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Conteúdo Jurídico | A constitucionalização da

readaptação: reflexões em face do texto da EC n°


103/2019
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RESUMO: A pretensão desta prevê pesquisa é elucidar e provocar a reflexão acerca da


constitucionalização do instituto da readaptação, forma de provimento derivado de
cargos públicos. Como se sabe, a partir da promulgação da Emenda Constitucional n°
103/2019, o referido instituto possui previsão constitucional.  readaptação é exclusiva
para titulares de cargo efetivo, sendo temporária, ou seja, enquanto perdurar a limitação
de saúde do servidor. Na interpretação proposta, a fim colaborar com o discurso de
fundamentação da norma, é importante compreender que a readaptação não deve ser
interpretada como uma espécie de burla à regra do concurso público. Ademais, o artigo
enfrenta os requisitos de readaptação, como requisito de escolaridade, assim como a
necessidade de observância da irredutibilidade de vencimentos.

Palavras-chave: Emenda Constitucional n° 103/2019. Readaptação. Servidores Públicos.

ABSTRACT: The intention of this research is to elucidate and provoke reflection on the
constitutionalization of the rehabilitation institute, a form of provision derived from
public positions. As is known, from the promulgation of Constitutional Amendment n°.
103/2019, said institute has a constitutional provision. readaptation is exclusive to
holders of a permanent position, being temporary, that is, for as long as the health
limitation of the civil servant persists. In the proposed interpretation, in order to
collaborate with the statement of reasons for the standard, it is important to understand
that readaptation should not be interpreted as a kind of circumvention of the public
tender rule. In addition, the article faces readaptation requirements, such as schooling
requirements, as well as the need to respect the irreducibility of salaries.

Keywords: Constitutional Amendment n°. 103/2019. Public Servants. Readaptation.

Sumário: 1. Considerações Iniciais. 2. A Readaptação na Legislação Estatutária. 3. A


Readaptação prevista na Constituição Federal. 4. Conclusões. 5. Referências.

1.CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A readaptação é uma forma de provimento derivado dos servidores públicos,


regulamentada nos diversos regimes jurídicos da federação. Todavia, com a recente
promulgação da Emenda Constitucional-EC n° 103/2019, esse instituto passou a ter
assento constitucional.

O objetivo deste breve ensaio, muito mais do que oferecer respostas definitivas, é
apresentar provocações, contribuindo para a reflexão em face da nova normatividade e
das possíveis situações que poderão ocorrer no âmbito da Administração Pública.

Contudo, evidentemente há um problema a ser solvido: qual a interpretação correta do


instituto da readaptação, a partir de sua constitucionalização?

Parte-se da hipótese de que o mecanismo de readaptação é harmônico com a


Constituição Federal, visto que não possui o propósito de burlar a regra do concurso
público. Ademais, supõe-se que o servidor readaptado não poderá sofrer redução de sua
remuneração, em qualquer caso, sendo necessário que a Administração Pública adote
todas as providências para que o agente público seja provido em cargo com atribuições
símiles ao anteriormente ocupado.

Em relação às diretrizes metodológicas, será utilizado o método hipotético-dedutivo,


com a finalidade de verificar a correção da suposição inicial, com amparo na literatura
jurídica específica e no sistema normativo aplicável.

2.A READAPTAÇÃO NA LEGISLAÇÃO ESTATUTÁRIA

Conforme já mencionado, antes mesmo da previsão da readaptação na Constituição


Federal-CF de 1988, essa espécie de provimento derivado já encontrava suporte nas
diversas leis que instituíram os regimes jurídicos dos servidores dos entes federativos.
Não é demasiado ressaltar que o provimento derivado se caracteriza pelo provimento de
novo cargo público por servidor que já possuía vínculo com a Administração Pública,
submetido ao mesmo regime jurídico. É o caso da readaptação, situação em que o
agente público, em virtude de sofrer alguma limitação física ou mental que o impede de
exercer as atribuições do cargo para o qual foi nomeado, passa a ocupar novo cargo.

