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'Professores reclamam mais do medo que do

salário', diz psiquiatra


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'Professores reclamam mais do medo que do salário', diz psiquiatra

Ricardo Senra Da BBC Brasil em São Paulo

Direito de imagem Iamspe

À frente de sessões de terapia em grupo para professores da rede pública há mais de 25


anos, o psiquiatra Lenine da Costa Ribeiro diz que as agressões físicas e verbais vindas
de alunos são os principais motivos de doenças psicológicas entre os educadores que
recorrem ao divã.

Segundo o médico do Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual de


São Paulo, seis em cada dez professores não conseguem mais voltar às salas de aula
após enfrentarem episódios de agressões graves - como humilhação, ameaças e
ataques físicos.

Segundo os dados nacionais da Prova Brasil, do Ministério da Educação (2011), um


terço dos professores que responderam ao teste disse ter sido agredido verbalmente por
alunos.

Um em cada dez a rmou ter sofrido ameaças e aproximadamente um a cada 50 disse


ter sido agredido físicamente por estudantes.
Entre 2003 e 2004, pesquisa da Unesco mostrou que 83% dos alunos de São Paulo, Rio
de Janeiro, Porto Alegre, Salvador, Belém e do Distrito Federal disseram que havia
violência nas escolas públicas onde estudavam. Entre professores e funcionários, o
número sobe para 86%. Cerca de 30% deles viram armas nas mãos dos alunos.

Investigação de 2013 da Apeoesp (Associação dos Professores do Estado de São


Paulo) indicou que 44% dos professores da rede estadual a rmam já terem sofrido
alguma violência (agressão verbal ou física) nas escolas onde dão aula.

O tema da violência em sala de aula contra professores também foi destacado em posts
de Facebook e no Twitter por leitores em consultas promovidas pelo #salasocial, o
projeto da BBC Brasil que usa as redes sociais em busca de uma maior integração com
o público.

A pedido da BBC Brasil, internautas, entre eles professores, compartilharam, via


Facebook, diferentes relatos sobre violência cometida contra pro ssionais de ensino.
Houve também depoimentos feitos via Google+ e Twitter.

De acordo com Ribeiro, assumindo cargos de "readaptação", como funções na secretaria


ou na biblioteca escolar, esses educadores tendem a ser vistos como guras menos
importantes do que aqueles que seguem dando aulas.

Desinteresse pela vida, depressão, perda de memória e problemas de cognição são


algumas das consequências da violência no cotidiano das escolas, diz o psiquiatra. Leia,
a seguir, os principais trechos da conversa:

BBC Brasil - A violência na escola é um tema recorrente nas sessões de terapia?

Lenine da Costa Ribeiro - O medo dos alunos, as situações de agressão e humilhação e a


sensação de impotência são as queixas mais comuns nas reuniões. Fala-se sempre
sobre salário ou infraestrutura das escolas, mas a insegurança do professor em relação
aos alunos é um tema bem mais frequente. Os professores reclamam mais do medo
que do salário.

BBC Brasil - Quais são suas consequências para a saúde dos professores?

Ribeiro - Surgem transtornos de ansiedade generalizada. O estresse pós-traumático é um


agravamento importante da saúde mental e leva a sintomas como pânico em diferentes
níveis, falta de interesse pela vida, depressão, perdas de memória, di culdades de
cognição e fobias distintas. São sintomas que não respondem rápido aos tratamentos e
que por isso costumam ser longos, assim como os períodos de afastamento, que
chegam a durar mais de um ano.
BBC Brasil - Como é esse tratamento?

Ribeiro - Primeiro, com medicação. Antidepressivos e neuromoduladores. O tratamento


medicamentoso tenta abreviar o sofrimento o mais rápido possível, mas também são
necessários pelo menos dois anos de monitoramento. Neste período o professor
participa de sessões de psicoterapia feitas em grupo, onde todos compartilham e
discutem experiências. Muitos deles são afastados das escolas até que consigam se
recuperar.

Cada agressão afeta não só a relação do professor com o agressor, mas


também com todos os demais alunos

BBC Brasil - Quais são os principais relatos compartilhados nas sessões?

Ribeiro - Há pessoas que tinham grande capacidade de dar aulas, articulação didática, e
que caram completamente apáticas. O mais frequente é a incapacidade do professor
de dar aula porque está sendo impedido agressivamente. Ele não consegue mais se
impor e perde toda a autoridade diante da turma. Ameaças também são frequentes, não
são só ameaças contra a vida, mas contra o patrimônio da pessoa, como esvaziar os
pneus do carro, por exemplo. O maior medo é sofrer reprimendas na rua, depois das
aulas, fora da escola.

Leia mais em: Professora tenta suicídio duas vezes após agressões consecutivas de
alunos

BBC Brasil - Algum caso que o tenha marcado?

Ribeiro - Uma professora tinha advertido um aluno em sala. Na reunião de pais, a família,
particularmente o pai, foi muito intensamente agressivo no auditório repleto de pessoas.
Seu discurso era raivoso e acusador. Depois desse evento, ela nunca mais pode
funcionar da mesma maneira. A maneira agressiva com que ele tentou tirar satisfações
foi tão hostil e a estressou de tal forma que essa a professora nunca mais conseguiu dar
aulas. A humilhação é tão dolorosa quanto a agressão física. São várias as formas de
violência.
Direito de imagem TWITTER
O leitor Leo Gomes comentou o tema via Twitter

BBC Brasil - Pode falar sobre estas diferentes formas de agressão?

Ribeiro - A violência física não costuma ser tão explícita, ela é menos comum. Na rotina
mesmo estão as agressões verbais, a desconsideração, um desrespeito profundo à
condição do professor. O que acontece é uma descaracterização de seu papel. O
educador, aquela pessoa que seria central e determinante na construção de um sujeito,
de um indivíduo, de uma personalidade, é tirado de seu lugar. Isso é muito grave, tem
consequencias muito importantes, porque cada agressão afeta não só a relação do
professor com o agressor, mas também com todos os demais alunos.

BBC Brasil - É comum que os professores extravazem este estresse agressivamente


sobre os alunos?

Ribeiro - Quem está limitado não costuma criar enfrentamentos. Essas pessoas
costumam ter respostas mais apáticas, por conta da ansiedade, da depressão. Isso tudo
acaba colocando o professor numa situação de limitação e quase sempre quem está
limitado não consegue entrar em situações de enfrentamento.

Uma porcentagem importante, em torno de 60% dos pacientes, volta para a


escola ocupando funções administrativas, ou na biblioteca, na secretaria. Este
retorno é muito difícil.

BBC Brasil - Como é o retorno destes professores à sala de aula?


Ribeiro - O que vejo nesses casos é que o retorno acontece quase sempre de forma
readaptada, e não à sala de aula. Uma porcentagem importante, em torno de 60% dos
pacientes, volta para a escola ocupando funções administrativas, ou na biblioteca, na
secretaria. A readaptação é às vezes a única maneira de dar continuidade ao cargo. Este
retorno é muito difícil.

Leia mais em: Escolas, alunos e professores 'não falam mesma língua'

BBC Brasil - Como as escolas costumam reagir aos pedidos de afastamento?

Ribeiro - Posso falar sobre o momento do retorno. Os readaptados dizem sempre sofrer
algum tipo de prejuízo. Isso acaba se tornando parte da própria condição social deles.
Acabam sendo vistos como uma posição de menos valia, o que causa baixa autoestima.
É como se eles passassem a ter menos valor do que aqueles que estão lecionando.

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