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Preqiatric Forense
ша
Gabriel é um jovem adulto de 21 anos, branco, de classe média, que está no 2o ano de Engenharia Civil.
Foi uma criança quieta e bastante retraída. Na adolescência, teve poucos amigos, apenas uma namorada e
não costumava sair em turma ou frequentar baladas. Quando o fazia, precisava tomar bebidas alcoólicas para
soltar. Recentemente, tem frequentado uma igreja cristã não tra- dicional e demonstrado preocupação com seu
nome, relacionando-o com o do arcanjo Gabriel. Indagou diversas vezes aos pais a razão de sua escolha, não se
satisfazendo com a explicação que rece- bia. Gabriel, aos poucos, passou a se considerar um mensageiro
de Deus, alguém que anunciava boas e más notícias por determinação divina. Os pais, apesar de
estranharem o comportamento do filho, não o valorizaram a ponto de buscar ajuda médica. Um determinado dia, o
rapaz dirigiu-se ao quarto do casal, no qual sua mãe se encontrava só, e anunciou-lhe que ela receberia a
visita de Deus, de quem geraria um filho. A seguir, tentou manter relações sexuais com a mãe e,
diante de sua recusa e pavor, atacou-a com uma faca que trazia escondida à cintura. Após matá-la, dirigiu- -se
a um parque nas imediações de sua casa onde buscou refúgio da ira divina.
Neste capítulo, será abordada a mais rele- vante perícia psiquiátrica em matéria crimi- nal, a de imputabilidade, ou responsabilida- de
penal, cujo fundamento se encontra no artigo 26, em seu parágrafo único, do Códi- go Penal (CP).1 Serão examinados os diver- sos
elementos que constituem a imputabili- dade e como devem ser investigados. Além disso, será apresentado e discutido o concei- to
de imputabilidade de acordo com o Códi- go Penal Militar (CPM),2 que segue os mes- mos princípios da norma geral. A
perícia de dependência química e de embriaguez, que tem íntima relação com o tema da imputa- bilidade, será abordada no Capítulo
8.
CONCEITO DE CRIME
Para bem realizar uma
perícia de imputabi- lidade
penal, deve o psiquiatra
ter uma clara noção do
conceito de crime, pois
assim po- derá entender melhor
os limites e a finali- dade do ato
que realizará. As definições
de crime entre os tratadistas
de direito penal, como se
pode imaginar, são
abundantes,
mas, de uma forma ou outra,
convergem pa- ra a ideia de
que crime é toda ação ou
omis- são típica,
antijurídica e culpável.3
Nessa construção simples
estão contidos seus prin-
cipais elementos definidores,
com os quais os operadores do
direito se devem haver. Assim,
para que haja crime é
necessário que: a) o fato
lesivo decorra de uma ação
ou omissão humanas; b)
que o fato pratica- do seja
típico, isto é, previamente
descrito na lei penal; c) que
seja também antijurídico, posto
que alguns fatos típicos
podem não ser antijurídicos,
como, por exemplo, matar
alguém em legítima defesa; e
d) que o ato seja culpável, quer
por meio da modalidade do
dolo, quer da culpa.
Dos elementos descritos, deflui que se pode vislumbrar na estrutura do conceito de crime um
componente objetivo e outro subjetivo. A parte objetiva compõe-se da ti- picidade e da
antijuridicidade. Se apenas es- sas duas variáveis estiverem presentes, já se pode
afirmar que, desde um ponto de vista estritamente material, ocorreu um delito. Tome-se
como exemplo matar alguém sem estar ao abrigo de uma excludente de anti- juridicidade
(estado de necessidade, legíti- ma defesa, exercício regular de um direito ou estrito
cumprimento do dever legal). O ilícito em si houve, mas isso não implica que obrigatoriamente o
na esfera penal. É necessário, para tal, que o
agente será responsabi- lizado
elemento subjetivo também mar- que presença. Entretanto, antes de perquirir se o
acusado agiu com dolo ou culpa, a cul- pabilidade, é necessário que se estabeleça a
capacidade de imputação, ou imputabilida- de, dessa pessoa. Assim, temos que o ele- mento
subjetivo do delito é formado pelo binômio "imputabilidade + culpabilidade".+ Com essa
"equação do crime" em mente, fica mais claro para o perito quais os objeti- vos e limites de
sua atuação ao realizar uma perícia de imputabilidade penal.
