Você está na página 1de 8

“A PEJOTIZAÇÃO E O ACIDENTE DO TRABALHO”

ANA PAULA FERNANDES DA SILVA1


SÉRGIO HENRIQUE SALVADOR2

RESUMO: O presente trabalho visa delimitar o conceito e procedimento da “pejotização”,


analisando inicialmente as características das relações de trabalho, para ao final exemplificar
alguns dos prejuízos que o trabalhador está sujeito ao ser contratado como pessoa jurídica,
dissimulando a pessoalidade em virtude da “pejotização”, e os reflexos de uma pejotização na
ocorrência de acidente do trabalho.

Palavras Chave: “Pejotização”. Relação de Trabalho. Pessoa Jurídica. Acidente do Trabalho.


Prejuízos.

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Pessoa física x pessoa jurídica na prestação de serviço. 3.


Requisitos da relação de trabalho e flexibilização do Direito do Trabalho. 4. Configuração da
“pejotização” e seus prejuízos. 5. O Acidente do Trabalho e o empregado pessoa jurídica 6.
Conclusão. 7. Referências

1. Introdução

Hodiernamente está sendo comum o uso de contratação de pessoas jurídicas para


prestação de serviços, que, em regra são realizados com habitualidade, onerosidade e
subordinação, estando contratualmente descaracterizada a pessoalidade, requisito máxime e

1
Pós graduanda em Direito do Trabalho pela UCAM, advogada militante em Direito do Trabalho,
associada da Jansen Nogueira Advocacia e Consultoria, ana.fsilva@hotmail.com.br.
2
Especialista em Direito Previdenciário pela EPD/SP. Especialista em Processo Civil pela PUC/SP. Ex-
Presidente da Comissão de Assuntos Previdenciários da 23ª Subseção da OAB/MG. Professor de Direito
Previdenciário do IBEP/SP. Professor de Direito Previdenciário e Processo Civil do Curso de Direito da FEPI –
Centro Universitário de Itajubá (www.fepi.br). Co-Autor dos Livros “DESAPOSENTAÇÃO – Aspectos
Teóricos e Práticos” (LTr) e “DIREITO PREVIDENCIÁRIO - Coleção Elementos do Direito n.19” (RT).
Advogado em Minas Gerais. Sócio do Escritório Advocacia Especializada Trabalhista & Previdenciária
(www.trabalhistaeprevidenciaria.com.br). (sergiohsalvador@bol.com.br)
2

de crucial importância para a caracterização do vínculo laboral. Tal fenômeno denomina-se


“pejotização”.
Na tentativa de burlar a legislação trabalhista e previdenciária surgem mecanismos que
usurpam as relações de trabalho, retiram-lhe a pessoalidade, de forma a não configurar esse
relacionamento típica, ferindo o art. 3° do texto consolidado.
Ocorre que na justiça laboral predomina-se o princípio da primazia da realidade, não
importando se a pessoa física que está prestando o serviço está constituída e recebendo como
pessoa jurídica.
Essa relação de emprego forjada à luz da legislação trabalhista vigente, acaba por
reconhecida em juízo, resultando na condenação da empregadora aos pagamentos de todas as
verbas decorrentes da relação de emprego, omitidas anteriormente, tais como, FGTS, 13°
salário, Imposto de Renda, Seguro desemprego, entre outras.
No presente trabalho discorreremos acerca das características da relação de emprego e
as características da relação de prestação de serviço entre pessoas jurídicas, e chegar ao ponto
comum previsto no art. 3° da CLT, delineando os prejuízos acarretados ao trabalhador que se
submete a “pejotização”, elencaremos os principais prejuízos decorrentes da contratação
fraudulenta, principalmente na ocorrência de acidente de trabalho.

2. Pessoa física x pessoa jurídica e o vínculo empregatício

Pessoa física é a pessoa natural detentora de direito e obrigações decorrentes da


personalidade jurídica que adquire com o nascimento com vida.
Pessoa jurídica é a criação da lei para imputar a um ente, formado por pessoa ou
pessoas físicas, direitos e obrigações decorrentes da Lei.
É sabido que tanto a pessoa física quanto a jurídica foram criações do direito.
Segundo o art. 3° da Consolidação das Leis do Trabalho, que define os requisitos
caracterizadores da relação empregatícia, empregado é toda pessoa física.
Art. 3º Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza
não eventual a empregador, sob dependência deste e mediante salário. (grifamos)
No entanto, não basta ser pessoa física para caracterizar o vínculo empregatício, se faz
necessário o preenchimento dos demais requisitos previstos no mesmo artigo, quais sejam, a
prestação de serviço de forma não eventual, de forma subordinada, mediante o recebimento de
salário.
Não estando presentes todos os requisitos, o prestador de serviços pessoa física será
3

regido pelo Código Civil e estará sujeito a Justiça Comum.


