássemos em sua direção. Ela estava saindo da casa, seu
sorriso brilhante e amigável enquanto tentava se envolver
conosco.

Por que ela falaria com a gente? Foi então que notei Lorenzo
sentado no balanço da varanda, seu corpo musculoso recostado,
as mãos enfiadas no bolso do casaco enquanto olhava
diretamente para mim.
Eu me virei para a mulher, tentando reprimir a reação do
meu corpo à sua proximidade.

— Sim, este lugar é lindo, saído de um livro de Tolkien —


disse a ela com o sorriso mais falso que pude reunir. Eu não soei
convincente. Parecia entediada quando, na realidade, era tudo
menos isso. Estava em chamas com as possibilidades que
Donner Lake tinha e com a presença de Lorenzo.

— Você gosta de Tolkien? — ele disse, levantando-se do


balanço e se juntando a nós. Foi mais uma confirmação do que
uma pergunta.

— Eu era obcecada. Aprendi a ler com O Hobbit.

Ele riu. Uma risada profunda e melodiosa que viajou dos


meus ouvidos ao meu centro e, oh, meu Deus, eu queria transar
com ele naquele momento.

Jesus, Arabel, mantenha-se firme.

— Eu não li seus livros até ir para a Universidade na


Inglaterra. Eu me apaixonei por eles então. Ainda leio todos eles
a cada dois anos.

E assim, o mundo desapareceu mais uma vez, deixando-nos


na nossa conexão inegável. — Inglaterra? Agora eu entendo. —
Fiquei cada vez mais fascinada com todas as suas camadas,
querendo retirá-las até que pudesse ver sua alma nua.
— Entende o quê?

— Seu sotaque. Você não parece a maioria dos italianos na


América.

— Você conhece muitos italianos?

Seu comentário inocente fez meu estômago revirar com a


raiva e a tristeza que carregava. Tantas lembranças terríveis.
Minhas unhas cravaram nas palmas das minhas mãos,
apertando até doer, a dor física diminuindo temporariamente a
emocional.

— Eu conheci alguns em North Beach — disse com um


encolher de ombros, referindo-me a Little Italy de São Francisco.
Não era mentira, foi lá que conheci o-idiota-que-não-tem-nome,
como meus entes queridos gostavam de chamá-lo, já que a
escória não merecia um nome próprio. Engoli a náusea que
nunca deixava de aparecer sempre que eu pensava naquele
homem malvado.

— Sim, há muitos italianos no norte da Califórnia, mas, de


alguma forma, a maioria de nós se conhece. Não me
surpreenderia se tivéssemos amigos em comum. — Lorenzo
estava animado com a possibilidade enquanto eu mordia minha
bochecha para ficar em silêncio. Eu esperava que ele não
conhecesse a pessoa que arruinou minha vida.
Eu vagamente registrei Carlos liderando o caminho por um
caminho sinuoso de pedra. Lorenzo e eu caminhamos lado a lado
enquanto eu lutava contra minha necessidade de correr, como
sempre fazia em situações desconfortáveis ou quando me
lembrava de coisas que prefiro esquecer. Eu me concentrei na
minha respiração, fazendo o meu melhor para manter meus pés
se movendo para frente em vez de para trás, figurativa e
literalmente. Enfiando a mão no bolso do casaco, permiti que a
sensação do minúsculo frasco âmbar de óleo essencial de lavanda
me confortasse.

Chegamos à casa de hóspedes, um prédio espaçoso de


planta aberta, quatro quartos e dois banheiros. Este lugar seria
o lar perfeito para Fiona e eu, enquanto a casa principal
forneceria um amplo espaço para os clientes do retiro.

— Sim, meu sotaque é... estranho.

Fiquei grata por ele ter escolhido continuar com nosso


tópico de conversa anterior. Minha boca se curvou em um sorriso
pesado. — Eu não diria estranho. Definitivamente único. E
parece lindo.

— Bellissima Arabel, você está me dando um elogio?

Ele me chamou de linda. Minhas bochechas coraram e eu


olhei para o outro lado, optando por ignorar sua pergunta.
Estávamos prestes a entrar no celeiro e nos estábulos. Ele
olhou para frente e seus olhos brilharam. — Os estábulos! É para
isso que estou aqui. Eu preciso ouvir Carlos. — Ele pegou minha
mão e me arrastou passando por Fiona e sua ‘amiga’ até
chegarmos a Carlos. Sua mão aqueceu minha pele e me deu
borboletas, mas também confortou meu coração nervoso porque,
por algum motivo, me sentia segura perto de Lorenzo.

Eu tinha esquecido completamente da mulher com quem ele


estava aqui, sua presença incapaz de rivalizar com a nossa
conexão, mas o clique de saltos altos atrás de nós trouxe a
realidade de volta com força total, me levando a arrancar minha
mão de seu alcance assim que ela passou para ficar na nossa
frente.

— Olá, sou Mignon. — Ela sorriu, estendendo a mão para


mim. Fiquei surpresa e estudei seu rosto em busca de traços de
malícia, mas não havia nenhum.

Eu apertei sua mão. — Prazer em conhecê-la, eu sou Arabel.

Mignon arqueou uma sobrancelha e virou a cabeça na


direção de Lorenzo, sua boca se ergueu em um sorriso divertido.
— Eu sei quem você é. Desculpe, ele foi tão rude e não nos
apresentou. — Lorenzo estava concentrado em tudo o que Carlos
estava dizendo, alheio ao que ela dissera.

— Como você sabe?


— Eu trabalho para ele.

— Você é a secretária dele?

— Eu prefiro assistente executiva. — Seu tom era leve e pé


no chão.

— Desculpa. — Eu sorri, parte da tensão deixando meus


ombros.

— Oh, não sinta. Melhor me chamar de sua secretária do


que de sua namorada, como algumas pessoas acreditam
erroneamente. — Ela riu, revirando os olhos como se ser
namorada dele fosse nojento.

— Oh. — A sílaba deixou meus lábios em uma lufada de ar


aliviada. Ele não era dela. Não significava que ele não era de
alguém, mas de alguma forma, na minha mente, minhas chances
pareciam melhores.

Mignon riu. — Você pensou que eu era namorada dele? Nah,


eu o conheço desde os doze anos. Lorenzo é como outro irmão
para mim — ela colocou a palma da mão aberta no canto da boca,
baixando a voz para um sussurro: — Além disso, não sou ruiva.

— Oh — eu disse novamente, o calor aquecendo minhas


bochechas. Ele falou com ela sobre mim.
Ela soltou uma risada profunda. — Ei, estou do seu lado.
Você parece uma ótima pessoa, mesmo que falte vocabulário no
momento.

Eu ri, apreciando sua franqueza. Gostava dela,


especialmente sabendo que não havia nada do que ter ciúme.
Mignon era extrovertida e charmosa. Ela era o tipo de pessoa de
quem eu gostaria de ser amiga.

— Qual é o seu interesse neste lugar? — Seus olhos


brilharam de curiosidade.

— Procurando um lugar onde minha irmã e eu possamos


viver e realizar um retiro de cura de traumas.

— Uau, isso parece incrível! Hum, o que exatamente é um


retiro de cura de traumas?

Eu joguei minha cabeça para trás, rindo. Essa garota era


uma bagunça. — Um lugar que ajuda as pessoas a superar as
coisas ruins que acontecem com elas.

— Que legal. Conheço algumas pessoas que se


beneficiariam com alguma... cura — disse ela, olhando
tristemente para Lorenzo antes de se recuperar, seu sorriso
brilhante retornando. — Foi muito bom conhecê-la, Arabel, é
melhor eu fazer meu trabalho e participar da conversa de Carlos
e Enzo. — Eu balancei a cabeça e desta vez, meu sorriso foi
completamente genuíno.
Estava claro que ela estava se referindo a ele. Minha
curiosidade despertou. Eu queria saber o que o feriu. Eu queria
curá-lo, protegê-lo, tirar sua dor. Balançando a cabeça por ter
pensamentos tão ridículos, me virei para ouvir Carlos, que é o
que eu deveria ter feito durante toda a turnê de qualquer
maneira. Enquanto o ouvia falar sobre o celeiro e estábulos nos
quais eu não tinha nenhum interesse, estudei o rosto de Lorenzo
com o canto do olho. Ele parecia feliz, trocando olhares de êxtase
e acenos de aprovação com Mignon.

Foi quando me dei conta. Lorenzo era dono do maior resort


de esqui do Lago Tahoe, e essa propriedade ficava cerca de trinta
minutos a oeste dele. Meu estômago embrulhou e minhas mãos
tremeram ao perceber que estava prestes a construir uma vida
em seu domínio. E considerando que a única cidade por aqui era
Truckee, com uma população de cerca de 20 mil pessoas, era
muito provável que Lorenzo e eu nos esbarrássemos no
supermercado ou na farmácia. Não só isso, ele estava aqui
olhando para este lugar porque queria comprá-lo. Eu estava tão
hipnotizada por sua presença, meus esforços para ser corajosa e
em minha luxúria, que não consegui entender que ele era meu
competidor, ali para arrebatar o lugar de mim. Eu não podia
acreditar que estávamos tão extasiados um com o outro, que
nenhum de nós perguntou por que estávamos visitando esta
propriedade.
Uma onda de raiva irracional passou por mim. Eu me virei
e caminhei em direção a minha irmã, que ficou fora dos estábulos
para atender um telefonema. Lorenzo não pareceu detectar
minha partida enquanto ouvia Carlos.

Encaminhei-me para fora do celeiro grande, esperando e


rezando para que ele não gostasse do lugar. Que não seria
adequado para quaisquer que fossem seus planos. Mas quem eu
estava enganando? Este lugar foi um sonho que se tornou
realidade. Ele seria um idiota se não comprasse na hora. Eu seria
uma idiota se não o comprasse neste minuto, mesmo que não
precisasse de estábulos, um celeiro e metade da área cultivada.
Quanto mais eu pensava nisso, mais rápido eu andava. Neste
ponto, não me importava com o que ele queria. No fundo, eu sabia
que este canto do mundo foi feito para nós. Eu não iria renunciar
a ele, não importa o quanto fizesse meus hormônios chiarem.

Encontrei minha irmã no cais de um lago Donner muito


congelado. Ele era cercado por árvores altas com pontas nevadas,
seu reflexo perfeitamente espelhado em sua água cristalina.

— De tirar o fôlego — eu murmurei, parando com Fiona na


beira do cais, nosso temor nos deixando imóveis.

— Ele te disse se pretende comprar? — Fi perguntou com os


lábios franzidos.

Eu respirei fundo. — Não, mas não importa porque vou


comprar.
Ela se virou para olhar para mim. — Então, você está
pedindo um empréstimo para mamãe e papai, certo?

— Sim — eu disse, me mexendo com desconforto. Não


queria pedir dinheiro a eles, mas também não estava disposta a
perder este lugar incrível, especialmente se isso significasse que
Lorenzo o compraria. Talvez fosse infantil ficar com raiva, mas o
único homem de quem gostei em três anos estava competindo
comigo por essa propriedade.

O som de passos nos fez virar. Lorenzo corria em nossa


direção, seguido por um Carlos sem fôlego. Eu vi Mignon atrás
falando em seu celular.

Lorenzo parou bem na minha frente, seu olhar azul me


fazendo tremer de calor antes que a raiva irracional assumisse
novamente. Maldição, eu estava uma bagunça.

— Cinquenta acres de floresta, estábulos, casa de hóspedes


e um lago. Este lugar está cada vez melhor e melhor.

Ugh! Eu dei a volta nele até ficar na frente de Carlos com


uma postura ampla e minhas mãos nos quadris. — Ei, Carlos! —
Eu disse freneticamente. — Como você sabe, Fi e eu esperamos
meses para encontrar o lugar perfeito. E é isso aí! Nós vamos
levar! — Eu empurrei o aviso persistente em meu cérebro, me
dizendo que comprar esta propriedade me deixaria sem dinheiro
e seria forçada a pedir emprestado à minha família, que é o pior
tipo de dívida. Eu daria um jeito. Donner Lake foi feito para nós.
O rosto de Carlos se iluminou. Ele fechou a distância entre
nós, os braços abertos, movendo-se para um abraço, que eu
retribuí.

— Aham. — Lorenzo pigarreou atrás de nós. Eu soltei Carlos


e me virei, olhando para ele quando vi seu sorriso de comedor de
merda. — Não tão rápido. — Ele deu a volta em mim para se
aproximar de Carlos. — Carlos, eu ficaria feliz em preencher um
cheque agora. — Ele estava presunçoso e confiante, direcionando
a conversa apenas para Carlos como se eu nem estivesse lá. O
olhar de Carlos disparou entre nós, desconfortável com toda a
situação. Enfrentei os homens, meu sangue fervendo de fúria sob
a pele. Se ele pensou que poderia me enganar, ele estava
enganado.

— Com licença, mas fomos os primeiros. Chegamos aqui


primeiro e anunciamos nossa decisão de comprar primeiro.
Desculpa. — Eu permaneci calma, esperando parecer tão
confiante quanto ele.

Lorenzo riu como se eu tivesse contado uma piada


engraçada. Idiota. — Este lugar é perfeito para meus planos
também. Por favor, não leve para o lado pessoal, são apenas
negócios. Vou pagar vinte por cento acima do preço pedido.

Minhas mãos se fecharam em punhos. Como ele ousa jogar


dinheiro na nossa cara? Já estava gastando tudo que tinha. Eu
não tinha mais para superar esse idiota arrogante. Eu franzi
meus lábios, tentando suprimir a raiva que subia à minha
garganta. — Isso não é negócio para mim. Este é o meu sonho de
toda a vida. Tenho certeza que você pode ver a diferença.

— Quem disse que eu também não tenho um sonho que


estou tentando realizar? — ele respondeu, o egoísmo ainda
pintando suas lindas feições.

Realmente queria tirar a presunção de seu rosto e jogar


algumas flores de botão de ouro nele para que soubesse o quão
infantil eu o considerava. Mas como eu não poderia fazer tudo
isso, optei por um esmagamento verbal. — Você não faz parte das
estações de esqui Simonetti? Você não possui vários resorts na
Europa, além do maior e mais famoso resort de Lake Tahoe? Você
e sua família são ricos. Por que você não vai a outro lugar para
concretizar seu próximo projeto? — Sentindo-me orgulhosa de
mim mesma, sentindo que levei a melhor, mas minha celebração
não durou porque seus olhos escureceram de raiva e dor, e eu
me senti uma vadia.

Lorenzo fechou a distância entre nós com um passo, sua


forma elevando-se sobre mim. Eu olhei para cima, encontrando
seus olhos raivosos, sua mandíbula cerrada e as narinas
dilatadas. — A Simonetti Enterprise não é um negócio de família
— ele rosnou, sua boca a centímetros da minha, e eu não pude
evitar a onda de excitação que passou por mim. — Não sou um
menino de fundo fiduciário que nasceu com uma colher de prata
na boca. Minha família está de volta à Itália e eles fazem queijo
para viver. Os resorts são o resultado do meu trabalho árduo. Por
favor, não tente me menosprezar porque você está com raiva por
não conseguir o que quer. Se você quer lutar por este lugar,
vamos fazer uma luta justa. Além disso, se você puder comprá-
lo, talvez seja você o bebê do fundo fiduciário.

Sua puta estúpida e rica.

Eu congelei, incapaz de desviar o olhar de seu olhar severo.


Seus lindos azuis ficaram pretos como carvão e encapuzados. Ele
estava com raiva, mas também parecia lascivo, uma fina
mortalha separando sua raiva de seu desejo como se quisesse me
machucar e me devastar ao mesmo tempo. Foi emocionante e
inquietante. Eu agarrei meu medalhão com força, encolhendo
internamente no local, lamentando totalmente minha explosão.
Ele estava certo. O único bebê de fundo fiduciário neste cenário
era eu. Simplesmente presumi que sua riqueza viera de sua
família, como a maioria da minha.

Mudei meu foco para Carlos e minha irmã, que estavam


mudando de lugar e olhando para nós com incerteza. Lágrimas
picaram meus olhos, mas as afastei. Não havia como pagarmos
um centavo sobre o valor pedido dessa propriedade. Lorenzo
havia vencido e eu vi meu sonho enquanto ele se espatifava e se
afogava no lago. Meu instinto me disse que nunca seríamos
capazes de encontrar um lugar como este. A compreensão trouxe
de volta as lágrimas, que ameaçaram se derramar em um soluço
desesperado. Recusei-me a chorar na frente dele. Eu o encarei
com fogo em meus olhos. — Idiota — assobiei em seu rosto. Eu
sabia que tinha sido uma vadia com ele, mas estava furiosa e
ressentida.

Seu olhar escureceu ainda mais, os músculos tensos em seu


pescoço protuberantes, peito arfando. Ele se aproximou ainda
mais até que nossos peitos estavam quase se tocando. Olhando
para mim, ele abriu a boca para falar, mas a fechou rapidamente,
apertando a mandíbula e franzindo os lábios em frustração.
Então, ele rosnou. — Vuoi che ti metto sulle mie ginocchia e ti
sculaccio per bene, il tuo bel culettino che hai? — “Você quer que
eu coloque você sobre o joelho e dê uma surra nessa sua bunda
linda?”

Meus olhos se arregalaram como pires enquanto processava


as palavras italianas junto com seu comportamento raivoso. A
adrenalina pura disparou pela minha espinha quando imaginei
sua grande mão na minha bunda nua. Para minha mente, sua
ameaça parecia violenta, mas para meu corpo, parecia uma
promessa que eu esperava que ele cumprisse. Estiquei meu
pescoço e estufei meu peito, um sorriso irônico brincando em
meus lábios. — Provaci, se vuoi che ti do un calcio sulle palle. —
“Vá em frente, se quiser que eu dê um chute em suas bolas.”

Os olhos de Lorenzo se arregalaram de surpresa, a boca


aberta, as bochechas corando de vergonha. Ele não tinha ideia
de que eu falava italiano e entendia cada palavra.
Boa.

— Eu... eu — ele gaguejou antes de bufar e enfiar as mãos


nos bolsos da calça jeans. Ele não sabia o que fazer consigo
mesmo, e eu teria rido se não estivesse tão triste e chateada por
perder a propriedade perfeita. Não queria ficar por aqui para
ouvir o que ele tinha a dizer, com medo que visse meus
verdadeiros sentimentos. Afastei-me de Lorenzo, evitando
contato visual e pronta para fugir, mas me contive porque não
queria parecer uma covarde.

Endireitei minhas costas, estreitando meus olhos para ele.


— Não temos dinheiro para ultrapassar o seu lance, então...
parabéns pela sua nova residência. — Eu me virei e agradeci a
Carlos pelo tour enquanto corria para o carro, meu ombro
batendo em Mignon, que estava indo para o lago. Nós travamos
os olhos quando os meus começaram a embaçar com lágrimas.

— Você está bem? — Ela perguntou, seus olhos gentis me


arrepiando. Eu não respondi. Meu olhar caiu de volta para o
chão, e corri o mais rápido que pude porque, desta vez, estava
triste, me afogando em um poço de decepção.
EU ESTAVA NO CAIS, observando seu lindo traseiro enquanto
ela marchava para o estacionamento, meu coração batendo forte
no meu peito. Calor encheu meu corpo com a revelação de que
ela falava italiano. Não sabia se me sentia envergonhado ou com
calor por ela ter entendido minha ameaça e respondido com
outra. Deus, a mulher era irritante! E absolutamente
deslumbrante. Sua agressividade me enfureceu, mas também
mexeu com algo em mim. Algo que foi muito mais profundo do
que qualquer outro sentimento ou sensação que sua atitude e
corpo arrebatador evocaram.

Porra, eu estava com problemas.

Eu me virei para a irmã de Arabel, avaliando sua reação.


Ambas as mulheres pareciam familiares, como se as tivesse
conhecido em algum lugar antes da véspera de Ano Novo. Sua
irmã era linda, com longos cabelos escuros e olhos verdes
profundos, embora não se comparasse à beleza que eu queria
gritar e provar ao mesmo tempo.
A irmã murmurou desculpe-me antes de seguir a ruiva
flamejante até o carro. Carlos ficou ao meu lado e colocou uma
mão reconfortante no meu ombro. Mignon olhou para as
mulheres pulando no Prius azul com confusão em seus olhos.

Não podia negar que minha atração por Arabel era


profunda, mas esta foi a segunda vez que ela fugiu de mim. Qual
era o problema dela? E a merda que ela disse, insinuando que eu
era algum velho rico, me irritou. Quem ela pensa que é? E por
que parecia tão bem quando estava agindo como uma vadia?

O último lugar que imaginei vê-la novamente foi aqui nas


montanhas. Mignon ligou para o Supper Club procurando por
ela, mas eles se recusaram a dar qualquer informação, como uma
medida preventiva contra perseguidores. Acho que tentar
encontrá-la pode ser considerado perseguição, mas não dou a
mínima. Ela era tudo que eu era capaz de pensar desde aquela
noite. Procurei por ela nas redes sociais e não encontrei nada, o
que me desanimou. A possibilidade de encontrá-la diminuía a
cada dia que passava, até que entrei nesta bela casa e a encontrei
de pé no patamar da grande escadaria. Sua beleza era mais
pronunciada à luz do dia. Me tirou o fôlego e me vi querendo estar
perto dela, apesar de sua disposição nervosa. Eu me virei para
encarar Carlos. — Quero isso.

Carlos ergueu uma sobrancelha. — Eu te apoio, mas ela vai


ser difícil de quebrar. — Ele deu uma risadinha.
— Eu não quero dizer ela. — Embora eu a quisesse também.
— Eu quero comprar este lugar.

— É tudo seu, meu irmão! — Ele apertou minha mão e me


puxou para um abraço. Nós nos conhecíamos desde que eu
morava na América e ele nunca me falhou. Carlos tinha
encontrado todas as propriedades que já comprei aqui.

Dirigi para casa naquela tarde, minha mente cheia de


pensamentos cheios de culpa. Odiei ver a tristeza e resignação
em seus olhos quando ofereci mais dinheiro pelo lugar. Eu
também tinha visto a raiva, o que era justificado, já que agi como
um idiota arrogante, mas estava determinado a tornar os sonhos
da minha irmã realidade. Foi uma pena que eu destruí os sonhos
de Arabel no processo. A verdade era que, embora a casa de
hóspedes de quatro quartos e dois banheiros – que se
assemelhava a uma mini mansão – e os estábulos fossem
perfeitos para minha irmã, eu não precisava da casa principal.
Lorena e Alfie ficariam perfeitamente felizes com metade do lugar.
Talvez esta propriedade possa ser perfeita para os sonhos de
ambos. Talvez eu tivesse encontrado o que procurava sem
adquirir permanentemente uma mansão para a qual não tinha
uso. Eu ouvi a conversa que ela teve com sua amiga. Ela mal
podia pagar o lugar e teria que pedir emprestado à família, o que
não queria.

Eu sabia o que tinha que fazer.


UMA SEMANA SE PASSOU desde a visitação pública. Uma
semana desde que me afastei de Lorenzo pela segunda vez e
nossa propriedade dos sonhos escorregou de minhas mãos
vadias.

Pelo menos Fi não me culpou. Eu fui a única que me culpou.


E se eu não tivesse sido tão mesquinha e imatura? E se não
tivesse fugido dele como uma covarde na noite em que nos
conhecemos?

E se?

Perdemos uma grande oportunidade e, embora fosse


parcialmente minha culpa por agir como uma criança, coloquei a
maior parte da culpa em Lorenzo. Ele não tinha que arrancar
essa propriedade de nossas mãos. Ele era um idiota pomposo.
Não precisava me conhecer bem para perceber o quanto aquele
lugar significava para mim.
Eu estava com raiva dele e não queria olhar para seu rosto
ridiculamente lindo nunca mais. Ou seu cabelo preto brilhante.
Ou a forma como sua bunda ficava naqueles jeans. Ou a maneira
como seus lábios carnudos acariciaram os meus.

Não. Eu não queria nada com ele.

Um suspiro de decepção deixou meus lábios. Afinal, passei


anos me convencendo de que me envolver com alguém não era
inteligente, neste momento da minha vida, não era o melhor.
Precisava me concentrar em mim mesma e em meus objetivos.
Além disso, não queria namorar um italiano.

Fiona e eu nos mantivemos ocupadas nos reconectando com


Grass Valley. Jogávamos minigolfe, tínhamos aulas de ioga e
jantávamos várias vezes por semana no restaurante italiano
favorito de nossa família. Minha aversão a todas as coisas
italianas não se estendia à comida, pela qual eu era grata, porque
não conseguia me imaginar vivendo sem lasanha.

Liam estava se adaptando bem, farto dos vinte e cinco acres


que cercavam a casa dos meus pais, brincando com o Golden
Retriever, Frodo, deles.

Eu não era a única em minha família com uma obsessão


por Tolkien. Meu pai e eu chamamos o cachorro da família de
Frodo, enquanto minha mãe e Fiona chamavam o gato de
Bellatrix. A família fica sempre dividida entre a Terra Média e O
Mundo da Magia.
Também estávamos curtindo o tempo com papai,
admirando suas novas peças de arte, ou melhor, suas obras-
primas. George Reid era um mestre artesão da madeira. Ele criou
móveis, escadarias e mantos incríveis esculpidos em troncos de
árvores, esculpindo detalhes intrincados em cada peça. Nosso pai
não era apenas um carpinteiro. Ele era um artista, cada uma de
suas peças vendida por dezenas de milhares de dólares, que se
tornaram parte da fortuna da família nas últimas quatro
décadas.

Fiona estava passando um tempo na oficina de papai,


finalmente interessada em aprender a esculpir, o que o deixava
em êxtase, já que amava ensinar sua arte quase tanto quanto
amava suas filhas. Passei muito tempo com nossa mãe.
Samantha Reid foi a fundadora e diretora da escola Montessori
na cidade. Ela era despreocupada e idealista, operando com o
coração, sem medo de ser magoada ou aproveitada pelos cínicos
do mundo.

Um novo fim de semana se aproximava e eu estava na


estufa, enterrando sonhos não realizados e paixões reprimidas no
solo, tentando resgatar uma anêmona amarela que refletia minha
tristeza.

Ouvi uma batida na porta e me virei para ver mamãe


enfiando a cabeça para dentro. Ela estendeu o braço, entregando-
me meu celular, que eu deixava em casa sempre que fazia
jardinagem.
— Arie, você tem um telefonema. — Eu estreitei meus olhos
quando vi o brilho em seus olhos.

Coloquei a tesoura de poda na mesa de trabalho antes de


perguntar— Quem é?

— Lorenzo Simonetti.

Meu corpo congelou – de novo – e minha respiração falhou.


O martelar em meu peito engolfando meus ouvidos, minha mente
correndo com perguntas sem resposta. Como ele me encontrou?
O que ele queria? Ele mudou de ideia sobre a compra? Ou talvez
o motivo da ligação fosse mais pessoal.

— Arie? — Mamãe tocou meu ombro, me puxando para fora


da minha mente caótica.

Olhei para o celular, mordendo meu lábio inferior. Mamãe


colocou o celular na minha mão trêmula com uma piscadela,
franzindo o nariz com tontura no típico estilo de Samantha Reid.
Saí da estufa, meus pés me levando para o meu carvalho favorito.
O tempo estava frio e ventoso, mas não me importei. Minhas
entranhas estavam em chamas, e dei boas-vindas ao frio. Sentei-
me em um banco sob a árvore, debatendo se queria falar com ele.
Respirei fundo e segurei o telefone no ouvido. — Olá? — Eu disse,
me preparando para o efeito que sua voz causaria.

— Boa tarde, Arabel, aqui é Mignon. Como você está?

— Ei — murmurei, a ansiedade clara em minha voz.


— Enzo me pediu para te ligar, você está pronta para falar
com ele? — Eu gemi e ela riu. — Confie em mim, você quer ouvir
o que ele tem a dizer.

Meus ouvidos se animaram. — Mesmo?

— Sim. — Ela não elaborou. — Vou passar a ligação. Espero


falar com você mais tarde.

Eu agarrei meu medalhão para salvar minha vida, os nervos


misturados com uma grande pergunta especulativa. O que ele
queria?

— Alô? Arabel? — Sua voz aveludada entrou em meus


ouvidos, me aquecendo apesar da temperatura gélida do exterior
e da minha falta de camadas quentes. Meu coração bateu rápido
no meu peito e minha língua permaneceu parada. Minha
respiração se acelerou com cada pedaço de ar que eu inalava. O
desejo passivo em meu núcleo despertou, como uma semente
hibernando encontrando a primavera fresca e úmida de novos
começos.

— Arabel?

— Hum, sim. Olá Lorenzo. — Eu endireitei minha coluna,


transmitindo o máximo de confiança possível.

— Por favor, me chame de Enzo. — Seu tom era baixo,


enchendo minhas entranhas com um calor que desceu
acariciando todas as minhas terminações nervosas. Respirei
fundo, recusando-me a deixá-lo sentir o efeito que tinha sobre
mim.

— Olá, Enzo.

— É bom ouvir sua voz, Cirque.

Porra.

Morri.

E os mortos não falam, então houve um longo silêncio


constrangedor. Por que não poderia ter me transformado em uma
leoa, ou um dragão, ou alguma outra merda que não me fez
perder minha personalidade junto com minha capacidade de
falar?

Finalmente, ele quebrou o silêncio com uma risada


estrondosa que foi direto entre minhas pernas, me fazendo cruzá-
las no banco frio. — Obrigado por atender minha ligação.

Eu me empurrei para fora do meu transe. — Por que você


ligou?

Desta vez, ele foi o silencioso. Isso me deixou em pânico.


Talvez o que ele quisesse falar fosse sobre nós. E eu não tinha
certeza se queria que ele dissesse isso. Então, falei, na esperança
de desviar a conversa de algo que eu tinha certeza que iria foder
e fugir porque era muito melhor lidar com os medos e limitações
das outras pessoas do que com os meus. Porque eu não seguia o
discurso de psicologia que vinha dando há anos. — Você mudou
de ideia sobre a propriedade?

— Sim.

Espere o quê?

— Você está falando sério?

— Sim.

— Obrigada, vamos ligar para Carlos imediatamente para


começar a venda — eu disse, tentando não gritar.

Ele deu uma risadinha. — Não tão rápido.

— Hum, eu não entendo. Se você não quer comprar, nós


compraremos.

— Eu não disse que não iria comprar.

O calor dentro de mim se transformou em lava que queria


incinerá-lo, e segurei o telefone com tanta força que meus dedos
perderam a circulação. — Que tipo de jogo você está jogando,
Enzo? — Eu cuspi através dos lábios contraídos, incapaz de
mascarar a raiva que borbulhava por dentro.

Outro silêncio constrangedor.

— Tenho uma proposta de negócio para você.


Minha respiração acelerou. Uma proposta? O som crocante
da grama congelada me fez olhar para cima. Minha irmã estava
subindo para se juntar a mim no banco, carregando um cobertor
grosso nas mãos e um sorriso curioso no rosto. Ela colocou o
cobertor sobre mim, aquecendo meu coração e corpo. Eu apertei
sua bochecha com a palma da mão fria, fazendo-a estremecer.
Ela me deu um tapa quando coloquei a ligação no viva-voz. —
Não tenho desejo de fazer negócios com você, Lorenzo. — Eu
secretamente queria entrar em outra coisa com ele, e não tinha
nada a ver com negócios.

— Você é tão fogosa quanto seu lindo cabelo.

Eu não respondi, concentrando-me em dizer às borboletas


no meu estômago para se acalmarem.

— Eu gosto disso em você — ele continuou, as borboletas se


recusando a me obedecer. Fiona colocou a mão em concha sobre
a boca para abafar uma risada, mas falhou, e eu tinha certeza de
que Lorenzo ouviu.

— Você vai se encontrar comigo hoje à noite às sete. — Não


foi um pedido. Foi uma exigência.

Isso me irritou. Como ele se atreve a me dar ordens. Eu não


gostava de ser manipulada, embora tivesse que admitir que sua
atitude dominante me excitou. Eu só tinha que descobrir se ele
era o tipo cavalheiresco de homem dominante, o tipo que deixava
todas as garotas saudavelmente submissas e molhadas entre as
coxas, ou um babaca controlador que era imprevisível e capaz de
fazer você se sentir uma rainha por um minuto, e um verme inútil
no próximo. — Eu não recebo ordens de você.

— Minhas desculpas, Cirque. Você poderia se encontrar


comigo hoje à noite às sete? — Havia humor em sua voz, e eu
queria dar um tapa em sua boca. Ou talvez um beijo.

Não.

— Às sete? Porque precisamos nos encontrar fora do horário


comercial? — Fiz o meu melhor para resistir a seu convite a todo
custo.

Fiona revirou os olhos para mim, gesticulando com a mão


para dizer sim e não enrolar.

— Cada hora é um horário comercial para mim, Arabel, e


tenho outras reuniões até as sete. Caso contrário, não vamos
conversar até a próxima semana.

Eu soltei um jato de ar pela boca, observando os vapores de


água se solidificarem em névoa. — Bem. — Fiona soltou um
pequeno grito e palmas.

— Fantástico. Vejo você aqui no meu escritório às sete. Eu


prometo que você não vai se arrepender.
Engoli em seco e o imaginei sentado em sua mesa, vestindo
uma camisa justa, seus músculos visíveis através dela. —
Cuidado com o que você promete.

— Não se preocupe, eu honro minha palavra. Qualquer


coisa que eu prometer, eu vou cumprir.

As borboletas formando um nó na minha barriga. Eu sabia


que ele estava falando sobre negócios, mas tudo que ouvi foram
milhares de promessas fazendo minha pele se iluminar como um
incêndio, minha respiração presa na minha garganta. — Vejo
você às sete.

— Vejo você então. Ah, e Arabel? De agora em diante, diga-


me se estiver no viva-voz. Eu não gostaria de dizer nada na frente
dos outros que fosse apenas para você.

MINHA MENTE ESTAVA INDO A um milhão de quilômetros por


hora. Passei a tarde imaginando as coisas que ele queria me
dizer, palavras inadequadas para os ouvidos de mais ninguém.
Qualquer dúvida de que ele gostava de mim se foi. O quanto
gostava de mim era para ser determinado. Ele queria me
conhecer ou estava apenas querendo entrar na minha calça? Ou
melhor, minhas leggings porque eu odiava usar calças.

Estava parada na frente do meu armário de infância que


agora abrigava minhas roupas de adulto enquanto Fi relaxava na
minha cama, zombando de mim. Não tinha parado de me
provocar nas últimas duas horas, falando sem parar sobre Arie e
Enzo sentados em uma árvore, fodendo.

Estar em casa claramente reverteu sua mente para o ensino


médio. Soltei uma risada e joguei meu chinelo de urso panda em
sua cabeça. Se alguém que não nos conhecesse tivesse nos visto
naquele momento, nunca teria adivinhado que éramos uma
terapeuta de trinta anos e uma mestre em negócios com vinte e
cinco.

— Então, você está pronta para o Sr. Steel?

Minhas sobrancelhas se ergueram. — Senhor Aço?

— Sim, você sabe, o homem de aço, também conhecido


como Superman?

Eu balancei minha cabeça. — Hum, não estou entendendo.

Fiona riu. — Lorenzo é o seu novo Superman!

Foi a minha vez de rir. — Ele não é!


Ela me ignorou. — Mova Henry Cavill, — ela acenou com a
mão, com desdém — Arabel encontrou um Superman na vida
real.

Minhas risadas encheram a sala, relaxando-me de uma


maneira que só minha irmã poderia fazer.

Mamãe entrou, perguntando do que estávamos rindo.

— Arie encontrou seu próprio Homem de Aço.

Mamãe sorriu brilhantemente. — Bem, ele é tão lindo


quanto Henry, se não mais.

Espere o que?

— Como você saberia qual é a aparência de Lorenzo? —


Perguntei.

— Bem, você sabe, seus resorts são grandes por aqui. Todo
mundo sabe quem ele é — ela zombou, suas bochechas de
repente combinando com seu cabelo vermelho como sempre fazia
quando era pega em uma mentira. Mamãe entrou no meu
armário como se estivesse fugindo de problemas, murmurando
algo sobre montar uma roupa para mim. Eu recuei, permitindo
que ela vasculhasse meu guarda-roupa. Ela adorava roupas e
tínhamos estilos semelhantes. Ela era um pouco mais hippie e
eu um pouco mais Boho Chic. Ela costurava seus próprios
vestidos e os usava todos os dias. No início, suas criações a
faziam parecer a Anne Raggedy, mas ficou muito melhor, e agora
elas eram muito bonitas. Encontrou algo pelo qual era
apaixonada, quando estava aprendendo a pintar à mão algumas
de suas roupas. Foi impressionante.

Sem encontrar algo de que gostasse no meu armário,


mamãe saiu do quarto, voltando um minuto depois, segurando
uma bolsa de roupas. O que ela tirou foi um de seus projetos.
Meu queixo caiu e meus olhos se arregalaram de admiração. O
vestido era de mangas compridas com uma saia linha A que
terminava no meio da coxa. Era feito de tecido de lã cinza e seda
de alta qualidade com estampa floral. A flor pintada à mão era
azul e em forma de estrela.

Alecrim. A flor da coragem.

Deus, eu amava essa mulher. O vestido era requintado e


pertencia a uma passarela.

— Mãe, muito obrigada. Isto é perfeito! — Eu me joguei em


seus braços.

Fiona pulou da minha cama. — Tenho as botas perfeitas


para combinar com seu vestido. — Ela saltou para o corredor.

— Você não deveria estar se concentrando em se preparar!?


— Eu gritei atrás dela.

Fiona espreitou a cabeça para dentro do quarto. — Não sou


eu que tenho o Sr. Steel querendo me dizer coisas inadequadas.
— Ela piscou para mim.
ESTAVA TÃO FRIO LÁ FORA que deixei o cabelo solto e cobri a
cabeça com um chapéu de crochê desleixado, também cinza, e
uma meia-calça preta grossa. Minha maquiagem parecia natural,
mas coloquei um pouco de sombra azul claro nas minhas
pálpebras, o que fez meus olhos saltarem, combinando com as
flores do meu vestido. Coloquei meu casaco preto e cachecol azul
fofo. Minhas mãos foram protegidas do frio por luvas cinza de
seda.

Minha irmã e eu entramos em meu Jeep Wrangler e


começamos nossa jornada para a estação de esqui quando meu
celular tocou com uma mensagem de um número que não
reconheci. Ei, algo aconteceu e preciso ir para casa. Vou te enviar
o endereço. É perto da estação de esqui. Não se preocupe, não vou
morder.

Lorenzo. Merda. Sua casa? Eu queria ir. Eu também queria


dar meia-volta com o carro e voltar para casa, e teria feito se
minha irmã não tivesse me convencido do contrário, me
lembrando que eu não iria sozinha, e ele era um homem de alto
perfil que não nos mataria e enterraria em seu quintal. Mesmo
assim, pedi a Fiona que encaminhasse sua mensagem com o
endereço para papai, George, certificando-me de que nossos pais
soubessem de nosso paradeiro.

O lugar ficava no Vale Olímpico, a cerca de vinte minutos


da propriedade do Lago Donner sobre qual iríamos conversar. O
GPS nos levou a um grande portão com uma entrada de
automóveis de pelo menos um quilômetro de comprimento,
ladeada por fileiras de árvores que formavam um túnel na
estrada. Não havia folhas, e os galhos nus se retorciam e se
entrelaçavam, criando um quadro lindamente assustador.

Quando a casa apareceu, um suspiro alto escapou de mim.


A grandiosa cabana de toras tinha amplas janelas e uma linda
porta esculpida à mão, me lembrando do trabalho de papai. —
Ok, vamos descobrir o que está acontecendo — eu disse enquanto
estacionava o carro e me virava para sair.

— Espere. — Detectei um toque de angústia na voz de Fiona.

Eu me virei para encará-la e esperei que ela falasse.

— Apenas deixe a merda fluir, ok?

Eu olhei para ela com um olhar vazio. — Não estou


entendendo.

Fi respirou exasperada. — Escute, o homem gosta de você,


e você gosta dele. Se os flertes entre vocês esta noite acontecer,
deixe.
Uma pontada de ansiedade atingiu meu peito. — Você não
sabe se ele gosta de mim e sabe como me sinto em relação a
assumir as coisas, Fi.

Minha irmã revirou os olhos. — Confie em mim. Ele gosta


de você. Muito.

Eu não sabia o que dizer sobre isso. Meio que concordei com
ela, mas estava com medo de aceitar nossa suposição como um
fato, então apenas a encarei, mordendo meu lábio inferior.

Os olhos de Fiona suavizaram e ela pegou minhas mãos nas


dela. — Arie, eu sei que você está com medo. Eu sei que você
ainda está lidando com o que aconteceu com você. Mas já se
passaram três anos. É hora de seguir em frente.

Ela apertou minhas mãos e segurei firme. A tristeza se


apoderou de mim, enchendo meus olhos de lágrimas porquê eu
estava com medo de me expor novamente. Mas estava ainda mais
cansada de ficar sozinha. — Eu estou assustada.

Os lábios de Fiona tremeram ligeiramente, seus olhos


brilhando como os meus. — Irmã, você merece o melhor. Você é
linda, inteligente e gentil. Você merece romance e sexo. Você
merece encontrar um homem que irá cuidar e lutar por você. Não
estou dizendo que esse homem é Enzo, mas você nunca saberá,
a menos que deixe as coisas acontecerem. Não lute mais. Não
deixe o idiota que te machucou vencer.
Lembrei-me do medo que senti quando Lorenzo se
aproximou de mim e me tocou na visitação pública, mas também
me lembrei da coragem e determinação que venceram o pânico.
— Ele me beijou quando estávamos visitando a mansão.

Fi engasgou e abriu um sorriso brilhante. — O quê?

Eu balancei a cabeça, devolvendo o sorriso dela.

— Por que diabos você não me contou?

Dei de ombros. — Não tenho certeza. — Talvez estivesse com


medo de que ela fizesse um grande alarde, trazendo-o à tona a
cada cinco minutos e aumentando minha incerteza. Talvez
tivesse medo de me permitir aproveitar o que havia acontecido
entre Lorenzo e eu, apenas para me machucar mais tarde. Ou
talvez só quisesse manter isso em segredo para que pudesse
saborear a memória pelo maior tempo possível.

— Ele beija tão bem quanto parece? — Fiona balançou as


sobrancelhas.

Eu zombei, revirando meus olhos para ela. — Não vou te


falar.

— Eu sou sua irmã, então é claro que é da minha conta —


ela zombou de volta, ofendida.
Eu sorri, sentindo seus lábios quentes nos meus, mesmo
que tivesse se passado uma semana desde que nos beijamos. —
Melhor beijo de todos.

Fi me olhou boquiaberta, sorrindo. — Oh meu Deus, você


está totalmente apaixonada por ele.

— Eu não estou.

— Está. Seu rosto parece todo sonhador e essa merda. —


Ela riu, genuinamente feliz por me ver assim. Queria esconder,
mas ela estava certa. Éramos irmãs e melhores amigas. Fomos
confidentes uma da outra durante toda a vida. Era perfeitamente
normal ser transparente com ela sobre isso.

— Eu gosto dele.

— Não brinca, Sherlock.

Eu ri. — Tudo bem, eu gosto muito dele.

— Ahh, finalmente!

— Mas só porque gosto dele não significa que vou me jogar


em seus braços.

— Bom, faça-o trabalhar por isso, mas fique de olho no


prêmio.

Eu ri. — E que prêmio é esse?


Ela me lançou um olhar inexpressivo que me fez rir ainda
mais. Ela deu um tapinha na minha bochecha. — Agora, entre lá
e pegue seu pau.

— Irmã!

Ela acenou com a mão com desdém. — Não grite irmã. Você
sabe que quer, então vá fazer acontecer.

— Tudo bem, mas não quero que você fale sobre o pau dele.

— Ooh, possessiva já. — Ela balançou as sobrancelhas. —


Isso parece promissor.

Eu passei meus braços em volta dela. — Eu te amo, irmã.

Ela me abraçou com força. — Duh.


FIONA PRESSIONOU o dedo na campainha. Estava ao lado dela,
inquieta com o nervosismo e a esperança. Eu o queria e isso me
chocou porque significava que estava aberta ao romance pela
primeira vez desde que o-idiota-que-não-tem-nome rasgou meu
mundo. Isso significava abrir mão e dar o salto de fé que eu
precisava, mas não queria dar. Não sabia como estar perto de um
homem novamente. Não sabia como interagir sem projetar a
cautela e o medo de anos anteriores. Mas eu ansiava por este
homem. Eu queria estudar seu rosto e ver o resto de seu corpo.
Queria tocá-lo e saber mais sobre ele. A expectativa por si só fez
minha pele esquentar. De repente, lembrei que estávamos lá a
negócios e precisava deixar todos esses pensamentos de lado,
pelo menos pelas próximas horas.

Fique focada, Arabel. Negócios, negócios, negócios.

Um coro de latidos encheu meus ouvidos, me fazendo sorrir.


Ele tinha cachorros. Passos fortes do outro lado da porta me
incitaram a agarrar meu medalhão da mesma forma que Jack
segurou com toda a sua vida na moldura da porta no Titanic (que,
a propósito, era definitivamente grande o suficiente para ele e
Rose).

— State ziti bambini!2 — Sua voz era suave, mas severa. O


latido parou. — Cuccia, cuccia. Bravi cani!3 — Ele tinha
cachorros e eu mal podia esperar para conhecê-los. Minha paixão
aumentava com cada palavra de amor que ele dizia a seus
companheiros peludos. Parei de respirar quando seus passos
voltaram, ficando mais altos.

A porta se abriu e Lorenzo parou na nossa frente, bonito


como sempre, vestindo jeans e uma camisa xadrez azul, as
mangas arregaçadas até os cotovelos, revelando os músculos
tensos de seus antebraços.

Ele não tinha sapatos, apenas meias pretas,


cumprimentando nós duas enquanto olhava apenas para mim.
— Ciao, belle. Bem-vindas à minha casa.

Belle. Belezas. Plural.

Na minha opinião, esse é o problema dos homens italianos.


Uma grande parte da cultura deles é ser charmoso e suave com
suas palavras, o que é confuso para nós, mulheres que falam
inglês. Se um homem te chama de bela, ele gosta de você. Mas
não homens italianos. Eles chamam todo mundo de linda e soam

2 Fiquem quietos, crianças!


3 Sente-se, sente-se. Bons cachorros.
tão bem dizendo isso que você corre o risco de virar uma poça de
manteiga derretida sem nem mesmo saber se ele gosta de você.

Olhei para Fiona, que estava corando e se apaixonando pela


fala mansa, não romanticamente, mas de um jeito que ele não
pode fazer nada errado. Como se chamá-la de linda fosse tudo o
que precisava para aceitar sua amizade, o que era uma besteira
completa. Ninguém era perfeito, inclusive ele. Revirei os olhos e
entrei. — Boa noite, Lorenzo. Começaremos?

Ele fechou a porta, rindo. — Nós vamos resolver os negócios


em breve. Mas agora, vocês são convidadas em minha casa, e é
minha responsabilidade garantir que se divirtam.

Eu abri minha boca para protestar, mas duas patas


enormes me pararam, caindo no meu quadril com força total, me
fazendo tropeçar para o lado e quase cair de bunda. Segurei a
mesa do console encostada na parede do foyer e olhei para baixo
para encontrar o culpado. Um grande pastor alemão branco
olhou para mim com olhos castanhos brincalhões.

— Vai giu, Lupo!4 — A voz de Lorenzo ralhou atrás de mim.


Lupo tirou as patas do meu corpo, a culpa estampada em seu
rosto.

Eu espiei por cima do ombro. — Está tudo bem — assegurei


a Lorenzo antes de olhar para baixo, minha boca se curvando em

4 Calma, Lupo!
um grande sorriso quando vi dois outros filhotes vindo em nossa
direção. Um cachorro marrom adulto que parecia algum tipo de
Setter veio e se concentrou em me cheirar, provavelmente
sentindo o cheiro de Liam. O filhote mais adorável se arrastava
atrás, uma fofura de manchas brancas, pretas e marrons.
Adorava cachorros e fiquei mais do que satisfeita ao descobrir
que Lorenzo tinha vários deles. Eu coloquei um joelho no chão, e
os caninos não perderam tempo me atacando, suas caudas
balançando como se me conhecessem por toda a vida. O pastor
branco se chocou contra mim de novo, me desequilibrando. Desta
vez, minha bunda bateu no chão. Não me importei nada. Rindo,
sentei-me no chão, desfrutando do amor enquanto coçava suas
orelhas e barrigas, o cachorrinho lambendo e mordendo minhas
mãos. Fiona se juntou a mim no chão, e o cachorrinho correu em
sua direção com abandono juvenil. Era o céu puro e, por um
momento, esqueci onde estava. Esqueci que o homem de quem
gostava e por quem me sentia intimidada estava parado atrás de
mim. Mas então me lembrei, e quando olhei para ele, o sorriso
enfeitando seu rosto aqueceu minha alma. Seus olhos brilhavam
mais do que Vênus em uma noite clara. Era hipnotizante e o fazia
parecer mais bonito do que nunca. Nós nos olhamos por um
momento, e em um instante, seu sorriso desapareceu,
substituído por sua máscara de distanciamento divertido, a
mesma máscara que eu vi no clube e na visitação a mansão. Meu
sorriso vacilou e minhas inseguranças voltaram contra mim.
Queria saber o que ele estava pensando, o que estava sentindo.
Mas tudo o que recebi foram mensagens confusas que me
mantiveram à beira da insanidade. Então, novamente, meu
comportamento não tinha sido tão claro também.

Incapaz de suportar o constrangimento que sua atitude


quente-fria desencadeou, eu me levantei, mantendo meu foco nos
cachorros. — Quais são os nomes deles? — Eu perguntei
enquanto acariciava o setter marrom em sua cabeça.

Lorenzo se ajoelhou e os cães voltaram sua atenção para ele.


Apontou para o pastor alemão branco. — Este é o Lupo. Significa
lobo, — ele sorriu — mas acho que você já sabe disso.

Tentei esconder meu sorriso, lembrando-me do choque em


seu rosto quando falei com ele em italiano na mansão.

— Este aqui é Baldo. — Ele passou a mão nas costas do


marrom. — Baldo significa ousado. Ele é um setter italiano. —
Então, ele pegou a cachorrinha e se levantou, fechando a
distância entre nós. — Essa garotinha é Pinky.

Eu levantei minha mão e acariciei suas orelhinhas fofas. —


Por que você a chamou de Pinky? — Parecia estranho para um
homem adulto escolher um nome tão infantil para um cachorro.

Enzo olhou para mim e sorriu por um momento antes de


limpar a garganta e voltar a se concentrar no cachorrinho. — Eu
não dei o nome a ela. — Ele não explicou mais.
Senti seu desconforto e abandonei minha linha de
questionamento. — Ela é uma São Bernardo? — Ele balançou a
cabeça e olhou nos meus olhos com uma intensidade misteriosa
nadando caoticamente em suas íris azuis. Linda, assustadora,
confusa.

Fiona estava tirando o casaco, mas eu apenas fiquei parada


olhando para ele. Depois de um momento que pareceu se
estender ao infinito, ele quebrou nosso silêncio.

— Eu posso pegar o seu casaco? — Não me mexi, optando


por cruzar os braços sobre o peito como mecanismo de proteção.

— Por que você marcou uma reunião de negócios conosco


em sua própria casa? — Eu perguntei. Eu não era má, mas
também não era amigável, e me perguntei por que escolhi
arruinar um bom momento com minha investigação acusatória.
Na verdade, sabia. O dia em que aquele homem horrível tirou
tudo de mim foi o dia em que tirou minha segurança, meu
conforto, às vezes minha sanidade. E o que é pior? Eu me culpo
por tudo que aconteceu comigo. Meus músculos ficaram tensos
de raiva porque não importa o quanto eu tentasse, e quantas
palestras estimulantes minha irmã me desse, o idiota ainda
estava na minha cabeça.

Já se passaram três anos, é hora de seguir em frente.

Lorenzo colocou o cachorrinho no chão e deu um passo na


minha direção. Ele estava perto o suficiente para eu ver o fogo em
seus olhos, afiados e zelosos. — Eu te disse, algo aconteceu e tive
que correr para casa. — Sua voz era baixa e rouca. — Agora,
posso pegar seu casaco?

Permaneci imóvel. Ele deu um passo à frente. Podia sentir o


calor emanando de seu corpo. Eu ainda estava tensa, mas permiti
que ele diminuísse a distância entre nós. Ouvi os passos de Fiona
enquanto ela corria para a sala de estar, provavelmente se
sentindo como uma vela. Lorenzo olhou para o meu peito
enquanto agarrava minha cintura com suas mãos masculinas.
Meus olhos permaneceram fixos em seu rosto, meu peito subindo
e descendo cada vez mais rápido. Seus dedos começaram a
afrouxar o cinto do meu casaco, e senti meus mamilos
endurecerem sob o sutiã rendado que eu estava usando, o calor
se espalhando por mim na velocidade da luz. Mantive minhas
mãos cruzadas sobre meu peito, na esperança de esconder minha
excitação, mas ele agarrou meus pulsos e gentilmente me
persuadiu a soltar. Eu me rendi, hipnotizada por seu magnetismo
e meu objetivo de deixar as coisas acontecerem. Ele segurou o
botão de cima do meu casaco entre o polegar e o indicador,
deslizando-o para fora da fenda com rapidez. Como uma ação tão
mundana pode ser tão sugestiva?

O barulho alto e forte do meu coração traiu a ocultação de


meus sentimentos, e vi uma camada de nervosismo sob seu
comportamento poderoso, apesar de seu esforço para escondê-lo.
Ele estava nervoso, como eu.
Um por um, ele desabotoou meu casaco. Após o último
botão, o abriu, revelando o vestido da minha mãe. Um decote
quadrado que empurrava o topo dos meus seios para cima,
fazendo-os parecer redondos e flexíveis. Meu medalhão subia e
descia com minha respiração rápida.

Seus olhos ficaram escuros e encobertos, deslizando para


cima e para baixo no meu corpo, me bebendo. E ele bebeu,
porque naquele momento, eu estava paralisada. Novamente.

Deslizando as mãos sobre meus ombros, ele tirou meu


casaco e engasguei com o contato, mas permiti que ele
continuasse, deixando meus braços flácidos ao meu lado,
observando-o pegá-lo no ar, sem tirar os olhos de mim. Ele
colocou o casaco no braço e sorriu.

Minha disposição de me render a este homem me


surpreendeu. Até cerca de um ano atrás, fiz um grande esforço
para me tornar invisível e ocupar o mínimo de espaço possível.
Eu me vesti com roupas largas, evitei multidões e mantive meu
cabelo ruivo procurando por atenção escondido sob uma
variedade de chapéus.

Caminhei pela vida cheia de cautela, sentindo-me insegura


em qualquer lugar, exceto em casa e no escritório. Eu costumava
ser obcecada por aulas de autodefesa, me escondia logo de cara
em todos os cantos da minha casa e sempre caminhava para o
meu carro segurando uma das muitas latas de spray de pimenta
que mantinha escondidas em todos os lugares. Tinha sido
exaustivo e eu odiava, mas odiava ser magoada ainda mais e
odiava a voz estúpida em minha cabeça que ficava me dizendo
que eu poderia ter evitado meu estupro se estivesse preparada
em vez de ingênua. Talvez se eu soubesse como escapar de sua
fortaleza ou como quebrar seu nariz, ele não teria me machucado.

Ainda estava desconfiada e cética em torno de Lorenzo, mas


não sentia o perigo, muito pelo contrário. Sua presença me deu
o tipo de tranquilidade que nunca tive antes, apesar do mistério
e da intensidade sob sua pele.

Uma aura de otimismo me envolveu. Se eu estava deixando


isso acontecer, talvez não estivesse tão quebrada quanto
pensava. Talvez pudesse derrubar a ponte e deixá-lo entrar sem
tanta trepidação. O pensamento trouxe um sorriso ao meu rosto.
Peguei meu chapéu e meu cachecol e os entreguei a Lorenzo,
olhando para seu lindo rosto. Ele pendurou tudo em um gancho
e me pegou pelo cotovelo, me guiando para a sala com os três
cachorros seguindo atrás.

A sala era espaçosa, mas aconchegante. Sofás cinzentos em


forma de L e namoradeiras com almofadas cor de vinho formando
um semicírculo em torno de uma grande mesa de centro
quadrada de madeira. Vários cobertores pendurados nas costas
deles. Uma grande pintura abstrata pendurada acima de uma
majestosa lareira de pedra. Molduras para fotos estavam em seu
manto. Um tapete de pelúcia cinza amarrava tudo junto. O lugar
era espetacular. Foi a maior cabana de madeira que já vi. Mais
como uma mansão de toras.

Belos abajures ficavam em cada canto, com sombras em


forma de lírios emitindo um brilho âmbar reconfortante.

Lírios. Flores. Meu interesse por Lorenzo crescia a cada


detalhe de sua casa. Os lírios, em geral, simbolizavam
humildade, beleza e pureza, mas o lírio-tigre, com o qual essas
lâmpadas se assemelhavam, representava riqueza e confiança.
Eu vi todos esses atributos nele e em seu ambiente. A casa era
cara, mas não era arrogante, nem ele. Lorenzo não usava um
Rolex, não dirigia um Bugatti ou usava ternos supercaros. Girei
em sua direção, admirando sua natureza despretensiosa. Se não
soubesse quem ele era e não estivesse parada no meio da sala de
estar, nunca saberia que ele era uma das pessoas mais ricas da
Califórnia. Mas sua falta de arrogância não escondia seu poder,
pelo menos não de mim. Ele exalava força e autoridade, e eu
amei.

Depois de acariciar Lupo, o pastor alemão, Lorenzo se virou


para mim, sua boca se curvando em um sorriso suave, mas
brincalhão. Então, ele bateu palmas e esfregou-as. — Vamos
começar? — Eu balancei a cabeça, devolvendo seu sorriso. Fiona
e eu trocamos um rápido olhar de expectativa antes de seguir seu
exemplo. Ele nos levou por uma sala de jantar adorável e
igualmente aconchegante até uma cozinha espaçosa com uma
grande ilha no meio, potes e panelas pendurados em uma
prateleira de cobre acima dela. Todas as áreas comuns
compartilhavam um grande espaço aberto. Tudo parecia tão...
caseiro e macio, ao contrário de todos os outros apartamentos de
solteiro que eu já tinha visto antes, seja pessoalmente ou na
televisão. Era como se uma mulher morasse aqui.

O cheiro que emanava da cozinha era inebriante. Queijo,


alho e orégano. Isso me lembrou das casas de amigos que visitei
durante os incontáveis verões que minha família e eu passamos
na Itália. Sim, eu amava aquele país maravilhoso.

Lorenzo pegou uma garrafa de vinho tinto e agitou-a no ar.


— Quer uma taça de vinho? — Eu sorri com seu sotaque ítalo-
britânico e aceitei com um aceno de cabeça. Fi e eu sentamos nos
bancos do bar que cercavam a ilha e o observamos desarrolhar e
servir o vinho Borgonha em duas taças, entregando uma a cada
um de nós.

— Obrigada. E você? — Perguntei.

— Só vou beber água. — Ele acenou com a mão com desdém


e caminhou em direção ao forno. Ele não bebe? Levei a mão ao
nariz, lembrando do doce aroma de conhaque em seu hálito
durante o nosso beijo de Ano Novo. Talvez simplesmente não
gostasse de vinho. Escolhendo me concentrar em outra coisa,
olhei para Fiona, que me deu grandes olhos que me disseram
para ir atrás do que eu queria. Eu me levantei e caminhei ao redor
da ilha, ao lado dele e na frente de uma grande tigela de salada
descansando na bancada.

— Posso te ajudar com o jantar? — Eu perguntei. Ele


balançou sua cabeça.

— Você pode me ajudar a aproveitar. — O brilho em seus


olhos e tudo o que ele disse fez meu coração pular.

Eu sorri e desviei meu olhar para as lâmpadas de lírio na


sala de estar, esperando que ele não visse a vermelhidão no meu
rosto, mas então enrijeci, minha boca se abriu quando a vi. Uma
coleção linda de cabelo loiro brilhante e dois olhos azuis
brilhantes olhando para mim com cautela e interesse. Ela
agarrou uma folha de papel branco perto do peito como se fosse
um escudo protetor. Seus cabelos dourados se espalharam pelo
cardigã roxo que cobria seu corpo pequeno.

— Papai? — Ela disse com uma doce voz angelical.

Oh meu Deus.

Meu coração explodiu com a linda garotinha na minha


frente. Papai? Ele era pai. O espanto se transformou em pavor
quando percebi que, se havia uma criança, deveria haver uma
mãe em algum lugar. Ele era casado? Divorciado?

Lorenzo fechou a porta do forno e ergueu a cabeça. Fiona


girou em seu banquinho para encarar a menina parada na sala
de estar.
— Caterina! — Sua voz cheia de amor irrestrito, mas seus
olhos treinaram em mim com apreensão controlada, como se
temesse minha reação ao descobrir que ele tinha uma filha. Meus
olhos redondos correram entre ele e a garota. Seus lábios se
estreitaram em uma linha reta de decepção e derrota, um
resultado direto do meu estado gelado e pasmo. Eu queria dizer
a ele que meu silêncio não era desaprovação, mas sim de
admiração, medo e luxúria. Espanto, ele era o pai da garotinha
mais linda que já vi. Medo de que ela tivesse uma mãe, porquê, o
que é melhor do que um homem bonito e bem-sucedido? Um pai
bonito e bem-sucedido, e Lorenzo era um DILF5.

