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InTCC – ENSINO, PESQUISA E ATENDIMENTO INDIVIDUAL E FAMILIAR

FACULDADE MÁRIO QUINTANA

ESPECIALIZAÇÃO EM

TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL

Mara Dalila Batista

“CONCEITUALIZAÇÃO DE CASO”

RIO DE JANEIRO, FEV / 2023


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1- INTRODUÇÃO / FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Camila: a filha não planejada

Camila (nome fictício) iniciou atendimento no InTCC Rio em 04 de julho de


2022. Ao logo dos dois anos de especialização atendi alguns pacientes, mas escolhi
o caso de Camila por te me chamado atenção o fato de como alguns pacientes podem
ter dificuldade para identificar suas reais demandas de terapia, podendo buscar por
ajuda relatando um sofrimento difuso com múltiplas queixas.

Nesse sentido, em um primeiro momento, a paciente justificou a busca por


psicoterapia relatando sintomas como ansiedade e questões pontuais, como o término
conturbado de seu namoro e o luto pela perda de seu cavalo. No entanto, ao longo
das sessões, Camila foi relatando sobre a dificuldade de relacionamento com a
família, disse ser comum uma simples conversa familiar terminar em discussão. Ela
também falou quanto a dificuldade de se posicionar sobre suas necessidades,
preferências e emoções e estabelecer limites em suas relações. Permite que os outros
escolham por ela, chegando a sentir-se sobrecarregada quando delegam a ela a
posição de escolha, demostrando, assim, passividade em suas interações sociais e
comportamentos de dependência. Diante disso, segundo Young (2008), pacientes
com esquemas de dependência carecem de autoconfiança para tomar decisões e de
habilidades práticas, como escolher um lugar onde podem ir, preferindo deixar que as
pessoas que são importantes em sua vida escolham por eles.

Rosenberg (2006), em sua obra “Comunicação Não- violenta” (cnv), explica


que quando uma pessoa não está consciente das habilidades necessárias para
estabelcer uma comunicação eficaz a respeito de suas necessidades e emoções com
outras pessoas, pode ser que ela caia no lugar de buscar se expressar indiretamente
por meio de avaliações e interpretações direcionadas ao comportamento do outro e
isso pode soar como crítica e, consequentemente, um convite ao embate, podendo
causar brigas e afastamentos. No caso de Camila era exatamente isso que ocorria
com bastante frequência nas vezes que buscava por diálogo com sua família, ao invés
de buscar expressar suas necessidades e seus sentimentos aos familiares, acabava
apontando falhas no comportamento deles como forma de expressar o que lhe faltava
e como se sentia quando não tinha suas necessidades atendidas.
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Portanto, os seres humanos têm tendência a pensar e apontar o que há de


errado com os outros sempre que suas necessidades não são atendidas: julgamentos,
críticas, diagnósticos e interpretações sobre outras pessoas são expressões que
revelam necessidades e valores pessoais. Nesse sentido, foi apresentado a paciente
estratégias de comunicação com base em cnv como forma de ela poder expressar
suas necessidades e emoções a família de forma mais assertiva (Rosenberg, 2006).

Além disso, nos estudos, mesmo tendo perspectivas positivas para sua futura
carreira profissional, Camila tende a buscar evitar possíveis resultados indesejados
(reprovações) por meio de tentativas de desistência do curso universitário, ao mesmo
tempo, apresenta uma autodisciplina insuficiente para cumprir a rotina de estudos.
Dentro desse contexto, ela apresenta comportamento de indisciplina, condicionando
suas ações, em relação as suas tarefas diárias, as suas motivações a nível emocional.
Por esse motivo, tem dificuldade para cumprir as atividades necessárias para alcançar
as notas das avaliações na universidade. Segundo Liahy (2021), esse comportamento
revela um certo nível de intolerância ao desconforto, visto a incapacidade da paciente
em guiar suas ações em prol de um objetivo, mesmo que não se sinta motivada
emocionalmente, tenha que tolerar emoções difíceis (desconforto construtivo) ou fazer
consistentemente algo que não quer para atingir esses objetivos, como, por exemplo,
estudar para que possa obter seu diploma.

Quanto ao manejo das emoções, Leahy; Tirch; Napolitano (2013) pontuam que
as pessoas vivenciam emoções de vários tipos e desenvolvem estratégias eficazes e
ineficazes para lidar com elas. A grande questão, por exemplo, não é sentir ansiedade,
mas o sujeito ter em si a capacidade de reconhecê-la, aceitá-la, usá-la quando
possível e continuar a funcionar de forma saudável apesar dela. Visto que, as
emoções desempenham um papel central na vida de todas as pessoas, pois sem elas
a vida não teria significado, textura, riqueza, contentamento e vínculo no contexto
social. Ao passo que, pela via das emoções identificam-se as necessidades, a
presença das frustrações e o desejo de fazer cumprir direitos. Sendo assim, as
emoções também conduzem ao caminho das mudanças, ajuda a identificar situações
críticas, assim como, reconhecer quando se está satisfeita. No entanto, Camila, assim
como muitas outras pessoas, sentem-se atravancada por suas emoções, pois,
intolerante e se sentindo impotente diante dos sentimentos, percebe-se inapta a lidar
com emoções difíceis, como, por exemplo, ansiedade e tristeza.
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Segundo Saban (2015), a aceitação deve ser encorajada aos pacientes em


situações onde o controle não é eficaz. A aceitação, não como resignação, mas como
um modo consdeciente de se relacionar com os eventos que são inevitáveis, mas que
tem potencial aversivo para o paciente, como, por exemplo, sentimentos e cognições.
Nessa perspectiva, a aceitação leva a refletir sobre a melhor ação possivel diante de
um evento, encoberto ou externo, não ao torpor da intolerância que leva ao desespero.
Nesse sentido, muitas vezes, a melhor ação possivel que podemos ter, de imediato,
diante de um evento, principalmente eventos privados como pensamentos e emoções,
é a aceitação.