Lado outro, estando presentes todos os requisitos previstos no art. 3° da CLT, há de ser
reconhecido o vínculo empregatício, sendo a relação de emprego regida pela CLT e sujeita a
justiça do trabalho.
Noutro giro, a pessoa jurídica prestadora de serviço, sempre será regida pelo Código
Civil, sendo excluída da égide da justiça laboral pelo simples fato do serviço não ser prestado
por pessoa física como determina o art. 3° da CLT.
Usualmente as prestações de serviços por pessoa jurídica ocorrem de forma
esporádica, costumando ser específicos e pagos mediante nota fiscal de serviço.

3. Requisitos da relação de trabalho e teoria da aparência

Os requisitos aptos a caracterizarem uma relação empregatícia estão previstos no art.


3° da CLT, e são a pessoalidade, onerosidade, habitualidade e subordinação.
Analisaremos agora cada um deles detalhadamente.
Pessoalidade é o trabalho prestado por trabalhador, PESSOA FÍSICA, seja ele físico
ou intelectual, é essa característica que nos interessa no desenvolvimento do presente
trabalho.
Onerosidade é a remuneração do serviço do obreiro, se é gratuito não caracteriza
relação de trabalho.
Habitualidade é o trabalho exercido de forma não eventual, no qual o empregador
conta e depende dos serviços do obreiro.
Subordinação é a dependência do empregado com relação ao empregador, este, que
por sua vez, direciona e controla os serviços a serem prestados.
Sendo necessário estabelecer outro requisito aceito pela doutrina moderna e previsto
no art. 2º da CLT, que é a alteridade contratual, ou seja, o empregador assume os riscos do
negócio. Assim, a ausência da alteridade na execução dos serviços pelo empregado é mais
uma característica da ocorrência de pejotização.
Estando presentes todos os requisitos acima mencionados, caracterizada está a relação
de emprego, regulada pela CLT. Tais requisitos costumam estarem presentes de forma
expressa, vinculados ao contrato de trabalho representado pela anotação na CTPS do
empregado.
No entanto ainda que presentes todos os requisitos já mencionados, pode não haver o
contrato de trabalho, não haver anotação de CTPS, haver um contrato tácito, entre outros. A
4

ausência de formalidade quanto à contratação do empregado por si só não gera prejuízos ao


empregado, desde que sejam cumpridas todas as obrigações garantidas pela Consolidação das
Leis do Trabalho, a título de exemplo citamos o pagamento de FGTS, 13° salário, férias, etc.
Lado outro é o caso de estarem presentes os requisitos da relação de emprego e o
empregador em total afronta a legislação trabalhista vigente se omitir na concessão de direitos
legalmente garantidos. Para solucionar tal problema o empregado deve buscar a Justiça do
Trabalho para o reconhecimento do vínculo de emprego, que resultará na condenação do
empregador ao pagamento de todas as verbas contratuais e resilitórias devidas durante o
contrato de trabalho não atingidas pela prescrição.
A afronta à legislação trabalhista por parte do empregador pode se caracterizar de
várias formas, no presente trabalho elucidaremos o contrato de empregado por meio de pessoa
jurídica, relação de trabalho na qual estarão presentes todos os requisitos do art. 3° da CLT,
sendo a pessoalidade forjada pela Pessoa Jurídica.

4. Configuração da “pejotização” e seus prejuízos

Conforme explanado acima para a configuração da relação de emprego se faz


necessário à presença dos requisitos estabelecidos pelo art. 3° da CLT, quais sejam,
pessoalidade, onerosidade, habitualidade e subordinação.
Quando o empregado é contratado por meio de uma pessoa jurídica, embora preste o
trabalho de forma habitual, onerosa e subordinada, caracterizado está a pejotização, que nada
mais é do que a contratação de empregado por meio de pessoa jurídica constituída para o fim
de burlar a legislação trabalhista e omitir os direitos previstos na Consolidação das Leis do
Trabalho, Constituição Federal e Leis esparsas.
A maioria dos casos de pejotização ocorrem quando a área profissional do empregado
geralmente é realizada por profissionais liberais, como nos casos de engenheiro, contador,
advogado, entre outros, que embora contratados para prestarem serviço subordinado e
habitual, sendo na maioria realizados no interior do estabelecimento empresarial e mediante
recebimento de salário fixo. Sendo forçados a estabelecem pessoa jurídica e fornecer nota
fiscal, em troca de salários maiores.
Sendo, o alto valor dos salários, geralmente o motivo que leva a prática da pejotização.
O custo fiscal de um empregado hoje está em torno de 30% de seu salário bruto, ou
seja, quanto maior o salário, mais alto será o recolhimento de impostos.
5

