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decreto-10-620-21

A nova gestão do RPPS Federal após o decreto 10.620/21: o que temos a temer?
Fábio Zambitte Ibrahim

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

A recente publicação do decreto 10.620/21, ao reorganizar a gestão do Regime Próprio de Previdência


dos Servidores Federais, no âmbito exclusivo do Executivo, trouxe dúvidas e incertezas para os
servidores federais, ativos ou inativos, além de pensionistas. No entanto, por enquanto, a mudança,
apesar de ser capaz de gerar percalços a esse grupo, não representa, em minha opinião, normativa
dotada de ilegalidades ou inconstitucionalidades.               

Desde longa data, busca-se, na disciplina normativa dos Regimes Próprios de Previdência, a
consolidação de uma premissa um tanto quanto óbvia: que todos os servidores de determinado Ente
Federado sejam submetidos a um mesmo RPPS e, ainda, que este RPPS possua uma única unidade
gestora, como medida de racionalidade administrativa. A previsão acabou por alcançar status
constitucional com a EC 41/03, ao incluir o art. 40, § 20 na CF/88:

"Fica vedada a existência de mais de um regime próprio de previdência social para os servidores titulares
de cargos efetivos, e de mais de uma unidade gestora do respectivo regime em cada ente estatal,
ressalvado o disposto no art. 142, § 3º, X"

Com a reforma de 2019 (EC 103/19), o texto não conta mais com a expressa a exclusão de militares,
deixando o tema a cargo de lei complementar:

"É vedada a existência de mais de um regime próprio de previdência social e de mais de um órgão ou
entidade gestora desse regime em cada ente federativo, abrangidos todos os poderes, órgãos e
entidades autárquicas e fundacionais, que serão responsáveis pelo seu financiamento, observados os
critérios, os parâmetros e a natureza jurídica definidos na lei complementar de que trata o § 22"

Ironicamente, a União, com sua competência para estabelecer normas gerais no âmbito da previdência
dos servidores e, ainda, fiscalizar o adimplemento das regras legais e administrativas sobre o tema,
sempre descumpriu a diretiva basilar de uma unidade gestora por RPPS. A realidade é ainda pior, pois a
regra é, no contexto de cada entidade administrativa federal, que os próprios "recursos humanos"
atendam pleitos previdenciários de servidores.
É evidente que a unificação de unidades gestoras é tarefa complexa. Nenhum governo, até o momento,
chegou sequer perto de conseguir essa façanha na União. Especialmente quando pensamos em uma
unidade gestora para todos os Poderes, a meta é quase utópica, tendo em vista a resistência de
determinadas carreiras.

Então, o que realiza o decreto 10.620? Em um incomum "disclaimer", o ato normativo começa, no art. 1º,
parágrafo único, afirmando do que não trata: "Este Decreto: I - não dispõe sobre o órgão ou a entidade
gestora única do regime próprio de previdência social, no âmbito da União, de que trata o § 20 do art. 40
da Constituição". Tendo em vista a necessidade de lei complementar para disciplinar o tema, na atual
dicção do art. 40, § 20 da CF/88, é ressalva é compreensível. Corroborando a premissa, no item seguinte
do mesmo art. 1º, parágrafo único é dito que: "Este Decreto: (....) II - não se aplica ao Poder Legislativo,
ao Poder Judiciário e aos órgãos constitucionalmente autônomos".

A ideia inicial, muito claramente, é afastar questionamento dos demais Poderes, sendo o decreto mero
ato de gestão do Executivo Federal. É evidente que o ideal seria a criação, por lei complementar, da
deseja entidade única de gestão do RPPS Federal, em todos os níveis e Poderes. Todavia, como a meta
é quase irrealizável, busca-se racionalizar o tema no Executivo. A medida, do ponto de vista da gestão
pública, é defensável.

Primeiro, é pragmática. Sendo improvável, em futuro próximo, a criação da entidade de gestão única,
resolve-se parte do problema no Executivo. Segundo, o ganho para a Administração é potencialmente
elevado: há a possibilidade, em curto espaço de tempo, de liberar muitos servidores federais que,
atualmente, são alocados em atividades administrativas previdenciárias sem conexão com a atividade-fim
do órgão, autarquia ou fundação.

Ainda há uma terceira vantagem, inclusive para servidores, que é a unicidade de interpretações do plano
previdenciário no RPPS Federal, pois, não raramente, são observadas em muitas entidades federais
manifestações e atos normativos sem compromisso com a legislação vigente e mesmo precedentes
judiciais vinculantes. A submissão de todos os pleitos à autarquia federal especializada no trato
previdenciário pode ajudar a solucionar esse tipo de problema.

No entanto, nem tudo são flores. É de conhecimento público a situação difícil pela qual passa o INSS.
Requerimentos represados, atendimento inadequado e mesmo rigor excessivo na apreciação de fatos e
provas são corriqueiros. Será o INSS capaz de lidar com essa nova realidade? Caso os servidores e
dependentes sejam submetidos ao mesmo martírio que acomete segurados do RGPS, é bastante
provável que haja acréscimo de demandas judiciais, com piora da situação já grave enfrentada pela
Administração previdenciária.

Ademais, a atribuição do INSS é limitada à Administração Indireta, ficando os servidores da


Administração Direta vinculados ao Sistema de Pessoal Civil da Administração Federal - SIPEC. Tendo
em vista a necessidade de alocação de servidores federais nessa nova unidade, aliada à constatação de
que benefícios por incapacidade temporária não são mais de competência do RPPS Federal (art. 9º, § 3º,
EC 103/19), também surgem dúvidas quanto ao real ganho a ser produzido pela reforma da
administração previdenciária no RPPS Federal. Afinal, as entidades federais ainda terão de contar com
servidores próprios para o atendimento de afastamentos temporários e salário-maternidade.

De toda forma, algumas inexatidões podem ser afastadas: direitos adquiridos, naturalmente serão
respeitados. A mudança, mesmo para servidores da Administração Indireta, geridos pelo INSS, não
implica perda ou redução das prestações, pois a legislação a ser aplicada não foi alterada. Ademais, para
servidores ativos, as regras a serem observadas para obtenção de benefícios continua a mesma, nos
termos da EC 103/19 e suas diversas regras transitórias. Não raramente, alguns servidores assustam-se
com a ideia de uma alegada "extinção" de seu regime previdenciário. Não foi isso que aconteceu.

O objetivo de economicidade conjugada com eficiência na Administração Pública é uma necessidade.


Tendo em vista as restrições orçamentárias, aliadas ao envelhecimento populacional, com o crescente
número de demandas previdenciárias, o gestor público terá de ser capaz de fazer mais com menos.
Medidas seguras e corretas de gestão são de interesse de toda a coletividade. Em suma, a ideia é boa,
mas demanda cautela.

Atualizado em: 22/2/2021 08:30

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