No que diz respeito aos eventos privados, com base na teoria da Terapia de
Aceitação e Compromisso, a aceitação torna-se possível para o paciente a medida
que ele vai avançando no processo de desfusão: construir a perspectiva de que esses
eventos não são uma caracteristica estática de sua natureza, ele não é o que pensa
ou sente. Com a desfusão, os pensamentos e as emoções perdem sua dimenção de
importância e determinação nas ações dos pacientes, por não serem mais observados
pela pessoa como uma verdade absoluta ou uma caracterisca que determina sua
natureza (Saban, 2015).

Além de desregulação emocional, a paciente apresenta rigidez psicológica,


tendo dificuldade para tolerar resultados indesejados e incertezas quanto ao futuro em
suas relações românticas, estudos e carreira. Diante disso, Camila entra em “modo
de desistência”, quanto aos estudos e carreira, quando se sente pressionada por
pensamentos de dúvida, de resistência quanto a cumprir a rotina de estudos
necessária para alcançar as notas e busca por controle dos resultados nessas áreas.
Em decorrência disso, tem sintomas como ansiedade, tristeza e reações fisiológicas
(taquicardia, rigidez corporal, pensamento acelerado). Nesse sentido, Hayes,
Strosahl, & Wilson (2021, p. 50) defendem que “a rigidez psicológica é a causa
essencial do sofrimento e do funcionamento humano mal-adaptativo”.

Nessa perspectiva, Beck (2013) salienta que todo evento traz uma avaliação
cognitiva que influencia a emoção e o comportamento. Dentro desse contexto, a
Teoria Cognitiva Comportamental entende o ser humano pela lente da chamada
Tríade Cognitiva, que compreende a forma como o indivíduo pensa, sente e se
comporta diante dos estímulos, em relação a si, aos outros e ao futuro. Por exemplo,
se um indivíduo tem um pensamento distorcido diante de um determinado evento
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(pensamento promovido por uma avaliação cognitiva que tem como base avaliativa
as construções distorcidas de mundo constituídas pelo indivíduo) ele pode vir a se
sentir mal e, consequentemente, poderá se comportar de forma inadequada diante da
situação.

Segundo Beck (2013), dentro da Terapia Cognitivo-Comportamental, os


pacientes, ao longo do tempo, desenvolvem crenças de desamor, desamparo e/ou
desvalor. Nesse sentido, Camila apresenta crença nuclear de desamor (“eu não sou
desejada/amada”; “eu não faço parte do plano”), em sua visão de mundo acredita que
as pessoas são imprevisíveis e, quanto ao futuro, teme ser abandonada. Para lidar
com a crença de desamor, ela age por meio de pressupostos como “se eu me privar,
inibir minhas emoções, então não serei abandonada”. Camila costuma ter
pensamentos automáticos como “é melhor não causar problemas” ou “ele/ela não se
importa com o que penso/quero/falo”. Nesse sentido, em suas propensões cognitivas
disfuncionais, Camila tem cognições: de desautorização, como “não devo
sobrecarregar os outros com minhas necessidades e emoções”; de incapacidade,
como “não consigo me motivar para cumprir minha rotina de estudo”; negativas, como,
por exemplo, “não posso ser ouvida”; e distorcida, por não sentir que tem um espaço
dentro de sua família, mesmo sua estrutura familiar sendo considerada uma
capacidade, olhando da perspectiva do quanto os pais se dedicam e investem na vida
dela. Quanto a última propensão, Leahy (2019, p.10) acredita “que boa parte da
depressão, da ansiedade e da raiva pode ser devida a distorções no pensamento”.

Posto isso, Camila evita se colocar em situações que possa experimentar as


emoções e reações fisiológicas provenientes de sua crença de desamor. Para isso,
comporta-se de forma passiva e evitativa em suas relações, não comunicando suas
necessidades e emoções. No entanto, ao se comportar passivamente em suas
interações sociais, Camila também se sente ansiosa e tomada por reações
fisiológicas. A questão que ocorre com Camila pode ser explicada por Liahy (2021),
ao pontuar que, as pessoas que acreditam que sentir emoções difíceis pode ser algo
insuportável e/ou trazer algum tipo de incapacidade tendem a evitar qualquer
possibilidade de emergir uma emoção difícil por meio de evitar as circunstâncias que
isso possa ocorrer, mas, ao achar que não deve se sentir ansiosa, sente-se ansiosa
por se sentir ansiosa. No entanto, segundo Rodrigues (2015), quando uma pessoa
tem em si a capacidade de reconhecer, nomear e lidar com as próprias emoções pode
desenvolver estratégias eficazes de enfrentamento diante das experiências de vida.
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Para explorar essas questões, conduzir os conteúdos das sessões de Camila


por meio do diálogo socrático tem se mostrado eficaz, propondo questões como: você
acha que não comunicar suas necessidades e emoções tem evitado que você sinta
emoções difíceis?; a psicoeducação quanto as crenças, os esquemas, as emoções e
suas funções também tem sido muito importante para o processo terapêutico; além
disso, são propostas experimentações, como, por exemplo, incentivar ela a se expor
a comunicar suas necessidades, perspectivas e emoções aos outros.

2- CONCEITUALIZAÇÃO DE CASO

2.1- Identificação do paciente:

Camila (nome fictício) é uma universitária de 22 anos que cursa zootecnia.


Seus pais são casados: o pai, Aldo (nome fictício), 57 anos, é aposentado e
atualmente administra o rancho da família; e Susana (nome fictício), a mãe, 54 anos,
é jornalista. Camila é a filha mais nova do casal, tendo um irmão, Gael (nome fictício),
de 27 anos. Segundo ela, tentou algumas vezes fazer psicoterapia, mas não
conseguia engajar, interrompendo esses processos anteriores logo nas primeiras
sessões.

