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10 de Maio de 2021

A contratação do médico como pessoa jurídica e os


reflexos desta prática à luz do direito do trabalho

O presente artigo visa a fazer uma análise jurídica de uma conduta


costumeiramente praticada pelos hospitais do país, qual seja, a
contratação de médicos e demais profissionais de saúde por meio de
pessoas jurídicas (cooperativas ou sociedades) criadas para esta
exclusiva finalidade, num fenômeno denominado pela jurisprudência
trabalhista de “pejotização”.

Por meio desta prática, os hospitais colaboraram com a precarização da


atividade médica, ao negar, a estas classes de profissionais, as
garantias constitucionais, trabalhistas e previdenciárias concedidas a
todos os trabalhadores assalariados residentes no Brasil, tais como
férias, 13º salário, horas extras, adicional pelo trabalho noturno e
insalubre, repouso semanal remunerado, FGTS, estabilidade à
gestante, aviso prévio, multa de 40% sobre o FGTS em caso de
despedida arbitrária, licença à maternidade e à paternidade, dentre
outros. Tudo isso, em prol daqueles que optaram por correr o risco de
se estabelecer no mercado como empresários: os hospitais.

Não se pode negar, por outro lado, que a pejotização também gera
vantagens econômicas aos profissionais de saúde: multiplicidade de
vínculos e menor tributação. A primeira é uma vantagem duvidosa,
haja vista que a assinatura da carteira de trabalho, dependendo da
carga horária contratada, não terá o condão de impedir outros vínculos
e inclusive o trabalho como autônomo em consultório. A menor
tributação seria, portanto, a única vantagem efetivamente aproveitável
ao trabalhador, já que a tributação do empregado é maior que a

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tributação dos empresários e cooperados. Contudo, esta vantagem


torna-se ínfima quando comparada a todas as perdas de natureza
trabalhista a que são submetidos os médicos através da criação de
empresas fictícias.

Além da iniciativa privada, como bem lembrado por Maria Amélia Lira
de Carvalho, o Estado também tem se valido desta prática. O concurso
público é a forma constitucionalmente prevista de acesso ao cargo ou
emprego público, regra excepcionada unicamente para o atendimento
de necessidades temporárias e de excepcional interesse público, além
dos cargos em comissão definidos em Lei, situações nas quais são
admitidos o contrato temporário de trabalho e a contratação de livre
nomeação e exoneração, respectivamente (CF, art. 37, II e IX).

Para os primeiros – necessidades temporárias de excepcional interesse


público -, cita-se, a título de exemplo, episódios de epidemias
incontroláveis ou desastres de grande vulto, situações nas quais faz-se
necessário maior contingente de profissionais da saúde pela
Administração Pública, para atendimento da população. Para os cargos
em comissão, por sua vez, fala-se em postos de trabalho de chefia ou
assessoramento, para os quais a contratação exige a confiança do
gestor público de saúde, podendo haver, por isso, contratações fora da
regra, isto é, através de concurso público.

Ressalvadas estas duas hipóteses, os profissionais de saúde que


prestam serviços ordinariamente aos entes federativos (União,
Estados, Municípios e Distrito Federal), deverão ser estatutários ou
celetistas, isto é, gozarão dos benefícios constitucionais concedidos aos
servidores públicos do ente federativo contratante, conforme estatuto
próprio ou a própria CLT, conforme o caso.