O que os empregadores esquecem na hora de cometer o ilícito, é que no direito laboral


prevalece a aparência e não o contrato, ou seja, se o empregado comprovar o preenchimento
dos requisitos previstos nos art. 2º e 3º da CLT, caracterizado estará o contrato de trabalho,
resultando na condenação de todos os consectários legais decorrentes da relação de emprego,
sendo os principais: FGTS, Gratificação Natalina, Férias.
Um item importante e intrigante a ser discutido, é a defesa a ser realizada em um
processo discutindo o reconhecimento de vínculo empregatício quando há pejotização. Na
maioria dos casos a gratificação natalina, mais conhecida como décimo terceiro salário e as
férias são concedidas e pagas ao empregado pejotizado, entretanto, se a empregadora na
condição de Reclamada alegar tal fato, gerará automaticamente o reconhecimento do vínculo
que resultará na condenação. Lado outro, não suscitando o abatimento dos valores de férias e
gratificação natalina a empresa será condenada ao seu pagamento, que resultará internamente
no pagamento em dobro de tais direitos.
Neste sentido, tal pagamento “em dobro” teria caráter punitivo ao empregador que
omitiu o vínculo de emprego. Mas essa punição não tem previsão legal e gera enriquecimento
ilícito do empregado, que omite a boa-fé.
O empregado pessoa jurídica recolhe 11% sobre o valor da nota fiscal de prestação de
serviço emitida a título de INSS, tal contribuição previdenciária será somado futuramente as
demais contribuições para fins de aposentadoria. Entretanto, caso o empregado tenha laborado
por todo o tempo exposto a agentes insalubres por exemplo, na condição de pessoa jurídica
não terá direito ao pagamento do adicional de insalubridade e, consequentemente a
aposentadoria especial, que é deferida com base no PPP, LTCAT e PCMSO da empresa,
adstrita aos empregados contratados na forma estabelecida pela Consolidação das Leis do
Trabalho.
Um exemplo de pejotização é a contratação por meio de cooperativas de mão de obra,
inserida em nosso ordenamento jurídico pela Lei 8.949/94, prevendo a inexistência de vínculo
empregatício entre da cooperativa com os associados, nem entre estes e o tomador de serviço.
A maioria das cooperativas são constituídas pelo próprio empregador que explorará a
força do trabalho dos cooperados incentivados pelo baixo custo da contratação, decorrentes
dos incentivos fiscais particulares as cooperativas, a exemplo da contribuição previdenciária
no importe de 15%, contrastando com os 20% pagos aos empregados diretos. Da mesma
forma como ocorre com um único empregado contratado diretamente, a contratação de
funcionário cooperado traz os mesmos riscos para este, que não terá qualquer estabilidade
6

previdenciária, 13° salário, férias com o terço constitucional, eis que exploram a própria força
do trabalho em forma de cooperativa.
Diante disto, mais uma vez resta comprovado que a opção pela pejotização é a opção
mais imprudente a ser tomada.
Outro ponto importante a mencionar é no caso de havendo a pejotização, o empregado
não tem direito a abertura de CAT e qualquer tipo de auxílio previdenciário decorrentes de
acidente do trabalho, tampouco danos morais decorrentes da relação de emprego, como, por
exemplo, o tão discutido assédio moral e seus consectários.

5. O Acidente do trabalho e o empregado pessoa jurídica

Recorrente nos juízos trabalhistas tem sido as postulações decorrentes de acidente do


trabalho. Na maioria de ordem indenizatória, os obreiros buscam na justiça do trabalho o
respeito a direitos básicos como a estabilidade prevista no art. 118 da Lei 8.213/91.
O art. 118 da Lei 8.213/91 assim dispõe:
Art. 118. O segurado que sofreu acidente do trabalho tem garantida, pelo prazo
mínimo de doze meses, a manutenção do seu contrato de trabalho na empresa, após a
cessação do auxílio-doença acidentário, independentemente de percepção de auxílio-
acidente
Assim, temos que o segurado que sofreu acidente do trabalho percebendo auxílio
doença acidentário ou auxílio acidente tem estabilidade no emprego por doze meses após seu
retorno ao trabalho.
Qualquer pessoa pode ser segurado do INSS, independentemente de ser empregado, a
exemplo do contribuinte avulso.
Entretanto a discussão apresentada não restringe-se a condição de segurado e sim aos
direitos dele consequente.
O trabalhador pessoa jurídica pode contribuir para o INSS na condição de avulso, para
fins de benefícios junto a seguridade social.
O procedimento comum de se proceder quando da ocorrência de acidente de trabalho é
a emissão de CAT ao INSS pela empresa, a CAT, Comunicação de Acidente de Trabalho é
pressuposto necessário para que o afastamento pelo INSS tenha caráter acidentário (auxílio
acidente ou auxílio doença acidentário) e os direitos trabalhistas decorrentes.
Já quando ocorre acidente com o empregado a serviço da empresa de trabalhador
pessoa jurídica não há procedimento.
7