2.2- Histórico médico-psiquiátrico

A paciente não tem ocorrências relevantes em seu histórico médico, também


não tem histórico de acompanhamento psiquiátrico ou neurológico, sendo assim, não
faz uso de psicotrópicos. Camila iniciou a psicoterapia relatando pensamentos de
desesperança e cansaço em relação a vida, como, por exemplo, “a minha vida não
tem sentido se for para eu viver sentindo coisas ruins em relação a mim, a vida e a
minha família”, mas afirmou nunca ter pensado em um plano de suicídio, descreveu
esses pensamentos da seguinte forma: “não tenho esses pensamentos como uma
vontade de morrer, mas como um desejo de nunca ter nascido, pois, às vezes, me
sinto cansada”. Atualmente, Camila não relata ocorrências desses pensamentos.

No entanto, Camila apresenta rigidez psicológica, tendo dificuldade para


tolerar resultados indesejados e incertezas quanto futuro em suas relações
românticas, estudos e carreira. Diante disso, ela entra em um “modo de desistência”,
quanto aos estudos e carreira, quando se sente pressionada por pensamentos de
dúvida e busca por controle dos resultados nessas áreas, ao mesmo tempo, apresenta
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resistência para cumprir a rotina necessária para alcançar os resultados que deseja
nos estudos.

Posto isso, no caso de Camila, eu observo que pode haver risco de ideação,
dependendo de a intensidade da frustração diante de alguma experiência de vida
desafiadora, em decorrência da limitação em poder controlar resultados. Nesse caso,
desistir por completo seria uma forma de controle sobre os resultados de sua vida.
Essas experiências desafiadoras, que podem aumentar o risco de ideação em Camila,
incluem, principalmente, ela entrar, de fato, em um processo de desistência quanto
aos estudos e em caso de conflito ou abandono em suas relações.

Quanto a família, há um histórico de acompanhamento psiquiátrico do irmão


devido a uma questão de desregulação emocional e envolvimento com álcool após o
termino de um relacionamento. O irmão é depressivo e toma medicação.

2.3- Dados relevantes da história do paciente

Desde pequena, Camila se sente solitária, relata que o irmão foi “o filho
desejado” e que ela foi “a filha não desejada”, já que os pais teriam planejado a
gestação do irmão, e a dela não. Segundo Camila, os pais dela sempre tiveram
elevadas expectativas quanto a vida do irmão, mas que, desde muito cedo, ele já
demonstrava um comportamento difícil e resistente, contrariando as expectativas de
um comportamento ideal que esses pais tinham em mente.

Diante disso, como o irmão demandava muito de seus pais, Camila entendeu
que não havia espaço para ela, “a filha não desejada”, manifestar suas preferências,
necessidades e emoções, ela construiu a crença de que não era tão amada quanto
seu irmão e que, por não ter sido um bebê planejado como ele, não possuía os
mesmos direitos que ele dentro do sistema familiar, quanto a manifestar suas
preferencias, necessidades e emoções. Diante disso, Camila entendeu que deveria
inibir suas emoções e não comunicar necessidades e preferências como forma de
evitar sobrecarregar ainda mais o ambiente e causar mais problemas aos pais, visto
que os pais já estavam bastante sobrecarregados pelas demandas de seu irmão, “o
filho desejado”. Segundo Camila, ela sentia como se o irmão tivesse todo direito de
manifestar suas necessidades e emoções, apenas pelo fato de ser “alguém que fazia
parte do Plano familiar”. Na vida adulta, o irmão chegou a ter problemas com abuso
de álcool, fato que demandou ainda mais atenção da família.
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Em decorrência desse contexto, Camila relatou que começou a sentir os


primeiros sintomas de ansiedade quando foi conduzida pelos pais a dividir a mesma
moradia com a ex-namorada do irmão, mesmo comunicando a eles sua oposição, pois
não se relacionava bem com a moça, apesar de ambas morarem na mesma cidade
universitária. Segundo Camila, seus pais custeavam as despesas da ex-namorada de
seu irmão, com a esperança de que eles reatassem o namoro, visto que seu irmão
ainda nutria sentimentos pela moça e o termino havia sido o gatilho para os primeiros
episódios depressivos e abusos de álcool. Quando Camila comunicava aos pais que
não aguentava mais dividir a mesma casa com a moça, os pais pediam para ela
aguentar um pouco mais por causa do irmão, por ele estar passando por problemas,
diziam que ela podia aguentar um pouco mais por ser mais centrada, mais tolerante
que o irmão. Esse episódio reforçou em Camila a crença de que o irmão teria sobre
ela uma vantagem no sistema familiar, não importando qual fosse o comportamento
dele, mas que ela sempre teria que se esforçar se quisesse ter um pouco de amor e
respeito.

Pude observar que a forte ansiedade de Camila, no início das sessões, tinha
origem em uma profunda tristeza pela frustração de nunca conseguir sentir que os
pais a amavam incondicionalmente, como amavam seu irmão. Camila entendia a
relação que os pais ofereciam ao irmão como uma falta que existia nela: a qualidade
de não ser desejável. Por isso, acabava por se colocar em um lugar de privação e
submissão em relação com os pais e ao irmão, como tentativa de ser amada e
valorizada, sendo a “boa” filha, a filha sem demandas. Além disso, muitas vezes, a
paciente serve como ponte quando os pais desejam saber algo da vida do irmão, pois,
segundo ela, o irmão é fechado e, o pouco que se abre, é com ela. Diante disso, ao
longo das sessões, ficou claro que os pais acabavam por corresponder a relação que
Camila oferecia, ela não tinha consciência de que o problema era o lugar que ela
estava sempre se colocando. Em decorrência disso, Camila estabeleceu esse mesmo
padrão de funcionamento em outras relações, buscando controlar possíveis
abandonos por meio de pressupostos como “se eu me privar, fizer o que (eu penso
que) o outro quer que eu faça, inibir minhas emoções, então não serei abandonada.

