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A escuta

Profª Gabriela Neves


das psicopatologias
Nesta aula vamos:

- Discutir modos de reconhecimento de personalidades patológicas na


escuta clínica
- Conhecer uma ferramenta de avaliação de quadros psicopatológicos
- Compreender os objetivos clínicos e estratégias a partir do
reconhecimento da personalidade do paciente
- Pensar a direção do tratamento a partir da psicoterapia breve
Modelo médico clínico: a entrevista
psicológica e psiquiátrica

O termo “clínico” provém do grego klinikós e tem como elemento de composição:


Já a entrevista psicológica:
KlínoA=clínica
- Tem inclinar
por base eaKlíne = leito.
relação
psicológica humana
é derivada(aliança terapêutica)
da clínica médica na qualtodo
e, em os dois integrantes
caso, a ideia
buscam,
Por juntos,
extensão,
de entrevista compreender
seria possível
clínica o queAo
entender
também. está
que acontecendo.
“Clínica”
tratarmos dedesigna a prática da
psicopatologias observação
graves,
próxima
- Entende(leita).
lidaremoso paciente como
com estes detentor
dois camposdo de
saber de si e preocupa-se
conhecimento: em conhecer
a psiquiatria ea em
detalhes o entrevistado.
psicologia.
- A terapêutica é a palavra.
- AAescuta se direciona
entrevista aos processos
psiquiátrica tem dois subjetivos
objetivos:experimentados no decorrer da
vida, suas repetições,
1) Identificar superações epsicopatológicas:
as perturbações dificuldades. é a fase diagnostica
- Entende que a melhora é um processo gradual.
2) Determinar a conduta a seguir: terapêutica medicamentosa
Existe uma certa tendência em considerar as entrevistas clínicas como simples técnicas
psicodiagnósticas, isto é, restringir sua prática a quase uma tarefa de coletar e interpretar
dados, ao invés de enfatizar a importância da compreensão de seu conteúdo, levando
em consideração a relação terapêutica que se institui. Rogers foi um dos que
contestou este tipo de enfoque mais relacionado ao modelo médico tradicional.

Rogers criticou a versão diretiva tradicional na qual o terapeuta dirige a entrevista,


define a problemática abordada, os tópicos a serem discutidos, sugerindo soluções e
planos de ação para o cliente. E, posteriormente sublinhou que a centralidade do
diálogo terapêutico estaria menos nos papéis instituídos e mais na relação de pessoa
(terapeuta) à pessoa (cliente). Situação em que o primeiro deveria estar mais atento
com a pessoa humana/cliente e seu amadurecimento emocional do que com as
racionalizações de caráter intelectual e fatual na sua fala.
A entrevista de avaliação do estado mental
Integrada com a psiquiatria, a avaliação de estado metal é, provavelmente, a entrevista que
pode ser mais estruturada e diretiva.

Destina-se, sobretudo a avaliar graus de deterioração ou disfunção em situações cujos


sintomas sugerem transtorno mental grave, demência, comprometimento neurológico,
estados confusionais etc.

Dentre as propostas de orientação e sistematização da entrevista de


estado mental, formou-se uma proposta clássica de que esta englobe
um conjunto de dimensões: Apresentação; Comportamentos instintivo
e social, Níveis de consciência; Humor; Percepção, Memória;
Pensamento e Juízo.
Apresentar a ferramenta de avaliação M.I.N.I.
A apresentação e a expressão
Redução das expressões faciais e da
capacidade de gesticulação, geralmente
causada por algum distúrbio de natureza
psicológica

Inclui-se igualmente a mímica (hipermimicas, hipomimicas) os aspectos psicomotores


(a agitação, o impulso, a quietude, falar de movimentação, tiques) a linguagem
(dificuldade de se comunicar, logorreia, mutismo, gagez, lapsos, neologismos etc.)
Comportamentos instintivos
Comportamento social
Níveis de Consciência
Humor

A observação do humor e suas alterações é fundamental na avaliação


do estado mental de qualquer pessoa. Geralmente, está relacionada ao
nível de satisfação ou insatisfação das necessidades da pessoa. Em
níveis mais graves não é difícil avaliar alterações excessivas como:
humor depressivo, expansivo ou na indiferença afetiva.
Percepção São transtornos dissociativos que têm como principais sintomas a
sensação persistente de estranheza, irrealidade, anestesia e
separação do próprio corpo. Apesar dos sintomas, o paciente é
capaz de separar a fantasia da realidade e se manter consciente.
Memória

Memorizar é um processo complexo que implica não só reter informações


como conservá-las e ser capaz depois de rememorizar. Sabe-se que há fatores
que facilitam o processo de recordar e que o esquecimento corresponde a uma
triagem seletiva do que pode ser retido.