IMPUTABILIDADE E RESPONSABILIDADE PENAL
Todo indivíduo que comete um delito - ação ou omissão tipificadas no CP ou na Lei de
Contravenções Penais (LCP) - deve res- ponder perante a Justiça
por aquilo que praticou. Responsabilidade penal significa, assim, a
obrigação de arrostar judicialmente as consequências de um ato
praticado, ato este considerado um crime ou uma contra- venção pela lei
vigente. Ao que pratica a ação ou omissão ilícitas, a Justiça imputa, se
culpado, o dever de responder por elas, tornando-se assim o agente
responsável. Esse é o sentido de imputabilidade: faculda- de de
alguém de ser chamado à responsabili- dade. Ainda que ambos os
conceitos possam se confundir, são distintos em seu significa- do mais
preciso. A imputabilidade é uma pré-condição para que seja
apreciada a cul- pabilidade do agente, enquanto a responsabi- lização
somente ocorrerá quando, imputá- vel o agente, vier este a ser declarado
culpa- do. A responsabilidade é, pois, uma decor- rência da
imputabilidade e da culpabilidade.
Dessa forma, deve-se salientar que a re- forma penal
de 1984, ao disciplinar o novo Título III do CP,
adotou uma solução tecni- camente mais precisa.
Observe-se que, no código anterior, o Título III tratava
"Da Responsabilidade" e definia os "Irresponsá-
veis" em seu artigo 22.6 No atual, ocupa-se "Da
Imputabilidade Penal" e conceitua os
"Inimputáveis" no artigo 26.' Assim, como a
essência de ambos os artigos é quase a houve mera
troca de expressões equivalentes -, a mais notável
alteração de um código para o outro foi o nomen
juris adotado pelo legislador, o que consistiu em
adequada escolha.
mesma
-
de
Crven
predlogica
Basto de
کا مجھے
Desenvolv
imento
mental
retardado
Met d
A interpretação do que seja "desenvolvi- mento mental retardado" não oferece maior dificuldade: trata-se da deficiência mental, oligofrenia
ou retardo mental. Uma vez que essa entidade nosológica admite níveis de acometimento de intensidades diversas - desde a inteligência
fronteiriça ou subnor- mal até graves casos de encefalopatia crôni- ca irreversível-, entende-se que o legislador a tenha utilizado tanto
no caput quanto no parágrafo único do artigo 26 do CP, pois in- divíduos com essa condição apresentam psi- copatologia extremamente
díspar. A ques- tão médico-legal mais importante em rela- ção a esses sujeitos será, pois, a avaliação do nexo de causalidade e de se o retardo
men- tal chegou a comprometer as capacidades de entendimento e de autodeterminação.