Pai, que eu gostaria de foder.

Eu o observei andar ao meu redor e em direção a sua filha,


meu intestino se contorcendo de remorso com o quão mal eu
acabei de lidar com essa situação. Fiona virou a cabeça para me
encarar.

— Arie, feche a boca — ela sussurrou e repreendeu, com as


sobrancelhas arqueadas, me pedindo para sair dessa.

Eu fechei minha mandíbula, engolindo em seco e afastando


o choque. Lorenzo se agachou na frente de Caterina.

— Olha o que eu fiz, papai! — Ela tirou o papel do peito e


entregou a ele.

5 A sigla inglesa corresponde à expressão crua Dad I'd Like to Fuck (pai que gostava de levar para a cama)
— Uau, isso é fantástico! — Ele disse com a voz estridente
que os humanos reservam para crianças e animais fofos.
Caterina cruzou as mãos atrás das costas, balançando o corpo,
bochechas rosadas e dentes pequenos aparecendo enquanto ela
ria em agradecimento a ele com os mesmos olhos adoradores que
eu tinha todas as vezes que olhava para meu pai enquanto
crescia.

Olhos que diziam que ele era o amor de sua vida.

Meu peito aqueceu com sua troca, descongelando a


expressão de surpresa em meu rosto. Minha boca se curvou em
um largo sorriso. Caterina me olhou nos olhos e acenei com a
mão em sua direção, meus lábios murmurando um olá silencioso.

Lorenzo olhou para mim por cima do ombro, dando-me um


sorriso torto. Então, ele ficou com a garota em um braço, pegando
a folha de papel no outro, antes de se virar e voltar para a
cozinha, as perninhas dela enroladas na lateral de seu torso. Ele
prendeu o desenho com um ímã na geladeira e se virou para nós.

— Cat, quero que você conheça Arabel e sua amiga Fiona —


disse ele, ficando ao meu lado e colocando Caterina na bancada
da ilha da cozinha.

— Oi. — Eu estendi minha mão para apertar a dela. — Eu


sou Arabel.
Ela hesitou por alguns segundos, examinando-me com
olhos azuis que gritavam cautela e curiosidade.

Eu estava prestes a retirar minha saudação quando ela


colocou sua mãozinha na minha. Eu apertei levemente,
apreciando o calor que emanava de suas palmas macias e dedos
delicados. Eu solto, apontando para Fi. — E esta é minha irmã,
Fiona.

Fi sorriu, estendendo o braço para cumprimentar Caterina.


— Ei, pequenina.

Lorenzo olhou de mim para minha irmã e de volta para mim.


— Irmãs, hein? — Eu concordei. — Eu não fazia ideia. Peço
desculpas.

Fiona deu um tapinha em seu ombro. — Não se preocupe.


Ela se parece com a mamãe e eu pareço com o papai. As pessoas
geralmente não conseguem perceber que somos parentes, a
menos que estejamos com nossos pais.

Lorenzo se virou para mim, encolhendo os ombros se


desculpando. — Minha babá teve uma emergência familiar e
minha irmã não está aqui hoje, então vim para casa mais cedo
para ficar com minha filha. — Ele se virou para Caterina, orgulho
e alegria gravados em seu rosto bonito. Ela riu e jogou os braços
ao redor do pescoço dele. Ele abaixou a cabeça, colocando sua
testa na dela. Ela lhe deu um beijo na ponta do nariz e ele
retribuiu.
Foi um espetáculo para ser visto, e tudo que eu podia fazer
era admirá-lo enquanto gritava silenciosamente com meus
ovários para se acalmar.

— Agora, — ele disse, colocando-a no chão. — Por que você


não vai se divertir na sala de jogos enquanto os adultos
conversam e terminam o jantar.

— Oh, eu quero ver sua sala de jogos! — Fiona exclamou. —


Você poderia me mostrar? — Ela me lançou um olhar rápido e
uma piscadela sutil que me disse que queria me deixar em paz
com o DILF.

— Sim! — Caterina gritou com um ceceio adorável. Ela não


devia ter mais de três ou quatro anos. As duas saíram, pulando
e conversando, enquanto Lorenzo e eu ficamos próximos, nossas
mãos descansando na borda do balcão enquanto as
observávamos irem por alguns segundos antes de voltarmos
nossos olhares um para o outro. Seu sorriso era tímido e seus
olhos reservados, mas não menos poderosos. O largo sorriso que
Caterina colocou em meu rosto se recusou a ir embora, mas o
pavor com a possibilidade de ele ter uma mulher em sua vida
instalou-se em meu coração.

Eu tinha que descobrir se Caterina era o único amor em sua


vida.

Pegando a saladeira vazia, enchi-a com um saco de rúcula


pré-lavada.
— Você não precisa ajudar. — Sua cabeça curvou-se a
centímetros da minha orelha, hálito quente misturado com pinho
e canela fazendo minha pele arrepiar.

— Eu quero ajudar — disse, meus olhos fixos em minha


tarefa, com medo de que se eu me virasse para encará-lo, não
seria capaz de resistir a provar seus lábios novamente.

Ele riu e se afastou. Meus olhos seguiram as curvas


tonificadas de seu corpo enquanto ele entrava na sala de estar.
Ombros largos, costas fortes e retas e uma bunda redonda e
musculosa que me deu água na boca. Arrastando meu olhar
antes de fazer algo que ainda não tinha certeza se estava pronta
para fazer, me concentrei em despejar as folhas de salada na
tigela. O gemido de uma guitarra elétrica envolveu a cozinha e
meus ouvidos. Segui o som para encontrar alto-falantes
montados nos cantos superiores do espaço. Lorenzo voltou para
a cozinha enquanto American Girl de Tom Petty and the
Heartbreakers tocava. Eu joguei minha cabeça para trás de tanto
rir quando ele se juntou a mim com um sorriso malicioso no
rosto.

— Podemos conversar sobre o Lago Donner?

— Enquanto ouvimos Tom Petty? — Gargalhei.

— É a trilha sonora perfeita. Você é uma garota americana,


não é? — Lorenzo se inclinou até que nossos rostos estivessem a
centímetros de distância. Ele espalmou a mão na parte inferior
das minhas costas, seus olhos estudando a tigela de salada. —
Sua salada precisa de um pouco de cor. — Sua voz estava rouca
e meus joelhos vacilaram, embora ele não estivesse dizendo nada
particularmente sexy.

Deus, eu precisava de um pouco de cor. Na minha vida e no


meu coração.

Sua proximidade, voz e toque embriagavam cada célula com


necessidade – necessidade de deixá-lo entrar em cada parte de
mim.

— O que quer que você diga, Sr. Steel — O apelido saiu


voando da minha boca e quase bufei. Sua sobrancelha franziu,
parecendo divertido e confuso.

— Senhor aço? Você está me chamando de ladrão?

Meu sorriso cresceu, amando onde a conversa estava indo.


— Talvez sim, talvez não.

Ele riu e foi glorioso. Seus dentes eram perfeitos. Merda.


Tudo nele era perfeito.

— E posso perguntar o que roubei?

Meu medo, meu corpo, talvez até meu coração? — Você não
gostaria de saber?

Lorenzo riu de novo, indo para a geladeira enquanto eu


permanecia colada no mesmo lugar, respirando silenciosamente,
o que não fazia nada para apaziguar o desejo em minha barriga
em busca desesperada por uma saída. Ele voltou com tomates
embalados, um pote de azeitonas Kalamata e algum tipo de queijo
em um recipiente. Colocando tudo no balcão, ele pegou os
tomates um a um, levando-os com água corrente. Eu examinei
seus movimentos, a maneira como seus dedos molhados
patinavam sobre suas curvas vermelhas e carnudas, como se
estivesse fazendo amor com eles. O calor sob minha pele
aumentou enquanto eu imaginava aqueles dedos molhados me
tocando. Mordi meu lábio inferior.

Ele tirou uma faca de uma gaveta e começou a picar tomates


com movimentos rápidos e precisos destacando a musculatura
em seus braços. Meus olhos percorreram todo o seu corpo,
absorvendo cada detalhe. Me perguntei como ele parecia sob sua
camisa xadrez. Imaginei seu estômago duro e aquele V definido
que deixa as mulheres loucas, incluindo a presente companhia.
Sua masculinidade fazendo minha pele transpirar de luxúria.

Ele olhou para mim com um brilho nos olhos e um sorriso


controlado dançando em seus lábios. — Gostou do que está
vendo? — Ele perguntou, o brilho em seus olhos tingido com
travessura.

Meus olhos se arregalaram e meu rosto pegou fogo. Merda!


Tanto para discrição. Ele provavelmente pode dizer que não faço
sexo há anos.
— Eu não pude dizer na verdade, sobre a coisa do sexo, mas
obrigado por me avisar. — Desta vez, ele não conseguiu controlar
o sorriso em seu rosto.

— Porcaria! Eu apenas pensei...

— Alto? Mmm-hmm. — Sua risada completa vincou a pele


ao redor de seus olhos. Tão bonito.

Bem, isso foi constrangedor. Enterrei meu rosto em minhas


mãos, certo de que se parecia com os tomates em suas mãos.

Deixa acontecer.

Eu olhei para cima e dei a ele um encolher de ombros


autodepreciativo. — Ei, uma garota tem o direito de olhar
também, não pense que não peguei você olhando para mim.

Ele sorriu, colocando a faca na tábua e enxugando as mãos


em um pano de prato antes de caminhar em minha direção. Ele
parou na minha frente, descansando as mãos no balcão em que
eu estava encostada, me prendendo. Baixei meu olhar para o
chão, meu coração batendo forte em meus ouvidos. Ele abaixou
a cabeça até que sua boca roçasse minha orelha. — Já faz um
tempo para mim também.

Sua voz estava rouca e cheia da mesma vulnerabilidade que


corria em minhas veias. Meu estômago embrulhou. Eu esperava
que ele fizesse algo, dissesse algo desagradável para me dar uma
razão para ficar segura em minha bolha solitária. Eu me mexi,
passando minhas mãos pelos vincos do meu vestido. O rosto de
minha mãe surgiu em minha mente, lembrando-me de ser
corajosa, de ficar longe do meu destino dos últimos anos: fugir
do potencial de encontrar minha felicidade. Com isso em mente,
levantei minha cabeça, travando os olhos nos dele, empurrando
meus nervos para baixo com um gole.

Foi quando eu vi – a profundidade em seus olhos. O véu


blindado atrás do qual ele se escondeu foi retirado,
desmascarando as camadas daqueles olhos azuis perfeitos. Vi
força e poder. Bondade e sabedoria. E por baixo de tudo, havia
uma dor que reconheci muito bem, porque meus olhos também
a carregavam. Essa rachadura no espírito nada poderia
preencher. O que mais me impressionou, porém, não foi o que
seus olhos revelaram, mas o que eles não revelaram. Não havia
vestígios de alegria, satisfação... felicidade. Essa força vital que
todos desejamos. A força que também faltava em meus olhos e
alma. As coisas que eu não acreditava que bateriam na minha
porta. Me perguntei se ele compartilhava minha crença, se
pensava que a alegria nunca entraria em sua vida. A perspectiva
me encheu de tristeza por nós dois.

— E a mãe de Caterina? — Eu não tinha certeza se era


apropriado fazer essa pergunta agora, mas eu precisava saber.
Tive que proteger meu coração e minhas expectativas.
Uma onda vívida de raiva escureceu seus olhos e seus lábios
se contraíram com animosidade. — Ela se foi. Nunca esteve na
vida de Cat.

Meu coração se partiu por ele e sua filha. Eu trouxe minha


mão até seu peito e pressionei acima de seu coração. — Eu sinto
muito. — Seu peito subia e descia com respirações rápidas e
irregulares, mas ele não desviou o olhar. Seus olhos brilharam
com lágrimas não derramadas e pura dor. Eu queria aliviá-lo de
sua tristeza. Para sugar um pouco com o toque gentil da minha
mão.

Depois do que pareceram minutos, sem piscar, o corpo de


Lorenzo ficou tenso, o véu blindado caindo sobre os olhos,
encerrando nossa conexão. Ele se afastou e terminamos a salada
em silêncio, a densidade do momento roubando nossas palavras.

Não havia dúvida de que Lorenzo era uma alma torturada.


Eu queria salvá-lo. Eu queria que ele me salvasse.

O silêncio não era estranho, apenas pesado com a química


e nossa turbulência interna. Respirei fundo, olhando para o teto
alto. A cozinha era em forma de L, os armários eram verdes,
trazendo um toque de cor que contrastava com as paredes de
toras. Havia janelas por toda parte. E claraboias. Eu estava
perdida em pensamentos por um momento, me perguntando o
quão mágico este lugar deve ter parecido durante o dia em que o
sol estava caindo. Um grito alto me tirou da minha cabeça.
Caterina correu pelo espaço aberto, seguida por minha irmã, que
exibia um — uh-oh — no rosto.

— Papai, papai! — Ela correu para as portas de correr da


sala de jantar, ficando na ponta dos dedinhos dos pés e
acendendo o interruptor de luz na parede. Ela se virou, o rosto
brilhando de excitação enquanto apontava o dedo em direção às
portas. — Está nevando!

Fui até ela, espiando pelo vidro. Meu queixo caiu com um
suspiro quando vi um dilúvio de flocos de neve tão grande que
quase pude ver cada desenho único em todo o seu esplendor.

— Está nevando forte! — Fiona exclamou, juntando-se a nós


na porta.

Lorenzo ficou parado atrás de mim, observando o convés


coberto de neve e sussurrando em meu ouvido: — Você vai adorar
como este lugar parece claro pela manhã. — Sua proximidade e
hálito quente fazendo cócegas em meu pescoço enviaram um
arrepio poderoso por mim. Eu fechei meus olhos. Ele permaneceu
atrás de mim, tão perto que os músculos do seu peito estavam
acariciando minhas costas, sua respiração tão rápida quanto a
minha.

Eu zombei, afastando-me das portas de vidro para encará-


lo. — Com neve ou não, vamos para casa esta noite, Sr. Steel —
disse com atrevimento. Fiona soltou uma risada com o uso do
apelido. Combinou com ele. Ele não era apenas lindo como o
Superman, mas seu corpo também era duro como aço.

Ele olhou para mim divertido, balançando a cabeça, as


mãos nos bolsos do jeans. — Pelo menos dez centímetros caíram
desde que você chegou. A previsão previa pelo menos 60
centímetros. Não há como você sair daqui esta noite. Não se
preocupe...

Eu levantei minha mão para silenciá-lo. Ele fechou a boca.


— Você sabia que havia uma grande tempestade no caminho para
cá esta noite e ainda nos convidou? Por que você não disse nada?
— Aborrecimento infiltrou-se em minha voz.

Ele olhou para mim, com uma atitude calma e sarcástica.


— Suponho que não sou o único capaz de verificar a previsão do
tempo? Você sabe como usar a internet?

Ignorei seu comentário condescendente. — As estradas são


sempre salgadas. Tenho certeza que ficaremos bem — insisti.

— Minha entrada de carros tem quase um quilômetro de


comprimento e não é salgada. Tenho que arar com o trator assim
que parar de nevar, o que só acontecerá de manhã — disse ele,
dando de ombros. Claro. Eu sabia disso. Meu pai tinha que arar
a entrada de carros toda vez que nevava. Eu bufei, irritada comigo
mesma por não verificar a previsão, e completamente ligada
imaginando Enzo em um trator.
Eu olhei para fora. Foi majestoso. Suspirei. — Você está
certo, devíamos ter verificado o tempo.

Seus olhos eram suaves e simpáticos. — Não era para nevar


antes da meia-noite. Você estaria segura em sua casa até então.
Eu sinto muito. Esta casa é grande e confortável. Existem muitos
quartos. Eu cuidarei de você.

Eu tinha certeza de que ele queria dizer que garantiria que


minha irmã e eu ficaríamos confortáveis, mas tive a sensação de
que estava falando apenas comigo. Meu coração deu um salto e
fiz o meu melhor para pará-lo, lembrando a mim mesma que essa
era apenas a forma como os italianos se comunicavam, fazendo
com que as declarações mais comuns soassem românticas. Não
foi inteligente presumir que suas palavras foram dirigidas apenas
ao meu coração. Embora eu realmente esperasse que fossem.

— O JANTAR ESTÁ SERVIDO — disse Lorenzo, chamando as


meninas para a sala de jantar. Uma grande assadeira cheia de
lasanha caseira era a peça central da mesa. O cheiro de queijo
derretido me deu água na boca. Deus, amei muito a lasanha.
Depois que nossos pratos estavam cheios com o decadente
prato italiano, pão e salada, Lorenzo se virou para mim. — O que
você quer fazer com a propriedade do Lago Donner? É muito
grande para vocês duas, então suponho que têm algo em mente?

Percebendo que ele nem sabia o que nosso negócio envolvia,


contei que era psicóloga especializada em terapia ecológica e
somática. — Curar nosso trauma por meio de uma conexão com
a natureza e aprender a deixar de lado a ansiedade física causada
pelos eventos traumáticos que vivemos. Digo nosso porque o
trauma faz parte da condição humana. Não existe uma única
pessoa neste mundo que não tenha experimentado isso em algum
grau. Nem mesmo bebês, porque nascer vem com sua cota de
sofrimento.

Ele ouviu atentamente, nunca tirando os olhos de mim e


balançando a cabeça sempre que concordava com o que eu estava
dizendo.

Depois que terminei, Fiona explicou nosso plano de


negócios de cinco anos. Esperávamos deixar a propriedade
pronta para sua inauguração em seis meses. A casa de hóspedes
seria nossa casa.

Fi explicou as atividades que ofereceríamos, desde aulas de


ioga a sessões de arte, aconselhamento e até passeios de caiaque.
Meus tecidos de dança aérea também estariam disponíveis para
qualquer pessoa interessada em recuperar sua confiança da
maneira que eu fiz, dançando no ar.

Lorenzo ouviu enquanto ajudava Caterina com sua refeição.


Permaneci quieta também, ainda abalada pelas camadas em seus
olhos. Eu também estava saboreando o orgulho enchendo meu
coração, vendo minha irmã brilhar nos negócios. A jovem
despreocupada que foi forçada a crescer mais rápido do que a
maioria. Por minha causa.

Seus olhos estavam vivos de interesse. — Muito


impressionante. Eu nem sabia que você era uma psicóloga — ele
disse, sorrindo.

— Ha, ha.

— Papai, o que é um psicóloga — Cat perguntou.

— Alguém que ajuda as pessoas a encontrar sua felicidade


— explicou ele.

Ela ponderou por um momento antes de se virar para mim,


seu olhar cheio de sinceridade. — Você veio para fazer meu papai
feliz?

O silêncio desceu sobre a sala. Os três olharam para mim e


o rosto de Lorenzo se contorceu de desconforto. Eu não sabia
como responder. A percepção de Caterina sobre o estado de
espírito de seu pai me deixou perplexa. — Um...
Lorenzo pigarreou. — Você tem alguma experiência com
autismo? — Ele mudou de assunto e eu exalei de alívio.

— Sim. Tivemos vários pacientes com autismo, tanto


crianças quanto adultos.

Ele acenou com a cabeça, colocando o garfo para baixo e


esfregando os dedos para frente e para trás sobre sua barba
curta. Quase pude ver as engrenagens girando em sua mente.

— Cat, por que você não vai assistir alguns desenhos na TV,
amore mio.

— Trolls! — Ela gritou.

Ele riu e se desculpou, levando-a para fora da cozinha.


Fiona e eu não falamos em sua ausência, mas quando ele voltou,
decidi perguntar o que estávamos morrendo de vontade de saber.
— Então, você vai desistir de comprar a propriedade do Lago
Donner?

Lorenzo apertou os lábios. — Infelizmente...

Meu coração afundou.

— Eu não posso exatamente abrir mão.

Meu coração afundou ainda mais.

Eu abri minha boca para protestar, mas ele levantou a mão,


efetivamente me acalmando com sua postura de comando.
— Não posso abrir mão da propriedade completamente, mas
quero vender uma parte dela para você.

Meus olhos se estreitaram em confusão. Tentei dizer algo,


mas me descobri sem palavras, então apenas olhei para ele com
pontos de interrogação pintados em meu rosto.

Fiona foi a primeira a se recuperar. — Sinto muito, Lorenzo,


mas nosso modelo de negócios atenderá o campo da saúde
mental. Não seria ideal ter um resort de lazer ao lado — disse ela,
balançando a cabeça.

Ele assentiu levemente antes de falar. — Eu acredito que é


minha vez de fazer minha apresentação.

Meu corpo se encheu de apreensão e antecipação. O que ele


poderia propor que estaria de acordo com nosso modelo de
negócios? Eu também estava nos imaginando como vizinhos.
Seria do meu interesse morar tão perto dele?

— Meu interesse nesta propriedade é pessoal. Não quero


transformá-la em um resort de esqui de luxo. Quero realizar o
sonho da minha irmã. — Ele fez uma pausa, avaliando nossas
reações. Fiquei surpresa, a curiosidade explodindo na minha
cabeça.

— Qual é o sonho da sua irmã? — Perguntei.

— Cavalos.
— Cavalos — repeti.

— Lorena tem me ajudado a administrar o resort desde o


início. Ela tem sido essencial para nosso sucesso. Não sou o
único Simonetti que dá nome aos nossos resorts. Infelizmente,
ela odeia. Ela nunca me disse isso, mas eu posso ver. Depois de
quase dez anos dirigindo o show, ela está pronta para encerrar
este capítulo de sua vida.

— Por que ela ficou tanto tempo se odeia isso? — Eu


perguntei.

— Lori teve uma vida difícil. Depois que coloquei minha vida
em ordem e a Simonetti Enterprises decolou, eu finalmente
estava em posição de ajudar minha família. Para ajudá-la. —
Observei enquanto seus olhos se enchiam de emoção. — Acho
que ela se sente em dívida comigo e tem medo de me decepcionar,
o que é impossível.

— Então, o sonho dela são cavalos? — Fi perguntou,


intrigada.

— Sim. Desde pequena, adora cavalos. Nosso vizinho na


Itália tinha alguns, e Lori passava várias horas todos os dias lá.
Ele lhe ensinou tudo o que sabia. Ele até deu um emprego a ela.
Não pagou muito, mas ela não se importou. Estar com os cavalos
era um pagamento suficiente. Mas ela cresceu, se apaixonou,
engravidou e se afastou de seu sonho.
— Meus resorts de esqui na Europa tiveram tanto sucesso
que decidi expandir e vir para Tahoe. Eu a trouxe comigo e a
coloquei no comando. Ela trabalhou durante a maior parte da
gravidez e só tirou licença de seis meses depois que Alfie nasceu,
embora eu tenha lhe oferecido um ano. Quando Alfie fez um ano,
não podíamos mais negar que ele era... diferente. — Ele suspirou,
uma carranca profunda torcendo seus traços simétricos, sua
mandíbula cerrada com tanta força que denunciou o imenso
esforço feito para esconder seus sentimentos – sua tristeza. Mas
quanto mais ele tentava se esconder, mais evidentes eles se
tornavam, fazendo-me gostar dele ainda mais, porque quem não
gostaria de um homem que se importava tanto com sua família?

— Alfie tem autismo? — Perguntou Fiona.

— Sim. Ele é maravilhoso e inteligente, mas luta...


emocionalmente e socialmente. Ele tem dificuldade em se
conectar com a maioria das pessoas, incluindo sua mãe.
Incluindo eu. — Ele franziu os lábios, levando um copo de água
borbulhante aos lábios, dando uma pequena pausa nos dois
pares de olhos que o fitavam com a profundidade e a compaixão
que os humanos tantas vezes confundem com pena.

— Então, você quer que ele faça terapia equina? — Eu disse,


esperando trazer a conversa de volta para um lugar menos
emocional.
Ele assentiu. — Há um lugar que resgata cavalos não muito
longe daqui. Levei Lori lá algumas semanas atrás. Ela estava no
céu. Eles têm dez cavalos que precisam de um lar. Gostaria de
comprar todos eles e transportá-los para a propriedade Donner
Lake, onde Lori pode cuidar deles e Alfie pode se beneficiar de
sua companhia. Ela também seria capaz de administrar o negócio
de passeios a cavalo que sempre quis.

Abaixei meu garfo e me encolhi, lembrando-me do


tratamento horrível que dispensei a ele durante a visitação. Fui
uma vadia naquele dia.

Como eu poderia não concordar com isso? Não podia negar


a sua família a felicidade que eles mereciam. E eu conhecia o
poder da equoterapia para pessoas como seu sobrinho. Mesmo
assim, nossos objetivos eram igualmente importantes e, a menos
que a irmã dele quisesse administrar um centro de retiro de
equitação, não poderia imaginá-la fazendo uso da gigantesca
mansão que era o núcleo do lugar. Como se estivesse lendo
minha mente, ele continuou: — Já que eu já comprei, gostaria de
vender uma parte para você.

Então, ele comprou. Provavelmente no local. — Qual parte?

— Bem, não temos nenhum uso para a casa principal. Posso


vender para você, junto com metade da área cultivada e o lago.
Manteremos a casa de hóspedes, estábulos, celeiros e o resto da
terra. — Ele fez uma pausa, olhando para mim antes de
continuar: — Como há apenas uma estrada, e agora eu sei quais
são seus planos, gostaria de oferecer a você o uso ilimitado dos
cavalos em troca do direito de passagem da garagem, bem como
acesso ao lago.

— O que você quer dizer?

— Quero dizer, você pode oferecer terapia equina como parte


de seus serviços de recuperação de traumas. Se os cavalos podem
ajudar Alfie, tenho certeza que seus futuros clientes também
podem se beneficiar ao passar um tempo com eles.

Estou radiante.

Este homem é incrível.

ASSIM QUE O JANTAR ACABOU, espiei pela janela da sala de


estar, e branco foi tudo o que pude ver. Tínhamos que passar a
noite. Não havia outra maneira. No típico estilo italiano, o jantar
durou quase três horas. Fiona e eu passamos vinte minutos
sozinhas enquanto Lorenzo colocava Cat na cama. Durante esse
tempo, decidimos aceitar a sua oferta e brindá-la com o resto do
vinho do jantar. Lorenzo havia bebido apenas água e café, e me
perguntei o porquê.

Ele voltou, levando-nos por uma escada circular feita de


madeira avermelhada. Cerejeira, talvez? O poste tinha a forma de
uma árvore com seu tronco trançado e raízes onduladas.
Esculpido à mão e majestoso. Não pude deixar de parar para
admirá-lo, passando os dedos pelas ranhuras do tronco. Quem o
esculpiu era talentoso. Fiona pigarreou, me puxando para fora
do meu transe. Eu olhei para cima e encontrei os dois olhando
para mim observando os designs da Terra Média, Fiona com
diversão, mas Lorenzo? Ele estava me perfurando com os olhos
estreitos explodindo com tanta intensidade que me excitou e me
intimidou de uma vez.

Enquanto meu rosto se enchia de calor, desviei o olhar,


olhando para os meus pés enquanto subíamos as escadas
mágicas. Lorenzo nos acompanhou por um corredor espaçoso,
deixando minha irmã na frente da porta de seu quarto. Ela disse
boa noite e fechou a porta. Eu fiquei ao lado dele, esperando para
ser conduzida ao meu quarto, mas ele permaneceu imóvel, seus
olhos azuis percorrendo meu corpo, fazendo-me sentir nua.
Fazendo minha alma se sentir nua. Congelando com ele, minha
respiração engatou e meu coração bateu forte no meu peito, sem
saber o que fazer. Eletricidade viajou para meu estômago e
espinha até o meio das minhas coxas. O pânico se espalhou junto
com uma profunda indecisão. O que estou sentindo? O que eu
quero fazer? Eu quero agarrá-lo e beijá-lo. Não, eu não quero
agarrá-lo e beijá-lo. Sim, eu quero agarrá-lo e beijá-lo.

Merda!

A guerra entre meu cérebro e meus hormônios era violenta,


me oprimindo a tal ponto que levei um segundo para perceber
que ele estava me puxando pelo corredor, minha mão ardendo
em seu toque. Eu não sabia para onde estávamos indo e,
francamente, não tinha certeza se me importava.

— Deixa acontecer.

Ele parou de repente e eu bati em suas costas, fazendo-o


grunhir enquanto empurrava uma porta, entrando na sala com
minha mão na sua. Assim que entramos, ele agarrou minha
cintura, me girando até que eu o encarasse. Lorenzo fechou a
porta com um chute atrás de nós, virando-se e me empurrando
contra ela, pressionando as mãos na porta, prendendo-me com
ombros largos e braços musculosos. Seu peito arfava em sintonia
com o meu, apertando meus seios e empurrando-os ligeiramente
para fora do decote do meu vestido. Sua visão se concentrou
neles com fome. Ele não podia ver meus mamilos, mas estavam
tão duros que eu tinha certeza que ele podia senti-los através do
tecido que separava nossa pele.

Eu encarei seu rosto e ele parecia mais deslumbrante do


que nunca. Uma mecha de cabelo preto brilhante caiu livremente
sobre a maçã de sua bochecha. Seus lábios eram carnudos e em
forma de coração, e eu queria roçá-los com minha língua.
Engolindo em seco, tentei manter minha compostura o máximo
que pude. Seu olhar mudou do meu decote para a minha
clavícula. Ele correu o dedo sobre o osso, deixando um rastro de
calor em seu rastro, fazendo meu corpo vibrar com antecipação.
Eu fiquei parada, deixando seu dedo viajar pelo meu pescoço,
mandíbula e bochecha, onde ele permaneceu, traçando pequenos
círculos sobre minha pele rosa e sardenta.

A dureza de sua ereção pressionou contra meu estômago, e


eu queria agarrar sua bunda e puxá-lo para mais perto de mim.
Em vez disso, mantive minhas mãos ao lado do corpo, com
cuidado para não atiçar o fogo antes de estar realmente pronta
para resistir às chamas.

— Eu quero provar você de novo — ele sussurrou, fazendo


cócegas em meu pescoço com sua respiração, enviando um
arrepio pelo meu corpo que me deu calafrios. Meu nariz estava
saturado com seu cheiro. Canela, pinho e todo homem. Ele
cheirava delicioso, e eu não queria nada mais do que me enterrar
na curva de seu pescoço e inalar o mais profundamente que
pudesse. Levantei minha mão e afastei a mecha rebelde de sua
bochecha.

Um grunhido baixo escapou de sua garganta, cru e sexy e


tão masculino que fez minhas entranhas doerem de desejo. Ele
baixou a boca para o meu pescoço, cuidadosamente passando a
língua sobre a zona erógena até a minha orelha. Sua língua
estava molhada e elétrica, e cerrei meus olhos. Um gemido
escapou dos meus lábios, percebi que estava com medo e
excitada na mesma medida.

Você está gostando disso. Não negue.

Pensamentos negativos filtrados pela minha mente


enquanto a ascensão e queda do meu peito aumentavam em
velocidade e profundidade. As memórias horríveis gravadas em
minha mente jogaram em um ciclo imparável. Elas sempre
vinham sem aviso, e geralmente nos piores momentos possíveis
– como este. Era como ser forçada a assistir o filme mais
assustador repetidamente e me sentir impotente para impedi-lo.

Porra!

Afinal, eu não estava pronta para isso.

Ao contrário do clube e da mansão, desta vez estávamos


sozinhos. O amortecedor do dia e das outras pessoas há muito se
foi, o que criou a oportunidade perfeita para o passado mostrar
sua cara feia. O pânico surgiu na base da minha espinha,
enrolando-se em todo o seu comprimento, como uma jiboia pega
sua presa, estrangulando-a antes de engoli-la inteira. Eu não
estava pronta e, no entanto, não queria nada mais do que estar
pronta. Para me entregar a ele. Para quebrar as correntes que me
prenderam por tempo suficiente. Estava cansada de tudo isso.
Ainda assim, não conseguia fazer minha mente racional
sincronizar consistentemente com aquela parte primordial de
mim que percebia qualquer situação semelhante ao meu ataque
como perigosa, enviando sinais de estresse que meu corpo não
era capaz de ignorar.

Lorenzo ergueu o rosto do meu pescoço, olhando para mim,


e o timbre em seus olhos parecia combinar com minhas
entranhas em pânico. Ele estava me sentindo ou ele possuía o
medo refletido em seus olhos de tirar o fôlego? Presa entre ele e a
porta, enrijeci quando a ansiedade de um ataque iminente de
claustrofobia me engolfou.

Eu estava prestes a afastá-lo, citando alguma desculpa


idiota como estar muito cansada, mas ele se adiantou, deixando
os braços caírem ao lado do corpo e dando um passo para trás.
Ele me olhou com raiva. Eu estava grata por ele ter nos separado,
mas o gelo que emanava dele me entristeceu. Eu não sabia o que
era pior, meu PTSD6 queimando ou a retração de suas mãos e
boca da minha pele. Eu instintivamente cobri meu peito com
meus braços, fechando o medalhão em meu punho. Ele se
levantou, enraizado no lugar, esfregando a barba e mordendo o
lábio inferior.

— Fiz algo de errado? — Eu perguntei, minha voz quase um


sussurro. Lorenzo deu mais dois passos para trás, fechando os
olhos e deixando escapar um suspiro exasperado.

6Perturbação de stresse pós-traumático (PSPT) ou transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) é uma


perturbação mental que se pode desenvolver em resposta à exposição a um evento traumático, como
agressão sexual, guerra, acidente de viação ou outro tipo de ameaças à vida da pessoa.
Minha respiração e meu corpo tremiam, mas eu mantive
minhas costas coladas na porta do quarto, esperando seu
próximo movimento. Meus dedos estavam gelados, um sinal claro
de ansiedade correndo em minhas veias. Eu me odiei por ficar
tensa em seus braços, por dar a ele a impressão errada. Eu
causei a mudança repentina em seu humor. Queria dizer-lhe que
não tinha feito nada de errado porque ele não fez. Ele tinha sido
a combinação perfeita de cavalheiro e dominante. Em um mundo
perfeito, onde eu não fosse mercadoria danificada, ele teria sido
o homem dos meus sonhos, eu não teria odiado os italianos se
não fosse por aquele que me quebrou irremediavelmente. Na
verdade, adorava tudo na Itália. Meus pais eram donos de uma
villa nas montanhas de Sannicandro di Bari, Puglia – o salto da
bota – e, crescendo, passávamos a maior parte do verão lá. Foi
onde aprendi a cozinhar e onde tanto Fi quanto eu, aprendemos
a falar a língua. Mas, há três anos, a experiência italiana foi
arruinada para todos nós. Não me escapou a ironia de que o
primeiro homem de quem gostei desde aquele dia horrível fosse
italiano. A vida tinha senso de humor, de fato.

— Você não fez nada de errado — ele me assegurou,


mantendo o olhar baixo. — Eu só estou cansado.

Agora era ele quem estava me enganando, e fingi engolir a


desculpa esfarrapada que ele me deu porque a alternativa era
muito pior. Então, fiz a única coisa que podia. Eu balancei a
cabeça, aceitando sua explicação esfarrapada.
— Espero que a cama seja confortável para você, — disse
ele, enfiando as mãos nos bolsos. — Amanhã de manhã, vou arar
a estrada para que vocês, senhoras, possam voltar para casa. —
Seus olhos se ergueram e ele me deu um sorriso tenso antes de
caminhar em minha direção com séria determinação. Eu
endureci novamente, olhando para ele com os olhos arregalados.
Ele não acabou de dizer que estava cansado? Por que ele estava
vindo para mim de novo?

Ele parou na minha frente por alguns longos segundos,


esperando Deus sabe o quê. Fiquei imóvel, confusa.

— Eu não posso sair com você bloqueando a porta. — Ele


me deu um leve sorriso. Meu rosto se encheu de calor e eu pulei
para frente, batendo o lado da minha cabeça em seu ombro. Ele
não olhou para trás, simplesmente dizendo: — Boa noite, Arabel,
— antes de sair da sala e fechar a porta entre nós.
O SONO me EVITOU por horas depois de deixar Arabel em seu
quarto. O quarto que estava a poucos metros do meu. Foi difícil
resistir à vontade de entrar lá e ver seu lindo rosto enquanto
dormia. Uma sensação agradável se espalhou por todo o meu
corpo com a memória de sua pele quente sob minha língua e seu
perfume de flores enchendo meu nariz, seguido por um
redemoinho de arrependimento por ter me acovardado. Porra, por
que eu não a beijei? Por que minha consciência teve que se
intrometer naquele momento, me lembrando que ela não merecia
o tipo de merda que eu vim?

Eu me resignei a uma noite sem dormir e fui para minha


oficina algum tempo depois da meia-noite.

Sentado na bancada de trabalho com uma faca de talha


presa entre os dedos, derramei minha impotência no pedaço de
madeira à minha frente. Escultura em madeira era uma paixão
que descobri enquanto estava no buraco negro do desespero em
que Grace me jogou antes de partir. Depois de me desintoxicar
do álcool que substituiu o sangue em minhas veias, estava
desesperado para encontrar algo, qualquer coisa que me
mantivesse longe da garrafa. Minha vida estava uma bagunça do
caralho, e tudo na minha casa me lembrava dela. Pensei em
vendê-la, mas a construí com minhas próprias mãos. Esta casa
foi fruto do meu trabalho – cada detalhe criado por mim. Era a
casa dos meus sonhos e eu não conseguia fazer isso. Em vez
disso, adicionei um corredor externo que conectava a casa ao
celeiro, que então transformei em uma enorme caverna humana.

Inicialmente, o andar de baixo estava cheio de porcarias


sem sentido para manter minha mente longe da bebida e da
mulher que arruinou minha vida. Uma mesa de sinuca, uma TV
de tela plana QLED 8K de 82 polegadas, equipada com todos os
consoles de videogame disponíveis. Cada romance de Stephen
King já publicado tinha um recanto de leitura. Eu tinha tudo,
mas ainda estava oco, como a cavidade de uma árvore depois que
os insetos devoraram sua polpa, deixando-a escura e deserta.

Um dia, eu estava mudando de canal sem pensar quando


algo chamou minha atenção. Foi em um daqueles canais que
ajudam os casados a escapar da monotonia de suas vidas. Um
homem estava esculpindo um bloco de madeira e transformando-
o em uma águia. Ele pegou uma massa geométrica simples e a
raspou até que se tornasse linda e única.
Era intrigante e o ato de esculpir parecia terapêutico. Fiz
uma pesquisa, peguei o telefone e liguei para o melhor entalhador
da Califórnia, talvez até de toda a costa oeste.

Depois de alguns meses de aulas particulares e uma nova e


significativa amizade, minhas habilidades haviam se expandido
o suficiente para cortar o cordão professor/aluno. Peguei todas
as porcarias estúpidas do celeiro – exceto os livros – e doei para
um lar local para crianças e adolescentes adotivos que ninguém
queria. Eu até dei a eles a TV gigantesca que me fazia sentir como
um idiota pomposo cada vez que me sentava na frente dela.

Avance alguns anos e lá estava eu, na oficina que substituiu


a caverna frívola que eu tive. A escultura em madeira me deu um
propósito além do trabalho e de ser pai – algo pessoal que eu não
precisava compartilhar com o resto do mundo. Wood não
bisbilhotou ou julgou. Não me pressionou a seguir em frente – do
jeito que minha irmã fez – ou me arrastou para saídas de casos
de uma noite com Harry e Oliver. O workshop era o único lugar
onde eu poderia simplesmente... estar.

Eu estava trabalhando em um busto de cavalo para


presentear minha irmã em seu aniversário quando detectei uma
energia forte o suficiente para fazer minha pele chiar. Eu nunca
permiti ninguém além de minha filha no celeiro. Eu virei minha
cabeça em direção à porta. Fios de cobre envolviam os mais belos
olhos azuis, caindo livremente em seu ombro. Seus longos dedos
de porcelana envolveram o painel da porta enquanto ela espiava
o espaço. Meu pau estremeceu na minha calça de moletom,
doendo para ter os dedos dela em volta dele. Ela me olhou com
culpa, boquiaberta, como uma criança pega fazendo uma
maldade.

Largando a ferramenta em minha mão, girei minha cadeira


e enfrentei meu anjo dançarino.

Ela empurrou a porta com cuidado até que bateu a


maçaneta na parede, então deu alguns passos hesitantes em
minha direção, a luz das lâmpadas de trabalho espalhadas pelo
espaço iluminando seu corpo perverso. Eu deslizei meus óculos
de marcenaria pela ponte do meu nariz para ter uma visão
melhor, correndo meus olhos em cada centímetro dela. A mulher
era incrivelmente deliciosa.

Ela usava uma camiseta da Simonetti Resorts, dois


tamanhos maiores. Seus pés descalços no chão frio de inverno.
Pernas longas e atléticas expostas até a parte superior das coxas.
Mamilos duros espetados através do material de algodão.

Foda-me.

Ela parou a alguns metros de mim, seu olhar fixo no meu.


Sem palavras. Eu me mexi na cadeira, na esperança de esconder
a protuberância crescendo em minhas calças. Eu não sabia por
que ela estava aqui depois que a enjaulei e lambi sua doce pele
de baunilha e lavanda, apenas para afastá-la quando percebi que
ela nunca poderia ser outra foda estúpida. Por alguma razão
maluca, eu me preocupei com ela o suficiente para não jogá-la na
mesma pilha que todas as outras com quem estive desde Grace.
Ela merecia coisa melhor, e como não fui capaz de dar a ela, tive
que manter meu pau dentro das calças.

Arabel era como uma tempestade. Você sabia que ela estava
chegando e como eram as tempestades porque já as tinha vivido
antes, mas ninguém sabia o quão forte e prejudicial seria. Tudo
que eu sabia era que achava as tempestades lindas, formidáveis
e majestosas, mas também as respeitava e fazia o possível para
ficar longe, me recusando a ser varrido, explodido e jogado em
um precipício mais profundo do que aquele que levei anos para
sair.

Ainda assim, ficamos ali olhando um ao outro. Tensão


pairando no espaço entre nossos corpos, tornando-se pesado com
desejo, curiosidade e uma carga de feromônios.

Decidi quebrar o gelo. — Não consegue dormir?

Arabel balançou a cabeça, cruzou os braços sobre o peito e


estremeceu. Ela estava com frio, com apenas uma fina camiseta
de algodão cobrindo seu corpo magnífico. Eu deslizei da cadeira
e dei um passo largo em direção a ela, tirando meu casaco de lã
e envolvendo-a nele. Ela cheirava tão bem, como lavanda e
baunilha, e eu queria comê-la. Tudo dela.

— Você está congelando — eu disse, fechando o zíper do


capuz em seu torso, observando enquanto ele deslizava sobre os
montes em seu peito, fazendo meus dedos tremerem de
necessidade. Eu não queria fechar o zíper do suéter idiota. Eu
queria deixá-la nua e mantê-la aquecida com meu corpo.

— Encontrei algumas camisetas no armário. Espero que não


se importe, peguei uma para dormir.

Eu não me importava. Na verdade, esta foi a primeira vez


que alguém além de Cat tentou entrar em meu espaço pessoal
sem ter suas cabeças mastigadas e suas bundas jogadas para
fora.

— Eu deveria ter deixado algumas roupas para você dormir,


me desculpe.

Ela encolheu os ombros, sua boca se curvando em um


sorriso hipnotizante que atingiu meu peito com uma emoção
profunda.

Ela desviou o olhar, verificando o espaço. — O que é tudo


isso? — Ela olhou para mim com olhos curiosos.

— É a minha oficina de escultura em madeira.

Ela caminhou até a mesa de trás, estudando as diferentes


esculturas que eu fiz nos últimos anos. Ela se concentrou em
uma coruja da neve e um bisão. O primeiro simbolizava sabedoria
e escuridão, o último harmonia e abundância. Quem eu era e
quem desejava ser.
Passou para o busto de um soldado romano, usando o
capacete de ferro típico do Império Romano, com uma escova de
cabelo de cavalo no topo. Ela correu os dedos pelo rosto do
soldado, acariciando cada linha de suas feições agudas e severas.
Meu pau acordou novamente com o quão quente me fez, vê-la
enquanto tocava minha arte.

— A escova do capacete é espetacular. Cada cerda é


perfeitamente esculpida. Ele até acrescentou alguns quebrados
para torná-lo mais real — disse ela para si mesma, acariciando o
capacete em câmera lenta como se estivesse fazendo amor com
ele.

Cristo todo poderoso.

Gostaria de poder ver seu rosto. Uma intensa sensação de


realização tomou conta de mim. Ela amou minhas criações. Não
tinha compartilhado meu hobby com muitos, mas estava feliz em
compartilhá-lo com ela. Eu também achei sua tendência para
pensar em voz alta, adorável pra caralho.

— É incrível — disse ela, voltando-se para olhar para mim,


sua mão ainda tocando o busto de madeira.

— Obrigado. — Foi tudo o que consegui dizer, meu foco


apenas nas mãos dela acariciando minha obra-prima.

— Meu pai também é artesão de madeira. Mas ele esculpe


principalmente móveis.
Meus olhos brilharam quando percebi porque Arabel e
Fiona pareciam tão familiares. — Qual é o nome do seu pai?

— George Reid.

Não. Porra.

Meu queixo caiu, e foi quando realmente vi. A semelhança,


os traços compartilhados e os gestos. Seu pai não tinha cabelo
ruivo. Isso veio de sua mãe, Samantha, mas seus olhos e nariz
eram dele. — O George Reid? O homem que construiu um
império, esculpindo? — Era uma pergunta retórica, pois eu já
sabia a resposta.

Ela jogou a cabeça para trás com uma risada. — Você é um


grande fã do meu pai? Ele ficaria feliz em te dar um autógrafo.

Quais eram as chances de a primeira e única mulher por


quem fui atraído nos últimos anos acabar sendo filha de meu
mentor? Um homem de quem eu gostava mais do que meu
próprio pai, que fora uma perda de espaço inútil.

— Na verdade, eu já o conheço. — Eu ainda estava pasmo


com essa descoberta incompreensível. Minhas dúvidas sobre se
eu precisava ou não ficar longe dela desapareceram como sonhos
ao acordar. Essa mulher estava fora dos limites, especialmente
porque George conhecia todos os detalhes da minha existência
torturada. Eu derramei tudo para ele enquanto me ensinava a
canalizar para o meu ofício. Inferno, ele sabia mais sobre mim do
que minha própria família. Eu era uma daquelas pessoas que
preferia compartilhar suas entranhas com um completo
estranho, em vez das pessoas que amava. Era mais fácil desse
jeito. Menos pressão. Menos chances de machucá-los jogando
sua bagagem em cima da deles. Com o tempo, porém, George
tornou-se um ente querido, mas continuei a confiar nele.

Eu soltei um suspiro pesado, tentando descobrir se era


mesmo capaz de ficar longe dela. Então, um pensamento terrível
me atingiu. Sabia que uma das filhas de George havia passado
por uma terrível tragédia. Eu não sabia todos os detalhes, mas
sabia que ela tinha se machucado sexualmente. Aquela filha era
Arabel ou Fiona?

— O quê? — Ela perguntou, perplexa.

Sua voz me trouxe de volta dos meus pensamentos


desconfortáveis. — Uh, sim, ele me ensinou tudo que eu sei sobre
marcenaria — minha voz era suave, fazendo o meu melhor para
manter minha agitação escondida de seus olhos curiosos.

Sorri, e ela cobriu a boca aberta com a mão, a incredulidade


pintando seus olhos. Ter George em comum diminuiu a tensão
entre nós. Isso nos deu algo para conversar. Uma distração bem-
vinda da necessidade paralisante de tê-la.

Andei, mostrando-lhe várias das peças que eu tinha feito


enquanto nós falamos sobre George.
— Então, Cirque. Além de dançar, você tem outros hobbies?
— Eu a observei tocar e explorar meu trabalho.

— Eu amo jardinagem.

— Que tipo de jardinagem? Legumes, ervas, flores?

— Definitivamente flores. Sou obcecada com o significado


delas.

— O seu significado? — Minha curiosidade despertou.

Ela assentiu enquanto corria os dedos sobre as esculturas


no rosto de um velho, minha versão de Gandalf das histórias de
Tolkien. — Sim, flores simbolizam muitas coisas diferentes.
Quando eu era pequena, assumi a tarefa de aprender o
significado delas, para que pudesse expressar meus sentimentos
sem ter que dizer nada de verdade.

— Fascinante. — Meus olhos observaram cada centímetro


de suas pernas enquanto eu tentava imaginar como sua bunda
parecia sob o meu casaco. Meus olhos se concentraram em suas
coxas, percebendo dezenas de linhas brancas fracas em sua pele
de porcelana. Meu coração apertou no meu peito. Cicatrizes? Ela
se cortou? Que tipo de dor a levaria a fazer tal coisa?

— Então, se você quisesse dizer a alguém que estava triste


ou feliz, você daria flores? — Eu perguntei, empurrando minha
preocupação para o fundo da minha mente.
Ela deu uma risadinha e foi um belo som. — Parece
estranho quando você diz isso, mas, sim. Eu também gosto de
plantar flores que representem o meu humor no momento.

— Qual flor você daria a alguém se estivesse com raiva dela?


— Eu a segui enquanto ela se movia da oficina para o recanto de
leitura.

— Petúnia.

— Feliz?

— Girassol. — Ela ficou na ponta dos pés para inspecionar


as prateleiras superiores da minha coleção de livros. — Ele
realmente gosta de Stephen King, aparentemente — disse, e eu
reprimi uma risada, percebendo que ela estava mais uma vez
falando sozinha, completamente inconsciente. Quando seus
braços levantaram acima de sua cabeça, me concentrei no
aumento do meu capuz, revelando a pele cobrindo a parte de trás
de suas coxas musculosas, mas delicadas.

— E se você quisesse dizer a alguém que os acha


irresistíveis? — Eu perguntei, incapaz de controlar meus pés para
não chegar mais perto desta mulher incrível.

Ela se virou, e agora estávamos a centímetros de distância


um do outro, seu cheiro agredindo meu nariz, o calor se
instalando em meu intestino. Seus olhos cresceram e sua
garganta balançou, mas ela não me afastou. — Hum, o girassol
funciona para isso também, mas... a rosa lilás provavelmente é
mais adequada, pois simboliza encantamento. — Ela sussurrou
as palavras e tudo que pude fazer foi olhar para sua boca
rechonchuda.

No momento em que sua língua rosa disparou para lamber


seu lábio inferior, eu respirei em silêncio, lutando contra o
impulso de jogá-la contra a estante. Pensamentos de erros
passados surgiram, me lembrando que eu era um idiota, um
homem miserável e furioso que não a merecia. Eu a queria, mas
não queria que visse minha escuridão. Também não queria
machucá-la. Para piorar, ela era filha de George.

Desesperado para me impedir de fazer algo de que me


arrependeria, decidi mover o passeio e mostrar a ela meu
santuário. Um lugar que só minha irmã e nossos filhos
conheciam. Eu contornei Arabel e empurrei a estante para o lado.
Ela deslizou, revelando a peça de madeira entalhada de que mais
me orgulhava.

Arabel engasgou, boquiaberta com a porta escondida atrás


da estante. Isso me fez rir como uma criança, algo que eu não
fazia há muito tempo. Era uma réplica exata das Portas de Durin.
Uma porta élfica pela qual a Sociedade do Anel entrou em Moria.
Sim, eu era uma grande aberração de Tolkien, algo que Harry e
Ollie adoravam me provocar, mas eu não me importava. Tolkien
era um gênio maldito, e isso era tudo o que importava.
— Estou sem palavras. Esta é, sem dúvida, a porta mais
bonita que já vi na minha vida.

— Eu fiz a porta e pedi a um amigo que forjasse as


dobradiças — disse a ela, observando-a estudá-la com
reverência. Ela o reconheceu? Ela poderia dizer o que o inspirou?
Lembrei que ela mencionou seu amor por Tolkien durante a visita
à mansão. Claro que ela sabia o que era.

Ela parecia tão pequena na frente do pedaço gigante de


madeira, jogando a cabeça para trás para ver o topo arqueado.
Grandes dobradiças de ferro em forma de galhos ondulados
enrolados nas bordas da porta. Havia sete estrelas esculpidas ao
longo do topo, a estrela do meio maior do que o resto e incrustada
com uma joia azul brilhante que combinava com o tom dos olhos
dela, azuis-marinhos. Um antigo e místico roteiro foi esculpido
acima das estrelas.

Eu me inclinei na parede e a observei enquanto ela ficava


na ponta dos pés, passando um dedo longo e sardento pelas
letras.
— Pedo vellon a minno. Fale amigo e entre — ela murmurou.
Meus ouvidos se animaram, assim como meu corpo. Ela acabou
de ler a escrita élfica como se fosse sua língua nativa? Ela girou
nas pontas dos pés e me encarou, o maior e mais brilhante
sorriso enfeitando seu rosto incrível. Seus olhos brilharam
quando ela bateu as mãos no rosto com alegria pura e
desenfreada. — Fale amigo e entre — ela gritou.

Minhas pupilas se dilataram de surpresa. Ela não estava


brincando quando mencionou que era obcecada. Ela era
definitivamente uma nerd de Tolkien. A geek mais sexy de todos
os tempos. Inacreditável, porra. Meu estômago embrulhou de
alegria e meu pau cresceu três tamanhos como o coração do
Grinch. Ela era uma nerd, e eu não poderia estar mais excitado.

Para o inferno ficar longe deste pequeno elfo glorioso. Eu


praticamente corri em sua direção, envolvendo um braço em volta
de sua cintura curvilínea, puxando-a para mim e batendo meus
lábios em sua boca. Arabel enrijeceu por uma fração de segundo,
mas então ela agarrou meus antebraços, me trazendo para mais
perto dela. Eu segurei seu rosto com a outra mão,
cuidadosamente passando minha língua ao longo de seu lábio
inferior, seduzindo-a a me deixar entrar. Ela os separou para
mim enquanto seu corpo relaxava, cada grama de apreensão
consumida por uma química desenfreada e desejo. Sua língua
empurrou em minha boca, entrelaçando-se com a minha. O
contato enviou choques elétricos pela minha espinha,
reanimando algo que eu acreditava ter desaparecido para
sempre: minha capacidade de sentir.

Ela colocou os braços em volta do meu pescoço, moldando-


se a mim, os mamilos duros sob o algodão macio do meu
moletom. Eu rosnei quando ouvi os gemidos saindo de sua
garganta. O tumulto interno que tentei tanto manter afastado,
revelou-se na forma de paixão animalesca, uma combinação de
luxúria reprimida e uma necessidade embaraçosa de me sentir
vivo novamente. Importar-se. Amar. Para se sentir amado de
volta. Minha alma faminta me implorando para me alimentar do
carinho que Arabel estava me dando.

Ela enrolou os dedos no meu cabelo, e a receptividade foi


tão promissora, foi o catalisador que eu precisava para libertar a
besta em mim.

Não me importo com o que digam, todo homem tem uma


besta dentro, esperando na arquibancada, com vontade de sair
para brincar. Mas enquanto a besta deles é o mal-humorado,
embora inofensivo, príncipe dos contos de fadas, o meu era
Asmodeus, o príncipe do inferno. Cuidado era algo que eu não
podia mais ter perto de Arabel. A besta em mim se empanturrava
com o descuido e gostava de se encher de luxúria. E se ela não
fosse cuidadosa, se não me impedisse, eu a consumiria até que
não houvesse mais nada além de cinzas e amargura.
Sim, eu era o diabo que poderia quebrar seu coração e, no
entanto, como o bastardo egoísta que era, não conseguia me
conter.

Empurrando-a contra a parede, a levantei até que minha


dureza repousasse entre suas coxas. Ela envolveu suas pernas
em volta da minha cintura, empurrando seus quadris,
desesperada pelo atrito. Eu a deixei fazer isso, respirando-a, toda
lavanda e baunilha e vida.

Eu amei o jeito que ela cheirava.

Nossas línguas estavam fazendo uma dança, girando e


torcendo e se tornando uma. Suas mãos correram pelas minhas
costas, pousando na minha bunda. Ela apertou minhas
bochechas com um som gratificante que me levou ao limite, e
temi gozar nas minhas calças.

Amei os sons que ela fez.

Eu apertei minha ereção contra sua boceta, saboreando a


umidade quente que escorria em minha calça de moletom.

Porra, ela era sexy.

Sem fôlego e com todos os nervos do meu corpo prestes a


explodir, interrompi nosso beijo, movi minha boca para o ouvido
dela e sussurrei: — Se você soubesse as coisas que quero fazer
com você — antes de mover minha mão para seu pescoço e
rolando o zíper para baixo até que revelou a camiseta por baixo.
Minha mão se moveu para seu seio, rolando suavemente seu
mamilo ereto entre o polegar e o indicador, trazendo nossos lábios
juntos, o eco de seu prazer vibrando em minha boca. Ela colocou
as mãos no meu peito e me empurrou para trás, e a súbita
ausência de seus lábios me abalou.

Ela olhou nos meus olhos, êxtase brilhando em suas


pupilas enquanto ela mordia o lábio inferior. — Por que você não
me esclarece? — Ela disse, e não perdi tempo aceitando o desafio.

Eu arranquei suas mãos da minha nuca, travando seus


braços contra a parede sobre nossas cabeças, colocando meu
joelho entre suas coxas para mantê-la estável. Eu olhei para as
ondas de seu oceano como se fosse o antídoto para o veneno em
minha alma. Sua respiração ficou presa, sua garganta
balançando ao engolir em seco.

— Quero arrancar sua camisa e encher minha boca com


seus lindos seios. Eu quero beijar cada centímetro do seu corpo
até que você me implore por mais, — eu rosnei. — E isso é apenas
o começo, Bella Arabella.

Seu corpo congelou sob meu toque, seu doce perfume floral
substituído pelo cheiro podre de medo. O desafio em seus olhos
se transformou em um apelo vergonhoso que extinguiu minha
ambição de viver novamente. Para sentir novamente. Algo havia
mudado e ela não estava mais receptiva.
Eu descolei nossos corpos e dei um passo para trás
porque... consentimento.

— Nunca mais me chame assim. — Ela me olhou com


irritação, fazendo a sala se encher de uma tensão desconfortável.
Ela estava chateada porque eu a chamei de Arabella, a versão
italiana de seu nome. Por quê? Eu não sabia o que dizer, então
fiquei em silêncio, aumentando o desconforto entre nós.

— Sinto muito, Lorenzo, mas não posso — ela murmurou


com uma respiração instável, confirmando minhas suspeitas.

Eu não disse nada, mas senti tudo. Confuso, desapontado,


desanimado, culpado, zangado, aterrorizado e até aliviado (por
ela, não por mim). — Fiz algo de errado? Além de te chamar de
Arabella?

Ela estremeceu novamente com o nome, mas balançou a


cabeça. — Não, não. Você foi perfeito. Você é perfeito. Eu só...
não posso. — Ela permaneceu colada à parede, fechando o zíper
do moletom de volta para cobrir seus seios excitados. — Nós
estamos nos tornando parceiros profissionais e não devemos
misturar negócios com prazer. — Sua voz era suave, sua
expressão complicada, uma lágrima solitária deslizando pela pele
sardenta de sua bochecha. E sua desculpa tão falsa e clichê que
eu queria vomitar.

— Arabel, não seremos parceiros de negócios, — zombei,


brincando com sua farsa. — Estou vendendo a você uma
propriedade e trocando cavalos pela entrada de automóveis e
acesso ao lago. Isso dificilmente é uma parceria de negócios. —
Minha voz soou rouca com a necessidade não satisfeita.

Ela balançou a cabeça tão vigorosamente que desistiu de


sua ansiedade. Algo estava definitivamente acontecendo e foda-
se se eu soubesse o que era.

Embora eu tivesse um pressentimento, e pedisse a Deus que


estivesse errado.
JÁ HAVIAM SE PASSADO duas semanas desde aquela noite na
oficina de Lorenzo.

A noite em que deixei meu medo vencer.

Na manhã seguinte, acordei com o som de um motor alto e


um coração vergonhoso. Caminhando até as grandes janelas do
quarto em que dormi depois de mais um surto, o avistei em um
trator verde militar, raspando a espessa camada de pó branco
gelado que cobria a calçada. Foi a metáfora perfeita de como eu
vi minha situação, exceto, em vez de neve, estava atolada por
uma pesada camada de humilhação e baixa autoestima.

Não devemos misturar negócios com prazer.

É sério? Uma gargalhada sardônica ricocheteou contra as


paredes da sala quando me lembrei do motivo de merda que dei
a ele para minha incapacidade de explorar nossa conexão.

Como se esse fosse o verdadeiro motivo.


Como se a razão não fosse minha dor, medo e
indisponibilidade emocional. Ou simplesmente o fato de eu
carregar as palavras e ações idiotas de outra pessoa comigo em
todos os lugares que fosse e não queria que ele visse ou lidasse
com isso.

Eu não queria compartilhar minha bagagem com ele.

Os bons não gostam de garotas arruinadas.

Eu me senti tão envergonhada que queria me esconder sob


uma montanha de peônias.

