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Preqiatric Forense
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Тобогов, Аз dball fille


Chalub
Zed
7
PERICIA DE
IMPUTABILIDADE PENAL
JOSE B. V TABORDA MIGUEL CHALUB
PONTOS-CHAVE
A avaliação da
imputabilidade é sempre
retroativa e visa a
avaliar o estado mental do
réu ao tempo da prática do
delito. A lei brasileira
adota o critério
biopsicológico para a
avaliação da
imputabilidade de um
agente. Por tal critério,
o réu deveria apresentar
um transtorno mental quando
da prática do crime e, em
razão desse transtorno
mental (nexo de
causalidade), ser
inteiramente incapaz de
entender o que fazia
(elemento cognitivo) ou
de determinar-se conforme
esse entendimento
(elemento volitivo).
A lei
brasileira
prevê a
possibilidade
de semi-
imputabilidad
e, categoria
na qual se
enquadram
aqueles que,
em razão de
transtorno
mental,
tinham
reduzida
capacidade de
entendimento
ou de
determinação
quando da
prática do
crime.
O
diagnós
tico de
doença
mental,
mesmo
grave,
por si
só não
implica
que o
agente
seja
inimputá
vel.
A emoção e
a paixão,
se não
forem
manifesta
ções
sintomáti
cas de
algum
transtorno
mental, não
têm qualquer
relevância
para a
determinaç
ão da
imputabili
dade do
réu.
A
substituição
da pena
reduzida
imposta ao
semi-
imputável por
medida de
segurança de
tratamento
psiquiátrico
somente se
justifica
quando houver
"especial
tratamento
curativo" para
o transtorno
mental que o
agente
apresenta.
140
PERÍCIA DE IMPUTABILIDADE PENAL
PERÍCIAS CRIMINAIS
141
VINHETA
se

Gabriel é um jovem adulto de 21 anos, branco, de classe média, que está no 2o ano de Engenharia Civil.
Foi uma criança quieta e bastante retraída. Na adolescência, teve poucos amigos, apenas uma namorada e
não costumava sair em turma ou frequentar baladas. Quando o fazia, precisava tomar bebidas alcoólicas para
soltar. Recentemente, tem frequentado uma igreja cristã não tra- dicional e demonstrado preocupação com seu
nome, relacionando-o com o do arcanjo Gabriel. Indagou diversas vezes aos pais a razão de sua escolha, não se
satisfazendo com a explicação que rece- bia. Gabriel, aos poucos, passou a se considerar um mensageiro
de Deus, alguém que anunciava boas e más notícias por determinação divina. Os pais, apesar de
estranharem o comportamento do filho, não o valorizaram a ponto de buscar ajuda médica. Um determinado dia, o
rapaz dirigiu-se ao quarto do casal, no qual sua mãe se encontrava só, e anunciou-lhe que ela receberia a
visita de Deus, de quem geraria um filho. A seguir, tentou manter relações sexuais com a mãe e,
diante de sua recusa e pavor, atacou-a com uma faca que trazia escondida à cintura. Após matá-la, dirigiu- -se
a um parque nas imediações de sua casa onde buscou refúgio da ira divina.
Neste capítulo, será abordada a mais rele- vante perícia psiquiátrica em matéria crimi- nal, a de imputabilidade, ou responsabilida- de
penal, cujo fundamento se encontra no artigo 26, em seu parágrafo único, do Códi- go Penal (CP).1 Serão examinados os diver- sos
elementos que constituem a imputabili- dade e como devem ser investigados. Além disso, será apresentado e discutido o concei- to
de imputabilidade de acordo com o Códi- go Penal Militar (CPM),2 que segue os mes- mos princípios da norma geral. A
perícia de dependência química e de embriaguez, que tem íntima relação com o tema da imputa- bilidade, será abordada no Capítulo
8.
CONCEITO DE CRIME
Para bem realizar uma
perícia de imputabi- lidade
penal, deve o psiquiatra
ter uma clara noção do
conceito de crime, pois
assim po- derá entender melhor
os limites e a finali- dade do ato
que realizará. As definições
de crime entre os tratadistas
de direito penal, como se
pode imaginar, são
abundantes,
mas, de uma forma ou outra,
convergem pa- ra a ideia de
que crime é toda ação ou
omis- são típica,
antijurídica e culpável.3
Nessa construção simples
estão contidos seus prin-
cipais elementos definidores,
com os quais os operadores do
direito se devem haver. Assim,
para que haja crime é
necessário que: a) o fato
lesivo decorra de uma ação
ou omissão humanas; b)
que o fato pratica- do seja
típico, isto é, previamente
descrito na lei penal; c) que
seja também antijurídico, posto
que alguns fatos típicos
podem não ser antijurídicos,
como, por exemplo, matar
alguém em legítima defesa; e
d) que o ato seja culpável, quer
por meio da modalidade do
dolo, quer da culpa.
Dos elementos descritos, deflui que se pode vislumbrar na estrutura do conceito de crime um
componente objetivo e outro subjetivo. A parte objetiva compõe-se da ti- picidade e da
antijuridicidade. Se apenas es- sas duas variáveis estiverem presentes, já se pode
afirmar que, desde um ponto de vista estritamente material, ocorreu um delito. Tome-se
como exemplo matar alguém sem estar ao abrigo de uma excludente de anti- juridicidade
(estado de necessidade, legíti- ma defesa, exercício regular de um direito ou estrito
cumprimento do dever legal). O ilícito em si houve, mas isso não implica que obrigatoriamente o
na esfera penal. É necessário, para tal, que o
agente será responsabi- lizado
elemento subjetivo também mar- que presença. Entretanto, antes de perquirir se o
acusado agiu com dolo ou culpa, a cul- pabilidade, é necessário que se estabeleça a
capacidade de imputação, ou imputabilida- de, dessa pessoa. Assim, temos que o ele- mento
subjetivo do delito é formado pelo binômio "imputabilidade + culpabilidade".+ Com essa
"equação do crime" em mente, fica mais claro para o perito quais os objeti- vos e limites de
sua atuação ao realizar uma perícia de imputabilidade penal.
IMPUTABILIDADE E RESPONSABILIDADE PENAL
Todo indivíduo que comete um delito - ação ou omissão tipificadas no CP ou na Lei de
Contravenções Penais (LCP) - deve res- ponder perante a Justiça
por aquilo que praticou. Responsabilidade penal significa, assim, a
obrigação de arrostar judicialmente as consequências de um ato
praticado, ato este considerado um crime ou uma contra- venção pela lei
vigente. Ao que pratica a ação ou omissão ilícitas, a Justiça imputa, se
culpado, o dever de responder por elas, tornando-se assim o agente
responsável. Esse é o sentido de imputabilidade: faculda- de de
alguém de ser chamado à responsabili- dade. Ainda que ambos os
conceitos possam se confundir, são distintos em seu significa- do mais
preciso. A imputabilidade é uma pré-condição para que seja
apreciada a cul- pabilidade do agente, enquanto a responsabi- lização
somente ocorrerá quando, imputá- vel o agente, vier este a ser declarado
culpa- do. A responsabilidade é, pois, uma decor- rência da
imputabilidade e da culpabilidade.
Dessa forma, deve-se salientar que a re- forma penal
de 1984, ao disciplinar o novo Título III do CP,
adotou uma solução tecni- camente mais precisa.
Observe-se que, no código anterior, o Título III tratava
"Da Responsabilidade" e definia os "Irresponsá-
veis" em seu artigo 22.6 No atual, ocupa-se "Da
Imputabilidade Penal" e conceitua os
"Inimputáveis" no artigo 26.' Assim, como a
essência de ambos os artigos é quase a houve mera
troca de expressões equivalentes -, a mais notável
alteração de um código para o outro foi o nomen
juris adotado pelo legislador, o que consistiu em
adequada escolha.
mesma
-

