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Resumo: O presente artigo tem como principal objetivo analisar as principais finalidades da
chamada pejotização nas relações de trabalho frente a reforma trabalhista prevista na Lei n.º
13.467/17. A pejotização, modalidade de contratação que consiste em contratar uma pessoa
física como se jurídica fosse, tornou-se mais corriqueira, trazendo à tona possibilidades de
fraude às relações de trabalho, tendo em vista que o empregador se vê isento de cumprir as
obrigações acessórias do contrato de trabalho e infringindo garantias constitucionais e
infraconstitucionais. Por conseguinte, mediante análise de princípios, garantias e direitos
trabalhistas, assim como dos pressupostos essenciais da relação de labor, infere-se que o
fenômeno da pejotização opera como meio de fraudar obrigações, garantias e direitos laborais.
Abstract: The main objective of this article is to analyze the main purposes of the so-called
pejotization in labor relations in the face of the labor reform provided for in Law n.º 13.467/17.
Pejotization, a type of contract that consists of hiring an indidual as if it were a legal entity, has
become more commonplace, bringing up possibilities of fraud in labor relations, given that the
employer is exempt from complying with the accessory obligations of the employment contract
and violatinh constitucional and infra-constitucional guarantees. Therefore, by analyzing
princliples, guarantees and labor rights, as well as the essential assumptions of the labor
relationship, it is inferred that the phenomenon of pejotization operates as a means of defrauding
obligations, guarantees and labor rights.
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Acadêmica do curso de Direito da Universidade São Judas Tadeu da Rede Ânima Educação. E-mail:
leticiamsouzac@gmail.com. Artigo apresentado como requisito parcial para conclusão do curso de Graduação
em Direito da Universidade São Judas Tadeu da Rede Ânima Educação. 2022. Orientador: Profº Pedro Henrique
de Abreu Benatto,
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1 INTRODUÇÃO
Com a Reforma Trabalhista, Lei n.º 13.467/17, o advento da pejotização ganhou certa
relevância ante as questões acerca da terceirização pois, através desse instituto, os
empregadores passaram a ter mais autonomia para realizar a contratação de quaisquer serviços
terceirizados, favorecendo assim o cenário de contratação de pessoas físicas como se jurídicas
fossem, sem que sejam adquiridas as obrigações acessórias do contrato de labor, visto que esse
tipo de relação entre as partes não caracteriza vínculo empregatício.
De acordo com Leone Pereira (2013) a alternativa para superação da crise que a
chamada pejotização criou deve ser firmada a fim de manter os direitos trabalhistas para
proteger os direitos laborais dos Obreiros que ficam em desvantagem nas relações
empregatícias, ainda, a flexibilização dos direitos dos trabalhadores deve ser repugnada, assim
como a criação de legislação específica, que estaria legitimando a fraude aos direitos
trabalhistas daqueles que tão só são empregados.
A chamada pejotização equivale a contratação de uma pessoa física como se jurídica
fosse, em grande parte como Microempreendedor Individual (MEI), através de contratos de
prestação de serviços. Esse fenômeno possui certos fundamentos que lhe dão aparência de
legalidade, no entanto, é necessário explorar e ponderar quais as vantagens e desvantagens
desse instituto para o obreiro em razão da fragilização dos direitos trabalhistas.
O estudo em comento fora confeccionado com uso de doutrinas, análises documentais
e de jurisprudências, assim como uso da legislação pátria. No que tange aos fins, trata-se de
pesquisa descritiva do tipo qualitativa.
Em continuidade, o presente artigo tem por objetivo levantar, primeiramente, os direitos
e garantias fundamentais, posteriormente os pressupostos necessários para distinção entre as
relações de emprego e trabalho, em seguida a legalidade do instituto da pejotização e suas
vantagens e desvantagens, assim como demonstração das categorias mais afetadas pela
ocorrência do fenômeno e por fim, a incidência da precarização nas relações laborais.
Quando se fala de relação de trabalho, trata-se de vínculo jurídico, qualquer que seja,
entre uma pessoa física/natural que presta serviços e/ou obras a outra pessoa em troca do
pagamento de uma contraprestação.