Naquela manhã, ele mal olhou para mim. Quando


conversamos sobre negócios, confirmando nossa decisão de
comprar metade do Lago Donner, ele apenas fez contato visual
com Fiona, ignorando completamente minha presença. Meu
corpo estava atormentado pela insegurança. Eu não sabia se ele
estava com raiva ou desapontado, então fiquei lá, certa de que ele
podia ver as palavras imaginárias gravadas em minha testa.
Aqueles que muitas vítimas de abuso sexual carregam consigo.
Palavras que descrevem uma vergonha tão grande que
acreditamos erroneamente que são projetadas visivelmente em
nossos rostos, como um outdoor digital para o mundo ver.

Estuprada.

Violada.

Envergonhada.
Suja.

Inútil.

Mercadorias estragadas.

Quebrada.

Fim da linha.

Quando cheguei em casa naquele dia, desabei na cama de


minha infância e chorei, o peso do passado esmagando meu peito
e barriga. Chorei pela velha Arabel, confiante, idealista e
despreocupada. Chorei por meus entes queridos, forçados a pisar
em cascas de ovo ao meu redor, com medo de dizer ou fazer a
coisa errada para que os pontos que prendiam os pedaços
despedaçados de meu espírito resistissem.

Ninguém gosta de falar sobre isso, mas o abuso não afeta


apenas as vítimas. Isso altera completamente a dinâmica do
relacionamento entre eles e todas as pessoas em suas vidas.
Desde o momento em que minha família e amigos entraram no
hospital no dia em que fui encontrada naquela praia, a mudança
foi clara. Eles sabiam disso e eu também. Eu não era mais apenas
Arabel, eu era a Arabel a vítima, a triste, a ansiosa, a delicada. O
que aconteceu comigo afetou todas as nossas vidas, como um
câncer que se espalha para todos os órgãos do corpo.

Lembrei-me da minha frustração ao ouvir os sussurros,


observando os olhares estranhos lembrando um ao outro de
colocar as luvas de pelica antes de entrar no meu novo mundo.
Foi irritante e vergonhoso. Eu não queria ser tratada de forma
diferente porque tornava difícil fingir que aquela noite tinha sido
um sonho.

Um pesadelo terrível.

Mas aconteceu, e enquanto eu os observava se esgueirando


ao meu redor, percebi que meu ataque tirou sua liberdade de
serem eles próprios assumidamente. Em um instante, eles se
esqueceram de como ser autênticos e honestos. Para ser franca,
às vezes seu compadecimento me permitia, dando-me outra
desculpa para segurar meu distintivo de sofredora. Naquela
época, quando aprendi a andar nesta vida novamente, apegar-me
à dor parecia mais fácil do que explorar as fissuras escuras
dentro de mim. Mas então descobri a feiura e a encarei de frente,
as consequências que se danassem. O engraçado foi que, depois
de enfrentá-la encontrei a cura e o perdão que poderiam
finalmente me libertar.

Eu me perdoei por me culpar.

A verdade é que eu era diferente. Mudei para sempre.


Porque do jeito que eu via, eu poderia me curar o suficiente para
sair da cama pela manhã e ir para o trabalho, aula de dança,
cinema e jantar. Eu poderia levar uma vida sexual saudável, me
casar, constituir uma família. Mas não importava os diferentes
graus em que eu poderia curar, as cicatrizes permaneceram, o
tecido de minha alma não mais liso, brilhante e sem marcas, mas
dentado e descolorido. E até o dia em que eu morresse, poderia
fazer o meu melhor para me preparar para as crises que trariam
tudo de volta momentaneamente. Os momentos incríveis que
deveriam transbordar de pura alegria para sempre trariam um
tom de preocupação e terror. Como o dia em que espero conseguir
segurar meu filho ou filha recém-nascida pela primeira vez, me
descobrindo incapaz de conter um apelo silencioso aos céus, de
que o que aconteceu comigo nunca acontecerá com eles.

Naquela noite, pressionada contra a porta e contra o corpo


quente de Lorenzo, suas palavras provocaram uma explosão em
mim e, por alguns dias, as neurotoxinas da vergonha e da
desesperança voltaram. Todas as coisas nas quais passei os
últimos três anos trabalhando desabaram, fazendo-me
questionar minha capacidade de me recuperar, encontrar paz e
ser feliz.

Então, cinco dias depois de deixar sua casa, encontrei um


pedaço de papel dobrado no bolso do meu casaco com uma
mensagem manuscrita rabiscada em tinta preta.

Ligue-me quando tiver coragem de nos dar uma


chance.

– Enzo
Eu olhava a nota todos os dias, transferindo-a para o bolso
de qualquer casaco, suéter ou moletom que decidisse usar todas
as manhãs. Alguns dias, meu dedo pairava sobre o botão de
chamada do meu telefone, mas nunca o pressionei.

Quando você encontrar a coragem de nos dar uma chance.

Ele poderia dizer que eu estava sendo uma covarde de


merda. Ele não comprou minha desculpa por um segundo. Ele
também não se intrometeu, o que apreciei. Nunca contei a Fiona
ou a meus pais sobre a noite em sua oficina. Eu sabia que eles
me diriam para dar uma chance ao amor e blá, blá, blá.

Eu não queria ouvir isso. Sabia que eles estavam certos,


mas a possibilidade de que dar a Enzo e a mim uma chance
resultasse em dor de cabeça me assustava muito, e não estava
pronta para sentir a pressão de sua sabedoria.

Porque era sabedoria, e eu sabia que teria que engolir isso


e me erguer sobre as cinzas mais uma vez, mas também sabia
que estava tudo bem levar alguns dias para chafurdar antes de
realocar minha bravura.

A nota de Lorenzo trouxe uma série de emoções para fora de


mim. No começo, zombei disso com indignação. Como ele ousa
me chamar de covarde? O constrangimento se seguiu e eu jurei
nunca mais vê-lo novamente, mesmo que isso significasse perder
Donner Lake. Mas depois de toda a minha bufada e baforada, eu
vi a verdade. Ele estava certo, eu era uma covarde e sua
honestidade era revigorante e necessária. Vítima ou não, às vezes
na vida, alguns de nós precisam de um bom chute na bunda para
sair da festa da piedade de um convidado que adoramos dar para
nós mesmos.

E assim, me reencontrei, o novo eu, o mais forte eu, a


mulher que não precisava da sabedoria de sua família porque já
a possuía por dentro. E quando o telefone tocou alguns dias
depois, estava pronta para me dar outra chance.

A voz melodiosa de Mignon fez uma serenata em meus


ouvidos pelo telefone, informando que a papelada estava pronta
e que era hora de fechar a venda. Enquanto dirigíamos para a
sede da Simonetti Enterprise, mantive minha cabeça erguida e
esperei que Enzo sentisse minha mudança de opinião.

Paramos no Simonetti Ski Resort em meu jipe, meus olhos


imediatamente o avistando esperando por nós na frente do
prédio. Ele estava delicioso em calças de tweed cinza, uma blusa
de cashmere preta de gola alta e botas elegantes pretas de cano
alto, como se saído da capa da revista GQ. A gola alta se estendia
por seus braços tonificados e ombros largos. Suas calças se
encaixam perfeitamente na curva de sua bunda. Minhas mãos
estremeceram, relembrando a sensação de suas bochechas
firmes em minhas mãos. A química entre nós me queimava, me
fazendo querer tudo isso. Tudo dele. Os óculos sensuais de aro
preto o deixavam tão gostoso que tive que fazer um esforço para
não babar.

Ele se aproximou do jipe e abriu minha porta, estendendo a


mão para mim. A máscara usual de distanciamento amigável
presa com firmeza ao rosto. Peguei sua mão, fixando os olhos nele
enquanto saía do carro, certificando-me de lhe dar o maior
sorriso tranquilizador. Um sorriso encorajador.

Não, não estou brava por você ter me chamado de covarde.


Desculpe por nunca ter ligado para você. Estou pronta agora.

— Cirque — disse ele, quando saí do carro, escorregando no


degrau lateral cromado. Ele me pegou na hora, envolvendo suas
grandes mãos em volta da minha cintura antes que meu rosto
tivesse a chance de bater na calçada gelada. Eu gritei, batendo
em seu peito com um som estrondoso que reverberou por todo o
meu corpo, as árvores, a atmosfera. Coloquei minhas mãos em
seus peitorais firmes, olhando para aquele rosto perfeito, minha
boca puxando em um sorriso de desculpas. Lorenzo sorriu de
volta com olhos cheios de carinho e gentileza. Muito longe da
carnalidade feroz que ele exibiu em sua oficina. Aquilo aqueceu
meu coração e, por um segundo, eu não estava no frio invernal
de Lake Tahoe, mas em uma ilha tropical deserta com ele.

— Enzo — sussurrei, ciente de que o estava chamando pelo


apelido pela primeira vez. Seu sorriso se alargou, branco e
encantado e cheio de promessas.
— Arie, — ele respondeu, e eu saboreei o som do meu
apelido em sua língua. — Você está pronta?

— Estou. — Estou pronta para você, para nós.

Entrelaçando seus dedos com os meus, ele nos levou para


dentro do resort para um grande foyer familiar cheio de pessoas.
Famílias com crianças, grupos de jovens, casais. Pessoas jovens
e velhas. Foi como se toda a Califórnia decidisse ir ao resort de
Lorenzo hoje.

Atravessamos o espaço lotado e entramos no elevador. Enzo


apertou o botão que nos conduzia ao nono andar, ainda
segurando minha mão. Fiona nos observou com um sorriso
presunçoso no rosto. Assim que saímos, caminhamos por um
longo corredor e entramos em uma sala de conferências. Dois
homens e Mignon estavam diante de nós. Um deles tinha cabelos
longos e loiros sujos presos em um coque masculino. Ele olhou
para nós com uma expressão severa e simplesmente acenou com
a cabeça em nossa direção. O outro era um homem com traços
asiáticos que pareciam com Mignon, com um sorriso de comedor
de merda estampado no rosto.

Mignon avançou. Estendi minha mão para ela, mas ignorou,


envolvendo os braços em volta de mim em um abraço rápido. Ela
era doce e vibrante, e desejei ser sua amiga.

— Senhoras, apresento a vocês meu melhor amigo e chefe


de cozinha deste resort, Oliver Wright. — Lorenzo gesticulou em
direção ao cara com o coque de homem que apenas grunhiu em
resposta, sua energia sombria enchendo a sala com uma tensão
estranha. — E Harry Gaudin, meu diretor de comunicações. —
Harry se aproximou de nós, seu sorriso mais largo a cada
segundo. — Olá, senhoras! — Ele disse com um forte sotaque
britânico enquanto girava um braço acima da cabeça e se curvava
dramaticamente como se fosse Fitzwilliam Darcy se encontrando
com a Rainha da Inglaterra. Fiona parecia atordoada, Lorenzo e
eu rimos, Oliver e Mignon reviraram os olhos.

— Não ligue para o meu irmão ridículo — disse Mignon, se


desculpando.

Os olhos de Harry Gaudin brilharam ao se fixarem em


Fiona. O cara era como um personagem de desenho animado.
Praticamente podia ver seus olhos se transformando em corações
enquanto ele olhava boquiaberto para minha irmã. Pegando sua
mão, ele beijou as costas dela. — Prazer em conhecê-la... — ele
parou, esperando para ouvir o nome dela.

Ela sorriu com diversão. — Olá, sou Fiona e não estou


interessada.

Uma risada alta encheu a sala, e não pude acreditar nos


meus olhos quando vi o homem-cara-mal-humorado dobrado em
completa histeria. Ele estava rindo como uma criança, revelando
um belo rosto e dentes brancos perolados. Ele era um homem
bonito quando não estava irritado.
O aspirante a Darcy do século XVIII largou a mão de Fiona,
a boca aberta, os olhos arregalados como um cervo nos faróis.
Ele pareceu envergonhado por alguns segundos antes de
começar a rir também. Dentro de instantes estávamos todos
rindo, a energia estranha se dispersando.

Todos nós sentamos à mesa, Enzo na cabeceira comigo ao


lado dele. Alisei minhas roupas com as palmas das minhas mãos
para esconder meus nervos. Eu escolhi uma saia simples de
tweed cinza em linha que batia nas minhas pernas na altura dos
joelhos, combinei com uma blusa de cashmere nude escuro de
gola alta, uma jaqueta de tweed combinando e sapatos pretos
clássicos, mantendo meu cabelo solto e minha maquiagem
simples. Não era assim que eu normalmente me vestia, e nem
mesmo era minha roupa. Além dos sapatos, meu traje era todo
da Fi. Eu queria parecer profissional.

Houve uma batida suave na porta e outro cara entrou na


sala. Assim que ele nos viu, seus lábios se transformaram em um
sorriso brilhante.

— Buongiorno. — Bom Dia.

— Senhoras, conheçam Federico Granatelli, meu advogado


— disse Enzo.

Federico era mais baixo do que o resto dos homens, com


nariz romano e olhos azuis marcantes, vestindo um caro terno
preto, camisa branca e gravata marrom.
A reunião foi curta. Federico explicou os detalhes da venda
e me mostrou onde assinar. Entreguei a ele o cheque
administrativo com o pagamento, enquanto ele passava a pilha
de papéis para Enzo, que também assinou na linha pontilhada.
E assim, a encantadora casa de Donner Lake e vinte e cinco acres
de terra eram meus. Enzo pareceu satisfeito, e eu compartilhei
seu sentimento.

Todos na sala relaxaram e começaram a se misturar, Harry


ainda tentando falar com minha irmã indiferente. Eu sentei lá,
ao lado de Enzo, nossos olhos colados um no outro, palavras não
ditas pairando no ar. Se era difícil estar perto dele antes, quando
o medo e a apreensão estavam na vanguarda da minha mente e
do meu corpo, neste momento, quando a audácia era
predominante, mal consegui me conter para não me deitar sobre
a mesa para poder alcançá-lo e devorar aquele sorriso eletrizante.
Meu coração estava batendo tão forte, meu corpo injetado com
um nível de calor tão intenso que era difícil manter a compostura.

Com a umidade acumulando em minha calcinha, empurrei


minha cadeira para trás e me levantei. — Com licença, preciso ir
ao banheiro.

Fechei a porta do banheiro atrás de mim e me inclinei,


enxugando as gotas de suor da minha testa com as costas da
mão. Com uma respiração instável, olhei ao redor do espaço. O
banheiro era elegante, com várias cabines, pias e uma área de
descanso com uma grande espreguiçadeira de couro em um belo
verde-acinzentado. Afundei na mobília luxuosa, esperando meu
coração, respiração e hormônios voltarem a um estado razoável,
ainda surpresa com o efeito que ele teve em mim. Enzo me deixou
eufórica e impetuosa. Era como se nada e ninguém mais entrasse
em minha mente quando ele estava por perto. Quando estava por
perto, via apenas ele. Foi libertador e assustador.

Depois de alguns minutos, fui até a pia, deixando a água


fria correr pelos meus dedos, permitindo que a sensação
acalmasse minha libido. Sequei minhas mãos, enxugando o suor
do rosto com uma toalha de papel. Olhando-me no espelho,
decidi voltar à reunião. Eu me virei e me dirigi para a porta, que
se abriu a alguns centímetros do meu rosto. Eu cambaleei para
trás em meus sapatos muito altos, agarrando a parede para me
apoiar e soltando um grunhido descontente. Eu olhei para cima
com um brilho irritado no olhar, pronta para repreender a mulher
que ousou empurrar a porta com tanta força. Exceto, não era
uma mulher.

Enzo. No banheiro feminino.

Meus olhos saltaram para fora, e meu coração retomou sua


vibração desequilibrada. Soltei um grito, agarrando meu
medalhão como sempre fazia quando estava assustada ou
ansiosa.
— O que você está fazendo aqui? — Eu perguntei, fingindo
estar aborrecida e ofendida por ele invadir um lugar que não
deveria invadir.

Mas ele tinha negócios lá. Eu.

Ele não respondeu, enraizado no chão, passando os olhos


escuros e encobertos por cada centímetro de mim. Minha
garganta balançou enquanto eu engolia em seco, a umidade entre
minhas coxas voltando na velocidade da luz. Minha respiração
ficou presa enquanto eu observava o homem mais lindo e
intrigante que já conheci vir para mim, esmagando seus lábios
contra os meus sem nenhum aviso.

Toda a tensão que senti desde a noite em sua oficina


desapareceu em um instante. Minha coragem recém-descoberta
explodiu em minha boca quando finalmente me rendi ao
momento – um momento de felicidade quando todo o resto foi
esquecido. Não havia passado nem futuro. Havia apenas o
presente. Ninguém mais importava, apenas ele e eu. Lorenzo e
seus lábios carnudos me provando com tanta paixão e ansiedade.
Lorenzo e suas grandes mãos masculinas envolveram minha
cintura como um tigre à espreita.

Eu me dissolvi nele com abandono completo, espalhando


minhas mãos em suas costas e puxando-o. Ele gemeu,
envolvendo um braço forte em volta da minha bunda e me
levantando, me colocando no balcão do banheiro. Enzo prendeu
seu corpo entre minhas pernas, minha saia subindo, fazendo
com que seus olhos escurecessem ainda mais, seus dedos
acariciando minhas coxas. Agradeci a Deus por minhas meias
serem grossas o suficiente para esconder as incontáveis
cicatrizes na minha pele. Eu não queria que ele soubesse. Eu não
queria que ele fizesse perguntas. Ainda não, pelo menos.

— Fico feliz em ver que você encontrou sua coragem — ele


disse rispidamente entre beijos.

Suas palavras soaram eróticas, sua honestidade


refrescante. Eu sorri através de um gemido. — Ei, não é como se
eu fosse a única fugindo — brinquei, retribuindo a honestidade.

Suas bochechas se ergueram com um sorriso. — Touché. —


Um flash de angústia passou por seus olhos azuis antes que ele
os fechasse, enterrando o rosto na curva do meu pescoço. O
hálito quente de canela deslizou pela minha pele e eu
choraminguei de alegria.

— Eu te quero tanto — ele rosnou em meu ouvido. Um raio


de excitação disparou direto para o meu centro, e eu arqueei
minhas costas, sentindo seu pau duro contra meu estômago,
meu corpo tremendo de necessidade. Seus lábios encontraram os
meus novamente, as línguas se retorcendo, o beijo duro e
desesperado. — Corra antes que eu te deixe em chamas — disse
ele, com os dentes cerrados. Parecia sedutor – e adorei – ainda
assim, senti um significado mais profundo em suas palavras. Foi
um aviso. Um aviso que eu estava longe demais para entender.

— Eu gosto de fogo — disse, pronta para estar com ele.


Pronta para arrancar o Band-Aid e dar as boas-vindas a uma vida
cheia de sexo e paixão. Sim, eu estava pronta, mesmo que
minhas entranhas ainda estivessem tremendo.

— Então você é minha. — Sua restrição se desfez em uma


enxurrada de beijos urgentes, seus lábios carnudos marcando
meu pescoço e clavícula. Suas mãos envolveram meu cabelo,
puxando suavemente, o botão entre as minhas pernas inchando
de desejo. Ele cheirava a sabonete e pinho, e me senti tonta e
bêbada.

Eu precisava dele dentro de mim. O pensamento estava


consumindo tudo. Eu não conseguia mais resistir. Eu não queria.

Eu girei meus dedos em torno das mechas de seu cabelo


preto como tinta e levantei meu peito, oferecendo meus seios a
ele. Ele riu, suas mãos movendo-se do meu cabelo para o meu
rosto. — Cirque, não há dúvida de que quero transar com você, é
tudo em que consigo pensar desde o momento em que a vi
girando naqueles tecidos. — Ele deu um beijo no meu nariz. —
Mas não aqui, não assim. Deixe-me sair com você em um
encontro adequado.

Eu o encarei, muda. Ele queria namorar comigo? Estive tão


focada em superar meus gatilhos físicos que tinha esquecido
completamente que uma parte essencial de um relacionamento
romântico era fazer coisas juntos e nos conhecermos. Reconheci
que só estive perto dele algumas vezes, mas parecia que eu o
conhecia há anos. Embora não me escapasse que havia uma
grande parte de Lorenzo que ele tinha feito o possível para
esconder de mim, e estava morrendo de vontade de desenterrá-
la.

— Você quer sair comigo?

Ele riu. — Sim. É tão difícil de acreditar?

Meu coração se expandiu em meu peito e permaneci em


silêncio por um momento antes de dizer: — Sim.

Deus, sim.
OS DIAS SE transformaram em semanas enquanto Fiona e eu
passávamos pelo árduo processo de mudança para nossa nova
casa. Felizmente, o lugar vinha quase todo mobiliado, embora
houvesse várias peças que precisávamos encomendar, como
nossos colchões e alguns móveis de sala e escritório.

Nossos pais faziam a viagem de uma hora todos os dias,


fazendo-me inflar de gratidão. Fiona e eu tínhamos tirado a sorte
grande com nossa família. Mamãe sempre ofereceu conforto
emocional, camaradagem e risos. Papai era um pilar de força,
sabedoria e pragmatismo. Ele era a razão pela qual eu sabia
trocar um pneu, equilibrar meu talão de cheques e pagar meus
impostos. Por causa dele, eu sabia como ser prática e me
defender sozinha, e creditei a ele todas as escolhas de negócios
inteligentes que fiz na minha vida.

Nosso pai foi criado por uma mãe solteira que trabalhava
em dois empregos para vesti-lo e alimentá-lo. Ele aprendera o
significado do trabalho duro desde muito jovem, e foi por meio de
esforço e carisma que um pobre garoto de uma favela de Oakland,
que nunca foi para a faculdade, construiu um império, um grão
de serragem de cada vez.

Sentei-me no chão do luxuoso closet do meu novo quarto,


vasculhando caixas e sacolas de roupas, minhas mãos
trabalhando sem pensar, enquanto minha mente repassava a
última vez que vi Enzo. Sua voz, seu corpo forte preso entre
minhas pernas, suas mãos segurando meu rosto, lábios me
beijando com mais paixão do que já experimentei.

Meus olhos pousaram no espaço ao lado da penteadeira,


onde ele me beijou pela primeira vez durante aquela primeira
visita. Eu planejei manter essa vaidade para sempre.

No dia da nossa mudança, recebi um buquê gigante de


tulipas amarelas com um cartão escrito à mão.

Aproveite sua nova casa, Cirque.

- Enzo

Tulipas amarelas simbolizavam pensamentos alegres. Eu


me perguntei se ele sabia disso. De qualquer forma, o dia da
mudança se tornou mais suportável por causa de seu doce gesto.
Lorenzo me fez sentir querida. Ele olhou para mim como se eu
fosse a mulher mais bonita do planeta. Estava ficando viciada em
sua atenção. Ele estava fora da cidade a negócios, mas
mandávamos mensagens de texto todos os dias, e toda vez que
meu telefone tocava, meu coração batia forte de ansiedade.

Nossos novos vizinhos também estavam se mudando.


Caminhões, equipamentos agrícolas e empresas de esgrima
cruzavam a garagem compartilhada. Também vi de relance uma
mulher dirigindo um Range Rover branco, provavelmente Lorena,
a irmã gêmea de Enzo. Ainda não havia cavalos.

O tempo estava frio e esperávamos uma forte tempestade de


inverno no dia seguinte, de modo que os caminhões que entregam
os móveis que encomendamos chegariam hoje. Eu tinha muito o
que fazer para deixar minha casa e meus negócios prontos, mas
a única coisa que mal podia esperar era minha estufa. A
primavera era minha época favorita do ano porque eu podia
plantar todas as minhas sementes e transplantá-las para fora
após a última geada da temporada. Mal podia esperar para
colocar minhas mãos na terra, mas por enquanto, precisava me
concentrar no desastre que estava dentro de nossa nova casa.

Eu estava enfiando camisetas em minhas novas gavetas da


cômoda quando ouvi o telefone tocar. Corri para o quarto e sentei
no chão em frente à tomada em que meu celular estava
carregando passando o dedo na tela. Meu coração deu um salto
mortal quando vi seu nome.

Lorenzo: Ciao, linda. Como está indo a mudança?


Eu: Está indo bem. Obrigada mais uma vez pelas minhas
flores. Amei.

Lorenzo: O prazer é meu. Só queria enviar-lhe pensamentos


felizes para uma transição suave para seu novo lugar.

Oh. Ele sabia o significado das tulipas amarelas.

Eu: Vejo que você tem pesquisado algumas flores.

Lorenzo: Certamente. Embora ainda não tenha encontrado


uma que simbolize o quanto eu quero te foder em sua nova cama.

Droga. Sua boca suja despertou uma torrente de luxúria em


mim, fazendo-me cruzar as pernas para acalmar a dor.

Eu: Minha cama ainda não está aqui, então acho que você
vai ter que me foder na sua.

Lorenzo: Caramba, Cirque. Você me deixou duro no meio de


uma reunião.

Deitei no chão do meu quarto, segurando o celular acima do


rosto, rindo. Fazia muito tempo desde que eu flertei com um
homem, e nunca tive esse tipo de brincadeira sexy com ninguém.
Foi divertido e erótico. Isso me fez sentir como uma adolescente
tonta.

Eu: Você começou!


Lorenzo: Sim. O que posso dizer? Sou um homem faminto por
uma beleza sexy ruiva.

Eu: Você já a encontrou?

Lorenzo: Acredito que sim, e estarei sonhando o dia todo em


provar seu lótus.

— Oh meu Deus! — Eu gaguejei, incapaz de conter minhas


risadas. Lótus, a flor da vagina. Eu não pude deixar de rir e ficar
excitada ao mesmo tempo.

Eu: Ela está ansiosa por isso.

Lorenzo: Pode apostar que sim. Ei, há uma flor para bunda?
Porque, tenho planos para a sua.

DUAS HORAS DEPOIS, terminei de organizar meu armário e


estava descendo as escadas com um cesto cheio de roupa suja,
minhas bochechas doendo pela minha incapacidade de limpar o
sorriso do meu rosto. Desde que conheci Lorenzo, turbulência e
intensidade prevaleciam, então foi bom conhecer seu lado
engraçado. Ele era bobo e desbocado. Eu gostava dele mais e
mais a cada segundo, e isso me apavorava, embora, neste ponto,
fosse simplesmente tarde demais para pará-lo. Não que eu
quisesse parar.

Fiona estava fora, e Liam e eu estávamos sozinhos e amando


a solidão. Transferi uma carga da lavadora para a secadora antes
de jogar o conteúdo da cesta na máquina, colocando-a para lavar
antes de jogar no chão de madeira da nossa sala vazia enquanto
esperava os caminhões de móveis que chegariam a qualquer
minuto.

Esperar Enzo voltar de sua viagem foi mais difícil do que eu


pensava, minha ânsia de ir ao nosso encontro e vê-lo novamente
estava levando o melhor de mim. Então, me mantive distraída o
máximo possível. Estava no meu celular, procurando
informações sobre estufas, quando ouvi um bipe alto e
ininterrupto. Eu coloquei o telefone no tapete e corri em direção
ao som, Liam latindo aos meus pés. Quando virei, vi fumaça
saindo do corredor que levava à lavanderia.

— Que porra é essa?

Corri para frente, a fumaça imediatamente me engolindo,


dificultando a respiração. Estava terrivelmente quente e eu não
tinha visibilidade, mas continuei mesmo assim.

Liam parou atrás de mim, choramingando e latindo, sem


vontade de me seguir até a lavanderia, o que era mais sábio do
que o que eu estava fazendo. Mas claramente havia um incêndio
e eu precisava detê-lo.

— Está tudo bem amigo, eu já volto — eu gritei, em uma


falsa voz reconfortante.

Eu engasguei de horror quando vi a secadora. Enormes


chamas tremeluziram e dançaram até o teto. Eu podia ver
minhas roupas derretendo dentro do copo, o cheiro de produtos
químicos e tecido sintético queimado me deixando enjoada. Isso
não poderia estar acontecendo. Esta casa não poderia pegar fogo
logo depois que gastei minhas economias de vida inteira
comprando-a.

Eu congelei por um nano segundo, minha mente lutando


para entender a situação antes que minha garganta soltasse um
grito alto enquanto eu girava como um pião, tentando encontrar
o extintor de incêndio. Mas eu tinha acabado de me mudar e não
sabia se tínhamos algum, então corri para a pia, tossindo e
estreitando os olhos para minimizar o desconforto. Enchi o balde
de esfregão com água, jogando o líquido nas chamas e gritando,
enquanto observava o fogo se intensificar.

Não!

Estúpida, estúpida, estúpida. Eu deveria saber que um


balde cheio de água não seria o suficiente para apagar um
incêndio dessa magnitude.
Saí da lavanderia, correndo pelo corredor, minha mente
decidida a encontrar meu telefone e ligar para o 911. Minha
camiseta encharcada de suor e calça de moletom roxa grudaram
no meu corpo, a fumaça tão espessa que eu não conseguia ver
nada mais, e meus olhos pareciam estar derretendo para fora de
suas órbitas. Eu corri para longe, tentando gritar o mais alto que
pude, apesar da queimação na minha garganta, Liam
choramingando e latindo à minha frente. Talvez o pessoal da
mobília chegasse e ouvisse nossos apelos. Minhas meias me
fizeram escorregar e escorregar, então as tirei e joguei no chão.
Eu agora estava cega e sem ar, então me joguei no chão e comecei
a rastejar pelo corredor, gritando e batendo minha cabeça nas
paredes. Meus gritos se tornaram cada vez mais difíceis de
pronunciar, minha garganta estava tão seca que doía. Eu podia
sentir o fogo ardendo em meu peito, fazendo-o chiar e arfar
violentamente. Perdendo para o vapor, meu rastejamento
diminuiu até que parei de me mover completamente. Os latidos
de Liam se tornaram um som distante, o pensamento de perdê-
lo fazendo com que lágrimas escorressem pelo meu rosto, a água
salgada fazendo meus olhos feridos pela fumaça doerem como se
tivessem sido picados por mil agulhas. Enrolei meu corpo em
posição fetal, desejando que continuasse viva até que alguém me
encontrasse. Eu não queria morrer. Não estava pronta para ir.

Você merece isso, vagabunda.


Prendi a respiração o máximo possível para reduzir a
quantidade de fumaça que estava inalando, mas era tarde
demais.

As pessoas dizem que a vida passa diante de seus olhos


quando você morre. E isso pode ser verdade para alguns, mas
não para mim. O que me veio à mente enquanto eu convulsionava
no chão do corredor era arrependimento. Lamento por não ter
sido mais forte, por não ter sido mais corajosa. Lamento por ter
deixado meu medo me roubar tanto tempo. Dias que eu poderia
ter passado vivendo como se fossem os últimos. Se eu tivesse feito
isso, já saberia como é ser adorada por Lorenzo.

Mais lágrimas caíram enquanto meu corpo se rendia, minha


mente advertindo-o para não desistir. Mas meus pulmões se
encheram de uma escuridão tóxica e não pude mais dar a eles o
oxigênio necessário para sobreviver.

Eu estava perdendo a luta.


VOLTEI MAIS CEDO da minha viagem de negócios, com a
intenção de surpreender Arabel e cumprir a promessa que fiz a
ela enquanto devorava seus lábios deliciosamente mentolados no
banheiro feminino da sede da Simonetti.

Calor viajou para minha barriga com a memória de meus


quadris presos entre suas coxas tonificadas e minhas mãos em
volta de sua cintura feminina. Eu ainda podia sentir o cheiro da
mistura de lavanda, baunilha e seu próprio perfume natural de
quando explorei seu pescoço com meus lábios e língua. A garota
nervosa que encontrei em meu workshop foi substituída pela
mulher confiante e sensual que acreditei que ela fosse desde o
momento em que a vi dançar. Quando ela arqueou as costas,
oferecendo seus seios para mim, eu perdi o controle, lutando para
me impedir de rasgar suas roupas para que pudesse prová-la,
tocar cada centímetro de sua pele e descobrir como era estar
dentro dela.
Também queria conhecê-la melhor, descobrir sua cor
favorita, sabor de sorvete e as coisas que a mantinham acordada
à noite. Eu queria que Arabel me deixasse entrar em seu corpo,
coração e mente, mesmo que não estivesse pronto para deixá-la
ver a escuridão à espreita nas bordas da minha alma, esperando
para atacar e foder minha vida mais uma vez.

Eu sabia que era injusto e me tornava um bastardo por


esperar as coisas que não estava disposto a dar, mas empurrei
esses pensamentos bem fundo porque agora, eu estava pegando-
a e levando-a ao meu restaurante italiano favorito antes de
dormir com ela na minha cama para que pudesse cumprir todos
os seus desejos. Eu conversei com Fiona e sabia que Arabel
estava sozinha em casa, desfazendo as malas e esperando por
alguns caminhões cheios de móveis.

Minhas entranhas tremiam de ansiedade enquanto dirigia


até a garagem em meu Range Rover. O tempo estava implacável,
uma camada de gelo cobrindo a estrada, fazendo meus pneus
girarem ligeiramente. Uma sensação estranha tomou conta de
minhas entranhas e a inquietação tomou conta de mim quando
me aproximei do estacionamento. Não consegui identificar a
causa do meu pavor, mas quando estacionei o carro em frente à
casa dela e vi fumaça girando atrás das grandes janelas
panorâmicas de cada lado da porta da frente, meu corpo ficou
gelado e senti todo o oxigênio deixar meus pulmões, substituídos
por uma mistura de pânico e adrenalina.
Saí do carro, correndo em direção à porta, o vento frio
batendo no meu rosto e me fazendo estremecer. Escorreguei no
gelo e caí de bunda quando ouvi os latidos frenéticos de Liam. Eu
não queria perder tempo continuando a escorregar e cair, então
plantei minhas mãos enluvadas e joelhos vestidos de jeans no
gramado gelado e rastejei para a varanda coberta. Em segundos,
o tecido que cobria meus joelhos estava encharcado e
congelando, fazendo minhas juntas doerem. O balanço do qual
eu a observei no dia da visita balançou com os ventos do norte,
suas correntes rangendo e aumentando a minha ansiedade.

Depois de rastejar escada acima, levantei-me e corri,


gritando o nome dela e batendo na porta da frente por um
segundo até que percebi que respeitar sua privacidade não era
uma prioridade. Eu chutaria a porra da porta se precisasse. Com
a mão trêmula, girei a maçaneta e soltei um suspiro audível de
alívio quando não parecia quente ao toque ou oferecia qualquer
resistência. Eu abri a porta até que ela bateu contra a parede
branca atrás dela. Uma densa nuvem de fumaça me envolveu em
um instante, fazendo meus pulmões murcharem e queimarem.
Tossi e me virei, enfiando a cabeça para fora da porta para encher
meus pulmões de ar frio, esperando atrasar meu peito de inalar
muita fumaça antes de encontrá-la. Corri para o foyer, apertando
os olhos para evitar que meus olhos ardessem, o bipe alto dos
detectores de fumaça fazendo meus tímpanos doerem. Liam
correu para mim, gritando e choramingando aos meus pés. Tive
o impulso de levantá-lo e confortá-lo, mas precisava me
concentrar em Arabel.

— Corra, Liam, corra! — Eu gritei com o filhote enquanto


corria mais para dentro da casa. Eu esperava que escapasse pela
porta da frente aberta, mas ele me seguiu, latindo e olhando para
o corredor que levava à lavanderia.

Bom menino.

— Arabel! — Gritei a plenos pulmões, percorrendo o longo


corredor para o qual o cachorro havia me guiado, mas não houve
resposta, e meu coração disparou de medo tão forte que estava
começando a me paralisar.

Porra. Isso não poderia estar acontecendo. Por que ela não
estava me respondendo?

— Arabel! — Gritei de novo, tossindo quando suguei uma


densa nuvem de fumaça. Estava tão quente, minhas roupas e
cabelo grudaram na minha pele. Meu nariz queimou com uma
mistura de metal queimado e produtos químicos. Tirei meu
telefone da calça jeans e disquei 911. Meu Bluetooth estava no
meu ouvido, então coloquei o telefone de volta no bolso e falei
com o despachante enquanto procurava freneticamente por ela.

— Arie!
Meu estômago caiu para minhas bolas quando a vi enrolada
no chão, sua pele amarelada e seus cabelos vermelhos cobertos
com tanta fuligem e cinzas que parecia cinza.

Não, por favor, Deus, não.

Eu sufoquei a voz do atendente enquanto corria para ela. A


mulher me pediu para ficar na linha até a chegada da
ambulância. Eu podia ouvir sua voz como um zumbido distante
no meu ouvido, mas tudo que conseguia focar era na minha
garota.

Sim. A minha menina. Ela era minha e eu não podia perdê-


la. Tirei meu casaco o mais rápido que pude e o coloquei sobre
seu corpo inerte para que não congelasse quando saíssemos.

Se conseguirmos sair.

As chamas dançaram nas paredes e no teto atrás de nós.


Eu não sabia a causa do incêndio ou quão rápido as chamas se
espalhariam, mas temia que não teríamos muito tempo antes que
o inferno nos alcançasse.

Os olhos de Arabel estavam fechados e sua boca


ligeiramente aberta. Ela parecia sem vida. Meu coração bateu no
meu peito e meu sangue foi substituído por um terror não
diluído, mas a adrenalina me manteve em movimento.

Eu segurei seu rosto com mais força do que pretendia. —


Cirque, acorde! — Eu gritei enquanto apertava sua mandíbula.
Por favor, acorde.

Ela permaneceu imóvel e, por um momento, considerei


deixar a fumaça me engolir com ela, porque a dor e o medo dentro
do meu peito consumiam tudo, e não pensei que pudesse
sobreviver a essa perda. Eu balancei minha cabeça uma, duas
vezes, deixando minha resignação e emoções irracionais
salpicarem nas paredes e no chão antes de pegá-la em meus
braços e correr com todas as minhas forças. Eu mal conseguia
ver através da fumaça e meus pulmões doíam com a inalação,
embora a dor em minha alma fosse maior.

Não tive tempo de verificar o pulso ou ter certeza de que ela


ainda respirava. Eu a agarrei no meu peito, engolindo a bola de
tristeza alojada em minha garganta. Meus olhos se encheram de
um líquido salgado, fazendo-os arder. Eu não me importava com
o que poderia acontecer comigo. Tudo o que importava era ela.

Corri, tossindo incontrolavelmente e incapaz de ver muito.


Uma vez lá fora, o ar fresco substituiu a fumaça em meus
pulmões, e engoli como se fosse o último bocado de oxigênio que
restou no mundo. Sentei-me no balanço da varanda e apertei-a
contra o peito, as lágrimas rolando pelo meu rosto e caindo sobre
o dela. Eu vi uma queimadura em seu antebraço que era
pequena, mas parecia profunda e em carne viva.

Merda. Ela teve mais queimaduras? Comecei a procurar


mais em seus braços, rosto e pescoço.
— Senhor? Senhor? — O atendente em meu ouvido tentou
chamar minha atenção.

— O braço dela está queimado. — Rosnei no Bluetooth.

— Senhor, você precisa verificar a respiração dela.

— Oh, foda-se! — Eu chorei, com raiva de mim mesmo por


não verificar imediatamente. A adrenalina e o medo eram tão
intensos que não conseguia pensar direito. Abaixei meu ouvido
até seu nariz e boca, procurando o som e a sensação de sua
respiração. Foi fraco, mas estava lá.

Obrigado, meu Deus.

— Senhor, ela está respirando?

— Sim, mas está bem fraco.

Segurando-a com mais força, balancei nós dois para frente


e para trás no balanço, o inverno frio aumentando o desespero
que nos cerca.

Eu segurei seu rosto com um braço e beijei seu cabelo, sua


testa, suas pálpebras fechadas. — Baby, por favor, não me deixe.
— Minhas palavras saíram como sussurros estrangulados. —
Lute, Cirque, se você pode me ouvir, lute! Você tem uma vida
incrível pela frente. Sua família precisa de você. Todas as pessoas
que você deveria ajudar precisam de você, está me ouvindo?

Eu preciso de você. Eu preciso muito de você.


— Fique comigo, minha bela dançarina.

O som das sirenes abriu um corte no meu medo, deixando


a esperança infiltrar-se. Liam sentou-se ao nosso lado, mas
desceu correndo os degraus da frente enquanto os sons ficavam
mais altos. Duas unidades da polícia chegaram, os policiais
subindo correndo as escadas e cercando o balanço.

— Senhor, você está bem? — Perguntou um deles, enquanto


outro falava no rádio em seu ombro, e outros dois inspecionavam
a casa.

Eu concordei. — Ela não quer acordar — choraminguei, sem


me importar que eles pudessem ver as lágrimas rolando pelo meu
rosto.

O oficial se ajoelhou e colocou dois dedos no pescoço de


Arabel. — Há um pulso. Os paramédicos estão quase aqui.

Eu balancei a cabeça novamente, a bola na minha garganta


roubando minhas palavras. Tinha esquecido de verificar seu
pulso porque meu terror era muito grande.

— Alguém mais dentro?

Eu balancei minha cabeça. — Era só ela e o cachorro.

O som do motor de um carro nos fez virar. O Range Rover


da minha irmã parou abruptamente na extremidade oposta da
garagem. Passei a mão pelo rosto, enxugando as lágrimas, porque
não queria que Lorena visse a profundidade dos meus
sentimentos por essa mulher. Eu não estava pronto para mostrar
a ninguém que me conhecesse. Nem mesmo eu. Ela saiu do carro
e correu para a varanda o mais rápido que pôde no chão gelado.

— Enzo, o que está acontecendo? — Sua voz estava alta e


em pânico, mas acalmou meus nervos em frangalhos.

— Algo na casa pegou fogo.

Lori estava alguns metros à nossa frente, olhando com


horror para a forma flácida de Arabel e sua pele pálida. Quando
ela travou os olhos em mim, seu olhar se suavizou, exibindo o
amor incondicional do nosso vínculo. Travei meus lábios,
tentando fortemente não me deixar desmoronar.

Um novo conjunto de sirenes surgiu na entrada íngreme.


Duas ambulâncias e um caminhão de bombeiros. Fechei meus
olhos e olhei para o teto, o alívio lavando sobre mim que a ajuda
tinha chegado e eu não era mais o único tentando salvá-la.

Os oficiais recuaram e os paramédicos correram para o


nosso lado, rolando uma maca no gelo escorregadio. O tremor do
meu corpo se tornou insuportável quando os dois homens a
tiraram do meu abraço, e eu lutei contra o desejo irracional de
me agarrar a ela, de não permitir que eles a tirassem de mim.

Assim que meus braços estavam vazios, minha irmã jogou


os dela em volta de mim. — Oh meu Deus, você está tremendo.
— Ela me abraçou com mais força. — Vai ficar tudo bem,
fratellino.

Eu a abracei de volta, grato por ela estar ali, mas permaneci


em silêncio, observando enquanto os paramédicos levavam Arie
para a ambulância e os bombeiros corriam para dentro da casa.
Eu mal conseguia sentir o calor e o conforto de Lori porque minha
mente estava em uma névoa. Tudo o que importava era Arabel.
Eu a soltei e comecei a ir em direção aos veículos de emergência.
Eu não suportaria ficar tão longe dela.

— Enzo. — Ela agarrou meu braço. — O que posso fazer


para ajudar?

Eu parei e me virei para encará-la. — Cuide do cachorro e


dos caminhões de móveis. — Ela assentiu e eu me virei,
caminhando para a ambulância enquanto os paramédicos
colocavam Arie nela, uma máscara de oxigênio cobrindo seu nariz
e boca. — Ela vai ficar bem? — Eu perguntei pra eles.

— Senhor, você é parente mais próximo?

— Não, eu sou seu... amigo. — É isso que éramos? Amigos?


Nós mal nos conhecíamos e, ainda assim, eu me importava com
ela com uma intensidade irracional, como se ela fosse minha por
anos.

— Sinto muito, mas não podemos falar com você sobre a


condição dela.
Porra!

Corri a mão pelo meu cabelo em frustração. Por que eu não


disse a eles que ela era minha noiva ou esposa? E por que não
fui capaz de andar na parte de trás com ela? Eu não queria ir na
frente, queria segurar a mão dela, estar lá se acordasse no
caminho para o hospital. Mas eu entendia as regras e não queria
atrapalhar os paramédicos que a ajudavam. Além disso, era
melhor eu dirigir meu carro, caso ela precisasse de alguma coisa.

— Senhor? — Outro paramédico chamou, atrás de mim


desta vez.

Eu o ouvi falando comigo, mas estava muito consumido pela


dor e preocupação para prestar atenção.

— Senhor?

Eu mudei. — Sim?

— É hora de fazer o checkout. — Ele apontou para a outra


ambulância.

Eu acenei com a mão desdenhosa. — Estou bem. — Eu


tentei o meu melhor para não gritar com ele por se concentrar em
mim em vez de levá-la para a sala de emergência. A verdade era
que meu peito estava apertado e meu nariz e garganta
queimavam. A coisa mais inteligente a fazer seria dar uma
olhada. — Eu irei te seguir.
— Desculpe, mas temos que levá-lo ao hospital. Essas são
as regras.

Eu olhei para o homem, o que não parecia incomodá-lo em


nada. Tinha certeza de que ele estava acostumado com pessoas
difíceis.

Suspirei, mas entrei na ambulância, olhando pela janela


para o que estava na frente que trazia a única esperança que eu
sentia em anos. Espero que eu possa amar novamente. Espero
que alguém possa me amar. Enquanto o paramédico ouvia meus
pulmões e cutucava minha boca e nariz, rezei para que o fogo
pudesse ser contido. Rezei para que Arabel ficasse bem. Liguei
para George e contei o que estava acontecendo, então liguei para
Fiona, avisando que deixei minha irmã encarregada de Liam e da
entrega dos móveis.

Uma vez que eu não tinha mais ninguém com quem


conversar e me encontrava sozinho com meus pensamentos, a
incerteza invadiu meu coração, afundando-se mais
profundamente no músculo a cada curva da estrada ventosa à
frente. A dúvida e o medo tornaram-se paralisantes,
estrangulando-me com um aviso que não pude ignorar.

Corra.

Não dei ouvidos às enfermeiras enquanto me sentava na


cama do hospital, deixando-as tomar meus sinais vitais. Eu mal
registrei o médico me examinando. Tudo o que eu conseguia
pensar era nela. O médico me disse que meu peito ficaria
apertado por alguns dias, mas ficaria bem, então saí do quarto
em busca de Arabel.

— Enzo. — Uma voz profunda ecoou pelo corredor, e eu me


virei, ficando cara a cara com o homem que não apenas amava
como um pai, mas que era parcialmente responsável pela
existência da minha filha. Eu podia ver como alguém tão bonito
poderia vir do melhor homem que conheci. — Ela está bem? —
George correu para mim, envolvendo-me no abraço paternal que
eu não sabia que precisava.

Eu o abracei de volta por um momento antes de me afastar


e correr meus dedos pelo meu cabelo, espalhando minha
ansiedade em cada fio. — Eu não sei, eles não me deixam vê-la.

A sobrancelha de George franziu e seus olhos se estreitaram


de raiva. — Foda-se isso. Vamos lá. — Ele virou e se dirigiu para
uma mulher vestida com um uniforme verde, digitando em um
teclado na estação de enfermagem. Fiquei alguns metros atrás,
observando-o assumir o comando com sua habitual autoridade
calma. Aquela que faz todo mundo calar a boca, ouvir e fazer o
que ele mandou. Depois de um minuto, ele se virou, voltando na
minha direção. — Vamos, o quarto de Arabel fica no final do
corredor.

Minhas pernas tremiam, tornando difícil ficar de pé. — Ela


está acordada?
— Não. Ela ainda está inconsciente. A enfermeira disse que
o médico nos dará uma atualização em breve. — George olhou
para mim, seus olhos refletindo minha preocupação. Ele colocou
a mão no meu ombro, apertando-o suavemente e me confortando
quando deveria ser eu o confortando. — Vamos. — Ele soltou meu
ombro e retomou sua caminhada em direção ao quarto de Arabel.

Eu balancei a cabeça e me virei para seguir, mas algo


impediu que minhas pernas se movessem. Meu peito apertou
enquanto eu o observava. As batidas do meu coração ecoaram
tão alto em meus ouvidos que não pude ouvir mais nada. Enfiei
as mãos nos bolsos na tentativa de evitar que tremessem, mas foi
inútil.

E se ela morresse? E se ela nunca acordasse? Achei que não


conseguiria lidar com mais perdas em minha vida. Eu não queria
ser abandonado novamente. Eu não queria que ela morresse
antes de ter a chance de amá-la.

Corra.

— Eu não posso fazer isso. — Minha voz saiu embargada e


carregada de covardia, mas George me ouviu. Ele parou de andar
e se virou para mim. Estávamos a pelo menos seis metros de
distância, e ainda assim, eu podia sentir sua lâmina afiada de
decepção como se ela me apunhalasse no coração.

— Eu sinto muito, George. Eu só... isso é demais. — E eu


sou um covarde que não merece você ou sua linda filha.
Ele cerrou os punhos, a mandíbula dura e uma tempestade
se formando em seus olhos. — Eu acho que você deveria ficar.

Minha respiração acelerou enquanto nos encarávamos. —


Eu não posso — sussurrei em derrota.

— Por quê?

Eu cerrei meus olhos, incapaz de olhar mais para ele. —


Você sabe porquê.

Minha coluna vertebral desmoronou, uma vértebra de cada


vez, enquanto ouvia os passos de George se distanciarem cada
vez mais de mim, sua decepção era tão grande que ele nem
mesmo disse adeus.

Isso me fez me arrepender de ter me envolvido com sua filha,


mesmo que não soubesse quem ela era até aquela noite no meu
workshop. Saí do hospital com o rabo entre as pernas, e minha
auto aversão a aplaudir no peito por ter vencido.

E ganhou. Porque não pude ficar. Ficar significava deixá-la


entrar. Ficar significava deixar o amor entrar, porque não havia
nenhuma fodida maneira que eu pudesse estar perto dela e não
querer amá-la. Mas meu amor era insuficiente e minhas aflições
muito escuras e vis. E sempre que eles inevitavelmente
apareciam, eu a perderia e perderia George.

Sim, essa foi a coisa certa a fazer para todos os envolvidos.


Todos menos eu.
ALGO FEZ CÓCEGAS EM MEU NARIZ. Tentei abrir os olhos, mas
apenas um deles obedeceu. Eu estremeci, piscando algumas
vezes para me ajustar às luzes fluorescentes atacando minha
pupila funcional, e intensificando minha já forte dor de cabeça.
As cócegas no meu nariz persistiram, então levantei meu braço,
deixando-o cair de volta quando a dor atingiu meu cotovelo. Meu
corpo inteiro doía como se tivesse sido esticado com um
dispositivo de tortura medieval.

— Ugh — eu gemi, me arrependendo quando uma dor aguda


percorreu minhas cordas vocais.

Ótimo, dói até falar.

Olhei ao redor do espaço, reconhecendo a aparência típica


de um quarto de hospital. As imagens do fogo invadiram minha
mente, piorando a dor em meus pulmões e queimando minhas
narinas. Virei minha cabeça para o lado e engasguei quando
avistei meu pai, afundado em uma cadeira ao lado da cama, e
compreendi que estava confinada por tubos, agulhas e máquinas.
— Papai? — Eu murmurei. Foda-se essa dor.

Seus olhos se abriram e ele pulou da cadeira, ficando ao


meu lado e apertando minha mão com a sua. — Cherry Berry,
estou aqui. — Seus olhos nadaram com ternura.

— O que aconteceu?

— Houve um incêndio, você inalou muita fumaça e


desmaiou antes de ser puxada para fora de casa.

A casa.

Eu apertei sua mão com todas as minhas forças, olhando


para ele com um olho em pânico. — A casa! — Eu gritei através
da queimação na minha garganta.

Ele se inclinou, dando um beijo no topo da minha cabeça.


— Shhh, está tudo bem. O dano foi contido na lavanderia e no
corredor. O resto da casa está intacto. Vamos consertar tudo. —
E lendo minha mente, ele acrescentou: — Liam também está
bem. Ele foi levado ao veterinário para fazer o checkout.

— Eu perdi um olho? — Eu resmunguei.

Ele deu uma risadinha. — Não, você teve alguns danos à


córnea, então você vai ficar parecida com o Capitão Jack Sparrow
por algumas semanas.

Eu bati em seu braço e isso me doeu mais do que a ele. —


Jack Sparrow não usava tapa-olho.
— Isso é verdade. Você se parece mais com Olho-Tonto
Moody.

Eu ri — Espero não ser tão feia.

— Nunca, — papai disse, acariciando o topo da minha


cabeça. — Você tem uma queimadura de segundo grau em seu
antebraço. Não é muito grande, mas vai deixar uma cicatriz.

Eu apertei sua mão. — O que você estava fazendo na minha


casa?

— Eu não estava na sua casa.

Eu fiz uma careta. — Então, quem me tirou do fogo?

Papai olhou nos meus olhos – ou melhor, meu olho. —


Lorenzo.

MAMÃE SE MUDOU para um dos quartos de hóspedes para


ajudar a cuidar de mim enquanto eu me recuperava. Papai vinha
dirigindo quase todos os dias para me visitar, e Fiona e Liam se
recusaram a sair do meu lado. Dias se passaram e meus pulmões
pararam de doer. A queimadura no meu antebraço estava
curando bem, assim como meu olho, o que significava que eu
logo penduraria meu remendo de pirata.

Alguns dias depois, eu não era mais Olho-Tonto Moody e


minha saúde havia voltado ao normal. Nossa nova casa estava
lotada com a equipe de trabalho reconstruindo o espaço
queimado, enquanto Fiona e eu trabalhamos para deixar o lado
do retiro da casa pronto.

Os danos à lavanderia foram extensos, mas contidos. As


paredes estavam carbonizadas e a lavadora e a secadora eram
duas pilhas de metal derretido, os armários um monte de cinzas
no chão. O corpo de bombeiros determinou que durante os meses
em que a casa ficou vazia, os ratos fizeram um grande ninho
dentro da mangueira de ventilação, fazendo com que entupisse e
explodisse em chamas.

Nenhuma peça de roupa foi recuperada. Eu perdi a maior


parte do meu guarda-roupa do dia-a-dia em questão de minutos,
e Fiona estava dividindo suas roupas comigo para que eu não
andasse pela casa com meu vestido da coragem.

Fiquei chocada ao descobrir que Lorenzo salvou minha vida.


Não conseguia entender por que ele deixou o hospital antes de eu
acordar, ou por que ele não me contatou desde então. Nem
mesmo um texto. Para piorar as coisas, no dia do incêndio, ele
pediu à irmã que levasse Liam ao veterinário. Ela apareceu na
minha casa no dia seguinte com meu filhote a reboque. Foi assim
que nos conhecemos. Sem ele. Apesar do comportamento
adorável de Lorena, não tive coragem de perguntar a ela sobre
ele, mas pude ver em seus olhos que sabia de algo que a
incomodava.

Papai me contou sobre sua amizade com Lorenzo. O quão


perto eles chegaram enquanto o ensinavam a talhar. Ele me disse
para ser paciente e que ele também precisava de tempo para se
curar. Eu queria saber o que o preocupava. Eu queria que este
belo homem confiasse em mim e se abrisse. Tentei perguntar a
meu pai para obter detalhes, mas ele me dispensou com uma
risada.

— Dê um tempo a ele, não tenho dúvidas de que ele vai


deixar você entrar.

Uma pontada de dor e abandono tomou conta de meu


coração. Devíamos ir a um encontro, pelo amor de Deus. Eu
queria ligar para ele tantas vezes, meu dedo pairando sobre seu
nome no meu telefone. Mas nunca liguei, com medo de mais
rejeição e confusão. Decidi seguir o conselho de meu pai e dar-
lhe tempo. Embora não fosse fácil.

Mignon ligou e vinha quase todos os dias. Quanto mais eu


a conhecia, mais gostava dela. Ela era forte, engraçada e
amorosa. Saímos, assistimos filmes e, quando me senti melhor,
fomos fazer compras para substituir meu guarda-roupa.
Hoje, ela apareceu com um pack de Stella Artois, seu corpo
pequeno acomodado no sofá branco de pelúcia na sala de estar
do meu quarto.

— Stella é minha cerveja favorita. — Ela tirou um abridor


de garrafa de sua bolsa e me entregou.

— Você veio preparada. — Eu ri.

— Sim, eu mantenho preservativos, calcinhas limpas e um


abridor de garrafas em todos os lugares que vou. Eu odiaria
conhecer um cara sexy e não estar pronta para uma noite de
diversão. — Ela me entregou a garrafa verde gelada.

Eu não tinha amigas além da minha irmã. Uma garota


chamada Anna tinha sido uma amiga íntima durante o ensino
médio e a graduação, mas quando lhe contei sobre a agressão,
ela mudou. Ela não conseguia lidar com a escuridão e o estigma
que vinha com ela. Eu sabia que ela acreditava que era
parcialmente minha culpa, porque eu tinha ido de boa vontade
para a praia com o-idiota-que-não-tem-nome.

Doeu perder minha melhor amiga na época, ser julgada por


ela. Mas então eu percebi que ela era amiga da velha Arabel e
nunca aceitaria ou entenderia a pessoa que eu me tornei. O único
amigo que sempre ficou comigo nos bons e maus momentos foi
Ben.
Mignon e eu nos demos bem. Havia algo nela que me atraiu.
Eu vi uma lutadora. Uma alma gêmea. Ela era delicada, com seus
ossos pequenos e traços asiáticos graciosos, mas seu espírito era
resistente.

— Você sabe que Enzo estava uma bagunça real depois de


tirá-la daquele fogo, certo? — Ela me deu um sorriso triste.

— Não, eu não sei. — Dei de ombros, tentando parecer o


mais indiferente possível, mas não havia como enganar minha
nova amiga. Ela viu através do meu ato. Perguntas sobre Enzo
estavam constantemente na ponta da minha língua sempre que
Migs e eu saíamos juntas, mas nunca perguntei. E ela não o havia
mencionado nenhuma vez, até agora. — Se ele estivesse tão
preocupado, teria ficado no hospital comigo, ou pelo menos viria
me visitar quando eu chegasse em casa. — Flexionei minhas
mãos, tentando difundir a raiva borbulhando dentro de mim.

— O quê? — Seus olhos se arregalaram em choque. — Ele


não veio para ver você?

— Não. — Tomei um gole da minha cerveja, minha


mandíbula tensa e minhas narinas dilatadas. Finalmente tive a
oportunidade de desabafar a raiva e a tristeza que nutria por
causa da situação.

— Que idiota estúpido — Mignon murmurou, sua expressão


refletindo minha raiva. — É por causa da Grace. — Ela suspirou,
balançando a cabeça.
— Grace? — Eu me endireitei no sofá, deslizando para a
borda dele, minha atenção total no que ela estava prestes a
revelar.

— Eu acabei de dizer isso em voz alta? Sinto muito, não é


minha função compartilhar isso com você. Tudo o que posso dizer
é que sua vida se tornou muito complicada depois que a mãe de
Cat, Grace, decidiu não estar mais em suas vidas.

Eu não sabia o que dizer sobre isso. Eu não tinha ideia de


como era ser pai solteiro. Ser deixado para cuidar de sua filha
enquanto lida com um coração partido. Eu não conseguia
entender por que qualquer mãe deixaria seu bebê para trás.
Mesmo se Enzo não fosse o homem bom que eu sabia que ele era,
ou o relacionamento deles simplesmente não tivesse funcionado,
por que ela não levaria Cat com ela? Relacionamentos vêm e vão,
mas os filhos são para sempre. Pelo menos eles deveriam ser.

Como se estivesse lendo meus pensamentos, Mignon se


aproximou de mim e colocou a mão em meu ombro. — Dê uma
chance a ele. Eu sei que ele pode ser confuso, mas está apenas
tentando descobrir as coisas.

— As mensagens confusas são exaustivas — eu gemi,


deixando escapar um suspiro derrotado.

— Eu ouvi você, embora, você poderia dizer que não deu a


ele mensagens contraditórias também?
Suspirei. Ela estava certa. É aquele velho ditado, querer
duas coisas ao mesmo tempo. Ele deveria aceitar meu
comportamento quente e frio, mas eu não poderia lidar com o
mesmo em troca. Gostei da franqueza de Mignon. Ela não me
tratou como uma flor delicada.

— Você com certeza gosta de dar o nome certo as coisas.

Ela jogou a cabeça para trás de tanto rir. — Esta sou eu!
Pelo menos seu homem ainda está tentando. O meu nem achava
que eu merecia um adeus. Ele apenas me afastou.

Meu coração se apertou por ela. — Por que ele saiu?

— Inferno se eu sei. Nós nos conhecíamos desde que eu era


adolescente. Ele foi para a universidade com meu irmão Harry,
Ollie e Enzo, que era modelo para pagar os estudos. Sal não foi
escolhido para ser modelo, então ele ficou preso como bartender,
mas os quatro ainda eram inseparáveis. Eles eram populares e
lindos. As pessoas os chamavam de 'The London Boys'. Para uma
adolescente como eu, Sal era um astro do rock, mas ele mal sabia
que eu existia. Só anos depois.

Seus olhos brilharam, como se ela estivesse em uma terra


distante, revivendo o momento.

— Fiquei triste quando os London Boys partiram para a


América. Quando terminei meus estudos de design gráfico, pedi
a Enzo um emprego e foi assim que acabei em Tahoe.
— Quando você começou a sair com Sal?

— Bem depois de eu chegar aqui. Eu não era mais criança.


Ele finalmente me notou e me perseguiu contra a vontade de
Harry. — Ela revirou os olhos. — Estivemos juntos por dois anos
e, então, um dia, ele pediu a Enzo uma transferência para um
dos resorts no norte da Itália. Liguei para ele por semanas, mas
ele nunca atendeu.