Eis que a pessoa jurídica assume os riscos do negócio. Devendo o trabalhador recorrer
ao INSS para proceder ao afastamento por sua conta e risco.
Até então não há prejuízos, eis que ambos trabalhadores, empregado e pessoa jurídica,
ao sofrerem acidente, na condição de segurados do INSS podem pleitear afastamento junto a
referida autarquia.
O período de afastamento é sempre estipulado de acordo com a lesão sofrida,
permanecendo até quando a incapacidade ao trabalho perdurar.
O empregado celetista afastado pelo INSS não pode ser dispensado enquanto estiver
afastado, sendo detentor de estabilidade provisória no emprego pelo prazo de doze meses após
cessar a incapacidade laboral e, caso seja dispensado sem justa causa terá direito a
indenização substitutiva do período estabilitário.
O trabalhador pessoa jurídica, não receberá auxílio doença acidentário ou auxílio
acidente, sendo apenas auxílio doença, eis que não é empregado e não houve emissão de
CAT, não tendo qualquer tipo de estabilidade, podendo ser dispensado a qualquer tempo,
inclusive ainda afastado.
E no caso de lesões permanentes e inclusive deficiência física, perda de membros entre
outros por parte do trabalhador PJ, este estará desamparado e a própria sorte, podendo ser
descartado pela empresa, eis que não mais atenderia suas necessidades.
Assim, como vemos, a contratação por meio de pessoa jurídica só traz prejuízos ao
funcionário, eis que caso este venha a sofrer o infortúnio acidentário não terá qualquer direito
estabilitário, podendo ser dispensado a qualquer momento.

6. Conclusão

A pejotização é uma atitude imprudente do empregador que submete seu empregado a


realizar o serviço de forma subordinada, onerosa, pessoal e habitual, não recolhendo todos os
consectários legais decorrente do vínculo aparentemente estabelecido, eis que o empregado é
contratado por meio da abertura de pessoa jurídica.
O empregado pejotizado lança mão de vários direitos decorrentes da relação de
emprego e é visivelmente prejudicado, tais como, 13° salário, férias + 1/3, FGTS, INSS,
estabilidades e gratificações.
Referidos prejuízos não são apenas de natureza imediata, mas possuem reflexos no
futuro, principalmente no caso de uma dispensa sem justa causa.
Ocorrida a pejotização, além de praticar ilícito contra a pessoa do empregado, o
8

empregador está sujeito a punições do Estado por sonegação de impostos e omissão de


direitos trabalhistas.
Quanto ao acidente do trabalho de pessoa jurídica os prejuízos são ainda maiores, eis
que banalizada a relação de emprego, este não terá qualquer garantia, podendo ser dispensado
a qualquer momento com ou sem motivo, ficando a própria sorte.
O empregado contribui para o enriquecimento e desenvolvimento da empresa e
consequentemente da economia do país, devendo receber todas as proteções e amparos
constitucionais e legais para também prover seu sustento, manutenção da sua família e
construção de uma vida digna.
A inexistência de amparo aos trabalhadores transcende uma insegurança jurídica, eis
que afeta todos os setores da sociedade, influenciando no seu desenvolvimento como pessoa,
que não é reconhecido pelo dispêndio de sua força de trabalho para o enriquecimento de
determinados grupos.
Diante de todo o exposto temos que a pejotização é um risco ao empregador e um
conjunto de prejuízos ao empregado que se submete a este tipo de contratação, devendo ser
ponderado quanto as consequências legais e extralegais dela decorrentes.

Referências

BARROS, Alice Monteiro de, Curso de direito do Trabalho, São Paulo: LTR, 2011.
DELGADO, Maurício Godinho, Curso de Direito do Trabalho, São Paulo: LTR 2009.
MARTINS, Sergio Pinto, Direito do Trabalho, São Paulo: Atlas, 2009.
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de, Indenização Por Acidente do Trabalho ou Doença
Ocupacional, São Paulo: LTR, 2014.

Você também pode gostar