O doutrinador José Cairo Junior (2008), relação de trabalho é uma espécie do gênero
das relações jurídicas obrigacionais, em específicos daquelas que derivam de um negócio
jurídico (contrato e declaração unilateral de vontade) e um dos contratantes obriga-se a fazer
(executar) determinado serviço.
Ainda, Maurício Godinho Delgado (2009) sustenta que a expressão “relação de
trabalho” possui um caráter genérico, tendo em vista se referirem à todas as relações jurídicas
determinadas especialmente por uma obrigação de fazer em consonância ao trabalho humano.
A relação de trabalho pode ocorrer em diversos moldes, alguns como: autônomo, avulso,
eventual, voluntário, estágio e até mesmo relação de labor subordinado (relação de emprego).
Cada uma dessas formas apresenta suas devidas características para determinação de seu molde
da relação de trabalho.
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1.5 DA PEJOTIZAÇÃO
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Art. 3º. Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador,
sob a dependência deste e mediante salário
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Art. 129. Para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza
científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer
obrigações a sócios ou empregados de sociedade prestadora de serviços, quando por esta realizada, se sujeita tão
somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas, sem prejuízo da observância do disposto no art. 50 da Lei n.
10.406 de janeiro de 2002 – Código Civil.
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Ainda, visto que pejotização não se limita apenas aos trabalhos intelectuais, o fenômeno
preocupa também os sindicatos dos trabalhadores, pois acreditam que a pejotização dificulta o
movimento sindical, tendo em vista que aquele trabalhador não se sindicalizará, nem fará parte
de uma classe, além de não poder recorrer ao sindicato para reivindicar seus direitos.
Mesmo que a Lei n.º 11.196/2005 dê fundamento legal para o referido fenômeno,
ressalvando que o dispositivo presume a contratação de profissionais intelectuais por meio de
pessoa jurídica, nem sempre apenas os profissionais intelectuais usufruem desse tipo de
contratação, situações que se tornaram preocupantes e assim com o intuito de estudar, inibir e
combater práticas inautênticas/fraudulentas, o Ministério Público do Trabalho criou a Conafret
(Coordenadoria Nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho) através da portaria
n.º 386 em 30 de setembro de 2003.
A Conafret busca encontrar procedimentos que auxiliem a fiscalização da pejotização
em suas múltiplas facetas.
Muito se questiona acerca da atuação do Ministério do Trabalho e Emprego frente ao
fenômeno da pejotização, o órgão em questão possui como parte de suas atribuições, serem
defensores do direito administrativo e promotores do direito do trabalho através de fiscalização,
sendo responsáveis pelo policiamento da pejotização na esfera trabalhista.
Em suma, a pejotização ganhou forças através da equivocada interpretação do artigo
129 da Lei n.º 11.196/2005, tendo em vista que a prestação de serviços deveria ocorrer de forma
eventual, sem subordinação, dando ao prestador de serviços autonomia para realização de suas
atividades.
Resende (2020, p. 19) explica que o Direito do Trabalho surgiu a fim de reduzir a
desigualdade existente entre empregado e empregador, a partir disso entende-se que a finalidade
do Direito do Trabalho é a proteção do trabalhador, visto que esse é o elo mais frágil da relação
trabalhista.
Segundo Resende (2020, p. 19), os princípios estão ligados aos valores que o Direito
visa realizar, servindo como fundamento e sendo responsáveis pela gênese de grande parte das
regras que consequentemente devem ter sua interpretação e aplicação condicionadas por
aqueles princípios.
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O advento da pejotização traz junto a si uma série de lesões aos trabalhadores, ferindo
direitos fundamentais, princípios trabalhistas e constitucionais, além da falsa promessa de que
a referida modalidade é benéfica à todas as partes da relação contratual.
Ocorre que ao consentir em fazer a transição de pessoa física empregada para pessoa
jurídica prestadora da serviços, o empregado, que anteriormente estava resguardado por seus
direitos legalmente previstos, passa a não ser mais detentor de tais benefícios.