A Lei Federal n° 8.112/1990, Regime Jurídico dos Servidores Civis da União,


exemplificativamente, assim regulamenta o instituto em tela:

 Art. 24.  Readaptação é a investidura do servidor em cargo de atribuições e


responsabilidades compatíveis com a limitação que tenha sofrido em sua capacidade
física ou mental verificada em inspeção médica.

§ 1° Se julgado incapaz para o serviço público, o readaptando será aposentado.

§ 2° A readaptação será efetivada em cargo de atribuições afins, respeitada a


habilitação exigida, nível de escolaridade e equivalência de vencimentos e, na hipótese
de inexistência de cargo vago, o servidor exercerá suas atribuições como excedente, até
a ocorrência de vaga.  

Dessa forma, a Lei Federal n° 8.112/1990 dispõe que a readaptação deve ocorrer em
cargo com atribuições compatíveis com a limitação sofrida pelo servidor. Caso julgado
incapaz, será aposentado. Destaca-se ainda que o §2° do artigo 24, que determina que a
readaptação se dê em cargo com atribuições afins, sendo ainda necessário levar em
conta a habilitação exigida, o nível de escolaridade e equivalência e vencimentos. Na
hipótese de inexistência de cargo, determinou o legislador que o servidor exerça as
atribuições do cargo em que for readaptação como excedente, até surgir vaga.

Em relação ao dispositivo, cabe sublinhar que a doutrina o interpretava no sentido de


que se o cargo de origem exigisse determinado nível de escolaridade, necessário que o
provimento derivado por readaptação ocorresse em cargo que possuísse a mesma
exigência de escolaridade. Nesse sentido Almeida, ao discorrer sobre a readaptação:
“Assim, se, por exemplo, o cargo de origem do servidor exigir nível médio de
escolaridade, não poderá ocorrer a readaptação em cargo de nível superior” (2019, p.
201). No mesmo sentido se posicionou Martins, ao apontar que “não se admite que um
servidor venha a exercer atribuições de cargo que possua nível de escolaridade superior
ou inferior” ao antes titulado (2016).

Novamente se valendo da lição de Almeida, em relação à previsão legal de o servidor


readaptado exercer atribuições como excedente: “Atuar como excedente significa
trabalhar normalmente até que surja um cargo vago, quer pela aposentadoria de algum
servidor, ou até pela sua demissão”, de forma que, ao surgir a vaga, esta será garantida
ao servidor (2019, p. 201).

3.A READAPTAÇÃO PREVISTA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Com a promulgação da EC n° 103/2019, a readaptação passou a ter previsão expressa


na CF/1988, sendo pertinente destacar o que dispõe o §13 do artigo 37:

§ 13. O servidor público titular de cargo efetivo poderá ser readaptado para exercício de
cargo cujas atribuições e responsabilidades sejam compatíveis com a limitação que
tenha sofrido em sua capacidade física ou mental, enquanto permanecer nesta
condição, desde que possua a habilitação e o nível de escolaridade exigidos para o
cargo de destino, mantida a remuneração do cargo de origem.  

O primeiro ponto a se destacar é no sentido de que a regra constitucional da


readaptação se destina somente ao titular de cargo efetivo. Ainda, da mesma forma que
prevê a Lei Federal n° 8.112/1990, determina que a readaptação ocorra em cargos cujas
atribuições sejam compatíveis com a limitação sofrida pelo servidor. A norma
constitucional torna evidente que a readaptação só vai perdurar enquanto o servidor
permanecer na situação de limitação física ou mental.

Questão interessante é de que a regra prevista no §13 do artigo permite a interpretação


de que o servidor deve possuir a habilitação ou o nível de escolaridade exigidos para o
cargo de destino. Ou seja, nessa possível interpretação não haveria necessidade de que
o cargo de origem e o de destino apresentassem os mesmos requisitos legais de
habilitação e nível de escolaridade, mas sim que o servidor, como condição pessoal,
implementasse tais requisitos. Nessa perspectiva, sendo as atribuições do cargo de
destino compatíveis com a limitação sofrida pelo servidor, este, desde que comprove os
requisitos de habilitação e escolaridade, poderia prover o cargo de destino, ainda que de
escolaridade distinta do cargo de origem. Além do mais, a linguagem versada pelo
constituinte também admite que nessa situação o servidor mantenha a remuneração do
cargo de origem.