Em que pese a semelhança de condutas entre o hospital privado e o


público, no caso deste, o prejuízo ao profissional prestador de serviços
é bem maior, pois não lhe restará a alternativa de socorrer-se à Justiça
do Trabalho para configuração de vínculo laboral e garantia do
recebimento das verbas trabalhistas. Como leciona Arypson Silva Leite

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(2012), no caso do trabalhador contratado de maneira ilícita pela


Administração Pública, o contrato é considerado nulo por
entendimento sumulado do Tribunal Superior do Trabalho:

A fraude ora em comento, seja ela praticada pela iniciativa privada ou


pelo Estado, perpassa pelo Direito de Empresa, antes de qualquer
análise de Direito do Trabalho. Vejamos: nas sociedades criadas para a
contratação dos profissionais de saúde, não existe, entre seus sócios,
seu elemento primordial e característico que é a affectio societatis. É
dizer, são empresas criadas sem a comum intenção dos sócios de
compartilhar lucros e perdas, de assumir as responsabilidades e os
riscos do empreendimento, enfim, de partilhar a sorte da empresa.
Nenhum daqueles sócios, profissionais de saúde, tem a verdadeira
intenção de montar uma empresa, pelo contrário, quando o fazem,
pretendiam apenas trabalhar em determinado hospital, o qual exige-
lhes que sua contratação o seja por empresa interposta. Sobre este
elemento caracterizador das empresas – affectio societatis -, comenta
Fábio Ulhoa Coelho (2007, p.133):

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Contudo, em que pese a existência das aludidas pessoas jurídicas e a


contratação falseada, o Direito do Trabalho brasileiro adota, por regra,
a primazia da realidade em detrimento das formalizações praticadas
pelos contratantes. Assim dispõe a CLT – Consolidação das Leis
Trabalhistas, artigo 9º: “Serão nulos de pleno direito os atos praticados
com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos
preceitos contidos na presente Consolidação.”

Através deste dispositivo legal, torna-se possível a análise dos casos


concretos levados a juízo, sob a ótica do Direito do Trabalho,
aplicando-se-lhes suas normas, mesmo diante da criação de sociedades
ou cooperativas de trabalho fictícias, como se não existissem. Pouco
importará, portanto, o invólucro formal que tenha sido atribuído à
prestação dos serviços médicos. Para a configuração do vínculo laboral,
bastará a presença dos requisitos legais configuradores da relação
trabalhista, tais como previstos na legislação: onerosidade, não
eventualidade, pessoalidade e subordinação. Em suma, é possível
descaracterizar-se o contrato do hospital com a pessoa jurídica
falseada, se restar comprovado que, na prática, a relação de trabalho
era permeada por verdadeiro pacto trabalhista, com a presença dos
seus elementos caracterizadores. Neste sentido anda boa parte da
jurisprudência nacional:

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0000563-23.2011.5.01.0012

Trazer os requisitos da onerosidade e da não eventualidade à realidade


do profissional de saúde não é tarefa árdua. É dizer, em juízo, não há
dificuldades em provar que um profissional de saúde trabalhou
mediante remuneração (onerosidade) e com habitualidade (não
eventualidade) para um hospital. Para isso, usam-se, por exemplo, as
notas fiscais emitidas pela sociedade fictícia contra o hospital, os
relatórios dos planos de saúde acusando os atendimentos e a cópia das
escalas de plantões.

Merecem maiores considerações, contudo, os requisitos legais da


subordinação e da pessoalidade. A subordinação é considerada, por
grande parte da doutrina, como a principal qualidade distintiva da
relação de emprego. Guarda estreita ligação com os poderes do
empregador (de direção, organização, controle e disciplinar) e resume-
se na sujeição do trabalhador ao comando daquele, relativo ao modo de
realização das tarefas. Em ambiente hospitalar, os responsáveis pelas
diretrizes de trabalho dos profissionais de saúde costumam ser os
coordenadores das diversas especialidades médicas, ou de algum
departamento, os quais estão subordinados, normalmente, ao diretor-
clínico do hospital. É ele, o coordenador, quem determina previamente
a escala de plantões, os horários de início e término do trabalho
(inclusive o sobreaviso), quais os pacientes lhe serão encaminhados, o
preço das consultas particulares, as normas para a liberação de
materiais, enfim, num hospital, revela-se necessária a total inserção do
profissional de saúde às normas implementadas pelo empregador (ou
seus prepostos), caracterizando-se, dessa maneira, a subordinação a
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que se refere o art. 2º da CLT. Normalmente, esse requisito é


comprovado, em juízo, por meio de testemunhas, pois apenas estas
saberão o diaadia do trabalho prestado pelo profissional e como,
efetivamente, os fatos ocorrem naquele ambiente. É saber: o
profissional de saúde que pede vínculo trabalhista era, de fato e de
alguma forma, subordinado às ordens dos prepostos do hospital?