— Merda.

— Com “M” maiúsculo. Espero que ele volte um dia para


que eu possa socar seu lindo rosto de merda.

Rimos e bebemos mais cerveja, mas por dentro, eu estava


magoada e com medo. Enzo faria do jeito que Sal fizera com
Mignon? Sua ausência me disse que ele já tinha.
CHEGUEI AO PORTÃO ansioso para ver os cavalos. Eles foram
entregues há alguns dias, e eu finalmente estava começando a
visitar. Lorena levou Alfie para conhecê-los e as coisas correram
bem. Ele era obcecado por tudo que havia para saber sobre cada
raça e tinha um carinho especial pela Duquesa, a égua dourada.

Minha respiração engatou quando passei pela casa de


Arabel. Encontrá-la envolta em fumaça e inconsciente no chão
me abalou profundamente. Eu disse a mim mesmo por mais de
quatro anos que não amaria novamente. E o fogo da secadora
reforçou essa convicção. Segurar seu corpo flácido em meus
braços era muito assustador. Eu era um bastardo covarde por
partir, e me doeu imaginar o quanto ela provavelmente me odiava
agora que viu minhas verdadeiras cores, mas esperava que um
dia entendesse que fiz isso por ela. Talvez um dia possamos ser
amigos.

Cat me perguntou sobre Arabel várias vezes. Ela me


perguntou se Arabel tinha me ajudado a encontrar minha
felicidade. Isso quebrou meu coração. Eu não sabia como dizer a
ela que meu coração era irreparável. Como dizer a ela que estava
muito fodido e com muito medo de lhe dar uma mãe?

Estacionei meu Range Rover em frente aos estábulos,


chateado e aliviado por não ter encontrado Arabel. Estava
ensolarado, um raro dia quente para o inverno em Lake Tahoe.
Uma camiseta de mangas compridas e um moletom eram o
suficiente.

Entrei nos estábulos distraidamente, procurando pelas


espécies majestosas quando uma voz me parou no meu caminho.

— Você é uma garota tão bonita. Vamos ser melhores


amigas.

Minha respiração acelerou, meu cérebro reconhecendo a voz


que agraciou meus ouvidos. O medo agarrou minha garganta
enquanto a luxúria insuportável se espalhava pela minha
espinha, meu pau imediatamente ganhando vida.

Deus, esta mulher tinha muito poder sobre mim.

Eu caminhei em direção ao som, parando quando avistei


Arabel de pé na ponta dos pés e coçando as orelhas de Athena,
que relinchou de prazer, incitando Arabel a continuar esfregando.
Eu me inclinei na parede ao lado da cabine, o núcleo da minha
força de vontade caindo como um robe de seda, me deixando nu
e faminto por ela.
— Você está relinchando para mim? Você adora ser
esfregada atrás das orelhas assim? — Ela esfregou o cavalo um
pouco mais, e Athena relinchou de novo, fazendo Arie rir, o som
tão bonito que eu queria gravar em meu tímpano e fazê-lo tocar
em loop pela eternidade.

— Mal posso esperar para montar em você, linda garota. —


Disse ela à Athena.

— Mmmm, mal posso esperar para montar você também. —


As palavras saíram de meus lábios sem aviso, a cautela
desaparecendo junto com a minha força de vontade. Eu não era
forte o suficiente para amá-la completamente, mas era ainda
menos capaz de lutar contra a energia dominante que me puxava
para ela.

Arabel saltou e gritou, virando-se para me encarar com uma


mão segurando seu medalhão, e a outra mirando um spray de
pimenta no meu rosto, seus olhos selvagens com surpresa e
terror.

— Lorenzo! — ela gritou, sua respiração rápida e superficial.


O medo em seus olhos parecia extremo.

— Eu sinto muito. Não queria te assustar. — Minha voz


soou arrependida e apologética, meu pau imediatamente
murchando nas minhas calças. Eu não sabia o que queria dessa
situação, já que as palavras saíram da minha boca
inesperadamente, mas tinha certeza que não era isso.
— Hum... está tudo bem. — Ela me deu um sorriso fraco.
Sua mão voltou, segurando uma pequena garrafa âmbar. Ela
evitou meus olhos, desatarraxando a tampa com as mãos
trêmulas antes de trazê-la ao nariz e respirar o mais fundo
humanamente possível.

Eu apertei os olhos para ler a garrafa.

Óleo essencial de lavanda. O cheiro que viveu em meu nariz


desde que a conheci. Eu a observei fechar os olhos e inalar o forte
aroma floral várias vezes, sua respiração desacelerando a cada
ingestão de seus pulmões. Isso a acalmou. Algo sério a angustiou
e uma necessidade enorme de descobrir me atingiu.

Após um minuto observando seu peito desacelerar, ela


olhou para mim, seus olhos oceânicos pesados de tristeza e
vergonha.

— O que aconteceu com você? — Aproximei-me dela,


parando a alguns metros de distância. O corpo de Arabel
enrijeceu, os olhos arregalados e os lábios apertados, antes de ela
se desvencilhar, deixando cair uma cortina de fingimento entre
nós.

— O quê? — Ela acenou com a mão com desdém, sua voz


falsa e desligada enquanto saia da baia de Athena. — Você
apenas me assustou, só isso. — Sua risada nervosa irritou meus
nervos. Era falso e me recusei a retribuir.
— Você carrega óleo de lavanda e spray de pimenta no bolso
para onde quer que vá? — Meu tom foi mais duro do que eu
pretendia porque essa mulher me fez sentir todas as emoções sob
a pele.

Sua fachada derreteu, suas feições agora graves. Ela enfiou


as duas mãos nos bolsos, ganhando algum tempo. — Sim — ela
finalmente disse, seu olhar focado no chão.

— Por quê? — Não consegui me impedir de bisbilhotar,


apesar de seu óbvio desconforto.

Ela olhou para mim, seus lábios franzidos em uma linha


fina. — Eu não quero falar sobre isso. — Foi um apelo que
amoleceu meu coração, mas não me impediu de descobrir sua
verdade. Eu me aproximei, seus olhos olhando para mim e
brilhando com lágrimas não derramadas. Corri as costas da
minha mão em sua bochecha.

— Por favor, me diga o que aconteceu com você? — Minha


voz saiu mais suave desta vez.

Ela baixou o olhar para o chão novamente, mas não disse


nada. A necessidade de saber me queimava. Por que eu quero
saber? Curiosidade mórbida? Eu queria que ela me deixasse
entrar quando eu não estava disposto a deixá-la entrar?

Cristo, você é um hipócrita.


Sua cabeça se ergueu lentamente. — Se eu te contar o que
aconteceu comigo, você vai me contar o que aconteceu com você?

Eu congelei, o peso da minha hipocrisia queimando um


buraco no meu peito. — Isso não é justo — gaguejei,
estremecendo com a minha idiotice.

Seu rosto fez uma careta de desgosto, e ela deu alguns


passos para longe de mim. — Por quê?

— Porque não estou pronto. — Minha resposta foi rápida e


firme.

— Nem eu — ela zombou.

— Não é a mesma coisa, — argumentei, sabendo que ela


estava certa. — Não estou andando por aí em pânico com spray
de pimenta e óleos calmantes nos bolsos.

Uma risada amarga retumbou em seu peito enquanto ela


caminhava em minha direção. — Não, você simplesmente
encanta as pessoas e salva suas vidas, apenas para abandoná-
las no hospital e nunca mais falar com elas! — Ela balançou as
mãos abertas na frente do rosto, furiosa.

— Eu não te abandonei. Eu te deixei com seu pai.

— Oh, porque isso torna tudo melhor. Quase morri e você


me salvou, mas não se preocupou em me verificar nenhuma vez.
Como você acha que isso me fez sentir?
— Arabel, pare de dar voltas — gritei de volta. — Essa
conversa não é sobre mim. É sobre você estar apavorada com
tudo, especialmente...

— Eu fui estuprada! — Ela gritou com toda a força de seus


pulmões, fazendo-me cambalear para trás como se tivesse me
dado um soco no rosto. — Eu fui estuprada! É isso que você
queria ouvir!?
LORENZO FICOU na minha frente com os punhos cerrados ao
lado do corpo, o rosto pálido. Cada músculo de seu corpo parecia
rígido, sua mandíbula tão tensa que temi que fosse quebrar. Ele
parecia tão zangado, e comecei a me arrepender de ter revelado
meu segredo. Mas queria contar a ele. Precisava contar a ele.

Respirei fundo, fechando meus punhos nos bolsos do meu


moletom e engolindo em seco enquanto me preparava para
compartilhar a escuridão do meu passado. Baixei meu olhar para
o chão, incapaz de olhar para ele enquanto soltava todas as
palavras. — Quando eu tinha vinte e sete anos, minha vida
parecia realmente opressora. Eu só via pacientes há cerca de um
ano e meio e parecia que minha vida não passava de uma
responsabilidade constante. Eu odiava isso. Eu tive dificuldade
em ouvir os problemas das outras pessoas por horas todos os
dias e não levar toda essa merda para casa comigo. — Dei de
ombros. — Quer dizer, eu tentei não fazer, mas levei para casa
mesmo assim.
Eu olhei para cima e o encontrei olhando para mim com tal
intensidade que deixei cair meu olhar para o chão novamente,
com medo de não ser capaz de continuar se olhasse em seus
olhos tempestuosos. Eu limpei minha garganta. — Lembro-me
que era um domingo quando Fiona, Ben e eu nos encontramos
com amigos em North Beach para jantar e beber em algum
restaurante italiano. Fiquei feliz por esquecer tudo o que
acontecia na minha vida e apenas... desabafar. Eu fiquei bêbada,
todos nós ficamos, e eu, eu conheci esse cara. Ele era italiano e...
charmoso. — Mordi nervosamente o lábio inferior, tentando
conter a ansiedade que sentia cada vez que pensava naquele dia.
Mas não adiantou, porque cada parte de mim tremia de
apreensão. E se isso for um erro? E se contar a Enzo não tivesse
o efeito libertador que eu esperava, mas, em vez disso, me
mandasse de volta para aquela noite de merda, desfazendo todo
o progresso que fiz nos últimos anos. A possibilidade de Enzo não
ser capaz de lidar bem com isso alimentou o pânico em meu peito.
Que ele veria o quão fodida eu realmente estava e decidisse que
não queria nada comigo.

Os bons não gostam de garotas arruinadas.

Eu fechei meus olhos com força. Urgh! Pare!

Saia da minha cabeça!

Eu respirei e continuei. — Eu gostei dele imediatamente


porque não era meu tipo usual. Ele era grande com tatuagens,
botas de combate e um incrível sotaque italiano. Ele parecia
robusto e meio perigoso. Eu acho que naquela época perigo
parecia bom, porque realmente não acho que ele iria ser perigoso.
Eu apenas pensei que seria... divertido. — Minhas mãos
começaram a suar. Meu coração começou a bater cada vez mais
rápido no meu peito. Eu queria chorar, mas fiz o meu melhor
para permanecer forte.

— Era quase meia-noite quando o restaurante fechou e era


hora de ir embora, mas ele me pediu para ficar com ele e... eu
fiquei.

Uma bola de pavor se estabeleceu em meu intestino


enquanto as memórias inundavam meu sistema. Comecei a
andar, esfregando minhas mãos úmidas no meu moletom. — Eu
só queria ser outra pessoa por uma noite. — Parei e olhei para
Lorenzo, balançando a cabeça enquanto levava a palma da mão
ao peito. — Eu só queria ser uma mulher que queria se divertir
com um cara e se soltar por uma maldita noite, sabe? — Eu
levantei um dedo, incapaz de esconder a crueza em minha alma.
— Eu não tinha ideia... — Eu parei, minha voz quebrada quando
a dor voltou e torceu minhas entranhas.

Os olhos de Enzo brilharam de desespero. Ele deu um passo


em minha direção, mas levantei a mão para detê-lo. Ele parou
com relutância. — Arabel, você não precisa falar sobre isso.
Eu limpei minha garganta. — Oh, mas eu quero. — Limpei
uma lágrima solitária do meu rosto com um puxão raivoso da
minha mão. — Eu realmente quero. Eu preciso tirar isso, por
favor.

Lorenzo me deu um breve aceno de cabeça.

Respirei fundo e retomei meu ritmo. — Estávamos bêbados


e uns sobre os outros, tropeçando na rua. Ele tinha uma Ducati
e eu estava muito animada. — Eu deixei escapar uma risada
amarga. — Ele nos levou a um local isolado em Ocean Beach,
atrás de um penhasco rochoso para que pudéssemos ter
privacidade total.

Uma onda de náusea me atingiu quando me lembrei da


brisa fresca e suave soprando o cheiro do oceano e de algas
marinhas em meu nariz e misturando-o com o cheiro de sua
colônia. Um arrepio me percorreu quando meu corpo se lembrou
do cheiro que eu mais odiava neste mundo. — Sentamos na areia
e ele me beijou.

Eu tranquei os olhos com Enzo. Ele olhou para mim por um


longo momento, sua mandíbula tensa e respirando rapidamente.
— O que aconteceu a seguir, Arabel? — Ele resmungou, sua voz
áspera e baixa.

Apreciei seu empurrão porque significava que ele entendeu


minha necessidade de falar sobre isso. — Eu o beijei de volta e,
naquele momento, esqueci quem eu era, esqueci os problemas de
todos, inclusive os meus. Mais tarde, ele puxou um saco cheio de
pó branco. No começo, eu estava tipo, 'que porra é essa? Eu não
quero isso, o que você está fazendo? ' Mas ele disse: 'Vamos, bella
Arabella, só um pouquinho, não é grande coisa, só vai animar
você, além de fazer o sexo parecer dez vezes melhor.' Ele me
convenceu com seu sorriso estúpido, e eu fui em frente.

Enzo fechou os olhos, franzindo os lábios em uma linha fina.


Ele parecia tão chateado. — Bella Arabella — ele sussurrou, seus
olhos ainda fechados.

Meu coração se contorceu em um milhão de nós quando


percebi por que ele estava tão chateado. — Enzo, você não sabia,
não é sua culpa.

Ele soltou um suspiro dolorosamente longo. — Apenas


continue.

Eu o encarei por alguns segundos, sem saber se era justo


para ele continuar. Mas eu sabia que essa era uma conversa
importante que precisávamos ter. — Certo. — Eu expirei um
pouco de tensão pela boca. — Eu sabia que era errado concordar
em experimentar a coca, mas não queria dizer não a ele. Era
como... eu estava sozinha. Eu tinha minha irmã e amigos, mas
ainda me sentia sozinha.

Meus lábios começaram a tremer e minha voz estava cheia


de dor. — Eu precisava sentir, o que é totalmente irônico porque
a cocaína faz o oposto. Não te faz sentir. — Minha voz ficou
estridente. Minhas palavras saíram mais rápido do que eu
pretendia. Meus braços se agitaram por todo o lugar enquanto eu
andava na frente das baías. — Isso faz você se sentir invencível e
não dar a mínima para nada ou ninguém então, nem sei que
porra é essa... eu... — Eu soltei uma risada sarcástica,
balançando a cabeça com pesar. — Eu fiz isso. Ele jogou um
pouco do pó nas costas da mão e eu cheirei, porra. — Meu
estômago ficou enjoado, lembrando da substância química
amarga queimando meu nariz antes de pingar em minha boca e
fazer minhas gengivas dormentes. — Ficamos muito chapados e
eu… gostei muito. — A vergonha por aceitar e gostar de drogas
invadiu meu peito, mas fiz o possível para afastá-la. Eu não podia
voltar no tempo, então meu constrangimento foi inútil. — Ele
parecia feliz e orgulhoso de mim por ter feito isso. Eu deveria ter
visto naquela época como era fodido alguém se orgulhar de mim
por usar drogas.

Eu olhei para o teto alto do celeiro com minhas mãos nos


quadris, ofegando por ar e tentando reunir coragem para contar
a ele o que aconteceu a seguir. Eu olhei de volta para ele. — As
coisas começaram a ficar, hum, intensas, mas a cada poucos
minutos ele cheirava um pouco mais de coca. Ele me ofereceu
mais, mas eu recusei. Ele estava fazendo tanto disso que comecei
a surtar. Pedi para ele parar, mas ele não quis ouvir. — Lembrei-
me de como o idiota ficava me calando com beijos antes de tirar
minha legging e saia e... porra! Ter que me lembrar daquela noite
fez cada parte do meu corpo doer tanto que eu queria fugir e
desaparecer. Mas esse era Lorenzo, e ele valia a pena meu
desconforto.

— Ele ficou tão alto que começou a se mexer, ranger os


dentes, balançar as pernas. Sua mandíbula continuou indo da
esquerda para a direita. Ele ficou todo agressivo. Muito agressivo.
A mudança foi tão drástica que me assustou pra caralho. Em um
minuto ele estava charmoso, no minuto seguinte ele estava...
enlouquecido. Foi assustador.

Minha voz falhou, então me concentrei em respirar fundo


pela boca, tentando acalmar o caos em meu coração e corpo.

— Não tenha pressa. Você pode terminar de me dizer mais


tarde — Enzo disse em uma voz estrangulada.

Eu balancei minha cabeça vigorosamente. — Não. Eu tenho


que passar por isso, Enzo. Isso tem me assombrado há anos.

Ele me deu outro aceno curto.

O grande nó na minha garganta me fez lutar para falar. —


Porra! — Gotas frias de suor umedeceram meu rosto, obrigando-
me a enxugá-lo com as mangas do moletom. — Ele me pediu para
chupa-lo, mas eu recusei, dizendo que mudei de ideia e queria ir
para casa. Ele me puxou pelo cabelo, tentando forçar meu rosto
em direção a sua virilha nua. Eu disse não e tentei fugir. Ele
gritou, 'abra a porra da boca, boceta!' de novo e de novo.
Engoli em seco, segurando o medalhão da minha avó com
as duas mãos para impedi-los de tremer. — Tudo aconteceu
muito rápido. A próxima coisa que eu soube foi que ele... ele
estava me agarrando pelos tornozelos e me arrastando para trás
da porra das pedras. Lembro-me da areia e conchas queimando
e cortando minha barriga, e lembro-me de cravar minhas unhas
nelas, tentando tanto lutar, para escapar, mas ele era grande e
forte e continuou me arrastando até que estivéssemos escondidos
do mundo. — Eu não conseguia mais me conter. Doeu muito.
Cobri meu rosto com as mãos e chorei. As lágrimas se tornaram
uma cachoeira imparável que quebrou a barragem que eu
construí em torno de minhas emoções para que pudesse
funcionar. Meus ombros tremeram incontrolavelmente enquanto
eu vivia o terror daquela noite novamente. Fiquei quieta por um
tempo, os únicos sons era o meu choro e fungadas.

— Arabel. — Enzo quebrou o silêncio, sua voz tensa como


um elástico prestes a se romper.

Eu endireitei minhas costas e soltei um suspiro trêmulo. —


Só... me dê um segundo, — choraminguei, virando as costas para
ele enquanto tentava desesperadamente manter minha merda
sob controle por tempo suficiente para superar isso. — Ele subiu
em cima de mim e eu estava chorando e gritando, dizendo 'por
favor, pare!'. Mas ele não parou. Ele tentou enfiar a camisa na
minha boca. Tentei chutar seu estômago. Tentei empurrá-lo.
Tentei implorar. Eu tentei de tudo. Eu o empurrei novamente, e
ele deu um passo para trás. — Eu me virei e olhei para Enzo. —
Esse foi o meu momento. Eu pensei, posso fazer isso! Posso fugir
desse idiota! Então, corri, mas... eu não corri rápido o suficiente,
— eu chorei, o peso do passado fazendo minha cabeça inclinar.
— Eu gostaria de ter corrido rápido o suficiente. Eu estava tão
brava, — falei com os dentes cerrados. — Eu só ficava pensando,
por que diabos eu sou tão baixa, por que eu tenho que ter pernas
tão curtas? — Um grito angustiante saiu do meu peito. — Eu não
conseguia me defender. Eu não poderia me defender.

Cobri meu rosto com as duas mãos enquanto meus soluços


se intensificaram. Minhas pernas estavam bambas, então me
sentei em um fardo de feno. Enzo se apressou para o meu lado,
ajoelhando-se no chão à minha frente. — Arie, olhe para mim, —
ele sussurrou. Eu coloquei minhas mãos em minhas coxas, e ele
rapidamente as apertou em suas grandes e quentes. — Você não
tem que fazer isso consigo mesma. Se eu soubesse que perguntar
a você sobre seu passado seria tão perturbador, teria mantido
minha boca fechada. Eu sinto muito.

Eu balancei minha cabeça, virando minhas palmas para


cima e entrelaçando meus dedos com os dele. — Não, Enzo. Eu
vivi com isso por muito tempo. Isso aconteceu anos atrás, mas a
voz daquele idiota nunca saiu da minha cabeça, e estou farta
disso. Ele ainda controla minha vida. Ele fica empoleirado no
meu ombro toda vez que estou com você, lembrando-me que sou
mercadoria danificada. Fazendo-me acreditar que ninguém pode
me amar. Estou cansada de deixá-lo vencer.

Ele olhou para mim com as sobrancelhas franzidas. Uma


mistura de emoções agitou em seus olhos que variavam de
preocupação a raiva e compreensão. Ele não disse nada, apenas
balançou a cabeça e se levantou, esfregando a mão sobre a barba
por fazer enquanto esperava que eu continuasse.

Eu também me levantei, retomando meu ritmo para liberar


um pouco da ansiedade que corria por mim. — Ele agarrou-me
pelos cabelos e arrastou-me para trás das rochas. Minha cabeça
doía muito, parecia que ele estava arrancando meu couro
cabeludo. Eu gritei. Eu apenas gritei e implorei e disse, 'por favor,
pare, não faça isso, por favor, pare.' Ele apenas riu como um
maníaco e disse, 'cale a boca. Você merece isso, vagabunda. ' Ele
me jogou na areia e enfiou a porra da camisa na minha boca.
Tentei fugir novamente. Eu bati minha bota em seu rosto e o fiz
sangrar, então ele me deu um soco no queixo, rindo. Mas eu me
recusei a desistir, então ele continuou socando, me chamando de
prostituta rica e estúpida. Cobri meu rosto com as mãos, então
ele começou a me socar no estômago e nas pernas. Lembro-me
de chorar tanto que meu nariz ficou todo entupido e, como estava
amordaçada, mal conseguia respirar. Seus chutes eram tão
dolorosos que parecia que ele estava me partindo ao meio. Ele
apenas continuou rindo e me dizendo que eu merecia por ser uma
vagabunda do caralho.
Meu peito arfou violentamente, mas continuei. A barragem
estava rompida e não havia como impedir a enchente. — Eu
continuei me contorcendo, tentando lutar contra ele. Ele puxou
algum tipo de faca, e a próxima coisa que eu sabia, minhas coxas
estavam em chamas. Ele disse, 'Bella Arabella, se você parar de
tentar resistir, você pode até gostar.' Eu não queria parar de
lutar, mas a dor era insuportável e eu estava tão cansada. — Meu
corpo todo tremia com meus soluços. — Eu não sabia mais quem
eu era, sabe? Tipo, comecei a pensar que talvez eu merecesse sua
punição. Eu nem sabia por que, porque não fiz nada de errado,
mas foi como se começasse a acreditar no que ele estava dizendo.
Comecei a acreditar que era uma puta e merecia isso.

Limpei meu rosto com a manga do capuz e Lorenzo voltou


para mim. Ele permaneceu imóvel. Seu corpo estava tenso, e a
tristeza em seus olhos arranhou meu coração. Ele parecia querer
correr para o meu lado, talvez até mesmo me impedir de
continuar. Em vez disso, ele ouviu, e eu fiquei muito grata por
isso porque precisava ser ouvida e não queria que ele dissesse ou
fizesse nada até que eu terminasse.

— Eu não sei quanto tempo fiquei lá enquanto ele me


socava, chutava e me cortava, mas eventualmente, ele parou, e
eu fiquei parada, esperando que ele simplesmente fosse embora.
Ainda posso sentir a areia e provar o sangue na boca. Ele olhou
para mim e disse: 'Eu deveria tirar algumas fotos como
lembrança. O que você acha disso, sua vadia? ` Ele me deu uma
surra de merda, Enzo! Quebrou a porra da minha cara e quis
tirar fotos para guardar como troféu. Quem diabos faz algo
assim?! — Gritei cada palavra, a fúria emanando de meu corpo
tão poderosa que até os cavalos ficaram inquietos. Eu chutei um
fardo de feno repetidamente, espantado com a quantidade de
raiva que emanava de mim. Como isso poderia doer tanto, tantos
anos depois? Como poderia ser tão fresco? Tão cru?

— Mas é claro, ele não foi embora. Ah não. Você sabe o que
ele fez? Ele me virou, me segurou e me estuprou. — Minhas
pernas cederam e desabei no chão coberto de palha. Doeu muito
falar sobre isso. Eu trouxe meus joelhos ao meu peito e enterrei
meu rosto entre eles até que pudesse falar novamente. Queria
olhar para Enzo, mas não consegui.

— Eu parei de chorar. Eu apenas fiquei lá e o deixei fazer


isso. Ele venceu. Ele ficava dizendo: 'Você está gostando disso,
não negue'. Eu não conseguia nem abrir os olhos, mas estava
grata por isso porque a escuridão parecia melhor do que o que eu
sabia que veria se os abrisse. Ele me estuprou por horas, como
um animal. Difícil. Doeu muito. Quando ele terminou comigo,
disse: 'Os garotos bons não gostam de garotas arruinadas.' Você
já ouviu palavras tão cruéis saindo da boca de alguém? Ele me
arruinou pra caralho, Enzo! Eu fiquei entorpecida, como se
estivesse flutuando. Não conseguia sentir nada. Eu não era
Arabel. Não era humana. Não era nada. — Minhas lágrimas
começaram a diminuir, e o frio no ar teve um efeito calmante em
mim. Eu tinha chegado tão longe. Poderia terminar essa história
e, com sorte, me livrar da porra do demônio no meu ombro. Com
sorte, conseguiria finalmente relaxar em torno do homem bonito
e gentil parado na minha frente.

— Depois que ele acabou de me estuprar, puxou a mordaça.


Eu o ouvi se afastar e rezei para que ele fosse embora para que
eu pudesse morrer sozinha. Mas ele voltou, cutucando minha
perna com a bota, provavelmente para verificar se eu ainda
estava viva. Eu mal conseguia abrir os olhos, mas quando o fiz,
ele estava de pé sobre mim, olhando para mim com olhos loucos.
Eu disse a ele que minha família o encontraria. Eu disse que ele
pagaria pelo que fez comigo. Eu estava tão fraca que mal
conseguia pronunciar as palavras, mas consegui. Eu não pude
evitar. Ele ficou com tanta raiva que se lançou sobre mim e
começou a me estrangular. Ele apertou meu pescoço com tanta
força que eu não conseguia respirar. Nunca vou esquecer o que
ele me disse: ‘Não se preocupe vadia, vou garantir que você nunca
mais fale’.

— A pressão em volta do meu pescoço era tão grande que


eu sabia que estava prestes a morrer. Pensei em meus pais e na
minha maravilhosa irmãzinha e implorei que me perdoassem por
querer ser outra pessoa por algumas horas, por querer escapar
da minha vida e me colocar em perigo. Fechei os olhos e parei de
lutar. Eu só... parei.
A culpa consumidora que pensei ter deixado para trás
voltou com tudo, e me esforcei para manter minha voz forte. Levei
muito tempo para entender que, mesmo que eu tivesse ido
voluntariamente para aquela praia, o que aconteceu não foi
minha culpa, e eu não merecia. Ninguém merecia. Não importa o
quão disposta eu estava antes de dizer não. Eu endireitei meus
ombros e afastei a culpa perdida.

— Ele soltou meu pescoço, vomitando: 'Cadelas mortas não


falam'. Ele pensou que eu estava morta. Ele me deixou seminua
atrás daquela rocha e levou minha dignidade com ele. Eu queria
morrer. Eu estava entorpecida, fraca e com frio. — Meus olhos se
fecharam por conta própria e dei boas-vindas à escuridão.

Fiz uma pausa, enxugando mais lágrimas do meu rosto,


embora minha voz soasse mais forte, e eu estava mais calma por
dentro. Finalmente olhei para Enzo novamente. Seu rosto estava
marcado com tanta dor e raiva. E quando nossos olhares se
encontraram, eu vi as lágrimas escorrendo pelo seu rosto, não
uma ou duas, mas um fluxo completo delas. Ele não tentou
limpá-las. Ele apenas ficou parado e continuou ouvindo.

— O sol nasceu e eu estava com muita dor. Ainda estava


viva, e isso me irritou. Ouvi vozes, mas meu rosto estava tão
inchado que não conseguia abrir os olhos. Alguns caras vieram e
ficaram dizendo, 'Você está bem? Você está bem?' Eu estava nua,
então eles me cobriram com alguma coisa. Eu não me mexi nem
falei. Estava em choque. Trancada profundamente dentro de
mim. Eles devem ter ligado para o 911 porque os paramédicos
vieram e me levaram para o hospital. Eu tinha cortes por todas
minhas coxas, meu rosto estava mutilado e hematomas
profundos e escuros cobriam todo o meu corpo. — Não tive
coragem de dizer a Enzo que ele me estuprou tão brutalmente
que meu útero também estava preto e azul.

Respirei fundo algumas vezes enquanto o calor da paz


começou a crescer dentro de mim. Eu me senti mais leve e
orgulhosa de mim mesma por ter contado a ele. Aquela noite foi
a pior da minha vida e demorei muito para me recuperar. Uma
parte de mim nunca vai se recuperar e nunca vou esquecer. Mas
talvez agora que deixei tudo sair, pudesse assumir o controle do
meu destino novamente. Talvez sua voz estúpida finalmente me
deixasse em paz.

E talvez, eu conseguisse ter algo significativo com Enzo. Ou


seja, se ele ainda me quisesse.
A GARGANTA DE ARABEL SE expandiu quando ela engoliu em
seco, segurando seu medalhão com as duas mãos enquanto
trabalhava para regular sua respiração. Seu corpo estava tenso.
Seus olhos transmitiam dor tão alto que soava em meus ouvidos
e ressoava em meu coração. Seus olhos azuis do oceano
brilharam com ondas de lágrimas, mas ela se recusou a
continuar chorando. Ficou ereta e estoica depois de contar o pior
momento de sua vida.

Ela era tudo que eu não era. Fiquei na frente dela, minha
expressão dura, mas minhas entranhas desmoronando. Limpei
as lágrimas do meu rosto com as mãos, oprimido demais para me
preocupar em chorar na frente dela. O cheiro forte e argiloso de
cavalo que eu sempre amei misturado com o fedor imundo da
depravação humana, fazendo meu estômago revirar. A bile subiu
de minhas entranhas e a engoli, esperando que ela não
percebesse e confundisse meu ódio com aquele estuprador filho
da puta, como nojo por ela. Porque o que eu senti foi exatamente
o contrário. Eu queria abraçá-la, confortá-la, amá-la.
Mas a raiva e o sentimento de inadequação não me
permitiram. Esta não foi a minha primeira vez lidando com a dor
de um ente querido que foi abusado sexualmente. Mesmo assim,
eu ainda não conseguia descobrir como um homem deveria lidar
com esse tipo de situação. Como eu deveria lidar com isso? O
estupro foi difícil o suficiente, mas quando combinado com o fato
de que o estuprador bateu nela até quase a sua morte, tornou-se
demais para a minha força emocional suportar. Eu não sabia
como ser forte o suficiente para ela. Não queria que ela se
tornasse mais uma mulher com quem falhei.

A covardia interna a que me acostumei desde Grace agora


era agonizante. Corroeu minha alma, deixando buracos onde a
coragem deveria estar. Seus olhos imploraram para que eu
dissesse algo, fizesse algo. Mas como eu não podia dar a ela o que
queria, dei minhas costas, caminhando lenta e deliberadamente
até um banco de fardo de palha na outra extremidade dos
estábulos. Minhas pernas vacilaram quando me abaixei, as mãos
agarrando meus joelhos para evitar que meu mundo girasse fora
de controle. Abaixei minha cabeça enquanto as imagens
passavam pela minha mente, me fazendo estremecer. Imagens de
Arabel sendo esmurrada, chutada, cortada e violada.

Foi demais.

Eu me perguntei como George deve ter se sentido quando


descobriu. A dor torceu meu coração quando as fotos de Arabel
em uma situação tão insondável foram substituídas pelo rosto da
minha irmã e depois pelo rosto da minha filha. A realidade de que
isso poderia acontecer com qualquer e todas as mulheres que eu
amava mais do que a própria vida me devastou.

Cerrei meu queixo quando a devastação se transformou na


mais escura e violenta raiva.

Gato escaldado tem medo de água fria.

Cerrei meus punhos quando a raiva saiu de mim,


espalhando-se por cada canto do celeiro. Eu queria matar o
homem que fez isso com ela. Queria torturá-lo até que implorasse
pela morte.

— Enzo? — A voz de Arabel era um sussurro quebrado. Não


respondi, apenas continuei olhando para o chão coberto de
palha. Não sabia o que dizer, minha mente se partiu entre
flashbacks e uma necessidade primitiva de vingança. Uma voz
dentro de mim me dizia para sair dessa e voltar para o agora.
Para voltar para ela.

Antes que eu pudesse interromper meu caótico estado de


espírito, ouvi seus pés avançando lentamente em minha direção,
o feno esmagando sob suas botas. Eu cavei meus cotovelos em
minhas coxas e corri minhas palmas sobre meu rosto,
desesperado para retornar do lugar escuro que tinha ido em
minha mente.

Ela não precisava da minha raiva, ela precisava de mim.


E eu estava falhando com ela e me odiava mais do que antes.

OBSERVEI LORENZO EM SILÊNCIO, embora minhas entranhas


estivessem longe de estar quietas. Não sabia o que fazer. Nunca
disse a um homem de quem gostava sobre o terror do meu
passado. Como ele deveria reagir a uma história tão trágica? O
que eu poderia esperar dele? Pena? Raiva? Desilusão? Nojo?

Ou poderia me dar permissão para esperar conforto,


validação e aceitação? Com o estigma que nossa sociedade
colocou sobre a agressão sexual, parecia ultrajante esperar uma
reação positiva.

— Enzo? — Eu repeti, desta vez um pouco mais forte e mais


alto. Minha mão pousou em seu ombro e ele estremeceu ao meu
toque, fazendo meu espírito afundar quando minha vergonha
soltou uma risada odiosa de vitória.
Ele me culpou. Meu corpo ficou tenso enquanto me
preparava para lhe dizer adeus para sempre. Me culpei o
suficiente e não estava disposta a permitir que ninguém
aumentasse o meu sentimento de culpa.

— Qual o nome dele? — Lorenzo perguntou laconicamente,


ainda incapaz de olhar para mim. Seu cabelo preto como tinta
me impediu de ver seu lindo rosto.

Suspirei, me acalmando que suas primeiras palavras não


foram acusações. — Nós o chamamos de idiota que não tem nome
— sussurrei.

Sua cabeça girou em minha direção, a fúria girando em seus


olhos, fazendo-os parecer pretos em vez de azuis. O alívio tomou
conta de mim quando percebi que a energia insuportável que
emanava de seu corpo não era um julgamento em relação a mim,
mas raiva. E sua raiva significava que ele se importava.

— Qual é o nome do filho da puta, Arabel? — Ele cuspiu a


pergunta, o veneno escorrendo de sua língua e caindo na palha
que estava entre nossos pés.

— Sammy... Samuele Romanini.

Os olhos de Enzo se estreitaram. — Samuele Romanini7?


Como o ganhador olímpico?

7Samuele Romanini é um trenó italiano que compete desde 2001. Ele ganhou uma medalha de bronze
no evento de dois homens no Campeonato Mundial da FIBT de 2007 em St. Moritz.
Eu concordei. — Ele dizia ser filho do dono do Romanini's
Italian Restaurant em São Francisco, mas descobri que o senhor
Romanini não tinha filhos. Pesquisei o nome no Google e descobri
sobre o trenó8. Ele enganou a todos. Ele até tinha documentos de
identidade com seu nome fictício.

— Você ligou para a polícia? — Os olhos de Enzo estavam


colados nos meus, e a intensidade neles me enervou.

— Alguém no hospital fez.

— Por favor, me diga que aquele filho da puta está na prisão


perpétua.

Eu balancei minha cabeça lentamente, minha boca


curvando para baixo. Sabia aonde ele queria chegar com isso e,
embora adorasse que o carma fizesse de Samuele sua cadela, não
queria que a vingança fosse o foco principal de Lorenzo. Contei-
lhe sobre meu passado porque me pressionou, porque precisava
que entendesse meu comportamento estranho com ele e porque
precisava seguir em frente. — Ele desapareceu, provavelmente
saiu de São Francisco, mas não posso dizer com certeza.

Enzo se levantou e começou a andar, de cabeça baixa, uma


das mãos puxando o cabelo e a outra cerrada em punho ao lado

8 Utilizado para a prática de Bobsleigh ou bobsled – um esporte de inverno em equipe que envolve
corridas cronometradas em pistas estreitas, tortuosas, inclinadas e congeladas em um trenó movido à
gravidade. As competições internacionais de bobsleigh são regidas pela International Bobsleigh and
Skeleton Federation, também conhecida como FIBT da Federação Francesa de Bobsleigh et de
Tobogganing. As competições nacionais são geralmente governadas por órgãos como a Federação de
Bobsled e Skeleton dos Estados Unidos e a Bobsleigh Canada Skeleton.
do corpo. Estava quieto, aparentemente processando a
informação.

Quando ele olhou para cima, seus olhos se fixaram em mim.


Sua mandíbula estava tensa, os lábios franzidos em uma linha
fina e apertada. — Ele ainda está lá fora. — Não foi uma pergunta,
mas uma declaração.

— Pelo que sei, sim.

— Capaz de machucar outros. Capaz de te machucar


novamente.

Meu estômago caiu e teve um espasmo de pavor. Ele estava


certo, o idiota poderia estar lá fora machucando outras mulheres.
E certamente poderia ter voltado para me machucar novamente.
Disse a mim mesma por anos que isso não aconteceria. Que ele
era apenas um indivíduo doente, capaz de uma escuridão
deplorável, mas o que ele fez comigo foi um golpe de sorte
impulsionado por drogas. Mas, de pé na frente desse homem
lindo e torturado, percebi que menti para mim mesma para
respirar um pouco.

— Ele não vai me machucar de novo — o assegurei,


esperando que minha resposta o acalmasse, e ele finalmente se
concentrasse em nós. — Além disso, não moro mais na cidade.
— Ele foi estúpido o suficiente para... fazer coisas horríveis
com você. — Seu tom foi cortante e ele desviou o olhar de mim, a
palavra estupro muito suja e vergonhosa para ser pronunciada.

Não tive coragem de dizer a ele que passei uma semana no


hospital. Que fiquei inchada e machucada por semanas. Os
cortes em minhas coxas cicatrizaram relativamente rápido, mas
toda vez que eu via as marcas em minha pele, uma pontada de
pânico crescia em minha espinha, embora moderada, mas
sempre presente. Mas minha mente? Minha mente foi destruída.

Incapaz de sair de casa, passei seis meses enfurnada em


meu quarto. Voltei para casa e permiti que meus pais cuidassem
de mim. Ben e outro colega assumiram o controle de meus
pacientes. Fiquei com medo de sair, até mesmo para o quintal de
nossa propriedade fechada. Não poderia estar perto de pessoas
ou multidões de qualquer tipo. Parei de jardinar, parei de dançar.
Sempre que meu pai me tocava, eu estremecia, não porque o
temesse, mas porque ele era homem. Só depois que papai me deu
uma grande caixa contendo um cachorrinho é que tive coragem
de sair pela porta da frente. Ter Liam significava que eu não
estava mais sozinha. Ele se tornou meu cão de serviço, o que
significava que tinha permissão legal para me acompanhar aonde
quer que eu fosse, incluindo o supermercado. Lentamente e com
o amor e devoção de Liam, comecei a passear pelo bairro de
minha infância com meu cachorro sempre a reboque. Sim, Liam
salvou minha vida. Ele me salvou de me tornar um eremita
solitária e insensível. O nome Liam significava protetor e feiticeiro
inabalável, e ele era os dois e muito mais.

Minhas narinas dilataram-se de frustração com a direção


que Enzo escolheu para conduzir a conversa. Ele estava se
concentrando em todas as coisas erradas.

— Pare! — Eu gritei. — Não contei tudo isso para que você


tivesse a missão de me vingar. Disse a você para que você
pudesse entender... porque surtei toda vez que você me tocou,
toda vez que me permito sentir o vínculo íntimo que
compartilhamos. Enzo, não sei por que, mas sinto que posso me
abrir para você. Tentei muito não lhe contar sobre meu passado,
mas você me pressionou e acho que foi a coisa certa. Talvez
minha confissão irá beneficiar nós dois.

Com o estoicismo há muito desaparecido, eu estava na


frente dele, tremendo de emoção. Meus lábios tremeram
enquanto colocava minhas necessidades e desejos mais
profundos na frente do homem que queria mais do que qualquer
outra coisa. Estava cansada de me conter em torno dele. Talvez
minha honestidade o afastasse. Era um risco que finalmente
estava disposta a correr porque, não importa o quanto eu tenha
falado sobre isso com a família, amigos e profissionais, meu
trauma sexual nunca poderia ser totalmente curado. Não até que
compartilhasse com o homem que eu queria. O homem que
escolhi para me tirar do pesadelo, de volta a uma vida onde sexo
e intimidade poderiam ser prazerosos e seguros.
— Eu disse a você para que pudesse me dizer que ficarei
bem, para que pudesse entender que preciso que você apague
sua maldade da minha pele, das minhas memórias da última vez
que fui tocada. Para substituir por suas mãos. — Choraminguei,
as lágrimas que tentei tanto manter sob controle nublaram meus
olhos. Minha respiração veio em rajadas curtas enquanto eu
agarrava meu peito e pescoço com as pontas dos meus dedos,
desesperada para reprimir o redemoinho de flashbacks dolorosos
que minha confissão havia causado.

Os olhos de Enzo se suavizaram quando a compreensão


surgiu nele. Ele deu um longo passo à frente e apagou a distância
entre nós. — Eu sinto muito. — Disse enquanto passava os
braços em volta de mim. Com minha bochecha pressionada em
seu peito, envolvi meus braços em volta de sua cintura forte e me
rendi. Com os braços e o corpo de Lorenzo como minha âncora,
chorei, chorei e chorei. Ele passou um braço em volta dos meus
joelhos, levantou-me e carregou-me para os fardos de palha, onde
se sentou e aninhou-me no colo, deixando beijos carinhosos no
meu cabelo. Não conseguia parar. Chorei até minhas lágrimas
secarem e então, chorei um lamento sem lágrimas que não era
menos preenchido com a indignidade, culpa e tristeza que afligem
todo ser humano que foi sexualmente violado. O tipo de dor que
só poderia ser reconhecida por aqueles que tiveram sua
dignidade e consentimento arrancados, não importa o quanto
lutaram e quantas vezes disseram não.
Mas, enquanto me sentava no colo de Lorenzo e os minutos
passavam, as emoções insuportáveis que segurei por tanto tempo
começaram a diminuir e em seu lugar veio a segurança e a leveza
de ser.

Ficamos nos estábulos, enterrados um no outro por um


longo tempo. Seu conforto era tão libertador. Podia sentir as
moléculas de validação e aceitação selando a ferida que havia
sido esculpida em minha alma três anos atrás. Um corte que
sempre permaneceria, mas desapareceria em uma linha tênue
com o tempo e o amor. E tudo que eu podia esperar era que
minha cura sexual viesse com a ajuda desse homem maravilhoso.

— É por isso que você fugiu de mim na véspera de Ano Novo?


Porque sou italiano? — Ele perguntou com a língua pesada, o
desconforto em seu peito inegável.

— Sim. — Eu quebrei nosso abraço e coloquei seu rosto em


minhas mãos. — Por favor entenda. Você é o primeiro homem em
quem me interessei desde... então, e não o conhecia. Quando
você disse a palavra italiano, eu só... entrei em pânico.

Ele acenou com a cabeça, olhando profundamente nos


meus olhos. — Mas você entende que não sou ele e nunca serei
alguém assim, certo?

Eu balancei a cabeça novamente. — Sim, eu sei.


— E você gosta quando toco em você, certo? — Sua voz era
áspera e cheia de incerteza.

— Sim, sempre gostei. Inicialmente, senti meu corpo ficar


tenso e em pânico. Trauma não discrimina. Eu costumava ficar
tensa sempre que meu pai ou Ben me abraçavam e levou pelo
menos um ano para eu relaxar perto deles. Mas agora que
compartilhei meu segredo com você, não tenho mais medo do seu
toque, eu só... anseio por ele.

Os olhos de Enzo se arregalaram com minha revelação, e o


topázio brilhante que tanto amava voltou. Ele respirou fundo
enquanto se levantava e saía dos estábulos comigo em seus
braços. Seus passos eram rápidos e não pararam até que
chegamos ao lado do passageiro de seu carro.

Ele não falou e, por algum motivo, eu também não. Me


permiti confiar. Ele colocou meus pés no chão, abriu a porta do
carro, me pegou de volta e me colocou no banco. Meu corpo
estremeceu quando ele se inclinou sobre mim, roçando meu seio
com os nós dos dedos enquanto prendia o cinto de segurança no
meu peito. Ele olhou para mim com os olhos semicerrados antes
de contornar o carro e deslizar para o banco do motorista.
Quando dirigimos na frente da minha casa, mas não paramos,
minha curiosidade atingiu o pico.

— Onde estamos indo? — Eu perguntei, olhando para seu


perfil distinto.
Ele se virou para mim, os olhos escuros e os lábios se
contraindo. — Nós vamos eliminar a marca sangrenta daquele
idiota de cada centímetro do seu corpo lindo.
SENTEI-ME na cama king-size de Lorenzo, apreciando a
beleza de seu quarto. Ele me carregou para dentro de casa e
subiu as escadas sem palavras, embora não precisasse falar. A
energia que emanava dele era a de um homem em uma missão.
Meu corpo ainda chiava de sua intenção de me tocar de uma
forma que me faria esquecer as coisas ruins. Da beira da cama
onde ele me colocou, observei seus ombros largos e bunda
irresistível enquanto cruzava o quarto, abrindo as cortinas de
uma enorme janela em arco.

Soltei um suspiro e olhei para a vista magnífica das


montanhas que nos cercavam. Árvores antigas e a neve que
derretia sob o sol forte. Foi lindo e romântico. O nervosismo
percorreu meu corpo quando percebi o que estava por vir. O
desejo de correr tentou perfurar minha determinação. Mas a
nitidez da minha decisão crescia a cada minuto. O medo estava
perdendo. O passado estava dando lugar a algo novo.
Lorenzo se virou e, com alguns passos, parou na minha
frente. Seus olhos me prometeram coisas que eu ansiava, mas
não tinha certeza de como aceitar.

Eu ri nervosamente e olhei para ele, meu peito subindo e


descendo de alegria, minha mão subindo para agarrar meu
medalhão por vontade própria. Certificando-se de não quebrar o
contato visual, ele se ajoelhou na minha frente, pegando meu
pulso e puxando-o para longe do colar, antes de guiar minha mão
para seu peito quente.

— Arie, eu nunca vou ser como ele. — Procurei seus olhos e


encontrei apenas sinceridade. Meu corpo relaxou um pouco mais
quando levantei minha outra mão e a trouxe até seu rosto,
segurando sua mandíbula forte.

— Eu sei. — Assegurei a ele, que soltou um suspiro de alívio.


Não sabia o que ele tinha em mente, mas fosse o que fosse,
finalmente estava pronta para confiar. Para confiar nele.

— Feche os olhos. — Disse ele, segurando minha mão sobre


o coração.

O pânico subiu pela minha espinha, fazendo meu corpo


enrijecer. Eu não queria ser cega. Queria dizer a ele que nunca
poderia fechar meus olhos porque isso me levaria de volta àquela
época horrível.
Confie. A palavra de cinco letras ecoou em minha mente,
enviando sinais gentis ao meu corpo, incitando-o a dar o salto de
fé necessário para aproveitar o que estava acontecendo. Um
lampejo de preocupação cruzou suas pupilas quando ele sentiu
minha tensão, mas não me empurrou, e eu estava grata.

Confie.

Baixei minhas pálpebras com relutância, meu coração


batendo forte com a velocidade do perigo e o instinto de
sobrevivência.

— Você sente meu peito sob a palma da sua mão? — ele


perguntou. Eu balancei a cabeça, cerrando os olhos para afastar
a atração persistente de medo.

— Respire comigo, Arabel. — Sua voz era baixa e calma.

Concentrei-me no subir e descer de seu peito duro, e depois


de alguns segundos, minha respiração combinava com a dele.
Profunda e lenta.

Lembrei-me dos meus soldadinhos de coragem que me


deram forças para atuar nas minhas sedas aéreas. Eu os
imaginei sendo sugados para dentro do meu corpo com cada
inspiração, mas em vez de coragem, eles espalharam confiança.

Confie nele.

Confie em mim.
Confie neste processo.

Meu corpo relaxou de uma forma que nunca esteve perto


dele. Com meus olhos ainda fechados, tirei sua mão do meu
pulso e levei até o meu peito, colocando-a acima dos meus seios.
Senti os músculos de seu antebraço ficarem tensos por uma
fração de segundo, afetados pelo contato. O calor de sua mão se
infiltrou em meu coração, fazendo minha boca se curvar em um
sorriso. Seu toque e proximidade pareciam elétricos, mas
seguros.

Respiramos juntos por um tempo e, quando abri os olhos,


descobri que os dele estavam fechados, os lábios contraídos e a
testa franzida. Seu belo rosto marcado com uma dor que me disse
que este era um momento profundo para ele também. Queria
perguntar-lhe por que, mas não queria estragar o momento.

Enzo abriu os olhos e me deu um sorriso caloroso. Ele se


aproximou de mim, o cheiro de canela e pinho alcançando meu
nariz, enviando cada nervo em mim em um frenesi. Ele tirou a
mão do meu coração e segurou meu rosto.

— Eu vou beijar você agora, e você não vai fugir.

Engoli em seco. — Ok. — Um arrepio percorreu minha


espinha, uma mistura de nervosismo e excitação. Sua
assertividade parecia estar funcionando para mim. Isso me
soltou. Render-me à sua demanda gentil me impediu de pensar
demais e me convencer do que estava para acontecer. Parecia
estranho, mas não queria estar no controle. Queria que ele
tomasse as decisões e queria obedecê-lo, desde que meu
consentimento permanecesse intacto.

Ele passou o polegar sobre as sardas em minhas bochechas


e meu lábio inferior. Soltei um pequeno gemido, seu toque
acendendo faíscas na pele delicada da minha boca. Então, trouxe
seus lábios aos meus, mal roçando neles. Isso fez cócegas e me
excitou. Ele não abriu a boca, não molhou os lábios ou colocou a
língua. — Serei tão gentil quanto você quer que eu seja — ele
disse, soprando seu hálito delicioso no meu rosto. Olhei em seus
olhos e, mais uma vez, tudo que vi foi sinceridade. Ele quis dizer
isso. Queria que eu ditasse como isso iria acontecer, mesmo que
estivesse no controle.

Concordei.

— É isso, apenas acene com a cabeça se concordar com o


que estou fazendo com você. — Sua voz estava rouca e carregada
de luxúria, mas ele permaneceu terno e em sintonia com como
eu precisava que esta ocasião monumental acontecesse.

O que estou fazendo com você. Deus, como suas palavras me


excitaram.

Balancei a cabeça novamente, nossos olhos permanecendo


paralisados um no outro. Seu rosto se aproximou mais e seus
lábios pousaram nos meus mais uma vez, desta vez mais
exigentes. Sua língua disparou em minha boca, e o desejo se
desdobrou em minha barriga, encontrando seu caminho para o
meu centro. Deixei minha língua explorar a dele, minhas mãos
agarrando a parte de trás de sua cabeça. Ele manteve uma mão
na minha mandíbula, serpenteando com a outra pelo meu cabelo
e puxando até ter acesso total ao meu pescoço. Sua boca se
arrastou para baixo, deixando beijos quentes e úmidos na minha
garganta. Lembrei-me da vez em que ele fez isso em seu quarto
de hóspedes. Entrou em pânico e saiu furioso. Queria lhe pedir
para não fazer isso de novo. Para lembrá-lo de não era o único
com tendência para correr.

Mas gemi em vez disso, a sensação de sua língua na minha


clavícula dissolvendo meus pensamentos em uma piscina de
desejo e necessidade. Lorenzo ergueu o corpo, empurrando-me
para a cama, rastejando sobre mim e colocando os joelhos em
cada lado das minhas coxas, enquanto permanecia com os lábios
travados nos meus. Descansando seus antebraços em meus
ombros, ele aprofundou o beijo. Lento, profundo, apaixonado,
mas nunca frenético. A intensidade e aspereza de nossos
encontros anteriores não foram encontradas em lugar nenhum.
Fiquei surpresa que sua gentileza não me fizesse sentir como se
estivesse pisando em ovos, talvez parecesse assim para ele, mas
para mim, a lentidão de seu afeto me permitiu respirar e relaxar.

Ele quebrou nosso beijo, sua mão tirando o cabelo do meu


rosto. — Você é linda. — Meu coração aqueceu. Suas palavras
não me humilharam. Elas aumentaram minha confiança e amor
próprio.

Enzo saiu da cama, pegou minha mão e me puxou para ficar


de pé. — Eu vou despir você agora.

Meu corpo ficou tenso, o desejo de fugir acendendo na boca


do meu estômago mais uma vez. Engoli em seco e lancei meu
olhar para o piso de madeira rústico, mas sofisticado, de seu
quarto. Lorenzo colocou um dedo sob meu queixo e ergueu meu
rosto para ele.

— Arabel, nunca vou fingir que mereço você, mas quero que
me dê a honra de fazer isso.

— Sou a única que quer isso? — Uma pontada de


insegurança atingiu meu peito.

Ele franziu a testa, balançando a cabeça. — Porra, não, eu


quero você desde o momento em que te vi girando naquele tecido
vermelho no clube, e não parei de te querer desde então, Cirque.
— Ele pegou minha mão e beijou as costas dela. Meu coração
vibrou com suas palavras. Apesar das vezes que ele me
empurrou, me queria por tanto tempo quanto eu também o
queria.

Sua confissão e o uso do meu apelido bobo me fizeram rir,


trazendo leveza ao momento.
— Então, acho melhor você começar, Sr. Steel. — Suas
bochechas se ergueram com o mais caloroso dos sorrisos quando
ele agarrou a alça do meu zíper entre os dedos e puxou para
baixo. Seus movimentos eram lentos e meticulosos. Ele estava
levando isso a sério, fazendo com que amor e gratidão dançassem
em meu peito. Empurrei o pensamento de amor de lado, pois
parecia ridículo, nós nunca tínhamos feito sexo e nossas
interações tinham sido uma gangorra de calor e frio de ambos os
lados.

Tirei o casaco com capuz e o deixei deslizar para o chão. Os


olhos de Lorenzo escureceram enquanto olhava boquiaberto para
meu peito, meus seios parecendo maiores e mais redondos sob o
minivestido de jersey azul que estava usando, graças ao sutiã
push-up rosa rendado que os cobria. Conhecê-lo reacendeu meu
amor por lingerie, estendendo meu senso de sensualidade além
da pista de dança, inspirando-me a usar roupas íntimas de
renda, cetim e seda todos os dias desde a véspera de Ano Novo.
E a melhor parte, fiz isso por mim. Nunca esperei ver Lorenzo nos
estábulos e definitivamente nunca imaginei que estaria em seu
quarto. Sim, a lingerie era para mim, e agora seria para ele
também.

Lorenzo enfiou os dedos sob a bainha do meu vestido,


puxando-o pela minha cabeça. Cachos longos e encaracolados
acariciavam meus ombros agora nus. Seus olhos estavam
escuros e encobertos, sua boca frouxa enquanto ele avidamente
examinava meus seios.

— Você é tão deslumbrante — disse ele, patinando as


pontas dos dedos por cima do sutiã antes de movê-los para os
meus seios. Respirei fundo, seu toque fazendo minha pele
arrepiar. — Mal posso esperar para beijar cada centímetro de sua
pele. — Sua voz estava rouca e cheia de potencial.

Sufoquei um gemido, seu toque leve incinerando um


caminho enquanto ele corria um dedo pelo vale entre meus seios
em direção ao meu umbigo. Então agarrou meus quadris com
suas mãos fortes e se ajoelhou.

Olhei para baixo e o observei sentar nos calcanhares


enquanto ele corria as mãos pelas minhas coxas até os joelhos.
Congelei, sem saber o que fazer, já que não me sentia nem perto
de pronta para ele provar o lugar entre as minhas pernas. Ele
levantou uma perna e apoiou meu pé em sua coxa, lentamente
abrindo o zíper da minha bota e puxando-a antes de ir para a
outra. Ele olhou para cima, fazendo contato visual comigo
enquanto enganchou seus dedos ao redor do cós da minha
legging e puxou para baixo com calma. Seus olhos azuis estavam
selvagens e sua respiração irregular, embora não estivéssemos
fazendo nada ainda.

Ele largou minhas leggings e meias no chão e voltou para


minhas pernas, colocando um beijo casto em cada uma das
minhas coxas antes de se levantar novamente. Eu soltei uma
respiração reprimida, aliviada por ele não pular todos os passos
que eu queria, não, precisava, antes que pudesse enterrar seu
rosto entre minhas pernas.

Lorenzo deu um passo para trás, passando o olhar pelo meu


corpo coberto apenas pelo sutiã e calcinha rosa combinando. Ele
apertou a mandíbula e seus olhos se encheram de desejo. — Você
não entenderia o quanto eu queria te ver assim. Você tem o corpo
mais incrível. — A aspereza em suas palavras e seu sotaque ítalo-
britânico foram minha ruína. O medo, o passado e as más
lembranças deixadas, substituídas por uma necessidade
ilimitada de tê-lo e deixá-lo me ter. Dei um passo à frente, agarrei
seu moletom preto com capuz e puxei-o para mim. Seu peito
bateu no meu, fazendo-o sibilar e eu gemer.

Abri o zíper do moletom e tirei de seus ombros até que se


juntou às minhas roupas no chão de madeira brilhante. Não
perdi tempo, puxando a camiseta cinza de manga comprida sobre
sua cabeça. Meu queixo caiu com a visão de seu peito musculoso
e estômago, meus olhos demorando no V que desaparecia em seu
jeans. Eu queria desabotoá-los e ver aonde isso levava, mas me
contive, não querendo apressar as coisas apenas para entrar em
pânico novamente.

Eu olhei para ele por debaixo dos meus cílios com mais
confiança do que tinha em muito tempo. — Leve-me para a cama,
Sr. Steel — eu disse, minha voz carregada de antecipação.
Ele não perdeu tempo, me levantando e me colocando no
colchão confortável antes de rastejar sobre mim, salpicando
minhas pernas e torso com beijos até chegar ao meu rosto. O ar
estava quente e denso com nosso desejo um pelo outro. Apoiado
nos cotovelos, ele me encarou com olhos azuis encharcados de
intensidade.

Esta não foi a primeira vez que nos beijamos ou tocamos,


ainda sim, era diferente. Minha confissão e sua resposta a ela
trouxeram um nível mais profundo de intimidade para este
momento. Tínhamos uma interação além da física. Uma intenção
de curar e virar a página na qual estive presa por muito tempo.
Merda, não queria virar a página, queria arrancá-la
completamente. Queria rasgá-la, queimá-la e pisar em seus
restos cinzas.

E Lorenzo estava me dando essa chance sem julgamento ou


pressão.

— Eu vou te mostrar o melhor tipo de prazer — ele


sussurrou em meu ouvido enquanto lambia minha orelha,
deixando meu corpo selvagem com uma necessidade fervente.

— Qual é o melhor tipo de prazer? — Eu perguntei, ofegando


em seu ouvido.

— Aquele que vem de consentimento absoluto.


A emoção bateu em mim com uma força poderosa. A dor e
a tristeza do passado vieram à tona com suas palavras. Lágrimas
rolaram por minhas têmporas e permiti que elas viessem porque
não era o desespero que me fazia chorar, era a cura.

Liberdade.

Enzo beijou cada um dos meus olhos, lambendo as lágrimas


salgadas de seus lábios, e com isso, apagou a primeira memória
ruim. Ele se endireitou, montando minha pélvis enquanto
segurava minhas mãos trançadas com as dele. — Me diga o que
fazer. — Sua voz profunda retumbou em seu peito.

O quê?

— Uh, eu, não tenho certeza se quero estar no comando. —


Minha ansiedade aumentou com a perspectiva de segurar as
rédeas de nosso ato íntimo, me forçando a pensar em vez de me
render.

Lorenzo balançou a cabeça, tirando uma mecha de cabelo


do meu rosto. — Arabel, ele pegou sua voz, e é hora de você tomá-
la de volta. — Ele esfregou as costas das minhas mãos com os
polegares enquanto mais lágrimas caíam dos meus olhos,
enquanto mais dor descia da minha alma, porque, não só estava
ajudando a transformar meu passado em cinzas, estava me
entregando as aquarelas mais esplêndidas para pintar algo
inteiramente novo, e o pincel era minha voz.
Com nossos olhos travados, respirei fundo. — Tire meu
sutiã — disse, e desta vez, não tive que fingir confiança porque
ela já estava lá, se expandindo pelo meu corpo enquanto eu
recuperava minha voz.