Em relação a essa possível interpretação, ou seja, a comprovação do servidor de que


apresenta a habilitação e nível de escolaridade do cargo de destino, são necessárias
algumas ponderações.

O instituto da readaptação encontra fundamento em princípios constitucionais, sendo


necessário, para interpretação do instituto, justificar sua existência. Assim, na
perspectiva do servidor, é um tratamento consentâneo com a dignidade da pessoa
humana e a valorização do trabalho a permissão para continuar prestando serviços, não
obstante as limitações de saúde que sofreu. Na dimensão da Administração Pública, a
readaptação significa a possibilidade de não aposentar determinado servidor por
invalidez e continuar contando com sua força de trabalho. Logo, a readaptação não foi
criada com o propósito de burlar a regra de acesso a cargos efetivos por meio do
concurso público.

Nesse sentido, crê-se que a Administração, regra geral, deve se valer de todos os
esforços para que a readaptação se dê em cargo que demande a mesma habilitação,
nível de escolaridade e vencimentos do cargo de origem. Ademais, em que pese não
estar expresso no texto constitucional, é pertinente que, na medida do possível, essa
readaptação ocorra em cargo com atribuições semelhantes àquelas previstas para o
cargo anteriormente ocupado.

Ou seja, entende que na interpretação e aplicação da regra, somente em situações


excepcionalíssimas é possível a readaptação em cargo que exija habilitação ou nível de
escolaridade não previstas para o cargo anteriormente titulado pelo servidor, ou ainda
sem respeitar a equivalência de vencimentos. Nessas situações excepcionais, é
fundamental que o ato derivado esteja devidamente motivado, a fim de possibilitar o
controle por parte do Poder Judiciário e dos tribunais de contas. Cabe ainda ressaltar
que essa excepcional situação não se confunde com a ascensão, forma de provimento
derivado na qual o servidor passa a titular, sem concurso público, cargo de carreira
diversa, o que não é aceito pela jurisprudência da Suprema Corte (Ação Direta de
Inconstitucionalidade n° 231/RJ, e.g.). Isso, pois a readaptação, conforme já observado,
possui uma justificação principiológica específica que a distingue da ascensão. Ou seja,
não tem a finalidade de embaçar a ampla acessibilidade aos cargos públicos.

Ainda no que tange à excepcional hipótese de readaptação em cargo que demande


habilitação e escolaridade diversa do cargo de origem, é importante a correta
interpretação da parte final do §13 do artigo 37.

É possível depreender que o constituinte, ao se valer da expressão “mantida a


remuneração do cargo de origem”, tinha por objeto garantir, de forma expressa, mesmo
no caso de readaptação, a irredutibilidade de vencimentos.

Por outro lado, a imposição da manutenção da remuneração do cargo de origem pode


ser de difícil aplicação, caso a Administração, de forma excepcional, promova a
readaptação em cargo de remuneração superior.  Essa situação pode configurar uma
injustificada quebra de isonomia de tratamento a servidores que exercem idêntica
função pública, além de caracterizar, como consectário lógico, enriquecimento ilícito do
Estado. Quando ocorrer o inverso, ou seja, na hipótese de o servidor ser readaptado em
cargo de remuneração inferior, ressalta-se novamente que há a incidência da garantia da
irredutibilidade remuneratória, harmônica com a justificação principiológica da
readaptação. Nessa última hipótese, entende-se que não seria o caso de violação à
igualdade em relação aos agentes públicos que exercerão as mesmas funções públicas
do servidor readaptado, em face da especial situação do agente público que sofreu
limitações em sua saúde.

A bem da verdade, essas últimas observações ressaltam ainda mais a necessidade de


que a Administração empreenda todos os esforços para que a readaptação se dê em
cargo com mesmo nível de habilitação e escolaridade do cargo de origem, além de
observar a equivalência de vencimentos.