Nesse sentido, Camila sente forte ansiedade quando passa por alguma
experiência, interna ou externa, que a leve refletir sobre um possível abandono,
principalmente se for um parceiro amoroso. Mas, também, sente forte ansiedade e
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reações fisiológicas quando, dentro dessas relações, negligencia suas necessidades


e inibe suas emoções.

2.4- Diagrama de Conceitualização

Cognição Tríade Cognitiva Como se Sente?

Crença central: eu não Visão de si: acredita que Triste;


sou desejada/amada; não é desejada/amada, Ansiosa;
Crença intermediária: que nunca fez parte do
se eu me privar/inibir plano;
minhas emoções, então Visão de mundo:
não serei abandonada; acredita que as pessoas
Pensamento são imprevisíveis;
automático: é melhor Visão de futuro: teme
não causar problemas; ser abandonada;
ele/ ela não se importa
com o que
quero/penso/falo;
Pensamento reflexivo:
sempre me sinto um peso
para os outros.

Propensões Cognitivas
Como Explorar Como se Comporta?
Disfuncionais

Desautorizadora: “eu Questionamento Evita se colocar em


não devo sobrecarregar socrático: você acredita situações que possa
os outros com minhas que não comunicar suas experimentar as emoções
necessidades e necessidades e emoções e reações fisiológicas
emoções”; tem evitado que você proveniente de sua
Incapacitamento: “não sinta emoções difíceis? crença de desamor. Para
consigo me motivar para Experimentação: se isso, comporta-se de
cumprir minha rotina de expor a comunicar suas forma passiva (evitativa)
estudos”; necessidades, em suas relações, não
Distorcida: não sente preferências e emoções comunicando suas
que tem um espaço aos outros; necessidades e emoções
dentro da família; Psicoeducação: quanto aos outros.
Negativa: “eu não posso as crenças, esquemas e
ser ouvida” emoções;

2.4.1- Dificuldades Atuais

Durante as primeiras sessões, a paciente justificou a busca por psicoterapia


relatando sintomas como ansiedade devido a questões pontuais, como o termino
conturbado de seu namoro e o luto pela perda de seu cavalo. No entanto, ao longo
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das próximas sessões, Camila foi relatando sobre a dificuldade de relacionamento


com a família e para se posicionar quanto as suas necessidades, preferências e
emoções e estabelecer limites em suas relações. Permite que os outros escolham por
ela, chegando a sentir-se sobrecarregada quando delegam a ela a posição de
escolha, demostrando, assim, passividade em suas interações sociais e
comportamentos de dependência. Além disso, também apresenta autonomia e
disciplina insuficiente quanto aos estudos.

Sendo assim, a paciente apresenta dificuldade para cumprir a rotina de estudos


necessárias para alcançar as notas das avaliações na universidade. Além disso,
apresenta rigidez cognitiva, tendo dificuldade para tolerar a incerteza quanto aos
resultados futuros em suas relações românticas, estudos e carreira. Diante disso,
Camila tem episódios em que entra em “modo de desistência”, quanto aos estudos,
quando se sente pressionada por pensamentos de dúvida e busca por controle dos
resultados nessas áreas, ao mesmo tempo, tem dificuldade para fazer os
investimentos de tempo necessários para alcançar os resultados que deseja nos
estudos. Em decorrência disso, tem sintomas como ansiedade, tristeza e reações
fisiológicas (taquicardia, rigidez corporal, pensamento acelerado).

2.4.2- Dados relevantes da infância

Segundo a paciente, ela não recorda de nenhum evento que ela considere um
estressor em sua infância e adolescência. Apenas se recorda de uma circunstância
em que o irmão bateu nela com uma corda por ter interpretado mal um movimento
que ela fez com essa mesma corda.

Na vida adulta, ela considera um evento estressor o fato de ter se mudado


para a cidade universitária, onde ainda reside, e ter que, a pedido de seus pais, dividir
o apartamento com a ex-namorada de seu irmão, uma pessoa que Camila não se
dava bem.

2.4.3- Visão de si, dos outros/mundo e do futuro

Quanto a tríade cognitiva, Camila apresenta crença nuclear de desamor: em sua


visão de si acredita não poder ser desejada/amada”; em sua visão de mundo acredita
que as pessoas são imprevisíveis; quanto ao futuro, teme ser abandonada.
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2.4.4- Principais emoções, pensamentos, comportamentos e situações que


eles costumam ocorrer.

A paciente tem sintomas como ansiedade, tristeza e reações fisiológicas


(taquicardia, rigidez corporal, pensamento acelerado). Ela costuma ter pensamentos
automáticos como “é melhor não causar problemas” ou “ele/ela não se importa com o
que penso/quero/falo”. Nesse sentido, em suas propensões cognitivas disfuncionais,
Camila tem cognições: de desautorização, como “não devo sobrecarregar os outros
com minhas necessidades e emoções”; de incapacidade, como “não consigo me
motivar para cumprir minha rotina de estudo”; negativas, como, por exemplo, “não
posso ser ouvida”; e distorcida, por não sentir que tem um espaço dentro de sua
família. Em decorrência disso, evita se colocar em situações que possa experimentar
as emoções e reações fisiológicas proveniente de sua crença de desamor. Para isso,
comporta-se de forma passiva (evitativa) e submissa em suas relações, não
comunicando suas necessidades e emoções. No entanto, ao se comportar
passivamente em suas interações sociais, Camila também se sente ansiosa e tomada
por reações fisiológicas.

As situações que essas questões ficam mais visíveis são as que ela precisa se
posicionar quanto as suas necessidades e preferências e/ou comunicar suas
emoções, pois sente que suas expressões podem sobrecarregar e/ou ferir as outras
pessoas, como, por exemplo, quando ela precisou comunicar ao namorado o quanto
ela se sentia mal por ele cancelar alguns compromissos entre eles em cima da hora
do evento ou por ele quebrar algum combinado, até mesmo quando ela precisa
conversar algo mais sério, como, por exemplo, o fato dela se sentir mal quando eles
saem e ele exagera na bebida alcoólica e acaba passando muito mal.