Os olhos de Lorenzo brilharam de calor. Ele separou nossos


dedos e se afastou de mim até se sentar no meio da cama. —
Venha se sentar — disse ele, dando um tapinha no colchão na
frente dele.

Eu deslizei em direção a ele e sentei nos calcanhares, na


sua frente. Enzo ergueu as mãos até que pairaram sobre cada
um dos meus ombros. Com os nossos olhos ainda entrelaçados,
ele enganchou os dedos indicadores nas alças do meu sutiã e os
deslizou pelos meus braços. Meu núcleo se apertou com a
excitação e minha alma disparou porque ele me ouviu e me
respeitou. Seu braço forte serpenteou em volta das minhas
costas, abrindo meu sutiã com agilidade. Lutei contra o impulso
de cobrir meus seios porque essa parte de mim tinha que morrer.
Precisava deixar o passado para trás e me comprometer com este
momento.

Eu queria isso. Eu o queria.

Observei seu rosto enquanto seus olhos se focavam em


meus seios expostos, fazendo suas pupilas dilatarem, o que fez
meus mamilos crescerem em duros botões rosa. Ele lambeu os
lábios com fome, mas eu não me sentia como uma presa, me
sentia... desejada.

— Arabel, me diga o que fazer? — Lorenzo rosnou como se


estivesse lutando para manter o autocontrole. Baixei meus olhos
e a evidência de sua excitação fez minha boca salivar. Eu queria
ver tudo dele.

— Fique parado. — Cheguei mais perto, correndo um dedo


de seus peitorais até os sulcos de seu abdômen tenso. Lorenzo
sibilou e fechou os olhos, parecendo prestes a explodir, mas não
se mexeu. Esperou que eu ditasse a próxima tacada.

Seu autocontrole se tornou minha salvação, pois começou


a apagar a cautela em meu coração e corpo. Deixei meu rosto cair
em seu peito e coloquei um beijo demorado em sua clavícula. Ele
soltou um suspiro que me estimulou. Salpiquei sua pele com
pequenos beijos, e quando cheguei em seu mamilo, minha língua
disparou, golpeando a pedra apertada antes de fechar meus
lábios em torno dela e chupar.

— Foda-se, — Enzo murmurou. — Cirque, por favor, se você


não me disser para fazer algo agora, vou enlouquecer.

Cantarolei de entusiasmo, percebendo que poderia excitá-lo


tanto. — Tudo a seu tempo, Sr. Steel. — Ele riu e rosnou ao
mesmo tempo, mas ignorei porque ele abriu mão do controle para
mim, e eu estava aproveitando ao máximo.
Chupei seu pescoço enquanto desabotoava o botão de sua
calça jeans escura antes de rolar o zíper e puxar sua calça para
baixo, tendo o cuidado de manter sua cueca no lugar, já que não
estava pronta para o pau requintado que eu tinha certeza de
encontrar quando saísse. Imediatamente, percebi duas grandes
cicatrizes que subiam por suas canelas. Corri o dedo sobre elas
e ele se encolheu ligeiramente. — De onde são estas?

Ele olhou para mim, sua expressão endurecendo. — Lembra


quando contei sobre minha curta carreira no esqui olímpico? —
Concordei. — Tive um acidente nas encostas e quebrei as duas
pernas. Mas chega de falar sobre mim, hoje é sobre você.

Meu coração doeu por ele e por como deve ter sido perder
seu sonho. Olhei e encontrei seus olhos implorando para que
largasse isso, então eu o fiz. — Deite-se. — Quando ele o fez, tirei
o jeans e joguei no chão antes de sentar nos calcanhares, meus
olhos examinando sua cueca boxer.

— Toque meus seios — exigi, surpresa com a minha


assertividade, mas amando a sensação de poder correndo por
mim.

— Porra, sim. — Sua respiração acelerou, seus olhos


escurecendo enquanto olhava para o meu peito, enviando um
raio para minha boceta. Depois de me absorver por um momento,
Lorenzo avançou, seus dedos patinando sobre minha clavícula,
assim como fiz com ele. Soltei um gemido profundo quando suas
mãos seguraram meus seios e os apertaram.

— Jesus, você é perfeita. — As palavras soaram tão eróticas,


e acreditei nele porque, naquele momento, me senti a mulher
mais bonita do planeta.

— Venha aqui — disse ele enquanto se reclinava contra a


cabeceira acolchoada de sua cama lindamente esculpida,
estendendo o braço para que eu entrasse. Quando fiz, me puxou
em direção a ele, colocando meus joelhos em cada lado de seu
torso para que montasse nele. Com meus seios em seu rosto,
Enzo cantarolou enquanto colocava um em sua boca. Minha
cabeça caiu para trás de prazer, a sensação de sua língua quente
e úmida e lábios carnudos sugando meu mamilo, quase demais
para meu corpo anteriormente adormecido suportar. Mas me
sentia mais forte agora e não conseguia me imaginar em nenhum
outro lugar, exceto nos braços desse homem. Enquanto
mordiscava um seio, ele segurou o outro com sua mão áspera,
massageando-o habilmente. Apertei minha pélvis contra sua
ereção maciça, fazendo com que o fogo disparasse em linha reta
do meu peito até minha boceta, me fazendo doer por mais.

— Foda-me, Enzo.

Seu peito retumbou em concordância, e em um movimento


rápido, ele me levantou de seu colo, me deitou na cama e pairou
sobre mim. Capturou minha boca com a sua, nossas línguas
entrelaçadas em uma dança de êxtase enquanto explorávamos
um ao outro. Derreti sob ele, saboreando seus movimentos
hábeis. Sim, era verdade que estávamos fazendo isso pelo meu
desejo desesperado de apagar a feiura, mas estar com Lorenzo
superou todas as outras experiências sexuais que já tive. Onde
um homem mau tratou meu corpo como se fosse lixo, Enzo o
tratou como o templo mais sagrado, prestando reverência a cada
centímetro dele.

Abri mais minhas pernas, envolvendo-as em torno de sua


cintura. Ele girou contra mim, e a sensação de seu pau contra o
meu centro encharcou minha calcinha ainda mais.

— Eu te quero tanto — ele gemeu, e tudo que pude fazer


para que soubesse que eu sentia o mesmo era agarrar suas
nádegas. E foi glorioso. Ele era mais quente do que jamais pensei
ser possível. Sem desconectar os lábios, Enzo passou a mão entre
nós, colocando-a sobre minha calcinha rosa. Meus músculos se
contraíram, mas disse a mim mesma para relaxar, focar no
momento e me soltar. Para permitir que Enzo me fizesse
esquecer.

— Você está tão molhada, — ele rosnou. — Mal posso


esperar para provar sua linda flor de lótus.

Eu ri tanto que meu corpo estremeceu sob o dele. Ele riu,


se afastando e se ajoelhando entre minhas pernas. — Existe uma
flor para o clitóris? — Ele sorriu enquanto puxava minha calcinha
e a jogava no chão. Uma pontada de vergonha tomou conta de
mim, mas eu disse a ela para ir embora porque não havia nada
de errado comigo, meu corpo ou com as coisas que estávamos
fazendo.

— Existe, mas não é sexy.

Ele arqueou uma sobrancelha enquanto deixava um rastro


de beijos desde os ossos do meu tornozelo até a parte interna das
minhas coxas. — Agora realmente preciso saber. — Percebi que
ele estava me distraindo para que eu não entrasse em pânico
enquanto me expõe. Estava funcionando.

Eu ri e gemi, sua boca quente me excitando ainda mais. —


Bem, — disse com uma respiração ofegante. — Há a planta do
chapéu mexicana, o arum calla9 vermelho ou o cacto espinhoso.

A cabeça de Enzo se ergueu, seu rosto se contorceu de


desgosto. — Sim, não é sexy. Desculpe, eu perguntei. — Eu ri de
novo, embora minha risada tenha durado pouco quando ele abriu
minhas pernas, colocando os olhos em toda a minha boceta pela
primeira vez. — Agora, isso é tão sexy — disse, seu olhar
deleitando-se em mim enquanto corria um dedo pela minha fenda
molhada.

9 Calla, muitas vezes referida como arum, é uma modalidade de flores de bulbo.
Uau. Entregando-me a este homem, meu corpo estava
aceso, minhas pernas e boceta tremendo com a sensação de seu
toque.

— Você está bem, bella mia? — Eu balancei a cabeça, e um


gemido escapou de mim. Ele riu, entendendo que o tremor do
meu corpo estava vindo de um bom lugar. Estava vindo de um
toque solicitado.

Ele abaixou a cabeça novamente, os lábios demorando em


minhas coxas, beijando e lambendo. Ele parou, seus olhos se
concentrando nas finas cicatrizes brancas que as cobriam. Sua
mandíbula cerrou, seus olhos estalando em minha direção. —
Isso é... ele fez isso com você? — sua voz estava dura, a raiva que
testemunhei nos estábulos ressurgiu.

— Sim. — Fechei meus olhos e me preparei para sua


explosão. Mas isso nunca aconteceu. Em vez disso, Enzo traçou
cada uma das cicatrizes com a língua. Uma lufada de emoção
enraizada explodiu de mim com um soluço profundo, lágrimas
brotando dos meus olhos quando entendi o que ele estava
fazendo. Com cada lambida e carícia, ele estava apagando tudo.
A cada beijo e mordida, as células da minha pele eram reescritas,
a nova codificação imbuída de paixão e liberdade. Com sua língua
como escova, Lorenzo me curou, deixando-me deliciosamente
marcada. Uma marca que usaria com orgulho para sempre.
— Arabel, — disse ele quando seu rosto alcançou o meu. —
Você está pronta?

— Sim. — Eu estava pronta e ansiosa para tê-lo dentro de


mim.

Ele baixou a boca até meu ouvido e sussurrou: — Você é


minha agora.

O calor se espalhou por mim com a sensualidade de sua


possessividade. A verdade é que eu queria ser dele. Sua posse de
mim me fez sentir segura. Isso me fez sentir intocável.

— Sim.

— Diz. — Sua voz era áspera como uma lixa enquanto


gentilmente colocava um dedo dentro de mim. Engasguei, meus
músculos se contraíram em torno dele, a sensação de ser
penetrada me deixando sem palavras. — Diga, Arabel. — Ele
puxou o dedo antes de empurrar novamente, perfurando-me com
um prazer inimaginável.

— Eu sou sua — chorei, ofegando e me contorcendo sob seu


toque. Eu quis dizer isso. Era irrevogavelmente dele, pelo tempo
que me quisesse.

Ele rosnou em aprovação, puxando seu dedo para fora de


mim. Assisti, hipnotizada, quando ele puxou sua boxer para
baixo, sua ereção enorme saltando livre, fazendo meu queixo cair
de admiração.
Merda, esse é um pau enorme. Eu nem sei o que fazer com
isso.

Lorenzo explodiu em gargalhadas, uma gargalhada total. —


Você pode fazer o que quiser com ele, e ele ficará feliz.

Engasguei, levando minhas mãos à boca e rindo. — Disse


isso em voz alta?

Ele riu, vasculhando sua mesa de cabeceira e tirando um


preservativo. — Não se preocupe com nada porque meu pau sabe
exatamente o que fazer com você.

O calor me inundou enquanto eu corria meus olhos sobre


cada centímetro de seu corpo, observando-o deslizar uma
camisinha sobre seu eixo. Ele era como um Adônis. Tudo nele era
a perfeição absoluta. Quando se acomodou entre minhas pernas,
meu primeiro instinto foi tencionar e apertá-las o mais forte que
pude. Em vez disso, fechei os olhos com força.

— Abra os olhos — ele ordenou, sentindo minha apreensão.


Os reabri. — Sou eu, Arie. Ninguém mais. Sinta meu toque,
entregue-se a ele, mas não pare de olhar para mim. — Sua voz
era profunda e melodiosa.

Concentrei-me na minha respiração e quando seu polegar


pousou no meu clitóris, o ar que respirei tornou-se um incêndio,
escaldante e se espalhou rapidamente. Deixei escapar um gemido
alto enquanto ele esfregava círculos no botão sensível, minha
excitação pingando em suas mãos. Nunca tirei os olhos dele,
observando tudo o que fazia comigo. Só ele. Ninguém mais.

— Porra, você é requintada. — Ele gemeu, espalhando


minha umidade com os dedos, me preparando para o que estava
para acontecer. — Você está tão molhada, baby. Está pronta para
mim?

— Oh, Deus — foi tudo que pude dizer, meus quadris


fazendo a maior parte da conversa enquanto
desavergonhadamente empurravam em seus dedos trabalhando,
buscando mais prazer.

Lorenzo deu uma risadinha. — Vou tomar isso como um


sim.

Meus olhos se encontraram com os dele quando a ponta de


seu glorioso pau demorou na minha entrada. Ele correu para
cima e para baixo, cobrindo-o com a minha umidade, a excitação
crescendo freneticamente dentro de mim, minhas paredes se
fechando prontas para recebê-lo.

— Quero você dentro de mim — chorei, desesperada para


sentir seu pau duro, ansiosa para esquecer tudo que veio antes
deste momento. E esquecer tudo que aconteceu, porque quando
ele entrou em mim com um golpe rápido, o tempo parou. A escrita
escura em minha pele, alma e coração foi apagada uma letra por
vez, e em seu lugar estava uma escrita totalmente nova, cheia de
cores vibrantes misturadas com traços de puro e confiante
prazer. A cada estocada, a dor se transformava em paz.

Envolvi minhas pernas em volta da cintura de Enzo e dei


boas-vindas à luz enquanto a escuridão me deixava em meio às
minhas lágrimas.
DESCANSEI minhas costas contra a estante de livros na
oficina, minhas mãos admirando o emaranhado de cachos de
cobre espalhados ao redor dos ombros de Arabel. Seu corpo era
macio e perfeitamente moldado ao meu enquanto respirávamos
em uníssono.

Esta tarde foi agitada em mais de um aspecto. Arabel não


apenas compartilhou a escuridão de seu passado comigo, mas
ver seu sofrimento fez minhas próprias limitações se estenderem
e se ampliarem. Talvez pudesse ser um homem melhor para ela
do que fui para Grace. Quando me implorou para fazê-la esquecer
o que aquele bastardo tinha feito, não hesitei por um segundo.
Todos os pensamentos de ficar longe dela foram substituídos por
uma necessidade visceral de ser o homem que ela precisava e
merecia.

Mas nunca imaginei que estar com Arie mataria alguns dos
meus demônios também. Tocá-la e fazer amor com ela foi tão
libertador para mim quanto eu esperava que tivesse sido para
ela.

Arabel espalmou suas mãos sobre meu peito, seus olhos


tremulando abertos enquanto suas bochechas se erguiam com
um sorriso que agarrou meu coração com força e despertou
desejo em meu pau. Esta tarde, depois de uma união mágica,
mas muito emocionante de nossos corpos e almas, pegamos
Caterina na escola e a levamos para passar a noite com sua tia
Lori e seu primo Alfie. Precisava continuar adorando minha bela
dançarina sem interrupções ou uma garotinha rastejando para
minha cama no meio da noite, como Cat costumava fazer.
Também pegamos Liam e o trouxemos para minha casa conosco.
Ele agora estava rolando com meus três filhotes.

— Você está pronta para ver o que está além da porta élfica?
— Afastei mechas de cabelo ruivo sedutor de seu rosto.

— Sim, Sr. Steel. — Sua voz era suave e feminina. Ela era,
sem dúvida, a mulher mais deslumbrante.

Eu ri. — Você vai me dizer de onde vem o Sr. Steel? — Seu


apelido me divertiu e me deixou curioso.

Ela soltou uma risadinha. — Não. Pelo menos ainda não.

— Aposto que posso fazer você confessar — disse, deixando


um rastro de beijos ao longo de seu queixo e pescoço. Suas costas
arquearam e a cabeça inclinada, me dando melhor acesso. Ela
choramingou, colocando a mão em meu cabelo e puxando. Meu
pau imediatamente ficou em posição de sentido, os pensamentos
de preenchê-la inundando minha mente.

— Você pode tentar o seu melhor, Sr. Steel.

— Oh, eu vou. — Enterrei meu rosto no vale entre seus


seios, minhas mãos massageando-os brevemente, antes que
minha boca cobrisse seu mamilo duro através de seu vestido e
sutiã.

— Mmmm — ela gemeu, seus quadris resistindo, buscando


um doce alívio.

— Como estou indo até agora, Cirque? — Perguntei entre


lambidas, chupadas e beijos.

— Você poderia fazer melhor — ela incitou, os sons vindo de


sua garganta, revelando a verdade.

Porra.

— Baby, estou tão duro agora. — Eu estava pronto para


entrar nela e sentir sua forte umidade me envolver. — Meu pau
está duro como aço. Espere, — levantei minha cabeça para olhar
para ela. — É por isso que você me chama de Sr. Steel?

Ela soltou uma risada. — Não, embora ache que seu apelido
se encaixa em mais de uma maneira. — Sua voz era sensual e
seu olhar abaixou, olhando para meu pau.
— Bem, posso não saber seu motivo inicial para me dar esse
apelido, mas vou aceitá-lo. Você com certeza sabe como estimular
o ego de um homem.

Ela riu de novo, suas mãos segurando meus ombros,


puxando meu rosto para seu pescoço exposto.

Dei um passo para trás e empurrei a estante para o lado,


revelando a porta. Uma vez que foi aberta, agarrei sua mão e
caminhei para trás em minha caverna secreta, não querendo
perder sua expressão enquanto ela olhava para o espaço.

Seus olhos brilharam de admiração, sua boca se abriu de


surpresa. — Uau.

Ficamos na beira de uma gruta interna feita pelo homem.


Uma piscina rasa de água quente percorria a maior parte do
espaço, piscinas mais profundas espalhadas por toda parte,
sustentadas por colunas trançadas que sustentavam um teto de
vários arcos. Cachoeiras caíam de algumas paredes com pressão
perfeita para massagear e relaxar os músculos cansados. Várias
claraboias permitiam que a luz do sol brilhasse. Havia dois
recantos com grandes bancos brancos estofados em cada canto,
prateleiras repletas de toalhas e velas apagadas. Eu nos guiei até
um deles. Virando-me para Arabel, puxei seu vestido pela cabeça,
seguido por suas botas, leggings e meias, deixando cair tudo no
chão. Eu dei um passo para trás, observando seu corpo lindo e
sua pele macia e perfeita. Eu estive enterrado dentro dela apenas
algumas horas atrás, mas não havia satisfeito minha necessidade
por esta mulher requintada. Muito pelo contrário, a queria mais
agora que sabia o que era explorar cada centímetro dela.

Ela se aproximou, seu olhar inabalável, o medo e as


inseguranças de antes nada à vista. Era como se tudo o que
precisasse fosse superar o obstáculo para se reconectar com a
raposa que estava adormecida por dentro. Isso me excitou mais
do que jamais poderia imaginar.

Agarrei seus quadris, enganchando meus dedos em sua


calcinha rendada, seus seios cobertos pelo sutiã batendo em meu
peito enquanto eu a puxava e beijava seus lábios macios. Ela
engasgou, não de apreensão, mas de luxúria. Era um som tão
doce.

Ela quebrou nosso beijo, puxando minha camisa pela


minha cabeça, ficando na ponta dos pés para alcançá-la
enquanto arrastava beijos pelo meu pescoço. Ela lambeu o
espaço entre minhas clavículas, sua língua quente e úmida me
fazendo sibilar. — Porra.

Arabel deu uma risadinha, apreciando o efeito que tinha em


mim enquanto se deleitava em sua liberação sexual. Sua boca
abaixou enquanto ela lambia meu abdômen e descia para a trilha
feliz que levava ao meu pau. Ela desabotoou minha calça jeans e
a deslizou pelas minhas pernas junto com minha boxer. Meu pau
saltou livre e os olhos de Arabel brilharam quando caiu de joelhos
e lambeu os lábios. Respirei fundo, observando esta linda mulher
ficando de joelhos por mim. Colocou a mão em torno da base da
minha ereção e nós nos olhamos quando ela abriu a boca, sua
língua rosa girando em torno da ponta brilhante. Ela gemeu como
se estivesse chupando um pirulito delicioso. A sensação de sua
boca em mim me fez estremecer. Quando sua boca me absorveu
o máximo que pôde, tive que fazer um esforço para não gozar
naquele momento. Arabel pode ter sido celibatária por anos, mas
era excepcionalmente boa no que fazia. Agarrei o cabelo da parte
de trás de sua cabeça e guiei sua velocidade, mostrando como
gostava. Eu me inclinei e desabotoei seu sutiã, acariciando seus
seios e beliscando seus mamilos. Ela gemeu alto, ganhando
velocidade. Esse som foi minha ruína, e sabia que não havia como
voltar atrás.

— Venha... nos meus seios.

Jesus, esta mulher.

Eu puxei para fora de sua boca quando meu clímax atingiu,


fazendo meu corpo apertar em antecipação. Depois de algumas
bombeadas com minha mão, gozei em seus lindos seios com um
gemido alto.

Ela olhou para baixo e depois para cima, dando-me um


sorriso vitorioso.

— Você gosta de me ver gozar?


— Sim. — Sua voz estava ofegante e tão sexy.

Peguei sua mão, puxei-a para ficar de pé, peguei uma toalha
da prateleira contra a parede e a limpei entre beijos de
agradecimento. Estar com Arabel foi uma experiência inestimável
que eu não merecia.

— Uau, este lugar é incrível. A água está tão quente.

— Sempre, especialmente no inverno. Eu construí este lugar


para poder vir aqui e deixar o mundo real para trás.

— Diria que você alcançou seu objetivo.

Passamos pela gruta e paramos em frente à piscina de


hidroterapia de tamanho médio na extremidade oposta. Um corpo
de água que lembra as antigas casas de banho romanas, com
arcos altos, pisos e paredes de mármore e uma grande claraboia
que deixava entrar o forte sol de inverno. À esquerda da piscina
ficava a sauna, e à direita, minha academia de ginástica, e tinha
um banheiro completo. A temperatura da piscina se mantém
agradável. A parede oposta tem um longo banco subaquático
onde se podia sentar na frente de vários jatos de água. Grandes
bancos brancos cercavam a piscina, combinando com os da
gruta.

— Onde você gostaria de ir primeiro?

Arabel olhou para mim. — Não sei, ainda estou absorvendo


tudo. Sr. Steel, você está cheio de surpresas.
Apreciei que gostou do meu espaço, mas meu foco estava
em terminar o que ela começou. Coloquei minha mão em suas
costas e a puxei para mim. Bati minha boca na dela, minhas
mãos percorrendo sua bunda. Agarrei cada uma de suas
bochechas rechonchudas, levantando-a do chão. Sua bunda se
encaixou perfeitamente em minhas mãos porque ela foi feita para
mim. Arabel Reid foi feita apenas para mim.

— Agora que quebramos o gelo, tenho muito mais para


surpreendê-la, Cirque. — Disse antes de chupar e beliscar seu
lábio inferior enquanto nos levava para a piscina, a flutuabilidade
da água facilitando para ela para envolver suas pernas em volta
da minha cintura. Ela gemeu quando sentiu minha ereção sob
sua boceta.

— Foda-se — gemi, desesperado para entrar nela. Mas não


tinha certeza se ela ainda precisava assumir a liderança e dar as
cartas do jeito que ela tinha feito antes. Queria que possuísse
suas escolhas sexuais de uma forma que ela não tinha permissão
antes, mas também estava pronto para assumir o controle e lhe
dar a ela mais prazer do que já experimentou em seus trinta anos
nesta terra.

— Se você não tem objeções, acho que é hora de te provar.


— Sussurrei em seu ouvido.

— Oh Deus. — Ela torceu os quadris com mais força contra


mim. Era toda a permissão que eu precisava. Fui até a parede da
piscina e a sentei na borda lisa de azulejos, sem perder tempo
espalhando suas coxas, me colocando entre elas. O olhar de
Arabel escureceu quando minha boca abaixou, e minha língua
disparou para lamber seu clitóris. Um gemido alto escapou de
seus lábios, e foi o maior som que já ouvi. Ela arqueou as costas
e gemeu, apoiando-se nos antebraços enquanto eu corria minha
língua em sua fenda. Ela nunca parou de me ver chupar e
beliscar, sua boca em forma de “o” enquanto seus olhos
escureciam com a necessidade desenfreada.

— Porra, você tem um gosto tão bom. — Cada volta da


minha língua entre suas dobras me encheu com sua essência,
fazendo meu pau latejar a ponto de doer.

— Enzo. — Arabel gemeu, o som do meu nome me


estimulando. Trouxe minha outra mão para sua boceta,
lentamente entrando nela com um dedo, seus músculos se
contraindo enquanto engasgava.

— Porra, tão apertada. — Usando minha língua e dedo para


dar prazer à mulher mais linda que já conheci. Puxei meu dedo,
escolhendo inserir dois, o que a fez estremecer ligeiramente.

— Isso doeu?

— Um pouco, mas, por favor, não pare. — Ela estava


ofegante, com os olhos bem fechados, como se fizesse um esforço
para não gozar.
Foi uma visão espetacular, tão erótica que mexeu com o fogo
dentro de mim, e eu temia gozar antes de foder com ela
adequadamente. — Eu preciso estar dentro de você, você está
pronta para ser preenchida com meu pau?

Seus olhos se abriram e ela olhou para mim com tanta


luxúria em seus olhos. Poderia dizer que ela amava minha
conversa suja. Isso a excitou. — Você gosta quando falo sujo com
você?

Ela olhou para mim, sorrindo e mordendo o lábio inferior.


— Sim, amo. Então, você já pode me foder?

Eu ri e não perdi tempo saindo da piscina, pegando-a da


borda e carregando-a para o banco mais próximo. Rastejando
sobre ela, encontrei seus lábios, minha língua mergulhando em
sua boca sem preâmbulos. Esta tarde corrigiu os erros cometidos
contra ela, e agora era a minha vez de assumir o comando. Queria
lhe dar todo o prazer que nunca experimentou. E depois de prová-
la, não havia dúvida de que o prazer seria todo meu também.

Com nossos lábios travados, serpenteei a mão entre nossos


corpos e comecei a esfregar círculos em seu clitóris. Arabel
choramingou, abrindo bem as pernas para mim.

Droga.

— O que você quer? — Perguntei quando a ponta do meu


dedo médio correu ao longo de sua abertura lisa.
— Enzo... — O som do meu nome em seus lábios inchados
levou minha ereção a um novo nível.

Eu empurrei meu dedo mais fundo nela. — O que você quer,


Arabel?

— Eu... eu quero você. — Seus quadris levantaram do


banco, perseguindo o prazer que meu dedo fornecia.

Puxei meus dedos para fora de sua boceta e agarrei suas


coxas, puxando-a o mais perto possível da minha forma
ajoelhada. Então abri suas pernas e corri a coroa do meu pau ao
longo de sua entrada. — Cirque, — disse, fixando os olhos nos
dela. — Eu quero te foder forte, você está bem com isso?

— Sim, por favor.

Empurrei a ponta um pouco mais, cobrindo-a com sua


maciez. — Eu não tenho camisinha. — Nunca guardei nenhuma
aqui, já que este não era um lugar que gostaria de compartilhar
com uma mulher. Não até esta mulher.

— Está tudo bem, estou tomando pílula e estou limpa.

Sabia que ela estaria limpa, visto que era celibatária há três
anos. — Eu também estou limpo. Faz um tempo que não saio
com ninguém e fiz o teste desde então.

— Então, o que você está esperando, Sr. Steel? — Ela me


deu um sorriso tímido. Cristo todo poderoso.
— Eu preciso que você me diga que não planeja namorar
outros homens. — Meu olhar não vacilou enquanto pedia
fidelidade a ela, esperando que concordasse porque eu não tinha
nenhuma intenção de estar com outra pessoa além dela no futuro
próximo.

Suas sobrancelhas franziram e ela levou as mãos ao meu


rosto, segurando meu queixo, seus olhos suavizando. — O único
homem que eu quero é você, Enzo. — Ela trouxe seus lábios aos
meus e me beijou profunda e lentamente. Meu coração se encheu
de tanta alegria quando eu a beijei de volta por um longo
momento, feliz por ela ser minha e podermos pular os
preservativos.

A perspectiva de me sentir dentro dela, pele com pele, era


um sonho que se tornava realidade. Nunca quis nada mais.
Envolvendo meus braços sob seus joelhos para manter suas
pernas abertas, lentamente afundei dentro, sentindo o calor de
seu canal ao meu redor. Ela gritou, segurando-se nos cotovelos,
seu lindo rosto sardento corado enquanto observava meu pau
deslizar para dentro e para fora. Ela estava tão molhada, e sua
essência cheirava ao céu.

— Você é tão grande. — Ela arqueou as costas e baixou a


cabeça com um gemido baixo.

— E você é tão apertada. Acho que somos uma combinação


perfeita.
Ela riu, mas não durou muito enquanto comecei a bombear
mais rápido, fazendo minhas veias se encherem de calor
enquanto suas pernas tremiam em meu aperto.

— Meu Deus, Enzo, acho que vou gozar.

— Mmmmm — foi tudo que eu pude dizer quando deixei cair


uma de suas pernas e trouxe meu polegar para seu clitóris,
tirando um pouco de sua maciez para que meu dedo deslizasse
melhor. Sua mão se ergueu e segurou meu pulso.

— Deixe-me fazer isso — ela ofegou, puxando minha mão de


seu clitóris e substituindo-a com a sua.

Droga. Ela era tão sexy, mordendo o lábio e se tocando. Seus


olhos rolaram para a parte de trás de sua cabeça enquanto dava
prazer a si mesma por fora enquanto eu lhe dava prazer por
dentro. A mulher assustada que eu conheci até a manhã de hoje
não existia mais, e não poderia estar mais feliz com isso. Seu doce
aroma nos envolveu, sobrepujando a sugestão de cloro que
emanava da piscina.

— Enzo! Me foda com força.

Puta merda.

— Você prometeu.
Sorri, lembrando da promessa que fiz a ela durante nossa
briga na visita à mansão. — Bem, você sabe que nunca quebro
uma promessa. — Rosnei.

Eu a virei de quatro e fiquei atrás dela, afundando todo o


comprimento do meu pau de volta dentro de sua boceta
encharcada, sua bunda redonda implorando pela minha marca.
Ela gemeu, curvando-se para me beijar enquanto eu continuava
a bater nela. Ela era tão flexível que eu mal podia esperar para
experimentar todas as posições da porra do Kama Sutra com ela.

— Você quer que eu bata em sua bela bunda?

— Sim, por favor.

Eu espalhei uma mão entre suas omoplatas, empurrando


seu rosto na almofada enquanto levantei minha outra palma e a
abaixei com força, a marca rosa da minha mão aparecendo em
sua pele de porcelana. Foi bonito.

— Sim! — Arabel gritou, apertando suas entranhas


enquanto o orgasmo a rasgava. A força de suas paredes
apertando minha ereção como um torno.

— Goze em mim, baby. — Eu disse, empurrando meu pau


dentro dela mais forte e mais rápido quando minha própria
liberação começou a se desenrolar.

O corpo de Arabel estremeceu, seu rosto corou, suas mãos


agarrando a borda do banco, a intensidade de seu orgasmo
diminuindo lentamente, apenas para subir novamente a cada
choque de prazer. Senti sua essência escorrer por entre nossa
pele e sabia que não seria capaz de aguentar muito mais tempo.
— Eu mal posso esperar para te encher com meu esperma. — Eu
grunhi, batendo nela como uma besta. Queimando-a com as
chamas do inferno.

Ela soltou um gemido. — Sim, por favor, quero tudo isso.

Jesus Cristo.

Aumentei meu ritmo enquanto a pressão entre minhas


pernas aumentava.

Arabel gemeu alto. — Eu vou gozar!

Sim.

Estremeci quando suas paredes se fecharam em torno de


mim, minha semente quente jorrando dentro de sua linda boceta,
enchendo-a. Marcando-a para sempre. — Perfeita pra caralho. —
Eu disse, colocando meu corpo sobre o dela e beijando seu
ombro. Ela olhou para mim com um sorriso satisfeito levantando
suas bochechas coradas.

Esperava que houvesse muitos mais momentos como este,


porque não sabia como sobreviveria sem eles.

Sem ela.
— SEGUI SEU CONSELHO — disse a Mignon enquanto minhas
mãos seguravam suas pernas, impedindo-a de cair enquanto
ficava pendurada no teto durante sua primeira aula de dança
aérea. Eu encontrei um estúdio em Truckee, e era bom dançar
novamente.

Fiquei feliz quando Migs decidiu ir junto. Eu não pude


conter minhas risadas, observando seu rosto avermelhado, as
veias salientes de seu pescoço e testa, enquanto ela pendia de
cabeça para baixo, lutando para erguer o corpo de volta.

— Como diabos você fez isso por anos? — Ela estava


bufando tão forte que quase ofegava.

Eu ri. — Muito e muito treinamento. Eu disse para você


começar com o simples.

— Qual é a graça nisso? — ela ofegou. — Acho que as coisas


estão indo bem entre você e Enzo? Ele tem estado muito feliz nas
últimas semanas. É totalmente perturbador. — Ela piscou, me
fazendo rir ainda mais.

— Sim, tem sido incrível.

— Eu vejo isso. Vocês dois parecem completamente


sexuados.

Eu ri, ajudando-a a deslizar para baixo no tecido, minhas


bochechas corando com o calor.

— Oh, não seja tímida. Você merece toda a felicidade.


Especialmente depois de todo o lixo que vocês dois passaram.

Meu sorriso desapareceu quando balancei a cabeça e


suspirei. Enzo e eu estávamos saindo por semanas e, nesse
tempo, comecei a saber muito sobre ele. Ele me contou sobre sua
mãe, avó e irmãs na Itália. Sobre o quanto ele sentia falta deles e
como eram maravilhosas. Me contou sobre sua vida em Londres
como estudante e modelo. Ele me disse que odiava baunilha, a
menos que fosse na minha pele. Nós estávamos fazendo sexo em
todo lugar na casa dele e na minha. Quando não estávamos
enterrados um no outro, passávamos nosso tempo com Caterina
e os cachorros. Quanto mais eu a conhecia, mais amava sua
maravilhosa menininha – sua inocência e franqueza, uma lufada
de ar fresco em minha existência anteriormente estagnada.

Mas não importa quanto tempo estivéssemos passando


juntos, Enzo manteve seus segredos perto do peito, incapaz de
compartilhar a turbulência que vi em seus olhos. Eu tinha
desnudado minha alma para ele enquanto ele mantinha a sua
totalmente vestida.

— Eu ainda não sei do que você está falando — disse,


incapaz de esconder meu pesar.

Mignon permaneceu em silêncio, seus lábios franzidos em


pensamentos profundos. — Uau, ela fodeu com ele mais do que
eu pensava.

— Grace — sussurrei, meu coração afundando por ele, e por


mim porque não sabia por quanto tempo poderíamos continuar
um relacionamento enquanto ele permanecia um livro fechado.
Eu não era de exigir revelação completa dos outros. Entendi que
todos nós tínhamos nossos segredos. Mas quando esses segredos
surgiram em todos os dias de nossas vidas juntos, espalhando
tristeza e confusão, minha necessidade de revelação total era
inevitável.

Migs acenou com a cabeça, os olhos cheios de tristeza. Ela


soltou o tecido e colocou os braços em volta de mim. Retribuí o
abraço, murchando em seus braços. — Não tenho certeza se
posso continuar assim.

— Nah, isso é apenas o seu medo falando. — Ela me soltou,


colocando as mãos nos meus ombros e apertando. — Assim como
você passou por coisas terríveis, ele também. Ele não a
pressionou para revelar seus segredos, então não o pressione.
Deixe-o compartilhar quando estiver pronto.

Não queria dizer a ela que ele tinha me empurrado para


revelar meu segredo, então, apenas balancei a cabeça. —
Podemos, por favor, conversar sobre outra coisa?

Ela sorriu e caímos no chão para nos alongar. — Sal está


voltando. — Eu podia ver o nervosismo sob sua expressão
despreocupada.

— O quê?

— Enzo o está trazendo de volta e o encarregando de um


novo resort que eles estão adquirindo na Colúmbia Britânica.

— Como você se sente com isso?

Ela não disse nada por um longo tempo enquanto


alongávamos nossos membros.

— Meh, tanto faz. — Migs encolheu os ombros. — Enzo me


perguntou se eu estaria bem com isso. Ele disse que não o traria
de volta a menos que eu aprovasse. Disse sem problemas. Não
serei eu quem atrapalha os negócios. Além disso, meu irmão
Harry o odeia ainda mais do que eu, e a ira de Harry é mortal. —
Ela riu.
Eu sorri, embora não pudesse afastar a inquietação em meu
intestino. Só rezei para que minha nova melhor amiga não se
machucasse.
SUBIMOS os degraus da porta da frente de Lorenzo quando
ele me instruiu a fechar os olhos. Fiz o que me foi dito e ele pegou
minha mão, puxando-me para dentro de casa. As últimas
semanas foram fantásticas. O confuso e temperamental Enzo não
existia mais. Em seu lugar estava alguém caloroso, engraçado e
atencioso. Quando estávamos sozinhos, a besta nele saía para
brincar e, para minha surpresa, adorei, ansiava por isso, não
mais igualando sexo violento com algo ruim ou degradante. Foi
emocionante e quente.

Tão quente.

Estávamos passando o máximo de tempo possível juntos.


Eu estava nas nuvens e qualquer resquício da feiura que
carreguei há muito se foi. Ele era meu e eu era dele. Uma mulher
confiante, não se esquivando mais dos homens. Bem, um
homem. Eu não me importava com o resto.

— Posso abrir meus olhos?


— Não. — Senti seu peito duro pressionar contra minhas
costas, uma mão quente deslizando sobre meus olhos. Estavam
calejadas de talhar e cortar madeira e cheiravam a pinho e um
toque de sabão irlandês da primavera. Inalei o cheiro inebriante,
deleitando-me com sua masculinidade. Não sabia que tipo de
surpresa ele tinha para mim, mas se incluísse seu corpo nu e sua
boca hábil, então, já sabia que seria a melhor surpresa. Enzo
envolveu seu outro braço em volta da minha cintura e me
empurrou para frente com seu corpo.

— Você não confia em mim? Eu não estava planejando abrir


meus olhos. — Eu disse, incapaz de esconder meu sorriso.

— Eu confio em você, Cirque. Só queria uma desculpa para


sentir sua bunda sexy esfregando contra mim. — Sua voz estava
rouca, transformando meus joelhos em gelatina. Um lampejo de
dor passou pelo meu coração com suas palavras. Ele confiava em
mim, mas eu ainda não tinha ideia das coisas terríveis pelas
quais ele passou. Eu afastei o sentimento, não querendo deixar
meu humor despencar e arruinar a noite.

Eu ri. — Você não precisa de uma desculpa para se esfregar


em mim.

— Mmm, — ele gemeu. — Eu gosto do som disso.

— Onde estão os cachorros? — Senti falta do tamborilar de


amor incondicional que me acostumei a ouvir cada vez que ia a
sua casa. — E Cat? Onde está a pequena?
— Shhh, eles estão todos com minha irmã. Não quero
ninguém bagunçando meus planos.

— O que exatamente você está planejando, Sr. Steel?

Ele parou, baixou a boca ao meu ouvido e sussurrou: —


Vinho e jantar antes de te foder sem sentido.

Meu centro se apertou de desejo por sua promessa. — Oh...


parece um plano excelente.

Enzo riu, e depois de mais alguns passos, ele parou. O


aroma reconfortante de madeira queimada atingiu meu nariz. O
espaço estava quente e os sons sensuais de Amen, de Enigma e
do Aquilo, fluíram ao meu redor.

— Você está pronta?

Meu coração estava disparado de expectativa. — Sim, estou


pronta.

Ele tirou a mão do meu rosto e abri os olhos. Estávamos na


entrada da sala de estar. Havia várias velas de cor creme de
diferentes tamanhos queimando em todas as superfícies planas
do espaço, desde as mesas laterais até a cornija da lareira. As
lâmpadas em forma de lírio esmaecidas imitavam o brilho âmbar
suave das velas. Centenas de luzes de fada estavam penduradas
no teto de madeira escura que lembrava uma noite estrelada.
Olhei para baixo e engasguei. Pétalas de rosas roxas cobriam o
chão, formando uma trilha para a lareira do outro lado da sala.
Havia pétalas por toda parte, até mesmo nos sofás.

Meu coração estava tão feliz que poderia explodir. Segui a


trilha que me conduzia à sala de jantar. A grande mesa
retangular foi substituída por uma pequena redonda, coberta
com uma toalha de mesa branca. Duas placas de cerâmica,
pintadas em um lindo verde sálvia, estavam sobre a mesa. As
xícaras e os pratos de sobremesa eram iguais. Havia duas taças
ao lado de uma garrafa de champanhe e uma garrafa de cidra
espumante.

Outro suspiro escapou da minha garganta quando vi um


vaso de cristal no centro da mesa cheio de um buquê de rosas
lavanda e ásteres brancas.

Eu estava tão maravilhada que não falei nem fechei a boca.


Meu coração estava brilhando tanto dentro do meu peito que eu
praticamente podia ver através das minhas roupas.

Me virei e encontrei Enzo parado perto da lareira, me


olhando com um sorriso adorável no rosto. Seus olhos pareciam
ansiosos, como se estivesse esperando que eu dissesse o que
achava de seu gesto. Eu não tinha palavras, então deixei minha
bolsa cair no chão coberto de pétalas e corri para ele, jogando
meus braços em volta do seu pescoço e batendo minha boca na
dele. Eu me lancei contra seu corpo com tanta força que ele quase
caiu de bunda. Rindo, colocou uma mão na lareira para se firmar,
e a outra em volta da minha cintura.

Nosso beijo enviou choques elétricos entre nossas línguas,


que zuniram pelas minhas costas, fazendo meu corpo esquentar
e meu centro latejar. Enzo mordeu meu lábio inferior, fazendo-o
arder e imediatamente passou a língua sobre ele para tirar a dor.
Com nossos corpos quentes e moldados um ao outro, ele me
pegou e eu envolvi minhas pernas em volta de sua cintura,
deslizando as duas mãos por seus cabelos e deixando um rastro
de beijos em seu pescoço. Ele nos levou até o sofá e me deitou
antes de se abaixar em cima de mim. Ainda estávamos usando
nossos casacos e cachecóis. Comecei a abrir o zíper, mas ele
agarrou meus pulsos, me parando.

— Você primeiro — disse ele, desabotoando meu casaco com


dedos rápidos e jogando-o no chão. Seus olhos brilharam
enquanto ele olhava para o meu corpo coberto por um
minivestido de renda preta em linha A com um decote em V
profundo recortado. Eu tinha combinado com meias pretas
transparentes e botas vermelhas de salto alto.

— Merda. — O rápido aumento de seu peito e a mordida de


seu lábio inferior me disseram que ele gostou do que viu.

Eu o empurrei até que estivesse sentado no sofá.


Balançando minha perna sobre seu colo, eu montei nele,
deslizando o cachecol para fora de seu pescoço enquanto nossas
línguas se entrelaçavam.

— Então, você gostou da sua surpresa?

Eu ri e abri o zíper de seu casaco. — É tão óbvio, Sr. Steel?

Ele deu uma risadinha. — Mmm, eu diria que você parece


satisfeita.

Tirei o casaco de seus ombros, incapaz de parar de sorrir.


Uma pontada de luxúria estalou em minha barriga enquanto
olhava para seu corpo vestido – uma camisa de botão azul e
calças pretas justas que abraçavam suas coxas fortes e não
faziam nada para esconder sua excitação. — Você é tão seguro
de si, não sei se devo gostar ou tomar isso como um sinal de
alerta.

Ele baixou a cabeça para trás e riu. — Se mover céus e


terras para agradar a mulher mais linda que já conheci é um
sinal de alerta, deixe as sirenes tocarem porque não tenho
intenção de parar. — Ele passou os braços em volta das minhas
costas, pressionando-me contra seu corpo e empurrando seus
quadris, deixando-me saber o quão satisfeito ele estava. Deixei
escapar um gemido baixo, a dureza de seu pau delicioso contra
minha boceta acendendo minhas entranhas. Pressionei com mais
força, girando meus quadris para melhor fricção.
— Oh, Deus — choraminguei, jogando minha cabeça para
trás de prazer. Sua boca saltou no meu pescoço, beijando e
lambendo enquanto suas mãos seguravam meus seios,
apertando e girando seus polegares em volta dos meus mamilos
duros. Soltei um gemido alto com a onda de prazer que seu toque
evocou. Poderia gozar assim. Ele poderia me fazer gozar com
pouco esforço.

Ele moveu a mão para minha bunda e apertou. Então,


parou de se mover, toda sua atenção agora focada em meus
quadris e coxas. Correu as duas mãos da minha cintura até
minhas pernas, olhando para mim com luxúria absoluta
estampada em seus olhos.

Prendi a respiração quando percebi o que ele havia


encontrado.

Seus dedos traçaram o topo da cinta-liga preta, seus olhos


se arregalando enquanto ele descia para as tiras e os clipes que
prendiam minhas meias no lugar. Ele olhou para baixo,
levantando a saia do vestido até a minha cintura, revelando a
renda vermelha e a lingerie de cetim.

Um grunhido profundo saiu de sua garganta. — Porra! Você


está me matando, mulher.

Em um movimento rápido, ficou de pé comigo ainda


montada nele. Ele me sentou no sofá e se ajoelhou entre minhas
pernas. Meu núcleo latejava. Enzo segurou cada um dos meus
tornozelos e apoiou meus pés em seus ombros, espalhando-me
bem antes de enganchar um dedo em meu fio dental vermelho e
puxá-lo de lado.

Ele permaneceu parado por um momento, olhando para


minha boceta como se fosse uma pintura, uma obra-prima. A
Arabel de algumas semanas atrás ficaria mortificada por estar
em uma posição tão vulnerável. Mas aquela garota não existia
mais, e a vergonha não estava mais no meu radar, pois foi
substituída pela liberdade.

— Porra, você é tão linda. — Sua voz era áspera como uma
lixa, carregada de desejo.

Estrelas explodiram em minha visão assim que sua língua


desenhou uma linha na minha fenda e sua boca envolveu meu
clitóris.

— Oh meu Deus, Enzo! — Eu gritei, minhas mãos voando


para agarrar sua nuca.

— Sim. Eu sou seu deus, baby. — Ele lambeu minha carne


sensível com sua língua implacável. Minhas unhas cravaram em
sua cabeça com tanta força que quase tirei sangue. Ele sibilou de
dor, mas não me pediu para parar. Flexionei meus quadris,
movendo-me mais para dentro de sua boca. Mas não importa o
quanto estivesse recebendo, queria mais.

— Enzo…
Ele soprou ar quente na minha fenda antes de mergulhar
dois dedos dentro e circular sua língua ao redor do meu clitóris.
Fechei meus olhos e joguei minha cabeça para trás, consumida
pelo fogo que me rasgava. Seus dedos experientes se curvaram,
atingindo aquele ponto especial que me fez desmoronar em uma
explosão de gemidos e fogos de artifício.

— Maldição, você é uma visão. Você gosta quando eu chupo


seu clitóris? — Ele perguntou, sentando-se e lambendo minha
excitação de seus lábios, a visão tão erótica que fez minhas
paredes apertarem e meu orgasmo durar. Limpei o brilho de suor
da minha testa com as costas da minha mão, minhas pernas
moles, meu corpo todo completamente satisfeito. Por enquanto.
Ele colocou minha calcinha de volta no centro e se levantou para
me beijar, meu gosto em seus lábios estendendo meu prazer.

Deus, nunca soube que sexo poderia ser tão bom.

— Pensei que deveríamos jantar — disse, sorrindo.

— Eu acabei de jantar — respondeu ele, balançando as


sobrancelhas.

Eu ri. — Bem, eu não.

— Mmm, vamos ter que remediar isso, então.

Ele estendeu a mão para eu pegar, me colocando de pé e me


guiando para a cozinha. Havia aquecedores de comida instalados
na bancada da ilha, os pavios acesos das velas iluminando e
projetando suas sombras na parede. Lorenzo colocou uma luva
de forno em cada mão e pegou dois pratos de cerâmica da
prateleira aquecida. As placas foram cobertas com cúpulas de
aço inoxidável. Ele os levou para a mesa lindamente decorada e
deslizou uma cadeira para mim. Eu sorri, desfrutando de seu
cavalheirismo.

— O que você gostaria de beber? Eu resfriei algumas


garrafas de champanhe, mas também há cidra com gás e cerveja
sem álcool.

Eu tinha comido com Enzo vezes suficientes para saber que


ele nunca bebia álcool. Além da noite em que nos conhecemos,
ele não tocou em bebida — Adoraria uma cerveja. — Minha
necessidade de álcool diminuiu desde que estive com ele. Era
estranho ser a única a beber.

Ele se afastou para pegar nossas bebidas. Admirei a peça


central. Havia pelo menos uma dúzia de rosas lavanda. Algumas
mal abertas, outras totalmente floridas. Eu me identifiquei com
ambos. Uma parte de mim ainda era um botão tímido, enquanto
a outra parte tinha se aberto graças ao belo homem voltando,
segurando duas canecas de cerveja gelada na mão. Eu encarei os
ásteres, pequenos e delicados. Sua tonalidade branca criou o
contraste perfeito contra as rosas.

Fiquei pasma quando Enzo ergueu a tampa que cobria o


prato que ele colocou na minha frente. O cheiro de frango, laranja
e alecrim atingindo meu nariz e disparando uma torrente de
dopamina em meu cérebro. Arroz e talos de espargos
completavam a entrada principal.

— Você cozinhou tudo isso? — Eu perguntei incrédula.

—Si — Ele riu. — Por que a surpresa? Já cozinhei para você


antes. Minha avó me ensinou a cozinhar. Depois do meu
acidente, eu queria ser chef por um tempo.

— O acidente de esqui? — Eu sabia sobre isso, mas queria


esclarecer.

Ele acenou com a cabeça e sorriu, mas não elaborou. — O


que você fez depois que não conseguiu voltar às encostas?

Ele respirou fundo. — Fiquei louco por um tempo e comecei


a usar um monte de drogas. Minha mãe, avó e irmãs me
endireitaram e disseram que eu precisava encontrar uma nova
carreira. Então, me mudei para Londres e consegui um contrato
de modelo. Isso me permitiu ir para a escola de negócios e ter
capital para adquirir meu primeiro resort de esqui.

Eu o escutei atentamente. Este homem era tão fascinante.


Quanto mais o conhecia, mais admirava sua força e sua ambição.
Eu esperava que ele se abrisse sobre Grace e por que ela os
deixou. Mas hoje, eu não queria empurrar. — Eu amo suas
lâmpadas de lírio.

— Meu o quê?
Eu ri, apontando para as lâmpadas espalhadas pela sala de
estar.

— Oh. Comprei aquelas lâmpadas, mas não tinha ideia de


que eram lírios. Existe um significado para eles?

— Os lírios, em geral, simbolizam humildade, inocência,


beleza e novos começos.

Seu rosto se iluminou e ele me deu um daqueles sorrisos


que me deixavam desmaiada. Limpei minha garganta, tentando
esconder meus sentimentos. — Obrigada pelas flores. Obrigada
pela surpresa, pela refeição, é tudo muito...

— Encantador. — Ele interrompeu.

Talvez ele tenha se lembrado de nossa conversa semanas


atrás em sua oficina. A ideia fez meu peito se encher de doçura
pegajosa, que tentei afastar. Eu me fiz de boba, focando no
delicioso frango no meu prato. — Sim. É tudo muito encantador.

— Não. — Ele largou o garfo e olhou para mim. — Isso é o


que você é. A mulher mais encantadora que já conheci. Por que
você acha que escolhi ásteres e rosas lavanda para esta noite?

Meus pulmões pararam de funcionar e meu garfo parou no


ar. — Você se lembrou. — Eu sussurrei, lutando para manter o
contato visual. Estávamos juntos há semanas e não havia dúvida
de que gostávamos um do outro. Mas eu não queria fazer
suposições sobre os sentimentos dele por mim, e tinha medo de
admitir para mim mesma que o que corria em minhas veias era
mais do que paixão.

Quando eu não respondi, ele continuou. — Essas flores são


a representação perfeita do que você fez comigo.

Eu o encantei, assim como ele me encantou.

DEPOIS QUE O JANTAR ACABOU, sentamos no sofá e nos


beijamos por um longo tempo, lenta e apaixonadamente,
reacendendo o fogo dentro de nossos corpos. Enzo me agarrou
pela mão e caminhamos até o segundo andar. Ele me puxou na
direção de seu quarto, que ficava no corredor à esquerda da
escada. Meus pés desaceleraram até parar e olhei para a porta
no corredor do lado direito. Sabia que o escritório de Enzo estava
no final, mas nunca tinha visto o que havia além daquela
primeira porta. Era uma porta de madeira normal, mas algo nela
me atraiu e me deixou triste. Não sei porquê. — O que está atrás
daquela porta? — Finalmente o conhecia bem o suficiente para
bisbilhotar, mesmo que estivesse apenas bisbilhotando uma
porta e não o que eu realmente queria saber. Tudo sobre Grace e
os demônios que torturaram o homem que eu queria mais do que
tudo neste mundo.

Lorenzo ficou tenso, apertando minha mão com mais força.


Ele não se virou para mim ou para a porta. Puxou meu braço com
mais força, me puxando para seu quarto. — Não é nada
importante, apenas não entre aí.

— Por quê?

Chegamos à entrada de seu quarto e ele parou, virando-se


para mim. — Porque... está cheio de bolor negro. — Sua voz era
áspera, seu aborrecimento com minha linha de questionamento
claro em seu rosto. Minha perplexidade deve ter aparecido em
meu rosto porque suas feições se suavizaram e ele levou as mãos
ao meu rosto. — Eu sinto muito. — Ele esfregou minhas
bochechas com os polegares. — Agora, eu tenho uma surpresa
para você.

— Oh?

— Feche seus olhos.

— Outra surpresa?

— Sim, estou cheio de surpresas esta noite, Cirque.

Fiz o que ele disse, fechando minhas pálpebras e deixando-


o me guiar até seu quarto. Uma vez lá dentro, ele largou minha
mão e atravessou a sala. Mantive meus olhos fechados, meu
pulso acelerando a cada segundo, o doce aroma de chocolate
subindo pelo meu nariz. A vertigem encheu meu peito quando os
sons da Glory Box do Portishead entraram em meus ouvidos.
Minha confiança estava muito longe da mulher desconfiada e
temerosa que eu era. Uma época em que o passado tinha seus
ganchos em mim e se recusava a deixar ir. Um tempo antes de
Enzo me ajudar a me livrar disso e chutá-lo na bunda.

Ele caminhou em minha direção, posicionando seu peito


contra minhas costas e abaixando sua boca em meu ouvido. —
Abra.

Havia velas na mesa de centro. Uma bandeja com frutas e


um pote de chocolate derretido estavam no tapete em frente à
lareira, que estalava e lançava sombras ao redor da sala. E no
centro do espaço, bem longe do teto, pendia um par de sedas
brancas de dança aérea. — Enzo... — Eu cobri minha boca
aberta, ofegando de prazer.

— Você gosta disso? — Seu hálito quente soprou em meu


ouvido, fazendo minha pele queimar de prazer.

— Eu amo isso. — Aproximei-me do aparelho, passando


minhas mãos pelo tecido brilhante e puxando-o para testar sua
elasticidade. Olhando para ele, percebi um brilho malicioso em
seus olhos. — Deixe-me adivinhar. Você quer que eu lhe dê um
strip-tease aéreo?
Ele riu antes que seu olhar escurecesse e fechou a distância
entre nós, trazendo meus braços acima da minha cabeça. Envolvi
minhas mãos em torno do material, e ele as envolveu nas suas.
— Errado. Vou te foder enquanto você balança com as pernas
abertas para mim.

Jesus.

Minha imaginação disparou, as imagens na minha cabeça


me fazendo gemer, embora ele mal tivesse me tocado. Inclinei
minha cabeça para trás e pressionei minha boca na dele. O beijo
foi áspero e faminto, o choque de nossas línguas enviando ondas
de choque direto para minha boceta dolorida. Ele deslizou a mão
até minha cintura e me virou para encará-lo. — Mas eu nunca
recusaria assistir você se despir para mim. Primeiro, porém, vou
alimentá-la com um pouco de sobremesa. — Ele me levou para o
tapete e me colocou no centro, puxando as alças do meu vestido
pelos meus braços até que meus seios se soltassem. — Sem sutiã.
— Ele rosnou, o fogo em seus olhos me fazendo queimar de dentro
para fora. Serpenteei meu braço para trás para abaixar o zíper do
meu vestido rendado, mas ele me parou, abaixando-o lentamente
como se tivéssemos todo o tempo do mundo. Porque nós temos.

Quando meu vestido caiu do meu corpo, agrupando-se em


torno dos meus pés, Lorenzo deu um passo para trás, seus olhos
percorrendo cada linha e curva. — Você é a criatura mais sexy
que já vi.
Acreditei nele. Não por causa da lingerie, mas porque ele me
fez sentir como se eu fosse o sol e a lua em seu céu. — Você
também não é tão ruim, Sr. Steel. — Eu dei a ele um sorriso
brincalhão, me inclinando para tirar minhas botas vermelhas.

— Deixe-as. — Ele ordenou, tirando o grampo do meu


cabelo. Cachos vermelhos caíram sobre meus ombros e meus
seios, e nunca me senti tão sexy em minha vida.

Enzo rapidamente desfez os botões de sua camisa antes de


puxar as calças e boxers para baixo, seu corpo glorioso um
espetáculo para ser visto. Ele parou na minha frente, sua ereção
atingiu meu estômago enquanto suas mãos espalmavam meus
seios e sua língua mergulhou em minha boca. Era o paraíso na
terra. Ele nos colocou no tapete e puxou algo de debaixo de uma
almofada. Meu corpo enrijeceu ao ver a venda de seda vermelha
em sua mão. O pânico aumentou, mas o esmaguei porque não
me servia mais. Confiava em Lorenzo e sabia que tudo o que ele
planejasse me traria nada além de prazer. Mesmo que não
pudesse ver. Porque agora, quando fechei meus olhos, o passado
não estava mais atrás de minhas pálpebras.

— Lembre-se, você está segura comigo, amore mio. — Meu


amor. Ele me chamou de seu amor. Borboletas esvoaçavam na
minha barriga, dançando em fila para soletrar uma palavra de
quatro letras. A palavra de quatro letras. Empurrei o sentimento
para baixo. Seria ridículo chamar isso de amor quando o
conhecia há apenas alguns meses e não fazia ideia de seu
passado, certo? Meus músculos relaxaram, e permiti que ele
cobrisse meus olhos com a venda fria de seda. Meu coração
martelou no meu peito quando Enzo me puxou para ele até que
montei em seus quadris. Então ele me beijou longa e lentamente.

— Fique aí — disse ele depois de quebrar nosso beijo.


Sentei-me em seu colo, com os olhos vendados, a antecipação
aumentando a tensão sexual acumulada entre minhas coxas.

— Abra sua boca.

Relaxei minha mandíbula e abri, o cheiro de chocolate


batendo no meu nariz segundos antes de o sabor explodir na
minha língua, agridoce e suave como veludo. Eu mordi, com água
na boca com o sabor intenso, mas delicado, de morangos
misturados com o chocolate cremoso e quente. — Hummm,
delicioso. — A falta de visão ampliou meu paladar, e a energia
expectante na sala levou minha excitação a novas alturas.

Os lábios macios de Enzo pressionaram os meus, sua língua


entrando na minha boca, provando o morango coberto de
chocolate comigo. — Muito delicioso. — Ele quebrou nosso beijo,
deixando-me no escuro mais uma vez. Não sabia o que ele faria
a seguir, e a antecipação fez minha respiração acelerar, ondas de
excitação rolando por todo o meu corpo.

Estremeci quando sua mão tirou uma mecha de cabelo do


meu peito. Queria lhe perguntar quais eram seus planos, mas
decidi me render ao desconhecido. Engasguei quando senti um
dedo quente circulando meus mamilos. Estava pegajoso, o cheiro
de chocolate mais uma vez enchendo meu nariz. Meus mamilos
estavam tão duros que pareciam seixos, a eletricidade que seu
toque produzia viajando direto para o lugar entre minhas coxas.

Eu gemi quando seu dedo entrou na minha boca e


imediatamente chupei o chocolate, girando minha língua. Ele
puxou o dedo e o substituiu pela boca mais uma vez. O beijo foi
áspero e rápido, refletindo o frenesi dentro de nós. Enzo arrancou
seus lábios dos meus e arrastou beijos pelo meu pescoço até
meus mamilos. Eu gemi alto quando sua boca quente começou a
lamber e chupar o chocolate derretido dos meus botões rosa e
duros, fazendo meu corpo tremer de necessidade desenfreada.

Minha calcinha ainda estava no lugar, meu corpo tremendo


incontrolavelmente no aperto de Enzo enquanto ele continuava a
chupar meus seios, um gemido satisfeito deixando sua garganta.
Joguei minha cabeça para trás e gritei seu nome. — Enzo!