Situação diversa e geradora de decisões favoráveis aos hospitais, é a do


médico que loca o espaço do nosocômio para atender seus pacientes de
consultório. A título de exemplo, um cirurgião escolhe algum hospital
para a realização de uma cirurgia em paciente que não o procurou no
aludido hospital, mas em seu consultório. Neste caso, o médico terá
agido com a absoluta autonomia que o Código de Ética Médica lhe
permite, fixará seus honorários com o paciente livremente, dele
receberá, e escolherá a equipe de profissionais que participarão do
procedimento. Resta notório que, neste caso, o requisito da
subordinação está ausente, assim como a onerosidade (pois não será o
hospital quem irá remunerá-lo) e, via de conseqüência, não haverá se
falar em vínculo empregatício.

Com este entendimento, foi julgada uma demanda em 24 de março de


2011, na 74ª Vara do Trabalho de São Paulo na qual, com base nas
provas produzidas, indeferiu-se o vínculo pretendido pelo médico,
concluindo-se que o que houve no caso foi prestação de serviço
autônomo. Isto porque, em depoimento pessoal, o médico afirmou que
possuía uma equipe de cirurgia plástica, cabendo a ele decidir sobre o
ingresso e a saída de seus integrantes, que não tinham qualquer
vínculo com a instituição, e eram remunerados por ele próprio. A
sentença observou, ainda, a afirmação do médico no sentido de que,
em seus impedimentos, qualquer integrante poderia substituí-lo nas
consultas, sem que isto gerasse qualquer advertência por parte da
coordenação do hospital. Diante disso, concluiu-se pela ausência dos
elementos caracterizadores da relação de emprego dos artigos 2º e 3º
da CLT. Esse entendimento foi mantido pelo TRT-SP.

Por fim, a pessoalidade. Ensina Maurício Godinho Delgado (2008,


p.292):
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O requisito legal da pessoalidade refere-se à exigência do empregador


de que a prestação de serviços contratada deverá se dar
necessariamente pela pessoa do contratado, não podendo haver
substituição por outro profissional, ao alvedrio do empregado.

A pessoalidade costuma gerar discussões em processos judiciais pelo


fato de que, costumeiramente, os próprios profissionais de saúde
combinam trocas de plantões com seus colegas de trabalho, gerando,
muitas das vezes, a impressão de que é o profissional de saúde quem
decide quem irá efetivamente prestar o serviço ao hospital contratante.
Exemplo jurisprudencial de negativa de vínculo celetista em razão da
ausência do requisito da pessoalidade:

Contudo, este impasse é solucionado quando comprovado que estas


trocas somente se dão entre os profissionais que exercem a mesma
função dentro do mesmo hospital. Ou seja, se as trocas não ocorrem
por livre escolha do médico, mas apenas e tão-somente, nos limites

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permitidos pelo empregador (subordinação), normalmente, entre os


demais médicos prestadores de serviços do mesmo hospital, resta
explícita a presença do requisito da pessoalidade. É que, neste caso,
não é a empresa fictícia que realiza os serviços por qualquer de seus
sócios, mas necessariamente aquele médico específico, pessoa física,
sob a fachada de sua respectiva pessoa jurídica ou, algum outro, a
escolha do hospital.