As dificuldades dela também aparecem quando ela precisa se responsabilizar


quanto aos seus investimentos de tempo nos estudos, contexto que expõe a disciplina
insuficiente da paciente para cumprir a rotina de estudos necessária para alcançar as
notas das avaliações na universidade. Camila tem evitado cumprir sua rotina de
estudos devido a experiências privadas influenciadas pela ação de esquemas e
crenças disfuncionais, essas experiências levam ela a se sentir sobrecarregada ao
experimentar um alto nível de ansiedade e tristeza. No entanto, em decorrência dessa
evitação, a paciente experimenta um nível ainda maior de ansiedade quando não
consegue alcançar as notas exigidas para aprovação nas matérias. Nesse sentido,
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quando não consegue alcançar as notas necessárias, ela tem a tendência a entrar em
um “modo de desistência”, proferindo frases como “acho que isso não é para mim”,
“eu não consigo me motivar” ou “estou pensando em desistir do curso”.

Essa tendência de evitar diante das experiências desafiadoras tem colocado


Camila em risco de desistir dos estudos; podendo, inclusive, vir a colocar ela em risco
de ideação contra sua própria vida se vier a desistir dos estudos ou experienciar algum
conflito mais sério, termino ou abandono em suas relações.

2.4.5- Principais formas de Manejo das Situações Problema

Estratégia para estimular o processo de desfusão cognitiva

Para estimular o processo de desfusão, foi proposto que a paciente


praticasse, em seu dia a dia, um exercício mental: que ela buscasse observar seus
pensamentos e emoções como quem observa de cima de uma ponte um rio que corre.
Esse exercício se mostrou importante no sentido de estimular a paciente a parar de
evitar sentir emoções difíceis, a fim de contribuir na regulação emocional.

Estratégia para lidar com reações fisiológicas durante as crises de ansiedade

Para ajudar no manejo das reações fisiológicas, foi proposto que, quando a
paciente percebesse os sintomas da ansiedade em seu corpo, ela realizasse a
respiração diafragmática respirando e contando até quatro, segurando o ar e contando
mais quatro, soltando o ar e contando até oito, repetindo até se sentir mais tranquila.

Estratégia em busca de maior assertividade na comunicação familiar

Ao longo do processo terapêutico Camila demonstrou ser bastante evitativa


no sentido de comunicar suas necessidades e suas emoções. Nesse sentido, foram
conduzidas propostas de experimentações para ela se expor a comunicar. No entanto,
ela relatou que evitava comunicar suas perspectivas, suas necessidades e o que
sentia porque sempre acabava em brigas familiares. Conforme ela foi relatando suas
vivências dentro desse contexto, foi ficando claro que havia uma questão importante
que comprometia a comunicação no ambiente familiar: quando ela buscava comunicar
algo, não tinha a habilidade de falar sobre o que ela sentia e queria, ela ia logo ao
ponto de apontar a falta que ela percebia no outro, isso soava agressivo e um convite
ao embate. Diante disso, visando o desenvolvimento de maior habilidade social nesse
sentido, foi proposto que ela pudesse comunicar suas necessidades, preferências,
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limites, emoções, mas que isso pudesse ser feito de uma forma mais assertiva,
utilizando, principalmente, a seguinte frase adaptada com base na proposta de
Rosenberg (2006): “quando você faz X, eu penso/sinto Y. Por exemplo, a paciente
utilizou em um diálogo com os pais: “quando eu venho passar alguns dias com vocês
e vocês insistentemente criticam minha cachorra, eu penso que estamos
incomodando e me sinto triste”.

Estratégia para lidar com a resistência quanto aos estudos

A resistência em cumprir a rotina de estudos necessárias para alcançar as


notas na universidade, nos mostra um comportamento que revela uma autodisciplina
insuficiente nessa área. Nesse sentido, nós combinamos em sessão que ela
praticasse uma experimentação comportamental: colocar a ação na frente da
motivação, ou seja, buscar cumprir a rotina diária de estudos, mesmo que não se sinta
impulsionada emocionalmente para cumprir essa rotina.

Estratégia para tolerar o desconforto

A paciente, ao entrar em contato com alguma experiência onde ela possa


experimentar sentimento de frustração, tristeza e ansiedade, tende a ter pensamentos
como: “acho que isso não é para mim” e, com isso, tem tendência a evitar essas
experiências. No entanto, foi combinado que, diante de experiências como essa, a
paciente iria tolerar o desconforto ao se expor, direcionando sua atenção para
perceber e acolher as próprias emoções e pensamentos, buscando identificar
possíveis relações dessas cognições e emoções com os conteúdos relacionados aos
esquemas que foram trabalhados em sessão.

2.4.6- Consequências do Manejo

Estratégia para estimular o processo de desfusão cognitiva

Essa estratégia de manejo, juntamente com outras intervenções nesse


sentido, foi eficaz. Pois, poder olhar para si a partir da perspectiva de um “eu superior”,
que consegue observar os fenômenos de sua natureza sem julgamentos, entendendo
esses fenômenos como um produto mutável dessa natureza (não como uma
característica fixa da própria natureza), deu a paciente liberdade para sentir, para
observar sem julgar suas emoções, pensamentos e experiências como algo que
aprisiona por ser imutável e permanente. Além disso, contribuiu na flexibilização da
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busca por controle, a partir da perspectiva de que podemos encarar uma experiencia
com investimento, observação e curiosidade, ao invés de buscar controlar a resposta
ou o resultado.

Estratégia para lidar com reações fisiológicas durante as crises de ansiedade

A paciente ainda não deu retorno quanto ao uso dessa estratégia.