A escuridão pode trazer um terror inimaginável, mas


também pode trazer um prazer como você nunca pensou ser
possível.

E sabia que ele estava apenas começando.

Ele me pegou e me colocou de costas no tapete. Colocou


uma almofada sob minha cabeça. Levei minhas mãos aos olhos,
desesperada para tirar a venda, mas ele agarrou meus pulsos. —
Mantenha-os! — Sua voz era sombria e autoritária, e adorei
porque sabia que vinha da luxúria, não da malícia. Eu trouxe
meus braços para os lados e esperei o que viria a seguir. Seu
cabelo fez cócegas na minha barriga quando ele a beijou, seus
dedos enganchando nas laterais da minha calcinha vermelha e
puxando-a para baixo em minhas pernas cobertas com meias e
sobre minhas botas vermelhas antes de se posicionar entre
minhas coxas. Ele abriu minhas pernas amplamente, me
expondo totalmente.

Além dos sons sensuais do Portishead tocando nos alto-


falantes, nada aconteceu pelo que pareceram minutos. Cada
segundo que passava aumentava a tensão na minha coluna e a
pressão entre as minhas pernas. Eu não tinha ideia do que ele
estava fazendo ou qual seria seu próximo movimento, o que só
fez meu coração bater cada vez mais rápido dentro do meu peito.

— Enzo? — Ele não respondeu, não com palavras. Em vez


disso, ele soprou no meu clitóris. Estremeci de surpresa e gemi
quando a pura euforia me sacudiu. — Porra... — Eu empurrei
meus quadris, implorando para ele fazer isso de novo. Ele riu e
senti minhas narinas dilatarem de frustração. Abri minha boca
para protestar, mas ele correu um dedo pela minha fenda,
espalhando a mancha que se acumulou entre meus lábios. Eu
gritei, meu corpo queimando e tremendo. Era quase demais,
minha falta de visão tornando-a a experiência sexual mais
intensa que já tive.
— Tão molhada para mim — ele rosnou, levando meu
clitóris entre os lábios, me fazendo ver cada estrela e constelação.
Meu corpo inteiro estava flutuando, preso em um contínuo
espaço-tempo onde nada mais existia além de nós. Ele cantarolou
enquanto sua língua explorava minhas dobras. Minhas mãos
viajaram por suas costas, arranhando sua pele, empurrando
desesperadamente meus quadris contra sua boca mágica,
querendo mais, mas mais uma vez, ele parou, me deixando com
frio e ansiosa para saber o que viria a seguir. Eu serpenteei uma
mão até o meu centro, desesperada para continuar o que ele
começou e obter o alívio que ele estava me negando.

— Não, — ele ordenou, rastejando sobre mim e me beijando.


— Eu não posso esperar para enterrar meu pau dentro de você.

Sim por favor.

Ele me pegou com minha cinta-liga, meias e botinhas


vermelhas, a venda de seda vermelha ainda cobrindo meus olhos.
Passei meus braços em volta do pescoço dele, envolta na
confiança cega que só ele poderia me dar. Ele me colocou de pé,
envolvendo um braço em volta da minha cintura e puxando a
venda com o outro. Eu abri meus olhos e o encontrei olhando
para mim. — Eu preciso que você tenha seus olhos para a
próxima parte. — Ele me virou até que eu enfrentei os tecidos
aéreos fluindo do teto enquanto ele chupava e beijava o
comprimento do meu pescoço, suas mãos massageando meus
seios. Eu sorri, sabendo o que ele queria. Estava tão excitada que
meus dedos tremeram enquanto dava um nó nas tiras de tecido
até que formaram um balanço. Seus beijos ficaram desesperados
e então ele levou a mão à minha boceta e a segurou com força.

— Minha. — Ele rosnou em meu ouvido.

— Sim, toda sua. — Eu gemi, seu domínio me fazendo sentir


como uma rainha. Sua rainha.

Eu me virei e sentei no balanço, minhas mãos agarrando


um tecido de cada lado do meu rosto. — Foda-me, Enzo. —
Implorei, desesperada para senti-lo, prová-lo, respirá-lo.

A escuridão no olhar de Enzo causou arrepios na minha


espinha. Ele caminhou até mim até que seu peito duro estava a
centímetros do meu rosto. Ele agarrou meu cabelo e puxou,
fazendo minha cabeça inclinar para trás. Envolvi minhas pernas
ao redor de seus quadris, deixando escapar um gemido quando
minha umidade encontrou seu pau duro.

— Incline-se para trás. — Ele disse, e eu não perdi tempo


mudando meu peso para minhas mãos e endireitando meus
braços enquanto deixava a metade superior do meu corpo cair
enquanto minhas pernas seguravam seus quadris. Enzo me
agarrou pelos tornozelos e separou minhas pernas. Eu estava
totalmente aberta e vulnerável a ele. — Porra, Cirque, nunca vou
parar de amar essa boceta linda. — A cabeça de seu pênis
cutucou minha entrada e eu respirei fundo, relaxando meus
músculos para deixá-lo entrar. Ele me preencheu completamente
em um impulso e um gemido alto deixou minha garganta
enquanto tremia sob ele.

Suas grandes mãos envolveram a parte de trás dos meus


joelhos e ele me empurrou para trás, o movimento do balanço
fazendo sua ereção deslizar para dentro e para fora de mim. —
Cristo — ele sibilou, o movimento de seus quadris combinando
com o balançar do balanço. Demorou apenas alguns minutos
para o meu orgasmo se desenrolar. Enzo grunhiu e ofegou mais
alto a cada estocada, deixando-me saber que ele estava perto de
explodir dentro de mim. — Olhe para mim, Arabel.

Eu levantei minha cabeça, olhando para o belo homem na


minha frente, seus olhos alcançando o fundo da minha alma. —
Oh, Deus, Enzo! — Meu clímax detonou minhas células em um
milhão de pedaços. Eu gritei, levantando-me e segurando seu
pescoço enquanto meu corpo tremia incontrolavelmente.

— Eu amo quando você grita meu nome, baby. Agora, me


diga que você é minha. — Ele ofegou na curva do meu pescoço
enquanto entrava em mim com velocidade frenética.

Enquanto o orgasmo continuava a rasgar através de mim,


eu gemi. Ele cobriu minha boca com a dele, amortecendo o som
do meu delírio. Eu não conseguia me mover, eu só podia vê-lo,
cheirá-lo, ouvi-lo, prová-lo, senti-lo.
Enzo parou de repente, seu corpo ficou tenso enquanto ele
se preparava para sua libertação. — Diga que você é minha. —
Ele rosnou, me enchendo com sua semente.

Uma necessidade repentina de confessar me oprimiu, me


forçando a dizer as palavras que descreveriam o que eu sentia
por ele. Queria lhe dizer que me apaixonei por ele de uma maneira
que nunca tinha feito com ninguém antes. Mas havia tanta coisa
que eu ainda não sabia sobre ele. Eu não conseguia dizer as
palavras que estavam vivendo em meu coração, então disse a
segunda melhor coisa.

— Sou sua.

E eu quis dizer isso com cada grama de luz em minha alma


nua.
HAVIA algo a ser dito sobre forjar um vínculo íntimo com
outra pessoa além de um encontro entorpecente e cheio de
luxúria. Para abrir o coração o suficiente para querer
compartilhar tudo em nossas mentes e espíritos com outra
pessoa. Era onde eu estava. Estou nas nuvens. Na dança do céu
da beleza. O tópico principal governando meus pensamentos
sendo Arabel. Como gratificá-la, mimá-la, tratá-la com carinho.
Criar atividades divertidas que colocariam um sorriso brilhante
em seu rosto. O sorriso que ela guardou apenas para mim. O
sorriso que eu tinha certeza de que não poderia mais viver sem.

Não tinha dúvidas em minha mente que Arabel adoraria a


surpresa de hoje. O rastro de pétalas carmesim conduzindo à
marquise onde Mário, meu massagista e seu parceiro esperavam
com ele e suas mesas de massagem, uma mistura de lavanda e
sândalo enchendo o ar, música suave e sensual saindo do
sistema master surround. Todo o espaço se encheu com o âmbar
suave das lâmpadas em forma de lírio. Deixei Oliver terminando
um jantar delicioso feito de ingredientes afrodisíacos. Manjericão,
mel de salmão com alho e um toque de pimenta, aspargos,
batata-doce frita e uma salada de rúcula. Figos cobertos de
chocolate nos aguardavam para a sobremesa. Valeu a pena ter
um chef renomado como melhor amigo.

Minha bela dançarina estava na minha frente, seus olhos


azuis do oceano sorrindo ferozmente, sua boca curvada naquele
sorriso brilhante que eu tanto amava. Deslizei meus óculos pela
ponte do meu nariz enquanto meus olhos correram sobre seu
corpo de cima a baixo, minha boca salivando de alegria enquanto
observava a seda verde esmeralda e a blusa de renda que
abraçava seu torso tonificado. Seu jeans skinny apertado me fez
gemer de ansiedade, e minhas mãos tremeram com a necessidade
de apertar sua bunda. As partes mais hipnotizantes dela, porém,
eram seu cabelo e rosto. A forma como suas mechas de cobre
caíram sobre seus ombros ligeiramente nus. Seu rosto salpicado
com uma miríade de sardas, como uma constelação de estrelas
que aumentavam o brilho de sua beleza.

Porra, ela era incrível.

Momentaneamente esqueci os planos para o dia, meu corpo


gritando para jogá-la sobre meus ombros e levá-la para a minha
cama, onde poderia fodê-la sem sentido. Sexo com essa mulher
provou ser melhor do que qualquer coisa que já experimentei
antes. A química física e a conexão emocional que
compartilhamos faziam com que todos os outros parecessem
enfadonhos.
Depois de alguns minutos de beijos ardentes e algumas
carícias decentes, interrompi nosso beijo, lembrando-me dos
planos que tinha em mente.

— Você está pronta, Cirque?

— Absolutamente, Sr. Steel. — Suas bochechas se ergueram


com outro sorriso inesquecível que puxou as cordas do meu
coração. Eu a puxei para o meu peito.

— Espero que você tenha descansado o suficiente porque


pretendo foder com você até o sol raiar.

Ela olhou para mim, o calor aquecendo suas bochechas e


fazendo-a parecer deslumbrante sob o luar brilhante.

— Tirei uma longa soneca. — Disse ela com um sorriso


malicioso. Então, piscou para mim.

Ela piscou para mim, porra, e meu pau estava mais duro do
que nunca desde a puberdade. Gemi de excitação, passei meus
braços em volta de suas coxas e a coloquei em meu ombro, cada
uma de suas risadas me deixando ainda mais excitado. Assim
que entramos em casa, coloquei-a no chão e cobri seus olhos,
guiando-a até o grande solário onde Mario e Boston, seu parceiro
de negócios, estavam esperando para nos dar massagens lado a
lado.
— Abra seus olhos. — Meu coração deu um pulo atrás das
minhas costelas. O prazer de mimá-la quase tão bom quanto o
prazer de estar dentro dela. Quase.

Ela abriu os olhos e vi quando eles se arregalaram. Ela


estava definitivamente surpresa. Fiquei satisfeito comigo mesmo
até que seu corpo ficou rígido, sua mão disparou e agarrou o
medalhão com a foto dentro. Ela permaneceu tão imóvel que não
pude saber se estava respirando. Essa não era a reação que eu
esperava.

Fiquei na frente dela e dobrei meus joelhos até que


estivéssemos no nível dos olhos. Seus olhos azuis se encheram
de lágrimas. — Eu não posso. Eu não posso. Eu não ... — ela
parou, seus olhos vidrados como se ela não estivesse mais lá.

O que. O. Porra.

Colocando minhas mãos em seus ombros, dei-lhe um aperto


suave. — Cirque, o que há de errado?

— Enzo, sinto muito. — Sua voz tremeu e as lágrimas


escorreram por seu rosto. Ela deu um passo para trás, virando e
disparando direto pela porta da frente.

A raiva borbulhava em minhas veias. E preocupação. Tanta


preocupação. Fechei minhas mãos ao lado do corpo, tentando
manter a raiva longe. Quantas vezes essa mulher fugiria de mim?
Foi fofo, embora um pouco enervante no início, quando não me
conhecia, mas não era mais o caso. Ela sabia que eu não era um
idiota que queria machucá-la. Quanto mais eu tinha que fazer
para provar que gostava dela? Corri atrás dela. Se esperava
continuar fugindo de mim, o mínimo que poderia fazer era me
dar uma explicação.

Não consegui encontrá-la em nenhum lugar fora. Meu carro


ainda estava lá, então, não o pegou. Raiva, rejeição e preocupação
dominaram meu sistema nervoso. Seu casaco, chapéu e luvas
ainda estavam no foyer. A única coisa que faltava eram suas
botas. Pelo menos ela teve o bom senso de calçar as botas.

— Arabel! — Outro grito saiu do meu peito. Abri a porta


externa de minha oficina de marcenaria. Uma leve som de
choramingo atingiu meus ouvidos. Eu parei e escutei. Soluços.
Ela estava chorando. Meu coração quebrou com o som. Foi uma
agonia. Odiava quando ela chorava. Especialmente se fosse eu
quem a obrigasse a fazer isso. Era óbvio que algo estava errado
com minha surpresa. Não sabia o que tinha feito, mas já me
odiava por isso.

Eu a encontrei no chão ao lado da estante que escondia a


porta élfica do meu santuário secreto. — Arie?

Ela tinha a cabeça entre os joelhos, os braços apertando as


pernas, enquanto balançava para frente e para trás, da mesma
forma que meu sobrinho autista fazia quando entrava em pânico.
Eu abri minha boca, mas rapidamente a fechei, com medo de
foder com isso ainda mais. Me abaixei ao lado dela e esperei.

Depois de alguns minutos, ela levantou a cabeça e me


encarou. Meu peito apertou com a visão. Seus olhos estavam
injetados e inchados, lágrimas negras manchavam suas
bochechas, cobrindo a coleção de sardas que eu tanto amava.
Seus lábios carnudos tremeram incontrolavelmente. Ela enxugou
o rosto com as costas da mão, vergonha e dor escurecendo o azul
de seus olhos. — Eu meio que perdi o controle lá. — Ela soltou
uma risada seca.

Não reagi porque não achei a situação engraçada. Tudo o


que senti foi arrependimento e autocondenação. — O que
aconteceu?

— Eu... eu só, — ela respirou fundo — eu não gosto de


massagens. — Sua voz estava mais forte e ela parou de balançar.
O pânico em seus olhos havia diminuído. Ela fortaleceu as costas
e manteve a cabeça erguida. Não queria parecer fraca. Eu não a
via assim. Vi uma linda mulher que era forte e feroz, mas também
humana. Depois do que ela passou, fazia sentido que
experimentasse contratempos às vezes. Eu também não era
imune a eles. Meus pesadelos aconteciam com tanta frequência
que se juntavam em um fluxo infinito que eu achava que nunca
iria acabar. Não, eu era o fraco nesta equação. Inclinei minha
cabeça e a encarei, esperando que ela elaborasse.
— Não gosto de massagens de estranhos. Não conheço esses
caras e fico desconfortável com um homem que não conheço me
tocando em todos os lugares. — Ela fez uma careta como se
receber uma massagem fosse a coisa mais nojenta do planeta.

Eu não poderia ter fodido tudo ainda mais se tivesse


tentado. — Sinto muito, eu não sabia.

— Claro, você não sabia. Por que saberia? — Havia


amargura em seu tom, e eu não tinha certeza se era dirigido a
mim ou não, mas me irritou da mesma forma. O dia foi arruinado.
Seu humor estava sombrio e, francamente, o meu também. Esta
não foi a primeira vez que me decepcionei com minha falta de
visão sobre o que quer que minha amante estava passando.

— Eu quero ir para casa. — Ela não mascarou a amargura


em sua voz, olhando para longe de mim, seu perfil rígido e estoico.

Ela estava com raiva de mim. Meu coração afundou e eu


queria socar a parede. Sabia que estragaria o que tínhamos mais
cedo ou mais tarde. Eu só esperava que fosse muito mais tarde.
ME revirei na cama, incapaz de desligar minha mente. A
confissão de Arabel estava cavando seu caminho cada vez mais
fundo em minha alma. E pensar sobre isso foi tudo o que meu
cérebro foi capaz de fazer desde que a deixei em casa.

Não conseguia descrever a dor e a raiva fervendo em minhas


veias cada vez que pensava sobre o que ela havia passado. Ouvir
sobre um ente querido sendo ferido de alguma forma fez meu
coração se partir ao meio. Mas quando foi agressão sexual, o
roubo flagrante da dignidade e honra de outra pessoa, roubando
o consentimento que a maioria de nós dá como certo, esmagou
minha alma, o abismo em meu peito ficando mais amplo e escuro
do que nunca. E saber que tinha feito algo para causar mais dor
a ela me fez sentir repugnância.

Ela me deu um beijo de boa noite, mas seus lábios estavam


duros e seus olhos frios. Na manhã seguinte, voei para o Canadá
para receber Sal de volta ao time norte-americano, sem saber
onde estávamos. A incerteza me matou, mas também precisava
de algum espaço para colocar meus pensamentos em ordem e
realocar meu bom senso. Deveria saber que uma massagem teria
desencadeado aquela reação.

Sal estava aqui e estaríamos adquirindo um novo resort na


Colúmbia Britânica. O trabalho era tudo que eu podia fazer para
manter Arabel fora da minha cabeça. Não havia dúvida de que
me importava com ela, talvez até a amasse. Ela era tudo para
mim. E o que aconteceu com ela não me impediu de desejá-la.
Meu problema era minha incapacidade de lidar com sua
turbulência quando não conseguia nem mesmo lidar com o
minha o suficiente para compartilhá-la com ela.

Eu sabia muito bem aonde minhas inadequações levavam,


e não era um bom lugar. Era um lugar muito ruim. Meu coração
não aguentou outra implosão. Memórias da última vez que vi
Grace crivaram minha mente como um vírus que não conseguia
chutar, reabrindo a cratera que Arabel tinha conseguido fechar,
trazendo a dor, a culpa e a dúvida de volta com força total.

Quando isso vai acabar?

Quanto tempo terei que pagar pelo que fiz a Grace?


EU PRECISAVA DE uma pausa na minha vida, do estresse de
preparar o centro de cura. Mais do que qualquer coisa, precisava
tirar Enzo da minha mente. Fiquei com vergonha e raiva de mim
mesma após o fiasco da massagem. Com raiva por ter deixado
isso chegar até mim e permitido que o passado me destruísse
mais uma vez. Arruinei sua surpresa, e agora não conseguia nem
olhar para ele sem que a auto aversão batesse em meu peito.

Meu corpo se moveu com a melodia sensual de Smell of


Desire da Enigma. Eu sorri, misturei-me com as outras
dançarinas e parecia despreocupada.

No entanto, estava tudo, menos despreocupada.

Quando Enzo me deixou em casa, ele parecia zangado.


Talvez finalmente estivesse me julgando pelos eventos do meu
passado. Se ele fez, então foda-se. Eu tinha ido longe demais para
permitir que alguém me fizesse sentir menor, nem mesmo o
homem que eu amava.
Porque eu o amava.

O amava mais do que jamais amei qualquer homem antes,


porque nunca tinha amado até agora.

Depois de sair da aula, decidi parar no meu novo café


favorito para comprar um smoothie de frutas vermelhas triplas.
Foi o melhor que já tive, e a loja tinha um estilo vintage, com
decoração nas paredes, onde discos de vinil ainda eram tocados.
Enzo me levou lá vários meses atrás, e desde então, apreciei o
estabelecimento pitoresco com Mignon, assim como minha irmã.
O lugar se tornou meu novo destino para relaxar e descontrair.
Beber um smoothie de frutas vermelhas e ler um livro.

Eu me perguntei o que Enzo estava fazendo, especialmente


agora que seu velho amigo, Sal, havia retornado da Itália para
gerenciar sua nova aquisição canadense.

Sentia falta dele, embora não soubesse onde estávamos no


relacionamento. Não sabia mais o que ele sentia por mim. Queria
ouvir sua voz, mas estava com medo de ligar para ele. Liguei meu
telefone e digitei uma mensagem. Eu sinto sua falta. Mal posso
esperar para você voltar para casa.

Segurei o volante com força, esperando uma resposta


enquanto estava sentada em um sinal vermelho a alguns
quarteirões do café. Quando o telefone tocou, meu coração deu
um pulo. Também sinto sua falta. Vejo você na próxima semana.
Meu coração inchou e meus nervos se acalmaram. Tudo ia
ficar bem. Era incrível como ele podia facilmente acalmar minha
alma e me dar a força extra de que precisava desesperadamente.
Estacionar foi fácil, e caminhei em direção à loja com energia
renovada em meus passos quando o mundo parou e meus pés
congelaram no lugar como se estivessem presos em uma tira de
cola de rato. Esfreguei meus olhos, esperando que isso fosse
algum tipo de ilusão de ótica.

Não foi. Todo o sangue foi drenado do meu corpo enquanto


eu observava Enzo, Oliver, Harry, Mignon e algum outro cara
usando um boné de beisebol de costas para mim, sentado em
uma das mesas do pátio da porra do meu café.

Desesperadamente alcancei meu medalhão, precisando


segurar algo antes de desmaiar. Lágrimas escorreram pelo meu
rosto como ácido, queimando minha pele o meu coração
sangrando, enquanto os observava bebericando o líquido
fumegante de xícaras de café antigas, rindo e brincando
enquanto meu mundo desmoronava. Ele deveria estar de volta na
próxima semana. Ele disse isso em uma mensagem há menos de
cinco minutos.

Mentiroso.

A mudança da angústia para a raiva foi rápida. Sangue


fervendo, narinas dilatadas, punhos cerrados, pronta para
chutar alguns traseiros. Enxuguei minhas lágrimas e me
endireitei, tentando recuperar minha dignidade antes de levantar
o inferno. Eu queria andar até eles e jogar seu cappuccino em
seu rosto antes de dar um tapa nele até deixá-lo sem sentido.

Você é melhor que isso. Nunca se esqueça de que você é uma


senhora. As palavras da minha avó ecoaram na minha cabeça.
Ela sempre me dizia que as cenas públicas eram grosseiras e
tiravam o foco do problema em questão. Peguei meu telefone e
tirei uma foto dos London Boys e minha nova melhor amiga.
Quando cheguei em casa, anexei a imagem a um texto com
quatro palavras simples:

Eu terminei com você.

— ARABEL. — Ele bateu na porta com toda a força. — Por


favor, abra a porta.

Silêncio. Eu me inclinei do outro lado, soluçando baixinho.

Boom Boom Boom.

Meu corpo sacudiu com cada golpe de seus punhos contra


a madeira grossa. Cada sacudida arrancou um gemido da minha
garganta, mas ele não podia ouvi-los. Eu não queria que ele
fizesse.

— Arabel, deixe-me explicar. — Sua voz parecia dolorida e


em pânico.

Boom Boom Boom.

Eu queria ouvi-lo. Não queria ouvi-lo. Queria vomitar. O que


ele diria? Que conheceu outra pessoa? Que não me queria mais?
A chuva fria de primavera agredia às janelas do lado de fora.

— Arie, por favor — ele implorou.

Mas ainda não consegui abrir a porta.

— Fiquei assustado depois do fiasco da massagem. Eu


precisava de tempo para descobrir as coisas.

Raiva.

Vermelho. Quente. Raiva. Abri a porta, certificando-me de


que meus olhos atirassem adagas nele. — Você está colocando
isso em mim? — Eu cuspi com os dentes cerrados.

— Não, não é isso que estou dizendo.

— Então o que você está dizendo? Como você ousa jogar na


minha cara a coisa mais vergonhosa e vulnerável que já
aconteceu comigo? — Lutei para manter minha voz calma.
Ele respirou fundo. — Não vamos fazer isso aqui. Posso
entrar?

Queria dizer não. Queria deixá-lo congelar até a morte na


chuva gelada.

Meu corpo se moveu para o lado e ele entrou pela porta com
a cabeça baixa, tirando o casaco.

— Eu não ficaria muito confortável. Você não vai ficar aqui


por muito tempo.

Seu rosto se contorceu de angústia. Doeu-me vê-lo sofrer,


mas eu também estava sofrendo.

— Amore mio, sinto muito. Deveria ter sido honesto, mas


não queria machucar ou confundir você.

Eu cruzei meus braços sobre meu peito. — Tarde demais


para isso. Estou machucada. Por que você me disse que estava
fora da cidade enquanto se sentava em uma cafeteria com seus
amigos? — Estávamos enraizados no chão, separados por um
metro e meio, mas a quilômetros de distância.

— Deveríamos ficar no Canadá até a próxima semana, mas


as coisas aconteceram mais rápido do que o esperado, por isso
voltamos mais cedo.

— Isso não explica por que você decidiu me evitar e mentir


para mim menos de cinco minutos antes de eu te ver na cidade.
Ele abaixou a cabeça. — Você está certa. Nada justifica
minha mentira. Não sei, acho que sua história mexeu com
alguma merda que me fez questionar.

— O que minha história tem a ver com você?

— Arabel, eu arruíno as mulheres que amo. Eu não quero


que a mesma coisa aconteça com você.

— O. Que. Isso. Tem. A. Ver. Comigo? — O veneno gotejou


da minha boca, caindo no espaço entre nós. Eu estava com tanta
raiva que não conseguia ver razão ou lógica em nada do que ele
dizia. Eu não poderia desfrutar do fato de que ele basicamente
admitiu que me amava.

Ele suspirou e passou a mão pelo cabelo, andando pela


minha sala de estar. — Não estou equipado para navegar pelas
coisas pelas quais você passa.

Inclinei minha cabeça e olhei para ele. Eu estava com


vergonha de ele ter que navegar em qualquer coisa para começar.
— Não sou uma louca, Enzo. Algo terrível aconteceu comigo e
estou fazendo o possível para superar isso. Não posso
simplesmente estalar os dedos e apagar o dano que aquele idiota
me causou, mas estou tentando, e você sabe disso.

Ele não disse uma palavra, olhando para o chão como se


doesse olhar para mim. Eu o observei, lutando contra a vontade
de correr para longe e nunca mais voltar.
— Eu não pude ajudar Grace, e então ela se foi. Não posso
perder você também. — Ele olhou para cima, seus olhos
brilhando com lágrimas não derramadas, sua boca franzida
enquanto ele parece tentar abafar um grito.

A energia fluindo por mim mudou em um instante. O


homem por quem me apaixonei estava mais quebrado do que eu
pensava. Minha raiva se transformou em compaixão e uma
necessidade agonizante de confortá-lo.

Ele me curou e agora era minha vez de curá-lo.

Corri para o lado dele, pegando sua mão e guiando meu


homem ferido para se sentar no sofá. Ele não resistiu nem disse
mais nada. Ele tinha sido tão calado sobre a mãe de Cat, e eu
não tinha certeza do que quis dizer quando falou que ela se foi
porque ele não era capaz de lidar com o que quer que estivesse
passando.

Ele cravou os cotovelos nas coxas, escondendo o rosto atrás


das palmas das mãos. Eu esperei, não querendo pressioná-lo a
compartilhar, embora precisasse saber sobre a escuridão que o
esmagava. Ficamos sentados por vários minutos. Esfreguei
minhas mãos em suas costas, mas não fiz perguntas.

Ele se levantou e deu longos passos pela sala até que


enfrentou a lareira acesa, suas mãos segurando a cornija. Eu
podia ver suas costas subindo e descendo enquanto ele engolia
em seco. Eu o reconheci. Era o mesmo pânico desesperado que
me afligia.

Com medo de dizer uma palavra e piorar as coisas,


permaneci no sofá, respirando fundo também. Sabia que tudo o
que estava prestes a me dizer seria monumental, e meu peito se
apertou com a incerteza. Mas este momento não era sobre mim,
e foi a minha vez de ser forte.

Ele começou a andar pela sala novamente, olhando para os


pés e esfregando a barba.

— Grace estava... deprimida — ele começou, ainda olhando


para o chão. — Ela passou por... algumas coisas que quebraram
seu espírito.

Eu queria saber imediatamente o que ela tinha passado,


mas não era o momento certo para falar. Mudei de posição no
sofá, segurando meu medalhão enquanto ouvia.

Ele pigarreou. — Ela teve ataques de pânico e ansiedade


paralisante, mas mais do que qualquer coisa, ela perdeu seu
entusiasmo pela vida. Sua vontade de viver.

Soltei meu medalhão e apertei meu peito em vez disso. Meu


coração parecia que estava sendo torcido. A história de Grace era
parecida com a minha, e observar a dor colorida no rosto de Enzo
me fez perceber o quanto minha própria família havia sofrido
quando fiquei deprimida e perdi a vontade de viver.
— Minha raiva e frustração cresciam a cada dia. Não
conseguia entender porque não era motivo suficiente para ela
querer melhorar. Eu me preocupei com os danos que seu estado
mental estava infligindo ao nosso bebê ainda não nascido. — Ele
bateu o punho contra os lábios franzidos, tentando abafar um
rosnado angustiado e trêmulo.

Eu congelei – uma avalanche de lágrimas martelando na


parte de trás das minhas pálpebras. Mas eu não pisquei. Não
pude piscar.

— Lutamos muito até o fim. Continuei implorando a ela para


buscar ajuda. Eu precisava que fizesse tudo e qualquer coisa
para garantir que nossa filha não nascesse em uma casa cheia
de tristeza e desespero. — Ele parou de andar e olhou para mim
como um cervo ferido me implorando para acabar com sua
miséria. A dor no meu peito era insuportável, mas não me
importava, estava disposta a suportar todo o desconforto
imaginável a fim de confortá-lo, e estar lá para ele.

Uma lágrima escorreu por sua bochecha e ele a enxugou


com as costas da mão. — Naquela manhã, tivemos nossa pior
briga até então. Ela me procurou na hora do café da manhã,
dizendo que queria fazer um aborto, que não era capaz de ser
mãe. Ela simplesmente não conseguia suportar. — Outra lágrima
caiu, caindo em seu sapato. — Eu estava lívido. Gritei com ela.
Disse que não tinha o direito de se livrar do meu bebê. Mesmo
sabendo que, em última análise, era a escolha dela, aquele bebê
foi a única coisa que me deu esperança pela primeira vez depois
de toda a escuridão. Eu acreditava que o bebê traria a alegria de
que tanto precisávamos. E agora ela queria matá-la. Minha
Caterina... — sua voz sumiu. Seus olhos se fixaram na parede
atrás de mim enquanto ele revivia seu passado.

— Você não precisa falar sobre isso se for muito doloroso.


— Uma respiração instável jorrou de mim.

Ele balançou sua cabeça. — Eu preciso falar sobre isso há


muito tempo. Você precisa ouvir isso. Você merece saber.

Eu concordei. Era a sua vez de colocar tudo para fora, e eu


ouviria do jeito que ele fez por mim.

— Naquela manhã, disse coisas horríveis para Grace, coisas


que nunca deveriam ser ditas a alguém tão vulnerável e frágil. Eu
a chutei com minhas palavras quando ela já estava no chão.
Como um covarde. Como um valentão cego pela raiva.

— Eu a deixei chorando no chão do quarto e fui trabalhar.


Eu não aguentava mais ficar perto dela. — Seus olhos
escureceram de raiva. — No trabalho, não conseguia me
concentrar. Eu me sentia um merda e não conseguia parar de
pensar na nossa briga. Então, voltei para casa.

Eu segurei uma almofada do sofá no meu colo, segurando-


a com as duas mãos enquanto me preparava para o que estava
por vir. Imaginei o momento em que ele chegou em casa e
descobriu que ela havia partido. Seu armário vazio. Seu bebê foi
embora antes de nascer.

O olhar de Enzo se fixou em mim, uma nuvem de maldição


despejando chuva negra em sua cabeça. — Quando entrei em
casa, tudo parecia igual. Uma casa morta. Eu sabia que ela
estaria lá em cima em nossa cama, mal-humorada e deprimida
como estava todos os dias. Peguei as escadas para o nosso
quarto, precisando retirar todas as coisas horríveis que disse
naquela manhã.

Ele fechou os olhos por um minuto, tentando desacelerar a


respiração. — Seus pés ainda estavam balançando no ar, sem
vida. Seu cabelo loiro estava por todo o rosto. Ela estava com a
minha gravata favorita enrolada no pescoço, aquela que ela me
deu no nosso primeiro aniversário antes de nossas vidas se
tornarem um inferno. — Enzo respirou fundo, estremecendo. —
Ela se enforcou no ventilador de teto do nosso quarto.

Eu engasguei e deixei escapar um soluço sufocado. Bati


minha mão na minha boca com horror porque todo esse tempo
pensei que ela tinha acabado por deixá-lo, mas nunca imaginei
que tivesse morrido e certamente nunca pensei que tivesse tirado
a própria vida. Seus olhos ainda estavam fechados. Minha sala
de estar foi subitamente engolfada por uma tristeza completa,
meu próprio trauma insignificante em comparação com esta
história e sua dor. Uma dor que agora era minha também. Eu
tinha que fazer alguma coisa. Pulei do sofá e fui para ele,
envolvendo meus braços em volta de sua cintura e o abraçando
tão forte que tive medo de quebrá-lo em dois. Que eu o quebraria
mais do que ele já estava. Seus joelhos cederam e seu corpo
desabou em cima do meu. Eu o abaixei no chão e me ajoelhei na
frente dele, seu corpo ainda mole, sua testa apoiada no meu
ombro.

Eu o abracei como se eu fosse seu colete salva-vidas no meio


de um mar tempestuoso. Ele não me abraçou de volta, e não dei
a mínima porque, naquele momento, percebi que era forte o
suficiente para segurá-lo por toda a eternidade, como Atlas foi
feito para segurar o peso do mundo contra seus ombros. Exceto
que ninguém precisava me obrigar. Eu o seguraria de bom grado
enquanto ele me deixasse.

Seus soluços encorpados balançaram contra mim como um


terremoto. Eles estavam pesados de dor e culpa. Grace se matou
e ele se culpou pelo que ela fez. Entendi por que ele não tinha
falado muito sobre isso até agora, e por que meu pai e Mignon se
recusaram a me contar a história. Não era a história deles para
contar e era muito doloroso expressá-la.

Mas se Grace cometeu suicídio, quem era a mãe de Cat?


Esperei até que seu choro diminuísse e seus ombros parassem
de tremer. Cada respiração que ele dava o deixava mais leve, até
que ele encontrou forças para devolver o meu abraço. Nos
abraçamos até seu último soluço. E então nos abraçamos mais
um pouco.
— Quem é a mãe de Cat? — Eu perguntei enquanto ele
esfregava seu rosto úmido na curva do meu pescoço.

Depois de alguns minutos, ele se endireitou, alongando o


pescoço e recuperando um pouco do estoicismo. Ele olhou para
mim e um lampejo de vergonha cruzou seu rosto. Ele procurou
meus olhos. O que quer que ele estivesse procurando, sabia que
pena seria a última coisa que ele encontraria. Eu não tive pena
dele. Sofri por ele, senti sua angústia e vulnerabilidade. Mas
nunca teria pena, porque ele era o homem mais forte que já
conheci. — Ela não morreu imediatamente.

Meus olhos se arregalaram em choque, meu coração


martelando no meu peito. Fiquei em silêncio, lutando para
entender o que ele estava dizendo.

— Lembro-me de levá-la para baixo e ligar para o 911. Eles


me falaram sobre como aplicar a RCP até a chegada dos
paramédicos. Ela foi declarada com morte cerebral no hospital,
mas seu corpo ainda funcionava e o bebê não havia se
machucado.

Sua história me atingiu como uma tonelada de tijolos,


fazendo novas lágrimas virem aos meus olhos. Não pude evitar
que rolassem pelo meu rosto. Observei enquanto elas batiam
contra o tecido de sua camisa.

— Os médicos queriam mantê-la viva na esperança de que


o bebê pudesse ser salvo. Disseram que não era provável, mas
valia a pena tentar. Eu me opus a isso no início, mas eles
disseram que já tinha sido feito várias vezes antes, incluindo um
caso no Brasil, em que uma mulher estava em aparelhos de
suporte à vida após ter sofrido um derrame durante a gravidez de
nove semanas. Eles a mantiveram viva por meses até que deu à
luz gêmeos. Então, eu concordei. Caterina nasceu sete meses
depois, enquanto sua mãe estava em aparelhos de suporte vital.
Grace faleceu horas depois da cesárea.

Ele se tornou um pai solteiro antes mesmo de sua filha


nascer. Minha admiração por esse homem atingiu alturas
estratosféricas. Era um lutador, e partiu meu coração que ele se
culpou pelo que aconteceu com Grace. Eu finalmente soube o que
estava atrás da porta na ala direita de sua casa. Não havia mofo
preto dentro daquele quarto. Pelo menos não no sentido literal.
— Por que você não vendeu a casa?

Ele ficou quieto por um tempo. — Minha gravata. Esforcei-


me para tentar descobrir o que ela estava tentando me dizer,
escolhendo minha gravata para se machucar. Foi o meu último
golpe pela maneira como a tratei? Por todos os erros que cometi?

Fiquei quieta, dando-lhe espaço para ordenar seus


sentimentos. — Quaisquer que tenham sido os motivos dela,
funcionou porque me assombrou todo esse tempo. Cada vez que
me permito sentir um pouco de alegria, vejo aquela gravata
ensanguentada e minha culpa sobe novamente. A culpa
paralisante me impediu de voltar para o nosso quarto. Isso e as
imagens horríveis daquela porra de gravata segurando seu corpo
inerte. Fechei a porta atrás de mim e não a abri desde então.
Mignon e Lorena empacotaram todas as coisas dela, e comecei a
dormir no quarto em que estou agora. Eu deveria ter vendido a
casa, mas não consegui. Não apenas porque a construí com
minhas próprias mãos, mas, por mais zangado que estivesse com
Grace, sinto que se vendesse a apagaria completamente, e não
poderia suportar isso. Então, fechei a porta e continuei minha
vida, esperando minha filha nascer.

Eu segurei seu rosto com as duas mãos. — Lamento que


isso tenha acontecido com você, mas não foi sua culpa, assim
como não foi dela também. O que quer que tenha acontecido com
Grace, doeu tanto que ela não conseguiu lidar com isso.

— Sim? — Ele respirou fundo e me observou com esperança


em seus olhos, como se estivesse ansioso para que eu lhe desse
uma explicação que o absolveria de sua culpa. — Então por que
usar minha gravata?

Eu respirei fundo. — A maioria das pessoas usam coisas


que encontram pela casa. É como o ventilador de teto. Eles são
na verdade algo comum para as pessoas usarem, especialmente
mulheres e adolescentes, já que eles são leves o suficiente para
não abaixarem. O mesmo acontece com gravatas, lenços e cintos.

— Sim, mas nosso armário estava cheio de lenços dela e eu


tinha muitas gravatas. Por que usar a que ela me deu?
Eu permaneci em silêncio, ponderando sua pergunta. —
Você já considerou que talvez ela usasse porque te amava tanto
que queria que algo seu fosse a última coisa que ela tocasse?

Novas lágrimas surgiram de seus olhos e ele balançou a


cabeça com uma careta. — Eu não sei, Arie. Estou com tanta
raiva o tempo todo. Estou com raiva de mim mesmo por não ser
capaz de lidar com o que ela estava passando, estou com raiva
dela por se recusar a buscar ajuda, e estou com muita raiva dela
por ter morrido. — Ele olhou para mim com tanta angústia —
Que tipo de pessoa sente raiva de alguém por sentir tanta dor que
os levou ao suicídio? Que tipo de monstro isso me torna?

Eu balancei minha cabeça. — Não Enzo, isso não faz de você


um monstro, faz de você um humano. A raiva é uma parte normal
do luto.

Nós nos olhamos por um segundo, antes que ele baixasse a


cabeça, assentindo. Depois de um minuto, levantei seu queixo
para que ele pudesse me encarar. — Não foi sua culpa.

Ele respirou fundo, envolvendo as mãos em volta dos meus


pulsos enquanto compartilhamos o momento mais emocional do
nosso relacionamento. Uma luz brilhou em seu rosto com minhas
palavras. Um raio de esperança que eu nunca tinha visto antes.
Eu tinha certeza de que todos haviam dito a ele a mesma coisa
ao longo dos anos, mas não foi até que ele ouviu as palavras da
minha boca que finalmente começou a acreditar nelas, deixando-
as afundar em seu coração. — Não foi sua culpa. — Repeti.

Seus olhos suavizaram e ele me deu um sorriso torto. Ele


soltou meus pulsos e coloquei minhas mãos em meu colo. Seu
lindo olhar penetrou minha alma com algo que parecia amor.
Reconheci isso porque naquele momento meu amor por ele tinha
crescido muito. Agora que abriu sua caixa de segredos, a lacuna
entre nós havia desaparecido.

— Eu estava com medo do trauma pelo qual o corpo de


Grace passou, que todos os remédios que os médicos injetaram
em suas veias teriam afetado Cat. Que ela lutaria contra o
autismo como Alfie, ou pior. Mas ela era perfeita. Meu bebê
milagroso. Minha redenção.

Aquela doce garotinha foi seu milagre, mas não sua


redenção, porque ele não tinha nada pelo que se culpar. Lorenzo
não foi responsável pelo que aconteceu com Grace. Eu o abracei
com mais força e fechei os olhos. Depois de alguns momentos,
levei meus lábios ao ouvido dele. — Eu te amo, Enzo.

Ele enrijeceu sob meu toque, e eu parei de respirar


completamente, surpresa com minha confissão espontânea e
com medo de que meu coração tivesse escolhido a hora errada
para confessar.

Enzo puxou seu rosto para olhar para mim, sua testa
franzida como se ele não pudesse entender como eu poderia amá-
lo. Ele quase parecia zangado. Mordi o interior da minha
bochecha, me preparando para o que viesse a seguir.

Enzo fechou os olhos, apoiando a testa na minha. — Eu não


fiz nada para merecer você. Eu não mereço você. É por isso que
lutei contra nossa conexão por tanto tempo. Mas não quero mais
lutar contra isso. — Ele segurou meu rosto e deu um beijo nas
maçãs do meu rosto antes de olhar para mim, sua voz falhando
quando ele disse: — Eu também te amo, baby. Mais do que você
jamais poderia imaginar.
FAZIA algumas semanas desde que eu disse a Arabel sobre
Grace. Sobre o pior dia da minha vida. O evento que destruiu
meu mundo, me enviando para uma toca de coelho tão escura e
profunda, que duvidei que algum dia conseguiria sair com as
garras. Mas, então, minha filha nasceu. Nunca esquecerei o dia
em que segurei seu corpinho minúsculo em meus braços pela
primeira vez. Sempre achei que os recém-nascidos levavam dias
para abrir os olhos, mas Cat abriu os dela imediatamente, e
quando olhou para mim com aqueles lindos olhos azuis, a
escuridão que carreguei por tanto tempo começou a desaparecer
da minha alma. Caterina significava pura, e isso era exatamente
o que ela era. A pureza e a inocência que faltavam em minha
existência. Ela era minha luz. E até recentemente, minha única
luz.

Estávamos na primavera. O solo havia derretido. Folhas


tenras brotaram nas árvores, e o quintal estava se enchendo de
tulipas coloridas, enquanto flores de cerejeira rosa pendiam das
árvores. Grace plantou tudo, quando costumava ser feliz, antes
que aquele idiota rasgasse sua luz. As tulipas voltavam sozinhas
a cada primavera, e isso me confortou de certa forma. Parecia que
ela estava lá, se não por mim, pelo menos por nossa filha.

Hoje era a quarta festa de aniversário de Cat. Todos os


adultos estavam sentados no pátio, vendo as crianças correrem
ao redor do parquinho que os meninos me ajudaram a instalar
alguns anos atrás. Lorena, Ollie, Fiona, Harry, Mignon e até os
pais de Arabel, George e Sam, estavam aqui. Alguns dos melhores
amigos de Cat da pré-escola e seus pais também vieram. Foi um
belo dia. Ensolarado e arejado, sem uma única nuvem de chuva
à vista, o que era um milagre, já que era maio. O cheiro de grama
nova era revigorante e a brisa ainda esfriava na pele.

Observei o cabelo dourado de minha filha brilhar sob o sol,


longo e atraente como o de sua mãe. Ela se parecia tanto com
Grace, e isso às vezes me fazia sentir falta dela. Uma Grace antes
que a depressão a levasse. Eu costumava ter pesadelos que me
obrigavam a reviver aquele momento. Arrancando minha gravata
com tanta força que quase trouxe o ventilador de teto em que ela
se pendurou com seu corpo inerte.

Sentando ao lado de Migs, balancei minha cabeça, deixando


o passado para longe porque ele não tinha mais lugar no meu
presente. Abrir-me para Arabel foi libertador. Meus pesadelos
diminuíram desde que ela dançou seu caminho em meu coração.
E agora que ela sabia de tudo, os sonhos quase se foram. Eu
ainda não conseguia acreditar na reação dela. Arie não era
apenas a mulher mais bonita do planeta, mas também a que mais
apoiava. Ela era a rocha de que eu precisava. Minha vida era
muito melhor com ela. Bem, nossas vidas, porque Cat e eu
éramos um pacote afinal.

Observei minha garotinha empurrar seu primo Alfie no


balanço. Seu suéter Paw Patrol manchado com manchas verdes
de grama macia. Ela gostava tanto de Alfie, tratando-o como um
irmão mais novo que ela queria proteger e cuidar. Não importava
que ele fosse mais velho. Ela não o julgou ou zombou dele como
algumas das crianças da escola. Minha Cat era sua única amiga
e levava esse papel muito a sério.

Memórias mais felizes daqueles meses no hospital cruzaram


minha mente, as incontáveis horas lendo e conversando com a
barriga crescendo de Grace. Amigos e familiares da Itália e da
Califórnia vieram, tocando música, contando piadas.
Enfermeiras massageavam e lhe deram banhos de esponja. Todos
haviam feito o possível para substituir o calor e o amor de sua
mãe. Eu nunca esqueceria o primeiro chute. Eu estava
conversando com Cat, esfregando sem pensar a barriga de sua
mãe quando senti o choque sob minha palma. Caí no chão e
chorei. Foi a primeira vez que senti sua força vital.

Sentir aquele chute era o que eu precisava para deixar o


desconforto me corroendo, a culpa, por deixar os médicos
manterem Grace viva. Ela e eu nunca tínhamos nos casado, mas
seus pais morreram quando ela era adolescente e não tinha
ninguém além de mim para tomar decisões em seu nome. No
início, mantê-la viva parecia cruel e bárbaro, não importa
quantas vezes me dissessem que ela não sentia dor e não sabia
de sua condição. Com base em seus demônios e na forma como
escolheu acabar com sua vida, sabia que Grace não queria que
eu mantivesse as máquinas funcionando. Isso me fez sentir como
um idiota egoísta por semanas. Mas quando o pé de minha filha
estremeceu sob minha mão, soube que tinha tomado a decisão
certa. A mente de Grace se foi, ela não estava mais lá, mas a
pequena luz dentro dela estava apenas começando a brilhar.
Agora ela brilhava mais e mais brilhante a cada dia, e eu não
conseguia imaginar não tê-la.

Minha mãe me disse que salvar o bebê era o que Grace


queria. Não lhe disse que Grace tinha se matado porque a
repreendi depois que ela decidiu fazer um aborto sem me
perguntar o que eu queria. Arabel me garantiu que sua decisão
não teve nada a ver com aquela luta, mas ainda não conseguia
chutar meu remorso para o meio-fio.

Nunca quis que Cat soubesse sobre as coisas que eu disse


a sua mãe. Já era ruim o suficiente crescer sem ela. Temia o dia
em que teria que explicar ao meu lindo milagre o que sua mãe fez
e como ela veio a existir. Foi terrível perder uma mãe porque ela
estava muito triste para viver, fazendo você se sentir indigno. Mas
estar tão perturbado por querer tirar a vida dela e de seu filho?
Como você diz ao seu coração que a tristeza da mãe dela quase a
matou também? Talvez eu nunca devesse contar-lhe.

Sentei-me lá bebendo refrigerante com limão e, pela


primeira vez nos últimos cinco anos, fiquei realmente feliz. A
razão da minha felicidade recente veio à tona, equilibrando um
grande bolo em suas mãos – um bolo que ela mesma fez. Arabel
não era italiana, mas tinha estado lá muitas vezes para aprender
a assar e cozinhar como uma. Era como se tivesse sido feita
apenas para mim, de sua bunda e seios que se encaixavam
perfeitamente em minhas mãos até sua capacidade de entender
as emoções humanas. Meu anjo dançarino era linda, sexy, feroz
e gentil. E a melhor parte é que ela me amava. Ela me amava
apesar da minha escuridão e dos demônios que se escondiam na
minha sombra. Eu a observei colocar o bolo Paw Patrol no centro
da mesa da festa antes de correr na direção de Cat. Cat estava
ocupada na caixa de areia, mas quando avistou Arie, deixou cair
uma pequena pá e correu em sua direção. Arabel parou, caindo
de joelhos e abrindo bem os braços. A boca de Cat se alargou em
um sorriso radiante enquanto ela acelerava, mergulhando nos
braços de Arie em um ataque de risos e derrubando-a em sua
bela bunda redonda. Ela soltou um grito, atacando minha
garotinha com cócegas e beijos, sem dar a mínima que suas
roupas estavam sendo arruinadas pela grama úmida e
enlameada.
Foi um espetáculo para ser visto, e meu coração inchou a
ponto de explodir.

— Você a encontrou. — A voz de Mignon me tirou do meu


transe.

Eu olhei para ela com uma expressão confusa. — O que você


quer dizer?

— Você encontrou uma mãe para Cat. — Os olhos de


Mignon brilharam de emoção quando ela pegou minha mão e
apertou suavemente. Retribuí seu carinho, fazendo o possível
para soltar o nó na garganta. Ficamos sentados em silêncio,
observando Cat e Arie tentarem dar cambalhotas. Quando
conheci Arabel, tudo que eu queria era seu corpo. Eu me senti
muito prejudicado para querer outra coisa. Achei que deveria
ceder à química explosiva entre nós até que ela seguisse seu
curso. Nunca imaginei que ela conheceria minha filha ou que me
apaixonaria como me apaixonei. Agora, queria seu coração,
mente e alma. Não mantivemos mais nossos segredos trancados.
Nosso relacionamento era transparente e conhecíamos e
aceitávamos as partes mais sombrias um do outro. Uma
sensação de paz tomou conta de mim porque a vida era quase
perfeita. Só havia mais uma coisa para eu fazer, e esperava o dia
em que perguntaria e ela diria sim.

— É uma pena que Sal não pôde vir. — Disse, mudando o


foco de mim e da minha vida amorosa. Sal e Mignon reacenderam
seu relacionamento e, embora ainda tivessem alguns problemas
para resolver, pareciam felizes.

— É tudo culpa sua. — Ela bateu de brincadeira no meu


braço. Sal era o encarregado do novo resort que eu adquiri na
Colúmbia Britânica, então não esperávamos ver muito dele até
que o lugar fosse montado.

Eu ri. — Você poderia ter voado para lá neste fim de semana.

— E perder a festa de aniversário da Cat? Nem em um


milhão de anos. Nem mesmo para uma boa trepada com meu ex.
— Ela balançou a cabeça. — Vou voar no próximo fim de semana.

Eu ri. Considerava Migs como minha família e a amava pelo


quanto se importava com minha filhinha. — Ele não é mais seu
ex.

— Oh...

— Papai! — Virei minha cabeça para Cat. Ela estava


pulando para cima e para baixo, tentando chamar minha
atenção. — Papai, olha o que eu posso fazer!

Arabel estava ao lado de Cat, sua boca curvada em um


sorriso caloroso enquanto ela olhava para mim e me soprou um
beijo do outro lado do quintal. Um beijo que alimentou minha
alma porque eu não precisava tocá-la para sentir a paixão eterna
entre nós. Seu sorriso era tão lindo. Depois das coisas horríveis
pelas quais ela passou, ainda conseguiu iluminar cada espaço
em que entrou. Seu espírito nunca foi quebrado. Isso é o quão
forte ela era. Pisquei para ela, que sorriu novamente antes de se
virar para Cat, que colocou o topo de sua cabeça no chão e rolou
em uma cambalhota perfeita.

Minha garotinha riu, levantando o punho no ar antes que


Arabel fechasse a distância entre elas e a pegasse, espalhando
beijos por todo o rosto de Cat. Ela parecia tão orgulhosa de minha
filha e não fez nenhuma tentativa de disfarçar. Naquele momento,
entendi que minha bela dançarina amava minha filha tanto
quanto eu.

Sim, encontrei uma mãe para Cat. Ou melhor, ela nos


encontrou.
FOI UMA MANHÃ CHUVOSA. As mãos de Enzo estavam em volta
da minha cintura, me segurando, meus seios nus descansando
em seu antebraço, seu hálito quente fazendo cócegas na minha
orelha. Eu gemi quando seu pau deslizou para dentro e para fora
da minha umidade com golpes preguiçosos. Sexo matinal era
uma das melhores partes de estar com este homem incrível.
Tínhamos passado todas as noites juntos, alternando entre a
casa dele e a minha. Providenciamos um dos quartos de hóspedes
no último andar da minha casa para Cat. Ela amava nossas
festas do pijama, especialmente correr pela casa com Fiona e
Liam e pular em nossa piscina aquecida.

Eu gemi, serpenteando um braço ao redor de Enzo para


apertar sua bunda enquanto ele continuava a balançar em mim.

Deus, amo sua bunda.

— Está se sentindo bem, baby?


Seus golpes me excitaram e pude sentir o clímax começando
a se reunir na base da minha espinha. — Oh, Enzo...

— Você está pronta para gozar no meu pau? — Seus golpes


se aceleraram, aumentando a pressão entre minhas pernas.

— Sim... porra. — Lutei para manter minha voz baixa para


que Cat não nos ouvisse. Eu queria gritar de prazer quando gozei
forte, do jeito que sempre fazia com ele.

Houve uma batida suave na porta. — Papai?

Enzo se acalmou dentro de mim. — Droga. — Ele sussurrou


em meu ouvido. Eu ri, levando a mão à boca para abafar as
risadas iminentes.

— Arie? — Cat bateu na porta novamente. Eu me virei para


olhar para Enzo. Nós nos olhamos e explodimos em gargalhadas,
não sendo mais capazes de ficar quietos.

— Estamos indo, querida! — Enzo gritou quando saiu de


mim, e minhas risadas se transformaram em altas gargalhadas.
— Não se preocupe, você vai gozar várias vezes hoje mais tarde.
— Disse ele ao sair da cama, vestindo uma camiseta preta e uma
calça de pijama cinza que caía na cintura.

Sua promessa enviou um arrepio pela minha espinha e


calor ao meu núcleo. Levantei-me e dei a volta na cama até ficar
na frente do meu homem lindo e sexy. Seus olhos brilharam com
luxúria enquanto ele os passava sobre meu corpo nu. Me levantei
na ponta dos pés e dei um beijo em sua boca. — Estarei cobrando
essa promessa e não se preocupe, não serei a única a gozar mais
tarde. — Eu me virei e ele deu um tapa na minha bunda, me
fazendo estremecer e rir. Corri para o banheiro enquanto ele abria
a porta para Caterina. Depois de escovar os dentes e colocar uma
camiseta preta de mangas compridas e minha calça de moletom
roxa favorita, entrei novamente no quarto e me acalmei. Lorenzo
estava sentado na cama, embalando sua filha com uma
expressão preocupada gravada em seu rosto.

— Ela está queimando de febre. — Ele olhou para mim,


mantendo a palma da mão em sua pequena testa.

Caminhei até eles e segurei sua bochecha. — Você está com


febre, menina.

— Bem, sem escola hoje, então. — Enzo se levantou com


Cat nos braços, olhando para ela com tanto carinho. Seus
pequenos braços em volta do pescoço e, apesar de seu mal-estar,
seus olhos brilharam de admiração, olhando para seu pai como
se ele fosse um herói. Ele era seu herói. — Que tal comermos
alguns waffles no café da manhã? — Ele perguntou a ela
enquanto descíamos as escadas para a cozinha.

Depois do café da manhã, Enzo caminhou até o sofá, vestido


para o trabalho com jeans escuros e uma camisa de manga
comprida cor de vinho que abraçava perfeitamente os músculos
de seus braços e torso. Ele se abaixou e beijou Cat na testa. —
Tenho que ir trabalhar, querida, mas prometo que voltarei para
casa mais cedo para ficar com você.

— Podemos assistir Trolls juntos? — Ela perguntou ao pai.


Ele acenou com a cabeça e apertou a mão dela.

Sorri. Trolls era seu filme favorito, e já me fez assisti-lo um


milhão de vezes nos últimos meses, mas de alguma forma, ainda
não estava cansada de assisti-lo porque toda vez que o
reproduzíamos, ela olhava para a tela enquanto eu a observava
cantar e dançar e crescer. Com cada sílaba e cada movimento de
dança, ela cavou mais e mais fundo em meu coração, minhas
veias, minha alma.

Trolls agora era meu filme favorito de todos os tempos.

— Arabel vai cuidar bem de você.

— Eu sei.

Meu coração se apertou de tanta emoção que pensei que


fosse desmaiar. Enzo se virou para olhar para mim com olhos
lacrimejantes e um sorriso conhecedor.

Estávamos no topo do mundo. A vida finalmente nos deu o


que precisávamos e merecíamos. O passado ficou para trás e o
agora era melhor do que jamais poderia ter imaginado.

Enzo se aproximou de mim e me deu um beijo casto na boca,


já que Cat estava lá. Ela tinha o hábito de olhar e rir cada vez que
mostrávamos nosso afeto. Foi engraçado e cativante. Não éramos
uma família, mas em momentos como este, parecia que éramos.
— Ligue-me se ela piorar.

Balancei a cabeça, subindo na ponta dos pés para plantar


outro beijo em seus lábios carnudos. O sorriso de Cat se
transformou em risos, fazendo Enzo e eu rirmos em uníssono.

Passei a manhã com Caterina no sofá, deixando-a comer


todos os picolés que quisesse, porque minha mãe me criou para
acreditar que eles eram o melhor remédio para uma criança
doente.

Ela adormeceu com a cabeça no meu colo, e acariciei seus


cachos dourados, estudando suas belas feições – sua pele macia
de bebê, nariz de botão e lábios carnudos. Ela era uma menina
linda. Eu também fiquei com raiva de Grace por toda a dor que
inadvertidamente causou. Mas olhando para a menina dormindo
pacificamente em cima de mim, tudo que senti foi gratidão. Grace
trouxe mais que dor e alegria para a vida de Enzo. Cat não era a
redenção de Enzo. Ela era o presente de despedida de Grace.

Eu a deixei cochilando pacificamente no sofá e subi as


escadas até o quarto de Enzo para tirar meu pijama. Parei no
último patamar, virando minha cabeça para a esquerda. Seu
quarto era o último no final do corredor. As outras portas levavam
ao quarto de Caterina e aos dois quartos de hóspedes em que
Fiona e eu tínhamos ficado meses atrás. A direita era o que
continha tristeza e dor gravadas em suas paredes. Fiquei lá
olhando por um momento, a atração da curiosidade
incomodando minhas entranhas.

Manter este quarto trancado e deserto não era bom para ele.
Não foi bom para ninguém. Minhas pernas começaram a se
mover, levando-me para o corredor escuro, uma escuridão tão
profunda que não havia luz no final.

Arrepios cobriram meu corpo enquanto eu caminhava cada


vez mais perto da porta. Estava com medo do que encontraria por
trás disso. Talvez não devesse ter ido lá. Talvez não fosse meu
lugar. Mas a atração era muito forte, e este quarto parecia o
elefante gigante na sala. Em sua casa. Na vida deles.

Minha mão tremia quando alcancei a maçaneta. Com medo


de ser atingida pelo fato horrível do que aconteceu por trás disso.
Virei a maçaneta, mas estava trancada. Claro que sim. A
curiosidade já teria levado o melhor de Cat, e eu tinha certeza
que Enzo não queria que ela entrasse lá. Desci as escadas
correndo, com cuidado para não acordar Cat, que ainda dormia
pacificamente no sofá. Peguei uma pequena faca da cozinha e
voltei para cima. Depois de enfiar a ponta da faca no buraco da
fechadura, a maçaneta girou. Eu me levantei, empurrando
suavemente a porta entreaberta.

Uma pontada de culpa atingiu meu estômago e considerei


ir embora. Mas era tarde demais para apaziguar minha
curiosidade mórbida e minha necessidade de liberar a angústia
que havia ficado presa dentro dessas paredes, como uma ferida
que se recusa a cicatrizar até que gangrene, envenenando o resto
do corpo até entrar em choque séptico e morrer. Este quarto era
a ferida infeccionada em sua casa e em seu coração, e precisava
ser arejada. Precisava secar e cair como uma crosta. Dando
espaço para uma nova pele crescer. Talvez Enzo ficasse zangado
comigo quando descobrisse, mas valeu a pena o risco. Esse era o
tipo de situação em que era melhor pedir perdão do que
permissão.

Empurrei a porta até bater na parede atrás dela. A primeira


coisa que vi foi o ventilador de teto. As cortinas estavam fechadas
e o quarto estava escuro, mas ainda podia ver. A bile subiu como
uma enxurrada. Coloquei minha mão na boca e corri para o
quarto, procurando o banheiro. Minhas pernas derraparam até
parar, meus joelhos pousaram na frente do banheiro, onde
esvaziei o conteúdo do meu estômago, ofegando e arfando.