A IMPUTABILIDADE PENAL SEGUNDO A LEI BRASILEIRA


A lei brasileira prevê duplo critério para considerar um agente inimputável. O pri-
142
44
PERÍCIA DE IMPUTABILIDADE PENAL
meiro deles é muito singelo,
o cronológico, e consta do
artigo 27 do CP, que diz: "Os
menores de 18 (dezoito) anos
são penal- mente
inimputáveis, ficando sujeitos às
nor- mas estabelecidas na
legislação especial".1
Apesar da relevância social
da criminalida- de
adolescente, a apreciação da
imputabili- dade por esse
prisma não será aqui
realizada.
O segundo critério é o dito biopsicológi- co, constante do artigo
26 e do parágrafo único do CP. Esse artigo trata do caso de
agentes maiores de idade que não podem. ser
responsabilizados, ou o são apenas par- cialmente, embora
tenham cometido um cri- me. Na primeira hipótese, constante do
ca- put do artigo, terão sua imputabilidade abo- lida, e, na
segunda, prevista no parágrafo único, diminuída. Assim, ao lado
de infrato- res menores, sujeitos a tratamento jurídico especial, a
lei declara isentos de pena, sob certas condições, os que
cometem ação ou omissão criminosa e apresentam transtor- nos
mentais, bem como, também sob certas condições especiais, a redução
da pena res- pectiva para algumas formas de transtorno mental. O
critério biopsicológico é o que se- rá examinado ao longo deste
capítulo.
Coerente com o modelo de "equação do crime"
antes mencionado, a lei não afirma que "não há crime",
como nos casos de ex- clusão de antijuridicidade
(art. 23 do CP: estado de necessidade,
legítima defesa, es- trito cumprimento de
dever legal ou exercí- cio regular de direito),1
mas que o agente "é isento de pena",
reconhecendo assim que objetivamente houve
ação ou omissão típica e antijurídica, mas aquele
que a praticou não responderá por ela e, em razão
disso, o fato não lhe será imputado. Caso venha a
ser considerado imputável, poderá vir a ser res-
ponsabilizado mediante ação penal.
CRITÉRIOS De Avaliação DA IMPUTABILIDADE PENAL
Além do critério cronológico, as legislações modernas têm tradicionalmente três crité- rios para avaliação da imputabilidade, o bio- lógico, o
psicológico e o biopsicológico. O CP brasileiro,' conforme mencionado, por meio do artigo 26 adota o critério biopsicológico, ao
dispor sobre a matéria da seguinte forma:
É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado,
era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de
acordo com esse entendimento.
Nav
06
словно
A pena pade so
Parágrafo único reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação da saúde mental ou por
desenvolvi- mento mental incompleto ou retarda- do, não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato
ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Se dúvidas houvesse sobre a adoção do critério biopsicológico pelo artigo 26 e seu parágrafo, a exposição de motivos da parte
geral do CP de 1940° expressamente as dissi- paria, como se pode constatar por meio do trecho a seguir:
Na fixação do pressuposto da res- ponsabilidade penal (baseada na ca- pacidade de culpa moral), apresen- tam-se
três sistemas: o biológico
D

de
Crven

predlogica
Basto de
‫کا مجھے‬

+ não precise haver un perderben beds


PERÍCIAS CRIMINAIS
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biopsicolóxico dew to a exfermedad melt- anto


3

ou etiológico (sistema francês), o psicológico e o biopsicológico. O sistema biológico condiciona a