Desenvol
vimento
mental
incomp
leto
"Desenvolvimento mental incompleto" é categoria reservada para certos casos espe- ciais que, embora não
sejam propriamente transtornos mentais, têm com eles a identi- dade de também poder comprometer as ca- pacidades
de entendimento ou de determi- nação. É oportuno lembrar que essa expres- são do CP remonta
a 1940, época em que a grande maioria da população era analfabe- ta, a maior parte dos silvícolas não era acul-
turada e os meios audiovisuais de comunica- ção de massa eram inexistentes, posto que a radiodifusão era incipiente no
Brasil. Pre- dominavam, nos rincões afastados dos gran- des centros urbanos, a cultura local e as leis particulares,
sendo quase ficção a ideia de "Estado Nacional". Podem ser enquadrados nessa categoria silvícolas não
adaptados, deficientes visuais e/ou auditivos com total ou quase total impossibilidade de comunica- ção e
incorporação de conhecimento, e pes- soas com tal grau de primitivismo, rudeza ou incivilidade
das quais seria lícito questio- nar as capacidades intelectiva e volitiva, ain- da que não sejam tecnicamente
deficientes mentais. Na prática clínica, essas pessoas, se submetidas a testes de avaliação de inteli-
gência, apresentam desempenho equivalen- te ao daquelas com retardo mental. É desne- cessário dizer
que essa categoria é encontra- da cada vez menos na prática forense, estan- do destinada ao armário das
antiguidades e velharias sem uso.
Em suma, considerando que os transtor- nos mentais e comportamentais podem ser incluídos em cinco grandes formas de adoe-
cimento psíquico (oligofrenias, demências, psicoses neuroses e parafilias e transtornos de personalidade), é possível fazer a
corres- pondência entre as expressões da lei e os À principais quadros psiquiátricos. A doença
Pendeba
mental correspondem as psicoses e as de- mências graves e moderadas; à perturbação da saúde mental, as demências iniciais, as
neuroses, as parafilias e os transtornos de personalidade; e, ao desenvolvimento men- tal retardado, as oligofrenias em
qualquer grau que se manifestem.
▷ O
nexo
de
causal
idade
De acordo com o critério biopsicológico, torna-se necessária a existência de um nexo causal entre o transtorno
ou seja, é necessário que este seja expressão daquele. A ação ou
mental e o delito cometido,
omissão prati- cadas devem ser um sintoma do transtor- no, assim como o serão os sintomas psicopa-
tológicos propriamente ditos. Além disso, o transtorno mental deve se manifestar de tal forma que tolde
a capacidade de enten- dimento ou de autodeterminação do indiví- duo. Se o fato inquinado não mantiver
esse tipo de relação com o transtorno mental, o nexo causal deve ser negado. Em outras pa- lavras: o
fato tem de ser efeito de uma causa e essa causa será o transtorno mental ou uma de suas manifestações. Na clínica
fo- rense, isso ocorre com frequência nas psico- ses ou nas demências moderadas ou graves.
Entretanto, a conclusão da relação de causa- lidade não deve emergir apenas de tal diag- nose- o
que corresponderia, de fato, à ado- ção do critério estritamente biológico -, uma vez que, a depender das
diferente, do ponto de vista da
circunstâncias do evento, não se poderá evidenciar tal nexo. É
lei penal, a situação de doente mental grave que co- mete um delito em razão de sua enfermida- de e a
daquele que, apesar de apresentar grave quadro psiquiátrico, pratica um ato delitivo que nada tem
a ver com sua doença.
O nexo de
causalidade é
bem mais fácil
de ser
estabelecido
em relação
aos
pacientes
gravemente
doentes, pois
estes
exteriorizam
com facilidade sua
psicopatologia e fica evi-
dente a relação que houve
- se é que houve - com o
ato criminoso. Contudo, nas
psico- ses incipientes e
leves, em suas manifesta-
ções reativas e nas fases
iniciais do processo
demencial, essa tarefa
pode ser muito com- plexa.