Estratégia em busca de maior assertividade na comunicação familiar

Essa estratégia se mostrou muito eficaz. Visto que, a paciente relatou que
após as nossas sessões e aplicação dessa estratégia, a relação e comunicação
familiar mudou muito para melhor, a ponto de os pais da paciente relatarem a ela que
sua rápida mudança foi algo “inacreditável”, pois os embates sessaram à medida que
as explosões foram substituídas por uma comunicação assertiva.

Estratégia para lidar com a resistência quanto aos estudos

A proposta dessa estratégia é para o 1° semestre de 2023. Sendo assim,


ainda não temos os resultados dessa estratégia.

Estratégia para tolerar o desconforto

A proposta dessa estratégia está relacionada, principalmente, as experiências


com tentativa de desistência dos estudos diante de uma frustração, como, por
exemplo, notas abaixo da média e reprovações. Como essa questão emergiu
fortemente recentemente, e o semestre letivo ainda está no início, não temos os
resultados dessa estratégia.

2.4.7- Principais esquemas e crenças

Camila apresenta crença nuclear de desamor (“eu não sou desejada/amada”; “eu
não faço parte do plano”), em sua visão de mundo acredita que as pessoas são
imprevisíveis e, quanto ao futuro, teme ser abandonada.

Quanto aos esquemas, com base no questionário de esquemas de Young, Camila


pontuou em doze dos dezoito esquemas: abandono; desconfiança/abuso; isolamento
social/alienação; defectividade/vergonha; fracasso; subjugação; autosacrifício;
inibição emocional; padrões inflexíveis; autocontrole e autodisciplina insuficientes;
negativismo; postura punitiva.
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3- DESENVOLVIMENTO / ESTRATÉGIA DA TCC

3.1- Diagnóstico ou hipótese diagnóstica

Ao longo das sessões, quando as questões da paciente relacionadas a um


esquema de abandono e estratégias para evitar um possível abandono foram ficando
mais evidentes, eu já pensei na hipótese de Camila sofrer do transtorno de
personalidade borderline. Além disso, a paciente apresenta outros comportamentos
que podem ser observados em pacientes borderline, como, por exemplo, intolerância
a mudança de planos e cancelamento de compromissos, vindo a experienciar forte
ansiedade ao pensar que tais circunstâncias têm relação com algo que ela tenha feito.
No entanto, com base no American Psychiatric Association (2014, p. 663) Camila não
preenche os critérios necessários para o diagnóstico do transtorno, pois apresenta
apenas um critério dos nove listados e dos cinco necessários: “esforços desesperados
para evitar abandono real ou imaginário”. Nesse caso, podemos compreender que
Camila pode ter traços da personalidade borderline, mas não o transtorno. Sendo
assim, a estratégia transdiagnóstica, focada nos processos cognitivos,
comportamentais e emocionais, mostrou-se eficaz.

3.2- Objetivos do tratamento

1. Ajudar a paciente identificar, aceitar e acolher as próprias emoções a fim de


contribuir no processo de regulação emocional;

2. Promover reestruturação cognitiva quanto a crenças e esquemas disfuncionais;

3. Contribuir na construção de maior habilidade social por meio da assertividade


na comunicação com o outro;

4. Ajudar a paciente a identificar, aceitar, priorizar e comunicar seus limites,


necessidades e preferências aos outros;

5. Promover o fortalecimento da autoconfiança e autoestima da paciente;

6. Ajudar a paciente a tolerar o desconforto diante de experiências desafiadoras;

3.3- Plano de tratamento

Primeiramente, a relação terapêutica pautada na empatia, validação e no


acolhimento tem sido muito importante para o desenvolvimento do processo
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terapêutico de Camila. Visto que, a paciente se sentiu invalidada grande parte do


tempo de sua vida.

Para explorar as questões trazidas por Camila, conduzir os conteúdos das


sessões por meio do diálogo socrático tem se mostrado eficaz, propondo questões
como: você acha que não comunicar suas necessidades e emoções tem evitado que
você sinta emoções difíceis?; a psicoeducação quanto as crenças, os esquemas, as
emoções e suas funções também tem sido muito importante para o processo
terapêutico; além disso, são propostas experimentações, como, por exemplo,
incentivar ela a se expor a comunicar suas necessidades, perspectivas e emoções
aos outros.

Posto isso, algumas intervenções utilizadas serão descritas a seguir.

Intervenções para manejo das emoções: técnica “aceitação das emoções” e


psicoeducação quanto as emoções e suas funções

Camila chegou para as primeiras sessões com uma postura crítica quanto ao
que estava sentindo nos últimos tempos, relatando que não gostava de se sentir
ansiosa e ter certos tipos de pensamentos, chegando a me perguntar se o processo
terapêutico iria curar ela de sentir ansiedade, relatando que não aguentava mais “ser
ansiosa”. As intervenções com o objetivo de ajudar no processo de regulação
emocional foram conduzidas por meio de diálogo socrático com base na técnica
“aceitação das emoções” proposta por Leahy (2019, p. 423) e psicoeducação segundo
Saban (2015) sobre a nossa tendência a entender o que sentimos, pensamos e
vivemos como uma característica do que somos.

Para estimular o processo de desfusão cognitiva, foi proposto que a paciente


praticasse, em seu dia a dia, um exercício mental: que ela buscasse observar seus
pensamentos e emoções como quem observa de cima de uma ponte um rio que corre.
Esse exercício se mostrou importante no sentido de estimular a paciente a parar de
evitar sentir emoções difíceis, a fim de contribuir na regulação emocional. Além disso,
para que a paciente se permitisse sentir suas emoções, foi conduzido um processo
de psicoeducação quanto as emoções e suas funções na preservação da espécie.