Queria arrancar o ventilador do teto e quebrá-lo em um


milhão de pedaços. Minha imaginação correu desenfreada com
imagens do que Enzo tinha visto e experimentado quando a
encontrou.

Pare, pare, pare. Eu bati na minha têmpora com a palma da


minha mão, desejando que as imagens fossem embora,
implorando que a dor paralisante que não pertencia a mim fosse
embora. Mas pertencia a mim. Seu desespero era meu porque ele
era meu.

Joguei água fria no rosto e disse ao meu reflexo para voltar


para a sala.

Você sabe o que tem que fazer, então vá e faça.

Recuei, preferindo evitar olhar para o ventilador, com medo


de perder a coragem se o fizesse. Fiquei diante das grandes
janelas e abri as cortinas, tossindo quando uma densa nuvem de
poeira atingiu meus pulmões.

A luz brilhante entrou e eu apertei os olhos, meu olhar


focado nas partículas de poeira flutuando na luz do sol. Assisti a
interação entre as manchas rançosas e a luz quente e brilhante
com fascinação. Era a melhor metáfora para a situação, e
enquanto observava a tragédia e a esperança em círculos de
dança em volta uma da outra, sabia o que precisava fazer.

Virei-me e dei minha primeira olhada no quarto, ainda


evitando o ventilador de teto. A cama de dossel ficava no meio
com mesinhas de cabeceira combinando de cada lado. Eu me
perguntei qual lado costumava ser o dele. Cada superfície estava
coberta por uma espessa camada de poeira. Quase cinco anos.
Corri meu dedo indicador sobre um armário e estremeci.
Havia um guarda-roupa alto, uma cômoda comprida e uma
penteadeira contra a parede oposta. A sala era enorme – duas
vezes maior que a atual de Enzo. O banheiro era luxuoso e frio.

Corri escada abaixo para verificar Cat, que ainda estava


dormindo no sofá, depois subi as escadas até o armário do
corredor, onde puxei o aspirador, um rolo de toalhas de papel e
um frasco de limpador.

Minha mão se moveu vigorosamente enquanto limpava


todas as superfícies. Então, passei o aspirador no quarto e no
banheiro. Fechei todas as cortinas e abri todas as janelas. Uma
brisa fresca soprou, trazendo tristeza, raiva e culpa. E os
carregou de volta, deixando oxigênio puro em seu lugar.

Vida pura. Uma lousa em branco.

Sabia que o que aconteceu nesta sala não aconteceu


comigo. Mas limpá-lo ainda era bom. Como se estivesse
removendo a tristeza da vida das pessoas que mais amo. As
pessoas que conquistaram todo o meu coração.

Puxei as mesinhas de cabeceira da parede e limpei atrás


delas. Então fiz o mesmo com o guarda-roupa e a penteadeira.
Quando puxei a cômoda da parede, longe o suficiente para caber
o aspirador e meu corpo no espaço apertado, vi um envelope
branco que estava coberto por uma espessa camada de poeira.
Puxei-o para fora, limpando-o com a mão. O envelope tinha um
nome impresso no canto superior esquerdo. Brian Freeman, MD.
Abri e tirei duas folhas de papel. Um era branco e o outro
era um bloco de notas forrado de amarelo. Engoli em seco,
tentando empurrar o pavor subindo pelas minhas costas e
membros. Decidi ler primeiro o branco. Parecia uma
correspondência formal. Minhas mãos tremiam quando o
desdobrei. O cabeçalho também dizia Brian Freeman, MD, e
parecia resultados de laboratório.

Enquanto meus olhos deslizavam pela página, meu coração


apertou e minha respiração parou.

As palavras teste de paternidade pré-natal queimaram


minhas pupilas como ácido. Embaixo havia uma mesa com três
colunas: DNA da mãe (Graceland Bowman), DNA fetal, suposto
pai (Lorenzo Simonetti). No final da página estavam as palavras
que eu não queria ler: probabilidade de paternidade: 0%.

Caí de joelhos atrás da cômoda e um suspiro alto deixou


minha garganta, lágrimas grossas imediatamente enchendo
meus olhos e escorrendo pelo meu rosto. Não pode ser. Isso não
era real. Deixei cair os papéis e cobri meu rosto com as duas
mãos enquanto os soluços me rasgavam. Isso era sobre Caterina
ou ela havia engravidado antes? Sabia a resposta, mas queria
lutar com todas as minhas forças. Fingir que isso era algum tipo
de piada. Depois de alguns minutos, limpei o rosto com a manga
da camisa e abri o papel amarelo.
Minhas mãos tremiam enquanto eu lia. As lágrimas
voltaram, meus piores temores confirmados. Este era o motivo
pelo qual Grace queria um aborto. Meu coração afundou ao
perceber que havia mais nessa história. Coisas que nem mesmo
Enzo sabia. E agora eu tinha informações prejudiciais, um
segredo que tinha certeza que destruiria as pessoas que amava.
Ele sabia que ela o traiu?

— Arie! — O grito de Caterina me assustou. Minha cabeça


girou em direção à porta do quarto, mas ela não estava lá. —
Estou indo! — Gritei de volta, esperando que ela não fosse mais
adiante. Limpei meu rosto freneticamente e coloquei o envelope
com as duas cartas no bolso da minha calça de moletom roxa.
Peguei o aspirador e o material de limpeza, fechando a porta e
descendo as escadas correndo até chegar à sala de TV. Cat estava
sentada no sofá, enrolada em seu cobertor favorito da Pequena
Sereia. — Estou com fome. — Ela olhou para mim e sorriu.
Aproximei-me dela, tocando sua testa. — Sua febre está
baixando. Que tal eu pegar um sanduíche de pasta de amendoim
e geleia e então podemos assistir o que você quiser.

— Porque você está chorando?

Oh Deus. Não sabia o que fazer ou como lidar


adequadamente com essa situação. — Não estou chorando, só
algumas alergias muito ruins. Agora pense em um filme divertido
enquanto faço seu sanduíche. — Dei a ela um grande sorriso,
esperando ter satisfeito sua curiosidade.
O resto do dia foi um borrão. Concentrei-me em Cat, meu
coração quebrando toda vez que eu olhava para ela. Agora
entendia por que ela não se parecia com o pai.

Escondi o envelope no bolso do meu casaco, que estava


pendurado na prateleira perto da porta da frente, todas as
perguntas girando incessantemente em minha cabeça. Ponderei
quem poderia ser o pai biológico de Cat. Grace o traiu ou pior, foi
estuprada? Era por isso que estava deprimida? E, por que Grace
trairia alguém tão maravilhoso como Lorenzo? Pensei no que
queria fazer com essa informação. Talvez não devesse ter levado
as cartas. Talvez devesse colocá-las de volta sob a cômoda. Mas
isso não era algo que pudesse fingir que não tinha visto ou
simplesmente esquecer. Esta foi uma informação de abalar a
terra, e me tornei o mensageiro relutante.

Só esperava que ele não me odiasse quando lhe contasse.

Enzo voltou para casa naquela tarde com pastéis e sorvetes.


Ele parecia tão feliz, e meu coração se partiu com cada sorriso e
cada risada. Quando Cat não estava olhando, agarrou minha
cintura e me puxou para ele, beijando-me lenta e
apaixonadamente. O beijei de volta, mas minha cabeça estava
distraída. Não pude lhe contar. Não poderia ser a única a destruir
seu mundo.

— Cirque? Você está bem? — Suas sobrancelhas estavam


franzidas de preocupação.
Engoli em seco. Enzo e eu estávamos conectados em todos
os sentidos, então fazia sentido que ele pudesse perceber que algo
estava errado, não importa o quanto tentasse esconder. Eu
balancei a cabeça fracamente. — Sim, só estou com uma forte
dor de cabeça.

Eu me senti uma merda mentindo para ele, mas precisava


de tempo para processar a situação e descobrir como lidar com
isso. Costumava ficar com raiva de Grace, mas agora? Agora a
desprezava. Por que ela manteria o exame de DNA em segredo?
Se ela planejava matar a si mesma e a sua filha ainda não
nascida, por que não enterrar a informação com ela? Por que o
envelope estava embaixo da cômoda?

Naquela noite, fizemos sexo como ele prometeu. A princípio,


ele não quis, acreditando na minha desculpa para a dor de
cabeça, mas subi em cima dele e lentamente afundei em seu
comprimento. A sensação de que nosso fim estava próximo me
deu vontade de chorar. Queria tê-lo perto de mim tanto quanto
possível. Não sabia se esta seria a última vez que faríamos amor
antes de eu destruir seu mundo.

Na manhã seguinte foi o Dia das Mães. Fui acordada por


Enzo me arrastando para fora da cama e escada abaixo, onde Cat
esperava com uma porção de frutas, panquecas e bacon. — Feliz
Dia das Mães! — Ela gritou, parecendo estar se sentindo muito
melhor. Seus olhos brilharam de alegria, seus braços se abriram,
me convidando para um abraço. Cruzei o espaço entre nós e me
ajoelhei ao seu nível antes de retribuir seu abraço. Lágrimas
rolaram pelo meu rosto, movidas por seu gesto. Eu não era sua
mãe e, ainda assim, ela me fazia sentir a mãe mais sortuda do
mundo. Minhas lágrimas aumentaram quando senti Enzo se
agachar ao meu lado, envolvendo-nos em seus braços fortes. —
Feliz dia das mães, Cirque. — Ele sussurrou em meu ouvido. —
Eu te amo.

— Eu também te amo! — Cat sussurrou.

Eu os apertei com mais força. — Amo muito vocês dois. —


Meu coração se encheu de amor, mas o gosto na minha boca era
difícil de engolir. Se a culpa tivesse sabor, teria gosto de metal,
de chumbo.

Mas, sabia que precisava esperar, não muito, mas o


suficiente para processar meu choque, para dar a eles mais
alguns dias de pura felicidade, antes de derruba-los com o fato
doloroso.
FOI tudo ideia de Caterina. Ela me acordou no domingo
passado, seu dedo mindinho pressionado no topo de sua boca,
gesticulando para eu ficar quieto. Me movi com cuidado para não
acordar a mulher sexy dormindo na minha cama. Levei Cat
escada abaixo para a sala de estar. Sentada no meu colo, ela me
disse que não cresceu na barriga de Arabel, mas pediu a sua
professora da pré-escola para ajudá-la a fazer um cartão de dia
das mães – como todas as outras crianças de sua classe – porque
Arie era como sua mãe.

Meu coração inchou e desviei o olhar para esconder meus


olhos lacrimejantes. A paternidade tinha me transformado em
um idiota total. Mas como não poderia? A capacidade de amar de
minha filha era surpreendente e inspiradora. Todos os dias ela
me ensinou algo novo. Lições de vida que eu havia esquecido há
muito tempo, sobre tolerância, aceitação e perdão. Fiquei tão
orgulhoso de ter meu sangue correndo em suas veias.
Arabel era mais mãe do que a maioria das mulheres que já
conheci. Ela era carinhosa e atenciosa. Era brincalhona e moleca.
Não se importava em sujar as mãos, brincar com bonecas e
carros, assistir desenhos animados o dia todo. Não só não se
importou, como também gostou.

Era maravilhoso assistir, e isso fazia com que eu me


apaixonasse por ela mais e mais a cada dia.

Era noite de encontro. Cat estava ficando com Lori e Alfie, o


que significava que eu poderia foder Arabel por tanto tempo e tão
alto quanto quiséssemos. Estávamos na casa dela dessa vez.
Agora que nosso relacionamento finalmente alcançou um ritmo
consistente e harmonioso, o próximo passo parecia natural.

Estava pronto para avançar para o próximo nível. Não


conseguia imaginar viver sem ela. Pode ter parecido muito cedo
para um estranho, mas não para mim. Não para nós. Quando
você sabe, você sabe. E eu com certeza sabia.

Era hora de pedir-lhe para ser minha para sempre.

Nunca fui casado antes, embora morar com Grace parecesse


um casamento. No domingo passado, enquanto Cat e eu
preparávamos um café da manhã incrível para o Dia das Mães,
decidi perguntar o que ela achava de Arabel se tornar sua
madrasta. Cat disse que não queria uma madrasta, mas sim que
Arie fosse sua mãe. Meu peito se expandiu com tanta emoção. —
Então você não se importaria se eu pedisse Arie em casamento?
— Observei seu pequeno rosto brilhar enquanto ela pulava e
gritava: — SIM!

Com a permissão de minha filha, assim como de George, era


hora da fase dois do meu plano: conseguir o anel. E para isso,
precisava do tamanho do seu dedo.

Depois de jantar no Pianeta, nosso restaurante italiano


favorito em Truckee, voltamos para a casa dela. Fiona estava
saindo com um encontro, então tínhamos o lugar todo só para
nós.

Inclinei-me na cabeceira da cama e fechei os olhos,


apreciando a sensação da boceta molhada de Arabel enquanto
ela saltava no meu pau. Minhas mãos estavam entrelaçadas em
torno de seus quadris, apoiando seu peso e guiando seus
movimentos. Abri meus olhos e sorri, observando seus seios
rechonchudos saltarem na frente do meu rosto. Sua cabeça foi
jogada para trás enquanto ela gemia, e seus longos cabelos
acariciavam minhas coxas atrás dela. Foi uma bela visão. Eu
queria ter isso para sempre. Eu queria que sua boceta fosse a
única que meu pau sentiria enquanto eu vivesse. Ela era perfeita
e era minha.

— Oh, Enzo... — Ela falou através de seu prazer, seus


músculos apertando minha ereção cada vez mais forte enquanto
seu orgasmo se aproximava. Segurei seu rosto e a beijei enquanto
balançava meus quadris mais rápido. Estava tão molhada que
não havia atrito algum. Ela agarrou meus pulsos, baixando
minhas mãos até que estivessem cheias de seus seios. — Você
gosta de me foder, Sr. Steel?

Mais do que você jamais irá saber.

— Porra, sim.

Os belos sons que ela fez me estimularam, e continuei


empurrando nela enquanto seu vício em minha ereção ficava
mais e mais apertado. Ela parou de se mover, suas coxas
tremendo incontrolavelmente quando gozou. — Sim! Eu quero
sua porra dentro de mim.

Jesus.

Bombeei mais algumas vezes antes de explodir, enchendo-a


com minha semente. Fazer sexo sem camisinha era incrível pra
caralho, e o fato de ser com essa mulher tornava tudo muito
melhor. Seu controle de natalidade a impedia de engravidar, mas
eu estava ansioso pelo dia em que ela me daria filhos. Não havia
dúvidas em minha mente de que, com o DNA dela, seriam as
crianças mais lindas.

Ela se deitou, enrolando-se ao meu lado com o rosto apoiado


no meu peito. Ela enfiou a perna entre minhas coxas enquanto
beijava meus peitorais. Virei meu corpo para encará-la e envolvi
um braço em volta de sua cintura, puxando-a para mais perto de
mim. Minha outra mão segurou seu queixo e a puxei para um
beijo lento. — Eu te amo, Cirque.

Ela deixou escapar um suspiro de satisfação, seu corpo


ficando mais pesado enquanto adormecia. — Eu também te amo,
Sr. Steel.

MEUS OLHOS SE abriram na primeira luz, e imediatamente me


lembrei do que tinha que fazer. Arabel estava enrolada na minha
frente com sua bunda presa ao meu estômago, então, a tirei com
cuidado e entrei em seu armário na ponta dos pés. Sua
penteadeira estava no meio da sala, lisa e brilhante como a pele
com perfume de lavanda de sua dona. A caixa de joias estava no
centro. Era feita de carvalho maciço com entalhe celta gravado
na tampa e nas laterais. George tinha feito, com certeza. Sempre
reconheci o trabalho do meu mentor. Corri meu dedo entre as
ranhuras onduladas, e uma ideia maravilhosa me ocorreu. Eu
esculpiria algo especial para ela também.

Levantei a tampa da caixa, esperando encontrar seus anéis.


Planejava pegar temporariamente um para levar ao joalheiro para
medições. Um envelope branco sujo estava em cima dos anéis.
Fiquei imediatamente curioso, mas não queria bisbilhotar. Peguei
o envelope, planejando colocá-lo de lado quando reconheci o
nome impresso no canto superior esquerdo.

Brian Freeman, MD.

Meu primeiro pensamento foi: por que Arabel iria ao médico


de Grace? Um ano atrás, eu recebi uma carta genérica de seu
escritório, informando, uma Grace já falecida, sobre sua
aposentadoria e referindo-a a um novo obstetra. Lembro-me de
tê-lo amassado, zangado com a lembrança das coisas terríveis
pelas quais passamos.

O problema aqui era que recebi aquela carta meses antes de


Arabel se mudar para as Sierras, então não havia nenhuma
maneira de Freeman ser seu médico.

O medo subiu pelo meu corpo como formigas em um bolo.


Algo não estava certo e eu odiei. Desdobrei o envelope e uma
nuvem de poeira flutuou até minhas narinas. Por que estava tão
empoeirado?

Eu o abri e tirei uma folha de papel branco. Quando fui


desdobrá-lo, uma folha menor e amarela caiu de dentro da caixa
de joias.

Minha respiração engatou e meu coração bateu tão rápido


que fez meu peito doer. Reconheci a letra em menos de um
segundo.
Não pode ser.

Peguei-o com as mãos trêmulas, meu pomo de adão


balançando de medo. Meus olhos estavam lutando contra mim,
não querendo ver algo que nunca poderia ser invisível.

Eu os forcei de qualquer maneira.

Caro Enzo,

Sinto muito por fazer isso com você. Eu simplesmente não


conseguia mais ficar por aqui. Não por sua causa, mas porque as
feridas em minha alma são terminais, e eu escolho seguir meus
próprios termos.

Você é o homem mais forte que conheço e, com o tempo, vai


se curar e seguir em frente de uma maneira que eu nunca poderia.

Imagino o seu futuro repleto de uma esposa feliz e filhos


felizes, como você sempre sonhou.

Só sinto muito por não ter podido te dar seus sonhos.

Eu sei que você vai me odiar por matar seu filho, mas como
você pode ver, não é seu, é dele.

Tentei ser feliz por você e por mim. Mas tudo que vejo é dor,
e a única coisa que pode acabar com isso é a morte.
Eu só quero que a dor pare.

Por favor, não se culpe. Minha tristeza não foi sua culpa, e eu
acredito de todo o meu coração, você fez o melhor que pôde.

Eu quero que você vá e viva sua melhor vida.

Nunca se esqueça que sempre vou te amar,

Sua Gracie.

A BILE SUBIU À MINHA BOCA, amarga e ácida.

Não é seu, é dele.

Não.

Balancei minha cabeça, relutante em acreditar em suas


palavras.

Lembrei-me de dizer a Grace que não me importava se o


bebê era meu ou... dele. Eu o criaria como meu porque era isso
que um homem de verdade fazia. Ele ficava com a mulher que
amava em qualquer coisa que a vida pudesse jogar em seu
caminho. Ela parecia tão aliviada que nunca me ocorreu que ela
faria um teste de paternidade pelas minhas costas.

Abri a folha de papel branca e meus olhos se concentraram


na única linha que importava.

Probabilidade de paternidade: 0%.

O vômito veio rápido e implacável. Ele atingiu o tapete de


Arabel como lava quente, queimando tudo em seu rastro.

Minha garotinha não é minha. Minha garotinha não é minha.

Cada músculo do meu corpo ficou rígido com a dor mais


insuportável que senti. Isso doeu mais do que qualquer outra
coisa que já passei. Doeu mais do que a morte de Grace.

O sangue de Caterina era dele.

Eu cerrei meus olhos fechados, a dor e a emoção me


engolindo por inteiro, me puxando de volta para o buraco escuro
do inferno que jurei nunca revisitar. Eu queria uma bebida.
Precisava de uma bebida. Inferno, precisava da porra da garrafa
inteira.

— Enzo? — A voz de Arabel ecoou em meu crânio e, pela


primeira vez, não soou como anjos cantando. Pareciam pregos
em um quadro-negro. Parecia que o céu estava caindo e
esmagando minha alma. O que a mulher por quem eu estava
apaixonado tem a ver com tudo isso? Por que ela tinha a nota de
suicídio de Grace?

— Enzo? — Seus passos bateram levemente no chão


enquanto ela entrava no armário. Eu estava de costas para ela,
minha respiração ficando irregular e azeda. Minha mão agarrou
os dois pedaços de papel que me condenaram a uma morte pior
do que a própria física.

Eu me virei para encará-la, mas tudo que vi foi o vermelho


da minha raiva e o preto da sua traição.

Eu caminhei em sua direção, e ela recuou, mas ficou


enraizada no chão, permitindo minha proximidade. — Que porra
é essa? — Perguntei, acenando com as letras em seu rosto.

Lágrimas brilharam em seus olhos, mas não dei a mínima


porque minha filha, meu coração, não era meu, e Arabel tinha
escondido esse conhecimento de mim.

— Eu posso explicar. — Ela gritou, jogando os braços em


direção ao meu pescoço. Eu estendi meu braço livre entre nós,
parando suas tentativas de tornar as coisas melhores quando
nunca seriam novamente.

Ela puxou os braços para trás. Seus olhos nadaram com


amor e compaixão, e isso me irritou pra caralho.

— Baby, eu sei que é tão difícil descobrir sobre tudo isso,


mas vai ficar tudo bem. Agora você sabe que Grace nunca culpou
você. Nunca saberemos por que ela usou sua gravata, mas não
foi por raiva. Ela te amou. O que ela fez não foi sua culpa.

A raiva tornou-se insuportável. Como ela ousa agir como se


não tivesse apenas me traído? Como se o que tivesse escondido
de mim não fosse uma foda ainda maior para mim do que Grace
usando minha gravata. — Apenas me diga uma coisa. Quem
diabos é você e como conheceu Grace? — Eu assobiei.

Seus olhos se arregalaram de medo. — Eu não a conhecia,


eu juro!

— Eu não acredito em você. — Eu fechei a distância entre


nós, acenando meu dedo indicador em seu rosto. — Fique longe
de mim e da minha filha. Nunca mais quero ver seu rosto.

Seu lábio inferior tremeu e a dor em seus olhos quebrou


meu coração ainda mais. Eu não dei a mínima. Eu não dou a
mínima. Meu anjo dançarino não era a mulher que pensei que
ela era.

— Eu terminei com você. — Eu me virei e saí de seu armário,


de sua casa e de sua vida.
BRUXOS, anões, hobbits e lindos elfos angelicais me
decepcionaram completamente. O mesmo aconteceu com o
sorvete Häagen-Dazs Dulce de Leche que aninhei no colo. Havia
apenas uma coisa que me trazia conforto, e mesmo ela não era o
suficiente para aliviar a dor que estava lentamente dividindo meu
coração em dois. Aninhei meu rosto ainda mais na curva do
pescoço da minha mãe e deixei as lágrimas caírem. Elas não
pararam desde o momento em que Enzo me abandonou. Minha
mãe acolheu minhas lágrimas e as enxugou com seu lenço floral,
mas elas continuaram vindo como uma avalanche.

Faziam três dias que Enzo saiu da minha vida, levando com
ele minha alma nua e a garotinha que eu amava como uma filha.
Tirando minha capacidade de me abrir para o amor novamente.

A culpa era como uma pedra no meu peito, pesando tanto


que eu temia que fosse me enterrar viva. Sabia que havia
cometido um erro, um erro terrível. Mas ele nem me deixou
explicar. Saiu, supondo o pior. Como se Grace e eu tivéssemos
conspirado contra ele de alguma forma. Foi injusto e me irritou.

Mas eu não podia culpá-lo, e a agonia que sabia que ele


estava passando depois de descobrir que a luz de sua vida, seu
coração, sua Caterina, não era sua carne e sangue, era cem vezes
mais devastadora que a minha.

Tentei curar a ferida em suas vidas, mas em vez disso, a


espalhei como uma bactéria comedora de carne que poderia
consumi-las até que não houvesse mais nada.

E pensar que há poucos dias estávamos no topo do mundo.


Alguns dias atrás, estava comemorando no Dia das Mães. De
repente, minha vida enfadonha em São Francisco não parecia tão
ruim. Nunca teria imaginado na véspera de Ano Novo, que o
homem cujo rosto me fez perder o controle sobre minhas sedas
dançantes, acabaria sendo o único a quebrar as barras da gaiola
em que eu me mantinha. Quebrou as barras de sua jaula
também. A única diferença era que enquanto ele me deixou voar,
eu destruí suas asas.

O som de pés se arrastando nos alertou da presença de


papai. Ele entrou na sala de estar, carregando uma bandeja cheia
de canecas e uma travessa cheia de doces.

— O que você tem aí, George? — Mamãe perguntou, meu


pescoço esticando em direção à bandeja, o cheiro de massa
folhada, chocolate e amêndoas flutuando no ar.
Papai colocou a bandeja na mesa de centro, sentando-se na
beirada e olhando para mim sem pena ou julgamento. — Peguei
seu chocolate quente favorito da Ghirardelli, — ele disse ao me
passar uma grande caneca de cerâmica roxa que Fiona havia
feito. — Metade chocolate ao leite, metade escuro.

Peguei a caneca e dei-lhe um sorriso manso. Foi tudo o que


pude fazer, já que a tristeza em meu coração se esticou para todos
os meus músculos, especialmente aqueles que me ajudaram a
sorrir. Envolvendo as duas mãos em torno da caneca quente,
levei-a ao rosto e fechei os olhos. Inalei profundamente, deixando
o aroma de chocolate trazer algum consolo para minha alma
desolada. —Obrigada, papai.

A boca do meu pai se curvou em um sorriso brilhante. —


Isso não é tudo, Cherry Berry. Comprei todos os seus doces
favoritos da sua padaria favorita. — Ele pegou a bandeja e
segurou-a na nossa frente.

Mamãe cantarolou, seus olhos se arregalando de alegria


enquanto percorriam a deliciosa variedade de croissants e outras
guloseimas. — São da padaria Arsicault?

— De fato.

A padaria de São Francisco era minha favorita, e eu não


podia acreditar que meu pai tinha dirigido todo o caminho até a
cidade grande apenas para tentar me ajudar a me sentir melhor.
Meus olhos percorreram a variedade na bandeja.
— Aqui está o seu favorito, Arie. — Mamãe pegou um
cornetto com recheio de chocolate, meu favorito. Infelizmente, era
um doce italiano que imediatamente fez meu estômago
embrulhar. Tudo o que era italiano agora me lembrava Enzo. Não
aguentava.

Fiz uma careta e afastei a mão da minha mãe. Peguei um


Kouign-amman, um doce francês. Qualquer coisa menos italiana.
Era amanteigado, caramelizado e escamoso, mas hoje não fez
nada para mim, exceto, provavelmente, adicionar alguns quilos
às minhas coxas. E é claro, quando pensei em minhas coxas,
pude senti-lo entre elas. O fantasma de seu toque permaneceu e
se recusou a sair.

Senti as lágrimas caindo, mas me recusei a sobrecarregar


meus pais com mais lágrimas. Pelo menos por hoje. Não me vi
me recuperando disso, mas para a sanidade do meu pais e a
minha própria, precisava me controlar em meu desespero.

Disse aos meus pais que precisava ir ao banheiro e os deixei


assistindo O Senhor dos Anéis, enquanto eles enchiam seus
rostos adoráveis com doces e chocolate quente. Escolhi ir para o
meu banheiro e subi as escadas devagar, meus membros
letárgicos de toda a dor que havia vazado do meu coração. Liam
me seguiu, seu rabo balançando como se seu coração não
estivesse quebrado. Fechei a porta do meu quarto e deixei o
mundo para trás. Jogando-me na cama, chorei.
Não conseguia tirar suas últimas palavras da minha mente.
Elas tocaram em um loop, me arrastando mais e mais fundo
naquele lugar escuro chamado desgosto.

— Fique longe de mim e da minha filha. Nunca mais quero


ver seu rosto. Eu terminei com você.

Eu terminei com você. As mesmas palavras que mandei


para ele quando o encontrei com seus amigos no café.

Entendi sua dor e confusão, mas como poderia jogar fora


nosso amor? Como poderia me jogar fora sem me dar o benefício
da dúvida? Sem me deixar explicar?

Meu doce cachorrinho pulou na cama e lambeu minhas


lágrimas do meu rosto antes de se aninhar em meu peito.

— Arie? — Minha irmã Fiona bateu na minha porta.

Enterrei meu rosto no travesseiro, que estava molhado de


todas as lágrimas, mas não conseguia parar de chorar. Não sabia
se conseguiria.

— Arie, eu sei que você está aí.

Grunhi, irritado com minha irmã, embora ela estivesse


apenas tentando estar lá para mim. — Vá embora.

— O inferno que vou. — Fiona abriu a porta e entrou na


sala. Não me movi, meu rosto ainda enterrado no meu
travesseiro. O colchão afundou quando ela se sentou na cama ao
meu lado.

— Irmã, eu realmente não quero falar. — Minhas palavras


foram abafadas porque me recusei a levantar minha cabeça.

— Você não precisa falar. — Eu a senti se mexer na cama,


o calor de seu corpo me envolvendo enquanto se deitava ao meu
lado. O cheiro de sua loção de morango atingiu meu nariz,
proporcionando-me uma sensação de conforto que não podia
negar que precisava. Ela passou os braços em volta de mim, me
forçando a encará-la.

Finalmente levantei meu rosto, e no momento em que cruzei


os olhos com minha irmã maravilhosa, meus lábios tremeram e
as lágrimas ficaram mais grossas. — Não posso falar sobre isso.
— Chorei, meu rosto enrugando de emoção.

— Shhh, — ela murmurou, me abraçando com mais força


enquanto descansava meu rosto em seu ombro. — Você não tem
que dizer uma palavra. Vou te segurar pelo tempo que for preciso.

Fiona me abraçou por horas e, quando minhas lágrimas


secaram, ela me abraçou mais um pouco.
ÂMBAR, amarelo, vermelho ou transparente? Sempre opte
pelo âmbar quando quiser afogar suas mágoas da maneira mais
rápida e eficiente possível.

Estava enterrado no sofá, bebendo até a morte. Fazia dias.


Desde o dia em que descobri que meu coração e minha alma não
eram meus. Desde o dia em que minha bela dançarina me traiu,
me deixando cego com a informação mais impressionante que eu
poderia ter recebido.

Em questão de minutos, o céu caiu em cima de mim. Na


verdade, o céu não caiu. A porra da galáxia desabou como um
deslizamento de terra colossal, me esmagando em rocha e
desolação, antes de me jogar em um poço de espigões para ser
ferido até que tudo o que restasse de mim fosse pura fúria
inalterada.

A violência que senti quando Grace morreu parecia o acesso


de raiva de uma criança em comparação com agora. Queria matar
e mutilar. Odiava o mundo e queria queimá-lo até que não
houvesse mais nada.

Olhei em volta da minha sala de estar, Black de Pearl Jam


repetindo e gritando pelo sistema surround, meus cachorros
dormindo no chão ao meu lado. Eles não tinham saído do meu
lado, exceto para comer e ir para o quintal fazer seus negócios. A
única coisa produtiva que fiz foi alimentá-los. Tomei um gole da
garrafa de conhaque que estava segurando entre as coxas nos
últimos quatro dias. Bem, não era exatamente a mesma garrafa,
já que comprei uma caixa inteira. Nunca pensei que voltaria a
beber, mas é claro, nunca imaginei que Grace me levaria a
acreditar que Caterina era minha. E nunca imaginei que Arabel
teria algo a ver com essa merda.

A verdade não doeu. Ele obliterou minhas entranhas até que


minhas terminações nervosas não registrassem mais dor,
deixando-me desprovido de qualquer coisa que se assemelhasse
a bondade.

Mandei uma mensagem para Lorena no meu caminho de


volta para casa da Arabel e implorei para ela ficar com Cat por
alguns dias. Ela perguntou porquê, e disse a ela que não era da
conta dela, porra.

— Stronzo. — Idiota. Isso é o que ela disse antes de desligar


na minha cara. Quando a pegou, perguntou o que havia de
errado, mas não disse uma palavra. Com o passar da semana,
ela parou e bateu na porta várias vezes ao dia enquanto minha
filha – ah, certo, filha dele – estava na escola. Eu apenas sentei
lá olhando para os papéis espalhados na mesa de café. Aqueles
que li várias vezes como se fossem meus livros favoritos, meus
olhos sempre fixos nas mesmas linhas:

Lorenzo Simonetti (suposto pai).

DNA fetal.

Probabilidade de paternidade: zero por cento.

Zero.

Nada.

Inexistente.

Nix.

Nada.

Eu não era o pai do meu bebê.

Outra onda de raiva violenta atingiu meu estômago.


Balancei meu braço, jogando a garrafa meio bêbada da morte
contra o manto da lareira, vendo-a se estilhaçar como minha
alma, os cacos de vidro se juntando aos das outras cinco garrafas
que já tinha quebrado. Um rio de líquido âmbar desceu pelo capô
até pousar na lareira, aumentando a poça que já estava lá. Meus
cachorros choramingavam, sem dúvida assustados com meu
comportamento.

— Foda-seeee — rugi no topo dos meus pulmões, passando


minhas mãos pelo meu cabelo e puxando-o o mais forte que pude.
Memórias da minha luta com Grace correram pela minha mente.

— Eu quero um aborto.

— Absolutamente não.

— Mas...

— Esse bebê também é meu, então posso opinar sobre seu


destino.

— Olhe para mim! — Ela chorou. — Eu pareço alguém


preparada para ser mãe? — Ela cutucou o peito violentamente
com o dedo indicador.

— Você não vai se sentir assim depois que o bebê nascer.

— Sim, eu vou, Enzo. Nunca vou ficar melhor. Nem mesmo


este bebê pode me recompor.

— Isso é porque você não terá ajuda! Psicologicamente ou


medicamentosa! — Gritei na cara dela. — Tudo que você quer
fazer é foder o tempo todo. Você não fala mais comigo, você não
vai a lugar nenhum, exceto para cuidar do seu jardim de tulipas
de merda. Eu te amo, mas não podemos continuar assim. Você se
tornou uma espécie de viciada em sexo e, por mais que goste de te
foder, seu comportamento me preocupa. Preciso saber o que você
está pensando, o que está sentindo. Eu preciso que você me diga
como ajudá-la... como nos ajudar. — As cordas do meu pescoço
estavam inchadas de raiva e desesperança. Sabia que estava
sendo um idiota. Sabia que a estava machucando. Me senti tão
perdido e desesperado. Grace continuou chorando, implorando
para eu concordar com o aborto, mas não queria ouvir. Desde
que descobri que ela estava grávida, tudo em que conseguia
pensar era na esperança, na alegria e na cura que uma criança
traria para nossa casa.

— É o seu corpo, então você pode fazer o que quiser, mas isso
não significa que estarei bem com você escolhendo me roubar meu
filho. — Eu me virei e saí, sem saber que aquele momento seria a
última vez que a veria enquanto estivesse totalmente viva.

Felicidade.

O bebê representava o potencial de um futuro feliz para ela,


para mim... para nós, e ela queria arrancá-lo de seu corpo e de
nossas vidas. Agora que sabia que era dele, fazia todo o sentido
por que ela queria interromper a gravidez. Mas nunca poderia me
arrepender de ter lutado por aquele bebê, porque se não tivesse,
Caterina não estaria aqui, e eu não poderia imaginar uma vida
sem ela estar nela. O pensamento por si só era pior do que morrer
uma morte lenta sendo roído por ratos.

Caterina.
Um lamento profundo subiu pela minha garganta,
misturado com uma dor intransponível que ricocheteou nas
paredes, me golpeando uma e outra vez, como milhares de
chicotadas contra meu peito. Contra meu coração. Pela
centésima vez naquela semana, chorei. Chorei por mim, por
Grace. Chorei por Caterina e Arabel. O tipo de choro que não me
deixava subir para respirar, espremendo o oxigênio dos meus
pulmões por um longo tempo até que finalmente fosse liberado,
me deixando sem fôlego. Implorei aos meus pulmões para se
soltar e permitir que a dor os esmagasse até que a vida ficasse
negra. Até eu ir embora. Eu era um pedaço de merda por pensar
dessa maneira, por desejar morrer e deixar Cat sem mãe e pai.
Minha depressão intensificada pelo álcool fez com que eu me
desprezasse.

A falta de oxigênio apenas contribuiu para o meu estado de


embriaguez. A sala estava girando. Não conseguia sentir o sofá
sob minha bunda ou o chão sob meus pés. Como se estivesse
flutuando sem rumo no espaço.

Perdido.

Estava perdido e não tinha ideia de como encontrar o


caminho de volta, ou se poderia.

Pensei em Cat ficar na casa da tia, imaginando onde papai


teria ido. Pensei em Arabel e no quanto sentia falta de seu cabelo,
suas sardas, sua risada, seu amor.
Mas pensar era a última coisa que eu queria fazer, então
peguei a garrafa fechada de Brandy na mesinha de centro e bebi
até não poder pensar, sentir ou ver.

O vazio me acolheu de braços abertos.

WHAM!

Wham!

Wham!

Deitei de bruços no sofá. O som reverberou em minha


cabeça, partindo-a ao meio, como um machado em um tronco.
Com medo de abrir os olhos, procurei às cegas por uma almofada
para cobrir a cabeça.

Wham!

Wham!

Wham!

— Foda-se! — Rosnei. Minha voz grossa e rouca de gritar,


chorar e queimar crua de bebida.
Lorena tinha a chave da minha casa, então não sabia por
que ainda não a tinha usado, embora estivesse grato por ela não
ter usado. Não tinha batido desde ontem. Provavelmente imaginei
que era uma perda de tempo. Provavelmente com raiva por ter
jogado Cat em cima dela sem nem uma explicação. Meu celular
havia morrido dias atrás e nunca me preocupei em recarregá-lo.
Se Lorena ou Caterina precisassem de mim, poderiam ligar para
o telefone fixo. Harry, Oliver, Sal e Mignon bateram e tocaram a
campainha, ameaçando arrancar a porta das dobradiças ou
chamar a polícia.

Ignorei todos eles.

Wham!

Wham!

Wham!

As batidas ficaram mais altas, com mais raiva. Não sabia


quem era e não me importava.

— Me deixe em paz! — Gritei por precaução, caso quem


estava batendo não tivesse recebido o memorando de que eu
estava preso em um buraco negro, pronto para incendiar
qualquer um que ousasse foder comigo.

O barulho das teclas fez meus ouvidos se animarem. O som


de uma chave girando no buraco da fechadura me fez pular para
uma posição sentada, o que foi uma ideia terrível, considerando
que tudo que coloquei no meu estômago em dias foi conhaque e
pão. Vomitei no tapete entre o sofá e a mesa de café assim que a
porta da frente se abriu.

— Vattene a fanculo!10 — Gritei, limpando a boca com as


costas da mão.

— Non ci penso propio11, amigo. — Uma voz masculina


infiltrou-se em meus ouvidos, me desorientando, já que estava
esperando Lorena. Virei-me lentamente, tentando evitar esvaziar
o álcool que restava no meu estômago.

— George? — Todos os três cães correram para o homem,


abanando o rabo.

Ele se agachou, dando tapinhas na cabeça deles enquanto


tentavam lamber suas mãos. — O primeiro e único.

— Como você conseguiu uma chave e o que está fazendo


aqui? — Fiquei aborrecido, mas tentei ao máximo não
demonstrar, porque respeitava George como um pai. Sua
presença imediatamente inundou meu cérebro com pensamentos
e imagens de Arabel. Por que ele tem que vir aqui? Por que ele
tinha que ser seu pai? Perdê-la provavelmente significava perdê-
lo. Ele provavelmente estava aqui para me repreender por

10 Vá se foder.
11 Nem pense nisso
machucar sua filha. Não aguentava perder minha alma gêmea e
o único pai que conheci na mesma semana.

— Pedi a Lorena a chave dela e estou aqui para salvar você


da autodestruição. — Sua voz era severa, mas ele não parecia
zangado ou crítico.

— Eu só quero ficar em paz. — Gemi, jogando minha cabeça


no encosto do sofá e imediatamente me arrependendo.

George olhou ao redor do espaço escuro, fazendo uma


careta e franzindo o nariz em desgosto. — Paz? — Ele acenou com
a mão ao redor da sala. — Isso parece paz para você?

— Eu não sei, está escuro aqui, e mantenho quase sempre


os olhos fechados.

George zombou, caminhando até as janelas do chão ao teto


e abrindo as cortinas com um puxão rápido.

Recuei, enterrando meu rosto em meu braço como um


vampiro que estava com medo de pegar fogo e virar pó.

Apertei os olhos, ajustando-os a contragosto à luz do sol


brilhante que agora brilhava na sala de estar, destacando a
miséria presa no espaço. Olhei ao redor e estremeci com o estado
do meu quarto antes favorito. Vômito no chão, migalhas de pão
por toda parte, vidro estilhaçado, uma poça de âmbar e dois
pedaços de papel. Achei irônico que os papéis contendo a
destruição do meu mundo fossem brancos e amarelos – duas
cores felizes e esperançosas que não existiam mais em minha
alma.

George ficou perto da janela, seu rosto enrugando mais e


mais enquanto ele examinava a sala. — Tem cheiro de álcool e
vômito.

O constrangimento tomou conta de mim pela primeira vez


desde que meu estupor começou. — O que você quer, George? —
Perguntei.

Seus ombros se ergueram com uma respiração profunda. —


Tenho algumas coisas a dizer.

Meu primeiro instinto foi lhe dizer para se poupar, mas o


rosto de Arabel apareceu na minha cabeça novamente, fazendo
com que minhas entranhas apertassem com nostalgia e
melancolia. Eu estava furioso com ela e não achava que poderia
confiar nela novamente, mas sentia sua falta e esperava que tudo
o que George tivesse a dizer fosse sobre ela. Por mais zangado
que estivesse, queria saber se estava bem.

— Derrame. — Gemi.

— Não até que você se limpe.

— Esqueça. — Zombei.

Ele cruzou os braços sobre o peito, batendo o pé no chão


como sempre fazia quando falava sério. — A meu ver, você tem
duas opções: ir se limpar por conta própria ou eu mesmo arrasto
você para o chuveiro e, acredite, não tenho escrúpulos em deixá-
lo nu e lavar suas bolas, se precisar, filho. Então, o que vai ser?

Fiquei sentado ali por um segundo, pasmo. Então me


levantei do sofá, carrancudo ao ver o recuo do meu corpo nas
almofadas. Se isso não era o fundo do poço, não sabia o que era.
— Tudo bem. — Cuspi, acenando com a mão com desdém e
agarrando o corrimão enquanto cambaleava escada acima.

George era o pai que nunca tive. Tive um pai, mas ele foi um
pedaço de merda para minha mãe, irmã e eu até o dia em que
morreu de ataque cardíaco, que eu não tinha dúvidas de que era
induzido pela raiva. Meu pai nunca teria ameaçado lavar minhas
bolas apenas para me tirar de um lugar escuro e anti-higiênico.
Ele teria apenas me deixado apodrecer em minha própria miséria
e sujeira. Sim, George era o melhor e, há duas semanas, quando
lhe pedi a mão de Arabel em casamento, ele não apenas abençoou
minha união com sua filha, mas também me tornei seu genro.

Como as coisas podem mudar rapidamente.

Quando desci, muito mais sóbrio do que em dias, o tapete


manchado de vômito, o vidro quebrado e a bebida haviam
sumido. As janelas estavam abertas e uma brisa suave soprou,
levando um pouco do fedor e da miséria para longe. George estava
sentado no sofá, o relatório da paternidade em uma das mãos e
o bilhete de suicídio de Grace na outra. Seu rosto estava sério e
os olhos doloridos. Ele não me viu, então sentei no sofá oposto,
cruzando os tornozelos sob a mesa de centro e esfregando
ansiosamente minha barba crescida com a ponta dos dedos.

Depois de alguns minutos, ele devolveu os papéis à mesa e


olhou para mim. Seus olhos se entristeceram. Sua boca franziu
com decepção. — Isso é tão fodido. — Ele balançou a cabeça em
desaprovação.

— Você está me dizendo? — Raiva e sarcasmo escorreram


da minha língua.

Ele assentiu, mas permaneceu em silêncio por alguns


minutos, olhando para mim sem piscar. George era excêntrico e
intenso, então seu contato visual inabalável não me incomodou.
— Você foi para o seu antigo quarto, ultimamente?

A simples menção daquela porra de quarto trouxe tudo de


volta, o terror, a raiva, a culpa e a dor me apunhalando no
estômago. — Por que diabos eu iria lá? — Eu fiz uma careta para
ele como se ele estivesse sugerindo que eu entrasse na cova de
um leão faminto.

— Arabel foi. — Ele ergueu uma sobrancelha, continuando


seu olhar.

A indignação cresceu dentro de mim, e cerrei meus punhos


no meu colo, minha mandíbula cerrada de raiva. Como ela ousa
entrar lá? Como ela ousava se intrometer em coisas que não
conseguia entender? — Ela fez o quê? — Sibilei por entre os
dentes.

— Ela fez o que você não podia. Espremer o abscesso que


está infeccionando nesta casa há mais de quatro anos, para que
possa finalmente seguir em frente. Foi onde ela encontrou essas
cartas. — Ele apontou para os papéis na mesa de centro. — Ela
as encontrou debaixo de uma cômoda enquanto limpava sua casa
das besteiras a que você e Cat estão presos há muito tempo. E
sabe de uma coisa? Já era hora de alguém ter coragem de abrir
aquela porra de quarto. Eu não poderia estar mais orgulhoso da
minha filha.

Meu queixo caiu, meus olhos se arregalaram de surpresa. O


calor do alívio se espalhou pelo meu peito. Arabel não conhecia
Grace. Ela não fazia parte de uma conspiração perversa para
foder comigo. Para me punir por falhar com Grace. Meu coração
apertou quando percebi que Grace devia estar segurando as
cartas quando se pendurou naquele ventilador. Elas
provavelmente deslizaram sob a cômoda quando ela os deixou
cair. — Cat não foi afetada pelo que aconteceu nesta casa antes
de nascer. Ela está feliz.

George soltou uma risada amarga. — Enzo, abra seus olhos.


Ela pode não saber a história por trás de seu nascimento
traumático ou sobre as ações de sua mãe, mas teve que lidar com
você.
Minha mandíbula cerrou com tanta força que temi que fosse
quebrar. Eu não gostei dele questionando minha paternidade ou
meu relacionamento com minha filha. — George, eu te amo, mas
você precisa cuidar da sua boca. Eu sou um pai muito bom. —
Estava sendo rude com o homem que mais respeitava neste
mundo, mas não sabia para onde ele estava indo com tudo isso,
o que aumentou minha ansiedade.

Ele não parecia nem um pouco perturbado. — Você é um


pai incrível. Você trata a Cat com dignidade e respeito. Você nutre
suas virtudes e aceita suas deficiências. Você é o pai mais
paciente que já conheci e mostra a ela seu amor de uma forma
que garante que nunca duvide de seu valor neste mundo.

Meu olhar pousou em seus olhos verdes e sábios, e o que vi


desvendou minha raiva e quebrou minha armadura. Orgulho.
Compaixão. Adoração. Ele acreditava em mim de uma maneira
que eu não acreditava em mim mesmo desde o início do pesadelo.
Meu coração amoleceu e meus músculos começaram a relaxar.

— Mas Enzo, sua dor e culpa a afetam. Você esteve triste e


preso em seu próprio inferno pessoal por toda a vida. As crianças
têm uma capacidade fantástica de intuição e empatia. Elas ainda
não estão cansadas de fracasso, dor de cabeça e decepção. Cat é
uma garotinha perceptiva. Ela não precisa conhecer a história
para sentir suas ramificações. Ela não merece que seu pai esteja
preso ao passado, mas viva no agora, com ela.
Lágrimas quentes correram pelos meus olhos e minha
garganta balançou com emoção mal contida. Ele estava certo em
todos os aspectos. Eu estava tão cego pela sobrevivência e tão
focado em ser um bom pai que não me ocorreu que meu estado
de espírito pudesse prejudicar minha filha. Que ela, sem saber,
carregou parte da minha dor por mim. Nenhuma criança deve ter
que suportar o fardo de seus pais. Minha incapacidade de deixar
ir me levou a falhar com a pessoa mais importante da minha vida.

Lembrei-me da constante expressão de alegria no rosto de


Cat nos últimos meses, desde que Arabel havia entrado em
nossas vidas. Atribuí isso à emoção de finalmente ter uma figura
maternal em sua vida que não era sua tia ou Mignon. Isso fazia
parte, mas também havia outra coisa. Ela parecia leve e aliviada,
como uma pena fofa depois de se separar de seu pássaro.

Com Arabel, eu estava feliz e despreocupado. Removendo o


peso do mundo de meus ombros, removi também o de minha
filha.

— Sim. Ela trouxe a felicidade e o amor que você e Cat


precisavam. Não a deixe ir. — George era um leitor de mentes.

Passei a mão pelo rosto, rasgado. — Ela escondeu os papéis


de mim, George.

Ele apoiou o tornozelo na coxa, olhando para mim com olhos


estreitos, considerando cuidadosamente sua resposta. — Como
você joga uma bomba desta nas duas pessoas que você mais
ama? As duas pessoas que ajudaram você a superar seu próprio
passado terrível.

Eu balancei minha cabeça. Entendi o que ele estava


dizendo, mas Arabel ainda tinha escondido isso de mim. — Ela
deveria ter me contado.

— Possivelmente. Mas ela é humana e tenho certeza que


você pode entender sua apreensão. Afinal, os mensageiros
tendem a ser culpados e fuzilados por levar más notícias que não
tiveram participação na criação. Você está disposto a jogar fora o
que tem porque ela estava com medo de lhe dar a única coisa que
sabia que iria destruí-lo? Você poderia esquecer tão facilmente
que apenas alguns dias atrás você a amava tanto, que pediu
minha bênção para casar com ela?

Eu não respondi, olhando para ele enquanto contemplava


suas palavras. Descobrir que Cat não era minha carne e sangue
foi como uma facada no coração. Naquele momento, olhei para
Arabel como a pessoa que empunhava a faca, mas ela era apenas
a mensageira. Era Grace quem merecia a culpa. Não, era aquele
pedaço de merda que merecia sofrer e morrer. Respirei fundo,
certificando-me de manter minha raiva sob controle, já que
George tinha me ajudado a diminuí-la.

— No grande esquema da vida, nutrir supera a natureza. —


Sua voz era calma e firme, mas reconfortante.

Eu não sabia o que dizer, então fiquei quieto.


— Aquela menina é sua filha, filho. Não importa quais genes
ela tenha. Foi você quem se sentou ao lado da cama de Grace
naquele hospital dia após dia, cantando, lendo e conversando
com sua filha. — Ele apontou o dedo para mim. — Você foi a
primeira pessoa a abraçá-la, alimentá-la, trocar suas fraldas
sujas e dar-lhe amor e carinho. Foi você quem ficou acordado
com ela sempre que adoeceu, aquele que a acalmou quando ela
estava com os dentes nascendo.

Meus olhos se encheram de lágrimas e, desta vez, não pude


contê-las. O choque dos últimos dias havia deslocado minha
clareza mental e emocional. Eu tinha me dado uma festa de pena,
esquecendo temporariamente o que importava: meu coração.
Minha garotinha. Quebrei o contato visual com George,
segurando minha cabeça em minhas mãos enquanto a emoção
tomava conta de mim. Segundos depois, eu o senti sentar ao meu
lado e sua mão apertou meu ombro.

— A Cat é e sempre será sua.

Sufoquei um soluço e balancei a cabeça.

George deu um tapinha nas minhas costas. — Agora, fique


sóbrio, limpe sua casa e vá buscar sua garotinha. Então, vá
buscar o amor da sua vida para que todos possam ter a vida feliz
que merecem.
HORAS DEPOIS, minha irmã bateu na porta da frente e, desta
vez, a deixei entrar. Contei tudo a ela. Mostrei-lhe os papéis. Ela
chorou e eu a abracei, consolando-a enquanto ela me confortava.
Depois da visita de George, fiquei estranhamente em paz.

Ela acenou um dedo severo na minha cara e me disse para


parar de ser um idiota e ir buscar minha mulher de volta. Sorri e
disse a ela que havia algumas coisas que precisava fazer
primeiro.

Ela me disse que Caterina era minha filha, que sangue e


DNA não importavam. Ela era minha e ninguém jamais a tiraria
de nós. Balancei a cabeça e lhe pedi para trazer meu coração de
volta para mim.

Lori voltou quarenta minutos depois e peguei minha


filhinha nos braços, abraçando-a como se fosse o fim do mundo,
quando na realidade, era o começo.

Sentamos na minha cama e lemos ‘Não é hora de dormir’,


sua história favorita para dormir. Sua cabecinha descansou na
minha barriga enquanto eu acariciava seus cabelos dourados.
Quando a história acabou, me ajoelhei no chão e a abracei,
pairando sobre seu rosto para plantar um beijo de boa noite na
ponta de seu nariz de botão. Ela segurou minha barba
despenteada com as mãos e me disse para fazer a barba porque
não gostava de beijos espetados. Então, me perguntou onde eu
estive nos últimos quatro dias. Disse-lhe que tinha ido a um lugar
cinza e chuvoso para cuidar de algumas coisas.

— Você cuidou disso, papai?

— Sim, cuidei, e não terei que ir para o lugar chuvoso nunca


mais. — Sorri.

Ela sorriu de volta, fechando os olhos. Eu a observei dormir


por alguns minutos. Tão inocente, linda e pacífica.

Sim. Ela era minha filha. Porque o amor era mais forte do
que o sangue.

Depois que Cat foi dormir, limpei nossa casa. O lugar que
construí com minhas próprias mãos. Joguei as garrafas restantes
de conhaque no porta-malas do meu carro para dar aos outros
London Boys. Sempre disse que não era alcoólatra, mas não
podia mais negar a verdade. Precisava me conter e melhorar. Não
podia me dar ao luxo de buscar refúgio em uma garrafa toda vez
que as coisas ficavam difíceis. Seria para sempre um alcoólatra
em recuperação, e estava tudo bem.

Um dia de cada vez.

Limpei o vômito do tapete, passei o aspirador de pó e lavei


os pratos, depois fui ao porão desligar o disjuntor e pegar a caixa
de ferramentas. Então, subi as escadas para a sala que continha
os restos do que uma vez foi, mas não me servia mais. Não nos
servia mais.

Acendi as lâmpadas de cabeceira e observei as cortinas


dançarem com a brisa. A brisa que Arabel deixou entrar. Era fria,
energizante e catártica. Podia sentir sua bondade misturada com
a tristeza cada vez menor. Entrei no quarto e sentei na cama que
Grace e eu tínhamos compartilhado uma vez. A tristeza apertou
meu coração, mas foi apenas um beliscão, e não me matou. Eu
poderia suportar, e tive que fazer. Por Cat e por mim. E, com
sorte, por Arabel, se ela pudesse me perdoar.

Memórias dos meus dias com Grace projetaram-se em


minha mente. Éramos felizes antes que as coisas dessem um
rumo infeliz, e tempos felizes mereciam ser mantidos vivos.
Sentado na minha velha cama, escolhi sempre me lembrar dela
feliz. Nunca esqueceria os momentos ruins, mas, finalmente,
entendi que estava em meu poder trancá-los em uma caixa à
prova de vazamentos e garantir que o passado não se infiltraria
mais no presente.

Meus olhos se fixaram no ventilador de teto acima da minha


cabeça e, pela primeira vez desde que Grace morreu, a perdoei e
a mim mesmo.

Abri a caixa de ferramentas e tirei uma chave de fenda.


Então pulei na cama e tirei o ventilador de teto.
— ACHO QUE o apocalipse finalmente chegou. — disse Fiona
com um sorriso malicioso, olhando-me de seu banquinho da
cozinha enquanto eu me arrastava para a cafeteira, vestindo a
mesma calça de moletom roxa e um moletom cinza USF12 que
estava usando por quase uma semana inteira. Meu cabelo estava
uma bagunça emaranhada que se projetava em todas as direções
já que eu não me preocupei em escová-lo. Derramei o café em
minha caneca favorita e deslizei para o banquinho ao lado de
minha irmã.

— Por quê? — Eu perguntei, sem graça. O esforço de


pronunciar uma palavra me deixou exausta e pronta para voltar
para a cama.

— Porque você parece um maldito zumbi.

Não tinha energia ou vontade de responder, então enterrei


meu rosto na caneca de café.

12 Sigla para Universidade de São Francisco


— Quero dizer, quando foi a última vez que você tomou
banho?

— Nonya.13 — murmurei.

Fiona riu. — Este é o meu negócio, porque você não só tem


um olhar de zumbi, você também cheira como um, e está fazendo
com que o meu nariz tenha uma morte lenta, fedida.

Suspirei. Sabia que ela estava certa, mas meu espírito


estava quebrado e ir ao banheiro exigia um grande esforço. Não
acho que poderia tomar banho.

O rosto de Fiona assumiu uma expressão sombria. — Eu


não estou brincando, mana. Eu sei que a merda azedou e dói,
mas já se passou quase uma semana. Você precisa sair dessa.
Ou você vai tomar banho ou vou jogar você lá eu mesma. E não
vou usar a água quente.

Estremeci, ainda me escondendo atrás da minha caneca de


café.

— Se Enzo não está disposto a entender a posição terrível


em que você se encontrou, então talvez ele não seja o homem que
pensávamos que era, e para isso, digo, boa viagem.

13 Expressão para algo como ´´não é da sua conta``


Meu coração afundou com a simples menção de seu nome.
Tomar um banho parecia melhor do que ouvi-la, então saí do
banquinho com um gemido e subi as escadas.

Fiquei embaixo do chuveiro, deixando a água correr pelo


meu corpo. Meu coração doeu, mas não chorei. Fiona estava
certa. Era hora de se livrar disso e seguir em frente. Não podia
manter minha vida em espera, esperando a cada segundo de cada
dia que Enzo me ligasse ou viesse bater na minha porta para me
trazer de volta. Era hora de aceitar que tínhamos terminado. Se
ele não estava disposto a me dar uma chance de me explicar, não
havia nada que pudesse fazer, e eu tinha muito orgulho para
estender a mão depois da maneira como ele falou comigo. Ou
talvez não fosse orgulho, mas medo do dano que suas palavras
poderiam me causar.

Lavei meu cabelo, depilei meu corpo, cortei minhas unhas e


ensaboei minha pele com minha loção de baunilha favorita. Fiona
estava certa. Parecia e cheirava melhor, embora meu coração
ainda estivesse partido.

Meu estômago estava roncando, então coloquei uma calça


de ioga preta e uma camiseta branca lisa e desci as escadas
descalço, me arrastando para a cozinha.

Lorena estava sentada em um banquinho ao lado de minha


irmã, cujo rosto enviava um aviso claro: ‘é melhor você falar com
ela ou então...’
Minha mão foi para o meu medalhão e respirei lentamente.
Não era tão próxima de Lorena quanto era de Mignon, mas ela
me visitou várias vezes depois do incêndio e sempre nos víamos
nos estábulos. Tínhamos andado a cavalo algumas vezes. — Ei.
— Eu disse, fazendo o meu melhor para soar forte, embora meu
rosto denunciasse a verdade. Meus olhos estavam vermelhos,
inchados e tristes, minha pele amarelada. Eu estava horrível,
mas pelo menos tinha tomado um banho.

— Ei. — Lorena ecoou com um sorriso caloroso.

Sentei-me no banquinho do outro lado da ilha.

Ela se endireitou e olhou para mim com um encolher de


ombros apologético. — Espero não estar cruzando a linha vindo
para cá. Só queria checar você e conversar sobre o que aconteceu
com meu irmão.

Meus ombros ficaram tensos. Ela se parecia muito com ele.


Eles tinham o mesmo queixo, maçãs do rosto salientes e boca.
Engoli o caroço alojado na minha garganta. — Eu sei, eu
estraguei tudo. — Não consegui esconder a culpa em minhas
palavras.

Sua mão saltou, apertando a minha na bancada por um


momento. — Não, você não estragou. Ninguém pode culpá-la por
demorar para descobrir como dar uma notícia tão terrível. Mas
peço que você entenda como Enzo se sente. Imagine como seria
doloroso descobrir que a filha que você adora e sempre pensou
ser sua, é, na verdade, filha do estuprador da sua namorada
morta. Eu sei que estou sendo dura, mas é a verdade. Esta é uma
situação muito difícil para todos, mas especialmente para ele.

Ela acabou de dizer estuprador? Sentei no meu banquinho,


imóvel. O sangue drenou da minha cabeça, deixando-me
progressivamente tonta até que estava prestes a cair no chão.
Minha irmã pulou de seu banquinho, contornando a ilha para
ficar ao meu lado, passando o braço pela minha cintura para me
manter no lugar. Ela deu um aperto de conhecimento no meu
ombro. Nenhuma de nós respondeu a Lorena. Meu coração
estava derretendo no meu peito e não de um jeito bom. Estava
quebrando para Enzo e Cat. Pelo que isso significava para eles.

Lágrimas picaram meus olhos e eu estava cansada demais


para lutar contra elas. Elas rolaram pelo meu rosto, pousando
em meus lábios trêmulos. Isso explicava muito. A razão pela qual
Grace estava deprimida. Sua incapacidade de manter o bebê. Seu
suicídio. Por que Enzo ficou tão arrasado com a notícia que
encontrou na minha caixa de joias.