Em relação às pessoas que se enqua- dram apresentando "perturbação da saúde mental", o
mesmo pode ser dito. Da mesma forma é difícil estabelecer o nexo de causa- lidade, bem como, mais ainda, é
muito raro que patologias dessa natureza possam ter relação com a prática de algum delito. Nes- se
sentido, não restam dúvidas em afirmar que a maioria dos laudos que opinam pela semi-imputabilidade de
um determinado agente decorre de uma má compreensão do critério biopsicológico e de sua aplicação
fo- rense, pois, com as devidas cautelas e reser- vas, é possível dizer que ninguém comete um delito
devido a sua neurose, parafilia ou transtorno de personalidade, ou, se o prati- cou, que tivesse sua
capacidade de entendi- mento ou de autodeterminação nem sequer parcialmente prejudicada pela
patologia mental. Assim, apenas em casos excepcio- nais se conseguirá demonstrar nexo de cau-
salidade entre a "perturbação" e o delito. Alguns casos de transtornos dissociativos, reação
intensa a estresse grave e reações de ajustamento poderiam ser incluídos entre estes após
cuidadoso exame das circunstân- cias. O mesmo pode ser dito sobre parafilias, psicopatias e
quadros borderline, com o acréscimo da dificuldade de se demonstrar que houve um prejuízo real da
autodetermi- nação ocasionado pela "perturbação”.
A semelhança dos
pacientes com
doença mental grave,
aqueles com retardo
mental moderado ou
grave não apresentam
maior dificuldade para
que o nexo com o delito
fique por si só
evidente. A depender
do grau de retardo,
pode-se até questionar
que te-
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que é diferente do efetivo conheci- mento do caráter criminoso do fato ou mesmo da possibilidade de posi- tivo
conhecimento de que o fato seja crime.
É evidente que os elementos
cognitivo e volitivo da ação delitiva se
integram de for- ma harmoniosa
quando da prática do crime ou de
qualquer outra ação humana autôno- ma e
deliberada. Entretanto, como a lei dis- tingue
esses dois fatores, é necessário que o
perito também os distinga no caso
concre- to e avalie os indícios que
apontam no senti- do de preservação,
redução ou abolição, tanto da
capacidade de entendimento quan-
to da de autodeterminação.
Na análise da capacidade de entendimen-
to quando da prática do delito, além de
pes- quisar o funcionamento intelectual do
exa- minando, em especial o seu nível de
inteli- gência e abstração do pensamento,
deve-se estabelecer seu estado de consciência e
orien- tação, bem como sua memória e
atenção. Além disso, a presença de sintomas
clara- mente denotativos de quebra do
teste de rea- lidade - delírios e
alucinações - pode ser ele- mento
semiológico importante para que o pe- rito
consiga se pronunciar sobre esse ponto.
▷ A
capacidad
e de
autodete
rminação
A
capacidade
de
autodeterm
inação é a
"ca-
pacidade
de dirigir a
conduta de
acordo
com
o entendimento ético-jurídico".10 Corres- ponde ao elemento volitivo da ação humana. Observe-se o que Nelson
Hungria1o comple- menta sobre esse ponto:
É a capacidade do homo medius no sentido de uma suficiente força de vontade para resistir ao impulso para a
ação e agir em conformidade com a consciência ético-jurídica geral. É a capacidade de resistên- cia
ou de inibição ao impulso crimi- noso. Não se trata de autodetermi- nação no sentido filosófico, mas no
sentido empírico ou da vida ha- bitual. Pode ser razoável ou ade- quado o entendimento do agente so- bre a
significação do seu ato, mas um defeito de vontade (resultante de estado psíquico mórbido) impede- o de
dirigir sua conduta como devia corresponder a esse entendimento. É, em última análise, a capacidade de ajustar a ação aos
motivos, a faculdade de agir normalmente, de conformar a conduta a motivos ra- zoáveis. (Grifos nossos.)
Conforme se pode inferir, a avaliação do elemento volitivo é bem mais difícil de ser realizada do que a do elemento cognitivo, estando
sujeita a maiores imprecisões e sub- jetividades. De qualquer forma, é essencial que o perito distinga semiologicamente um
impulso irresistível de um impulso não resis- tido, posto que, no último caso, o agente apenas satisfaz seu ânimo delitivo para
sa- tisfação própria, sem qualquer movimento psíquico para freá-lo. Nesse sentido, é inte- ressante o que a literatura forense
norte- -americana denomina the policeman at elbow test, ou seja, o teste do policial ao cotovelo.11 Por tal critério, deve-
se investigar o que faria o examinando se estivesse por perto um
policial ou mesmo outras pessoas com con- dições de evitar sua conduta ou de futura- mente fornecer dados sobre sua identidade.