responsabilidade á saúde mental à normalidade da mente. Se o agente é portador de uma enfermidade ou
grave deficiência mental deve ser declarado irresponsável sem neces- sidade de ulterior indagação
psico- lógica. O método psicológico não indaga se há uma perturbação men- tal mórbida: declara a irrespon-
sabilidade se, ao tempo do crime, estava abolida no agente, seja qual for a causa, a faculdade de apreciar a
criminalidade do fato (momento intelectual) e de determinar-se de acordo com essa apreciação (momento
volitivo). Finalmente, O método biopsicológico é a reunião dos dois primeiros: a responsabilidade só é
excluída, se o agente, em razão de enfermidade ou retardamento men- tal, era, no momento da ação, inca- paz de
entendimento ético-jurídico e autodeterminação.
O método biológico, que é o inculca- do pelos psiquiatras em geral, não merece adesão: admite aprioristi- camente um
nexo constante de causa- lidade entre o estado mental pato- lógico do agente e o crime: coloca os juízes na absoluta
dependência dos peritos médicos, e, o que é mais, faz tábula rasa do caráter ético da responsabilidade. O
método puramente psicológico é, por sua vez, inaceitável, porque não evita, na prática, um demasiado arbítrio
judicial ou a possibilidade de um extensivo reconhecimento da irres- ponsabilidade, em antinomia com o interesse da
defesa social.
Lament
avelmen
te, a
exposiç
ão de
moti- de
vos da parte geral do CP
de 19841 é paupér- rima
em comparação a sua
antecedente de
denters 1940 e, entre outras
omissões, não aborda aantoo
questão da
inimputabilidade. O
intérprete cook pode, no
entanto, valer-se do texto de
1940 erosene em razão da
similitude conceitual entre o artigo
22 do código anterior e o
artigo 26 do atual código.
Apesar do brilho da exposição de moti- vos de 1940, que é quase um tratado de
di- reito penal, discorda-se do expositor ao afir- mar que o critério biológico “é o
inculcado pelos psiquiatras", posto que os psiquiatras, em especial os forenses,
devem ser meros auxiliares da aplicação da lei, e não seus "in- culcadores". De
qualquer forma, a observa- ção, em seu âmago, está correta, pois adota- do o
critério biológico e bastando a declara- ção pericial de existência de transtorno men- tal
para a elisão da imputabilidade, o perito se tornaria o juiz da causa, o que evidente-
mente transpassaria suas funções técnico- científicas. Além disso, em muitos e nume- rosos
casos, o transtorno mental não elimi- na ou nem sequer diminui as faculdades cog-
nitivas ou volitivas, não havendo razões de patologia mental para que o agente seja
avaliado como inimputável. Uma pessoa com transtorno psicótico pode cometer um
crime e, apesar de sua patologia mental, ter plena capacidade de entender que sua
ação é reprovável e ter inteira noção de que po- deria se conduzir de outro modo,
não ilícito.
O critério psicológico, por sua vez,
não atentando para a existência
de patologia mental, mas
perscrutando apenas a motiva- ção
psíquica e só levando em conta a
capaci- dade intelectiva e a volitiva,
tornaria a ava- liação
pericial muito
subjetiva-mais do que ela
inevitavelmente já o é-, além de
facilitar a aceitação de qualquer
ação ou omissão hu- manas para as
quais houvesse um ou mais fatores que
se desviassem da conduta social
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44
PERÍCIA DE IMPUTABILIDADE PENAL
e culturalmente esperada.
Se adotado, volta-
ríamos ao tempo da
famosa "privação de
sentidos", que, sem nada
dizer sob o ponto de
vista médico-
psicológico, tanto
sucesso obteve nos
tribunais sob a égide do
primeiro Código Penal da
República.
O critério
biopsicoló
gico exige,
pois, a
pre- sença
dos
seguintes
requisitos:
o elemento biológico, ou
causal, repre- sentado no
texto legal pelas expressões
"doença mental",
"perturbação da saú- de
mental" e "desenvolvimento mental
incompleto ou retardado".
Pela nomen- clatura médica
atual, todas essas expres- sões
estão subsumidas no conceito de
"transtorno mental";
o elemento psicológico, ou
consequen- cial, que requer o
prejuízo, total ou par- cial, da
capacidade de "entender o cará- ter
ilícito do fato" ou "de determinar-se de acordo
com esse entendimento". Tra- ta-se dos
componentes cognitivo (enten-
dimento) e volitivo (determinação)
que orientam a conduta humana autônoma;
o elemento cronológico, ou seja, a
veri- ficação desses requisitos
descritos no momento da prática do
delito.
Somente com a positivação dessas variá- veis é que se poderá considerar satisfeito o critério biopsicológico da lei penal brasileira.
APLICAÇÃO PSIQUIÁTRICO- -FORENSE DO CRITÉRIO BIOPSICOLÓGICO
De posse do referencial teórico descrito, pa- ra que haja a correta e adequada aplicação do critério biopsicológico da imputabilida- de,
devem ser, então, estabelecidos os se- guintes pontos:
Verificação da existência ou não de
trans- torno mental. O exame de sanidade men-
tal deverá avaliar se o acusado apresen-
tava transtorno mental à época do fato, e,
em caso afirmativo, qual transtorno.
Constatação de nexo ou relação de
cau- salidade. É necessário que entre
o trans- torno mental e o fato indigitado
haja uma relação de causa e efeito, ou seja,
a ação ou omissão delituosa é consequên-
cia ou expressão sintomatológica do
transtorno mental.
Avaliação da
capacidade de
entendimen- to. Se
presente o transtorno
mental e se o fato criminoso
está a ele conectado, é
necessário verificar se tal
situação aboliu oureduziu, à
época do crime, a
capacida- de de entendimento
do caráter ilícito da ação ou
omissão.
Avaliação da
capacidade de
determinação. Uma vez
normal a capacidade de
enten- dimento e
presentes o
transtorno mental e o
nexo de causalidade, por
fim, se ocor- reu a
abolição ou redução da
capacidade de
determinação ou de
autogoverno.
Para que tais objetivos sejam alcançados, além da anamnese psiquiátrica do exami- nando, com boa colheita de história clínica, pessoal e
familiar, bem como a realização de todos os exames e avaliações comple- mentares que se fizerem necessários, é im- portante que o
examinador preste especial atenção à criminogênese e à criminodinâmica do caso, que são métodos seguros para in- vestigar a
imputabilidade do agente. A cri- minogênese preocupa-se em esclarecer o porquê do comportamento criminoso. Pode
corresponder à própria psicopatologia cri- minal, como é o caso do sujeito que informa haver praticado tal ação sob comando da voz
divina. A criminodinâmica é o estudo do comportamento do indivíduo durante o iter criminis. Devem-se esmiuçar suas ativi-

doence menda a preces pendabas menino


PERÍCIAS CRIMINAIS
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- sourase, paralitico fcom barn depens mid to Now after a