0000096-23.2011.5.03.0001

Além da análise ora perpetrada sobre os requisitos da relação


empregatícia, há outra questão comumente aventada nos processos
judiciais desta natureza: é a licitude da terceirização de serviços
referentes à atividade-fim da empresa contratante. É dizer: pode um
hospital terceirizar os serviços típicos de um hospital? Sendo sua
atividade-fim a prestação de serviços médicos, e considerando-se o teor
da súmula 331 do TST, esta terceirização é ilícita. Vejamos: O referido
instrumento normativo assim estabelece:

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6.019

37 II
Constituição
7.102

71 8.666

Sérgio Pinto Martins (2009, p. 133), referindo-se sobre as definições de


atividade-meio e atividade-fim, leciona:

Ora, se os itens I e III da súmula estabelecem as hipóteses lícitas de


terceirização de serviços pelo empresário, vinculando-as à sua
atividade-meio (III) ou aos casos de trabalho temporário (I), conclui-
se, a contrario sensu, pela ilicitude da terceirização de serviços
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referentes à atividade-fim das empresas, salvo quando temporários. E


tem sido este o entendimento da maioria da jurisprudência nacional:

0000936-60.2012.5.03.0110

Apesar de majoritária, há também decisões que admitem a


terceirização da atividade-fim dos hospitais, desde que não haja relação
de subordinação entre os profissionais de saúde e o tomador de
serviços (hospital). Assim foi estabelecido, em 2012, pela Segunda
Turma do Tribunal Superior do Trabalho que, por unanimidade,
entendeu, nos autos do processo n.º RR-59200-80.2009.5.22.0002,
por manter o julgado da Vara do Trabalho, pelo fundamento de que,
naquele caso, os médicos utilizavam as instalações do hospital para
atender seus clientes “como uma extensão de seus consultórios, uma
vez que buscam o serviço do profissional, e não a instituição em si” e,
dessa forma, os médicos não representavam o hospital, exercendo suas
funções por conta e risco.

Pela Turma foi mantida a decisão Regional. Para o relator ministro


José Roberto Freire Pimenta, a questão em discussão não trata de
terceirização, contratação de empregado por empresa interposta, mas
sim de contrato firmado entre profissionais liberais, no caso os
médicos e o hospital, para prestação de serviços profissionais, “o que,
por si só, afasta a alegada contrariedade à Súmula 331, itens I e III, do
TST.” O ministro relator destacou que a decisão regional não
reconheceu, após a análise das provas, a existência de subordinação
jurídica na prestação de serviços daqueles médicos.

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Como se pode perceber, não é simples a análise das hipóteses de


formação de vínculo empregatício entre hospitais e profissionais de
saúde, pois não é pacífico o entendimento, salvo quanto à contratação
ilegal de servidores públicos, isto é, quando o contratante for a
Administração Pública. No âmbito privado, as situações devem ser
analisadas caso a caso e com especial atenção aos fatos do diaadia do
profissional em seu ambiente de trabalho, para averiguação
principalmente de dois aspectos – a existência da pessoalidade e da
subordinação -, elementos que, em última análise, são os maiores
responsáveis pelas variações de conteúdo das decisões judiciais.

Referências:

CARVALHO, Maria Amélia Lira de. “Uma reflexão sobre a pejotização


dos médicos” – disponível em http://www.interativadesignba.com.br
/III_SPSC/arquivos/sessao2/070.pdf

COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial: Direito de


Empresa, 18ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho, 7ª. Ed.


São Paulo: LTR, 2008

LEITE, Arypson Silva. “A nulidade da contratação de servidor sem


realização de concurso público por Municípios brasileiro” – disponível
em http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,a-nulidade-da-
contratacao-de-servidor-sem-realizacao-de-co...

MARTINS, Sergio Pinto. A Terceirização e o Direito do Trabalho. 9ª ed.


São Paulo: Atlas, 2009.

Por Regina Ribeiro Advogados - Direito Médico e à Saúde

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medico-como-pessoa-juridica-e-os-reflexos-desta-pratica-a-luz-do-direito-do-trabalho

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