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'Muita gente tem depressão e não sabe', alerta

especialista da Saúde | Secretaria Municipal da


Saúde
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Por Renan Cacioli

Di cilmente você não conheça alguém que tenha enfrentado a batalha contra a
depressão, se é que a doença já não fez ou faz parte da sua rotina. Dados recentes da
Organização Mundial da Saúde (OMS) estimam em 322 milhões de pessoas ao redor do
planeta acometidas pelo que muitos classi caram como “mal do século”. Apenas no
Brasil, cerca de 5,8% da população sofre de transtornos depressivos, o que signi ca
aproximadamente 11,5 milhões de pessoas, de acordo com dados desse mesmo estudo
da OMS. E mais de 18,6 milhões de pessoas têm distúrbios relacionados à ansiedade.

Tantos casos vêm fazendo muitos se questionarem se a depressão não estaria mais
presente do que nunca na história da humanidade. A Secretaria Municipal da Saúde de
São Paulo, que conta com uma rede especí ca para o acolhimento, tratamento e
acompanhamento de pessoas com transtornos mentais, foi saber de uma especialista
se esta a rmação é um exagero ou faz sentido. Conversamos com a psiquiatra Liamar
de Abreu Ferreira, assessora da área técnica de Saúde Mental da SMS. Você confere a
entrevista a seguir:

E para conhecer mais do que o SUS oferece aos paulistanos nessa área, vale a pena dar
uma lida neste conteúdo.

Muitos chamam a depressão de mal do século. Concorda?

Acho que tanto a depressão quanto a ansiedade estão mais incidentes, tanto pelo estilo
de vida da sociedade como também pela maior divulgação. Quanto mais divulga, mais
se atinge a população. Muita gente tem depressão e não sabe. Associa à desmotivação,
à anemia, ao cansaço, que são alguns dos sintomas que podem mesmo mascarar o
quadro de depressão. E a pessoa acha que não é. E também pelo estigma familiar, que
fala que é falta de coragem e acaba levando em outros especialistas que não da área da
saúde mental. Então, não sei se é o mal do século, mas a gente diagnostica mais
(casos).

Acredita que o aumento na incidência dos casos documentados tenha mais a ver com o
fato de hoje ser melhor aceito socialmente?

(A depressão) é bem aceita em termos. Tem um estigma da doença mental que acaba
prejudicando. Uma coisa é você procurar ajuda e outra é você ser considerado como
portador de um transtorno mental. Nem sempre há esse respeito. Há uma comparação
conhecida diz que, quando alguém quebra a perna, ninguém ca falando “vai, anda, está
tudo bem, se esforça”. Não, falam “coitado, quebrou a perna”, levam sopa. Agora, quando
é transtorno mental, nem sempre é visível. Há um preconceito.
Há quanto tempo você trabalha com transtornos mentais?
Faz 18 anos.

Existe uma sensação de que hoje existem muitas pessoas diagnosticadas com
depressão, ou já passaram por tratamento. De fato, há mais gente se tratando, até por
essa experiência que você tem na área?

O transtorno depressivo precisa ter alguns critérios que o classi cam entre leve,
moderado e grave. E nem todos os casos necessitam de tratamento medicamentoso.
Acho que é supervalorizada a medicalização, porque é um jeito até mais fácil de lidar
com aquela dor. O remédio acaba sendo uma muleta. A sociedade é de consumo,
capitalista, precisamos sempre produzir, não sobra tempo para quase nada. Os
relacionamentos são rápidos, líquidos. Tudo isso causa uma angústia de viver. Então,
para medicar, precisa ser um caso, no mínimo, de transtorno depressivo moderado.
Casos leves podem ser tratados com psicoterapia, mudanças de alimentação, estilo de
vida...

Então não é re exo de uma geração mais depressiva do que outras?

Acho que não. Se a gente for observar a porcentagem de depressão, ela sempre existiu.
Acho que é inerente a uma sociedade doente. A gente adoece também.

Como identi car a depressão e não confundi-la com outra doença mental?

A depressão passa por uma alteração de humor. A ansiedade é bem diferente, você tem
a sensação de que vai acontecer alguma coisa, sem razão nenhuma. É mais difícil
separar a tristeza da depressão. A tristeza é sempre reacional a algum fator. Então,
estou triste porque não estou feliz com meu emprego, faleceu um ente querido. Mas há
um período normal, de luto, readaptação. Já a depressão não tem uma causa, um
sentido, um porquê. O melhor é sempre procurar um especialista.

O que o SUS oferece no acolhimento e tratamento da depressão? O que uma pessoa


diagnosticada com a doença tem à disposição na rede?

Tem a atenção básica que é a UBS, a porta de entrada. A Secretaria Municipal da Saúde
tem psiquiatras em UBSs que atendem junto com psicólogos. Há as equipes de Saúde
da Família e, se precisar, tem o suporte do NASF (Núcleo de Apoio à Saúde da Família),
que é composto por psicólogo, terapeuta ocupacional, psiquiatra, e está em regiões
mais vulneráveis. O direcionamento vai depender de caso a caso. Chegou, o médico de
família ou o clínico atende, há o matriciamento feito pela equipe de Saúde Mental, e o
que der para ser tratado na UBS será feito lá. Ou é feito o encaminhamento ao CAPS
(Centros de Atenção Psicossocial). Lembrando que o CAPS é porta aberta também.

Como abordar uma pessoa que ainda não percebeu o tamanho do problema?

A família precisa estar bem atenta, os amigos. O pré-diagnóstico é feito pelas pessoas
mais próximas. Tem de ser bem claro, perguntar como a pessoa está se sentindo. Às
vezes, até o patrão no trabalho percebe que a pessoa não está rendendo. O ideal é
abordar, oferecer ajuda. Tudo que é falado mais abertamente é melhor.

Redes sociais acabam mais ajudando ou piorando a questão, a medida que expõe muita
gente relatando seus casos depressivos?

Acho positivo, porque acaba divulgando mais. Tem vários youtubers que falam
abertamente sobre depressão, como superaram. Tem até uma famosa que minha lha
assiste e falou ‘olha, mãe, depois que eu assisti, pensei que posso ter um pouco de
depressão’. Então acho positivo, quanto mais gente conversa e fala sobre o assunto,
mais ele existe. Mas isso não substitui um diagnóstico preciso, mas pode ser um gatilho
para procurar ajuda.

As redes sociais mascaram as alegrias e tristezas do ser humano?

É re exo da sociedade de hoje você estar sempre sorrindo e postando foto. Teve até um
post que vi no Facebook esta semana, acho que sobre o campeão de algum esporte, que
foi a uma festa, estava superfeliz, deu uma entrevista, e no dia seguinte se suicidou. O
depressivo não precisa estar só caído em casa sem tomar banho, né? Quando você tem
alguns textos, algumas fotos, um amigo pode ver e intervir. O principal é não achar que
você tem depressão e pronto.

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