Compreende-se que a memória possa sofrer processos dinâmicos de


inibição relacionados com contextos afetivos.

Considera-se como alterações significativas prejuízos na memória de curto,


médio e longo prazo.
Pensamento Pensamento acelerado,
lento ou descontínuo
Juízo

A capacidade de jugar pode estar diminuída (de forma passageira e reversível


ou de forma progressiva e definitiva) ou distorcida (negativismo, erro de
julgamento, interpretação delirante).
ENTREVISTA, PERSONALIDADE E
SUBJETIVIDADE
OPara
desenrolar daclínico
o trabalho entrevista clínica é fortemente
em psicopatologia influenciado
é fundamental que opelo tipo detenha, por
psicólogo
personalidade em jogo, e isto quer se trate de uma personalidade patológica ou
um lado, conhecimento das organizações psíquicas normais e patológicas e que
simplesmente de traços patológicos.
tenha em conta, por outro lado, o fato de que a personalidade patológica mobiliza e
orienta a entrevista de forma específica.
Evidentemente, quando se está lidando com uma personalidade patológica, a forma de
intercâmbio pode
A perturbação vaiadquirir um caráter
corresponder a ummuito marcado que,
funcionamento como
regular emconsequência,
que os traços pode
têm uma
perturbar
expressãoa qualidade do diálogo
de “rigidez”, e da relação
de “inadaptação” psicólogo
e são x paciente.
“responsáveis quer por uma alteração
significativa do funcionamento quer por um sofrimento subjetivo” (DSM-IV.1998).
Por outro lado, os conteúdos do pensamento, das representações e/ou fantasias são
Vamos ver
formações alguns exemplos:
psíquicas criadas pelo sujeito, por isso, são também marcadores de sua
personalidade, de sua história e de quem ele é.
Influência do tipo de perturbação da
personalidade na entrevista

Com a personalidade paranóica


A entrevista torna-se muito difícil na medida em que a pessoa
interpreta sem ter em conta o contexto no qual a ação referida foi
realizada.
Ela duvida sem qualquer justificação da lealdade dos que a rodeiam;
frequentemente ciumenta, suspeitosa e desdenhosa, ela está
constantemente alerta, desconfiada, de pé atrás e tenta para encontrar
uma confirmação das suas suspeitas.
A entrevista corre o risco de ser tensa, pois a pessoa está pouco
disposta a ter em conta o ponto de vista do outro e pouco inclinada a
aceitar críticas; pode se colocar distante, fria e rígida.
Com a personalidade esquizotimica e a personalidade esquizoide

A primeira (esquizotímica) mostrará uma singularidade de pensamento com crenças,


pensamentos persecutórios e crenças excêntricas (pensamento mágico, paranormalidade,
exoterismo etc.), ao passo que a indiferença às relações sociais, a restrição afetiva e a
expressão limitada para emoções infiltrarão a segunda (esquizoide).
 
Nestes casos, o contato é frio, pobre, pouco vivo e o
psicólogo pouco experiente pode experimentar um
sentimento desagradável de solidão e de ausência de
contato.
Com o histriónico
A amplitude das respostas emocionais e busca de excessiva atenção. Pessoas com este
tipo de personalidade tem pouca tolerância a frustração e regularmente usam de uma
sedução inadequada para ter atenção dos outros. São egocêntricos, invasivos e altamente
sugestionáveis, agindo, muitas vezes, de forma submissa para reter atenção para si.

Embora a busca constante por elogios facilite a comunicação, o psicólogo pode ser
levado a não respeitar as instruções do tempo concedido, sentir-se ele próprio
ultrapassado pela busca excessiva e por vezes sem limites do sujeito que tolera pouco
que o tragam de volta à realidade.
Com o narcísico

Funcionando de forma grandiosa, têm dificuldades para regular a


autoestima sobrestimando-se e faltando com empatia, tendem a
desvalorizar outras pessoas para que possam manter uma
sensação de superioridade. O narcísico tem uma sensibilidade
exagerada ao juízo dos outros.

A condução da entrevista deve respeitar tanto mais as regras de


centração sobre o sujeito, de escuta empática, mas também de
clarificação regular das situações interpessoais tratadas.
Com a personalidade limítrofe

O mesmo acontece com este tipo de perturbação, pois a instabilidade da imagem de


si, das relações interpessoais, do humor e a incerteza em relação a si mesmo
arriscam-se a produzir momentos de hesitação na situação de entrevista. Existe uma
hipersensibilidade à possibilidade de rejeição e abandono, fazendo com que o
profissional saiba manejar os processos.
Com a personalidade dependente

A sua maneira de ser, em geral é dependente e submissa. Pessoas com esta


personalidade não acreditam que podem cuidar de si mesmas – visto que é incapaz de
tomar decisões na vida sem ser aconselhado ou tranquilizado de forma excessiva por
outro.
A situação de dependência pode reproduzir-se na figura do psicólogo e/ou no processo
terapêutico, mobilizando no psicólogo contratransferências negativas de irritação,
sobrecarga e desagrado.
Com a personalidade obsessiva-compulsiva

Com o seu perfeccionismo e rigidez, o paciente procura com


obstinação a perfeição. Tem uma preocupação generalizada com
organização e controle (sem espaço para flexibilidade).