guing de salidade
dades antes, durante e
depois do fato. Pode- -se
dizer que seja uma
espécie de lévanta- mento
do "teatro do crime".
Como, quando, com quem,
contra quem, como se
encontra- va
no local,
como lá chegou, o que
fez logo após. As
respostas a essas
questões fornece- rão
valiosos subsídios aos peritos.
A seguir,
serão
examinad
as, uma a
uma, as
variáveis
ora
discriminada
s.
▷O
transto
rno
mental
Transtorno mental não é uma expressão utili- zada pelo
Código Penal, mas pela Organiza- ção Mundial da
Saúde (OMS) em sua Clas- sificação de
transtornos mentais e de compor- tamento
(CID-10). Igualmente, é a tradu- ção para o português
de mental disorders, termo genérico empregado pela
American Psychiatric Association em seu Manual
diag- nóstico e estatístico de transtornos mentais, o DSM-IV-
TR.? Engloba, dessa forma, as qua- tro categorias previstas
pelo Código Penal - doença mental, perturbação da
saúde mental, desenvolvimento mental retardado e
desenvolvimento mental incompleto -, embora a última
não configure propriamen- te uma anomalia mental.
Observe-se, a se- guir, cada um desses casos.
Doença mental
O termo "doença mental” usado pelo CP exige algumas ponderações. A psiquiatria sempre se valeu de tal expressão e equiva- lentes
(enfermidade mental, moléstia men- tal, distúrbio psíquico e outras) para desig- nar toda e qualquer anormalidade que aco-
metesse o psiquismo, desde um simples pro- blema de ajustamento até grave e irreversí- vel deterioração mental, como ocorre
nas demências. No entanto, percebe-se na expo- sição de motivos da parte geral do CP, na
doutrina dos autores que trataram da maté- ria e na jurisprudência, que “doença men- tal" para o CP tem um sentido muito mais
restrito: refere-se aos casos de “alienação mental", a qual compreende apenas as pa- tologias mentais graves, como psicoses e de-
mências. Ficam excluídos do conceito legal de "doença mental", pois, os transtornos de personalidade, as parafilias e todos os
qua- dros classicamente denominados neuroses. Dessa forma, teria sido melhor e mais preci- so a utilização direta pelo legislador da ex- pressão
“alienação mental", como, aliás, já 2015 o faz, em outros contextos legais, como o das legislações de servidores públicos e o da
previdência social. De qualquer modo, é consensual que a "doença mental" do CP se refere a situações nas quais exista, em grau maior
ou menor, a alienação mental. Uma discussão mais ampla sobre alienação mental pode ser vista em capítulo próprio deste livro, mas
se pode acrescer que, para sua configuração, é fundamental a ocorrên- cia do comprometimento do juízo de realida- de, quadro que se
desdobra em muitos sinais e sintomas cognitivos, afetivos, volitivos e valorativos que não serão aqui menciona- dos, bastando lembrar as
alucinações e as ideias delirantes.
Perturbação da saúde mental "Perturbação da saúde mental" não corres- ponde a uma categoria psiquiátrica, mas é
expressão utilizada pela lei penal. Observe- -se qual o objetivo do legislador com sua adoção por meio, novamente, da exposição de
motivos da parte geral do CP de 1940:"
O projeto teve em vista, aqui, prin- cipalmente, os chamados fronteiri- ços (anormais psíquicos,
psicopa- tas). É conhecida a controvérsia
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que esses indivíduos suscitam no campo da Psiquiatria. Ora, são de- clarados verdadeiramente loucos, e,
portanto, irresponsáveis; ora, se diz que são apenas semiloucos e reconhece-se a sua imputabilidade restrita; e,
finalmente, não falta quem afirme, com indiscutível auto- ridade, a sua nenhuma identidade com os insanos mentais.
Afora a nomenclatura, que expressava a
realidade psiquiátrica da década de
1930, observa-se que o legislador
desejava, nessa categoria, englobar todos
os transtornos mentais que não implicassem
quebra do juí- zo de realidade, ou seja, os
quadros psiquià- tricos menos graves. A
jurisprudência e a doutrina médico-legal
confirmam essa orientação e interpretam
o dispositivo legal como congregando os
transtornos de perso- nalidade, as parafilias e
as ditas neuroses. hood: Love ente do
crane
7

Desenvolv
imento
mental
retardado
Met d
A interpretação do que seja "desenvolvi- mento mental retardado" não oferece maior dificuldade: trata-se da deficiência mental, oligofrenia
ou retardo mental. Uma vez que essa entidade nosológica admite níveis de acometimento de intensidades diversas - desde a inteligência
fronteiriça ou subnor- mal até graves casos de encefalopatia crôni- ca irreversível-, entende-se que o legislador a tenha utilizado tanto
no caput quanto no parágrafo único do artigo 26 do CP, pois in- divíduos com essa condição apresentam psi- copatologia extremamente
díspar. A ques- tão médico-legal mais importante em rela- ção a esses sujeitos será, pois, a avaliação do nexo de causalidade e de se o retardo
men- tal chegou a comprometer as capacidades de entendimento e de autodeterminação.
Desenvol
vimento
mental
incomp
leto
"Desenvolvimento mental incompleto" é categoria reservada para certos casos espe- ciais que, embora não
sejam propriamente transtornos mentais, têm com eles a identi- dade de também poder comprometer as ca- pacidades
de entendimento ou de determi- nação. É oportuno lembrar que essa expres- são do CP remonta
a 1940, época em que a grande maioria da população era analfabe- ta, a maior parte dos silvícolas não era acul-
turada e os meios audiovisuais de comunica- ção de massa eram inexistentes, posto que a radiodifusão era incipiente no
Brasil. Pre- dominavam, nos rincões afastados dos gran- des centros urbanos, a cultura local e as leis particulares,
sendo quase ficção a ideia de "Estado Nacional". Podem ser enquadrados nessa categoria silvícolas não
adaptados, deficientes visuais e/ou auditivos com total ou quase total impossibilidade de comunica- ção e
incorporação de conhecimento, e pes- soas com tal grau de primitivismo, rudeza ou incivilidade
das quais seria lícito questio- nar as capacidades intelectiva e volitiva, ain- da que não sejam tecnicamente
deficientes mentais. Na prática clínica, essas pessoas, se submetidas a testes de avaliação de inteli-
gência, apresentam desempenho equivalen- te ao daquelas com retardo mental. É desne- cessário dizer
que essa categoria é encontra- da cada vez menos na prática forense, estan- do destinada ao armário das
antiguidades e velharias sem uso.
Em suma, considerando que os transtor- nos mentais e comportamentais podem ser incluídos em cinco grandes formas de adoe-
cimento psíquico (oligofrenias, demências, psicoses neuroses e parafilias e transtornos de personalidade), é possível fazer a
corres- pondência entre as expressões da lei e os À principais quadros psiquiátricos. A doença
Pendeba
mental correspondem as psicoses e as de- mências graves e moderadas; à perturbação da saúde mental, as demências iniciais, as
neuroses, as parafilias e os transtornos de personalidade; e, ao desenvolvimento men- tal retardado, as oligofrenias em
qualquer grau que se manifestem.
▷ O
nexo
de
causal
idade
De acordo com o critério biopsicológico, torna-se necessária a existência de um nexo causal entre o transtorno
ou seja, é necessário que este seja expressão daquele. A ação ou
mental e o delito cometido,
omissão prati- cadas devem ser um sintoma do transtor- no, assim como o serão os sintomas psicopa-
tológicos propriamente ditos. Além disso, o transtorno mental deve se manifestar de tal forma que tolde
a capacidade de enten- dimento ou de autodeterminação do indiví- duo. Se o fato inquinado não mantiver
esse tipo de relação com o transtorno mental, o nexo causal deve ser negado. Em outras pa- lavras: o
fato tem de ser efeito de uma causa e essa causa será o transtorno mental ou uma de suas manifestações. Na clínica
fo- rense, isso ocorre com frequência nas psico- ses ou nas demências moderadas ou graves.
Entretanto, a conclusão da relação de causa- lidade não deve emergir apenas de tal diag- nose- o
que corresponderia, de fato, à ado- ção do critério estritamente biológico -, uma vez que, a depender das
diferente, do ponto de vista da
circunstâncias do evento, não se poderá evidenciar tal nexo. É
lei penal, a situação de doente mental grave que co- mete um delito em razão de sua enfermida- de e a
daquele que, apesar de apresentar grave quadro psiquiátrico, pratica um ato delitivo que nada tem
a ver com sua doença.
O nexo de
causalidade é
bem mais fácil
de ser
estabelecido
em relação
aos
pacientes
gravemente
doentes, pois
estes
exteriorizam
com facilidade sua
psicopatologia e fica evi-
dente a relação que houve
- se é que houve - com o
ato criminoso. Contudo, nas
psico- ses incipientes e
leves, em suas manifesta-
ções reativas e nas fases
iniciais do processo
demencial, essa tarefa
pode ser muito com- plexa.
Em relação às pessoas que se enqua- dram apresentando "perturbação da saúde mental", o
mesmo pode ser dito. Da mesma forma é difícil estabelecer o nexo de causa- lidade, bem como, mais ainda, é
muito raro que patologias dessa natureza possam ter relação com a prática de algum delito. Nes- se
sentido, não restam dúvidas em afirmar que a maioria dos laudos que opinam pela semi-imputabilidade de
um determinado agente decorre de uma má compreensão do critério biopsicológico e de sua aplicação
fo- rense, pois, com as devidas cautelas e reser- vas, é possível dizer que ninguém comete um delito
devido a sua neurose, parafilia ou transtorno de personalidade, ou, se o prati- cou, que tivesse sua
capacidade de entendi- mento ou de autodeterminação nem sequer parcialmente prejudicada pela
patologia mental. Assim, apenas em casos excepcio- nais se conseguirá demonstrar nexo de cau-
salidade entre a "perturbação" e o delito. Alguns casos de transtornos dissociativos, reação
intensa a estresse grave e reações de ajustamento poderiam ser incluídos entre estes após
cuidadoso exame das circunstân- cias. O mesmo pode ser dito sobre parafilias, psicopatias e
quadros borderline, com o acréscimo da dificuldade de se demonstrar que houve um prejuízo real da
autodetermi- nação ocasionado pela "perturbação”.
A semelhança dos
pacientes com
doença mental grave,
aqueles com retardo
mental moderado ou
grave não apresentam
maior dificuldade para
que o nexo com o delito
fique por si só
evidente. A depender
do grau de retardo,
pode-se até questionar
que te-
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PERÍCIA DE IMPUTABILIDADE PENAL