RESPONSABILIDADE PENAL NO CÓDIGO PENAL MILITAR
O CPM, em seu artigo 48,2 ao definir a im- putabilidade penal dos que praticam crimes militares, adota, de forma similar ao CP, o
critério biopsicológico, prescrevendo:
Não é imputável quem, no momento da ação ou da omissão, não possui a capacidade de entender o caráter
ilícito do fato ou de determinar- se de acordo com esse entendimento, em virtude de doença mental, de desenvolvimento
mental incompleto ou retardado.
--
Parágrafo único Se a doença ou a deficiência mental não suprimem, mas diminuem consideravelmente a capaci- dade
de entendimento da ilicitude do fato ou a de autodeterminação, não fica excluída a imputabilidade, mas a pena pode ser
atenuada, sem prejuízo do disposto no art. 113.
Como pode ser percebido, são usados os mesmos termos da lei penal comum: "doença mental", "desenvolvimento mental retardado" e
"desenvolvimento mental in- completo", o que não oferece dificuldades. Mas a lei militar fala também em "deficiên- cia mental" e omite menção a
"perturbação da saúde mental". Pode-se interpretar, de forma pacífica, "deficiência mental" como equivalente a "desenvolvimento
mental re- tardado" e aplicar àquela expressão a her- menêutica destinada à última.
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PERÍCIA DE IMPUTABILIDADE PENAL
PERÍCIAS CRIMINAIS
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esforços bem-sucedidos no tratamento de
sua patologia mental ou comportamental.
Assim, seguindo orientação de política cri-
minal, em vez de serem enviadas a um cárce- re
comum, teriam a pena privativa de liber-
dade "substituída pela internação, ou trata-
mento ambulatorial, pelo prazo mínimo de 1
(um) a 3 (três) anos" segundo a regra do
CP ou, então, nos termos do CPM, “substi-
tuída pela internação em psiquiátrico anexo
ao manicômio judiciário ou ao estabeleci-
mento penal, ou em seção especial de um
ou de outro".
Para o alcance desse dispositivo, é neces- sário a
princípio ter claro que a substituição da pena
imposta ao semi-imputável por "es- pecial tratamento
curativo" não se faz de forma automática. É
imprescindível, primei- ro, que haja um "especial
tratamento curati- vo" para a condição apresentada
pelo crimi- noso. Portanto, é um tema que pode e deve
ser abordado na perícia de imputabilidade quando a
conclusão for pela redução parcial da capacidade de
entendimento ou de auto- determinação do periciado.
Dessa forma, o peritose adianta a uma questão
que possi- velmente seria logo mais levantada, a da
even- tual existência de um "especial tratamento cu-
rativo” para aquele determinado caso.
Outro ponto relevante é a interpretação que deve
ser dada às palavras "especial" e "curativo", já
que "tratamento" deve ser considerada em sua
acepção mais ampla, qual seja, a de qualquer
abordagem dirigida para minorar ou aliviar
determinada condi- ção clínica. "Especial"
significa, no caso, um programa de tratamento
penitenciário para determinada condição, como, por
exemplo, programas de reeducação de psicopatas e de
criminosos sexuais. Entretanto, em nos- so entender, pode
ser aplicado também a quaisquer programas de
tratamento ordina- riamente disponíveis no
sistema penitenciá- rio, posto que a melhor
interpretação da lei
é a que favorece a condição de saúde do, a essas alturas, interno.