Nesse processo o Obreiro perde os direitos as seguintes verbas: 13º salário, férias
acrescidas do terço constitucional, FGTS, piso salarial, adicionais, além é claro de perder o
amparo da Consolidação das Lei Trabalhistas e eventualmente do sindicato de sua categoria.
Consoante a perda de direitos, um dos princípios afetados é o da dignidade humana, haja
vista as condições precárias que o Obreiro assume a fim de manter o mínimo para sua
subsistência. Além da grave lesão aos princípios também constitucionais da boa-fé e da
razoabilidade.
Em contrapartida, um grande aliado dos trabalhadores é o princípio da primazia da
realidade dos fatos consoante ao princípio da proteção, este último com subprincípios que
auxiliam na proteção dos trabalhadores, quais sejam: norma mais favorável, condição mais
benéfica e in dubio pro operário.
Conforme sustenta Resende (2020, p. 31), o princípio da primazia da realidade dos fatos
é o trunfo da verdade real sobre a verdade formal, isso porque os fatos para o Direito do
Trabalho sempre serão mais relevantes que os ajustes formais. Desta forma, se prioriza o que
de fato ocorre, não ficando os fatos subjugados aos termos acordados em contrato. Esse
princípio fora consolidado pelo artigo 09º da CLT4.
No âmbito do princípio da primazia da realidade dos fatos, Pereira (2013, 35) afirma
que:
A configuração do vínculo rege-se não pelo aspecto formal, mas pela realidade dos
fatos em obediência ao princípio da primazia da realidade, que acarreta a
descaracterização de uma relação civil de prestação de serviços, quando presentes os
requisitos da relação de emprego.
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Art. 9º - Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a
aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.
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Por fim, o princípio do in dubio pro operário, similar ao entendimento dos princípios
anteriores, este também traz consigo a intelecção do mais benéfico ao empregado.
Em análise ao fenômeno da pejotização sob a perspectiva dos princípios apresentados,
nota-se que há prejuízos incontáveis quando um empregado pessoa física é contratado como se
jurídica fosse, isso porque o Obreiro perde a proteção que diversos meios lhe oferecem, ficando
a mercê de uma subordinação mascarada de condição mais benéfica.
Ante o equivocado entendimento do artigo 129 da Lei n.º 11.196/2005, os empregados
se tornam partes lesadas da relação empregatícia sob uma falsa ideia de legalidade, isso porque
o empregador se beneficia, haja vista a diminuição de encargos a serem pagos, da prática
fraudulenta da pejotização.
Em continuidade, considera-se a pejotização prática inautêntica pois está em desacordo
com o entendimento dos princípios norteadores do Direito do Trabalho e com o previsto no
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Art. 468 – Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo
consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena
de nulidade da cláusula infringente desta garantia.
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artigo 03º da CLT6, visto que o dispositivo legal determina os pressupostos para caracterização
do empregado que são mantidos mesmo com a condição de pessoa jurídica, ficando assim
estabelecida uma relação jurídica enganosa.
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Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador,
sob a dependência deste e mediante salário.
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O advento da pejotização traz diversos temas emblemáticos à tona, isso porque existe
também a motivação da empresa para utilização de tal modalidade para contratação. Ainda que
as desvantagens para os trabalhadores sejam evidentes, muitas empresas, principalmente
durante o período pandémico mais crítico, tiveram que diminuir gastos, fazendo cortes de custos
em diversas áreas e consequentemente a rescisão contratual de diversos trabalhadores, neste
cenário, a pejotização se tornou uma opção para ambas as partes, tanto para empregados que
necessitavam manter seus empregos, quanto para empregadores que, visando diminuir custos
trabalhistas, previdenciários e tributários, passou a realizar a contratação de prestadores de
serviços.
A flexibilização poderia ser objeto de utilização caso ambas as partes, empregado e
empregador, estivessem de acordo, assim como se os interesses estivessem em consonância.