PERÍCIAS CRIMINAIS
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149
nha ocorrido uma ação criminosa, da mes- ma forma que não se consideraria como um ato criminal o praticado por uma criança de
3 anos que matasse um irmãozinho com o revólver paterno guardado de forma descui- dada. De qualquer modo, as possibilidades
são diversas, tantas quanto a multiplicidade de manifestações psicopatológicas associa- das ou decorrentes de um retardo mental.
Assim, as pessoas com retardo grave ou mo- derado, em razão da fraca compreensão da realidade externa e da extrema
vulnerabili- dade a estressores ambientais, podem reali- zar com facilidade atos criminosos em de- corrência dessa fragilidade. Os pacientes
com retardo leve, entretanto, apresentam dificuldades bem maiores para a avaliação pericial, devendo ser considerados então
os efeitos da psicopatologia de base sobre sua cognição - e a relação dessa com o nível de complexidade do delito praticado - e
sobre sua autodeterminação, já que são muito mais suscetíveis a manipulação por terceiros.
▷ A capacidade de entendimento A capacidade de entendimento é a "possibi- lidade ou faculdade de compreender
que o fato é reprovado pela moral jurídica".10 Corresponde ao elemento cognitivo da ação humana. Observe-se que o CP de 1984
subs- titui a expressão “entender o caráter crimi- noso do fato" por "entender o caráter ilícito do fato". Tal alteração está de acordo com
a lição de Hungria,10 que interpretava essa incapacidade de entendimento de forma ampla, nos seguintes termos:
Não se trata aqui, da efetiva ou possível consciência da injuridi- cidade objetiva [...] mas da capa- cidade de
discernimento ético-ju- rídico in genere, no momento da ação ou omissão. Tal capacidade
deve ser entendida no sentido da possível consciência ético-jurídica normal ou comum. [...] Em outros termos: a
possibilidade de cons- ciência do dever ético é presunção da possibilidade de consciência do dever jurídico. [...]
Basta, assim, a capacidade de perceber que o fato seja possivelmente criminoso
-

que é diferente do efetivo conheci- mento do caráter criminoso do fato ou mesmo da possibilidade de posi- tivo
conhecimento de que o fato seja crime.
É evidente que os elementos
cognitivo e volitivo da ação delitiva se
integram de for- ma harmoniosa
quando da prática do crime ou de
qualquer outra ação humana autôno- ma e
deliberada. Entretanto, como a lei dis- tingue
esses dois fatores, é necessário que o
perito também os distinga no caso
concre- to e avalie os indícios que
apontam no senti- do de preservação,
redução ou abolição, tanto da
capacidade de entendimento quan-
to da de autodeterminação.
Na análise da capacidade de entendimen-
to quando da prática do delito, além de
pes- quisar o funcionamento intelectual do
exa- minando, em especial o seu nível de
inteli- gência e abstração do pensamento,
deve-se estabelecer seu estado de consciência e
orien- tação, bem como sua memória e
atenção. Além disso, a presença de sintomas
clara- mente denotativos de quebra do
teste de rea- lidade - delírios e
alucinações - pode ser ele- mento
semiológico importante para que o pe- rito
consiga se pronunciar sobre esse ponto.
▷ A
capacidad
e de
autodete
rminação
A
capacidade
de
autodeterm
inação é a
"ca-
pacidade
de dirigir a
conduta de
acordo
com
o entendimento ético-jurídico".10 Corres- ponde ao elemento volitivo da ação humana. Observe-se o que Nelson
Hungria1o comple- menta sobre esse ponto:
É a capacidade do homo medius no sentido de uma suficiente força de vontade para resistir ao impulso para a
ação e agir em conformidade com a consciência ético-jurídica geral. É a capacidade de resistên- cia
ou de inibição ao impulso crimi- noso. Não se trata de autodetermi- nação no sentido filosófico, mas no
sentido empírico ou da vida ha- bitual. Pode ser razoável ou ade- quado o entendimento do agente so- bre a
significação do seu ato, mas um defeito de vontade (resultante de estado psíquico mórbido) impede- o de
dirigir sua conduta como devia corresponder a esse entendimento. É, em última análise, a capacidade de ajustar a ação aos
motivos, a faculdade de agir normalmente, de conformar a conduta a motivos ra- zoáveis. (Grifos nossos.)