Outro aspecto que merece reflexão é a necessidade de o servidor ser estável ou não
para poder ser readaptado. Destaca-se que não é requisito para concessão de
aposentadoria por invalidez a estabilidade, o que, aliás, não seria consentâneo com a
proteção previdenciária em situações de infortúnios. Ademais, não se olvida que a CF de
1988 determina que o servidor somente seja aposentado quando insuscetível de
readaptação, nos termos do artigo 40, §1°, inciso I, na redação da EC n° 103/2019.
Dessa forma, a constitucionalização da readaptação como espécie de provimento
derivado e como requisito à concessão da aposentadoria por invalidez, tornam ainda
mais evidentes a conclusão de que é possível esta forma de provimento derivado
inclusive no curso do estágio probatório.

4.CONCLUSÕES

Conforme mencionado introdutoriamente, a finalidade desse breve estudo era provocar


reflexões acerca da readaptação, guindada recentemente ao texto constitucional.

Em síntese, observou-se que a regra do artigo 37, §13 da CF/1988 demanda que a
readaptação é exclusiva para titulares de cargo efetivo, sendo temporária, ou seja,
enquanto perdurar a limitação de saúde do servidor. Na interpretação proposta, a fim
colaborar com o discurso de fundamentação da norma, é importante compreender que a
readaptação não deve ser interpretada como uma espécie de burla à regra do concurso
público, mas sim como um tratamento digno aos servidores que sofreram uma limitação
física ou mental e, simultaneamente, conveniente aos desígnios da Administração
Pública, o que comprovou a suposição inicial desta pesquisa.

O texto versado pelo constituinte permite a interpretação de que o servidor a ser


readaptado deve apresentar, como condição pessoal, habilitação e nível de escolaridade
exigidos para titulação do cargo de destino.

Contudo, considerando a própria fundamentação do instituto da readaptação, que não


visa burlar a ampla acessibilidade aos cargos públicos por meio de concurso público,
compreende-se que a Administração, em regra, deve se valer de todos os esforços para
que a readaptação se dê em cargo que demande a mesma habilitação, nível de
escolaridade e vencimentos do cargo de origem. Também se concluiu a pertinência de,
na medida do possível, a readaptação ocorra em cargo com atribuições semelhantes
àquelas previstas para o cargo anteriormente ocupado, a hipótese inicial desta breve
pesquisa.

Somente em situações excepcionalíssimas seria possível, portanto, a readaptação em


cargo que exija habilitação ou nível de escolaridade não previstas para o cargo
anteriormente titulado pelo servidor, ou ainda sem respeitar a equivalência de
vencimentos. Em tais situações, a fim de possibilitar o controle, é necessária a devida
justificação dos atos administrativos.

Dentre as reflexões propostas, entendeu-se que em qualquer situação deve ser


observada a irredutibilidade de vencimentos do servidor que será readaptado. Na
excepcional situação de o servidor ser readaptado em cargo de remuneração superior,
entende-se que o servidor deve perceber a diferença, sob pena de quebra de isonomia.
Contudo, ressalta-se novamente que a Administração deve empreender seus esforços
para garantir a equivalência de vencimentos.

Por fim, destacou-se que a readaptação atualmente é requisito constitucional para a


aposentadoria por invalidez. Tal modalidade de inativação não demanda a estabilidade
como requisito, de sorte que se alcança a conclusão de que a readaptação pode ocorrer
no curso do estágio probatório.

5.REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Fabrício Bolzan de. Manual de Direito Administrativo. 3 ed. São Paulo:
Saraiva, 2019.

BRASIL. Emenda Constitucional n° 103, de 12 de novembro de 2019. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc103.htm. Acesso
em: 13 fev. 2020.

BRASIL. Lei Federal n° 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8112cons.htm. Acesso em: 13 fev. 2020.

MARTINS, Bruno Sá Freire. Os limites da readaptação no regime próprio. Disponível em:


https://www.jornaljurid.com.br/colunas/previdencia-do-servidor/os-limites-da-
readaptacao-no-regime-proprio. Acesso em: 12 fev. 2020.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 231. Relator:


Ministro Moreira Alves. Brasília, 05 ago. 1992.

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