A psicoeducação contribuiu no sentido de a paciente compreender que o que


sentimos e pensamos diante de uma determinada experiência, na verdade, são
conteúdos oriundos das nossas crenças e esquemas, passíveis de serem
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ressignificados. Dentro desse contexto, visando a desfusão cognitiva, foi possível


trazer para a paciente a perspectiva de que ela não é o que pensa, sente ou
experiência em seu cotidiano, e que um bom processo de psicoterapia pode, e tem o
objetivo de, ajudar os pacientes a aceitar e regular suas emoções de forma mais
adaptativa, a construir novas perspectivas e possibilidades diante de suas
experiências, assim como, flexibilizar os padrões rígidos de cognição com o propósito
de reduzir o poder de ação de crenças e esquemas disfuncionais no aparelho
psíquico, a fim de reduzir o sofrimento. Posto isso, o primeiro passo para comunicar o
que sentimos é saber identificar nossas emoções e nos conectar com elas, nos
permitir sentir.

Intervenções para manejo das reações fisiológicas: técnica de respiração


diafragmática

Diante disso, para ajudar no manejo das reações fisiológicas, foi solicitado
que, quando a paciente percebesse os sintomas da ansiedade em seu corpo, ela
realizasse a respiração diafragmática respirando e contando até quatro, segurando o
ar e contando mais quatro, soltando o ar e contando até oito, repetindo até se sentir
mais tranquila (Broering, 2021).

Intervenções para reestruturação cognitiva: técnica “distinção entre


pensamentos e fatos” e psicoeducação quanto as cognições

Ao Longo das próximas sessões, foram feitas intervenções no sentido de


promover uma reavaliação cognitiva quanto a visão distorcida que a paciente
apresentava quanto a sua posição em seu sistema familiar, por ter pensamentos que
faziam ela acreditar que seria menos amada, com menos direitos que o irmão, por não
ter sido fruto de uma gestação planejada. As vivencias trazidas pela paciente foram
conduzidas com base na técnica “distinção entre pensamentos e fatos” proposta por
Leahy (2021, p. 22), no entanto, não foi possível encontrar evidencias que
comprovassem sua crença.

Também foi realizada uma psicoeducação de como o sistema de crenças é


construído no aparelho psiquico e como nossas ações e reações estão condicionadas
a esse sistema. Com base nos fatos, ela pode reavaliar sua postura e relação com a
família, chegando à conclusão que, tanto ela, quanto seus pais, estavam agindo
conforme o que acreditavam ser o melhor para a família, mas que, no entanto, nem
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sempre estavam acertando no que ofereciam, pois nós precisamos saber comunicar
ao outro as nossas necessidades, perspectivas, preferências e como nos sentimos
diante do que nos é oferecido em nossas relações, mas que, para isso, precisamos
conhecer e respeitar os nossos limites.

Intervenções para mudança comportamental: técnica “fazendo o que você não


quer”

Como Camila presenta baixa tolerância a frustação, a incerteza e ao


desconforto, ela sente-se tomada pela ansiedade e reações fisiológicas quando
inserida em contextos de vida que demandam essas habilidades. Diante disso,
primeiramente, com base na técnica proposta por Leahy (2019, p. 269) “distinção
entre preocupações produtivas e improdutivas” foram conduzidos alguns diálogos no
sentido de a paciente compreender as limitações que são comuns a todos os seres
humanos, como, por exemplo, a impossibilidade de trilharmos caminhos que
previamente podemos ter certeza quanto a resultados futuros dos nossos
investimentos nas relações, nos estudos e na carreira profissional.

Com base nisso, levantamos os elementos que fazem parte do nosso círculo
das preocupações produtivas, que estão sob a influência do nosso controle, como,
por exemplo, nossos investimentos nas relações e nos estudos; e também o que está
no âmbito das preocupações improdutivas, como, por exemplo, com os resultados
precisos dos nossos investimentos e as ações e decisões das outras pessoas. Essa
intervenção abriu caminho para construção de uma perspectiva no sentido de Camila
direcionar seu foco de atenção em controle para os elementos de sua vida que
precisam de monitoramento para um resultado a médio e longo prazo, como, por
exemplo, sua rotina de estudos no âmbito acadêmico e os aprendizados adquiridos
dos investimentos feitos nas relações no contexto pessoal.

Posto isso, a resistência em cumprir a rotina de estudos necessárias para


alcançar as notas na universidade, nos mostra um comportamento que revela uma
autodisciplina insuficiente nessa área. Nesse sentido, ainda com base em Leahy
(2019, p. 427) foi aplicada a técnica “fazendo o que você não quer”. Posto isso,
combinamos que ela praticasse, em sua rotina, colocar ação na frente da motivação,
pois ação gera motivação. Ou seja, buscar cumprir a rotina diária de estudos, mesmo
que não se sinta impulsionada emocionalmente para cumpri essa rotina.
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Intervenções para manejo de emoções difíceis, tolerância ao desconforto e


tomada de decisão: psicoeducação quanto aos esquemas e aplicação da técnica
“tomando decisões”

Durante o período de rematrícula na universidade, entre dezembro de 2022 e


janeiro de 2023, Camila estava bastante frustrada quanto aos seus resultados no
último semestre, pois foi reprovada em duas das cinco matérias que cursou. Diante
disso, entrou em um “modo de desistência”, chegou para a última sessão de dezembro
bem deprimida e inclinada a desistir do curso. Nessa sessão, trabalhamos a
psicoeducação quanto ao modo e alguns dos possíveis esquemas ativos quando esse
modo entra em ação: fracasso, autocontrole e autodisciplina insuficientes,
negativismo, padrões inflexíveis.

Ao entrar nesse modo, diante de alguma experiência, ela experimenta


sentimento de frustração, tristeza e ansiedade, tende a ter pensamentos como: “acho
que isso não é para mim”. Diante disso, assim como em sessões anteriores, foi
combinado que, diante de experiências como essa, a paciente iria tolerar o
desconforto, direcionando sua atenção para perceber e acolher as próprias emoções
e pensamentos, buscando identificar possíveis relações dessas cognições e emoções
com os conteúdos relacionados aos esquemas que foram trabalhados em sessão.