Conforme se pode inferir, a avaliação do elemento volitivo é bem mais difícil de ser realizada do que a do elemento cognitivo, estando
sujeita a maiores imprecisões e sub- jetividades. De qualquer forma, é essencial que o perito distinga semiologicamente um
impulso irresistível de um impulso não resis- tido, posto que, no último caso, o agente apenas satisfaz seu ânimo delitivo para
sa- tisfação própria, sem qualquer movimento psíquico para freá-lo. Nesse sentido, é inte- ressante o que a literatura forense
norte- -americana denomina the policeman at elbow test, ou seja, o teste do policial ao cotovelo.11 Por tal critério, deve-
se investigar o que faria o examinando se estivesse por perto um
policial ou mesmo outras pessoas com con- dições de evitar sua conduta ou de futura- mente fornecer dados sobre sua identidade.
RESPONSABILIDADE PENAL NO CÓDIGO PENAL MILITAR
O CPM, em seu artigo 48,2 ao definir a im- putabilidade penal dos que praticam crimes militares, adota, de forma similar ao CP, o
critério biopsicológico, prescrevendo:
Não é imputável quem, no momento da ação ou da omissão, não possui a capacidade de entender o caráter
ilícito do fato ou de determinar- se de acordo com esse entendimento, em virtude de doença mental, de desenvolvimento
mental incompleto ou retardado.
--

Parágrafo único Se a doença ou a deficiência mental não suprimem, mas diminuem consideravelmente a capaci- dade
de entendimento da ilicitude do fato ou a de autodeterminação, não fica excluída a imputabilidade, mas a pena pode ser
atenuada, sem prejuízo do disposto no art. 113.
Como pode ser percebido, são usados os mesmos termos da lei penal comum: "doença mental", "desenvolvimento mental retardado" e
"desenvolvimento mental in- completo", o que não oferece dificuldades. Mas a lei militar fala também em "deficiên- cia mental" e omite menção a
"perturbação da saúde mental". Pode-se interpretar, de forma pacífica, "deficiência mental" como equivalente a "desenvolvimento
mental re- tardado" e aplicar àquela expressão a her- menêutica destinada à última.
150
44

PERÍCIA DE IMPUTABILIDADE PENAL


PERÍCIAS CRIMINAIS
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151
A ausência,
entretanto, de
menção a
"perturbação da
saúde mental" causa
difi- culdades para
se estabelecer uma
analogia perfeita
entre essas duas
normas penais. A
solução será uma das
seguintes:
interpretar a expressão “doença men-
tal", quando no contexto do parágrafo único
do artigo 48 do CPM, em sentido mais
amplo, como sinônimo de "trans- torno
mental" e, assim, concluir que in- divíduos
com transtornos de personali- dade,
parafilias ou neuroses poderiam também, em
de sua
tese, ver reconhecida a di- minuição
imputabilidade desde que
apresentassem "considerável" pre-
juízo de sua capacidade de
entendimen- to ou de determinação; ou
não interpretar dessa forma e, assim,
concluir definitivamente que indivíduos com
as entidades supracitadas não pode-
riam ser considerados semi-imputáveis
pela lei penal militar. Esse benefício
atin- giria apenas aqueles que
apresentassem "doenças mentais", ou
seja, quadros psi- quiátricos graves que
configurassem alie- nação mental, e os
"deficientes mentais", desde que, é claro,
tivessem "considerá- vel" prejuízo do
elemento psicológico (cognição e volição).
A opinião dos autores é que a
segunda alternativa é a que mais
se coaduna ao es- pírito da lei
penal militar e a que melhor
expressa a realidade
psiquiátrico-forense. Observe-se
que, no caso, estaria aberta a porta
para que muitos indivíduos,
inadap- tados à vida de caserna
por suas idiossin- crasias pessoais,
pudessem ser beneficiados por
uma atenuação do rigor
castrense.
Nesse esboço
comparativo entre
a lei penal geral e a
militar, cabe ressaltar
que a exigência de
nexo de causalidade
entre transtorno
mental e delito, bem
como a de que a
psicopatologia deva
ser aferida retros-
pectivamente, ou seja, no momento crono- lógico do ato delitivo, remanescem
inalte- radas. Contudo, há outra relevante diferen- ça entre os dois comandos
legais: o CPM, no parágrafo único do artigo 48,2 ao descre- ver a natureza do
prejuízo causado pela "doença ou a deficiência mental", reconhe- ce
somente diminuições da capacidade de entendimento ou de
autodeterminação que sejam "consideráveis". É um critério mais
econômico do que o da lei penal geral no que tange aos casos de semi-
imputabilidade, pois esta prevê apenas que o agente “não [seja]
inteiramente capaz de entender [...] ou de determinar-se", não exigindo que
essa incapacidade seja "considerável". Na práti- ca forense, porém,
observa-se que os peritos meticulosos, ao realizarem perícias de inim-
putabilidade de acordo com as regras do artigo 26 do CP, apenas opinam
pela semi- -imputabilidade quando constatam “consi- derável" prejuízo da
capacidade de enten- dimento ou de autodeterminação.
Assim, pode-se
afirmar que o CPM e
o CP apresentam
definições de abrangência
equivalente para
inimputabilidade.
Entre- tanto, para a
semi-imputilidade, a lei
militar é teoricamente mais
estrita em seus critérios e,
portanto, de menor
amplitude.
A EMOÇÃO E A PAIXÃO
O CP, em seu artigo, 28, determina que "Não excluem a imputabilidade penal: I-a emoção ou a paixão".1 Com tal
dispositivo, o legislador quer deixar expresso seu repú- dio ao critério psicológico da imputabilidade, apesar de a adoção
expressa do critério bio- psicológico já implicar a rejeição daquele. De qualquer forma, para um país que havia vivido décadas
sob a égide da "privação de sentidos" como um dos critérios de inim-
putabilidade, nenhuma
cautela era demais nesse
aspecto. Reforça essa hipótese
o fato de que o CPM, que veio
à luz exatamente três
décadas após o CP-quando já
não pai- ravam mais dúvidas
sobre o primado do cri- tério
biopsicológico da
imputabilidade –, não
considerou necessário sublinhar
que a emoção e a paixão não
excluíam a imputa- bilidade.
Segundo o Novo
Dicionário Aurélio da
Língua
Portuguesa,12
emoção é uma
"reação intensa e
breve do organismo a um
lance inesperado, a
qual se acompanha
de um es- tado afetivo
de conotação penosa ou
agra- dável", enquanto
paixão é definida como
sentimento ou emoção levados a um alto grau de intensidade, sobre- pondo-se à lucidez ou à razão; afeto
dominador e cego; obsessão; ativi- dade, hábito ou vício dominador; desgosto, mágoa, sofrimento; arre- batamento,
cólera; disposição con- trária ou favorável a alguma coisa, e que ultrapassa os limites da ló- gica; parcialidade
marcante; fana- tismo, cegueira.
Desses conceitos, deduz-se que
podem ser consideradas emoções o
medo, a alegria, a vergonha, a ira, a
surpresa, o prazer e ou- tros
sentimentos de natureza súbita,
intensa e breve. A paixão,
diferentemente, engloba- ria
sentimentos permanentes,
crônicos e es- táveis, como amor,
ódio, ciúme, inveja, ava- reza e
ambição, desde que
dominantes da vida psíquica e
dos afetos do indivíduo.
Os
tratadistas
do direito
penal estão
con-
formes a
essas
definições
.
Noronha3
escla-
rece que
a emoção é caracteristicamente transitória, ao passo que a paixão é duradoura; é um estado crônico,
embora possa apresentar períodos agudos. Aquela subitânea; esta é permanente.
Segundo Kant, citado por Hungria, 10 "a emoção é como uma torrente que rompe o dique da continência enquanto a paixão é o
charco que cava o próprio leito, infiltrando- se, paulatinamente, no solo". Classificam também as paixões em sociais, inspiradas em
motivos úteis e de valor, como a piedade e o patriotismo, e em antissociais, cujos mó- veis são nefastos ao interesse da coletivida- de.
Tal distinção é relevante porque, embora a emoção e a razão não excluam a imputa- bilidade, são reconhecidas pelo CP e pelo CPM como
circunstâncias atenuantes ou co- mo integradoras de tipos penais específicos, o homicídio e a lesão corporal privilegiados, desde
que antecedidas por "injusta provoca- ção da vítima".
O ESPECIAL TRATAMENTO CURATIVO
Tanto o CP, em seu artigo
98, quanto o CPM, em seu
artigo 113, referem "especial
trata- mento curativo"
quando ocorrerem as hipó-
teses previstas nos artigos
26, parágrafo único, do CP,
ou no artigo 48, parágrafo
único, do CPM, como uma
alternativa legal posta à
disposição do magistrado ao
prolatar a sentença
condenatória.
Como se sabe, os parágrafos
únicos dos mencionados artigos
tratam dos casos de se- mi-
imputabilidade, uma
peculiaridade da legislação
brasileira, introduzida no País a
partir do CP de 1940. As
pessoas aí enqua- dradas eram
o que, à época, no jargão médi- co-
legal, se denominavam
"fronteiriças". Passíveis,
portanto, em alguns casos - e
com determinados limites de
serem alvos de
-