As sobrancelhas de Lorena franziram antes de seus olhos se


arregalarem ligeiramente de surpresa. — Ele não te disse. — Ela
sussurrou.

— Não. — Eu balancei minha cabeça em descrença. Meu


próprio ataque havia arruinado minha vida por anos, mas minha
dor não se comparava ao que Enzo estava passando.
— Mas ele te contou sobre Grace, certo? — Sua carranca
era profunda, preocupada que de alguma forma ela tivesse traído
a confiança de seu irmão. Eu estiquei meu braço pela ilha e
coloquei minha mão na dela, tentando aliviar suas preocupações.

— Acho que ele me contou tudo, exceto que o outro homem


estuprou Grace. Eu só pensei que ela o traiu.

Lorena balançou a cabeça. — Grace nunca teria traído


Enzo, ela estava loucamente apaixonada por ele.

Meu coração encolheu um pouco com essas palavras. Grace


se foi, mas me perguntei se nosso amor era mais profundo do que
o que eles tinham. Afastei o pensamento.

— Eu me pergunto por que ele não te contou sobre isso. —


Lorena murmurou.

Segurei sua mão com mais força. — Porque eu também fui


estuprada.

Seus olhos se arregalaram, a compreensão queimando


neles. Ela assentiu. Ela entendeu. Ele estava com medo de me
perder, de alguma forma. Ele não achava que poderia lidar com
mais perdas.

— Onde ele está agora? — Eu perguntei, sabendo o que


precisava fazer.
— Ele está em casa com Cat. Ele teve uma semana terrível,
mas acho que está melhorando as coisas.

— Eu quero vê-lo.

Quinze minutos depois, eu estava em meu jipe, meu coração


cheio do encorajamento de Lorena. Vesti jeans, botas e um suéter
verde. Meu rosto estava sem maquiagem e meu cabelo úmido.
Não importa. Precisava vê-lo e pedir-lhe que me perdoasse por
esconder dele informações tão monumentais. Queria lhe dizer
que finalmente entendi a extensão de sua dor. Dizer a ele para
me dar metade ou tudo. Eu não me importei. Só queria carregá-
la com ele e para ele. Queria amar, valorizar e proteger seu
coração.

Cat carregava os genes e o sangue do molestador de sua


mãe em seu corpinho, e agora, Enzo sabia. Agora, toda vez que
ele olhava para o seu coração, via uma parte do homem
responsável por toda a sua dor.

Mas Cat era inocente em tudo isso e seu DNA era


irrelevante. Ela era bondade, doçura e esperança. Ela era tudo de
bom neste mundo, e sua origem não tiraria a beleza de seu
espírito.

Agarrei o volante, rezando para que Enzo sentisse o mesmo,


para que não fosse como o cachorro que rejeitou e abandonou o
nanico da ninhada, só porque era diferente dos demais. Ou
porque está com defeito de alguma forma. Na verdade, Cat agora
era a redenção daquele idiota e a recompensa de Enzo pelo que
ele os fez passar. Era uma pena que Grace não estivesse ali para
valorizar a única coisa boa que veio da maior tragédia de sua
vida.

Meu celular tocou com o toque pessoal de Mignon no porta-


copos do carro. Ignorei. Eu estava em uma missão e nada me
faria desviar de bater na porta de Enzo e fazer o que podia para
consertar as coisas. Migs estava saindo com seu namorado, Sal.
Eu ligaria para ela mais tarde.

Tocou novamente, desta vez com uma mensagem. Peguei o


telefone e olhei para baixo, meu estômago pulando na minha
garganta enquanto eu lia as três letras. SOS.

Pisei no freio e estacionei na berma da estrada. Pegando


meu telefone, disquei o número dela, mas ela rejeitou a ligação
após o primeiro toque. Que porra é essa? Queria ligar de novo,
mas algo me disse que não deveria. Passei pela casa dela há
quatro milhas atrás, então, estava perto. Virei o carro, minhas
mãos úmidas, segurando o volante com tanta força que meus nós
dos dedos ficaram brancos.

SOS.

O que diabos estava acontecendo? O que poderia ter


acontecido com ela? Mignon não era alguém que precisasse de
ajuda com frequência, e ela não enviaria esse tipo de mensagem
a menos que algo estivesse seriamente errado. Cheguei na frente
de sua casa, estacionei o carro e corri para a porta da frente.
Notei um carro que nunca tinha visto antes estacionado ao lado
de seu Mini Cooper. Parei, medo e cautela apertando meu
intestino. Algo estava errado e invadir sua casa não foi a melhor
ideia. Coloquei minha bolsa no balanço da varanda e tirei a lata
de spray de pimenta que sempre carregava no meu chaveiro.
Coloquei meu telefone no modo silencioso e coloquei no bolso de
trás da minha calça jeans.

Agachando-me, comecei a andar ao longo do perímetro da


casa, espiando por todas as janelas. A sala estava vazia. Assim
como a cozinha, a sala de jantar e o banheiro dos visitantes.

Tentei a porta dos fundos que levava ao mudroom14 e


encontrei-a destrancada. Me espremi por uma fresta e fechei a
porta com cuidado atrás de mim. A casa estava estranhamente
quieta e meus nervos pareciam que estavam prestes a explodir

14Uma entrada é um corredor geralmente localizado na entrada da frente de uma casa. Uma entrada
geralmente tem um armário de casacos e geralmente tem linóleo ou piso de cerâmica em vez de carpete,
tornando-se um espaço de transição fácil de limpar entre as áreas externa e interna.
de dentro para fora. Mas Migs era minha amiga e o que quer que
estivesse acontecendo, ela estava em apuros.

Tirei minhas botas e subi as escadas dois degraus de cada


vez, esperando que a madeira não rangesse e alertasse quem
estava lá da minha presença.

Cheguei ao andar de cima, meu coração batendo tão forte


que temi que fosse desistir de mim. Respirei lenta e
irregularmente, tentando me acalmar o suficiente para ouvir.
Nada. Desci na ponta dos pés o corredor oposto ao quarto de
Mignon, maçaneta na mão. A porta de um quarto de hóspedes
estava aberta, então entrei e fechei-a antes de pegar meu telefone
e discar 911. Sussurrei o endereço para eles e desliguei. Depois
de sair do quarto de hóspedes, me aproximei da porta dela.
Estava entreaberta. Espiei. E o que descobri teria um impacto
profundo em todos nós pelo resto de nossas vidas.
— SUA PUTA ESTÚPIDA E RICA.

— Bella Arabella, se você parar de tentar resistir, pode até


gostar.

— Cadelas mortas não falam.

Samuele Romanini estava deitado no centro do chão do


quarto de Mignon, ensanguentado e inconsciente. Parei de
respirar quando meu corpo começou a tremer.

Não pode ser.

Segurei a pequena lata em minha mão com tanta força em


meu punho que minha mão perdeu toda a circulação. Meu
estômago explodiu de pavor. Minha cabeça estava tonta de
confusão. O que diabos esse monstro estava fazendo na casa de
Mignon? O que ele estava fazendo no Vale Olímpico? O que diabos
estava acontecendo?
Meus olhos dispararam desesperadamente ao redor do
espaço, procurando pela minha melhor amiga. Eu queria gritar o
nome dela, mas estava com medo de que o monstro acordasse e
tentasse me matar novamente.

Fechei meus olhos e respirei fundo algumas vezes para me


acalmar. Segundos depois, o tremor do meu corpo diminuiu
ligeiramente e abri os olhos. Ele ainda estava lá. O sangue gotejou
de sua cabeça, acumulando-se no chão. Uma de suas bochechas
estava inchada, um grande hematoma já se formando, fazendo-o
parecer feio e deformado, assim como sua alma. As pernas da
calça pareciam ensanguentadas e as pernas torcidas em um
ângulo não natural. As cortinas estavam fechadas, então o quarto
estava escuro, dificultando saber se ele estava respirando. O
cheiro de cobre saturou meu nariz. Uma arma estava ao lado dele
no chão. Fui até o outro lado do quarto e olhei ao redor da cama
de Mignon para ver se ela estava escondida lá, mas não consegui
encontrá-la. A preocupação mais intensa envolveu-me e temi por
minha amiga, pela mulher que havia cavado em meu coração em
apenas alguns meses. Vi uma trilha manchada de sangue que ia
de seu corpo até a porta do banheiro. Havia algumas marcas de
mãos ensanguentadas criando um contraste marcante contra a
madeira branca.

Parei de respirar para ouvir melhor. Lágrimas picaram meus


olhos com o passado. Meu corpo estava arranhando minha
mente, dizendo-lhe para correr ou arriscar ser ferido novamente.
Três anos atrás, minha mente teria escutado. Teria enviado
os sinais necessários para que minhas pernas se movessem. Três
anos atrás, eu teria entrado em pânico com a impotência e a
ingenuidade de uma garota que nunca soube do que monstros
reais eram capazes – uma garota com uma alma imaculada.

Mas aquela garota não existia mais. Essa garota havia se


tornado uma mulher sábia. Uma mulher que jurou nunca
permitir que o mal de seu passado machucasse outro ser
humano. Não se ela pudesse evitar. E definitivamente não sua
melhor amiga.

A porta do banheiro estava fechada e provavelmente


trancada se Mignon estivesse escondida lá. Eu não sabia o que
estava acontecendo, mas empurrei todas as minhas perguntas
para o fundo da minha mente. Agora, tudo o que importava era
ela. Precisava ser inteligente e feroz por ela e por mim, porque
não havia nenhuma maneira de esse filho da puta me machucar
novamente.

Dei alguns passos hesitantes em direção a ele. Peguei a


arma do chão e enfiei na parte de trás da minha calça jeans.
Estava descalça, o que me permitia mover-me silenciosamente
sem ser notada. Agachando-me ao lado de seu corpo, pressionei
dois dedos contra seu pescoço, em busca de um pulso enquanto
engolia a bile que vê-lo e toca-lo gerou.
Houve um pulso. Ele não estava morto, apenas
inconsciente. Porra! Eu pensei que tinha tropeçado em uma cena
de crime, mas agora, isso era uma corrida. Eu tinha que tirar
Mignon daqui. Afastei-me rapidamente e corri para o banheiro,
batendo suavemente na porta e me anunciando o mais
silenciosamente possível. Meus olhos ficaram fixos nele. Pensei
em atirar nele, mas a ideia de matar alguém me deu vontade de
vomitar, especialmente se fosse desnecessário. Com a quantidade
de sangue acumulado sob sua cabeça e a posição de suas pernas,
não achei que fosse capaz de se mover.

Boa.

Seria muito melhor se ele apodrecesse na prisão.

— Arie? — A voz de minha amiga era suave e cheia de terror.


Não soava como ela. — É você? — Ela sussurrou, engasgando
com um grito.

Coloquei minha mão livre na maçaneta e girei, mas estava


trancada. — Migs, sou eu, abra a porta. Precisamos sair daqui.

Depois do que pareceu uma eternidade, ouvi o clique da


fechadura. Dei uma última olhada no monstro no chão e
empurrei a porta. Minha doce amiga estava sentada no chão
contra a banheira, de frente para a porta com um taco de beisebol
nas mãos, pronta para atacar.
— Você veio. — Gritou ela, desta vez alto e confuso. Ela
largou o bastão e cobriu o rosto ensanguentado com as mãos
igualmente ensanguentadas. Corri e me sentei ao lado dela,
envolvendo meus braços em volta de seus ombros. Ela
estremeceu e gemeu de dor. Eu me afastei, procurando por
ferimentos. Sua bochecha direita estava machucada. Seu olho
esquerdo estava preto. Seu nariz parecia quebrado. O sangue
escorria por seus lábios, queixo e pescoço, manchando a parte de
cima de sua camisa, que estava rasgada no ombro, os pedaços
esfarrapados caindo em seu peito e nas costas. Estiquei meu
pescoço e encontrei um grande hematoma em sua omoplata.
Olhando para baixo, vi uma coxa ensanguentada.

Meu coração afundou, o pavor apertando-o como uma


toalha.

— Ele estuprou você? — Eu perguntei, procurando em seu


rosto a vergonha única de violação sexual. Ela balançou a cabeça,
jogando lágrimas de alívio contra o frio chão de cerâmica.

Um sorriso brilhante se formou em meu rosto. Ele a


machucou, mas não a estuprou, e a julgar pelo sangue no taco
de beisebol, ele tentou e falhou. Tirei a arma da parte de trás da
minha calça jeans e coloquei-a no chão entre nós.

Ela apontou para sua perna. — Ele me deu um tiro na coxa


e quebrou meu tornozelo. Eu não posso correr.
Mesmo ferida e assustada, ela era uma mulher feroz.
Segurei seu queixo em minhas mãos. — Você é uma guerreira
durona.

Ela riu e acenou com a cabeça através de seus gritos. — Eu


dei um soco no rosto dele, quebrei suas pernas e bati o taco em
sua cabeça.

— Como disse, fodona.

— Fiquei completamente louca com ele. Literalmente.

Eu ri de sua capacidade de trazer humor para um momento


tão sério. Queria lhe dizer que além de se defender,
inadvertidamente puniu meu agressor, mas ainda estava confusa
sobre toda a situação.

— Você sabe quem ele é? — Perguntei.

Seu rosto caiu e as lágrimas triplicaram de tamanho. Pura


angústia flamejou em seus lindos olhos castanhos. Ela abriu a
boca para falar, mas seus lábios trêmulos não a deixaram. Ela
respirou fundo. — Esse é Sal — ela engasgou. — Ele voltou do
Canadá e estava agindo estranho. Errático. Como se estivesse em
algum lugar estranho. Ele insistiu em fazer sexo e gravá-lo.
Quando disse não, ele ficou com raiva. Quando não recuei, ele
tentou se forçar em mim. Quando reagi, ele começou a me bater
e chutar. Então, puxou uma arma do nada e atirou em mim. Mas
ele não sabia sobre o taco debaixo da minha cama.
Sal. O namorado intermitente sobre o qual ela tanto me
falou. Querido amigo e gerente de operações de Enzo. O homem
que deixou ela e o país há três anos sem nenhuma explicação.

Três anos atrás.

Um suspiro profundo escapou dos meus lábios quando as


peças do quebra-cabeça se encaixaram. Italiano. Alto em
drogas... Ele me disse que seu nome era Sam, que não ficava
longe de Sal.

Tudo fez sentido.

Minha mente girou com a gravidade dessa informação, com


a percepção de que todas as nossas vidas estavam conectadas
antes de nos conhecermos. Não conseguia entender isso. Apenas
alguns minutos se passaram desde que entrei no banheiro, mas
não havia tempo a perder. — Temos que sair daqui. Você acha
que pode se apoiar em mim e andar? — Eu olhei para o tornozelo
de Mignon. Estava muito inchado e ficando preto. Porra.

— Eu não sei, Arie. Talvez seja melhor ficarmos paradas até


a chegada da polícia.

Um grito doloroso e sirenes simultaneamente encheram


nossos ouvidos, enviando nossos corpos em alerta máximo. A
polícia estava chegando, e o idiota havia acordado.

E desta vez, ele não iria fugir.


— Merda! — Mignon sibilou. — O maldito bastardo está
acordado. Temos que ficar aqui até que a polícia chegue até nós.

Eu concordei. — Deixe-me dar uma olhada. — Peguei a


arma do chão e me levantei. Empurrei a porta do banheiro e
espiei.

Sal ou Sammy, ou quem quer que fosse, estava sentado no


chão com as costas apoiadas na lateral da cama. O sangue
escorreu por seu rosto enquanto se contorcia de dor. Sua
respiração estava irregular enquanto ele tentava sem sucesso
mover as pernas.

Os sons de ajuda e de sua desgraça se aproximando


cantaram em meus ouvidos como uma bela melodia. Karma era
uma vadia, e finalmente estava vindo para o bastardo que tentou
arruinar nossas vidas.

Observei quando ele se afastou da cama, jogando a metade


superior de seu corpo no chão. Ele se deitou de bruços, tentando
se arrastar com os braços em direção à porta do quarto, gemendo
de dor.

A raiva surgiu em minhas veias. A coragem se espalhou pelo


meu intestino.

— Por cima do meu cadáver — gritei enquanto batia meu


punho contra a porta do banheiro, fazendo-a voar contra a
parede.
O bastardo parou de rastejar e ergueu a cabeça na minha
direção. A surpresa e o reconhecimento brilharam em seus olhos
antes que escurecessem para um tom diabólico. Então, ele jogou
a cabeça para trás e riu.

O filho da puta riu. O mesmo som nauseante que fez


repetidas vezes enquanto me machucava na praia. A Arabel
assustada, apareceu de repente, e por uma fração de segundo,
queria correr, gritar e me esconder. Mas eu não era mais ela, e a
raiva colocou a garotinha assustada de volta nos arquivos da
minha mente.

— Eu me perguntei se a Arabel de que todos estão falando


era você, mas achei improvável. Isso deve ser kismet15. — Sua
risada era maníaca e sem arrependimento, e me encheu com a
ousadia que eu não tinha naquela época.

Mignon ofegou no chão do banheiro. — Não. — Ela tinha


ouvido o que ele disse.

Olhei para ela com lábios tristes e franzidos. Não conseguia


imaginar o que ela estava sentindo com essa revelação, mas isso
teria que esperar. Escondi o spray de pimenta em meu punho e
alcancei seu lado em dez passos fáceis, pairando sobre seu corpo.
Ele continuou rindo com a confiança que só um narcisista teria.
Eu o deixei fazer isso. Afinal, seria a última vez que ele riria com
liberdade e privilégio. Em um movimento rápido, apontei a lata e

15 Kismet é um analisador de rede, e um sistema de detecção de intrusão para redes 802.11 wireless.
esvaziei seu conteúdo em seu rosto. Ele soltou um grito de gelar
o sangue, que foi estúpido porque metade do spray caiu em sua
boca, fazendo-o vomitar e engasgar enquanto a pimenta expandia
os vasos capilares em sua garganta. Ele agitou os braços,
arranhando o tapete, tentando agarrar meus tornozelos. Eu dei
um passo para trás, vendo-o gritar e se afogar, devolvendo o
desamparo que ele uma vez me deu e devolvendo a virulência que
uma vez me consumiu, mas não pertencia a mim, mas ao seu
legítimo dono.

— Ah, seu rosto não está mais tão bonito. — Não pude negar
a satisfação de jogar suas palavras desagradáveis de volta em seu
rosto. Eu me levantei, observando em silêncio o homem patético
aos meus pés. E foi então que aconteceu. O poder. Meu poder.
Lavou meu corpo como uma onda quebrando na costa, fluida,
perfeita e absoluta.

Naquele momento, enquanto via meu agressor vomitar no


tapete, entendi que o poder era uma escolha. O poder foi a
escolha de transformar propósito em ação.

Naquele momento, quando a polícia arrombou a porta da


frente, percebi que ninguém poderia tirar nosso poder. Assim
como a educação e o respeito próprio, o poder nunca nos deixou.
Ele simplesmente estava adormecido, coberto de tristeza e
vergonha, esperando que o despertássemos de seu sono.
Naquele momento, enquanto os policiais algemavam o
homem débil na maca, vi a dor no coração como um direito
humano, assim como a raiva, a felicidade, o amor e o sucesso. E
que cabia a nós decidir qual deles perpassaria nossas vidas.

Então, enquanto os paramédicos me examinavam na parte


de trás de uma ambulância, reivindiquei meu direito de nascença
de ser feliz, amar e ser amada de volta.

E pela primeira vez na minha vida, conheci o verdadeiro


significado da liberdade.

Poucos minutos depois, um Sal, Sammy ou Bastardo ferido


e espancado estava sendo levado em direção à ambulância. O
efeito do spray diminuiu o suficiente para ele usar os olhos,
embora estivessem injetados e inchados. Ele olhou para mim e
não senti medo ou dor. E o melhor de tudo, sem vergonha. Porque
o que ele fez comigo nunca foi minha culpa, e finalmente
acreditei.

— Você está louca por sua retribuição contra mim. — Ele


ofegou, ainda lutando para respirar. — Aposto que gostaria que
fosse você quem quebraria minhas pernas e batesse minha
cabeça com um taco. Isso teria sido uma vingança muito melhor
do que spray. — Ele riu sombriamente, perturbado e malicioso
até o final.

Eu caminhei em direção a ele envolta em um cobertor de


serenidade. Ele nunca seria capaz de me machucar novamente.
Os paramédicos que empurravam a maca pararam, olhando para
mim com o alarme desenhado em seus rostos. Eu dei a eles um
sorriso tranquilizador e eles me permitiram chegar perto
enquanto me flanqueavam de cada lado. O filho da puta estava
algemado e quase morto de qualquer maneira. Eu me curvei,
trazendo meu rosto perto do dele para que não perdesse minhas
palavras.

— Oh, mas eu tive o melhor tipo de vingança. — Eu disse a


ele com um sorriso genuíno.

— Oh sim? Como assim? — Ele ofegou, parecendo


genuinamente perplexo.

— Apesar de seus melhores esforços, estou feliz e livre. Duas


coisas que você nunca será. Especialmente porque você será
fodido todos os dias pelo resto de sua vida.

Eu me virei e fiquei cara a cara com o guardião do meu


coração.
AS NUVENS no céu obscureciam parcialmente o sol do fim da
tarde. Luzes estroboscópicas azuis e vermelhas machucaram
meus olhos e aumentaram o pânico em meu peito.

Quatro unidades de patrulha e três ambulâncias estavam


espalhadas no jardim de Mignon e Harry. Eu saí de uma reunião
para encontrar uma mensagem de texto alarmante de Mignon.

SOS.

Três letras que lançaram minha mente em desorientação e


meu intestino em queda livre. Liguei para ela várias vezes no meu
caminho para a casa deles. Liguei para Harry inúmeras vezes,
mas ele estava na Colúmbia Britânica e provavelmente entrava e
saía de reuniões o dia todo. Liguei para Sal, mas continuou indo
para o correio de voz. Liguei para Ollie e ele recebeu a mesma
mensagem de Mignon. Ele chegou ao local quando eu estacionava
em meio ao caos.
Saí do carro e corri em direção à porta da frente, meus olhos
examinando a situação, tentando descobrir o que diabos estava
acontecendo. Houve um incêndio em sua casa? Migs caiu e
quebrou alguma coisa?

A porta da frente estava escancarada e, quando cheguei


mais perto, dois socorristas saíram trazendo uma maca.

Sal.

O rosto do meu amigo estava inchado como um balão. Seus


olhos eram meras fendas. Sua boca parecia ter sido picada por
vespas. A preocupação apertou meu coração, fazendo meus
passos acelerar. Observei enquanto ele falava com alguém a
vários metros de distância, sua voz rouca e o rosto pingando
cinismo. Meu peito inchou e meus músculos ficaram tensos,
prontos para entrar em ação se necessário.

Os fios longos e acobreados girando ao vento fizeram meu


coração explodir e meus pés pararem. Eu estava enraizado no
chão, dominado pela incerteza. Feliz por vê-la, mas duvidoso de
que algum dia a recuperaria. Mas, desde que deixei meu passado
para trás, a esperança tomou conta de mim. A esperança.

Esperava tocá-la novamente, cheirar seu cabelo e pele de


baunilha lilás, provar sua boca doce. Eu esperava ouvir a música
de sua voz e sua risada contagiante, ver seus gloriosos olhos
azuis e bunda redonda logo de manhã e homenageá-la no Dia das
Mães, e todos os dias, enquanto vivesse.
Ela se aproximou de Sal e se inclinou sobre seu rosto. Não
pude ver sua expressão, mas a dele era clara como o dia.

Derrotado.

A frustração começou a rastejar pelos meus dedos. O que


diabos estava acontecendo? Eu apertei minhas mãos e caminhei
em direção ao meu velho amigo e o amor da minha vida.

Estava a meio metro de distância quando ela se virou,


batendo em mim. Agarrei seus ombros, firmando-a. Minha
mandíbula e ombros ficaram tensos, e me preparei para um
discurso de palavras magoadas que saísse de sua boca. Uma
explosão que eu estava disposto a suportar pela dor de cabeça
que causei a ela.

Mas nenhuma palavra veio. Em vez disso, ela olhou para


mim e seus olhos carregaram um brilho que nunca tinha visto
antes. Falava de liberdade e paz. O contraste gritante entre seus
olhos e o que estava acontecendo ao nosso redor era intrigante.
Abri minha boca para falar, mas a fechei quando Arabel
serpenteou seus braços em volta da minha cintura, sua bochecha
e cabelo descansando no meu peito. Meus braços a envolveram,
combinando com seu abraço.

Alívio e confusão giraram em meu peito. Não tinha ideia do


que estava acontecendo, mas estava exultante com sua
demonstração de afeto por mim. Observei quando Sal foi colocado
na ambulância, localizando a algema em seu pulso. Que porra é
essa? O amor estava no ar, mas também estava algum tipo de
tragédia que envolveu as pessoas que eu amava. Levantei o
queixo de Arie entre o polegar e o indicador. — Onde está
Mignon? — Ela me soltou e apontou para a ambulância do outro
lado do estacionamento. As portas estavam abertas, permitindo-
nos ver Migs em uma maca com Oliver já ao seu lado. Seu rosto
estava machucado e ensanguentado, fazendo meu corpo entrar
em ação. Agarrei a mão de Arabel e saí correndo em direção à
ambulância.

Quando meus olhos encontraram os de Mignon, ela me deu


um sorriso cansado, mas reconfortante. Ollie acenou e disse que
iria na ambulância com ela. Passei meus braços em volta da
minha mulher e vimos as ambulâncias partirem, seguidas pelos
quatro carros da polícia. Um dos policiais baixou a janela e nos
informou que eles tomariam nossos depoimentos no hospital. Nós
acenamos com a cabeça e observamos a fila de carros até que
estivessem fora de vista, e tudo o que restou foi nós.

Arie se virou para mim. — Eu sinto muito por ter


escondido...

Não a deixei terminar porque não importava mais. Bati


meus lábios nos dela, meu coração e alma se expandindo com a
sensação de seus lábios quentes e carnudos. O beijo foi casto,
mas não menos apaixonado. — Teremos muito tempo para falar
sobre nós, mas, por enquanto, nossa amiga precisa da gente.
Ela sorriu e acenou com a cabeça, pintando meu mundo
com estrelas brilhantes. E no carro, ela me informou. Escutei
enquanto as palavras saíam dela, meu aperto no volante tão forte
a ponto de quebrar quando descobri que um dos meus melhores
amigos era, na verdade, um monstro digno de um Oscar que
estuprou a mulher que eu amava, espancou e quase fez o mesmo
com a mulher que considerava minha irmã mais nova, ao mesmo
tempo em que nos fazia acreditar que ele era um bom ser
humano. E acreditamos nisso por mais de uma década.

Samuele Romanini, como o bobsledder italiano16. Ele


ganhou seu nome fictício ao me ouvir falar sobre os atletas
olímpicos que sempre admirei.

Aquele filho da puta.

Quando chegamos ao hospital, queria invadir o quarto de


hospital de Sal e terminar o que Arie e Migs haviam começado.
Acabar com ele por tudo que fez. Mas os policiais não deixaram e
eu rosnei para eles em frustração. Quando voltei para a sala de
espera, encontrei dois policiais anotando o depoimento de Arabel.
Queria ficar ao lado dela e dar-lhe força e conforto, mas os
policiais me disseram para manter distância até que
terminassem. Então, subi as escadas para o refeitório do hospital
e peguei um café para nós. Quando voltei, encontrei Ollie parado
perto da janela da sala de espera, falando ao telefone. Fiquei ao

16 Vide nota já referenciada anteriormente.


lado dele e entreguei-lhe um café. Ele desligou o telefone. —
Harry. Ele está pegando um voo de Vancouver agora. Uma
enfermeira acabou de sair e nos disse que Migs vai sentir dor por
algumas semanas, mas vai ficar bem. A bala não perfurou
nenhuma artéria vital.

— Graças a Deus. — Soltei um longo suspiro de alívio.

— Não sei todos os detalhes, mas Migs me deu a essência


na ambulância. — Ollie balançou a cabeça, seus olhos cheios da
mesma dor e traição nadando nos meus.

— Eu sei. — Eu apertei seu ombro. — Pode levar muito


tempo para entendermos completamente o que aconteceu aqui.

Ele acenou com a cabeça, dando um tapinha nas minhas


costas. — Eu sei que não digo isso com frequência, mas... eu te
amo, cara.

Eu apertei sua nuca. — Eu também te amo, amigo.


TODOS NÓS NOS VIRAMOS com o som – a batida forte na minha
porta.

Arabel, Cat e eu estávamos jantando em frente à TV


enquanto assistíamos Trolls pela enésima vez. Fiquei surpreso
com o quanto não me importei. Amava sentar e assistir Cat e Arie
cantando cada música e recitando cada linha entre risos. Era
minha versão do céu.

Coloquei meu prato meio vazio de macarrão na mesa de café


e caminhei até a porta quando outra batida forte ecoou pelo foyer.
Eu abri a porta e encontrei dois detetives que reconheci. Vince
Thorn e Diana Walker, os investigadores responsáveis pelo caso
de Mignon contra Sal. Os mesmos detetives que trabalharam no
caso de agressão sexual de Grace.

Minha mandíbula cerrou. — Olá, detetives. — Eu dei a eles


um breve aceno de cabeça.
— Sr. Simonetti, — o Detetive Thorn cumprimentou. —
Esperávamos falar com você.

— Cheguei lá no final, então não tenho muito o que contar


sobre o que aconteceu naquela noite, como você já sabe. — Meu
aborrecimento estava claro em minha voz. Estava cansado de
lidar com as besteiras de Sal. De ser forçado a lembrar o que fez
com Arie e Mignon.

Senti a mão de Arabel pressionar contra minhas costas


quando ela veio para ficar ao meu lado, olhando para os detetives
com preocupação em seus olhos. — Está tudo bem?

— Na verdade, precisamos falar com você em particular. —


disse o detetive Walker, olhando para mim. Arabel foi se virar e
sair, mas eu agarrei seu pulso.

— Ela fica.

Walker e Thorne se entreolharam antes de se concentrarem


em nós.

— Muito bem, — disse Thorn, pigarreando.

— Na verdade, — Arabel disse, colocando uma mão


reconfortante no meu braço. — Vou continuar assistindo ao filme
com a Cat e deixar vocês conversarem sem interrupções. — Ela
me deu um aperto suave e um sorriso reservado.
Assim que ela sumiu de vista, voltei-me para os detetives.
— O que está acontecendo?

Vince Thorne olhou para mim com uma expressão sombria.


— Novas evidências de DNA do incidente na casa de Gaudin
confirmam a alegação da Srta. Reid de que Salvatore Caruso é o
homem que a agrediu há mais de três anos. — Thorne fez uma
pausa, parecendo desconfortável com a conversa, embora não
estivesse me dizendo nada que eu já não soubesse.

— Você não deveria estar dizendo isso para Arabel em vez


de mim? — Eu cutuquei.

Diana Walker interveio. — Estamos trabalhando neste caso


há alguns anos, compilando uma lista de crimes em que as
amostras de DNA coletadas correspondiam, mas não estavam
ligadas a um criminoso em particular. Com essas novas
evidências, fomos capazes de vincular todos esses casos não
resolvidos ao Sr. Caruso. — Walker fez uma pausa, com as
sobrancelhas franzidas.

O fodido idiota estuprou mais mulheres? Inacreditável. —


E? — Eu cutuquei impacientemente.

— Como meu parceiro disse, a amostra do Sr. Caruso


corresponde a vários outros casos em toda a Costa Oeste. A
maioria deles foram agressões sexuais, e o último foi o
assassinato de uma trabalhadora encontrada em um beco. — o
Detetive Thorne acrescentou.
— Você está me dizendo que Sal, que conheço desde que
éramos meninos, é um estuprador em série e um assassino?

Diana Walker acenou com a cabeça, seus lábios franzidos,


pena girando em seus olhos como se tivesse algo ainda pior para
me dizer. O medo encheu meus músculos quando a consciência
me atingiu. Eu cerrei meus punhos, rezando para estar errado.

— Senhor. O DNA de Caruso corresponde às amostras


coletadas durante a investigação de agressão sexual de
Graceland Bowman. — O rosto do detetive Thorn estava sério.

Meus joelhos cederam e senti a mão de Thorne apertar meu


braço, meu corpo afundando em uma piscina de verdades
horríveis. A sala girou e eu me esforcei para recuperar o fôlego.
Isso não poderia estar acontecendo.

Se a traição tivesse sabor, teria gosto de maçã amarga:


atraente e inofensiva por fora até que a casca inevitavelmente
caísse, revelando sua polpa acre.

Enganador.

Desonesto.

Decepcionante.

A escuridão desceu sobre mim enquanto as ramificações da


declaração do detetive afundaram em minha consciência. Um dos
meus melhores amigos estuprou a mulher que eu amava. Suas
ações destruíram o espírito de Grace e nosso relacionamento,
levando-a ao suicídio. Caterina era sua filha biológica. Minha
filha era dele. A vida dela foi o resultado de seu ato depravado e
violento.

A escuridão ficou vermelha quando um vórtice de raiva


agitou-se dentro de mim. Eu queria matá-lo, torturá-lo do jeito
que ele torturou tantos de nós.

Eu precisava vê-lo.

TROUXE o telefone ao meu ouvido, tentando esconder o leve


aperto de minha mão enquanto olhava para Sal sorrindo do outro
lado da divisória de vidro. A raiva vermelha se instalou em mim
desde que descobri que o homem que pensava ser um irmão era,
na verdade, um monstro, e eu mal podia esperar para dar a ele
um pedaço da minha mente.

Encarei os hematomas desbotados em seu rosto. Um par de


muletas repousava na borda da mesa, já que ambas as pernas
ainda estavam engessadas. Ele ainda estava se curando dos
ferimentos que Mignon havia causado nele.
Bom.

O macacão laranja em seu corpo me lembrou de sua nova


posição. Ele era um presidiário. O filho da puta era um
prisioneiro. Um prisioneiro de sua própria imoralidade. Ele
estava triste e patético, perseguindo as mulheres para se sentir
poderoso. Mas seu poder era apenas uma ilusão. Emprestado e
fugaz. E nada que pudesse fazer com ele poderia se comparar à
miséria de sua nova vida atrás das grades.

Endireitei minhas costas e tentei o meu melhor para manter


a calma. O que eu realmente queria fazer era matá-lo por tudo
que ele fez.

Chupador de pau.

Minha mão livre se fechou em um punho. Eu queria pular


em cima dele e socá-lo repetidamente. Por Grace, Arabel, Mignon,
Cat, por mim.

— Ciao, Enzo. — Sua voz estava zombando. Impenitente.

Eu respirei fundo. — Quinze anos, — disse, carrancudo. —


Você enganou a todos nós.

Ele sorriu com remorso zero.

— Você é um ator muito talentoso, — continuei. —


Felizmente, no momento em que eu sair desta sala, você estará
fora de nossas vidas para sempre. E vai apodrecer na prisão, onde
ninguém vai te visitar porque ninguém ama um psicopata.

— Não sou psicopata. — Ele fez uma careta, ofendido.

— Sim, você é apenas um estuprador e assassino. —


Brinquei.

— Eu não matei ninguém.

— Você matou Grace. — Vomitei.

Salvatore soltou uma risada maligna e minha raiva atingiu


novos níveis. — Não é assim que eu me lembro. Ela fez isso
sozinha.

Eu rosnei, meus olhos atirando adagas nele. — Você tem


sorte de haver vidro entre nós, ou você já estaria morto.

Minha ameaça o fez rir ainda mais.

— Ela morreu por causa do que você fez a ela. Sem


mencionar o que você fez com Arabel, Mignon e aquela pobre
mulher que você matou. Quantas mulheres você estuprou? Você
é um covarde de merda e espero que apodreça na prisão pelo
resto de sua vida miserável.

Seu sorriso caiu, substituído por uma carranca zangada. —


Foda-se Lorenzo, com todo o seu dinheiro e sua vida
aparentemente perfeita, onde todos amam você e adoram o chão
em que pisa. Você e os rapazes sempre tiveram melhores
oportunidades do que eu. Você estava fodendo modelos,
conseguindo boceta em todos os lugares que você foi, enquanto
eu lutava como um maldito barman. Mas você sabe o quê?
Ninguém sabe que, na verdade, você é um perdedor patético cujas
mulheres são prostitutas e cuja filha nem é sua. — Gritou ele, os
olhos negros de inveja e inferioridade.

Parei no meio do caminho. Depois de tudo que passei, seus


insultos pareciam moderados e inexpressivos. Ele me invejou. Ele
estava com ciúmes. Queria machucar o que eu mais amava na
época. Grace. Sem que ele soubesse, ele machucou a mulher que
acabou sendo o amor da minha vida. Minha Salvadora. Minha
liberdade.

— Liberdade. — Murmurei, pensativo.

— Do que diabos você está falando? — Ele cuspiu, exibindo


outro sorriso arrogante enquanto seus olhos escuros gritavam
assassino.

Eu olhei para ele, olhando por alguns segundos silenciosos.


Não estava mais com raiva. Senti pena e nojo, mas minha ira se
foi. Estava livre e ele não. Ele nunca esteve livre. Ele fez de sua
missão acorrentar outros com a maldade que o enchia. A
maldade que o tornara seu próprio escravo.

— Obrigado. — Eu soltei, surpreendendo a mim e a ele pela


forma como seus olhos se arregalaram.
— O quê?

— Obrigado por me dar o melhor presente que um homem


poderia receber. Vou me certificar de criá-la com o amor e a
bondade que você nunca teve, porque a criação é mais forte do
que a natureza. E, enquanto você apodrece em sua cela, quero
que me imagine cercado pelo amor e pela liberdade que você
nunca conheceu. Espero que um dia você encontre a coragem de
se perdoar por tudo que você é e tudo que nunca será.

Eu dei a ele uma última olhada antes de colocar o telefone


na parede. Eu me levantei da cadeira, me virei e saí de sua vida.
Quando cheguei em casa, Arabel e Cat esperavam por mim de
braços abertos e me entreguei a elas. O capítulo mais sombrio de
nossas vidas foi fechado, dando lugar a uma página em branco
brilhante esperando para ser preenchida com todas as coisas que
eu finalmente acreditava que merecia.
ENDORFINAS DISPARARAM PELO MEU CORPO, fundindo dor e
prazer com cada punção da agulha na minha pele, me fazendo
estremecer e gemer ao mesmo tempo.

Fiona e Mignon se sentaram em banquinhos ao lado da


cadeira de tatuagem em que meu peito estava, rindo do meu
estado de euforia. Nunca tinha feito uma tatuagem antes, mas já
sabia que esta não seria a última. Entendi o que as pessoas
queriam dizer quando falavam que fazer tatuagens era viciante.

Uma linda mulher asiática, vestida com calças de couro e


uma camisa do Guns N 'Roses, pairava sobre meu ombro nu,
permanentemente gravando em minha pele a flor que melhor
representava as metamorfoses que aconteceram dentro de mim
desde que Enzo e Cat entraram em minha vida.

O lírio da chuva. Renascimento. Novos começos. Grandes


expectativas.
Escolhi especificamente um lírio-da-chuva azul porque essa
cor representava força, sabedoria e confiança. Três coisas que
ganhei ao longo desta jornada. Levei um tempo para chegar a este
lugar, mas cheguei, e a luz no fim do túnel era tão forte que não
conseguia mais ver a escuridão em que vivi por tanto tempo.

Algumas semanas se passaram desde aquele dia na casa de


Mignon. O dia em que as nuvens negras partiram de nossas
vidas, derrotadas pelo brilho ameno do amor e da auto
capacitação.

Migs estava morando comigo e com Fiona desde então,


incapaz de suportar as lembranças ruins que saturavam sua
casa e seus lençóis. O tiro na coxa estava se curando bem, e o
gesso em torno de seu tornozelo sairia em apenas algumas
semanas. Embora os hematomas e cortes na minha melhor
amiga quase tenham sarado, os machucados em sua psique
levariam muito mais do que Neosporin e tempo. Suas maiores
lutas foram a traição de Salvatore, descobrir que foi ele quem
estuprou Grace e eu, e sua dificuldade em aceitar que ela tinha
escuridão suficiente por dentro para ser capaz de quase matar
alguém. Eu disse a ela que todos nós temos um lado negro. Era
uma ideia aterrorizante da qual a maioria de nós passava a vida
fugindo, quando, na realidade, merecia nossa atenção
incondicional.

Para nos conhecermos verdadeiramente, precisamos


conhecer as sombras que se escondem nas bordas de nossa luz.
Quando exploramos nossa própria escuridão, a luz tem um sabor
mais doce do que jamais imaginamos ser possível.

Machucar Sal forçou Migs a enfrentar sua escuridão, e a


única maneira de ela ver a luz novamente seria viajando através
de sua própria caverna escura. E a caverna adorava lançar todos
os nossos medos e imperfeições sobre nós. Como os monstros em
uma casa mal-assombrada que saltava de trás de portas e
cortinas grossas. De repente e sem piedade. Sim, ela levaria
tempo para superar isso, e tudo o que o resto de nós poderia fazer
era esperar por ela na saída, porque a vida tinha senso de humor
e, ao contrário das casas mal-assombradas, nossas cavernas só
tinham entrada para uma.

Depois que minha nova tatuagem foi feita, fomos para nosso
café vintage favorito para comprar smoothies. Sentamos no pátio,
aproveitando o calor do verão. Fiquei olhando para o meu
telefone, ansiosa para verificar a hora.

— Pare de olhar para o seu telefone. — Fiona repreendeu,


arrancando o telefone da minha mão e colocando-o virado para
baixo sobre a mesa.

Vinha fazendo jardinagem ao ar livre desde a última geada


e, embora fosse divertido, as condições da estufa me permitiam
cultivar flores de todo o mundo. No entanto, com toda a loucura
dos últimos meses, não tinha pedido uma. — A construção das
estufas serão concluídas em breve, caso ainda não o tenham
feito.

— Então? Você deixou Lorena no comando por um motivo.


— Migs tinha estado tão quieta ultimamente que gostava muito
cada vez que ela falava.

— Sim, eu a deixei no comando porque vocês duas


insistiram em me arrastar para fazer minha tatuagem hoje, de
todos os dias. — Eu levantei uma sobrancelha para minha irmã
e melhor amiga.

— Isso porque você passaria o tempo todo micro


gerenciando os construtores e não os deixando fazer o trabalho
deles. — Brincou Fiona.

— Eu não sou uma micro gerenciadora. — Franzi meu rosto,


ofendida. As duas riram e coloquei meu canudo na boca para
encerrar a conversa. Fiona vinha lidando com minhas tendências
de micro gerenciamento há meses, enquanto trabalhávamos na
criação do centro de retiro de cura de traumas.

Algumas horas depois, estávamos de volta em casa e estava


ansiosa para verificar minha nova estufa. — Vamos, meninas,
vamos ver! — Não pude conter minha emoção. Este seria o meu
santuário, onde poderia passar horas fazendo minhas coisas
favoritas, longe do estresse e das pessoas. Seria apenas eu e
minhas flores.
— Está bem. Você vai dar uma olhada. — Mignon me
dispensou enquanto se jogava no sofá da sala. Fiona a seguiu e
pegou o controle remoto da TV.

Eu caminhei até o sofá e parei na frente delas com minhas


mãos nos quadris. — Vocês estão falando sério? Não querem
verificar a estufa comigo?

— Veremos mais tarde. — Disse Fi, inclinando-se para o


lado para poder apontar o controle remoto para a TV.

Eu bufei, minha frustração aumentando. Minha irmã podia


ser tão irritante às vezes, e agora, parecia que sua insolência
tinha passado para Mignon.

— Vocês estão sendo rudes. Vocês estão perdendo. Estou


indo para o quintal. — Saí furiosa, irritação borbulhando em
minhas veias quando as ouvi rir nas minhas costas. O que diabos
havia de errado com elas?

A estrutura toda de vidro estava aninhada entre as árvores


do nosso quintal. Eu podia ver uma parte de seu telhado
arqueado e meu coração deu um salto no peito. A estufa ficava
de frente para as montanhas de Sierra Nevada, e me imaginei
olhando para seus picos nevados enquanto cultivava flores no
meio do inverno. Peguei o estreito caminho de pedra cercado por
árvores e vinhas, dando-me a sensação de estar em um jardim
secreto. Meu jardim secreto. Isso me fez sorrir. Meus passos se
aceleraram com impaciência. Quando cheguei à clareira no final
do caminho, a grande estufa ficou totalmente visível.

Enzo estava parado no centro, rodeado por flores coloridas.


Acalmei, levando a mão ao peito, meu coração galopando sob a
palma da minha mão. Eu fiquei lá, olhando para seu rosto lindo.
Sua boca estava curvada em um sorriso maior e mais brilhante,
e ele parecia um sonho em jeans escuros e uma camiseta azul.

Desejei que meus pés se movessem e caminhei em direção


a ele. A porta de vidro da estufa estava aberta, então entrei.
Engasguei alto, olhando para dezenas de vasos cheios de tulipas
vermelhas e girassóis amarelos brilhantes. Os vasos cobriam o
chão, cada mesa, prateleira e até a pia. Olhei em volta com os
olhos arregalados, incapaz de juntar meu queixo caído. Fechei a
distância entre nós, olhando para o homem mais maravilhoso do
mundo.

Ele olhou para mim quando coloquei minhas mãos em seu


peito duro. — Olá, Sr. Steel?

Seu sorriso cresceu, alcançando seus olhos e os fazendo


piscar. Ele passou os braços em volta da minha cintura. — Olá,
Cirque.

Meu sorriso e meu coração cresceram, meus olhos


brilharam. Sua camiseta azul fez seus olhos azuis estourarem,
dando-me uma visão melhor de sua alma. Eu vi muita alegria.
Ele colocou uma grande mão em cima da minha em seu peito.
Era quente e reconfortante. — No dia em que te vi dançando e
voando pelo ar no The Supper Club, não fazia ideia de que se
tornaria o amor da minha vida.

Meu nariz fez cócegas de emoção enquanto as lágrimas


brotavam, mas não as deixei cair porque não queria embaçar
minha visão e perder um milissegundo desse momento.

— Lutei por um tempo, com medo da nossa conexão, com


medo de dar uma chance ao amor. Não pude evitar de sentir que
você merecia algo melhor do que eu, e uma parte de mim ainda
acredita, mas você é minha agora, e não há nenhuma maneira
no inferno de te deixar ir, de novo. — Eu cantarolei, estudando
seu rosto. — Você sente meu coração batendo sob sua mão? —
Concordei. — Está batendo por sua causa.

Enzo enfiou a mão no bolso de trás da calça jeans e tirou


uma pequena caixa de madeira. Ele a segurou na palma da mão
aberta. Lágrimas imediatamente inundaram meu olhar e as
limpei com meus dedos indicadores. Gravadas no topo da tampa
estavam as palavras amor, paixão, lealdade, adoração,
longevidade e família. Pequenas tulipas esculpidas e girassóis
cercavam as palavras.

Corri um dedo trêmulo ao longo das esculturas intrincadas,


olhando para Enzo. Seus olhos estavam cheios do tipo de amor e
carinho com que eu sempre sonhei. — Tulipas e girassóis. —
Minha voz falhou com uma emoção deliciosa. Os girassóis
simbolizavam lealdade, adoração e longevidade. Tulipas
vermelhas simbolizam paixão e amor. Esta foi a coisa mais
romântica que alguém já fez por mim e, naquele momento, meu
amor por este homem aumentou dez vezes.

— As duas flores que representam quase todas as palavras


gravadas nesta caixa.

Meus olhos voltaram para a tampa, percebendo a única


palavra não associada às flores que nos cercam.

Eu olhei de volta para Enzo. — Família.

Ele acenou com a cabeça e virou a cabeça por cima do


ombro. — Você pode sair agora.

Cat apareceu atrás de uma prateleira cheia de flores, seus


longos cachos dourados caindo livremente sobre os ombros. Seu
sorriso iluminou a estufa como se estivesse cheia de todas as
estrelas do universo. Soltei um grito de felicidade, as lágrimas
escorrendo pelo meu rosto enquanto a observava caminhar até
nós. Ela ficou ao lado de seu pai e pegou sua mão. Ela usava um
vestido de princesa branco e azul com sapatos brancos e meias
da mesma cor – a princesa mais linda que eu já vi.

Eu cruzei minhas mãos sobre meu coração, dominada pelo


amor. — Ei, menina bonita.

O sorriso de Caterina se alargou ainda mais, e seus olhos


azuis retribuíram meus sentimentos. — Ei, Arie.
Depois de alguns segundos, Enzo pigarreou, trazendo
minha atenção de volta para ele. — Sei que cometi muitos erros
e não posso prometer que não cometerei mais no futuro, mas
posso prometer que farei o meu melhor para te amar e te adorar
a cada segundo de cada dia enquanto viver. Posso prometer
lealdade e paixão. Prometo ficar ao seu lado nos nossos dias bons
e ruins.

Ele se ajoelhou na minha frente. Quando olhou para cima,


seus olhos estavam cheios de lágrimas. Ele segurou a caixa em
uma mão, a outra guiando Cat até que suas costas descansassem
contra seu peito. — Meu lindo anjo dançarino, você preencheu
nossas vidas com o amor incondicional de que precisávamos.
Você se tornou minha melhor amiga, minha amante e a mãe da
minha filha. Você aceitou minhas deficiências e trouxe à tona o
que há de melhor em mim.

Ele olhou para Cat, dando um beijo em sua têmpora. —


Você está pronta? — Cat concordou. Enzo abriu a caixa e meu
coração explodiu. Engasguei quando vi o anel. Uma safira
redonda, azul como seus olhos, incrustada em platina. Tinha a
forma de vinhas finas que se enredavam em dois brilhantes
diamantes em forma de botão que cercavam a preciosa gema
azul. Era linda, mas não chamativa. Minha alma explodiu de
felicidade quando li as quatro palavras gravadas no interior da
tampa.

Você quer se casar conosco.


— Oh, meu Deus. — Chorei, olhando para meus dois
amores. Eles se entreolharam antes de olhar para mim. Suas
vozes ecoaram em meus ouvidos como a mais bela melodia
enquanto falavam em uníssono: — Arie, quer se casar conosco?

Meus joelhos cederam e caí no chão na frente deles. — Sim!


Sim! Sim!

Caterina gritou, investindo contra mim e jogando os braços


em volta do meu pescoço. — Veja, eu estava certa!

Eu olhei para ela, confusa. — O que você quer dizer?

— Você veio fazer o meu papai feliz.

Fechei meus olhos e a segurei com força, minhas lágrimas


encharcando seus cabelos. Senti os braços de Enzo nos abraçar.
Ele abaixou a cabeça até que sua boca alcançou meu ouvido. —
Obrigado por me fazer o homem mais feliz da Terra. — Sua voz
saiu embargada, e tudo que pude fazer foi segurar minha família
com mais força.

Minha família.
TRÊS MESES DEPOIS

A IMPRENSA LOCAL e a câmara de comércio, junto com nossos


amigos e familiares, cercaram os degraus da frente da casa. Eu
estava no patamar superior com Ben e minha irmã. Era o início
do outono, e as folhas coloridas e a brisa fresca adicionaram à
magia deste momento. Olhei para a multidão na nossa frente,
travando os olhos com a minha alma gêmea.

— Afinal, você encontrou seu Henry Cavill. — Ben ficou ao


meu lado. Virei minha cabeça para olhar para ele, meu coração
aquecendo com suas palavras. Dei-lhe um largo sorriso e me virei
para a multidão. Enzo ficou entre meu pai e Mignon, segurando
Caterina em seus braços. Ele usava um terno azul-marinho, com
uma camisa cinza e uma gravata prata, parecendo
absolutamente delicioso.

Meu próprio Homem de Aço.


Cat usava um vestido de veludo roxo de mangas compridas.
Minha mãe e minha avó estavam do lado de papai. Todo mundo
que eu amava estava aqui.

Respirei fundo, meu peito se alargando com a satisfação que


havíamos alcançado nos últimos meses. Depois que Enzo e Cat
fizeram o pedido de casamento, percebemos que não fazia sentido
viver separados. Duas semanas depois, Liam e eu nos mudamos
oficialmente para a casa deles e levamos a estufa conosco. Ben
se mudaria para a casa do Lago Donner em breve para se tornar
o terapeuta chefe do centro de retiro, já que metade do meu
tempo agora estava ocupado entre o planejamento de um
casamento e passar o tempo com minha nova família. Eu estava
feliz que Ben finalmente estaria por perto. Ele era um ótimo
terapeuta e um amigo ainda melhor. Além disso, sua presença
diminuiu minha culpa por deixar Fiona sozinha naquela casa
grande.

Bem, Enzo era a última pessoa que eu via todas as noites e


todas as manhãs, exceto quando Cat entrava sorrateiramente em
nosso quarto no meio da noite, insistindo em dormir no meio.
Acordar para ver seu rosto angelical foi um presente que nunca
considerei garantido. Liam estava tão feliz quanto seus humanos,
correndo ao redor de nossa ampla terra com sua nova família
peluda e Caterina.

Ben e eu ficamos em extremidades opostas do tecido que


cobria a placa do retiro. Na contagem de três, puxamos as cordas,
revelando o longo emblema de madeira que Enzo e meu pai
haviam feito juntos, o nome do centro de cura de traumas
gravado em letras cursivas.

Uma palavra simples que descreveu perfeitamente a


consequência inevitável de nunca desistir e sempre lutar pela
felicidade e paz interior, apesar dos traumas que suportamos. O
estado de espírito que Ben e eu queríamos ajudar os outros a
encontrar por si próprios.

O estado de espírito em que Lorenzo e eu agora nos


aquecíamos.

Prosperar.

UM ANO DEPOIS

— FIQUE DE OLHOS FECHADOS! — Cat puxou minha mão


enquanto Enzo ria atrás de nós. Estávamos lá em cima em nossa
casa, minha grande barriga me fazendo cambalear enquanto a
seguia cegamente. Nós descobrimos que eu estava grávida duas
semanas antes do nosso casamento, há seis meses. Nos casamos
no quintal de nossa casa. Toda a família Simonetti veio da Itália,
exultante por testemunhar Enzo e eu prometermos nossas vidas
um ao outro, cercados pelas tulipas que Grace havia plantado
todos aqueles anos atrás.

— Para onde você está me levando?

— Você vai ver. — Cat deu uma risadinha.

Ela continuou me puxando, e Lorenzo e nossos quatro


cachorros seguiram atrás. Paramos e ouvi uma porta se abrir. O
toque de um interruptor de luz despertou minha curiosidade.
Senti Enzo passar por mim e segurar minha mão, me guiando
para dar mais alguns passos. — Abra. — Sua voz masculina
explodiu em meus ouvidos, enviando um arrepio na minha
espinha. Não se passava um dia sem que este homem não me
fizesse sentir desmaiar com apenas um toque, beijo ou palavra.
A gravidez havia aumentado minha libido, e Enzo estava
aproveitando ao máximo, roubando rapidinhas sempre que Cat
estava brincando com os cachorros e fazendo amor longo e
apaixonado sempre que estava na escola ou passando a noite
com Lorena e Alfie.

Abri meus olhos e eles imediatamente se encheram de


lágrimas. Gravidez maldita.

Ficamos no meio do antigo quarto de Grace. O lugar que


uma vez teve tanta dor. As paredes foram pintadas em amarelo
pastel e um berço branco estava no meio da sala. Duas cadeiras
de balanço estavam voltadas para as grandes janelas, que eram
cobertas por cortinas brancas transparentes. Havia um trocador
e grandes cestos cheios de vários brinquedos de pelúcia.

Escuridão e morte substituídas por luz e nova vida. Foi


perfeito.

Cobri minha boca, as lágrimas escorrendo pelo meu rosto


enquanto eu entrava no quarto que agora serviria como berçário
do nosso bebê. Eu me joguei em Enzo, envolvendo meus braços
em volta de seu pescoço e plantando dezenas de beijos por todo
o rosto. — Eu te amo, eu te amo, eu te amo. — Rindo, ele segurou
minha cintura, o olhar de alegria em seu rosto impagável.

— Ei! — Cat puxou minha calça de moletom roxa favorita


que me recusei a parar de usar, embora ela não cobrisse minha
barriga crescente. — Você está perdendo a melhor parte! — Ela
bufou, irritada por eu claramente estar deixando passar alguma
coisa.

Enzo me deixou ir. — Vá dar uma olhada dentro do berço.

Levantei uma sobrancelha, confusa, mas me virei e


caminhei até o berço. No colchão estava um grande envelope
amarelo.

— Abra! Abra! — Gritou Cat, sua excitação me intrigando


ainda mais.
Abri o lacre e tirei uma pilha de papéis. Enxugando as
lágrimas que embaçavam minha visão, concentrei-me nas
palavras no início do documento.

Petição Conjunta para Adoção pela madrasta.

Minhas mãos tremiam e apertei os papéis contra o peito.


Prendi a respiração, vencida pelo amor que enchia meu coração
e minha alma. Cat puxou minha calça de moletom novamente.
Eu olhei para baixo e peguei sua mão. Lágrimas correram por
suas lindas bochechas rechonchudas e com uma voz trêmula, ela
disse: — Arie, você seria minha mamãe?

TRÊS SEMANAS DEPOIS

Ela era tão pequena que poderia carregá-la com um braço.


Olhei para baixo, admirando seu cabelo cobre e nariz minúsculo.
Ela era linda, assim como sua mãe. Arabel estava deitada na
cama do hospital, com os olhos fechados enquanto se recuperava
de um longo trabalho de parto. Fiquei apavorado durante a maior
parte disso, mas escondi o melhor que pude, concentrando-me
na força e resiliência da minha beleza dançante. Ela era uma
lutadora e mãe das minhas filhas.

Caterina estava no meu colo, olhando para sua irmãzinha,


olhos azuis brilhando, completamente pasmos. Ela soltou um
grito suave. — Eu vou ser a melhor irmã mais velha de todos os
tempos. — Ela falou, esfregando suavemente a barriga do bebê
com uma mão enquanto ela se agarrava ao meu pescoço com a
outra. — Já que sou a mais velha, ela vai ter que me ouvir.

Eu ri. Cat tinha acabado de fazer cinco anos e, de acordo


com ela, já tinha idade suficiente para ter a resposta para tudo.
O bebê murmurou em meus braços, estendendo a mão e
envolvendo sua pequena mão em volta do meu dedo mínimo. Meu
coração explodiu com seu toque e eu me apaixonei perdidamente.
Só a conhecia há uma hora, mas morreria pelo meu anjinho.
Morreria por todos os meus anjos.

Arabel se mexeu, seus olhos tremulando abertos. Ela olhou


para nós e deu um sorriso cansado, estendendo os braços para o
nosso bebê. Coloquei o pequeno pacote cuidadosamente em seu
abraço e me abaixei para beijar os lábios de minha esposa.

— Eu pareço tão nojenta. — Suas bochechas sardentas


ficaram rosadas de vergonha e ri porque sua declaração foi
absurda.
— Cirque, você está mais bonita do que nunca.

Ela jogou a cabeça para trás e riu. — Só para você, Sr. Steel.

— Bom, sou o único cuja opinião importa. — Disse


impassível.

Arie se aproximou, dando tapinhas na cama com uma das


mãos enquanto segurava nosso bebê com a outra. Sentei-me ao
lado dela, colocando Cat de volta no meu colo e envolvendo um
braço em volta do ombro da minha esposa enquanto pegava a
mão do nosso bebê com a outra. Ao sentir meu toque, ela abriu
os olhos pela primeira vez. Eles eram azuis e lindos. Ela olhou
para nossos rostos com admiração e curiosidade. Cat engasgou,
nunca tirando os olhos de sua nova irmã.

— Podemos finalmente escolher um nome? — Perguntei.


Arabel insistiu em esperar até que encontrássemos nosso bebê
para escolher seu nome. Achei bobagem, mas concordei em
manter as ideias de nomes para mim mesmo até o dia de seu
nascimento. Eu só tinha um nome em mente.

— Sim, vamos fazer isso. — Ela olhou para baixo e sorriu,


seu amor maternal irradiando de cada um de seus poros
enquanto nosso bebê envolvia sua mãozinha em volta do dedo de
Arie.

— Eu já sei qual será o nome dela.


Ela se virou para olhar para mim, levantando uma
sobrancelha. — Você escolheu um nome sem mim?

Eu balancei a cabeça, sorrindo com orgulho. — Acho que


você vai gostar.

— Papai, qual é? — Cat e Arabel olharam para mim, com


expectativa.

— Lillianna.

Os olhos de Arabel se arregalaram de alegria quando ela


engasgou. — Não é a versão italiana de Lily?

— Sim, Lily. Como as lâmpadas da nossa sala de estar que


você sempre amou tanto.

Seus olhos se encheram de umidade. — Você se lembra do


que o lírio representa?

Eu concordei. — Inocência, pureza, beleza e novos começos.


Eu me lembro de tudo que você me disse.

Ela me encarou por um longo momento, as lágrimas rolando


pelo seu rosto. Ela olhou para o nosso bebê e disse: — É um
prazer conhecê-la, Lillianna Simonetti, nossa flor de lírio. Amo
muito você, sua irmã mais velha e seu pai.

Meu coração nunca esteve tão cheio.

Eu também te amo, minha bela dançarina.

Você também pode gostar