Como o sujeito precisa e se esforça para estar no controle, o


psicólogo pode ter sensação de estar preso num sistema
impenetrável e pouco abalável, em que a atividade associativa é
restrita pois é muito controlada. Isto repercute-se nas produções do
sujeito que não deixa qualquer espaço para a novidade, a
possibilidade, o pensável e o inesperado.
Com a personalidade evitante

Tem medo de ser julgada desfavoravelmente pelos outros e tem uma sensação de
incomodo em situações sociais, de medo e de timidez. É reticente em ligar-se aos
outros.

Os medos dos julgamentos e resistências aos vínculo aparecerão nas entrevistas por
forma de narrativas e também na relação com o psicólogo. Neste caso, é importante que
o profissional traga acolhimento e reforce, quantas vezes forem necessárias, a posição
não julgadora que ocupa alí.
Com a personalidade passiva-agressiva

Trata-se de uma forma de resistência passiva indireta às


exigências de desempenhos adequados numa variedade
de contextos. Estes comportamentos podem ser
expressos por vitimização, procrastinação, “birra”
teimosia, ressentimentos, entre outros..

Com esta personalidade, a entrevista pode ser pesada,


tensa, pouco produtiva e gerar irritação. A compreensão
psicodinâmica é pensar que neste caso se trata da
expressão passiva de uma agressividade escondida. No
processo psicoterapêutico, deve-se trabalhar expressão
da raiva.
A psicoterapia
Diferentemente de outras modalidades terapêuticas (massagem, vivências, amigos
etc.) a psicoterapia tem um profissional centrado na construção de um projeto de
trabalho alicerçado em critérios técnicos e teóricos estáveis.

Se estabelece uma relação formal e temporalmente limitada já que decorre em


tempos e espaços combinados e centra-se na problemática apresentada pelo cliente,
onde é, e deve ser, uma relação fortemente unilateral.
Fases da psicoterapia breve
De modo geral, independente da abordagem teórica, o processo de psicoterapia breve perpassa alguns momentos
marcantes:

- Entrevistas iniciais: explora-se as razões que levaram a pessoa a buscar terapia. Define-se um “foco” para o
tratamento.

- Processo terapêutico: Psicólogo e paciente vão aprofundar na história de vida do paciente, buscando compreender
os processos subjetivos deste indivíduo, especialmente, frente a demanda trazida.

- Análise, interpretações e pontuações: Estabelecer ligações entre aquilo que seria os problemas atuais (os sintomas)
e as suas origens nomeados nos padrões relacionais, eventualmente desajustados e provocadores de sofrimentos.

- Fase final: Construir uma síntese do trabalho realizado durante o tratamento, reforçando as transformações positivas
e superações. Se necessário, encaminhar para um processo psicoterápico “tradicional”.
Conclusão
Compreender porque o paciente veio procurar auxílio e como se relaciona com o seu
“problema” nos permite conhecer muito da personalidade daquela pessoa.

Escutar, observar e perguntar são técnicas essenciais de qualquer processo


psicoterapêutico, especialmente nas entrevistas.

No espaço clínico, questões abertas e fechadas ajudam a definir o problema tal como o
paciente vê e compreender melhor o quadro como um todo.

Encorajamento para fala e reflexões acerca dos conteúdos, trazem maior clarificação e
oportunidade de verificar se estamos ouvindo corretamente o cliente. Pontuações sobre
sentimentos e sintomas narrados durante a entrevista ajudam a organização psíquica do
paciente, para que ele observe como esta sendo seu funcionamento emocional.
Referências
BÉNONY, Hervé. CHAHARAOUI, Khadija. A entrevista clínica. Climepsi Edtores.
2022.

SCARPATO, Artur. Transferência Somática: A dinâmica formativa do vínculo


terapêutico, Revista Hermes, São Paulo, número 6, 2001, p. 107-123.

OLIVEIRA, Maria de Fátima. Entrevista psicológica: o caminho para aceder ao


outro. Trabalho de monografia. 2005. Universidade Lusíada do Porto. Disponível
em:<https://www.psicologia.pt/artigos/textos/TL0031.PDF>.

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