152
44
PERÍCIA DE IMPUTABILIDADE PENAL
PERÍCIAS CRIMINAIS
153
esforços bem-sucedidos no tratamento de
sua patologia mental ou comportamental.
Assim, seguindo orientação de política cri-
minal, em vez de serem enviadas a um cárce- re
comum, teriam a pena privativa de liber-
dade "substituída pela internação, ou trata-
mento ambulatorial, pelo prazo mínimo de 1
(um) a 3 (três) anos" segundo a regra do
CP ou, então, nos termos do CPM, “substi-
tuída pela internação em psiquiátrico anexo
ao manicômio judiciário ou ao estabeleci-
mento penal, ou em seção especial de um
ou de outro".
Para o alcance desse dispositivo, é neces- sário a
princípio ter claro que a substituição da pena
imposta ao semi-imputável por "es- pecial tratamento
curativo" não se faz de forma automática. É
imprescindível, primei- ro, que haja um "especial
tratamento curati- vo" para a condição apresentada
pelo crimi- noso. Portanto, é um tema que pode e deve
ser abordado na perícia de imputabilidade quando a
conclusão for pela redução parcial da capacidade de
entendimento ou de auto- determinação do periciado.
Dessa forma, o peritose adianta a uma questão
que possi- velmente seria logo mais levantada, a da
even- tual existência de um "especial tratamento cu-
rativo” para aquele determinado caso.
Outro ponto relevante é a interpretação que deve
ser dada às palavras "especial" e "curativo", já
que "tratamento" deve ser considerada em sua
acepção mais ampla, qual seja, a de qualquer
abordagem dirigida para minorar ou aliviar
determinada condi- ção clínica. "Especial"
significa, no caso, um programa de tratamento
penitenciário para determinada condição, como, por
exemplo, programas de reeducação de psicopatas e de
criminosos sexuais. Entretanto, em nos- so entender, pode
ser aplicado também a quaisquer programas de
tratamento ordina- riamente disponíveis no
sistema penitenciá- rio, posto que a melhor
interpretação da lei
é a que favorece a condição de saúde do, a essas alturas, interno.
Assim, a chave da in- terpretação desse dispositivo reside no adje-
tivo "curativo". A lei não aceita qualquer tipo de tratamento como
substitutivo da pena privativa de liberdade, mas apenas aquele que
seja "curativo". Novamente, en- tende-se que a interpretação da
expressão deve ser liberal, compreendendo as alterna- tivas
terapêuticas que possam melhorar a condição clínica do interno de
forma efetiva ou tratar de maneira eficaz a sintomatologia apresentada.
Tal hermenêutica pode favore- cer pessoas com retardo mental leve e
com déficits cognitivos leves, que se beneficia- riam de estar em um
ambiente protegido e terapêutico em vez de cumprirem pena em um
cárcere comum. Alguns casos de trans- tornos neuróticos, bem como
personalidades do tipo borderline, também poderiam ser be-
neficiados com a aplicação desse dispositivo.
Criminosos com personalidade
antisso- cial ou com
características psicopáticas, bem
como pedofilos, não poderiam se
beneficiar desse dispositivo, pois,
como regra, não preenchem os
requisitos do critério biopsi-
cológico para serem considerados
semi-im- putáveis. Além disso, os
tratamentos dispo- níveis para
essas condições, além de não
se- rem "curativos", nem sequer
são "eficazes".
A CONCLUSÃO PERICIAL
Ao realizar uma avaliação pericial de im- putabilidade e, na sequência, redigir seu re- latório médico-legal, deve o perito observar
certa ordem lógica e cronológica. O algorit- mo, pois, que deve seguir, é o seguinte:
1) Há
transtorno
mental?
2) Esse
transtorno
mental
estava
presen- te à
época do
delito?
Caso não
houves-
se transtorno
mental à época dos
fatos, a avaliação
pericial estaria
praticamen- te
concluída, pois o
fundamento basilar
do critério
biopsicológico não se
faz pre- sente.
3) Qual o diagnóstico? Deve-se formular o
diagnóstico clínico e indicar seu códi- go
de acordo com a CID-10, que é a
classificação oficialmente adotada no
Brasil. Após o diagnóstico, convertê-lo à
terminologia jurídica: "doença men-
tal" ou "desenvolvimento mental retar-
dado", de acordo com o CP ou o CPM;
"perturbação da saúde mental",
confor- me o CP; ou "deficiência mental",
se- gundo o CPM.
4) Devido ao
transtorno mental
diagnosti- cado,
qual o estado
da capacidade
de entendimento
à época dos
fatos? Nor- mal,
abolida, reduzida.
5) Devido ao
transtorno
mental diagnosti-
cado, qual o
estado da
capacidade de
determinação à
época dos
fatos? Nor- mal,
abolida, reduzida.
Dessa forma, o perito estará apto a emi- tir
sua opinião final, que deverá se restringir
sempre aos aspectos médico-legais do caso
sem adentrar a área de competência do
ma- gistrado. Não deverá, pois, finalizar seu
lau- do afirmando que o periciado é
imputável ou inimputável ou que se enquadra ou
não em tal ou qual artigo de lei. Essas são
ques- tões jurídicas e não técnicas - estranhas,
portanto, ao lavor pericial. Trata-se do que a
literatura forense anglo-saxã denomina
ultimate question, que só deve ser
respondi- da pelo júri.
Assim, além da
formulação básica em
caso de imputabilidade
plena - o periciado era,
ao tempo da ação (ou
da omissão), ple-
namente capaz de
entender o caráter ilícito
do fato e de determinar-se
de acordo com esse
entendimento -, se o
perito tiver reali-
zado sua avaliação de acordo com a norma do CP, terá, ainda, as seguintes alternativas:
1) O
periciado, por
doença mental,
era, ao tempo
da ação (ou da
omissão), intei-
ramente incapaz
de entender o
caráter ilícito do
fato.
2) O periciado, por
doença mental,
era, ao tempo da
ação (ou da omissão),
intei- ramente
incapaz de se
determinar de acordo
com o entendimento do
caráter ilícito do fato.
3) O periciado, por doença
mental, era, ao tempo da
ação (ou da omissão),
intei- ramente incapaz de
entender o caráter ilícito do fato e
de se determinar de acordo com esse
entendimento. 4) As mesmas
formulações em 1, 2 e 3, pa-
ra "desenvolvimento mental
retarda- do".
5) O periciado,
em virtude de
perturbação da
saúde mental, não
era inteiramente
capaz de entender
o caráter ilícito do
fato.
6) Opericiado,
em virtude de
perturbação da
saúde mental,
não era
inteiramente
capaz de se
determinar.
7) O
periciad
o, em
virtude
de
perturb
ação
da saúde mental,
não era
inteiramente
capaz de
entender o
caráter ilícito do
fato e de se
determinar de
acordo com esse
entendimento.
8) As
mesmas
formulações
em 5, 6 e 7,
para
"desenvolvime
nto mental
retarda- do".
Se a avaliação foi realizada de acordo com a regra do CPM, sua opinião final pode- rá ser expendida como segue:
1) O periciado, por doença mental, não possuía, ao tempo da ação (ou da omis- são), capacidade de entender o caráter ilícito do
fato.
154
44
PERÍCIA DE IMPUTABILIDADE PENAL
2) O periciado,
por doença mental,
não possuía, ao
tempo da ação
(ou da omis- são),
capacidade de se
determinar de acordo
com o entendimento do
caráter ilícito do fato.
3) O periciado, por doença
mental, não possuía, ao tempo
da ação (ou da omis- são),
capacidade de entender o
caráter ilícito do fato e de se
determinar de acordo com esse
entendimento. 4) As mesmas
formulações em 1, 2 e 3, para
"desenvolvimento mental
retar- dado".
5) O periciado,
em virtude de
doença men- tal,
tinha diminuída
consideravelmente
sua capacidade
de entendimento
da ilicitude do fato.
6) O periciado, em
virtude de doença
men- tal, tinha
diminuída
consideravelmente
sua capacidade de
autodeterminação
de acordo com o
entendimento da
ilicitude do fato.
7) O periciado, em virtude
de doença men- tal, tinha
diminuída consideravelmente
sua capacidade de
entendimento da
ilicitude do fato e de
autodeterminação de acordo com
esse entendimento. 8) As
mesmas formulações em 5, 6
e 7, para "deficiência
mental".
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Δ