Entender as possíveis cognições e emoções que ela pode vir a experimentar


quando esse modo entra em ação, após uma experiência que serve como gatilho,
pode ajudar a paciente a se perceber e tolerar o desconforto, ao invés de buscar evitar
novas frustrações por meio da esquiva. Uma dose a mais de acolhimento, validação
e empatia também fez grande diferença nessas sessões.

Diante desse quadro, ela relatou não saber que decisão tomar, que queria
desistir de tudo, mas, que, ao mesmo tempo, sentia-se confusa e insegura. Diante
disso, foi feita uma intervenção por meio da técnica proposta por Beck (2013, p. 279)
“tomando decisões”. Nesse caso, nós construímos possibilidades por meio do
levantamento das vantagens e desvantagens de cada opção a fim de que ela
chegasse a uma conclusão. Como resultado da intervenção, ela optou por retornar à
cidade universitária e continuar o curso.

3.4- Possíveis Obstáculos


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Apesar de a paciente relatar que, após o processo terapêutico, a relação com


a família ter melhorado de forma significativa, acredito que o estilo de comunicação
do sistema familiar ainda pode ser um fator mantenedor (pelo que a paciente
descreve, a família tem um estilo de comunicação por vezes agressiva, em outros
momentos, também mais passiva, evitativa). As preocupações constantes com a
saúde mental do irmão, que sofre de depressão, também, se mostram um fator de
adoecimento do sistema familiar e, consequentemente, da paciente que se preocupa,
não apenas com o irmão, mas, também, com o sofrimento dos pais diante do
sofrimento do irmão.

4- DESFECHO / CONCLUSÃO

A paciente chegou para as primeiras sessões deprimida e bastante evitativa


quanto as suas emoções difíceis (ansiedade, tristeza), também em relação a
pensamentos e sentimentos que considerava aversivos em relação a sua família.
Nesse sentido, ao longo das sessões, após algumas das intervenções descritas no
plano de tratamento, sessão 3.3, a fim de contribuir nos processos de
dessensibilização, desfusão, reestruturação cognitiva e psicoeducação quanto as
cognições, as emoções e suas funções, a paciente apresentou melhora significativa
do quadro melancólico, principalmente, após estabelecer um relacionamento mais
próximo e saudável com a família. Ela descreveu a nova perspectiva que construiu,
em sessão, em relação a família e a forma de se comunicar e se relacionar com eles,
como algo “inacreditável”, tanto para ela, quanto para sua família.

Quanto as dificuldades em relação aos estudos, Camila requer o


fortalecimento da tolerância ao desconforto para poder guiar sua atenção e seus
esforços em prol de seu objetivo, a fim de construir uma autodisciplina nessa área:
algumas intervenções já foram feitas nesse sentido, como descrito na sessão 3.3, mas
o curso do processo com os resultados terá que ser avaliado ao longo dos próximos
semestres letivos.

Além disso, a paciente sofre com um quadro de baixa autoestima e


dependência, provavelmente, provenientes do esquema de abandono. Diante disso,
permite e sente-se confortável quando os outros decidem por ela, se esforça para
evitar abandono por meio de estratégias que envolve se submeter ao que considera
ser as necessidades e desejos dos outros, ao mesmo tempo que suprime suas
próprias necessidades, emoções e preferencias. Diante desse quadro, as
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experimentações comportamentais, as estratégias de regulação emocional e


reestruturação cognitiva, juntamente com uma relação terapêutica pautada na
aceitação incondicional, acolhimento, validação, incentivo e empatia, tem se mostrado
eficaz no caso de Camila. Esse é um quadro complexo, com sintomas difusos, que
requer um acompanhamento terapêutico de longo prazo. Pois, apesar de no presente
momento a paciente estar conseguindo responder bem ao tratamento, é importante
que ela se fortaleça no sentido de poder identificar e manejar possíveis recaídas.
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5- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. American Psychiatric Association. (2014). Manual diagnóstico e estatístico de


transtornos mentais: DSM5 (5a ed.). (M. I. Nascimento, Trad.) Porto Alegre:
Artmed.

2. Beck, J. S. (2013). Terapia Cognitivo-Comportamental: teoria e prática. Porto


Alegre: Artmed.

3. Broering, C. V. (2021). Estratégias de Intervenção em Psicoterapia Cognitivo-


Comportamental: estudos de caso. Novo Hamburgo: Sinopsys.

4. Hayes, S. C., Strosahl, K. D., & Wilson, K. G. (2021). Terapia de Aceitação e


Compromisso: o processo e a prática da mudaça consciente. Porto Alegre:
Artmed.

5. Leahy, R. L. (2019). Técnicas de Terapia Cognitiva: manual do terapeuta . Porto


Alegre: Artmed.

6. Leahy, R. L., Tirch, D., & Napolitano, L. A. (2013). Regulação Emocional em


Psicoterapia: Um Guia para o Terapeuta Cognitivo-Comportamental. Porto
Alegre: Artmed.

7. Liahy, R. L. (2021). Não Acredite em Tudo que Você Sente: identifique seus
esquemas emocionais e liberte-se da ansiedade e da depressão. Porto Alegre:
Artmed.

8. Rodrigues, M. (2015). Educação Emocional Positiva: saber lidar com as


emoções é uma importante lição. Novo Hamburgo : Sinopsys.

9. Rosenberg, M. B. (2006). Comunicação Não-Violenta: técnicas para aprimorar


relacionamentos pessoais e profissionais . São Paulo: Ágora .

10. Saban, M. T. (2015). Introdução à terapia de Aceitação e Compromisso. Belo


Horizonte: Artesã.

11. Young, J. E. (2008). Trerapia do Esquema: gria de técnicas cognitivo-


comportamentais inovadoras. Porto Alegre: Artmed.

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