Assim, a chave da in- terpretação desse dispositivo reside no adje-
tivo "curativo". A lei não aceita qualquer tipo de tratamento como
substitutivo da pena privativa de liberdade, mas apenas aquele que
seja "curativo". Novamente, en- tende-se que a interpretação da
expressão deve ser liberal, compreendendo as alterna- tivas
terapêuticas que possam melhorar a condição clínica do interno de
forma efetiva ou tratar de maneira eficaz a sintomatologia apresentada.
Tal hermenêutica pode favore- cer pessoas com retardo mental leve e
com déficits cognitivos leves, que se beneficia- riam de estar em um
ambiente protegido e terapêutico em vez de cumprirem pena em um
cárcere comum. Alguns casos de trans- tornos neuróticos, bem como
personalidades do tipo borderline, também poderiam ser be-
neficiados com a aplicação desse dispositivo.
Criminosos com personalidade
antisso- cial ou com
características psicopáticas, bem
como pedofilos, não poderiam se
beneficiar desse dispositivo, pois,
como regra, não preenchem os
requisitos do critério biopsi-
cológico para serem considerados
semi-im- putáveis. Além disso, os
tratamentos dispo- níveis para
essas condições, além de não
se- rem "curativos", nem sequer
são "eficazes".
A CONCLUSÃO PERICIAL
Ao realizar uma avaliação pericial de im- putabilidade e, na sequência, redigir seu re- latório médico-legal, deve o perito observar
certa ordem lógica e cronológica. O algorit- mo, pois, que deve seguir, é o seguinte:
1) Há
transtorno
mental?
2) Esse
transtorno
mental
estava
presen- te à
época do
delito?
Caso não
houves-
se transtorno
mental à época dos
fatos, a avaliação
pericial estaria
praticamen- te
concluída, pois o
fundamento basilar
do critério
biopsicológico não se
faz pre- sente.
3) Qual o diagnóstico? Deve-se formular o
diagnóstico clínico e indicar seu códi- go
de acordo com a CID-10, que é a
classificação oficialmente adotada no
Brasil. Após o diagnóstico, convertê-lo à
terminologia jurídica: "doença men-
tal" ou "desenvolvimento mental retar-
dado", de acordo com o CP ou o CPM;
"perturbação da saúde mental",
confor- me o CP; ou "deficiência mental",
se- gundo o CPM.
4) Devido ao
transtorno mental
diagnosti- cado,
qual o estado
da capacidade
de entendimento
à época dos
fatos? Nor- mal,
abolida, reduzida.
5) Devido ao
transtorno
mental diagnosti-
cado, qual o
estado da
capacidade de
determinação à
época dos
fatos? Nor- mal,
abolida, reduzida.
Dessa forma, o perito estará apto a emi- tir
sua opinião final, que deverá se restringir
sempre aos aspectos médico-legais do caso
sem adentrar a área de competência do
ma- gistrado. Não deverá, pois, finalizar seu
lau- do afirmando que o periciado é
imputável ou inimputável ou que se enquadra ou
não em tal ou qual artigo de lei. Essas são
ques- tões jurídicas e não técnicas - estranhas,
portanto, ao lavor pericial. Trata-se do que a
literatura forense anglo-saxã denomina
ultimate question, que só deve ser
respondi- da pelo júri.
Assim, além da
formulação básica em
caso de imputabilidade
plena - o periciado era,
ao tempo da ação (ou
da omissão), ple-
namente capaz de
entender o caráter ilícito
do fato e de determinar-se
de acordo com esse
entendimento -, se o
perito tiver reali-
zado sua avaliação de acordo com a norma do CP, terá, ainda, as seguintes alternativas:
1) O
periciado, por
doença mental,
era, ao tempo
da ação (ou da
omissão), intei-
ramente incapaz
de entender o
caráter ilícito do
fato.
2) O periciado, por
doença mental,
era, ao tempo da
ação (ou da omissão),
intei- ramente
incapaz de se
determinar de acordo
com o entendimento do
caráter ilícito do fato.