No entanto, as vantagens da modalidade de pejotização estão quase que totalmente atribuídas
ao empregador.
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Ante todo o exposto, é possível concluir que, mesmo havendo pontos positivos, mínimos
e irrisórios, os pontos negativos tiram mais de todos os direitos do empregado, inclusive de sua
vida pessoal.
Outra categoria grandemente afetada pela pejotização é a classe médica7, que a exemplo
da pesquisa de Maria Amélia Lira de Carvalho para seu mestrado, foram entrevistados 10
médicos de Salvador e os relatos foram unanimes, empregados obrigados a constituírem
pessoas jurídicas como requisito para contratação, muito embora estes profissionais fossem
subordinados, sem qualquer autonomia e com seus direitos trabalhistas ceifados.
Os Tribunais Regionais do Trabalho de todo o Brasil8 possuem jurisprudências
pacificadas quanto ao tema, deferindo, em grande parte, o reconhecimento do vínculo
trabalhista com a nulidade do regime de pejotização.
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RO, 00107913220255010072, 07ª Turma, Relator José Luis Campos Xavier, DEJT 01/12/2018 – VÍNCULO DE
EMPREGO. MÉDICO. PEJOTIZAÇÃO. A celebração de contrato de prestação de serviços através do
fenômeno da “pejotização”, com intuito de configurar um suposto trabalho autônomo, somente evidenciou a
tentativa da reclamada de mascarar típica relação empregatícia, não restando outra alternativa a não ser declarar
incidentalmente a nulidade do contrato de prestação de serviços estabelecido entre a reclamada e a pessoa
jurídica da qual a reclamada é socia, com fulcro no art. 9º da CLT, reconhecendo-se a existência do vínculo
de emprego entre as partes, na forma do art. 2º e 3º da Consolidação. (grifos nossos)
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RO – 01002238120215010321, 02ª Turma, Relator Valmir de Araújo Carvalho, DEJT 24/11/2021 –
PEJOTIZAÇÃO. RELAÇÃO DE EMPREGO. CONFIGURAÇÃO. Para o desmascaramento da pejotização,
assume relevante importância a análise do preenchimento, em especial, dos requisitos da pessoalidade e da
subordinação, que se verificou nestes autos, pois o autor cumpria, com pessoalidade, atividades indispensáveis
ao funcionamento da reclamada, acatando o poder de direção da empresa, integrando-se aos objetivos do
empreendimento e inserindo-se em sua dinâmica, pacificando a existência de autêntica relação de emprego.
(grifos nossos).
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O trabalhador lutou durante anos para que lhe fossem concedidos os direitos
supramencionados, além da agnição à sua condição de elo mais fraco nas relações de emprego,
de hipossuficiência.
Ainda, conforme amplamente demonstrado, é possível descaracterizar a pejotização dos
vínculos trabalhistas ante a existência dos pressupostos necessários para a caracterização de
pessoa física empregada, ainda que a máscara fraudulenta da pejotização esteja presente.
Por fim, cumpre salientar que a pejotização menoriza os trabalhadores, mascara uma
relação fraudulenta e se contradiz com os princípios, principalmente, trabalhistas e
constitucionais, e com a legislação vigente.
REFERÊNCIAS
Almeida, Thaís Soares de O. Planejamento Tributário. Disponível em: Minha Biblioteca, Grupo
Almedina (Portugal), 2020.
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2016
Curso de direito comercial. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 1993, v. 1, p. 163.
Curso de direito constitucional positivo. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 180-182
Curso de direito do trabalho. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 478.
Flexibilização das condições de trabalho. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 11-15
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452compilado.htm - Acessado em
04.11.2022 às 17:04
MARTINS, Sergio Pinto. Direito do trabalho. Editora Atlas, 22. ed..São Paulo: 2006.
Pereira, Leone. Pejotização: o trabalhador como pessoa jurídica. Disponível em: Minha
Biblioteca, Editora Saraiva, 2013
Resende, Ricardo. Direito do Trabalho. Disponível em: Minha Biblioteca, (8th edição). Grupo
GEN, 2020.