8
PERICIA DE DEPENDÊNCIA QUÍMICA
JOSE G.
V.
TABORD
A
GABRIE
LA DE
MORAES
COSTA
MIGUEL
CHALUB
PONTOS-CHAVE
• A
apuração da
imputabil
idade do
agente
que tenha
cometido
um delito
em razão
de
dependênci
a ou sob
efeito de
droga é
realizada
de acordo
com o
critério
biopsicoló
gico.
À semelhança da
avaliação de
imputabilidade penal,
o perito deverá
verificar a existência
de transtorno mental (no
caso, decorrente do uso de
substância psicoativa),
o nexo de causa- lidade entre
o transtorno e o delito e
realizar percuciente
exame da capacidade de
entendimento e de
determinação. É
necessário que a
condição de estar
"sob o efeito [...] de
droga" seja
"proveniente de caso
fortuito ou força
maior" para o
reconhecimento da
inimputabilidade ou da
semi- - imputabilidade.
Aplica-se,
aos
indivíduos
que
cometeram
delitos
sob efeito
de álcool
ou de
outra
substância
psicoativa
, o
princípio
da actio
libera in
causa.
A condição de
embriaguez, seja
por álcool, seja
por "substância de
efeitos
análogos", pode
ser
classificada de
acordo com o tipo
(não acidental
ou acidental) e
com o grau da
embriaguez
(completa ou
parcial). Conforme
sua natureza, as
consequências
jurídico-penais
poderão sofrer
profundas
alterações.

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