3) O periciado, por doença
mental, era, ao tempo da
ação (ou da omissão),
intei- ramente incapaz de
entender o caráter ilícito do fato e
de se determinar de acordo com esse
entendimento. 4) As mesmas
formulações em 1, 2 e 3, pa-
ra "desenvolvimento mental
retarda- do".
5) O periciado,
em virtude de
perturbação da
saúde mental, não
era inteiramente
capaz de entender
o caráter ilícito do
fato.
6) Opericiado,
em virtude de
perturbação da
saúde mental,
não era
inteiramente
capaz de se
determinar.
7) O
periciad
o, em
virtude
de
perturb
ação
da saúde mental,
não era
inteiramente
capaz de
entender o
caráter ilícito do
fato e de se
determinar de
acordo com esse
entendimento.
8) As
mesmas
formulações
em 5, 6 e 7,
para
"desenvolvime
nto mental
retarda- do".
Se a avaliação foi realizada de acordo com a regra do CPM, sua opinião final pode- rá ser expendida como segue:
1) O periciado, por doença mental, não possuía, ao tempo da ação (ou da omis- são), capacidade de entender o caráter ilícito do
fato.
154
44
PERÍCIA DE IMPUTABILIDADE PENAL
2) O periciado,
por doença mental,
não possuía, ao
tempo da ação
(ou da omis- são),
capacidade de se
determinar de acordo
com o entendimento do
caráter ilícito do fato.
3) O periciado, por doença
mental, não possuía, ao tempo
da ação (ou da omis- são),
capacidade de entender o
caráter ilícito do fato e de se
determinar de acordo com esse
entendimento. 4) As mesmas
formulações em 1, 2 e 3, para
"desenvolvimento mental
retar- dado".
5) O periciado,
em virtude de
doença men- tal,
tinha diminuída
consideravelmente
sua capacidade
de entendimento
da ilicitude do fato.
6) O periciado, em
virtude de doença
men- tal, tinha
diminuída
consideravelmente
sua capacidade de
autodeterminação
de acordo com o
entendimento da
ilicitude do fato.
7) O periciado, em virtude
de doença men- tal, tinha
diminuída consideravelmente
sua capacidade de
entendimento da
ilicitude do fato e de
autodeterminação de acordo com
esse entendimento. 8) As
mesmas formulações em 5, 6
e 7, para "deficiência
mental".
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Δ
8
PERICIA DE DEPENDÊNCIA QUÍMICA
JOSE G.
V.
TABORD
A
GABRIE
LA DE
MORAES
COSTA
MIGUEL
CHALUB
PONTOS-CHAVE
• A
apuração da
imputabil
idade do
agente
que tenha
cometido
um delito
em razão
de
dependênci
a ou sob
efeito de
droga é
realizada
de acordo
com o
critério
biopsicoló
gico.
À semelhança da
avaliação de
imputabilidade penal,
o perito deverá
verificar a existência
de transtorno mental (no
caso, decorrente do uso de
substância psicoativa),
o nexo de causa- lidade entre
o transtorno e o delito e
realizar percuciente
exame da capacidade de
entendimento e de
determinação. É
necessário que a
condição de estar
"sob o efeito [...] de
droga" seja
"proveniente de caso
fortuito ou força
maior" para o
reconhecimento da
inimputabilidade ou da
semi- - imputabilidade.
Aplica-se,
aos
indivíduos
que
cometeram
delitos
sob efeito
de álcool
ou de
outra
substância
psicoativa
, o
princípio
da actio
libera in
causa.
A condição de
embriaguez, seja
por álcool, seja
por "substância de
efeitos
análogos", pode
ser
classificada de
acordo com o tipo
(não acidental
ou acidental) e
com o grau da
embriaguez
(completa ou
parcial). Conforme
sua natureza, as
consequências
jurídico-penais
poderão sofrer
profundas
alterações.